Na Frelimo Era Normal Fuzilar Pessoas

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Na Frelimo era norma fuzilar pessoas

Colaborao de Francisco Carmona e Emdio Bela | Fotos de Nata Ussene No contexto da Revoluo

Mariano Matsinhe (72 anos), um dos smbolos da gesta de 25 de Setembro, confessa que no lhe agrada ouvir falar de rgos de comunicao independentes. Para a velha guarda da Frelimo melhor se a designao passasse para rgos independentes da Frelimo. Porque, acredita, dependentes o so de alguma coisa. Mas nem com isso, o homem que abandonou a engenharia civil (cursava o segundo ano) em Portugal para se juntar Frelimo em 1962, no se coibiu em conversar com o SAVANA por quase uma hora, revivendo um percurso poltico sempre em reconstruo. Pelo caminho disse, entre outras revelaes, que havia uma certa precipitao (necessria?) na tomada de decises, que os campos de reeducao no foram um erro e que, volvidos quase 45 anos aps o incio da luta, no se arrepende de nada. Nem dos fuzilamentos, apesar de reconhecer alguns excessos do SNASP, um rgo do regime e de triste memria. Acompanhe alguns extractos da conversa mantida ltima sexta-feira em Maputo. Sr. General, passam 34 anos aps a proclamao da independncia nacional. Este Setembro co-memoramos 45 anos aps a insurreio armada e 35 anos dos acordos de Lusaka. Quando olha para trs, que balano faz deste Moambique? Olha, tenho a impresso de que foi tudo correcto. Havia muita agitao, naturalmente, por causa do carcter do colonialismo que tnhamos. E ns ramos jovens. Eu prprio que sou mais velho que muitos lderes da Frelimo tinha 25 anos quando me juntei Frelimo. Havia uma certa precipitao na tomada de decises. Mas era necessria. Porque se a gente comeasse a pensar nas consequncias, as coisas seriam diferentes. Ns tnhamos a vantagem de sermos jovens. No ramos casados e no tnhamos filhos. No tnhamos o peso das consequncias. A gente pensava como jovens e s queramos a independncia. Outros eram mais velhos, j tinham casado e tinham filhos e diziam o seguinte: vamos combater at ao fim, se ficarmos independentes os nossos filhos vo continuar com a batalha at independncia. Estvamos preparados para isso, para o sacrifcio mximo pela independncia de Moambique. Quando se junta Frelimo vinha da UNAMI... Eu pertencia, assim ligeiramente, UNAMI. Mas eu fugi de Portugal. Abandonei os estudos. Estava a fazer engenharia civil. Vim c de frias. Os portugueses pagaram-me frias. Havia muitos outros estudantes de todas as colnias portuguesas. Quando tentei uma sada de Portugal para c, no consegui. Ento aproveitei a vinda para c e o meu pai vivia na fronteira com o Malawi. Isso era uma grande vantagem para mim e, portanto, foi fcil escapulir para o Malawi e daquele pas avanar para a Tanznia. Mas no Malawi tive que ser da UNAMI para ganhar credibilidade. Porque podiam desconfiar, tendo em conta que vinha de Lisboa. Este episdio deu-se em 1962. Qual a sua opinio sobre a Frelimo de hoje em relao quela que ajudou a moldar. diferente? A Frelimo sempre se transformou em funo da realidade. No podia ser a Frelimo de 1962. A Frelimo sempre se adaptou s circunstncias e eu prprio me orgulho de pertencer a esta organizao. No uma organizao dura, tipo co-meou assim e vai terminar assim. Vai-se moldando medida das circunstncias. Muitos dizem que a Frelimo constituda por velhos. mentira. Alguns lderes da Frelimo so realmente midos, crianas. Edson Macucua, por exemplo, jovem. No da minha idade. O que pensa dos jovens dentro da Frelimo, acha que tm alguma chance actualmente? A chance no pode ser s para os jovens da Frelimo. Estamos a falar de liderana dentro da Frelimo... Sim. Edson Macucua era da OJM. Hoje secretrio do Comit Central para a Mobilizao e Propaganda. Eles tm espao na liderana. Temos vrios outros exemplos de jovens na liderana. GERAO PS-NACHINGWEIA Em 2014, o actual Presidente da Repblica, segundo a actual Constituio, no pode se recandidatar. Qual ser o perfil do prximo candidato da Frelimo? Isso depende do Comit Central. o rgo que escolhe o candidato.

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Colaborao de Francisco Carmona e Emdio Bela | Fotos de Nata Ussene Mas sendo da velha guarda da Frelimo e com autoridade, deve ter alguma ideia No. Nunca pensei nisso. J pensou no perfil pelo menos No. Mas o perfil sempre o mesmo: ser da Frelimo. Quanto a mim, claro. Mas acha que em 2014 ser feita a transio, no sentido de entregar a liderana do partido a algum da gerao ps-Nachingweia? Por que no? Quando cheguei Tanznia eu tinha 25 anos e agora j tenho 72. Nesta altura o Marcelino ter por a 85 anos. Ento, uma gerao em vias de extino Sim. Em 2014 ser importante fazer essa ponte Exactamente. possvel. Mas eu no posso dizer isso hoje, porque o Comit Central pode decidir outra coisa. Continuar na mesma linha A linha, na minha opinio, no o facto de ser antigo combatente. a confiana poltica que ns temos que ter com a pessoa que est a dirigir o partido. Isso que o fundamental. Temos que estar tranquilos de que estamos a ser dirigidos por uma pessoa que vai dar seguimento poltica da Frelimo. Isso que o essencial. Mas emergem algumas correntes que dizem que se a Frelimo conseguir dois teros no Parlamento nas eleies de 2009 vai mexer na Constituio para permitir que o Presidente Guebuza concorra para um terceiro mandato. possvel. Apoiaria essa deciso? Quem declarou o multipartidarismo em Moambique no foram as negociaes de Roma. A discus-so de Roma foi feita quando ns j ramos multipartidrios. Alguns pensam que ns fomos forados ao multipartidarismo por causa do Acordo de Roma, no foi isso. No foram forados? Ns decidimos por fora das circunstncias. Houve uma consulta opinio pblica. A maioria queria partido nico. A minoria, das partes urbanas fundamentalmente, que sugeriu o multipartidarismo. Mas algum vos obrigou a essa consulta... No foi assim? No senti isso. Em 1990 redigimos a aprovmos a nova Constituio. Comearam a surgir novos partidos mesmo antes de Roma e as eleies s foram em 1994. Numa palestra que o General orientou na Academia de Cincias Policiais (ACIPOL), em Abril de 2008, disse que a Frelimo ainda vai governar o pas por mais 100 anos. Tem saudades do passado? Eu no disse 100 anos. Disse mil anos. Agora vocs esto a reduzir (risos). A minha opinio que realmente at hoje ainda no surgiu nenhuma alternativa Frelimo. Claramente eu sabia, quando eu disse isso estava muito consciente que amanh as coisas podem mudar completamente e surgir um partido mais forte que a Frelimo. E tambm disse que quer que a oposio no tenha nem um assento no Parlamento? Eu agora vou ser nomeado para a provncia de Tete. A minha fora para 100%, no para 80%, 70%, etc. Se eu no conseguir, vou ter essa tranquilidade que fiz todo o esforo para 100%, mas consegui 70%, 60%, etc. Mas o grande esforo de 100%. Alguns da Frelimo acham, incluindo o veterano Marcelino dos Santos, que 2009 ser o enterro poltico da Renamo e de Afonso Dhlakama. Tem a mesma viso? (risos) Vamos ver, a gente no sabe. Podemos pensar muita coisa, mas a realidade da democracia outra. por isso que a gente costuma dizer e sempre dissemos que no podemos declarar vitrias antecipadas. Voc pode fazer esforo para ganhar com esses lugares. Mas pode ganhar com menos, e at pode perder. Agora dizer que ser o enterro poltico da Renamo. Enterro poltico em que sentido? Da organizao? Acabar com a Renamo.. Mas ela pode viver ainda. Em democracia existem essas coisas. A Frelimo obter 100% no Parlamento. Acabar com a oposio e voltar para um regime de partido nico, como nos tempos da Assembleia Popular Sim. At pode existir. Mas o multipartidarismo no morre. Ter 100% na Assembleia da Repblica e nas assembleias provinciais e todo o Governo, naturalmente. O multipartidarismo no morrer. A oposio continuar a fazer barulho nos jornais chamados independentes. Esse vosso (SAVANA), por exemplo, o Zambeze, etc. Podem continuar a fazer barulho, a dar a sua contribuio para o processo de desenvolvimento de Moambique. Mas no era melhor ter uma oposio no Parlamento a dar essa contribuio? Se eles ganharem. A morte das ideologias

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Colaborao de Francisco Carmona e Emdio Bela | Fotos de Nata Ussene Algumas correntes afirmam que as ideologias morreram concorda? As ideologias nunca morrem. Adaptam-se s circunstncias do momento. Qual a actual ideologia da Frelimo? Tenho a impresso de que Socialismo. Porque temos uma poltica social que nunca foi alterada. verdade que declarmos o multipartidarismo, etc., mas a poltica social do nosso Governo no se altera. Defesa do trabalhador e da parte social mais vulnervel, criana, mulher, velho. Continuamos a dar o apoio social. Alguns sectores acham que dentro do partido Frelimo h grupos, embora no formais. Jorge Rebelo j o disse numa entrevista ao SAVANA... Houve sempre grupos, desde a luta de libertao. Como poderia no haver grupos. Qual o segredo para que vrias tendncias continuem uma difcil convivncia no seio do partido? O segredo saber exactamente para onde que vamos. Ns muitas vezes dizamos que no importa se baixinho, gordo, magrinho, etc., mas saber para onde vamos. Podemos ter pequenas diferenas, mas no so importantes. O mais importante , por exemplo, dizermos que hoje temos uma agenda no pas que acabar com a pobreza em Moambique. Estamos orgulhosos porque alguns da oposio concordam connosco que preciso acabar com a pobreza em Mo-ambique. Temos um fim comum e isso que nos fora a trabalhar. Naturalmente, eles podem reparar numa coisa que para eles no est certa, que preciso corrigir aqui e acol, mas estamos a trabalhar para aquele fim comum. Est a dizer que no h uma convivncia difcil entre esses grupos dentro do partido? No h. Absolutamente no. Estou a falar como veterano, tenho setenta e tal anos. J tivemos situaes muito mais difceis durante esse processo. Agora no surgem grandes problemas.

Os negcios dos camaradas Muitos entendem que a fronteira entre os interesses pblicos e privados de alguns dirigentes no est muito bem clara, o que resvala para uma situao de conflito de interesses. uma frmula africana de fazer negcios? Eu no sei, porque no sou negociante. Sempre que eu penso, penso no meu povo. Mas tem muitos camaradas que esto no ramo empresarial Sim. Alguns camaradas tm alguma coisa. Mas h muitos jovens moambicanos que tm muito dinheiro. At Mukheristas. Elas tm muito mais dinheiro do que qualquer dirigente da Frelimo. Mas eu ainda estou a pensar sobre qual o segredo delas terem muito dinheiro. Acho que o segredo o seguinte: ganham dinheiro, mas comem tal como comiam dantes. Gastam pouco. Aquele dinheiro todo guardado. Moambique tem realmente essa capacidade de guardar dinheiro, poupana. Vimos isso na troca da moeda, escudo para metical. Encontrmos senhoras no campo com muito dinheiro enterrado, mas a viver mal, a vestir-se e a alimentar-se mal. Trocaram com metical e talvez voltaram a enterrar porque no havia bancos nessa altura. Eu penso nesses termos. Por exemplo, estive num jantar depois da reunio do Comit Central. Ns leilomos uma camiseta com a assinatura do Presidente da Frelimo. A camiseta comeou por 25 mil meticais e terminou por 500 mil meticais. O valor ia subindo gradualmente e apareceu uma senhora a propor 300 mil meticais, uma moambicana normal. Eu olhei para ela e perguntei-me onde que arranjou 300 mil meticais para uma camisola. O indiano ganhou, eles tm muito dinheiro. Fiquei muito admirado e conclu que h gente com muito dinheiro neste pas. Eu tambm gostaria de apoiar o partido, mas eu no tenho. Concorda com a posio do camarada Alberto Chipande sobre a riqueza dos dirigentes da Frelimo? A minha opinio continua a mesma. Ele no queria dizer bem riqueza, mas que o antigo combatente tem o direito de viver condignamente neste pas. Sabe, eu sou muito antigo. Nos anos 40, 50, um preto ter um rdio era tido como rico. Simples rdio. No televisor, nem computador. Hoje o campons no distrito escuta rdio todos os dias. Portanto, a riqueza uma coisa relativa. Ele queria dizer que o antigo combatente devia ter mais do que tem hoje. Devia ter uma vida mais decente, saber que eu como hoje, amanh como e depois de amanh como. Ter roupa decente. Isso no est a acontecer? Algumas pessoas tm iniciativa. Tm pequenas penses, barracas. Mas outros no tm essa inicia-tiva. Vivem na misria. H alguns camaradas que so ricos? Eu no conheo nenhum deles. O Presidente da Repblica (Armando Guebuza) no rico? Ele Presidente da Repblica. Se ele rico eu no sei.

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Colaborao de Francisco Carmona e Emdio Bela | Fotos de Nata Ussene Mas pblico que ele tem muitos interesses empresariais No sei se tem muitos negcios. Tambm no sei se os seus negcios do muito dinheiro. O General disse que no tinha negcios. Mas sabemos que accionista em algumas empresas. Essas empresas geram bons lucros? Depende da percentagem com que voc entra. H uma empresa em que sou scio (um banco). Tenho 2.0%. insignificante. Mas ter 2.0% numa Mozal, por exemplo, muito dinheiro Sim. muito dinheiro. Mas eu tenho 2.0% num banco praticamente falido. J no distribui dividendos, nem nada. Mas eu no saio. Fico l. um banco moambicano. Gosto dele. Para alm desse banco, em quais outras empresas est envolvido? Eu realmente no tenho negcios. Sou presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ceta. Normalmente as empresas fazem Assembleia Geral uma vez por ano. E sou tambm presidente da Mesa da Assembleia Geral da EMOSE. Do-me alguma coisa, e sou pensionista do Estado. Eu estava a precisar desse dinheiro para educar os meus filhos. Estavam numa universidade privada e isso muito dinheiro. Tentaram na Universidade Eduardo Mondlane e no conseguiram. Tenho sete filhos. Seis j se formaram no ensino superior e agora s fiquei com um em casa. Estou mais aliviado agora. Hoje com esse dinheiro da EMOSE, Ceta e a reforma e sem a despesa dos filhos, sinto-me mais ou menos descansado. No me falta comida e, como vs, estou a tomar caf. IMPRENSA E CORRUPO Os rgos de comunicao privados comearam a surgir na dcada 90, aps a abertura constitucional. Sente-se confortado com o progresso do sector no geral, daquilo que ouve, v e l No. Nem pensar. Mas o que me desagrada muito vocs se chamarem independentes. Independentes de quem? At podem dizer independentes da Frelimo, mas somos dependentes de uma outra coisa qualquer. Eu no quero avanar mais, mas muitos no so nada independentes, so dependentssimos. Agora dizer independentes da Frelimo, isso est bem. Numa entrevista recente que concedeu revista Chama, do Gabinete da Primeira Dama, disse que certa imprensa no era patriota. Pode citar nomes? No. No cito. Vocs so pessoas adultas, vem e lem e a vo avaliar se patriota ou no . O que acha do jornal SAVANA. patriota? No digo nada. No me faa essa pergunta, porque no vou responder. Que critrios usa para avaliar o patriotismo numa imprensa? complicado. Olha, eu j tive uma conversa com um jornalista americano h tempos. Eu disse assim: mas vocs so muito agressivos, crticos, atacam o Governo Ele disse-me: olha meu amigo, voc diz que ns atacamos o Governo, mas se analisar globalmente a nossa actuao ns somos muito patriotas. Criticamos para que o nosso Governo seja realmente americano. Nunca me esqueci disso. Quando Obama chegou mandou parar com a tortura. Mas se a gente tortura em Moambique dizem que so comunistas, esto a violar os direitos das pessoas. Voc, para criticar tem de estar limpo dos crimes que est a atribuir aos outros. Corrupo Entende que a guerra contra a corrupo est ganha em Moambique? A guerra contra a corrupo uma guerra permanente. Hoje, em nenhuma parte do mundo se disse que a guerra contra a corrupo terminou. E isso no s em Moambique, na Europa, nos EUA, h casos de corrupo que so revelados e condenados pelas estruturas do Estado. Mesmo envolvendo pessoas do Estado, elas so levadas ao tribunal. uma guerra permanente que devemos fazer, mesmo que no haja crimes de corrupo os nossos olhos devem estar sempre atentos para qualquer aco nesse campo. Mas o porta-voz da Frelimo, Edson Macucua, disse na recente reunio do Comit Central que estava ganha, pelo menos, no sector pblico Ganhar no significa eliminar. Talvez controlada. Mas ganhar, no significa acabar completamente. Ns no somos Deus para dizer que a partir de agora no h isto ou aquilo, e para nunca mais haver.

MDM melhor que a Renamo Como v o MDM? um movimento novo. E na minha apreciao constitudo fundamentalmente por ex-membros da Renamo.

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Colaborao de Francisco Carmona e Emdio Bela | Fotos de Nata Ussene Vamos ver como que eles vo dirigir esse MDM. Recentemente, fizeram uma viagem pela Europa e contactaram por onde a Renamo passou. Mas tenho a impresso que o MDM melhor que a Renamo. Ento, acha que vai fazer frente Frelimo e a Guebuza Desta vez no. Nem pensar. Eles vo dar alguns ensaios polticos. Precisam ainda de se reforar. E eles no esto suficientemente reforados para um embate contra a Frelimo. a minha opinio. Agora para o futuro vamos ver. Mas desta vez realmente penso que ns estamos muito mais fortes do que nunca. A Frelimo de hoje parece aquela dos p-Luta Armada. Muito forte. O que dinamizou a Frelimo. Foi a chegada de Armando Guebuza liderana No. No a chegada de ningum. a percepo nossa, sobretudo, da Comisso Poltica que analisa questes polticas. Houve um aperto em 1975 e, gradualmente, comemos a desapertar. Ns no ramos membros do Banco Mundial, nem do FMI. Nos princpios da dcada 80 aderimos a essas instituies. Ns vimos que a realidade indicava que devamos fazer isso para o nosso desenvolvimento. Foi uma boa deciso e hoje estamos a fazer muita coisa graas a essa abertura. A guerra dos 16 anos atrasou muita coisa? Sim, com certeza. Uma guerra sempre prejudicial ao desenvolvimento.

SNASP e Campos de Reeducao Numa entrevista ao Notcias em Outubro de 2006, a-propsito da passagem dos 20 anos aps a morte de Samora Machel, chegou a dizer que a actuao de alguns agentes do extinto SNASP (Servio Nacional de Segurana Popular) no era do agrado dos cidados. Que tipo de excessos cometiam? Tortura. Eu fui ministro da Segurana e sei disso. Fazia campanhas dentro da Seguraana. Incluindo comcios pblicos aqui em Maputo. Era para denunciar as pessoas da Segurana que utilizavam o nome do SNASP para fins pessoais. Ns ramos extremamente intransigentes nessa altura e o SNASP tinha muita autoridade na altura. As suas funes eram amplas. Era quase autnoma? Sim. E no s. preciso ver que o SNASP no prestava contas ao Estado, mas ao presidente do partido Frelimo. Foi por isso que a gente mudou para SISE. Imaginem se o SNASP ainda funcionasse com as mesmas funes que tinha, e a Frelimo perdia as eleies em 1994. Ns teramos uma situao muito interessante que um rgo do Estado como o SNASP prestar contas oposio, neste caso ao presidente da Frelimo como estava estipulado. Seria caricato e numa situao de multipartidarismo seria inadmissvel. Tivemos que mudar, e eu participei na mudana e acho que fizemos bem. Os campos de reeducao foram um erro poltico? No, no foi nenhum erro. Nunca. Foi uma forma de reeducar pessoas. Quem ia aos campos de reeducao? Eram marginais da sociedade. Mas houve exageros? Ah, houve exageros, mas a reeducao existe at nos Estados Unidos. As prises livres onde as pessoas vo trabalhar e depois voltam para a cadeia para dormir reeducao. Na entrevista ao Notcias a que fizemos meno anteriormente, disse que a pena de morte era contra os inimigos. Inimigos de quem? Considera de inimigos todos que foram sacrificados em nome da Revoluo? Inimigos da nossa linha. Inimigos da nossa moambicanidade. Por exemplo, h um que foi fuzilado na fronteira com o Zimbabwe, cooperava com Ian Smith e Ian Smith era nosso inimigo. Quem coopera com nosso inimigo nosso inimigo tambm. Eu no estou arrependido de nada, aqueles que morreram, morreram porque pediram para morrer. Cidado comum moambicano, obediente da lei, vivendo como moambicano, nunca foi fuzilado. Os que foram fuzilados estavam contra a Revoluo e contra os desgnios da ptria. No eram adversrios, eram inimigos que estavam contra o desenvolvimento de Moambique. Na biografia de Urias Simango, Um Homem Uma Causa de Bernab Lucas Nkomo, o General aparece a dizer que o Bureau Poltico no foi informado sobre o fuzilamento de alguns presos polticos. E que Samora no queria ver aqueles homens, caso de Urias e esposa, mortos. Ele queria mostrar-lhes o Moambique independente com que sonhava. Como foi possvel? Foi possvel porque achou-se que a condenao daquela gente foi feita pela Frelimo, portanto, eram coisas da Frelimo. No tinha nada a ver com o Estado. verdade que o Bureau Poltico devia ser informado, mas no foi. Por que que no foi no sei. preciso ver que aquela gente foi condenada antes da independncia e na Frelimo tnhamos a pena de morte. Todos aqueles que saltassem para o inimigo eram tidos como inimigos e eram

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Colaborao de Francisco Carmona e Emdio Bela | Fotos de Nata Ussene fuzilados. O primeiro fuzilamento de que me lembro foi em 1965 ou finais de 1964, de um indivduo chamado Said, em Cabo Delgado. Era guerrilheiro, pegou na arma e foi invadir as populaes para roubar galinhas. Foi fuzilado e fuzilmos muito mais. Durante a guerra no se pode brincar. Multipartidarismo durante a guerra mentira. Voc no faz guerra nenhuma. Alguns perguntam, por que que no permitimos que os outros tambm lutassem pela independncia de Moambique sem estar necessariamente na Frelimo? H uma regra que todo o militar conhece: no pode haver vrios comandos no mesmo stio. Pode haver vrios exrcitos, mas um comando comum. No pode haver vrios comandos e ns recusmos isso durante a luta armada. No mesmo livro, citado como tendo dito que Samora foi pressionado a mandar fuzilar presos polticos. Quem o ter pressionado? Sim, penso que foi pressionado. Agora quem o pressionou, no sei. Mas foi pressionado porque ele disse uma coisa e no podia mudar para outra. Mas sabe dizer se foram presses internas ou externas? Penso que no foi uma fora externa. Naquela altura s podia ser uma pessoa ou pessoas com muita influncia sobre Samora Sim. Tinha de ser uma pessoa com muito poder. Tem ideia de quem ter sido, dada a sua posio da Frelimo? No. Como que se sentiu quando teve conhecimento do fuzilamento de Uria? Naturalmente, eu fiquei um bocadinho ressentido. Mas que era norma na Frelimo fuzilar pessoas era. Samora disse que no ia mandar fuzilar, queria que eles ficassem l para um dia serem soltos, faz-los passear por todo o pas e ver o que estvamos a construir. Para alm de camaradas, tinha outras relaes, como de amizade, por exemplo, com Urias Simango durante a luta? Ele era vice-presidente da Frelimo, (risos) ele era meu chefe. verdade que no II Congresso da Frelimo, o General Matsinhe estava na lista de Urias Simango que disputava a presidncia da Frelimo com Eduardo Mondlane? No. Naquela altura no havia listas. Hoje h candidato fulano, sicrano, beltrano que querem ser presidente. Ali no havia listas, engraado, talvez era desconhecimento nosso. Como procederam, ento? Chegmos l, reunimos e decidimos que vamos eleger o presidente da Frelimo. Cada qual escrevia no seu papelinho Mondlane, Urias Simango No fim contaram-se votos e Mondlane tinha mais votos. J passam 40 anos aps o II Congresso, pode dizer qual foi a sua escolha? A votao era secreta. Secreta nossa maneira, porque a gente escrevia nomes. Hoje cruz. Pela caligrafia podi-se descobrir quem votou em quem. Em quem votou senhor General? Ele era meu padrinho. Tinha de votar nele. Quem? Urias Simango? No. Eduardo Mondlane. Era meu padrinho de casamento. Ah, mas no sei se nessa altura j era meu padrinho. Mas quase todos reconhecamos Eduardo Mondlane como dirigente. Eu comecei a pensar nisso aqui em (ex) Loureno Marques. Ouvi falar pela primeira vez de Mondlane aqui em (ex) Loureno Marques, sobretudo, quando me filiei ao Ncleo dos Estudantes Secundrios Africanos, no Centro Associativo em Xipamanine. Vim a saber que quem formou o ncleo tinha sido Eduardo Mondlane. Cada um sentia que aquele um dirigente. A gente no dizia que voc nosso lder, voc vai ser presidente amanh. Achvamos que ele tinha fora suficiente para correr com os portugueses aqui. Como? Ningum sabia nessa altura. No era uma pessoa desconhecida. Alguma vez sonhou ser presidente de Moambique? Eu? Nunca. Nem me fale sobre isso. Agora estou reformado tranquilamente. Mas quando era jovem, nunca sonhou? Nunca pensei nisso. Nem sei se havia pessoas que pensassem ser alguma coisa depois da independncia. Eu prprio quando fui chamado, era representante da Frelimo em Lusaka. E quando ramos chamados amos preparados para qualquer eventualidade, qualquer tarefa. Levvamos farda militar e civil, porque no sabamos qual era a misso. Se fosse para o interior calvamos botas e farda militar, se fosse para o exterior punhamos fato civil. Cheguei em Dar-es-Salaam, isso em 1974, e o Presidente disse assim: Mariano voc vai ser ministro do Trabalho. O qu? Voc vai ser ministro do Trabalho. Eu respondi que nunca tinha sido ministro na vida. O Presidente Samora disse-me que Chissano tambm nunca foi ministro, vo l batalhar, aprendam. Fiquei

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Colaborao de Francisco Carmona e Emdio Bela | Fotos de Nata Ussene assustado e perguntava-me: o que ser um ministro? O que que faz um ministro? Da no regressei a Lusaka para buscar outras coisas, parti logo para Loureno Marques. Para o Governo de Transio? Sim, Governo de Transio. Naquela altura todo o Governo era composto por portugueses. Os poucos moambicanos eram serventes. Comemos a aprender pouco a pouco, cada dia era anotar coisas novas. Mais tarde descobrimos que um ministro um administrador. Um mdico podia ser ministro, tratar bem os quadros, levar os quadros a cumprirem com a poltica definida para aquele ministrio. Ns quando chegmos, a nossa preocupao central e principal era a tomada do poder. Eu lembro que como ministro do Trabalho recebi pessoas que vinham reclamar salrios, fui preterindo nisto e naquilo e realmente o conselho que tivemos no Governo de Transio era que sim senhor essas preocupaes pequeninas devamos tratar, mas a preocupao nossa a tomada do poder. Isso era fundamental em 1974 e 1975. Depois disso vamos ver o que fazer.

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