sumula 637 STJ

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Súmula n.

637
SÚMULA N. 637

O ente público detém legitimidade e interesse para intervir, incidentalmente,


na ação possessória entre particulares, podendo deduzir qualquer matéria
defensiva, inclusive, se for o caso, o domínio.

Referências:
CF/1988, art. 5º, XXV.
CC/2002, art. 1.210, § 2º.
CPC/1973, arts. 56 e 923 (revogado).
CPC/2015, art. 557.

Precedentes:
EREsp 1.134.446-MT (CE, 21.03.2018 – DJe 04.04.2018) –
acórdão publicado na íntegra
REsp 780.401-DF (3ª T, 03.09.2009 – DJe 21.09.2009)
AgRg nos
EDcl no REsp 1.099.469-DF (3ª T, 15.09.2011 – DJe 22.09.2011)
AgRg no REsp 1.282.207-DF (3ª T, 15.12.2015 – DJe 02.02.2016)

Corte Especial, em 6.11.2019


DJe 11.11.2019
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 1.134.446-MT
(2009/0129278-6)

Relator: Ministro Benedito Gonçalves


Embargante: União
Embargante: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra
Procurador: Valdez Adriani Farias e outro(s) - RS046424
Embargado: Helena Júlia Muller de Abreu Lima
Advogados: Anna Maria da Trindade dos Reis - DF006811
Oswaldo Pereira Cardoso Filho - MT005705

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA


EM RECURSO ESPECIAL. DEMANDA POSSESSÓRIA
ENTRE PARTICULARES. POSSIBILIDADE DE DEFESA
DA POSSE DE BEM PÚBLICO POR MEIO DE OPOSIÇÃO.
1. Hipótese em que, pendente demanda possessória em que
particulares disputam a posse de imóvel, a União apresenta oposição
pleiteando a posse do bem em seu favor, aos fundamentos de que a área
pertence à União e de que a ocupação de terras públicas não constitui
posse.
2. Quadro fático similar àqueles apreciados pelos paradigmas,
em que a Terracap postulava em sede de oposição a posse de bens
disputados em demanda possessória pendente entre particulares,
alegando incidentalmente o domínio como meio de demonstração da
posse.
3. Os elementos fático-jurídico nos casos cotejados são
similares porque tanto no caso examinado pelo paradigma quanto
naquele examinado pelo acórdão embargado de divergência o ente
público manifesta oposição em demanda possessória pendente
entre particulares, sustentando ter ele (o ente público) direito à
posse e alegando domínio apenas incidentalmente, como forma de
demonstração da posse.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

4. Divergência configurada, uma vez que no acórdão embargado a


oposição não foi admitida, ao passo que nos paradigmas se admitiu tal
forma de intervenção de terceiro. Embargos de divergência admitidos.
5. O art. 923 do CPC/73 (atual art. 557 do CPC/2015), ao
proibir, na pendência de demanda possessória, a propositura de ação
de reconhecimento do domínio, apenas pode ser compreendido como
uma forma de se manter restrito o objeto da demanda possessória ao
exame da posse, não permitindo que se amplie o objeto da possessória
para o fim de se obter sentença declaratória a respeito de quem seja o
titular do domínio.
6. A vedação constante do art. 923 do CPC/73 (atual art. 557 do
CPC/2015), contudo, não alcança a hipótese em que o proprietário
alega a titularidade do domínio apenas como fundamento para pleitear
a tutela possessória. Conclusão em sentido contrário importaria
chancelar eventual fraude processual e negar tutela jurisdicional a
direito fundamental.
7. Titularizar o domínio, de qualquer sorte, não induz
necessariamente êxito na demanda possessória. Art. 1.210, parágrafo
2º, do CC/2002. A tutela possessória deverá ser deferida a quem
ostente melhor posse, que poderá ser não o proprietário, mas o
cessionário, arrendatário, locatário, depositário, etc.
8. A alegação de domínio, embora não garanta por si só a
obtenção de tutela possessória, pode ser formulada incidentalmente
com o fim de se obter tutela possessória.
9. Embargos de divergência providos, para o fim de admitir a
oposição apresentada pela União e determinar o retorno dos autos ao
Tribunal de origem, a fim de que aprecie o mérito da oposição.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,


acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conhecer dos embargos de divergência e dar-lhes provimento,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco
Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Herman
Benjamin, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell
Marques votaram com o Sr. Ministro Relator.

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SÚMULAS - PRECEDENTES

Impedida a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.


Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer, Napoleão
Nunes Maia Filho e Raul Araújo.
Brasília (DF), 21 de março de 2018 (data do julgamento).
Ministra Laurita Vaz, Presidente
Ministro Benedito Gonçalves, Relator

DJe 4.4.2018

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de embargos de divergência


opostos pela União contra acórdão oriundo da Segunda Turma, assim ementado:

RECURSOS ESPECIAIS. ACÓRDÃO RECORRIDO. PUBLICAÇÃO ANTERIOR


À VIGÊNCIA DO CPC/2015. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE. CPC/1973.
PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS. 165, 458, II, III, E 535
DO CPC/1973. ARTS. 20, 71 DA LEI 9.760/1946; 9º, I, III, 17, “E”, 31, IV, DA LEI
4.504/1964; 20, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 4.947/1966; 5º, PARÁGRAFO ÚNICO,
DA LEI 9.469/1997 E 10 DA LEI 9.636/1998. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULA 211/STJ. AÇÃO POSSESSÓRIA ENTRE PARTICULARES. OPOSIÇÃO DA
UNIÃO. DISCUSSÃO SOBRE DOMÍNIO. DESCABIMENTO.
1. Os Recursos Especiais impugnam acórdão publicado na vigência do
CPC de 1973, sendo exigidos, pois, os requisitos de admissibilidade na forma
prevista naquele código de ritos, com as interpretações dadas, até então,
pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme o Enunciado
Administrativo 2, aprovado pelo Plenário desta Corte em 9.3.2016.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não
caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Não se pode conhecer dos Recursos Especiais quanto à alegada violação
dos arts. 20, 71 da Lei 9.760/1946; 9º, I, III, 17, “e”, 31, IV, da Lei 4.504/1964; 20,
parágrafo único, da Lei 4.947/1966; 5º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997 e 10
da Lei 9.636/1998, pois os referidos dispositivos não foram prequestionados. É
inadmissível Recurso Especial quanto a questão inapreciada pelo Tribunal de
origem, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios. Incidência da Súmula
211/STJ.
4. Não há contradição em afastar a alegada violação do art. 535 do CPC
e, ao mesmo tempo, não conhecer do mérito da demanda por ausência de

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prequestionamento, desde que o acórdão recorrido esteja adequadamente


fundamentado.
5. Em Ação Possessória não se admite oposição, mesmo que se trate
de bem público, porque naquela discute-se a posse do imóvel e nesta,
o domínio. Precedentes: AgRg no AREsp 474.701/DF, Rel. Ministro Herman
Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7.5.2015, DJe 12.2.2016; AgRg no REsp
1.294.492/RO, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 22.9.2015,
DJe 14.10.2015.
6. Recursos Especiais parcialmente conhecidos e, nessa parte, não providos.

A embargante sustenta que o acórdão embargado diverge do entendimento


adotado pela Terceira Turma no julgamento dos seguintes acórdãos apontados
como paradigma: REsp 780.401, AgRg nos EDcl no REsp 1.099.469 e REsp
1.282.207
Argumenta que no REsp 780.401 a Terceira Turma entendeu ser possível
a oposição por entre público quando pende demanda possessória entre
particulares, na medida em que o fundamento da oposição é a posse do Estado
sobre o imóvel, sendo a discussão sobre o domínio apenas incidental quando se
trata de bem público. Eis a ementa do referido acórdão:

Processo Civil. Ação possessória, entre dois particulares, disputando área


pública. Oposição apresentada pela Terracap. Extinção do processo, na
origem, com fundamento na inadmissibilidade de se pleitear proteção
fundamentada no domínio, durante o trâmite de ação possessória. Art. 923
do CPC. Necessidade de reforma. Recurso provido.
- A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de considerar públicos os
bens pertencentes à Terracap.
- Ao ingressar com oposição, a Terracap apenas demonstra seu domínio sobre
a área para comprovar a natureza pública dos bens. A discussão fundamentada
no domínio é meramente incidental. A pretensão manifestada no processo tem,
como fundamento, a posse da Empresa Pública sobre a área.
- A posse, pelo Estado, sobre bens públicos, notadamente quando se
trata de bens dominicais, dá-se independentemente da demonstração do
poder de fato sobre a coisa. Interpretação contrária seria incompatível com
a necessidade de conferir proteção possessória à ampla parcela do território
nacional de que é titular o Poder Público.
- Se a posse, pelo Poder Público, decorre de sua titularidade sobre os
bens, a oposição manifestada pela Terracap no processo não tem, como
fundamento, seu domínio sobre a área pública, mas a posse dele decorrente,
de modo que é incabível opor, à espécie, o óbice do art. 923 do CPC.

374
SÚMULAS - PRECEDENTES

Recurso especial conhecido e provido.


(REsp 780.401/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 03/09/2009, DJe 21/09/2009)

Aduz que a tese foi reiterada no julgamento do segundo acórdão apontado


como paradigma, que recebeu a seguinte ementa:

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO


ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LITIGANTES. PARTICULARES.
OPOSIÇÃO. OFERECIMENTO. COMPANHIA IMOBILIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL.
CABIMENTO. RECURSO IMPROVIDO.
1.- É cabível o oferecimento de oposição pela TERRACAP para defesa de sua
posse sobre bem imóvel, com fundamento em domínio da área pública, em ação
de reintegração de posse entre particulares.
2.- “Se a posse, pelo Poder Público, decorre de sua titularidade sobre os
bens, a oposição manifestada pela Terracap no processo não tem, como
fundamento, seu domínio sobre a área pública, mas a posse dele decorrente”
(Precedente. REsp 780.401/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 03/09/2009, DJe 21/09/2009).
3.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg nos EDcl no REsp 1.099.469/DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 15/09/2011, DJe 22/09/2011)

Acrescenta que em julgado mais recente, ao prolatar o terceiro acórdão


apontado como paradigma, a Terceira Turma tornou a invocar o primeiro
acórdão paradigma:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POSSESSÓRIA ENTRE


PARTICULARES. OPOSIÇÃO. TERRACAP. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, é cabível o oferecimento
de oposição pela TERRACAP para defesa de sua posse sobre bem imóvel,
com fundamento em domínio da área pública, em ação de reintegração de
posse entre particulares.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1.282.207/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 02/02/2016)

Sustenta que, tanto nos casos paradigma como no caso objeto dos embargos
de divergência, o Poder Público defende sua posse sobre o bem, invocando não o
domínio, mas sua própria posse.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Coteja as circunstâncias fáticas dos casos comparados (fls. 2.569/2.570) e


os fundamentos jurídicos adotados (fls. 2.573/2.579).
Defende ser acertada a posição da Terceira Turma, “porquanto o art. 923
do CPC/73 (art. 557 do CPC/15) não veda que o Poder Público, mediante o
ajuizamento de oposição, alegue a posse sobre a área pública objeto de litígio entre
particulares”, uma vez que “não existe posse sobre terras públicas sem que haja
autorização ou permissão expressas do Poder Público, sendo desnecessário o poder de
fato sobre o bem para que se reconheça o legítimo exercício da posse pelo Poder Público.
Tanto é assim que é assente a jurisprudência desse eg. STJ de que não configura posse,
mas mera detenção, a ocupação irregular de terras públicas por particulares, como se
extrai do seguinte precedente: AgRg no REsp n. 1.470.182/RN, Rel. Min. Mauro
Campbell”.
Os embargos de divergência foram inicialmente admitidos (fls.
2.612/2.615-STJ).
Intimada, a embargada apresentou impugnação às fls. 2.625/2.628-STJ.
Alega haver falta de similitude entre os casos cotejados, ao argumento de
que os acórdãos paradigmas tratam de casos em que a Terracap manifestou
intervenção no curso de ação possessória entre particulares, com o fim de
defender a sua posse sobre o imóvel. Destaca trecho do acórdão prolatado no
REsp 1.099.469 em que se afirma que “(...) o direito dessa empresa pública
tem, como fundamento, a sua posse sobre a área, e a inexistência de melhor
posse por parte dos particulares que a ocupam de maneira irregular. O domínio,
portanto, é alegado apenas incidentalmente, e como meio de demonstração da
posse”. Diferentemente, segundo alega, no caso em questão nos presentes autos
o objeto da oposição é o reconhecimento do domínio (não apenas da posse) da
embargante sobre a área em disputa. Alega que, excluída a excepcionalidade da
Terracap, a jurisprudência desta Corte é o sentido do acórdão embargado.
Aberta vista dos autos ao Ministério Público Federal, adveio o parecer de
fls. 2.631/2.639, no qual se sustenta, preliminarmente, ausência de divergência
entre os acórdãos cotejados. Isto porque, segundo argumenta o Parquet, o
acórdão embargado entendeu ser inadmissível oposição fundada em domínio
na pendência de demanda possessória, ao passo que os paradigmas admitiram
a oposição que tinha como fundamento a posse do Estado sobre a área pública.
Sucessivamente, caso se ingresse no mérito, o parecer do Parquet é no
sentido de que prevaleça o raciocínio adotado pelo acórdão embargado, no

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SÚMULAS - PRECEDENTES

sentido de que “não cabe oposição de conteúdo dominial em ação possessória,


porquanto nesta o objeto do litígio é fundado na posse”.
É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Trata-se de apreciar


embargos de divergência nos quais a União e o INCRA se insurgem contra
acórdão em que a Segunda Turma decidiu ser incabível, em ação possessória,
oposição fundada em domínio. Segundo os precedentes mencionados como
razão de decidir pelo acórdão embargado, a oposição é inadmissível mesmo
que se trate de bem público. A razão de ser da vedação, de acordo com os
precedentes adotados, seria a circunstância de que na demanda possessória se
discute a posse do imóvel, ao passo que na oposição se discute o domínio.
Tanto no caso concreto objeto do acórdão embargado como nos casos
decididos pelos acórdãos apontados como paradigma, estava sob prévia discussão
judicial entre particulares a posse de imóvel público, discussão na qual o Poder
Público ingressou por meio de oposição. Presente, portanto, a similitude fática
entre os casos cotejados.
O fato de nos acórdãos paradigmas o ente público opoente ser a Terracap
e nos presentes autos o ente público opoente ser a União não se constitui em
distinção que autorize o tratamento diferenciado dos casos em exame. Com
efeito, não há norma jurídica que autorize tutela a bem público da Terracap que
não deva ser igualmente deferida à União.
Procurando sustentar ausência de similitude entre os casos cotejados,
a embargada afirma que nos acórdãos paradigmas a Terracap alega domínio
apenas incidentalmente, como forma de demonstração da posse, ao passo que
nos presentes autos o pedido formulado na oposição seria de reconhecimento
de domínio e não apenas da posse da União sobre o imóvel em questão. Na
mesma linha, o parecer ministerial de fls. 2631/2639 procura sustentar que nos
paradigmas o fundamento da oposição seria a posse, ao passo que nos presentes
autos o fundamento da oposição seria o domínio.
Não obstante, da leitura da petição inicial da oposição (fls. 4/10-STJ)
verifica-se que a União afirma que o imóvel especificado, cuja posse é discutida
entre os opostos, pertence ao domínio da União consoante matrícula n. 23.654
do 5º Ofício da Capital do Estado do Mato Grosso (fl. 7/STJ). A União

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argumenta na inicial da oposição que a ocupação de terras públicas não constitui


posse e pede seja resguardado seu domínio e sua posse sobre o imóvel, excluindo-
se da disputa entre os opostos a área pertencente à União (fl. 8/STJ).
Ou seja, em outros termos, o que a União pretende na oposição é a tutela
jurisdicional de sua posse, alegando incidentalmente que tem o domínio sobre o
imóvel. Assim sendo, mostram-se similares os casos cotejados nestes embargos
de divergência: em ambos o ente público manifesta oposição em demanda
possessória pendente entre particulares, sustentando ter ele (o ente público)
direito à posse e alegando domínio apenas incidentalmente, como forma de
demonstração da posse.
Assentada a similitude entre os casos cotejados, passo ao exame do mérito
da questão decidida de forma divergente, antecipando desde já que a melhor
solução foi aquela alcançada pelos acórdãos paradigmas.
Com efeito, diante da hipótese em que particulares se controvertem acerca
do exercício da posse sobre bem público, é de se perguntar qual a atitude que
pode (e deve) ser tomada pelo Poder Público em defesa do exercício dos direitos
inerentes ao domínio do bem.
A interpretação literal do art. 923 do CPC/73 (atual art. 557 do CPC/2015:
“Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação
de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira
pessoa”) no sentido de que, pendente ação possessória, é vedada discussão
fundada no domínio parece, ao menos em certa medida, conflitar com a garantia
constitucional de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da Constituição da República).
Efetivamente, não se poderia conceber que o Poder Público, sendo titular do
direito de exercício da posse sobre bem público, possa ser impedido de postular
em juízo a observância do direito, simplesmente pelo fato de que particulares se
anteciparam a - entre eles - discutirem a posse.
Tal interpretação literal induziria a possibilidade de fraude processual
que não pode ser chancelada pelo Poder Judiciário, além de vulnerar direito
fundamental decorrente tanto do direito material à propriedade quanto do
direito processual à tutela jurisdicional.
Daí porque o voto condutor de um dos acórdãos paradigma (REsp
780.401) consigna que:

Neste ponto, vale observar que, na verdade, a Oposição da Terracap não


se funda no domínio da área pública. O domínio, como bem observado

378
SÚMULAS - PRECEDENTES

em diversos precedentes exarados pelo TJ/DF sobre a matéria, é arguído tão


somente para demonstrar a natureza pública dos bens e sua titularidade,
pela Terracap. Mas o direito dessa empresa pública tem, como fundamento,
a sua posse sobre a área, e a inexistência de melhor posse por parte dos
particulares que a ocuparam de maneira irregular. O domínio, portanto, é
alegado apenas incidentalmente, e como meio de demonstração da posse.
Quando se trata de bens públicos, não se pode exigir do Poder Público
que demonstre a o poder físico sobre o imóvel, para que se caracterize a
posse sobre o bem. Esse procedimento é incompatível com a amplitude
das terras públicas, notadamente quando se refere a bens de uso comum e
dominicais. A posse do Estado sobre seus bens deve ser considerada permanente,
independendo de atos materiais de ocupação, sob pena de tornar inviável,
sempre, conferir aos bens do Estado a proteção possessória que, paralelamente a
medidas administrativas, é-lhe facultada pelo art. 20 do DL 9.760/46.
Disso decorre que a ocupação do bens públicos por particulares não
implica, tão somente, um ato contrário à propriedade do Estado, mas um
verdadeiro ato de esbulho à posse da Administração sobre esses bens. A
intervenção de terceiro na modalidade de Oposição em julgamento, portanto,
não tem como fundamento o domínio, este alegado incidentalmente, mas a
posse do Estado sobre a área, sendo incabível afastá-la com fundamento na
regra do art. 923 do CPC. Não há, aqui, uma ação petitória opondo-se a uma
pretensão possessória. Há o conflito entre posses, e a necessidade de decidi-lo
tomando-se como parâmetro a posse mais antiga. (grifos nossos)

Com o fim de se encontrar para o art. 923 do CPC/73 (atual art. 557 do
CPC/2015) uma interpretação que não conflite com garantias constitucionais, é
preciso compreender de forma restrita - não ampliativa - a previsão legal de que
“é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio”.
No caso ora em exame, é de se notar, em primeiro lugar, que o opoente (a União,
no caso em exame, e a Terracap, nos paradigmas) não é em sentido estrito nem
autor nem réu na demanda possessória, mas terceiro que dá início à oposição.
Para além dessa questão lateral, tratando-se da questão principal (relativa à
possibilidade ou impossibilidade de se alegar domínio em pleito possessório), é
de se ver que o que o art. 923 do CPC/73 (atual art. 557 do CPC/2015) proíbe
é “propor ação de reconhecimento do domínio”. Não há proibição em tal preceito
normativo de se alegar incidentalmente o domínio em demanda possessória.
Com efeito, um fundamento factível para que em demanda possessória não
se possa alegar domínio é a intenção de se imprimir às demandas possessórias
cognição que não abranja possíveis discussões acerca da propriedade do bem
cuja posse é discutida, uma vez que o pedido em demanda possessória é o

RSSTJ, a. 11, (48): 367-382, junho 2019 379


SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

de que se conceda tutela possessória, não que se declare por sentença quem
é o proprietário do bem. Tal finalidade, porém, não parece fazer sentido
quando a tutela possessória é pleiteada com fundamento no domínio. E isso,
especialmente, quando se trata de bem público, situação bem delineada no
trecho acima transcrito no acórdão prolatado no julgamento do REsp 780.401.
Pensamento em sentido contrário inviabilizaria que o Poder Público pudesse
exigir em juízo o exercício regular de sua posse sobre terrenos públicos cuja
posse é disputada entre particulares.
É certo que a oposição tem natureza jurídica de ação, de modo que se
poderia argumentar que o ajuizamento de oposição em demanda possessória
consistiria precisamente na proibição formulada no art. 923 do CPC/73 (atual
art. 557 do CPC/2015). Contudo, é por meio desta forma de intervenção de
terceiro que se realiza o pleito do opoente de ver reconhecido seu direito à
posse controvertida na demanda possessória pendente entre os opostos. E não
se pode admitir que a literalidade do preceito legal constante do art. 923 do
CPC/73 (atual art. 557 do CPC/2015) possa inviabilizar a prestação de tutela
jurisdicional para a defesa da posse de bens públicos pelo titular do direito
material disputado.
Ainda que se admita que o art. 923 do CPC/73 (atual art. 557 do
CPC/2015) veda a ampliação do objeto da demanda possessória, não se pode
admitir (sob uma leitura do preceito a partir da Constituição da República) que
o art. 923 do CPC/73 (atual art. 557 do CPC/2015) proíba que se postule a
posse mesma sobre o bem com fundamento no domínio.
Não se está a afirmar que o proprietário haverá de se sagrar sempre
vencedor de demanda possessória. Tanto assim que o parágrafo único do art.
557 do CPC/2015 veio a dispor que “Não obsta à manutenção ou à reintegração de
posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa”. Com efeito, a tutela
possessória há de ser concedida àquele que tenha melhor posse, que poderá ser
não o proprietário, mas o arrendatário, o cessionário, o locatário, o depositário,
etc.
O que se está a afirmar é que um dos fundamentos do pleito de tutela
possessória poderá ser a titularidade do domínio. A titularidade do domínio
poderá induzir melhor posse, mas poderá ser insuficiente para a tutela
possessória (é o caso, por exemplo, do possuidor-cessionário que tem melhor
posse que o proprietário-cedente).

380
SÚMULAS - PRECEDENTES

Foi neste sentido que se operou a revogação da parte final do art. 505 do
CC/1916 (“Não obsta a manutenção, ou reintegração na posse, a alegação de
domínio, ou de outro direito sobre a coisa. Não se deve, entretanto, julgar a posse
em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio.”) para que, no art.
1.210, parágrafo 2º, do CC/2002 se viesse a dispor que “Não obsta à manutenção
ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”.
Em outros termos: o fato de a parte não ser titular do domínio não importa
necessariamente a sucumbência na demanda possessória (como decorria da
literalidade do revogado art. 505 do CC/1916). Nos termos do atual art. 1.210,
parágrafo 2º, do CC/2002, a propriedade não induz por si só direito à tutela
possessória.
Em síntese: a alegação de domínio, embora não garanta por si só a obtenção
de tutela possessória, pode perfeitamente ser formulada incidentalmente com o
fim de se obter tutela possessória.
São interessantes, no ponto, os comentários de José Miguel Garcia Medina
e Fábio Caldas de Araújo ao art. 1.210 do CC/2002 (Código Civil Comentado.
São Paulo: RT, 2014):

A proibição de alegação do domínio em demandas possessórias precisa de


uma releitura no sistema jurídico atual. O art. 923, CPC impede que, no juízo
possessório, sejam suscitadas questões atinentes ao domínio. Essa proibição
advém do direito romano. A impossibilidade de discussão do domínio em ações
possessórias tem como ponto nodal a maior dificuldade de comprovação da
titularidade dominial. Isto acontecia pela inexistência do regime tabular que foi
inaugurado pelo direito alemão. A comprovação do domínio nos países que não
adotaram o regime de transmissão da propriedade pelo registro ainda vive este
problema, como a Itália, a França e Portugal. Nestes sistemas, a transmissão da
propriedade e sua comprovação estão sujeitas a provatio diabolica. Em nosso
sistema, atualmente, a situação é inversa. A propriedade se adquire pelo registro
(art. 1.245, CC). A sua comprovação é muito mais simples e célere que a da
posse. A posse exige a demonstração de uma situação fática. O domínio de uma
situação jurídica. Impedir o proprietário e sujeitar-se a uma invasão que não está
respaldada por qualquer relação jurídica prévia é impedir o exercício de um
direito fundamental, assegurado pelo art. 5º, caput, CF. Neste caso o juiz pode
(rectius: deve) reconhecer a eficácia imediata (vertical) dos direitos fundamentais
para afastar a vetusta regra do art. 923, CPC. Pensar de outra forma seria submeter
o proprietário a uma duplicação estéril de procedimentos. Isto violaria outro
princípio constitucional, o da duração razoável do processo. A duração razoável
de um processo não pode ser visualizada apenas no aspecto temporal de uma
demanda, mas no tempo de efetiva pacificação do conflito social. É evidente

RSSTJ, a. 11, (48): 367-382, junho 2019 381


SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

que esta situação não se aplica para os casos em que ocorre o desmembramento
legítimo da propriedade e da posse. Em situações como aquelas exemplificadas
pelo art. 1.197, CC, de nada adiantará a alegação de domínio. É o caso do
desmembramento da posse (em direta e indireta), quando esteja suportada
por relação jurídica prévia. A comprovação e alegação do domínio em nada
beneficiarão o possuidor indireto, caso este seja alvo de um interdito proibitório.
O importante é realizar a leitura do dispositivo dentro de uma nova concepção,
pois a sua interpretação ainda está atrelada aos princípios que orientaram o seu
surgimento há mais de dois mil anos.

Por essas razões, dou provimento aos Embargos de Divergência para o


fim de admitir a oposição apresentada pela União e determinar o retorno dos
autos ao Tribunal de origem, a fim de que aprecie o mérito da oposição.
É o voto.

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