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A invenção da «Paz e Progresso»: imagens e propaganda na ditadura
Stroessner no Paraguai.
Prof. Dr. Paulo Renato da Silva
Universidade Federal da Integração Latino-americana/UNILA
Profa. Dra. Rosangela de Jesus Silva
Universidade Federal da Integração Latino-americana/UNILA

Resumo: O general Alfredo Stroessner (1912-2006) governou o Paraguai entre


1954 e 1989, em uma das ditaduras mais longas da história latino-americana. Um
dos principais slogans da ditadura era “Paz y Progreso con Stroessner”. Esse lema e
suas variações estavam presentes nas transmissões de rádio, de televisão, na
imprensa, em cartazes, em letreiros e em vários outros espaços e instrumentos de
propaganda. Nesta comunicação, o nosso objetivo é analisar as representações da
“paz” e do “progresso” em imagens publicadas na “literatura stronista”, formada por
um conjunto de livros que visavam difundir os “feitos” da ditadura e do ditador. Há
nestes a recorrência de algumas fotografias como de edifícios públicos,
empreendimentos ligados à infraestrutura, “modernização” agrícola, reuniões
populares em honra ao presidente e inúmeros retratos do mesmo. Esses livros eram
escritos, sobretudo, por civis e militares colorados e serviam, também, para os
autores se promoverem política e economicamente. Consideramos que um dos
objetivos destes livros – e destas imagens – era estimular e manter o apoio à
ditadura entre os próprios colorados e, desta forma, conter as divergências internas.
A partir de referenciais teórico-metodológicos da História Cultural, consideramos que
o significado e a repercussão destes livros iam muito além de seus autores e de
seus leitores imediatos e potenciais. Assim, os livros da «literatura stronista» e suas
imagens devem ser analisados a partir das tensões que havia entre uma opinião
pública existente – ou supostamente existente – e outra que a ditadura desejava
formar ou consolidar.
Palavras-chave: Paraguai; Stroessner; ditadura; imagens; propaganda.
Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq

577
Introdução.
O general Alfredo Stroessner (1912-2006) governou o Paraguai entre 1954 e
1989. Foi uma das ditaduras mais longas da história latino-americana e suas marcas
ainda estão muito presentes no país. Por um lado, as vítimas da ditadura, lideranças
e grupos ligados à democracia denunciam as violações aos direitos humanos
cometidas naqueles anos e lutam para desconstruir a imagem positiva que a
ditadura construiu sobre si. Por outro lado, setores expressivos da sociedade e da
política paraguaia ainda se apegam a essa imagem positiva e defendem a ditadura.
Vale lembrar que Stroessner pertencia à «Asociación Nacional Republicana» (ANR),
mais conhecida como Partido Colorado, o qual ainda domina a política paraguaia. A
partir da análise de imagens da propaganda de Stroessner, buscaremos
compreender um dos mecanismos que contribuíram para essa longevidade da
ditadura, tanto entre as décadas de 1950 e 1980 como na memória de setores
expressivos da sociedade e da política paraguaia.
Um dos principais slogans da ditadura era «Paz y Progreso con Stroessner».
Esse lema e suas variações tinham uma dimensão político-social: o «progresso»
traria a «paz» para as famílias paraguaias, pois supostamente viveriam em melhores
condições econômicas. O «progresso» ainda traria a «paz» para a sociedade e a
política paraguaia, pois, segundo a ditadura, pacificaria um país marcado por
guerras contra os seus vizinhos1 e por vários golpes e tentativas de golpe de Estado.
A «paz», por sua vez, seria uma das principais condições para o «progresso», o que
foi usado pela ditadura para legitimar a perseguição aos opositores e para manter a
sua «democracia sem comunismo», como era designado o regime de Stroessner.2
Em suma, no discurso da ditadura, o slogan representaria uma ruptura com o
passado e a superação dos problemas que marcavam o país.
Analisaremos as representações de Stroessner, da «paz» e do «progresso»
em imagens publicadas na «literatura stronista», formada por um conjunto de livros
que visavam difundir os «feitos» da ditadura e do ditador, assim como exaltar sua

1
As duas principais guerras que marcaram a história do Paraguai foram a Guerra da Tríplice Aliança
(1864/1865-1870) contra Brasil, Argentina e Uruguai e a Guerra do Chaco (1932-1935) contra a
Bolívia.
2
Entre 1954 e 1989, Stroessner disputou 8 «eleições» (1954, 1958, 1963, 1968, 1973, 1978, 1983 e
1988). No entanto, as eleições eram fraudulentas e, nas duas primeiras, Stroessner foi candidato
único.
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biografia, características e «habilidades». Esses livros eram escritos, sobretudo, por
civis e militares colorados e acreditamos que serviam, também, para os autores se
promoverem política e economicamente, tendo em vista a obtenção ou manutenção
de cargos e outros tipos de benefícios. Ainda nos faltam informações detalhadas
sobre a publicação e circulação destes livros, mas é possível supor, então, que o
público imediato era composto por lideranças civis e militares do Partido Colorado.
Dos quatro livros selecionados nesta pesquisa, pelo menos dois deles foram
publicados pelo próprio Partido Colorado e pelas Forças Armadas: Stroessner, el
desbrozador (1977), de H. [Hipólito?] Sánchez Quell3, foi publicado pelo Instituto
Colorado de Cultura e o texto foi pronunciado pelo autor na «Casa de los
Colorados» em 19 de setembro de 1977; El presidente Stroessner en el marco de la
historia nacional (1978), de Horacio Escobar Martinez4, foi publicado pela «Imprenta
Militar de la Dirección de Publicaciones de las FF. AA. de la Nación».
A partir de referenciais teórico-metodológicos da História Cultural,
consideramos que o significado e a repercussão destes livros iam muito além de
seus autores e de seus leitores imediatos e potenciais. Robert Darnton, em seus
estudos sobre o século XVIII francês, destaca que as «(...) autoridades francesas
(...) não conseguiram definir “o público”, porém sabiam que este tinha opiniões e
mantinham-se atentas a elas.» (1998: 249). No caso da ditadura paraguaia,
consideramos que havia na sociedade uma «consciência pública do terror»,
conforme defendeu o escritor Augusto Roa Bastos (1917-2005) na primeira edição
de Es mi informe (2006: 28-29). Assim, os livros da «literatura stronista» e suas
imagens devem ser analisados a partir das tensões que havia entre uma opinião
pública existente – ou supostamente existente – e outra que a ditadura desejava
formar ou consolidar. Daí o apelo a «mitos de unidade» como a nação, bem como o
fato da «literatura stronista» ser marcada por registros variados como as imagens
que analisaremos.
Os livros selecionados nesta pesquisa foram publicados entre 1966 e 1978.
Parte da historiografia costuma se referir a este período como o apogeu do

3
Hipólito Sánchez Quell foi Ministro das Relações Exteriores entre 1954 e 1956 e, nos anos
seguintes, foi embaixador no Brasil e na França. Foi fundador e diretor do Instituto Colorado de
Cultura.
4
Segundo informações contidas na orelha do livro, Horacio Escobar Martinez alternou «(...) el
periodismo con la función pública, habiendo sido funcionário bancario durante 29 años (...). Recibió
una Medalla de Oro del Presidente de dicha institución [Banco Nacional de Fomento] por su profícua
y prolongada labor.» (en Martinez, 1978).
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stronismo em termos políticos e econômicos, pois, no início da década de 1960,
Stroessner já teria conseguido desarticular os principais nomes e grupos de
oposição, dentro e fora do Partido Colorado. Segundo Ceres Moraes, «(...) em 1963,
já estavam praticamente esgotadas as forças de resistência da sociedade civil (...).»
(2000: 9). Além disso, na década de 1970, a ditadura teria vivido o seu apogeu
econômico graças à construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
No entanto, consideramos que o dissenso não desapareceu da sociedade
paraguaia, inclusive neste período. Discordamos de análises como a de Ceres
Moraes, segundo a qual, nos primeiros anos, o apelo de Stroessner ao nacionalismo
era obtido «(...) sem muito esforço devido às características do povo e sua própria
história.» (2000: 73). Se, por um lado, o apelo ao nacionalismo e outros elementos
da cultura e da história paraguaia dava «sentido» e «coerência» ao discurso
stronista, por outro despertava leituras concorrentes sobre essa cultura e história.
Conforme defende Darnton, os «(...) leitores entendem os textos políticos
adequando-os às convenções de um idioma político preferido.» (Darnton, 1998:
203).
Segundo o «Informe Final de la Comisión de Verdad y Justicia», publicado em
2008, em «(...) 1954 se inició un culto a la personalidad de Stroessner donde no
podía caber nadie más.» (Comisión de Verdad y Justicia, 2008). Porém, a
propaganda stronista também era composta por elementos diversos, inclusive pela
representação de outros sujeitos e grupos político-sociais, e o próprio culto a
Stroessner apresentava diferentes conotações. Assim, a propaganda stronista deve
ser lida como um espaço que tentava continuamente catalisar e conter as tensões
que marcavam a sociedade paraguaia.
Mas por que priorizar as imagens publicadas na «literatura stronista»?
Marcela Gené critica a forma como as imagens foram – e ainda são – analisadas por
muitos historiadores: «(…) los historiadores han concebido estos “artefactos” como
“propaganda” tout court, con una valoración peyorativa: imágenes provisorias, que
no sobrepasan el nivel de traducción del orden verbal al registro visual. (GENÉ,
2008: 25).
Para Marcela Gené e Laura Malosetti Costa, as imagens podem funcionar
como «(…) una puerta de entrada al sentido de los textos que las acompañan»
(GENÉ; MALOSETTI COSTA, 2013: 11), visto que as imagens exercem uma

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fascinação que atrai o olhar do leitor. Enquanto linguagem com grande força
expressiva, as imagens também constroem um discurso visual que permite ao leitor
dialogar com referenciais que ultrapassam o limite do impresso, possibilitando
evocar e confrontar memórias.
As imagens que serão analisadas partem de uma matriz fotográfica sem
qualquer identificação do fotógrafo ou data de realização das mesmas. A maior parte
das fotografias parece ter sido tomada como registros oficiais e consideramos que
também poderiam ser – ou já terem sido – utilizadas na imprensa.
Optamos por trabalhar com dois grupos de imagens, as quais nos parecem
representativas de seu uso nas publicações, além de importantes para dar suporte
ao nosso argumento de que tais imagens negociam com a população a
representação do governo Stroessner.
No primeiro grupo denominado «O progresso», serão enfocadas imagens que
apresentam o caminho traçado pelo governo para levar o país ao «ansiado» e
defendido «progresso». Já no segundo grupo, «A paz», buscamos analisar
representações onde parece haver uma «harmonia» e «fusão» entre o presidente e
o povo, bem como a representação de «conquistas» da população.
O «progresso».
Segundo a propaganda da ditadura, Stroessner teria retomado o «progresso»
e a «paz» perdidos em virtude das guerras e da instabilidade que teria marcado os
governos dos opositores, principalmente do Partido Liberal.5
O «atraso» é uma imagem tradicionalmente relacionada ao Paraguai.
Repercute profundamente na identidade paraguaia e na imagem que os paraguaios
projetam sobre os outros países, sobretudo os vizinhos, os quais seriam mais
«desenvolvidos» e «estáveis» politicamente. A construção dessa imagem é um
processo longo, complexo e apresenta diferentes matizes, o que tentaremos
sintetizar a seguir.
Segundo a Tríplice Aliança, a guerra contra o Paraguai era necessária para
acabar com a «barbárie» que haveria no país, representada principalmente pela
«ditadura» de Francisco Solano López e pelo «isolamento» diplomático e econômico
do Paraguai. A vitória da Tríplice Aliança colaborou para que essa imagem
marcasse as décadas seguintes.
5
De um modo geral, o Partido Liberal dominou a política paraguaia entre 1904 e o início da década
de 1940.
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No século XX, essa imagem difundida pela Tríplice Aliança começou a ser
bastante questionada, principalmente pelos intelectuais conhecidos como
revisionistas. O «atraso» do Paraguai continuou a ser destacado pelos revisionistas,
mas com uma diferença importante: o «atraso» passou a ser visto como uma
herança deixada pela guerra e pela Tríplice Aliança, à qual responsabilizavam pelo
confronto.
O que chama a atenção na propaganda stronista é a forma como tentou
articular essa polissemia que existe em torno do «atraso» tradicionalmente
relacionado ao Paraguai. Por um lado, a propaganda faz um questionamento da
imagem difundida pela Tríplice Aliança, conforme indicam as representações de
Stroessner como herdeiro dos governantes do século XIX. Por outro, o «progresso»
que a ditadura dizia promover no país se encaixava no cânone defendido outrora
pela Tríplice Aliança.
A construção do «progresso» na propaganda stronista apresenta como uma
de suas principais características um contraste marcado entre a «natureza» e a
«modernidade», representada pela ação do governo. Nas imagens da «literatura
stronista», a «modernidade» estaria vencendo a «natureza», vista como um sinal do
«atraso» que até então teria marcado o país.
Esse contraste apresenta variações. Ora se dá pela foto de uma estrada nova
cortando uma densa floresta, como a que ligava as cidades de Asunción e
Encarnación (MORENO, 1966: 41)6, ou ainda pela foto de uma estrada em
construção no meio de uma mata fechada na região do Alto Paraná, a leste;
conforme indica a legenda, uma obra «a cargo del Comando de Ingeniería del
Ejército» (MORENO, 1966: 197).7 Nessa segunda foto, os tratores em primeiro plano
dotam a imagem de um «movimento» que representaria a entrada do país na
«modernidade».
Em outras fotos de estradas, o contraste com a «natureza» não está presente
ou é menos marcado. Contudo, nesses casos, as estradas parecem representar
uma vitória apenas inicial contra o «atraso» e o «isolamento» de cidades e de

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Disponível em: <https://unilahistoria.blogspot.com/b/post-preview?token=9p-
lL08BAAA.auPzxW2HrJ0PiG9KNzs9pA.Qx5VP2p4G89PqLHp8n7tMA&postId=713673248047985495
&type=POST>. Acesso em: 14 ago. 2015.
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Disponível em: <https://unilahistoria.blogspot.com/b/post-
preview?token=GhqpL08BAAA.auPzxW2HrJ0PiG9KNzs9pA.JzpFYiS5f7SC_9g4oUWC5A&postId=57
83747072596430553&type=POST>. Acesso em: 14 ago. 2015.
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vilarejos do interior. Nessas fotos, encontramos estradas vazias (MORENO, 1966:
95, 194 e 206) ou com um carro solitário (MORENO, 1966: 225)8 caminhando para
um horizonte «vazio», a ser «construído». Seja no primeiro grupo de fotos, com
densas florestas, ou neste segundo grupo, haveria uma «obra» a ser concluída, o
que legitimaria a permanência de Stroessner no poder.
No livro de Moreno, outra foto marca de forma mais evidente essa «obra» a
ser concluída: nela encontramos uma cena rural marcada por dois carros-de-boi
(1966: 291). Assim, o conjunto das imagens do livro estabelece um contraste entre
uma temporalidade «rápida», que o país estaria começando a conhecer com as
estradas, tratores e carros, e outra temporalidade «lenta», representada pela
natureza, florestas e carros-de-boi, o que, segundo a propaganda stronista, caberia
ser superado.
A agricultura seria outro elemento que demonstraria essa passagem para a
«modernidade». No livro de Moreno (1966: 46) encontramos, no primeiro plano de
uma foto, uma fila de tratores seguida de caminhões e, ao fundo, o que parece ser o
resquício de uma vegetação formada por árvores muito altas.9 Esse retrato da
«mecanização agrícola», conforme indica a legenda, sobretudo com os tratores em
primeiro plano, seria outro sinal do «movimento» rumo à «modernidade» que a
ditadura dizia promover no país.
Fotos de plantações completam esse contraste entre a agricultura e a
«natureza». Em algumas fotos, com planos bem abertos e inclusive aéreos, a
agricultura predomina na imagem e parece que está prestes a avançar sobre restos
de vegetação. (MORENO, 1966: 143, 295 e 304).10
Fotos de pontes representam outro elemento importante da propaganda
stronista. As pontes, sobre os rios, seriam mais um exemplo do avanço da
«modernidade» sobre a «natureza» e representariam uma vitória sobre o
«isolamento» tradicionalmente associado ao Paraguai, isolamento externo e interno,
entre as diferentes localidades do país, a exemplo do que acabamos de mencionar

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Disponível em: <https://unilahistoria.blogspot.com/b/post-preview?token=F-
arL08BAAA.auPzxW2HrJ0PiG9KNzs9pA.qDrZx9bsML7WjTXR3VKx4Q&postId=76229295046694837
69&type=POST>. Acesso em: 14 ago. 2015.
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Disponível em: <https://unilahistoria.blogspot.com/b/post-
preview?token=05GuL08BAAA.auPzxW2HrJ0PiG9KNzs9pA.lf3DKgZ2B3_14Sdi2XEgTQ&postId=840
8909473929688035&type=POST>. Acesso em: 14 ago. 2015.
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Disponível em: <https://unilahistoria.blogspot.com/b/post-
preview?token=s12wL08BAAA.auPzxW2HrJ0PiG9KNzs9pA.5G046C0PhfK-
Vaw4KycF2w&postId=6667220204940589031&type=POST>. Acesso em: 14 ago. 2015.
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em relação às estradas. No livro de Moreno, a Ponte da Amizade, que liga o
Paraguai ao Brasil e foi inaugurada em 1965, é destacada em um plano aéreo bem
aberto: a ponte, com uma recente pintura branca, se destaca sobre as águas
«escuras» do Rio Paraná e o «verde» que marcava a então pouco ocupada fronteira
com o Brasil. (MORENO, 1966: 127).11 O Paraguai não dependeria mais
exclusivamente da Argentina para importar e exportar os seus produtos, que agora
também poderiam ser transportados via Brasil. Na foto, o «movimento» ao sul das
águas do Rio Paraná contrasta com o «movimento» leste-oeste da ponte. Assim,
essa imagem da ponte simbolizaria uma dupla independência para o Paraguai: em
relação aos caminhos oferecidos pela natureza, representados pelo Rio Paraná, e
independência político-econômica, em relação aos portos de Buenos Aires.
Ainda sobre pontes, cabe destacar a foto da ponte sobre o Rio Tebicuary no
livro de Moreno (1966: 120).12 A legenda da foto, retirada do jornal colorado Patria
de 27 de novembro de 1960, deixa claro como a propaganda stronista apresentava
as obras do governo como um rompimento com o passado do país:

De no haber sido por la traición de 1904, este puente habría estado contribuyendo
al desarrollo económico del país desde la primera década de este siglo. (...). Pero
(…) con el retorno del coloradismo al manejo de la cosa pública, el Paraguay
reasumió el hilo de su historia (…). (en Moreno, 1966: 120).13

Assim, consideramos que as pontes, na propaganda stronista, também


representariam a conquista da «unidade» nacional após a instabilidade que teria
predominado nas primeiras décadas do século XX.
Os «prédios» também eram constantemente representados como sinais do
«progresso» que a ditadura dizia promover no país. A «literatura stronista» traz
várias fotos de prédios públicos novos ou reformados como a Aduana de Puerto
Presidente Stroessner, atual Ciudad del Este (MORENO, 1966: 159), a Biblioteca
Nacional (Moreno, 1966: 84), as centrais telefônicas no 1 de Asunción e de Villa

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Disponível em: <https://unilahistoria.blogspot.com/b/post-
preview?token=pwKyL08BAAA.auPzxW2HrJ0PiG9KNzs9pA.d5NTTSzZiLt7G9EioDiaxw&postId=3063
387541556340954&type=POST>. Acesso em: 14 ago. 2015.
12
Disponível em: <https://unilahistoria.blogspot.com/b/post-
preview?token=nEa0L08BAAA.auPzxW2HrJ0PiG9KNzs9pA.WQL_x8-
8hBb_SPRkL4oPoQ&postId=4038781034623000736&type=POST>. Acesso em: 14 ago. 2015.
13
A “traición de 1904” se refere à chegada dos liberais ao poder.
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Florida (MARTINEZ, 1978: 345 e 351)14, o «Colegio Experimental Paraguay-Brasil»
(MORENO, 1966: 205), o «Hospital Central del Instituto de Previsión Social»
(FRUTOS N., 1973; Quell, 1977; Martinez, 1978: 381), o «Ministerio de Defensa
Nacional» (Moreno, 1966: 89) e inclusive a sede principal do Partido Colorado em
Asunción (MORENO, 1966: 76), dentre outros exemplos.
As imagens destacam a «monumentalidade» destes prédios, que parecem
valer por si próprios, independentemente de sua função ou do serviço público que
representam. Exemplo disso é a ausência ou inexpressiva presença de pessoas
nessas imagens, assim como a pouca importância dada aos interiores desses
edifícios. Esses «prédios-monumentos» representariam uma ruptura com a
Asunción «antiga» e «uniforme» e simbolizariam a passagem para a «modernidade»
tão divulgada pela propaganda stronista. Segundo Diarte, Stroessner pretendia que
a arquitetura fosse «(…) un vector de desarrollo hacia un país moderno.» (DIARTE,
2015: 104). O autor aponta que arquitetos brasileiros participaram de alguns dos
principais projetos arquitetônicos das décadas de 1960 e 1970, o que indicaria uma
«sintonia» do Paraguai em relação ao «desenvolvimento» vivido pelos países
vizinhos.
Outras imagens da «literatura stronista» poderiam ser destacadas como, por
exemplo, as fotos de barcos e portos, essenciais em um país mediterrâneo como o
Paraguai. Na propaganda stronista, essas fotos também representariam a
superação do isolamento tradicionalmente relacionado ao país. Contudo, os
exemplos anteriores já nos parecem suficientes para indicar que a ditadura de
Stroessner precisou se apropriar de elementos centrais da história e da identidade
do país para se legitimar no poder e se contrapor aos questionamentos que existiam
na opinião pública, apesar do forte controle que havia sobre ela. As fotos do
«progresso», que acabamos de analisar, contribuíram, ainda, para a construção de
outro pilar da propaganda stronista, a «paz».
A «paz».
Enquanto para o «progresso» a ênfase foi colocada sobretudo em obras de
infraestrutura, edifícios e na agricultura, a «paz», por sua vez, parece encontrar seu
lugar justamente em imagens que apontam os efeitos «positivos» da condução do

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Disponível em: <https://unilahistoria.blogspot.com/b/post-
preview?token=0km3L08BAAA.auPzxW2HrJ0PiG9KNzs9pA.rtcMQnJH8IYUP4PSp2aHQA&postId=73
09726480761704270&type=POST>. Acesso em: 14 ago. 2015.
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país. Uma imagem que se repete em três dos livros aqui elencados está na suposta
relação amistosa e harmoniosa que existiria entre o povo e o presidente. A multidão
aparece «ordenada» e «organizada», com gestos «afetuosos» e de profundo
«respeito» para com seu presidente, ideias que são reforçadas nas legendas que
acompanham as imagens.
O livro de Martínez apresenta vários exemplos que podem ser incluídos na
hipótese acima, porém destacaremos um que enfatiza a ideia do líder que «se
mistura» ao povo. A fotografia aparece nas páginas finais do livro (Martínez, 1978:
457)15, justamente na parte que trata das eleições de Stroessner para um novo
mandato. Vemos civis e militares que confluem para a parte central e inferior da
fotografia. Nos dois primeiros planos da imagem, onde é possível visualizar
Stroessner, as pessoas aparecem de costas enquanto em todo o restante da
fotografia as pessoas estão de frente. Embora esteja rodeado por todos os lados, o
presidente não parece correr qualquer risco, da mesma forma que parece não ter
receios de estar tão junto do povo. A legenda que fala de «una impresionante
cantidad de personas» que foram cumprimentar o presidente, também afirma que foi
possível «apreciarse cómo el Presidente Stroessner se confunde con su pueblo.»
Provavelmente se trata de uma foto de um aniversário de Stroessner, comemorado
em 3 de novembro, data que era denominada como «fecha feliz» pelos seus aliados
e simpatizantes.
No livro de Cristobal Alberto Frutos N. esta mesma ideia se repete, também
em um momento de eleições.16 Há um esforço para legitimar o governo através do
«apoio» do povo. Na representação, o presidente não está de frente para o leitor,
mas voltado para o povo que em massa o «apoiaria». O olhar do leitor é confrontado
com o do povo ali representado. Naquele momento não era o rosto de Stroessner o
que importava, o leitor já o conhecia antes mesmo de folhear o livro – seu rosto está
na capa –, mas o rosto do povo «ordeiramente» reunido, um rosto no singular,
quase homogêneo.

15
Disponível em: <https://unilahistoria.blogspot.com/b/post-
preview?token=SGq6L08BAAA.auPzxW2HrJ0PiG9KNzs9pA.1UnmkjIg_9m6EYMaLDrQVw&postId=8
671876861253466993&type=POST>. Acesso em: 14 ago. 2015.
16
Disponível em: <https://unilahistoria.blogspot.com/b/post-
preview?token=BQrHL08BAAA.auPzxW2HrJ0PiG9KNzs9pA.J0D6FsjJ-3PcN-KVX2n-
Yw&postId=2547494461995806193&type=POST>. Acesso em: 14 ago. 2015.
586
Outra imagem que enfatiza essa suposta proximidade de Stroessner com o
povo pode ser observada no livro de Moreno (1966: 107).17 Na fotografia, que
parece tratar-se de uma fotomontagem, Stroessner aparece em um primeiro plano,
em leve diagonal, cumprimentando um senhor que vemos de costas na parte inferior
direita da fotografia. O aperto de mãos é bastante «caloroso», sobretudo da parte do
presidente que, vestido como civil, olha nos olhos do senhor enquanto segura, com
firmeza e com as duas mãos, a mão do homem magro e anônimo. Logo atrás
percebemos crianças e vários adultos que observam o gesto «atencioso» do
presidente. O plano elevado no qual aparece Stroessner, bem como o espaço que
ocupa na composição, faz com este assuma uma escala quase desproporcional em
relação às demais pessoas ali representadas. É como se o seu gesto e seu sorriso o
tornasse «maior» e mais «digno».
Outra ideia de «paz» que as imagens apresentam e que pode ser aproximada
ou mesmo igualada com a de bem estar social está ligada à questão da saúde. Uma
imagem emblemática é a fotografia publicada no livro de Moreno (1966: 306)18 no
item que trata de saúde e educação. A fotografia parece surpreender o momento no
qual se realiza a pesagem de um bebê por uma equipe de saúde. Vemos um
homem de costas, talvez um médico e uma mulher ao fundo, de frente para este,
provavelmente uma enfermeira, ambos de branco, enquanto uma jovem mãe, com
vestido quadriculado, observa seu filho saudável que movimenta braços e pernas.
Todos os adultos na imagem concentram sua atenção no bebê, uma provável
metáfora do futuro «promissor» do país. Porém a mãe, mesmo que
involuntariamente, parece nos denunciar algo de artificial na composição, não está
confortável, seu corpo está rígido, ela parece ter sido imobilizada para a fotografia.
Seu desconforto provavelmente decorreria de seu inabitual contato com a câmera
fotográfica ou com serviços médicos. Independentemente do motivo, o desconforto
da mulher indica como essas imagens eram construídas, apesar dos saudosistas da
ditadura as reivindicarem como exemplos incontestes das transformações que a
ditadura teria promovido no país.

17
Disponível em: <https://unilahistoria.blogspot.com/b/post-
preview?token=cC68L08BAAA.auPzxW2HrJ0PiG9KNzs9pA.9Vhtt_5SHeYhoNlmZ46org&postId=673
5444992951278890&type=POST>. Acesso em: 14 ago. 2015.
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Disponível em: <https://unilahistoria.blogspot.com/b/post-
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761692880530551595&type=POST>. Acesso em: 14 ago. 2015.
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As representações da «paz» parecem dialogar mais diretamente com a
propaganda de governos como os de Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) no
Brasil e Perón na Argentina. Diante de medidas consideradas autoritárias pela
oposição, esses governos buscaram intensificar a «proximidade» com o povo e suas
«conquistas» econômicas. No entanto, nessas imagens, é importante destacar que o
«líder» sempre é colocado em evidência em relação ao povo. Conforme mostramos
acima, seja na comemoração da «fecha feliz», no alto de um palanque ou, ainda,
cumprimentando o povo, a figura de Stroessner sempre ocupava um lugar central.
Considerações finais.
É evidente que as imagens analisadas neste texto representam apenas uma
pequena parte da propaganda stronista. Cabe aprofundar o conjunto dessas
imagens, sua circulação e os sentidos variados que possuíam e adquiriram histórica
e culturalmente. De qualquer forma, consideramos que as imagens do «progresso»
e da «paz» na «literatura stronista» se encaixam no que Lorena Soler chama de «las
otras fuentes de legitimidad» (2012: 117) que foram buscadas pela ditadura
stronista, pois articulavam elementos caros à história e cultura do país a referências
visuais variadas, como a propaganda política de países vizinhos.
Se por um lado essas fontes de legitimidade foram fundamentais para a
longevidade da ditadura, por outro consideramos que reforçaram as contradições do
stronismo quando a crise política e económica se evidenciou a partir da década de
1980. Apesar disso, os grupos que reivindicam a memória de Stroessner continuam
atuantes. Soler lembra que, em 2012, setores do Partido Colorado tentaram trazer
os restos mortais do ditador para o Paraguai, o que provocou repúdio e
manifestações contrárias por parte da população.

Bibliografia.
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