Larissa+Giacomelli
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Larissa Giacomelli1
Gislene Camargo2
RESUMO: A Pedagogia Hospitalar manifestou-se por volta da década de 30, na Europa e mais
tarde nos Estados Unidos. Os primeiros registros do pedagogo hospitalar ocorreram pela
necessidade do atendimento educacional às crianças que encontravam-se em instituições como
orfanatos e asilos. No início do século XX, tiveram as primeiras evidências da escolarização
em ambientes de saúde no Brasil e o reconhecimento pelos órgãos públicos brasileiros. Este
estudo teve como objetivo compreender, reconhecer e constatar o papel do pedagogo no
processo de desenvolvimento da criança hospitalizada e suas contribuições junto à equipe
multidisciplinar. A pesquisa, caracterizada como qualitativa de abordagem exploratória, buscou
os dados empíricos utilizando como instrumento, a entrevista semiestruturada com duas
pedagogas de um hospital da região metropolitana do estado de Santa Catarina. Os dados foram
interpretados utilizando-se dos princípios da análise de conteúdo de Bardin (2011) e achados
de Fernández (2001); Freire (1996), Libâneo (1999), Papalia, Olds, Feldman (2013), Fontes
(2005), Souza (2021) e outros. As conclusões apontam que a atuação do pedagogo hospitalar
vem ao encontro da necessidade de proporcionar à criança hospitalizada uma vivência
articulada e significativa entre o saber do cotidiano do paciente e o saber científico. Através de
processos como a escuta pedagógica e dialógica do paciente/ aluno e família junto a equipe
multidisciplinar é possível realizar um atendimento humanizado no desenvolvimento integral,
naquele momento crítico na vida da criança hospitalizada.
1
Graduada em pedagogia pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). E-mail:
[email protected].
2
Mestre em Educação pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Psicopedagoga Clínica e
Institucional..Coordenadora do curso de Pedagogia/UNESC. Líder do grupo de Pesquisa Políticas, Saberes e
Práticas de Formação de Professores E-mail: [email protected].
Saberes Pedagógicos, Criciúma, v. 7, nº 2, julho/dezembro - 2023.– Curso de Pedagogia– UNESC
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ABSTRACT: Hospital pedagogy appeared around the 30s in Europe and later in the United
States. The first records of hospital pedagogy show that it occurred due to the need for
educational care for children who were in institutions such as orphanages and poorhouses. At
the beginning of the twentieth century, there were the first evidences of schooling in health care
spaces in Brazil and the recognition by Brazilian public institutions. This study aimed to
understand and recognize the role of the pedagogue in the development process of hospitalized
children, and it aimed to verify the pedagogue's contributions to the multidisciplinary team. The
research, defined as qualitative with an exploratory approach, sought empirical data using as
instrument semi-structured interviews with two pedagogues of a hospital in the metropolitan
area of the state of Santa Catarina. Data was interpreted using the content analysis principles of
Bardin (2011), and the findings and insights of Fernández (2001), Freire (1996), Libâneo
(1999), Papalia, Olds, Feldman (2013), Fontes (2005), and Souza (2021). Based on the analyzed
aspects, the conclusions point out that the performance of the hospital pedagogue meets the
need to provide the hospitalized child with a significant experience, combining the knowledge
of the patient's daily life and scientific knowledge. Through processes such as pedagogical and
dialogical listening of patient/student, family and multidisciplinary team, it is possible to carry
out a humanized health care in integral development, at that critical moment in the life of a
hospitalized child.
1 INTRODUÇÃO
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encantei pela interação dos dois setores, educação e saúde. Ao me deparar com as crianças
hospitalizadas, percebi que elas sentem falta do ambiente escolar, do acompanhamento da
professora e que a presença de um pedagogo no hospital, faria diferença no desenvolvimento
integral.
Outro fator que vale salientar, está no fato de que nenhum hospital da região de Criciúma
possui pedagogo atuando nas equipes de atendimentos para as crianças hospitalizadas. Embora
assegurado por lei, o atendimento educacional para crianças em tratamentos de saúde ainda não
é uma realidade em nível estadual nas instituições de saúde. Diante de tal contexto, observa-se
que é possível aprofundar o tema, e nesse intento formulou-se o problema: Mas afinal, qual a
contribuição do pedagogo hospitalar, junto a equipe multidisciplinar, para o desenvolvimento
da criança hospitalizada? O objetivo geral da pesquisa é analisar a função do pedagogo junto à
equipe multidisciplinar no desenvolvimento integral da criança hospitalizada.
Nesse sentido, os objetivos específicos são Compreender a historicidade do pedagogo
no ambiente hospitalar; Reconhecer o papel do pedagogo no processo de desenvolvimento da
criança hospitalizada; Constatar as contribuições do pedagogo junto à equipe multidisciplinar
no desenvolvimento integral da criança hospitalizada.
A metodologia da pesquisa configura-se como qualitativa-exploratória, com enfoque na
pesquisa de campo, buscando o papel do pedagogo hospitalar e suas contribuições no
desenvolvimento integral da criança hospitalizada, utilizando como instrumento, a entrevista
semi-estruturada junto à equipe assistencial e multidisciplinar, de um hospital da região
metropolitana, que conta com um pedagogo junto a equipe. O artigo está organizado em seções
e subseções, iniciando com a Introdução, seguida do referencial Teórico com as seções,
metodologia, apresentação e análise de dados, seguida dos resultados e referências.
A Pedagogia Hospitalar teve seus primeiros registros, no ano de 1935, na Europa, com
estopim na França, seguida da Alemanha e Estados Unidos, quando notou-se a necessidade do
atendimento educacional às crianças que encontravam-se em instituições como orfanatos e
asilos. Naqueles espaços, observava-se características de abandono e desgaste emocional, que
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poderiam trazer sérias consequências na vida adulta (SOUZA, 2021). Além disso, foi durante a
Segunda Guerra Mundial, com o grande número de crianças atacadas e órfãs, que as equipes
hospitalares foram mobilizadas para dar atendimento a estes estudantes (SILVA;
SCHWAMBACH, 2019).
No Brasil, os primeiros registros da escolarização em ambientes de saúde datam,
também, no início do século XX, no Pavilhão Escola Bourneville, um anexo ao Hospício
Nacional de Alienados do Rio de Janeiro, para crianças ditas “anormais”. O reconhecimento
pelos órgãos públicos brasileiros, sobre o papel do pedagogo dentro das instituições
hospitalares, aconteceu apenas na década de 1990, através do Ministério da Educação e do
Desporto (MEC), mediante a Política da Educação Especial (SILVA; SCHWAMBACH, 2019).
De acordo com Santos e Souza (2010), a inserção do profissional da educação em
instituições hospitalares foi uma grande vitória, que precisa ser comemorada, reconhecida e
incentivada, tendo em vista a grande valia do pedagogo junto a equipe de atendimento e seu
impacto no atendimento das crianças internadas. No Brasil, de acordo com o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), a educação é um direito de todas as crianças e jovens,
decretada e sancionada por lei, desde 1990. Mais tarde, pela Resolução nº. 41, de 13 de outubro
de 1995, foi firmado direito a formas de recreação, programas de educação para a saúde e
acompanhamento do currículo escolar, durante sua permanência no hospital (BRASIL, 1990;
2004).
Essas premissas apontam que a pedagogia hospitalar é um processo alternativo, para a
continuidade da educação que ultrapassa o espaço escolar indo ao encontro com o
desenvolvimento da criança hospitalizada. A pedagogia hospitalar, portanto, é um válido e
importante caminho para possibilitar uma conexão do aluno, agora paciente, aproximando-o
com sua realidade antes da internação hospitalar.
Esse processo de hospitalização na vida de crianças e adolescentes, conhecido por
Papalia e Feldman (2013), como um período crítico, causa momentos de aflição, com a
mudança da rotina. Diante desse contexto, o Ministério da Educação (MEC), por meio de sua
Secretaria de Educação Especial, elaborou um documento com estratégias e orientações que
asseguram o atendimento pedagógico em ambientes hospitalares, expresso como direito e
garantido pela Constituição Federal Brasileira.
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Para tanto, as classes hospitalares, assim referidas em documento oficial do MEC
(BRASIL, 2002, p.13), devem:
Papalia e Feldman (2013, p. 49) salientam que “se um evento necessário não ocorrer
durante um período crítico de maturação, o desenvolvimento normal não ocorrerá”. Em seu
livro, intitulado “Desenvolvimento Humano”, as autoras trazem as diversas teorias e seus
diferentes autores sobre concepções dos estágios da vida, que vão desde a concepção até à
velhice. Contextualizando a instituição hospitalar, as autoras afirmam que o desenvolvimento
integral da criança hospitalizada é influenciado pelo contexto histórico e cultural, que se
entrelaçam entre circunstâncias ou condições e em parte pelo tempo e lugar (PAPALIA;
FELDMAN, 2013).
Em conformidade com Fontes (2005, p. 122) que enfatiza:
Essas colocações coadunam com a expansão dos hospitais, na busca por atendimento
humanizado, afinal, conforme Fontes (2005, p. 124) “[...] a criança aprende a criar mecanismos
para minimizar a sua dor, e esses mecanismos podem ser socializados e até utilizados por outras
crianças”.
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O ato de adoecer faz parte da vida, pelo menos num determinado período de tempo.
Porém, não existe uma pausa para os estágios de desenvolvimento, seja na concepção, logo
após o nascimento, na primeira, segunda ou terceira infância, seja na adolescência, fase adulta
ou velhice. Diante disso, é sabido destacar as dez (10) competências gerais da Educação Básica
trazidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), enfatizando a oitava que assim se
subscreve “Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-
se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e
capacidade para lidar com elas” (BRASIL, 2017, p.10).
Diante de tal contexto, observa-se que a criança hospitalizada continua sendo uma
criança e construindo conhecimento. Assim, o pedagogo hospitalar, pode atuar em diversos
eixos e propor inúmeras atividades, afinal, não existe uma fórmula posta para cada situação
desencadeadora de aprendizagem. O extraordinário do ensino aprendizagem e do
desenvolvimento se dá ali, cotidianamente, nas práticas e vivências (FONTES, 2005).
Neste ambiente diferente, o educador precisa se reinventar. E aqui é necessário trazer o
que a psicopedagoga Alicia Fernández (2001, p. 30), aborda em seu livro “Saber em Jogo”, que
“ser ensinante significa abrir um espaço para aprender”. O pedagogo hospitalar deverá ficar
atento às características do aprendente e do que a autora chama de espaço objetivo-subjetivo,
para que possa colaborar com a “[...] construção de conhecimentos e a construção de si mesmo,
como sujeito criativo e pensante”.
Nesse sentido, o trabalho pedagógico do profissional na educação nas classes
hospitalares pode contribuir nos vários eixos do desenvolvimento - seja ele intelectual, afetivo
e motor - ou seja, no desenvolvimento integral dos indivíduos hospitalizados. Em síntese, “a
escuta pedagógica atenta e sensível às demandas afetivas, cognitivas, físicas e sociais da criança
pode possibilitar a consolidação de sua subjetividade” (FONTES, 2005, p. 134).
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durante o período de hospitalização. Conforme afirma Freire (1996), em seu livro “Pedagogia
da Autonomia”, nós enquanto educadores, não devemos negar o direito de sonhar a quem sonha.
Essa afirmação se complementa quando Libâneo (1999, p. 51) enuncia que "Em todo lugar onde
houver uma prática educativa com caráter de intencionalidade, há aí uma pedagogia". Portanto,
o campo de atuação do pedagogo é vasto e são inúmeras as práticas possíveis na sociedade.
A importância da atuação do profissional de educação nas equipes multidisciplinares
das instituições hospitalares, se evidencia quando Fontes (2005, p. 135) menciona que “[...] o
conhecimento de seu estado de saúde e do ambiente hospitalar em que se encontra pode
alimentar o aspecto positivo da emoção da criança hospitalizada e contribuir para o seu bem-
estar físico e psicológico”.
No que diz respeito ao professor e a inter-relação com a tríade aluno/paciente, família e
escola, Fontes (2005, p. 135) fala:
Antes de mais nada, é necessário pontuar que a equipe multidisciplinar é formada por
profissionais de diferentes formações que, conforme Peduzzi (2001, p. 104), “Por meio da
execução de atividades próprias de sua área profissional [...] opera a transformação de um
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objeto em um produto que cumpre a finalidade colocada, desde o início, como intencionalidade
daquele trabalho específico”.
Sob o mesmo ponto de vista, Peduzzi (1998) dialoga com Peduzzi (2001) e aponta que
o trabalho de uma equipe multidisciplinar acontece por meio das múltiplas intervenções
técnicas e através das relações e diálogos profissionais. Nesta equipe, normalmente, estão
inseridos psicólogos, nutricionistas e enfermeiros.
Na transição do perfil acadêmico para o perfil profissional, o novo profissional de
pedagogia ingressa no mundo reconhecendo a complexibilidade de seu trabalho e a necessidade
da busca contínua do conhecimento para o desenvolvimento de habilidades específicas, como
por exemplo:
O ato de pesquisar busca encontrar realidades que não sejam notadas ao olhar do senso
comum. Por isso, desenvolver uma pesquisa é conhecer e compreender situações, que vão além
da observação. Segundo afirma Stein (1987, p. 103), “o método crítico se apresenta basicamente
como instrumento para detectar a ruptura do sentido, enquanto o método hermenêutico busca,
nos muitos sentidos, a unidade perdida”. Desse modo, a presente pesquisa pressupõe
historicidade, requer observação e interpretação, conexão entre sujeito e contexto. Com o
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intuito de compreender o papel do pedagogo em instituições hospitalares, realizou-se a pesquisa
de campo, no sentido de observar e ouvir esse profissional no seu campo de atuação.
A abordagem da pesquisa é qualitativa exploratória, sendo que a técnica de coleta de
dados deu-se por uma entrevista livre aplicada com duas (2) pedagogas do centro de estudos,
que atuam num hospital da região metropolitana do estado de Santa Catarina. As análises e
interpretações do material empírico seguirão os princípios da análise de conteúdo (BARDIN,
1977).
No estudo bibliográfico realizado sobre a pedagogia hospitalar, foi encontrado um
número consideravelmente pequeno de produções. O levantamento foi feito através das bases
Pergamum, Scielo, BDTD, Sumários.org, biblioteca Unesc, Google acadêmico e Capes
mostrou a carência de estudos na área e a predominância de trabalhos teóricos e poucos estudos
práticos, o que motivou a ida ao hospital-campo e a escuta atenta das pedagogas que fazem
parte da equipe multidisciplinar.
A escolha do local de coleta de dados ocorreu através de uma busca ativa no Google. O
hospital mais próximo da região carbonífera que contava com pedagogos na equipe era o
hospital infantil da região metropolitana de Santa Catarina. O primeiro contato ocorreu por
meio telefônico, no início do segundo semestre de 2022, com a telefonista da instituição
hospitalar. A apresentação da pesquisa e a solicitação de observação firmaram-se via Whatsapp,
com uma das pedagogas. Após o aceite, agendou-se a visita ao hospital infantil, para o dia vinte
e seis de agosto do ano de dois mil e vinte e dois.
Na ocasião, as duas pedagogas assinaram o termo consentimento e responderam a
entrevista conjuntamente na sala de estudos, local em que ocorrem os atendimentos agendados
com os alunos. Mediante autorização prévia, a conversa foi gravada para que posteriormente
pudesse ser transcrita na íntegra e analisada.
As entrevistas foram transcritas e organizadas em dois blocos de análise: O papel do
pedagogo no processo de desenvolvimento da criança hospitalizada; As contribuições do
pedagogo junto à equipe multidisciplinar. Nomeou-se, de forma fictícia, as pedagogas Neita e
Marioni, em homenagem às pedagogas que fizeram parte da trajetória escolar da acadêmica
autora deste artigo.
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3.1 O papel do pedagogo no processo de desenvolvimento da criança hospitalizada
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transformem o ambiente e instiguem o desenvolvimento integral.
A primeira pergunta apresentada às educadoras buscou entender a trajetória da
pedagogia no hospital e como a classe era organizada. As educadoras contam que quando
chegaram já existia a classe de pedagogos hospitalares em andamento, com sua rotina e que as
vivências que tiveram, foram as mudanças de espaço físico e direção.
De acordo com Neita, a função do pedagogo no hospital é pouco difundida, ela inclusive
diz que iniciou na recreação e que fazer parte do grupo como pedagoga, a deixou insegura,
destacando o quanto esse processo foi novo para ela: “Tudo novo”.
Cada dia uma vivência aqui dentro. Comecei em 2018 como pedagoga hospitalar.
Demorei três meses para me adaptar, pois sempre fui professora de ensino regular.
Precisei me fortalecer e enfrentar as situações do dia a dia. Precisamos saber separar
o pessoal do profissional. As dificuldades sempre aparecem. (MARIONI, 2022)
Marioni fala que precisou de tempo para se adaptar, enfatizando que ser pedagoga no
hospital é diferente de ser pedagoga no ensino regular. Tanto Neita quanto Marioni enfatizam
que as situações enfrentadas no dia a dia são difíceis. As entrevistadas afirmam que com suas
vivências, foram se reconhecendo como pedagoga hospitalar, e que os processos de
atendimento foram sendo aprimorados ao longo do tempo e hoje se estruturam de forma a
acolher o paciente desde seu primeiro dia de internação.
Neita explica que é a partir de um sistema de comunicação interna, que elas conhecem
o paciente e suas condições clínicas e o motivo da internação. Na sequência, é feita,
normalmente no período matutino, uma visita à beira leito, isto é, uma visita no quarto em que
encontra-se o paciente. “Buscamos conhecer a realidade de cada um que está aqui dentro”,
ressalta a pedagoga Marioni. Com efeito, Estanislau e Bressan (2014 p. 73), evidenciam que
“saber vincular-se aos pais é uma habilidade imprescindível ao professor no processo
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educativo”, ou seja, na escola regular o vínculo é imprescindível, e tanto mais na pedagogia
hospitalar onde os pacientes/alunos e pais encontram-se em situações delicadas.
No trabalho cotidiano das pedagogas, referente aos atendimentos, a escuta pedagógica
é um dos itens principais de integração com a família. Neste momento, a profissional da
educação faz uma espécie de anamnese escolar, para conhecer quem é o paciente, agora aluno,
que está hospitalizado. Questionamentos sobre o rendimento escolar, dificuldades de
aprendizagem e uma síntese do que trouxe essa criança aqui, são realizados com o responsável.
Nesse momento também, são constituídos vínculos com as famílias.
Um aspecto importante a ser levado em consideração, apontado por Fontes (2005) é a
relação estabelecida com a criança e sua família, sendo que com elas chegam suas histórias, por
vezes entristecidas pelos diagnósticos, pelas suas experiências com doenças, enfim, seus
saberes e não saberes. Nesse sentido, a atuação do pedagogo hospitalar vem ao encontro da
necessidade de “proporcionar uma articulação significativa entre o saber do cotidiano do
paciente e o saber científico do médico, sempre respeitando as diferenças que existem entre
ambos os saberes” (FONTES, 2005, p. 124).
Percebe-se pela fala de Marioni uma preocupação com o que é falado para a família,
“Temos que ter cuidado em casos específicos [...]. Temos muito cuidado em não falar sobre o
caso clínico do paciente. Auxiliamos em questões gerais de auxílio à família - telefonemas,
diálogo com médicos. Nós não avaliamos a criança”. Ou seja, as pedagogas atuam como
mediadoras, mas se abstém de opiniões sobre o caso clínico, mantendo a ética profissional.
Marioni ressalta que o atendimento pedagógico hospitalar vai muito além de mediar o
conhecimento para uma criança, “Você trabalha com os aspectos da afetividade, do lúdico, do
emocional, tanto da criança quanto da família”, porém, respeitando a função pedagógica.
Analogamente, uma sucessão de intervenções podem ser pensadas e executadas por
meio de práticas pedagógicas, a fim de colaborar para o desenvolvimento integral da criança
hospitalizada e também da família. As práticas pedagógicas podem ser organizadas por meio
de jogos, brinquedos e brincadeiras, inclusive, muitas das crianças/pacientes ficam com o braço
imobilizado pelo equipamento intravenoso, dificultando a escrita. Portanto, as práticas precisam
ser repensadas, e o jogo pode ser um bom instrumento de intervenção pedagógica, sendo
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evidenciado por Fantin (2000, p. 85), quando fala que “Do ponto de vista do desenvolvimento
da criança, o jogo traz vantagens sociais, cognitivas, afetivas [...]”.
Sobre os atendimentos às crianças, as entrevistadas realizam pela manhã a visita aos
leitos, e no turno vespertino são feitos os atendimentos individualizados na sala, com
agendamentos de horários. Elas ponderam o cuidado ainda maior que tem com casos
específicos, como internações psiquiátricas, por exemplo. Se a internação da criança se estende
por mais de três dias, as pedagogas realizam o contato com a escola de origem. Neste contato é
definido se a escola enviará o planejamento ou se as atividades serão desenvolvidas pelas
próprias pedagogas hospitalares.
Durante a entrevista, uma mãe aparece na porta: “Essa mãe que veio aqui na porta tem
17 anos e é de outra cidade. Fizemos o contato com a escola dela e eles nos enviaram os
materiais das aulas para o nosso e-mail, fizemos a impressão e enviamos até ela. O nosso
atendimento vai muito além” (NEITA, 2022). As pedagogas se preocuparam com essa
mãe/estudante também, pois o hospital atende crianças com faixa etária até 13 anos, 12 meses
e 29 dias, como já mencionado. Percebe-se o comprometimento das entrevistadas com os
processos de ensino, envolvendo a família.
Foi perguntado às pedagogas sobre as dificuldades que enfrentam no seu cotidiano,
ambas concordaram que são: “Dificuldades com estrutura, materiais. Não temos apoio
financeiro do hospital. Fizemos muitas campanhas para arrecadação. Desinteresse dos alunos e
família”. Nesse sentido, segue a queixa sobre a falta de apoio financeiro, no sentido de compra
de materiais de expediente, jogos e brinquedos pedagógicos.
Ademais, foi mencionado o desinteresse dos alunos e família sobre a continuidade dos
estudos no ambiente hospitalar, porém, não foram expostas as causas do “desinteresse”. Dito
isso, uma estratégia que pode ser pensada é realizar mais de um momento de encontro com a
família: um de escuta, outro de apresentação do planejamento e orientação e um outro de
devolutiva do realizado com o aluno/ paciente. Assim, haverá uma construção de relação com
a família, uma vez que como dito por Estanislau e Bressan (2014, p. 75):
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cercados de uma atmosfera negativa. Uma estratégia para a modificação dessa rotina
seria o investimento na comunicação positiva periódica com a família, seja por bom
comportamento, desempenho em atividades extraclasse ou rendimento do aluno, seja
por reconhecimento dos familiares que têm demonstrado interesse na vida escolar dos
filhos.
Há uma contradição na afirmação das entrevistadas, pois mesmo que desejem um fazer
pedagógico diferenciado, recorrem às falas tradicionais, como desinteresse dos alunos e
famílias. Dada a especificidade da relação com a família em situação hospitalar, as queixas
devem ser evitadas, e se as pedagogas aplicam a estratégia da escuta sensível, certamente
conhecem o motivo do desinteresse ao qual elas se referem.
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Marioni fala ainda que se preocupam em tornar o momento que as crianças estão
vivenciando no hospital, num momento mais leve, fazendo o possível para cativar e criar
situações de interesse para o desenvolvimento de práticas pedagógicas. Neita completa que elas
deixam a criança livre, para escolherem o que gostam, como a leitura de gibi, de um livro, a
pintura de um desenho, ou a realização de uma atividade que queiram fazer. Desse modo, as
entrevistadas reverberam seus desejos em propiciar práticas pedagógicas diferenciadas.
Que trabalho subjetivo e interpessoal necessitará fazer aquele aprendente para manter
seu desejo e seu propósito de trabalhar com seres humanos que sofrem! Nossa
concepção de aprendizagem permite-nos e obriga-nos a estabelecer relações com os
aspectos saudáveis mais do que com a enfermidade. Ensinar está mais próximo de
prevenir do que curar, e prevenir está mais próximo de estender a saúde do que deter
e atacar a enfermidade (FERNÁNDEZ, 2001, p. 44).
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do aluno, da sua família e da sua escola de origem.
Estabelecendo uma relação com o defendido por Bossa (2002), cabe ao pedagogo
compreender como se constitui o sujeito, como ocorrem suas transformações nas diferentes
etapas da vida e quais são as ferramentas para construção de conhecimento que ele dispõe e a
forma pela qual produz conhecimento e aprende.
Por conseguinte, a partir desse entendimento, uma idealização que pode ser inserida no
trabalho do pedagogo hospitalar é, na alta hospitalar, encaminhar com a criança e sua família
uma carta com informações do que foi realizado durante a internação na instituição, bem como
um portfólio ou mini história do que foi vivenciado pelo aluno/paciente. Deste modo, a
professora da instituição de origem, saberá como agir com aquela criança que teve, de certa
forma, sua história abarcada por um período crítico.
4 CONCLUSÃO
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Embora as pedagogas pesquisadas proponham atividades diferenciadas, levando em
consideração os desejos do aprendente e suas condições físicas, sociais e afetivas, ainda
aparecem contradições ao se referirem ao setor de recreação, como se fossem setores
independentes. Elas anunciam a falta de recursos e que fazem campanhas para a compra de
materiais. O que nos aponta a falta de políticas públicas para a criança hospitalizada, que
necessita de um aporte didático-pedagógico diferenciado.
Diante disso, e conforme garantido por lei, estudos futuros podem buscar compreender
o que é preciso mobilizar para que se torne obrigatório um profissional de educação em todas
as instituições de saúde.
REFERÊNCIAS
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