Na Frelimo Era Normal Fuzilar Pessoas
Na Frelimo Era Normal Fuzilar Pessoas
Na Frelimo Era Normal Fuzilar Pessoas
Colaborao de Francisco Carmona e Emdio Bela | Fotos de Nata Ussene No contexto da Revoluo
Mariano Matsinhe (72 anos), um dos smbolos da gesta de 25 de Setembro, confessa que no lhe agrada ouvir falar de rgos de comunicao independentes. Para a velha guarda da Frelimo melhor se a designao passasse para rgos independentes da Frelimo. Porque, acredita, dependentes o so de alguma coisa. Mas nem com isso, o homem que abandonou a engenharia civil (cursava o segundo ano) em Portugal para se juntar Frelimo em 1962, no se coibiu em conversar com o SAVANA por quase uma hora, revivendo um percurso poltico sempre em reconstruo. Pelo caminho disse, entre outras revelaes, que havia uma certa precipitao (necessria?) na tomada de decises, que os campos de reeducao no foram um erro e que, volvidos quase 45 anos aps o incio da luta, no se arrepende de nada. Nem dos fuzilamentos, apesar de reconhecer alguns excessos do SNASP, um rgo do regime e de triste memria. Acompanhe alguns extractos da conversa mantida ltima sexta-feira em Maputo. Sr. General, passam 34 anos aps a proclamao da independncia nacional. Este Setembro co-memoramos 45 anos aps a insurreio armada e 35 anos dos acordos de Lusaka. Quando olha para trs, que balano faz deste Moambique? Olha, tenho a impresso de que foi tudo correcto. Havia muita agitao, naturalmente, por causa do carcter do colonialismo que tnhamos. E ns ramos jovens. Eu prprio que sou mais velho que muitos lderes da Frelimo tinha 25 anos quando me juntei Frelimo. Havia uma certa precipitao na tomada de decises. Mas era necessria. Porque se a gente comeasse a pensar nas consequncias, as coisas seriam diferentes. Ns tnhamos a vantagem de sermos jovens. No ramos casados e no tnhamos filhos. No tnhamos o peso das consequncias. A gente pensava como jovens e s queramos a independncia. Outros eram mais velhos, j tinham casado e tinham filhos e diziam o seguinte: vamos combater at ao fim, se ficarmos independentes os nossos filhos vo continuar com a batalha at independncia. Estvamos preparados para isso, para o sacrifcio mximo pela independncia de Moambique. Quando se junta Frelimo vinha da UNAMI... Eu pertencia, assim ligeiramente, UNAMI. Mas eu fugi de Portugal. Abandonei os estudos. Estava a fazer engenharia civil. Vim c de frias. Os portugueses pagaram-me frias. Havia muitos outros estudantes de todas as colnias portuguesas. Quando tentei uma sada de Portugal para c, no consegui. Ento aproveitei a vinda para c e o meu pai vivia na fronteira com o Malawi. Isso era uma grande vantagem para mim e, portanto, foi fcil escapulir para o Malawi e daquele pas avanar para a Tanznia. Mas no Malawi tive que ser da UNAMI para ganhar credibilidade. Porque podiam desconfiar, tendo em conta que vinha de Lisboa. Este episdio deu-se em 1962. Qual a sua opinio sobre a Frelimo de hoje em relao quela que ajudou a moldar. diferente? A Frelimo sempre se transformou em funo da realidade. No podia ser a Frelimo de 1962. A Frelimo sempre se adaptou s circunstncias e eu prprio me orgulho de pertencer a esta organizao. No uma organizao dura, tipo co-meou assim e vai terminar assim. Vai-se moldando medida das circunstncias. Muitos dizem que a Frelimo constituda por velhos. mentira. Alguns lderes da Frelimo so realmente midos, crianas. Edson Macucua, por exemplo, jovem. No da minha idade. O que pensa dos jovens dentro da Frelimo, acha que tm alguma chance actualmente? A chance no pode ser s para os jovens da Frelimo. Estamos a falar de liderana dentro da Frelimo... Sim. Edson Macucua era da OJM. Hoje secretrio do Comit Central para a Mobilizao e Propaganda. Eles tm espao na liderana. Temos vrios outros exemplos de jovens na liderana. GERAO PS-NACHINGWEIA Em 2014, o actual Presidente da Repblica, segundo a actual Constituio, no pode se recandidatar. Qual ser o perfil do prximo candidato da Frelimo? Isso depende do Comit Central. o rgo que escolhe o candidato.
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Os negcios dos camaradas Muitos entendem que a fronteira entre os interesses pblicos e privados de alguns dirigentes no est muito bem clara, o que resvala para uma situao de conflito de interesses. uma frmula africana de fazer negcios? Eu no sei, porque no sou negociante. Sempre que eu penso, penso no meu povo. Mas tem muitos camaradas que esto no ramo empresarial Sim. Alguns camaradas tm alguma coisa. Mas h muitos jovens moambicanos que tm muito dinheiro. At Mukheristas. Elas tm muito mais dinheiro do que qualquer dirigente da Frelimo. Mas eu ainda estou a pensar sobre qual o segredo delas terem muito dinheiro. Acho que o segredo o seguinte: ganham dinheiro, mas comem tal como comiam dantes. Gastam pouco. Aquele dinheiro todo guardado. Moambique tem realmente essa capacidade de guardar dinheiro, poupana. Vimos isso na troca da moeda, escudo para metical. Encontrmos senhoras no campo com muito dinheiro enterrado, mas a viver mal, a vestir-se e a alimentar-se mal. Trocaram com metical e talvez voltaram a enterrar porque no havia bancos nessa altura. Eu penso nesses termos. Por exemplo, estive num jantar depois da reunio do Comit Central. Ns leilomos uma camiseta com a assinatura do Presidente da Frelimo. A camiseta comeou por 25 mil meticais e terminou por 500 mil meticais. O valor ia subindo gradualmente e apareceu uma senhora a propor 300 mil meticais, uma moambicana normal. Eu olhei para ela e perguntei-me onde que arranjou 300 mil meticais para uma camisola. O indiano ganhou, eles tm muito dinheiro. Fiquei muito admirado e conclu que h gente com muito dinheiro neste pas. Eu tambm gostaria de apoiar o partido, mas eu no tenho. Concorda com a posio do camarada Alberto Chipande sobre a riqueza dos dirigentes da Frelimo? A minha opinio continua a mesma. Ele no queria dizer bem riqueza, mas que o antigo combatente tem o direito de viver condignamente neste pas. Sabe, eu sou muito antigo. Nos anos 40, 50, um preto ter um rdio era tido como rico. Simples rdio. No televisor, nem computador. Hoje o campons no distrito escuta rdio todos os dias. Portanto, a riqueza uma coisa relativa. Ele queria dizer que o antigo combatente devia ter mais do que tem hoje. Devia ter uma vida mais decente, saber que eu como hoje, amanh como e depois de amanh como. Ter roupa decente. Isso no est a acontecer? Algumas pessoas tm iniciativa. Tm pequenas penses, barracas. Mas outros no tm essa inicia-tiva. Vivem na misria. H alguns camaradas que so ricos? Eu no conheo nenhum deles. O Presidente da Repblica (Armando Guebuza) no rico? Ele Presidente da Repblica. Se ele rico eu no sei.
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MDM melhor que a Renamo Como v o MDM? um movimento novo. E na minha apreciao constitudo fundamentalmente por ex-membros da Renamo.
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SNASP e Campos de Reeducao Numa entrevista ao Notcias em Outubro de 2006, a-propsito da passagem dos 20 anos aps a morte de Samora Machel, chegou a dizer que a actuao de alguns agentes do extinto SNASP (Servio Nacional de Segurana Popular) no era do agrado dos cidados. Que tipo de excessos cometiam? Tortura. Eu fui ministro da Segurana e sei disso. Fazia campanhas dentro da Seguraana. Incluindo comcios pblicos aqui em Maputo. Era para denunciar as pessoas da Segurana que utilizavam o nome do SNASP para fins pessoais. Ns ramos extremamente intransigentes nessa altura e o SNASP tinha muita autoridade na altura. As suas funes eram amplas. Era quase autnoma? Sim. E no s. preciso ver que o SNASP no prestava contas ao Estado, mas ao presidente do partido Frelimo. Foi por isso que a gente mudou para SISE. Imaginem se o SNASP ainda funcionasse com as mesmas funes que tinha, e a Frelimo perdia as eleies em 1994. Ns teramos uma situao muito interessante que um rgo do Estado como o SNASP prestar contas oposio, neste caso ao presidente da Frelimo como estava estipulado. Seria caricato e numa situao de multipartidarismo seria inadmissvel. Tivemos que mudar, e eu participei na mudana e acho que fizemos bem. Os campos de reeducao foram um erro poltico? No, no foi nenhum erro. Nunca. Foi uma forma de reeducar pessoas. Quem ia aos campos de reeducao? Eram marginais da sociedade. Mas houve exageros? Ah, houve exageros, mas a reeducao existe at nos Estados Unidos. As prises livres onde as pessoas vo trabalhar e depois voltam para a cadeia para dormir reeducao. Na entrevista ao Notcias a que fizemos meno anteriormente, disse que a pena de morte era contra os inimigos. Inimigos de quem? Considera de inimigos todos que foram sacrificados em nome da Revoluo? Inimigos da nossa linha. Inimigos da nossa moambicanidade. Por exemplo, h um que foi fuzilado na fronteira com o Zimbabwe, cooperava com Ian Smith e Ian Smith era nosso inimigo. Quem coopera com nosso inimigo nosso inimigo tambm. Eu no estou arrependido de nada, aqueles que morreram, morreram porque pediram para morrer. Cidado comum moambicano, obediente da lei, vivendo como moambicano, nunca foi fuzilado. Os que foram fuzilados estavam contra a Revoluo e contra os desgnios da ptria. No eram adversrios, eram inimigos que estavam contra o desenvolvimento de Moambique. Na biografia de Urias Simango, Um Homem Uma Causa de Bernab Lucas Nkomo, o General aparece a dizer que o Bureau Poltico no foi informado sobre o fuzilamento de alguns presos polticos. E que Samora no queria ver aqueles homens, caso de Urias e esposa, mortos. Ele queria mostrar-lhes o Moambique independente com que sonhava. Como foi possvel? Foi possvel porque achou-se que a condenao daquela gente foi feita pela Frelimo, portanto, eram coisas da Frelimo. No tinha nada a ver com o Estado. verdade que o Bureau Poltico devia ser informado, mas no foi. Por que que no foi no sei. preciso ver que aquela gente foi condenada antes da independncia e na Frelimo tnhamos a pena de morte. Todos aqueles que saltassem para o inimigo eram tidos como inimigos e eram
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