BOLD a Cena Perfeita Apostila

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Workshop BOLD Cláudia Lemes Compartilhamento proibido

Workshop BOLD: A cena perfeita


Cada cena de um livro, ao começar, é uma promessa ao leitor de que a história
ganhará força. Ele espera novas informações, maior conexão com os personagens,
surpresas e acima de tudo, IMERSÃO. Nos dias de hoje, a leitura precisa ser uma
experiência imersiva, ou você perde o interesse do leitor.

O grande segredo está no equilíbrio entre o planejamento e a criação orgânica.


Alguns autores sentem que ao planejar demais, eles acabam não se surpreendendo durante
a escrita e portanto, o trabalho se torna frio e enfadonho. Por outro lado, não planejar nada
e deixar-se levar, por mais que seja “romântico”, muitas vezes leva a problemas
estruturais, furos e incongruências que, na hora da edição, dão muito trabalho para
consertar.

O ideal é achar o que funciona para você, e isso só é possível quando


experimentamos um pouco de tudo. Este workshop não tem o objetivo que falar para você
COMO deve escrever, e sim, oferecer alguns insights sobre como uma boa cena é
construída, erros que você deve evitar e alguns aspectos da cena que SEMPRE valem a
pena planejar, por mais que você se considere um escritor “jardineiro”.

Objetivo da cena

Sua história tá seguindo, pegando fôlego. O arquivo está aberto, aquela folha em
branco e um cursor piscando, esperando que seus dedos façam a mágica acontecer. É um
momento delicioso e apavorante. Antes de começar a escrever, no entanto, vale a pena
pensar: qual é o objetivo desta cena?

Uma cena pode ter muitos tipos diferentes de objetivos. O principal é sempre
mover a trama para frente, mas existem muitas maneiras de fazer isso. Uma cena pode:
revelar uma informação sobre a trama, dar pistas do passado de um personagem,
aprofundar o relacionamento (bom ou ruim) entre personagens, criar um cliffhanger ou
um plot twist. Tudo depende de onde ela se encaixa na história e das necessidades de cada
história.

Uma cena é uma mini história em si; ela conta uma pequena história que, com as
outras cenas, formam a história maior. Deve ter um começo, meio e fim. O começo monta
o palco; define o ponto de vista, a ambientação, cria um cenário ao redor dos personagens.
O meio desenvolve o propósito da cena, escalando a tensão, aprofundando a atmosfera.
O fim é brusco, para deixar o leitor ávido pela próxima cena. Sua história é como um
quebra-cabeças, e cada cena é um pedaço.

Então, vamos partir desta pergunta: qual é o objetivo desta cena? E outras perguntas que
podem ajudar a definir o que você vai escrever:
• O que precisa acontecer nesta cena?
• Qual personagem é mais afetado pelos eventos da cena?
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• Quem precisa estar na cena?


• Será uma cena regida por ação, diálogos, introspecção, “respiro”?
• Qual é a sensação principal que você quer que o leitor tenha na cena: euforia,
medo, apreensão, horror, surpresa, tristeza, empatia, felicidade?
• Onde a cena se passará?

Vamos desenvolver cada uma dessas questões nos próximos tópicos.

POV

Quando você planejou sua história, escolheu a melhor voz narrativa para ela.
Uma história pode ser contada em primeira, segunda ou terceira pessoa. Mas a escolha de
voz narrativa vai muito além disso. Cem anos atrás, você provavelmente escolheria o
narrador em terceira pessoa, onisciente e onipresente para ter maior “controle” e narrar
com mais alcance, certo? Hoje em dia isso seria um terrível erro.

Poucas narrativas com esse narrador dão certo em 2022. Por quê? Ela não é
imersiva. Ela é um obstáculo entre o leitor e a história, gerando narrativas distantes, frias
e impessoais. Poucos autores conseguem quebrar essa barreira. Se quiser conferir quem
soube fazer bem, leia “A Visita Cruel do Tempo”, da Jennifer Egan.

Quais são as vozes narrativas mais imersivas e melhores para o leitor moderno?
A terceira pessoa limitada e a primeira pessoa.

Mesmo quando você escolhe um ou outro, ainda há diversas coisas para definir
antes de começar:

- A história será narrada por um ponto de vista ou diversos?


- A história será narrada no presente ou pretérito?

Exemplos:

- Eu vejo Paulo caminhando até mim, ele não parece feliz. (Primeira pessoa, presente)
- Eu vi Paulo caminhando até mim, ele não parecia feliz. (Primeira pessoa, pretérito)
- Sandra vê Paulo caminhando até ela, ele não parece feliz. (Terceira pessoa, presente)
- Sandra viu Paulo caminhando até ela, ele não parecia feliz. (Terceira pessoa, pretérito)

Só isso? Não mesmo. Escrever com “deep POV”, ou seja, ponto de vista profundo,
requer prática e estudo. O ideal é que cada cena tenha apenas um ponto de vista, e para
isso, é fundamental que seja um personagem que estará na cena do começo ao fim, e
também o personagem mais afetado pelos eventos daquela cena.

Tudo o que acontece na cena é narrado pelo personagem POV, não importa a
escolha de voz narrativa. A experiência do leitor é a experiência daquele personagem.
Tudo o que é narrado é pelo ponto de vista dele. Os sentimentos e pensamentos são dele.
Lembre-se: você não pode colocar uma informação nessa cena se o personagem não está
ciente dela. Não pode descrever o que há por trás de uma porta, se o personagem POV
não sabe.
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Por isso, um profundo trabalho de concentração, da parte do escritor, é necessário.


Ele tem que aprender a pensar como aquele personagem, da mesma forma como um ator
incorpora um personagem. Como ele fala? Como ele pensa? Como ele reage ao que está
acontecendo? Quem ele é? Qual é o seu passado? Qual é sua personalidade e como tudo
isso molda a forma como sente, pensa, age e reage? Seu tom é cansado e cínico, sonhador
e otimista, cauteloso e medroso?

A mesma lanchonete, sendo descrita por dois personagens diferentes:

1 – Sergio se acomodou num banco contra a parede, para ter uma vista completa
do amplo salão pintado com tinta alto brilho em amarelo e vermelho. Os olhos
dele investigavam as dezenas de pessoas que naquele horário, se aglomeravam em
filas, estudando o cardápio nas telas de LCD. Ele não se deixou distrair pela
cacofonia de crianças exigindo brinquedos, atendentes berrando pedidos para a
cozinha e bandejas batendo nas mesas de fórmica. Estudou as possíveis saídas,
planejou uma rota de fuga caso a transação desse merda. O estômago reclamou de
fome quando o cheiro de carne invadiu suas narinas, mas ele comeria depois –
quando a mala com os milhões de dólares que o libertariam estivesse em suas
mãos. Só mais cinco minutos, pensou, de olho na porta.

2- Eu e mamãe entramos numa das filas e eu esperava que ela não dissesse não
desta vez. Às vezes, quando ela estava triste ou estressada ela dizia não, reclamava
que o brinquedo custaria mais caro e ainda me dava um sermão, falando que eu já
tinha brinquedos demais e algumas crianças não tinham nenhum. Eu não queria
deixar ela nervosa, mas precisava tentar; meus amigos todos estavam levando
bonecos da nova coleção para a escola e eu também queria brincar.
— Mãe, hoje pode ter brinquedo no meu lanche?
Ela não olhou para mim, mas resmungou:
— Tá, tudo bem.
Eu sorri e apertei a mão dela para mostrar que estava feliz. Senti o cheirinho de
hambúrguer no ar e percebi que estava com muita fome.

Analisando os dois trechos de cena, o que podemos dizer sobre:


- Linguagem?
- Ambientação?
- Sensação?
- Personagem ponto de vista?
- Voz narrativa?

No seu planejamento, o próximo passo é definir quem será o personagem POV da cena.

Ambientação

Uma das coisas mais importantes quando você planeja uma cena é a ambientação,
mas pouquíssimos autores pensam nisso. O lugar onde uma cena se passa é muito mais
do que um cenário; ele dá o tom da cena. Para um clímax, escolhemos um lugar perigoso
(um penhasco, um barco cercado de tubarões etc), por exemplo.

Para escolher o lugar ideal, devemos levar em conta algumas perguntas. Qual é o
clima, a atmosfera que você quer criar? O que você quer que seu personagem esteja
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sentindo? O ambiente é um lugar que traz lembranças do passado, traumáticas ou boas?


O lugar o lembra uma pessoa e como isso vai influenciar seu comportamento durante a
cena? É um lugar onde seu personagem corre o risco de encontrar alguém que não gosta?
Qual será a ação e como o ambiente influenciará essa ação? O lugar escolhido simboliza
alguma coisa?

Quando você escolhe esse ambiente, está planejando. Mas na hora de escrever,
não pode se esquecer que criar a ambientação sensorial é de extrema importância. E essa
ambientação deve ser mais carregada no começo da cena.

Lembre-se de trabalhar com contrastes: uma cena romântica no cemitério, uma


cena de sexo num lugar religioso, um tiroteio num casamento.

Lembre-se que descrever bem não é descrever muito. Não é o propósito deste
workshop, portanto recomendo que faça muitas aulas sobre descrição sensorial (módulo
2 do curso BOLD) e pratique muito, para que suas descrições fiquem cada vez mais
criativas, precisas e vívidas.

Antes de começar, visualize com precisão aquele ambiente. Procure imagens de


inspiração. Anote: cores, iluminação, texturas, sons, cheiros, temperatura, sabores,
ventilação, sensações predominantes, limpeza, clima, pessoas, vegetação, animais etc.

“Atmosfera”

A atmosfera de uma cena é criada em conjunto com sua ambientação, claro, mas
não é apenas isso. A atmosfera tem a ver com a sensação que você quer criar. Um pôr-
do-sol pode ser romântico ou aterrorizante, dependendo do que você quer passar.
Algemas podem ser sensuais ou uma sentença de morte, assim como cordas.
Como você cria atmosfera? Com o uso sábio e premeditado dos verbos. Um objeto
pode “raspar” contra a pele de alguém, mas também pode “deslizar”. Esse uso dos verbos
vai ajudar muito na hora de criar as sensações que deseja no leitor.
Por isso, a pergunta que cabe na hora do planejamento é:
- O que eu quero que meu leitor sinta?

Bancos de palavras

Uma vez que você definiu a atmosfera da cena, faça uma lista de palavras
relacionadas a essa atmosfera. Vamos supor que nosso desejo é que os personagens se
sintam aconchegados e protegidos numa casinha que encontraram enquanto fugiam.
Escolhemos essa ambientação porque essa é uma cena de respiro, com o objetivo de forçar
a intimidade entre dois personagens e fazer com que um confie no outro e revele seu
trauma de infância, antes de prosseguirmos para a próxima cena.

Minha lista pode ser puramente instintiva, só com palavras que para mim,
remetem a aconchego e conforto. Ex:
• Vermelho
• Útero
• Baunilha
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• Lareira
• Vela
• Cookie
• Chá
• Calor
• Algodão
• Cobertor
• Sopa
• Bolo
• Xícara fumegando
• Plantas
• Cigarras
• Xadrez

Tenha essa lista por perto na hora de escrever. Isso não significa que você vai usar
todas as palavras – a lista é uma fonte de inspiração. A lista acima foi feita por
livre associação, mas você pode focar, por exemplo, em adjetivos, ou verbos.
Veja:

• Afagar
• Aconchegar
• Aninhar
• Acobertar
• Colher
• Cochilar
• Inspirar
• Submergir
No final, você terá uma lista boa, e irá ajudar você a escolher palavras e a criar a atmosfera
da cena.

Começar tarde e terminar cedo

Um dos erros mais comuns cometidos por autores iniciantes é não saber quando
começar a cena e quando terminá-la. O resultado são cenas longas e cansativas, ou
fragmentadas e confusas, que fazem o leitor ter a sensação de estar “patinando” na
história, e acabar frustrado. São cenas em que os personagens ficam transitando entre
muito ambientes, onde o foco é confuso, onde o tempo se passa de forma estranha...
enfim, uma cena “bagunçada”.

Vamos supor que planejamos essa cena assim:

Objetivo: o personagem Marcos vai se encontrar com a mulher que conheceu na


internet, a quem nunca viu. É importante dar as seguintes informações: ele não é mais o
mesmo homem desde que perdeu a esposa num assalto. Durante os últimos 12 meses, tem
se comunicado com Mônica e trocado mensagens cada vez mais românticas e ousadas.

Ambientação: um restaurante chique.


Atmosfera: medo e apreensão.
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POV: Marcos.

Resumo da cena:

Abordagem 1:

Marcos está em casa, no computador, quando recebe um e-mail de Mônica,


falando que está na hora de se encontrarem. Ele se arruma e vai até o restaurante, onde se
senta e espera ela chegar. Ela chega e eles se encontram pela primeira vez. Ele nota
algumas coisas estranhas nela, mas as ignora, porque Mônica é linda e sorridente. Depois
de muita conversa, eles decidem ir para o apartamento de Mônica.

Abordagem 2:

Marcos está no restaurante. Um garçom pergunta o que ele vai pedir, ele diz que
está esperando alguém. Então, Marcos começa a se lembrar da primeira conversa que teve
com Mônica, das mensagens que trocaram, de como o tom foi ficando picante. Ela chega,
e ele fica surpreso com sua beleza. Conversam, pedem a comida, e quando estão bebendo
vinho, Mônica convida Marcos para ir ao seu apartamento.

Comparativo:

Na abordagem 1, temos um intervalo de tempo de pelo menos 3 horas. 1 para o


telefonema, Marcos tomar banho e se arrumar, e pelo menos duas horas de jantar. Temos
2 ambientes: a casa de Marcos e o restaurante.

Na abordagem 2, temos um intervalo de vinte, trinta minutos em uma


ambientação.
Veja que nas duas cenas, podemos entregar as mesmas informações, de formas diferentes.
Tudo o que é mostrado em “tempo real” na abordagem 1, é resumido pelo fluxo de
consciência do personagem na abordagem 2.

Qual é a melhor cena a ser desenvolvida? Certamente a 2.

O tamanho ideal

Qual é o tamanho ideal de uma cena? Bom, depende da história que a cena quer
contar. A cena muito longa pode cansar o leitor, mas o que seria uma cena muito longa?
Tudo depende da execução do autor, mas um bom parâmetro é 1-3 mil palavras. Isso
significa que uma cena não pode ter menos de mil palavras? Não. Ou que uma cena não
pode ter mais de 3 mil palavras? Também, não. Mas são parâmetros para que você possa
se questionar se sua cena não ficou muito pequena ou muito longa.

Vale a pena lembrar, também, que uma cena muito pequena ou longa, de vez
enquanto, não constituem nenhum problema. O que talvez atrapalhe é seu livro ter muitas
cenas curtíssimas, criando um ruído, uma narrativa tão fragmentada que não proporciona
imersão, ou no segundo caso, tantas cenas imensas que o ritmo da narrativa é prejudicado
e a leitura se torna um esforço.
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Topografia emocional

A topografia emocional de uma obra pode ser justamente o que define seu sucesso.
Se você já viu a aula sobre topografia emocional no módulo 2, conhece bem o exemplo
das topografias emocionais idênticas de Cinquenta Tons de Cinza e O Código da Vinci,
dois bestsellers mundiais.

A topografia é o desenho formado pelos altos e baixos emocionais da obra. Uma


boa topografia é aquela que se assemelha a uma montanha russa: seus personagens estarão
constantemente sentindo alegria/alívio/vitória e tristeza/medo/fracasso. É isso que
garante a tensão, a imprevisibilidade e faz com que seu leitor se envolva,
emocionalmente.

É claro que isso não vai acontecer cena-a-cena. Imagina que cansativo ler um livro
onde numa cena os personagens estão todos felizes, na próxima, tristes, e na próxima,
felizes de novo. Todos os momentos de pico (vitória) e queda (derrota), precisam ser
construídos aos poucos, durante diversas cenas.

Veja um exemplo:

Capítulo 1

Cena 1: Marcos está feliz pois finalmente está se encontrando com Mônica, num
restaurante, eles conversam e se dão bem, decidem ir para a casa dela.

Cena 2: Marcos acorda com o sol no rosto, na cama de Mônica, onde passou a
noite. Ele se lembra com um sorriso da noite de amor que tiveram. Levanta-se e procura
por ela, mas não encontra. Fica apreensivo. Encontra um bilhete que diz: obrigada por
tudo e quando procura seus documentos, não os encontra.

Cena 3: Mônica está caminhando até o bunker secreto. Tira o cartão de Marcos da
bolsa e passa pelo scaner: as portas se abrem. Ela entra no bunker, onde se depara com
três homens, atira em todos, um por um, na cabeça. Pega um telefone e o coloca contra a
orelha e diz: “estou dentro”.

Nessas três cenas, que compõem um capítulo de abertura de um livro, contam uma
história: a do roubo, premeditado, de documentos que dão acesso a um bunker. Elas são
contadas por dois pontos de vista cuidadosamente escolhidos. As primeiras duas cenas
não poderiam ser narradas pelo ponto de vista da Mônica, caso contrário, não haveria
surpresa alguma. O momento de “vitória” de Mônica cresce inversamente proporcional
ao momento de vitória de Marcos.

Mas então... como fica a topografia?

Bom, se a protagonista de sua história é Mônica, a topografia é assim:


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Cena 1 Cena 2 Cena 3

Se o protagonista for Marcos, a topografia é assim:

Cena 1 Cena 2 Cena 3

Entendeu?

Como fica a topografia do livro inteiro? Isso também depende do arco do seu
protagonista. Num arco neutro, a jornada não ensinou nada ao prota e ele não se alterou
durante a trama. Esse seria um caso raro, mas é comum com personagens icônicos, como
Jack Reacher. Uma topografia mostrando isso seria mais ou menos assim:

Início da história fim da história

Uma topografia de um arco positivo, extremamente comum, mostra os altos e


baixos, mas também a vitória do prota no final, depois que aprendeu sua lição e foi
transformado, positivamente, pela jornada. Ela ficaria mais ou menos assim:

Início da história fim da história

Uma topografia trágica, onde o personagem não aprendeu sua lição ou escolheu
ignorá-la, ficaria mais ou menos assim:

Início da história fim da história


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É sempre assim? Não. Tramas podem ter infinitos desenhos. Ela só não pode ser
plana. Se ela for plana, sua história não tem variações emocionais e portanto, não tem
graça nenhuma. O importante é que ela tenha esses picos e quedas, construídos
gradualmente.

Ao construir sua cena, pense nessa topografia. Veja um exemplo:

Cena onde detetive consegue informações novas – cena de perseguição de carro,


cheia de ação, terminando em batidas e uma perseguição a pé – cena onde o detetive
chega em casa, cansado, e numa crise de insônia decide fazer uma pesquisa por conta
própria na internet.

Aqui temos 3 cenas, uma de informação e tensão crescente, uma de ação e uma
de respiro.

Nas cenas de informação, podemos focar nas questões da trama em si, no conflito
da trama, nos detalhes, em como os personagens falam e reagem e raciocinam.

Nas cenas de ação, podemos dar ao leitor muita emoção e tensão, focando na
trama, no conflito externo e em como os personagens agem e suas personalidades.

Nas cenas de respiro, podemos focar nos conflitos internos, em como os


personagens sentem e pensam e refletem.

São regras? Não, apenas diretrizes para você começar a praticar. Quando se sentir
mais à vontade e com mais prática, aprende a misturar elementos.

Exercício:

Encontre uma foto de montanhas. Copie o contorno dessas montanhas e planeje


seu próximo livro de acordo com o desenho dessa topografia emocional.

Cenas de respiro

Cenas de respiro são excelentes oportunidades para desenvolver relacionamentos,


mostrar os conflitos internos de personagens, dar informações de backstory e deixar o
leitor respirar e se apegar à história. São elas que potencializam os efeitos das cenas de
ação que virão pela frente.

Alguns bons lugares para ambientar cenas de respiro são hospitais, hotéis,
esconderijos etc. Elas podem estar nas curvas ascendentes ou descendentes da topografia
emocional.

Ex: cena de respiro ascendente:

Casal encontra uma nova pista para o mistério, mas os bandidos estão em seu
encalço. Troca de tiros. O casal consegue fugir e se esconder num apartamento
abandonado. Lá, eles contam suas histórias e fazem amor pela primeira vez.

Ex: cena de respiro descendente:


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Casal encontra uma nova pista para o mistério, mas os bandidos estão em seu encalço.
Troca de tiros. O homem é baleado. Eles encontram um lugar para ficar num apartamento
abandonado. Lá, eles contam suas histórias enquanto o homem sangra, às lágrimas. Ele
entrega a pista para ela e faz ela prometer que não desistirá, antes de morrer em seus
braços.

Cliffhangers (e sinker)

Todo autor sabe o que é e para que serve um cliffhanger, mas poucos sabem
desenvolvê-los. Em primeiro lugar, vamos lembrar das diferenças entre um gancho e um
cliffhanger.

Gancho: todas as cenas devem terminar com um gancho, ou seja, uma indicação
de algo interessante que está por vir. O gancho serve para que o leitor queira continuar
lendo. É claro que o gancho, por si só, não salva uma história desinteressante com
personagens entediantes.

Cliffhanger: o cliffhanger é uma situação de pico de tensão extremo, onde um


personagem (geralmente o prota ou um personagem de muita relevância e muito querido)
está numa situação à beira da morte. Pode ser alguma outra coisa, como a destruição
iminente de uma coisa extremamente importante. Seja como for, o que caracteriza o
cliffhanger é a interrupção da cena nesse momento, deixando o leitor sem saber o que vai
acontecer e muito aflito.

Agora, mais importante do que o cliffhanger é o que vem depois. Ou seja, a cena
seguinte.

Do que adianta ter um cliffhanger e interromper a cena, se ela continua assim que
o leitor virar a página? Nada, né?

Portanto, o ideal é que a próxima cena tenha o foco em outro


lugar/tempo/personagem. Dessa forma, o leitor fica ciente de que só saberá o que vai
acontecer mais para frente, aumentando assim sua apreensão e deixando-o grudado às
páginas. Se possível, coloque duas cenas entre o cliffhanger e a continuação dele, assim:

Cliffhanger – cena – cena – continuação do cliffhanger

Se não for possível, tenha apenas uma cena entre eles:

Cliffhanger – cena – continuação do cliffhanger

Como deve ser feita a continuação do cliffhanger?

Imagina que seu cliffhanger é seu protagonista amarrado a uma cadeira numa sala,
com uma bomba prestes a explodir, os números chegando perigosamente perto do 00:00.

Aí você, na próxima cena, mostra a namorada do prota, a jornalista corajosa,


telefonando para alguns lugares à procura dele. Alguém joga um saco plástico na mesa
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dela. Ela diz “te ligo depois” e desliga, segurando o plástico, “o que é isso, Jones?” e
Jones explica que o laboratório encontrou traços de Semtex, um explosivo, no hospital
onde o prota foi visto pela última vez. A namorada arregala os olhos: “eu sei para onde
eles foram!”

Voltamos para a cena do cliffhanger, agora, sabendo que existe a possibilidade da


namorada salvar o prota (mas será que vai dar tempo?). Agora imagina que acontece
alguma coisa nessa cena e alguém entra do nada e salva o prota?

Seu leitor vai se sentir enganado.

Quando voltamos a um cliffhanger, não podemos resolver o cliffhanger. Pelo


contrário, ele tem que ficar ainda pior – e só no último momento melhorar.

Agora vamos conversar sobre as cenas azuis, aquelas entre os cliffhangers.

Essas cenas precisam ser “sinkers”. Mas o que isso significa?

Sinker é uma cena que já começa altamente imersiva. Ela não é construída aos
poucos, ela já começa com diálogo e ação. Por quê? Você estabeleceu um grau alto de
tensão com seu cliffhanger, e seu dever agora é manter a tensão lá no alto. Se, nas cenas
entre o cliffhanger e sua continuação, você afrouxar demais, vai ser quase impossível
recuperar o efeito desejado.

Portanto, a essa altura da sua história, você não deve estar mais apresentando
personagens, conflitos ou ambientes. O leitor já conhece as pessoas envolvidas, já sabe o
que está em jogo, e quer que a história avance. Aqui, temos mais ação, diálogos e
conflitos. Portanto, comece sua sinker de forma dinâmica, mantendo a corda da tensão
esticada até retomar seu cliffhanger.

Ficha:
Qual é o objetivo da cena? _____________________________________________
POV: _____________________________________________________________
Atmosfera: _________________________________________________________
Informações novas: __________________________________________________
Personagens presentes: ________________________________________________
Ambientação: _______________________________________________________
Topografia emocional: curva ascendente ( ) pico ( ) curva descendente ( ) queda ( )
Resumo da cena: _____________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Erros comuns

• Mudar o ponto de vista no meio da cena;


• Não ambientar bem;
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• Ter diálogos que não são intercalados com ações, pensamentos, descrição etc;
• Ter apenas um ponto de vista, mas não imersivo;
• Ter muitos cenários diferentes;
• Personagens demais lutando por espaço na cena, tornando-a confusa;
• Cena reflexiva: personagem está pensando na vida, mas nada acontece. Se você
precisar ter uma cena assim, pelo menos termine com o personagem tomando uma
decisão (gancho);
• Cena termina e a próxima cena é uma continuação dela, sem quebra de
POV/espaço ou tempo;
• Promessa do autor no final da cena: “mal sabia Frank que essa seria a última vez
que veria Valentina”;
• Cena que tem muita gordura no começo ou no fim;
• Cena igual a uma cena anterior, por outro ponto de vista;
• Cena que não move a trama para frente.
Material de estudo sugerido:

Módulo 1 e 2 do curso BOLD


“Writing Deep POV”, da Rayne Hall
“O segredo do Bestseller” de Matthew Jockers

Filmes para estudar cenas de ação e respiro na topografia emocional:


Missão Impossível: Efeito Fallout
Exterminador do Futuro 2
Whiplash

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