ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE CONSTITUCIONALISMO, TRANSNACIONALIDADE E
SUSTENTABILIDADE
15º Seminário Internacional de Governança e Sustentabilidade
Universidad de Alicante - Espanha
Setembro de 2019
DESGLOBALIZAÇÃO OU NOVAS MANIFESTAÇÕES DA GLOBALIZAÇÃO
Alessandra Vanessa Teixeira1
Carla Piffer2
INTRODUÇÃO
O debate sobre o atual estado da globalização, ou sua regressão
por meio da desglobalização apresenta-se como uma das questões
hodiernas, ante seu impacto político-estratégico, econômico e social.
Esta discussão tem início justamente em um momento em que a
crise estrutural do capitalismo se manifesta em um lento avanço,
desaceleração e até mesmo retrocesso de diferentes áreas do mundo. Deste
modo, o objetivo geral do presente artigo é examinar se a globalização
estaria retrocedendo – eis a desglobalização -, ou se esse fenômeno estaria
se adaptando às novas realidades, fornecendo indícios das novas formas de
manifestação.
Como objetivos específicos, faz-se inicialmente uma abordagem
da clássica globalização, seus efeitos e principais características; na
sequência objetiva-se apresentar os efeitos cíclicos do fenômeno para, ao
final, verificar se estaríamos, ou não, diante da ocorrência da
desglobalização.
Para tais finalidades, o presente estudo lança mão do método
indutivo, com auxílio das técnicas da categoria, do conceito operacional, do
referente e da pesquisa bibliográfica.
1 REMEMORANDO A “CLÁSSICA” GLOBALIZAÇÃO
1
Doutoranda em Ciência Jurídica – PPCJ – UNIVALI. Mestre em Direito (UPF). Especialista
em Direito Público (IMED).
2
Professora dos Programas de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica - PPCJ - UNIVALI.
Professora do Mestrado Internacional Profissional em Direito das Migrações Transnacionais -
UNIVALI. Doutora em Diritto pubblico pela Università degli Studi de Perugia - Facoltà di
Giurisprudenza- Itália. Doutora em Ciência Jurídica (UNIVALI). Mestre em Ciência Jurídica
(UNIVALI).
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A globalização – objeto de tanta discussão e divergência –
continua a ser abordada mesmo quando pareça que tudo sobre ela já foi –
incansavelmente – debatido.
Aquela globalização, cujo ritmo acelerou-se significativamente a
partir do final da Segunda Guerra Mundial, e mais ainda após o término da
Guerra Fria, que configura sua essência a um fenômeno econômico,
representou uma nova etapa na evolução do capitalismo, e se consolidou
ante o extraordinário avanço tecnológico.
Nesta ordem, atribuiu-se às estas transformações a origem do
sistema-mundo e do consequente ápice da globalização, com a
reconfiguração da economia mundial e o surgimento de termos como
internacionalização, mundialização, transnacionalização, sistemas mundiais
e fábrica global3, com o intuito de justificar que houve uma “drástica
ruptura nos modos de ser, agir, pensar em fabular” e que “o centro do
mundo não é mais voltado só ao indivíduo”4.
A globalização é, portanto, o ápice do processo de
internacionalização do mundo capitalista”5. Significa que muito do que se
fala em todo mundo é referente à a globalização do capitalismo, no qual
predomina o neoliberalismo, sempre combatendo duramente tudo o que é
social tanto no socialismo como na social-democrata6. Convém mencionar
também que embora comumentemente utilizados em conjunto, globalização
e neoliberalismo não são verbetes sinônimos, pois “A Globalização é um
fato histórico e o neoliberalismo uma teoria” 7.
Mas a globalização não se resume apenas a esse novo modo de
produção capitalista, estruturado em escala mundial. Ela decorre também
3
Estas são algumas das metáforas apresentadas por Ianni para justificar o papel
desempenhado pela Globalização nos dias atuais. IANNI, Octavio. Teorias da Globalização.
8.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 43.
4
IANNI, Octavio. Teorias da Globalização. p. 43.
5
SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do pensamento único à consciência
universal. 18. ed. Rio de Janeiro: Record, 2009. p. 23.
6
IANNI, Octavio. Capitalismo, Violência e Terrorismo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2004. p. 332
7
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14.ed. São Paulo:
Malheiros. 2010. p. 45.
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da universalização dos padrões culturais, da necessidade de
equacionamento comum dos problemas que afetam a totalidade do planeta,
da relativização da soberania estatal frente os ideais das grandes
corporações econômicas, dentre outros fatores.
Esta complexidade e coexistência de novos processos que
circulam, se complementam e conflitam nas mais variadas direções,
juntamente com as alterações percebidas nas relações entre os Estados e
indivíduos e as consequências do enaltecimento dos ideais neoliberais
demonstram somente uma análise prévia do fenômeno. Conforme expõe
Giddens, “La globalizzazione può prospettare un modo non particolarmente
attraente o raffinato, ma nessuno che voglia comprender in che direzione si
muove il nuovo secolo può ignorarla”8.
A onda frenética globalizatória trouxe, portanto, a necessidade de
convivermos com o novo e com o desconhecido. Assim, com o passar do
tempo percebeu-se que a internacionalização do capital financeiro e o
sistema formado pelas grandes empresas se utilizam dos sistemas técnicos
contemporâneos para ditar as regras de produção, comércio e circulação de
valores, as quais não aceitam discussão e exigem obediência imediata.
Verificou-se também que a política das empresas é aquela
baseada na maximização dos lucros e minimização dos custos e, para
atender a este requisito, fez com que esta dinâmica ultrapassasse fronteiras
geográficas, interferisse nas culturas e civilizações e questionasse as cartas
políticas dos Estados, tudo em nome da dinâmica e versatilidade do capital
então internacionalizado.
Giddens, ao discorrer acerca da indagação se a globalização é
uma força que promove o bem comum expõe que a resposta não pode ser
dada de maneira simples, dado à complexidade do fenômeno. Ressalta
também que quando se acusa a globalização de agravar as desigualdades
sociais mundiais, se está pensando somente no seu viés econômico e
8
“A globalização pode não ser a prospectiva de um mundo particularmente atraente ou
refinado, mas ninguém que queira compreender em qual direção se move o novo século
pode ignorá-la” (tradução livre). GIDDENS, Anthony. Il mondo che cambia. Come la
globalizzazione ridisegna la nostra vita. Bologna: Mulino, 2000. p. 19.
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conclui que é absolutamente certo que o livre mercado não é um benefício
puro. Abrir um país, ou regiões no seu interno, ao livre mercado pode afetar
uma área de economia de subsistência local para se tornar dependente da
venda de alguns produtos no mercado mundial é muito vulnerável9.
Além disso, convém destacar que as técnicas hegemônicas -
filhas da ciência e a serviço do mercado global - promoveram profundas
alterações nos laços existentes entre território, política e economia10. Sob a
vertente econômica o local parece global e as distâncias parecem ter sido
reduzidas, dando a percepção de que restou facilitada sua superação
Todas estas verificações servem para dar a impressão de que as
fronteiras estatais desapareceram, pelo fato dos eventos econômicos
propiciarem uma livre e rápida circulação de informações, valores e bens. A
compartimentação dos territórios não é mais aceita. A acirrada concorrência
se demonstra ausente de compaixão11, pois a competitividade toma o lugar
da competição, a concorrência atual não é mais a velha concorrência, e a
competitividade tem a guerra como norma.
As fronteiras são cada vez mais permeáveis à circulação de
capitais, mercadorias, produtos, mídia, moda, ideias, mas tendem a se
fechar para a mobilidade das pessoas, pelo menos quando se toma a
direção Sul-Norte na geografia do mundo, alterando substancialmente a
natureza dos Estados nacionais, denotando, conforme mencionado alhures,
alguns sintomas do seu enfraquecimento.
2 OS EFEITOS CÍCLICOS DA GLOBALIZAÇÃO
Diante dos efeitos verificados após o ápice da globalização, alguns
acontecimentos mundiais passaram a se suceder em ciclos repetitivos que
adentraram ao século XXI sem qualquer discrição. Cita-se, a título de
9
“GIDDENS Anthony. Il mondo che cambia. Come la globalizzazione ridisegna la nostra
vita. p. 29.
10
SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do pensamento único à consciência
universal. p. 53.
11
SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do pensamento único à consciência
universal. p. 46.
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exemplo, a crise do México, de 1994, que gerou o chamado “efeito tequila”,
ante o aumento da inflação devido à fuga de capitais, crise política,
investimentos estrangeiros e déficit comercial.
Em 1997 o Sudeste Asiático vivenciou uma crise inicialmente
restrita ao conjunto de países conhecidos como tigres asiáticos, e se
espalhou para outros, afetando economias e mercados do mundo inteiro. No
ano seguinte, a economia russa, recém-saída do comunismo, foi a próxima
a ser atingida, entrando em colapso no ano de 1998, diante da queda
abrupta dos preços do petróleo e a consequente fuga de capitais. A ela
seguiu-se a crise da Argentina, que mergulhou numa profunda depressão
econômica em 2001, o que a levou a recorrer ao FMI, acarretando uma
crise de credibilidade com relação aos demais países em desenvolvimento.
No entanto, essas ocorrências recorrentes não se restringiram aos
países conhecidos como periféricos. Em setembro de 2008, os mais
variados Estados foram diretamente afetados pela quebra de um dos
maiores bancos de investimento dos EUA: o Lehman Brothers, fazendo com
que outras grandes instituições financeiras do mundo seguissem o mesmo
caminho.
Diante dessas ocorrências, efeitos nefastos são sentidos em todos
os continentes, afetando mais fortemente os países periféricos
Conforme relata Biavaschi12, nos países periféricos, o quadro tem
sido desolador. Desigualdades de vários níveis são aprofundadas e
redefinidas à ação de um capitalismo sem diques. Em um cenário de
extrema vulnerabilidade, em que a moeda está sob o controle dos “de fora”,
os governos têm limitadas suas autonomias para a concretização de suas
próprias políticas. No mundo do trabalho, as taxas de desemprego são
elevadíssimas e a organização coletiva dos trabalhadores perde força, com
reflexos negativos à formação da consciência que têm de si os
trabalhadores como classe social.
12
BIAVASCHI. Magda Barros. Fundamentos do direito do trabalho: nosso tempo? In: KREIN,
José Dari et al. (Orgs.) As transformações no mundo do trabalho e os direitos dos
trabalhadores. São Paulo: LTr, 2006. p. 37-38.
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Ao lado do crescimento avassalador da economia global e dos
mercados mundiais os problemas sociais atualmente evidenciados
aumentam consideravelmente a cada ano. A consequência deste processo
de transformação confirma-se através de resultados desoladores: prejuízos
causados ao meio ambiente que comprometem, inclusive, a manutenção da
vida na terra; aumento considerável da pobreza e o consequente aumento
da marginalidade; exclusão social13; alcance de níveis alarmantes de
desemprego; e milhões de migrantes se deslocando pelo mundo em busca
por uma “salvação” é o retrato da sociedade atual.
O âmbito laboral enfrenta dificuldades cada vez mais sérias, pois
o temor do desemprego se projeta como um fantasma que assola
simultaneamente os Estados desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento.
A atual demanda insuficiente da força de trabalho demonstra que a
velocidade das transformações que hoje já podem ser vistas com nitidez
superou essa etapa, baseada na estrutura do emprego, ou seja, do trabalho
assalariado, cedendo lugar, cada vez mais, ao modelo da informalidade14.
Na verdade, percebe-se que o mundo foi colocado diante de um
processo cíclico com reflexos degradantes que transcendem todos os
limites, fragilizando o Estado e suas instituições, reduzindo atividades,
eliminando empregos, desestabilizando moedas nacionais e fortalecendo
conflitos étnicos. Isso sinaliza que não existem focos de pobreza ou
determinados grupos de excluídos a proteger, mas que a sociedade mundial
está diante de um problema muito amplo e generalizado que requer
estratégias globais.
2 DESGLOBALIZAÇÃO OU NOVAS MANIFESTAÇÕES DO FENÔMENO?
13
Simon Schwartzman ressalta que “O conceito de ‘exclusão social’, como tantos outros nas
ciências sociais, carece de definição precisa. Também como outros, ele é originalmente
utilizado para superar as deficiências de conceitos correntes e seu mérito maior é agrupar os
descontentes, não apenas estabelecendo uma comunidade de interesse, mas, geralmente,
referendando uma nova problemática de investigação”. SCHWARTZMAN, Simon. As causas
da pobreza. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 36.
14
NOGUEIRA, Alberto. Globalização, regionalizações e tributação: a nova matriz
mundial. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 116.
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Depois da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional
se uniu para construir um futuro diverso da realidade até então vivenciada.
Hodiernamente, árduos desafios entram novamente em cena,
principalmente devido à recuperação lenta e desigual desde a crise
financeira global de 2008, criando uma espécie de insegurança ou
frustração generalizadas.
Estes fatos fazem surgir a dúvida sobre a possibilidade de
estarmos vivenciando um movimento de desglobalização.
Tal terminologia, ligada às esferas econômica e política teria
muitas semelhanças, por analogia, à teoria do decrescimento de Latouche15
com ênfase na questão ambiental, notadamente quando o autor afirma que
“Debemos ralentizar, modificar nuestra relación con el tiempo, cambiar de
ritmo. ¡Es la hora del decrecimiento!”16. Seria também “a hora da
desglobalização?”
Há alguns anos já se fala em uma “desglobalização verde” no
sentido de realocar as atividades produtivas das multinacionais acabando
com a opressão no sistema de trabalho e evitando a degradação do meio
ambiente17. Segundo Montebourg18,
El programa de desglobalización hace posible mejores
salarios, permite el nacimiento de protecciones sociales
allí donde no existen, y asegura progresivamente la
mutación ecológica de la economía, porque busca
circuitos industriales, agrícolas y productivos cortos,
acercando los lugares de consumo a los lugares de
producción. La desglobalización verde relocaliza por
consiguiente las actividades productivas y afecta tanto
15
Para Latouche, “La mundialización, o globalización, triunfa y muestra muy pronto su
verdadera cara: aumento de la explotación del hombre y de la naturaleza, financiarización de
la economía, desregulación, deslocalizaciones, exclusiones, deterioro de los vínculos sociales,
homogeneización cultural, occidentalización del mundo, degradación del clima y de los
suelos, deforestación, desertificación […]”. LATOUCHE, Serge; HARPAGÈS, Didier. La hora del
decrecimiento. Traducción de Rosa Bertran Alcázar. Barcelona: Ediciones Octaedro, 2010.
p.46.
16
LATOUCHE, Serge; HARPAGÈS, Didier. La hora del decrecimiento. p.46.
17
MONTEBOURG, Arnaud. ¡Votad las desglobalización! Los ciudadanos somos más poderosos
que la globalización. Barcelona: Paidós, 2011. p. 56.
18
MONTEBOURG, Arnaud. ¡Votad las desglobalización! Los ciudadanos somos más poderosos
que la globalización. p. 56.
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a las empresas multinacionales como a los Estados
opresores del trabajo y del medio ambiente.
Além disso, o autor defende que a desglobalização está ao
alcance de todos e demonstraria uma forma de reconciliação dos cidadãos
com o mundo19.
Boaventura de Sousa Santos, por sua vez, afirma que a menção
ao termo desglobalização é oriunda de dinâmicas nacionais (como o Brexit
no Reino Unido e as políticas protecionistas do atual presidente Norte-
americano) e subnacionais (ante o questionamento das fronteiras nacionais
que resultaram de tempos e circunstâncias históricas muito distintas). O
autor também destaca que a emergência ou reacendimento da afirmação de
identidades nacionais ou religiosas em luta pela secessão ou autogoverno
no interior de Estados, de fato, plurinacionais” seria outra fundamentação
da era da desglobalização20.
Neste momento surge a ambiguidade: estaríamos vivenciando um
período de reversão dos processos de globalização – a desglobalização – ou
houve uma estagnação da globalização diante das crises econômicas,
políticas e sociais, fazendo com que ela apresente novas formas de
manifestação?
Amorim Neto entende que o processo de globalização não se
encerrou. O que teria ocorrido seria uma forma de estancamento do
fenômeno ante os eventos negativos ocorridos entre 2008 e 201621.
Para Sousa Santos, as ocorrências atuais estão longe de
configurarem processos de desglobalização, pois “[...] constituem
manifestações, como sempre contraditórias, de uma nova fase de
19
MONTEBOURG, Arnaud. ¡Votad las desglobalización! Los ciudadanos somos más poderosos
que la globalización. p. 61-62.
20
SANTOS, Boaventura de Sousa. A ilusória desglobalização. Disponível em:
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/572689-boaventura-a-ilusoria-
desglobalizacao. Acesso em: 10 ago. 2019.
21
AMORIM NETO, Octavio. Desglobalização. Revista da Cultura, [S.l.], v. 16, n. 28, p. 12-
16, abr. 2017. ISSN 1984-3690. Disponível em:
<http://ebrevistas.eb.mil.br/index.php/dacultura/article/view/1001>. Acesso em: 11 ago.
2019.
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globalização mais dramática, mais excludente e mais perigosa para a
convivência democrática, se é que não implicam o fim desta”22.
O autor23 segue contextualizando essa nova fase da globalização
frente aos tratados de livre comércio em curso entre Estados Unidos e
Canadá a parceria transpacífico liderada pelos EUA, para enfrentar o seu
principal rival, a China, e as negociações sobre a liberalização e privatização
de serviços que em muitos países hoje são públicos, como a saúde e a
educação. Além disso, analisa o sistema financeiro e chama atenção para o
fato de que 28 empresas do setor financeiro ainda controlam 50 trilhões de
dólares, isto é, três quartos da riqueza mundial contabilizada, sendo que a
esmagadora maioria dessas instituições está registada na América do Norte
e na Europa. E segue afirmando:
Perante isto, não me parece que estejamos diante de
um momento de desglobalização. Estamos antes
perante novas manifestações da globalização, algumas
delas bem perigosas e patológicas. [...] Por tudo isto, a
globalização hegemônica aprofunda-se, usando, entre
muitas outras máscaras, a da soberania dominante,
que acadêmicos desprevenidos e meios de comunicação
cúmplices tomam por desglobalização.
Desse modo, defende-se que a globalização enfrenta uma
verdadeira encruzilhada histórica e agora é a hora de enfrentar os desafios
pendentes que a colocaram em risco. Sendo um momento de transição,
deveriam as novas manifestações da globalização enfrentar os dilemas que
hoje se apresentam com a maturidade de quem dispõe, por exemplo, de
um sistema de governança transnacional (envolvendo as esferas locais,
perpassando qualquer fronteira geográfica estatal) possui uma ampla gama
de instrumentos para forjar uma globalização mais moderna e inclusiva.
A preocupação com a manutenção e preservação do meio
ambiente, dolorosamente adquirida e sentida nas últimas décadas pode ser
22
SANTOS, Boaventura de Sousa. A ilusória desglobalização. Disponível em:
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/572689-boaventura-a-ilusoria-
desglobalizacao. Acesso em: 10 ago. 2019.
23
SANTOS, Boaventura de Sousa. A ilusória desglobalização. Disponível em:
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/572689-boaventura-a-ilusoria-
desglobalizacao. Acesso em: 10 ago. 2019.
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outro grande aliado para defender a possibilidade de manifestações mais
“sadias” do fenômeno.
Desglobalizar, portanto, não seria a saída mais inteligente para
lidar com um fenômeno irreversível em um momento em que a humanidade
não conseguiria mais viver sem o constante avanço tecnológico que
também contribui para o aumento da expectativa de vida, por exemplo.
Afastando-se a desglobalização, aceita-se que o fenômeno se
apresente com outra roupagem e se externalize de maneiras diversas das
até então verificadas. Sejamos otimistas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo tratou da ambiguidade acerca da
desglobalização ou da manutenção do fenômeno, talvez verificado sob uma
nova roupagem. Verificou-se que o atual cenário econômico mundial
encontra-se abalado por uma crise do sistema capitalista.
Concomitantemente a esta crise, tem-se a globalização, sendo esta
endógena ao capitalismo.
Problemas sociais, econômicos, políticos, fechamento de
fronteiras e retração das relações múltiplas entre Estados sugeriram a
possibilidade de estarmos vivendo uma época de desglobalização. No
entanto, seguindo parte do ensinamento de Sousa Santos, conclui-se que
estamos vivendo um momento de mudanças que afetam inclusive o modo
como a globalização se apresenta. Seria a arena adequada para o
avivamento de novas manifestações do fenômeno.
Noutro ponto, ousa-se discordar do posicionamento de Santos no
sentido de que tais manifestações seriam mais perigosas do que as já
verificadas. Dotado de um cunho otimista, este escrito entende que os
avanços oriundos da globalização, aliados ao aprendizado havido com seus
efeitos negativos, seriam um terreno fértil para se criar um sistema de
governança transnacional que objetive uma nova globalização, mais
experiente, moderna, inclusiva e preocupada com a preservação da espécie
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humana, para que esta sinta-se preparada para enfrentar quantas
manifestações da globalização forem necessárias.
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Eletrônico. São Paulo: Intelecto Editora, 2016. https://www.univali.br/vida-
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PIFFER, Carla; CRUZ, Paulo Márcio. Manifestações do direito transnacional e
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