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Consumo de mídia e qualidade da TV

na visão de crianças e adolescentes brasileiros

Inês Sampaio1 (UFC), Andréa Pinheiro2 (UNIFOR),


Tiago Fontoura3 (UFC), Gecíola Fonseca (UFC)4

Resumo: Este artigo tematiza a presença das mídias, no cotidiano de crianças e adolescentes
do Estado do Ceará, situado na região Nordeste do Brasil. O estudo apresenta os resultados
parciais da pesquisa “Leituras da Criança e do Adolescente sobre a Qualidade Televisiva e os
Sistemas de Classificação Etária”, realizada com 120 estudantes do Ensino Fundamental da
capital e do interior cearense. Considerando as particularidades contextuais, o artigo analisa os
hábitos de consumo de mídia desses sujeitos e os critérios que eles utilizam para avaliar a
qualidade da programação televisiva. Apoio: CNPq.

Palavras-chave: Televisão; qualidade; infância.

Introdução

A expansão generalizada dos meios de comunicação no mundo traz consigo uma


nova configuração da comunicação e das interações humanas. Hoje, as mídias
eletrônicas ocupam um lugar de destaque na estruturação e explicação da vida social,
apresentando-se de forma especialmente marcante nas experiências da infância e da
adolescência contemporâneas ((STEINBERG e KINCHELOE, 2001; CARLSON;
FELITZEN, 1999).
O convívio intenso do segmento infanto-juvenil com as mídias constitui-se em
um fenômeno cultural que adquire proporções globais, permitindo que o hábito de
reservar boa parte do tempo diário para o consumo de filmes, jogos eletrônicos e
programas de televisão seja compartilhado, cada dia mais, por crianças e adolescentes
oriundas de países distintos, com níveis de desenvolvimento e tradições sócio-culturais
bastante variados.
Através da TV, milhões de crianças e adolescentes de regiões “ricas” e “pobres”,
urbanas e rurais, assistem a filmes, seriados e animações com os quais dificilmente
teriam contato na sua ausência. Nessa perspectiva, em termos simbólicos, a TV

1
Professora do Mestrado em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Coordenadora do
Grupo de Pesquisa da Relação Infância, Adolescência e Mídia (GRIM-UFC). E-mail: [email protected]
2
Professora do Curso de Comunicação Social da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). E-mail:
[email protected]
3
Ex-bolsista do Grupo de Pesquisa da Relação Infância, Adolescência e Mídia (GRIM-UFC). E-mail:
[email protected]
4
Estudante do Curso de Especialização em Audiovisual em Meios Eletrônicos da Universidade Federal do
Ceará (UFC) e ex-bolsista do GRIM-UFC. E-mail: [email protected]
representa uma possibilidade concreta de redução das diferenças que separam suas
culturas de origem.
As imbricações do local com o global devem ser levadas em conta, tendo em
vista as tradições culturais estabelecidas nos diversos contextos, nos quais surgem
formas de resistência e/ou adaptação dos referenciais culturais disseminados
globalmente. Neste sentido, a reflexão deste artigo não se faz a partir de uma leitura
linear da comunicação pautada na relação entre um emissor-ativo e um receptor-
passivo, para os quais não há histórias nem vínculos. Compreendemos a comunicação
como um processo compartilhado e mediado pelas instituições de comunicação, mas
não determinado exclusivamente por elas; um processo vivenciado cotidianamente onde
está presente uma pluralidade de mediações, em que os agentes do processo
comunicacional ressignificam não só seu cotidiano imediato, mas também as
programações e os conteúdos difundidos pelos meios de comunicação.
Consideramos este sujeito como um sujeito reflexivo, que lida com o material
simbólico que recebe e direciona-o para suas finalidades particulares, pois no ato da
“recepção” ocorre uma apropriação de sentidos, que o leva a construir uma
compreensão sobre o mundo, sobre os outros e sobre si mesmo. E os sentidos que este
sujeito dá aos produtos da mídia variam de acordo com seu contexto sócio-histórico, seu
nível de formação, sua capacidade cognitiva, entre outros fatores. Os diferentes modos
de ler as mensagens estão ligados às tradições, interesses e expectativas de vida de cada
um, engendrando, assim, diferentes usos sociais da comunicação.
Inseridas, desde muito cedo, em um contexto midiático, não é de se surpreender
que a maioria das crianças e adolescentes venha a encontrar nos meios de comunicação
não somente uma satisfatória opção de lazer e entretenimento, mas também referências
significativas para a construção da própria subjetividade. Como bem afirmam autores
como Postman (1999), Jobim e Souza (2000), Sampaio (2000), entre outros, atualmente
esses sujeitos têm seu processo de formação definido não apenas pela interação com a
família, a escola e a comunidade, mas também pelo acesso aos conteúdos oferecidos
pela mídia, em especial, a televisiva.
Os aprendizados sobre modos de existir, de comportar-se, de constituir a si
mesmo se fazem com a contribuição inegável dos meios de comunicação. No estudo da
TV como “dispositivo pedagógico”, Fischer (2002:07) tem observado “as mínimas
estratégias de a televisão afirmar-se como um lugar especial de educar, de „ensinar
como fazer‟ determinadas tarefas cotidianas, operações com o próprio corpo, mudanças
no cotidiano familiar e assim por diante”.
Os conteúdos que compõem a programação da televisão, por sua vez, são
elaborados por indivíduos adultos, isto é, pelos profissionais que trabalham nesse meio
(diretores, roteiristas, jornalistas, publicitários, produtores). E embora boa parte desta
programação seja direcionada ao público formado por pessoas adultas, não são poucos
os casos de programas que são também vistos por crianças e adolescentes. Este tipo de
situação dá margem ao desenvolvimento do fenômeno, identificado por Meyrowitz
(1985), de crescente diluição das zonas de segredos entre o mundo infantil e o mundo
adulto. Um processo associado a disseminação das mídias eletrônicas que, ao permitir o
acesso do público infantil a cenas de sexo, assassinatos, suicídios, entre outras, coloca
em cheque o próprio conceito moderno de infância.
A exposição da criança e do adolescente a esse tipo de conteúdo tem incitado, no
mundo inteiro, o debate em torno da regulação dos meios de comunicação e da
classificação indicativa de produtos audiovisuais (espetáculos públicos, filmes,
programas televisivos e jogos eletrônicos), que é prevista na legislação de muitos países
como um instrumento de orientação à disposição da sociedade. No Brasil, o Ministério
da Justiça desenvolveu um conjunto de ações para promover o debate em torno da Nova
Classificação Indicativa, que propõe a adequação da programação às faixas etárias do
público.
Nesse sentido, a reflexão apresentada neste artigo visa contribuir com esse
debate, buscando entender quem são as crianças e os adolescentes de hoje, seus hábitos
de consumo de mídia e o que eles definem como uma programação de qualidade,
considerando as características específicas de cada contexto social e cultural em que
esses sujeitos estão inseridos. Acreditamos que a peculiaridade dessa relação com a TV
pode ser melhor compreendida mediante a participação efetiva do público infanto-
juvenil no desenvolvimento de pesquisas sobre o tema. A exemplo do estudo
“Televisão, escola e juventude”, desenvolvido por Denise Cogo e Pedro Gomes (2001),
o surgimento de abordagens acadêmicas dedicadas a ouvir a opinião das próprias
crianças e adolescentes tem propiciado a compreensão de questões pouco
problematizadas nos estudos que priorizam apenas os olhares de especialistas
(psicólogos, pedagogos, entre outros profissionais). Além disso, é importante destacar
que a maioria das pesquisas sobre esta relação da criança e do adolescente com a TV
ainda tem sua esfera de investigação restrita ao contexto das grandes metrópoles,
fazendo com que a particularidade de vivências da infância e sua relação com a
comunicação nas regiões interioranas permaneça desconhecida.
Neste artigo, discutiremos os resultados da fase quantitativa da pesquisa
“Leituras da Criança e do Adolescente sobre a Qualidade na TV e os Sistemas de
Classificação Etária”, considerando os aspectos consumo de mídia e avaliação da
qualidade dos conteúdos audiovisuais. A pesquisa foi desenvolvida durante dois anos
(2006-2008), mediante o uso de questionários, com um público participante de 120
estudantes do ensino fundamental de escolas públicas e privadas no Ceará, selecionados
mediante sorteio. Na capital, Fortaleza, a amostra com 60 alunos foi composta de
estudantes de 04 Escolas, de diferentes regiões metropolitanas. No interior, a opção foi
por considerar as duas zonas mais importantes em que o Estado se divide, praia e sertão.
Desse modo, do total de 60 alunos pesquisados, 30 foram de Aquiraz (zona da praia) e
30 de Quixadá (zona do sertão). Vejamos, então, o perfil de consumo destas crianças e
adolescentes e o que pensam acerca questão da qualidade na TV.

Perfil do Consumo de Mídia

O perfil de crianças e adolescentes identificados pela pesquisa é revelador da


força que as mídias eletrônicas exercem sobre esse público, especialmente a televisão.
A TV aparece como o meio de comunicação que os jovens da capital e do interior têm
mais contato na sua rotina diária. E isso quer dizer TV aberta, já que um número
pequeno de entrevistados tem acesso a TVs a cabo, especialmente no interior onde o
total não ultrapassa os 15%. Em Fortaleza, 32% de estudantes de escolas públicas e
privadas mencionaram ter TV a cabo em casa, sendo que 57% dos que detêm TVs a
cabo estão nas escolas particulares, em relação a um percentual de 7% nas escolas
públicas.
Em termos das condições de acesso à TV, um elemento importante a ser
considerado é a quantidade de TVs disponíveis em casa. Na capital, 70% dos estudantes
de escola pública têm apenas 01 ( uma) TV, enquanto 37% dos alunos de escola privada
podem dispor de 03 TVs. No interior, 57% dos estudantes de escola pública tem 01 TV,
enquanto 43% dos estudantes de escola privada têm 02 TVs. Além disso, tanto na
capital (60%) quanto no interior (63%), a maioria dos estudantes declarou não ter TV
no próprio quarto. Se considerados, contudo, apenas os dados das escolas particulares,
67% na capital e 53% no interior dispõe desta condição. Este é um elemento
fundamental a ser considerado, pois tem implicações importantes na liberdade de
escolha da programação pelas crianças e adolescentes e no acompanhamento destas
escolhas por parte dos pais. Vale ressaltar que a maioria expressiva das crianças e
adolescentes declarou ter a casa como espaço preferencial de assistência à TV (95% na
capital e 93% no interior). A atividade de assistir televisão é feita para parcela
expressiva dos estudantes de escolas privadas de modo solitário (50% na capital e 53%
no interior) e acompanhada por irmãos (50% na capital e 47% no interior). Vale
destacar a menção reduzida ao acompanhamento dos pais (8% na capital e 13% no
interior). Estes são dados importantes do ponto de vista do direcionamento de Políticas
Públicas voltadas à proteção da criança e do adolescente no campo da comunicação, as
quais devem considerar o ambiente doméstico como lugar privilegiado desta assistência
à TV.
Este dado referente ao predomínio do contato da TV sobre todas as outras mídias
não surpreende, mas, sem dúvida, suscita algumas considerações especialmente no caso
de jovens das cidades do interior. Nos municípios da zona rural o rádio tem se
destacado como a mídia onde os fatos e acontecimentos locais ganham repercussão. É,
de um modo geral, através do rádio que o cotidiano da cidade passa a ser amplificado e
os aspectos particulares daquela gente, como questões políticas, sociais e culturais, por
exemplo, saem do âmbito da comunicação mais restrita e passam a ser anunciadas para
toda a população.
Enquanto o rádio assume esse caráter regional, a programação televisiva está
baseada na veiculação nacional de conteúdos. Na maioria das redes de TV o espaço de
produção local está previamente demarcado, restrito à programação jornalística e com
características que o assemelham cada vez mais aos modelos difundidos pelos centros
de transmissão, desde o cenário em que o programa é exibido até a forma de falar dos
apresentadores. Soma-se a isso o fato que a maioria dos municípios não dispõe de
jornais impressos locais, o que significa que de alguma maneira, bem ou mal, a
realidade local vem sendo retratada quase que exclusivamente pelo rádio.
Se, como a pesquisa aponta, o contato com a TV predomina, independente da
condição econômica, de gênero e da faixa etária, é o caso de questionarmos que
representações da vida cotidiana estão chegando a esse segmento e de que maneira esses
jovens vão construir suas identidades. “A cultura da mídia não aborda apenas grandes
momentos da experiência contemporânea, mas também oferece material para fantasia e sonho,
modelando pensamento e comportamento, assim como construindo identidades”. (KELNER,
2006:119)
Para pensar a questão da identidade a partir da relação com as mídias é preciso
inseri-la no contexto contemporâneo dos “fluxos móveis”, como sugere Martin-Barbero
já que não podemos pensar identidade apenas como “raízes, costumes e território, de
tempo longo e de memória simbolicamente densa, desconectada do presente, das
mobilidades, da instantaneidade e fluidez” (2006:61). Nesse contexto Orozco (2006)
considera que a “erosão das identidades” é reflexo das mediações midiática e
tecnológica.
Nesse tocante, convém considerar que a mídia que aparece em segundo lugar,
após o contato com a TV, é o celular. Atualmente estão em uso no Brasil cerca de
122,86 milhões de linhas de celular5 e dados do estudo TIC Domicílios do NICbr
realizado no final do ano passado revelam que as pessoas que mais possuem celular e
utilizam suas funcionalidades estão entre 16 e 34 anos.6
O uso do celular bateu a preferência pelo rádio, jornal e revista no caso dos
jovens do interior e esse é mais um sintoma do impacto que a revolução tecnológica
vem provocando na sociedade.

(...) Não é tanto uma quantidade inusitada de novas máquinas, mas, sim, um
novo modo de relação entre os processos simbólicos – que constituem o
cultural – e as formas de produção e distribuição dos bens e serviços: um
novo modo de produzir, confusamente associado a um novo modo de
comunicar (...) (MARTIN-BARBERO, 2006:54)

A ampliação do número de celulares também é revelador de um tipo de inclusão


que se dá pelo viés do consumo, bastante comum hoje no Brasil. O estudo reforça esse
argumento, já que o uso do celular foi citado em percentuais muito semelhantes pelos
entrevistados tanto na capital quanto no interior.
No interior, o celular divide o segundo lugar (47%) com o rádio ( 47%) no
contato das crianças e adolescentes, ganhando da revista (27%) e do jornal (15%). Se
considerarmos o perfil de consumo com base no fator classe social e gênero, o celular
aparece igualmente citado (47%), tanto pelos estudantes da rede pública, quanto da
particular, sendo que as meninas (57%) aparecem como usuárias mais freqüentes do que
os meninos (37%).

5
http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL305316-6174,00.html Acesso no dia 29/07/08
6
http://www.mobilepedia.com.br/prod/2008/07/12/perfil-do-usuario-de-celular-no-brasil/ Acesso no dia
28/07/08
Em Fortaleza, o uso do celular (47%) também sobrepõe o contato com a revista
(33%) e o jornal (18%), perdendo para o rádio (63%). Considerado, contudo, apenas o
ranking dos estudantes de escolas particulares, o celular aparece em terceiro lugar com
50%, ganhando do rádio que tem 37%. Nas preferências de crianças e adolescentes da
rede pública de ensino da capital, o celular figura como terceiro colocado (43%).
O uso de celular por crianças de idade cada vez mais reduzida acontece com
mais freqüência, como se o objeto funcionasse quase como extensão de si mesmas. É
importante considerar que a utilização do telefone móvel além de ocorrer como um
meio de estabelecer comunicação com outras pessoas, pode também servir como uma
maneira de se diferenciar pelo que se possui materialmente. Nessas situações, o celular
serve muito mais como um “brinquedo”, um passatempo e como um elemento de status
social, visto que o que está em jogo é também o modelo do aparelho e as funções que
ele é capaz de realizar7.
Em relação à questão social, vale salientar que a desigualdade no acesso às
novas tecnologias se explicita claramente quando o assunto é o computador. Os dados
coletados apontam uma significativa diferença de acesso ao computador entre as
crianças das escolas públicas e privadas no interior. A cada quatro alunos da escola
particular que têm acesso ao computador, equivale um aluno de escola pública. Em
termos percentuais significa dizer que enquanto 70% dos entrevistados da rede
particular têm acesso ao computador, na rede pública este número está em 17%8.
Os dados referentes às escolas em Fortaleza apontam para o mesmo sentido que
as informações obtidas com os estudantes do interior, embora de forma menos desigual.
Cerca de 80% dos alunos das escolas privadas têm acesso a essa tecnologia, contra 37%
dos estudantes de escolas públicas.
Mais do que identificar simplesmente a situação de desigualdade entre
estudantes de escolas privadas e públicas, o que podemos inferir é que estamos na era
da “audienciação” como classifica Orozco (2006), ou por outro lado, de uma audiência
massiva, variada e simultânea de diferentes meios. E o que isso implica?

(...)Ser audiência também modifica o vínculo fundamental entre os atores


sociais, por um lado, com seu ambiente e com os acontecimentos e fontes
tradicionais de informação: bairro, amigos, família, companheiros de
trabalho ou de jogo (...) As janelas das casas vão sendo suplantadas pelas
telas dos televisores e dos computadores, e as praças públicas e ruas, outrora

7
Esta é uma questão a ser aprofundada com base na análise dos grupos focais, em um segundo momento.
8
O contato com o computador, no caso de alguns alunos de escolas públicas, ocorria nas Lan houses.
lugares de encontros coletivos vão sendo trocadas pelas salas de bate
papo(...) (OROZCO, 2006:91)

Pode-se dizer que a massificação do uso do aparelho celular e, em menor escala,


do uso do computador, está modificando as formas de sociabilidade vivenciadas pelas
crianças e jovens das cidades interioranas já que também colaboram para provocar o
que Martin-Barbero chama de “separação profunda entre a lógica do global e as
dinâmicas do local, explicitados pelo sentimento de impotência de que sua própria vida
foge a seu controle”(2006:59).
Como vimos, se comparadas as realidades da capital e do interior, vamos ter
dados muito semelhantes no caso do contato com a TV e o celular. Impressiona a
rapidez com que o celular vem se estabelecendo como meio de comunicação e o lugar
de destaque que vem alcançando entre crianças e adolescentes. Já as informações sobre
o uso do rádio variam muito. No interior, há praticamente a mesma situação entre
estudantes de rede particular (40%) e pública (47%) quanto ao uso desse meio de
comunicação, mas na capital essa realidade se altera significativamente. Enquanto o
rádio é praticamente uma unanimidade nas escolas públicas (90%), nas escolas
particulares, 37% declaram ser o rádio um dos meios com os quais tem maior contato.
A opção elevada dos estudantes da rede pública pelo rádio, logo depois da TV,
tem relação com o fato de Fortaleza ser considerada a terceira cidade brasileira, em
termos proporcionais, com maior audiência de rádio9. A preferência dos ouvintes é pelo
rádio FM10, cuja audiência gira em torno de 75 mil ouvintes no período de 5h à meia-
noite. Os dados do Ibope/Easy Media, de 03 de abril deste ano, indicam que as rádios
classificadas como do segmento popular, respondem juntas por 65%11.
Estamos, pois, diante de um conjunto de práticas de consumo que, mesmo
apresentando elementos comuns, necessitam ser tratadas em suas especificidades.
Somente a consideração adequada destes contextos peculiares de acesso às diferentes
mídias permitirá avaliar, com propriedade, as leituras das crianças e adolescentes sobre
a qualidade na TV. É o que buscaremos desenvolver no próximo tópico.

9
Fonte: Ibope/Easy Media 3- Abril de 2008
10
Dados do Ibope no período de Março a Maio de 2008
11
Um dado relevante, embora não seja o foco da nossa investigação, é que embora o rádio apareça como segundo
colocado em termos do contato de estudantes de escolas públicas, não há na programação radiofônica da cidade,
programas destinados especificamente a esse público.
O que dizem as crianças e adolescentes sobre a qualidade da TV brasileira

Será que as crianças avaliam a questão da qualidade da programação de TV com


os mesmos critérios que os adultos? O que pensam sobre isso? Como julgam as próprias
escolhas dos programas que assistem? Como avaliam as escolhas de seus amigos? Se
estivessem em condições efetivas de interferir na programação de TV, quais programas
eliminariam? Que mudanças implementariam?
Estas foram algumas das questões que nos propusemos a investigar e que são
minimamente consideradas neste artigo. Com base nos dados obtidos mediante o uso
dos 120 questionários, foi possível identificar aproximações e diferenças entre as
leituras das crianças e adolescentes no Ceará12.
O primeiro desafio da pesquisa foi como abordar a criança para falar de
qualidade na TV. Na fase inicial de pré-testes dos questionários, tivemos a oportunidade
de identificar a dificuldade de compreensão das crianças, especialmente na faixa de 1ª. a
4ª série, para compreender a questão proposta: “Para você, o que é um programa de
qualidade?” As crianças tinham dificuldade de entender a expressão “qualidade”.
Assim, a abordagem foi modificada e uma nova formulação feita: “Para você, o que é
um bom programa de TV?” Este foi o caminho encontrado, a fim de assegurar a
compreensão da questão pelo público infantil, mesmo com o risco de algum prejuízo na
precisão da indagação. As crianças e adolescentes puderam, então, responder livremente
a esta questão. Suas respostas foram agrupadas em torno de critérios comuns presentes
em seus textos, permitindo-nos ter uma visão geral de seus critérios de escolha.
Para a maioria expressiva das crianças e adolescentes pesquisados, a qualidade é
compreendida como a capacidade do programa ser divertido, ou seja, promover a
diversão. Este critério foi indicado por 70% do grupo pesquisado na capital e por 60%
do grupo do interior. O segundo critério mais indicado foi o potencial educativo do
programa, reconhecido por 37% das crianças e adolescentes na capital e por 27% deste
segmento no interior. Em terceiro lugar na capital, a menção a existência de aventura no
programa foi destacada por 10% da amostra. A simples existência de desenho em um
programa foi identificado como critério de qualidade por 13% do grupo do interior e a
presença de ação por 10% dele.

12
A pesquisa também recorreu ao uso de grupos focais, cujos resultados, contudo, não serão tratados neste artigo.
Com freqüência as crianças combinavam estes critérios em suas avaliações.
Além dos já citados, foram mencionados outros elementos para caracterizar a qualidade
de um programa: a existência de ação, de romance, de luta, entre outros, mas tais
indicações não foram recorrentes no conjunto da amostra, permanecendo abaixo dos
10%.
Consideradas as particularidades com relação ao fator classe social, as crianças e
adolescentes das escolas privadas de Fortaleza demonstraram maior atenção ao fator
educativo como critério de qualidade que nas escolas do interior. Nas escolas privadas,
os fatores diversão e educação, obtiveram os percentuais 60% e 37%, enquanto no
interior, houve uma ampliação no reconhecimento do fator diversão 77% e uma redução
significativa no fator educação para 17%.
Instadas a avaliarem a qualidade da programação de TV brasileira, as crianças e
adolescentes reconheceram a existência de bons programas. Esta foi a avaliação de
100% das crianças e adolescentes na capital e 93% das crianças e adolescentes no
interior. A maioria destes bons programas está na TV aberta para 53% dos estudantes
pesquisados na capital e 79% dos estudantes no interior.
Esta avaliação, contudo, não pode ser devidamente compreendida sem
considerarmos o fator classe social e as limitações do acesso à TV a cabo pelas crianças
e adolescentes anteriormente indicados. Vale destacar, por exemplo, que nas escolas
privadas da capital, há uma inversão importante destes percentuais. Para este grupo de
estudantes com maior poder aquisitivo, a melhor programação está na TV a cabo, com
73% de menções. No interior, por sua vez, tanto nas escolas públicas, quanto privadas,
não foi incomum o fato de termos que explicar aos estudantes o que era a TV a cabo,
confundida, por alguns, com a simples recepção de TV por parabólica. O
desconhecimento da própria existência da TV a cabo tende a comprometer, neste caso, o
julgamento desta questão.
No que concerne, ainda, a avaliação da qualidade na programação de TV, os
estudantes identificaram que a maioria dos bons programas estavam nos seguintes
canais: Globo, SBT, Record, Cartoon Network, Discovery Kids, Disney Chanel e
Nickelodeon. Neste caso, há aspectos peculiares, associados, novamente, às condições
de acesso à TV a cabo que tendem a interferir no julgamento das crianças.
Na capital, os canais mais citados foram a Globo (43%) e o Cartoon (12%). Vale
destacar, contudo, a existência de algumas particularidades bastante interessantes.
Considerada apenas os estudantes de escolas privadas em Fortaleza, a preferência pela
Globo sofre uma drástica redução, ficando no patamar de 23%, e uma maior variedade
de canais é destacada: Cartoon (20%), Discovery (13%), Disney (10%) e Nickelodeon
(10%), entre outros com percentuais menores. Nas escolas públicas, por sua vez, a
Globo aparece como referência praticamente absoluta, com 63% de menções. Neste
contexto, nenhum outro canal atinge 10% de menções.
No interior, os canais mais citados foram a Globo (60%), o SBT (17%), a
Record (15%). Referências aos canais Futura, Cultura, Cartoon e Nickelodeon foram
feitas em percentuais pouco expressivos. Nesta avaliação, além da questão do acesso
limitado à TV a cabo, citada pela maioria expressiva do grupo analisado, um outro
aspecto importante precisa ser considerado: a qualidade na transmissão do sinal das
emissoras. O canal da TV aberta que lidera as preferências deste grupo é aquele que,
durante a transmissão, apresenta melhor qualidade na imagem e no som projetados.
Instados a avaliarem a maioria da programação de TV no Brasil, os estudantes a
classificaram como Boa (82% na capital e 73% no interior), Ruim (18% na capital e
19% no interior) e Péssima (8% no interior). Contribuem substancialmente para esta
avaliação mais positiva, os estudantes de escola pública na capital, os quais
classificaram a maioria da programação como Boa (90%) em relação ao percentual de
73% nas privadas.
Na avaliação do próprio consumo da programação de TV, os estudantes tendem
a fazer um julgamento bastante positivo do que assistem. Na capital, 97% deles
julgaram como Boa a maioria da programação que assistem. No interior, por sua vez,
92% dos estudantes julgaram Boa, 5% a classificaram como Ruim e 3% como Péssima.
Curiosamente, há uma mudança substancial quando estes mesmos estudantes
julgam a programação assistida por seus amigos. Neste caso, há uma redução
importante na avaliação positiva da capital, que cai de 97% para 62% e no interior de
92% para 63%. De modo correspondente, o julgamento negativo (Ruim ou Péssimo)
sobe para 38% na capital, em relação ao dado anterior de apenas 3% e para 37% no
interior em relação ao percentual anterior de 8%. Há uma diferença de julgamento que
fica em torno de 30%, o que é bastante significativo.
Como explicar esta variação? Ela seria um reflexo da dificuldade não só das
crianças e dos adolescentes, mas do ser humano, em ser justo nos seus julgamentos
sobre si e os outros? Ou seja, a tendência em julgar com maior rigor o que é negativo no
outro, com o fito de se proteger? Para esta tese corrobora o fato de que, com
freqüência, muitos dos programas assistidos por eles e os amigos são os mesmos.
Por outro lado, não podemos esquecer as particularidades que permeiam a
relação das crianças e adolescentes com a TV. Nessa perspectiva, talvez o conhecimento
de que alguns de seus amigos tenham acesso a programações adultas possa ser
superestimado em suas leituras. Somente os dados extraídos dos questionários não
permitem, contudo, estabelecer um parecer conclusivo acerca desta questão.
Quanto a classificação dos programas como bons, cada estudante pode indicar
até três títulos na capital e no interior. Deste conjunto, os três mais citados na capital
foram Malhação (15%), Xuxa (12%) e TV Globinho (10%). No interior, os mais citados
foram Xuxa (15%), Pica-pau (13%) e TV Globinho (12%). Vale destacar, neste caso a
grande variedade de títulos identificados com percentuais abaixo de 10%, indicando
uma grande diversidade nas escolhas.
Como ruins ou péssimos, por sua vez, os estudantes, seguindo os mesmos
procedimentos, destacaram na capital os programas: Jornal Nacional (18%), Rebeldes
(15%), Barra Pesada (13%), Xuxa (12%)13, Domingão do Faustão (10%), Linha direta
(10%) e Sinhá-Moça (10%). No caso do interior, os mais citados foram: Barra Pesada
(15%) e Cidade 190 (13%)14. Se ampliarmos esta lista para os 10 programas ruins e
péssimos mais citados na capital e interior, considerando os indicados com percentuais
inferiores aos 10%, 04 (quatro) na capital e 07 (sete) no interior têm formato
jornalístico.
Esta rejeição também foi expressa na indicação de programas que as crianças e
os adolescentes eliminariam da programação, caso tivessem essa possibilidade. Neste
caso, houve uma grande variedade de títulos. Os mais citados pelos estudantes da
capital foram: Barra Pesada (10%) e Jornal Nacional (10%) e no interior Barra Pesada
(17%) e Rota 22 (12%). Considerado o conjunto dos 10 programas mais citados, 04
(quatro) na capital e 06 (seis) no interior são jornais. Chama atenção esta opção das
crianças e dos adolescentes por excluir da programação os jornais, um gênero, de fato,
dirigido preferencialmente ao público adulto. Além disso, vale destacar o tipo de jornal
indicado. Jornais como o Barra Pesada, o Cidade 190, o Rota 22, mencionados pelas
crianças, caracterizam-se pela abordagem sensacionalista da violência, abusando da
exposição de cenas e detalhes de crimes e do sofrimento humano. Importante salientar,

13
Este dado é importante ao revelar que um mesmo programa pode ser avaliado como de qualidade por um
determinado grupo de crianças e adolescentes e rejeitado por outros.
14
Os programas policiais Cidade 190 e Rota 22, produzidos regionalmente em Fortaleza, figuram entre os dez mais
citados como ruins ou péssimos. Quando instados a indicar bons programas não houve, contudo, nenhum registro de
produção local entre os 10 mais referidos, o que reforça o conceito de que a TV potencializa a constituição de
referenciais nacionais e globais, em relação aos locais.
contudo, que há também crianças que declararam considerar importante este tipo de
programa para saberem “o que acontece no mundo”. Em alguns casos, foi feita alusão
ao fato dos pais concordarem com este argumento, o que, de certo modo, ajuda a
explicar porque muitos pais vêem este tipo de programação junto com os filhos.
Instados a indicar as razões pelas quais os programas indicados, não só os
jornais, deveriam ser eliminados da TV, as crianças e adolescentes destacaram
preponderantemente os fatores: a exposição de cenas de sexo, violência, terror e
relativas ao uso de drogas na capital e o fator violência no interior, seguido pela simples
justificativa de a criança não gostar do programa. Curiosamente, o fator “sexo” foi
destacado somente pelas crianças e adolescentes na capital. Esta questão pode estar
associada a vários fatores, como uma situação de maior proteção das crianças no
interior, a dificuldade das crianças falarem deste assunto, entre outros. A análise dos
resultados dos grupos focais, em um segundo momento, poderá trazer algum
esclarecimento acerca deste aspecto.

Conclusões:
As mídias eletrônicas têm ocupado um lugar de destaque nas experiências
vivenciadas por crianças e adolescentes no mundo inteiro. Para o público infanto-
juvenil brasileiro, esse convívio diário com os conteúdos audiovisuais costuma ser
estabelecido desde um estágio muito precoce de suas vidas. Dessa forte relação com as
mídias surgem diversas leituras, que podem ser melhor compreendidas quando o
enfoque da pesquisa também considera os pontos de vista das próprias crianças e
adolescentes.
A presença marcante dos meios de comunicação na rotina de crianças e
adolescentes de Fortaleza, Quixadá e Aquiraz é em si reveladora de como o cotidiano
passa a ser alterado em função da relação com essas mídias, que não se constituem
somente em possibilidades de entretenimento e lazer, mas como espaços de construção
de sentidos e identidades partilhadas em âmbitos locais, nacionais e globais.
Neste cenário, é preciso considerar o predomínio absoluto do contato com a TV
diante das outras mídias, situação na qual prevalecem os referenciais nacionais e globais
de programação, já que como visto na pesquisa, as programações locais raramente
foram citadas como preferidas. Além disso, em termos de acesso, é importante destacar
que para parcela expressiva do grupo pesquisado, a TV aberta é praticamente única
referência de televisão, um dado que só se altera substancialmente para as crianças e
adolescentes de escolas privadas da capital.
Por outro lado, é fundamental considerarmos o crescimento do uso de outras
mídias, além dos meios de comunicação tradicionais. Ainda que a TV seja o meio de
comunicação preferido pela totalidade dos entrevistados, é relevante o uso crescente do
celular, assim como do computador. Nesses casos, a relação das crianças e jovens com
essas mídias é individual, diferentemente da televisão onde o ato de assistir a
programação ainda se dá, muitas vezes, de forma coletiva, com irmãos, ou com os pais
ou amigos, em menor escala, como a pesquisa revela. Mais do que uma mediação
tecnológica, o que se instaura com estes novos contatos é uma nova relação simbólica
entre os processos de comunicação e entre as pessoas, outra forma de se estabelecer
relações com reflexos importantes sobre a dimensão cultural da vida dessas crianças e
adolescentes.
Inseridos em um contexto midiático que os interpela estratégias persusivas as
mais diversas, a maioria expressiva das crianças e adolescentes pesquisados, identificou
predominantemente a qualidade como a capacidade de um determinado programa ser
divertido e/ou por seu potencial educativo. Nesse sentido, reconhecem a existência e o
predomínio de bons programas na TV brasileira. Deste conjunto, os três mais citados na
capital foram Malhação, Xuxa e TV Globinho. No interior, os mais citados foram Xuxa,
Pica-pau e TV Globinho. Vale destacar, neste caso, a grande variedade de títulos
identificados, indicando uma grande diversidade nas escolhas. Considerados, por sua
vez, os 10 programas ruins e péssimos mais citados na capital e interior, 04 (quatro) na
capital e 07 (sete) no interior têm formato jornalístico, indicando certa resistência ao
gênero e, em especial, ao jornalismo policial como anteriormente avaliado.
As crianças e adolescentes destacaram, ainda, como critérios para que
determinado programa fosse eliminado da programação de TV: a exposição de cenas de
sexo, violência, terror e relativas ao uso de drogas na capital e o fator violência no
interior. Considerada esta avaliação infantil acerca dos programas a serem excluídos da
programação brasileiras na opinião deles, não podemos deixar de identificar a sintonia
com os critérios utilizados no processo de classificação indicativa no Brasil que,
seguindo as tendências internacionais neste campo, tende a proteger a criança e o
adolescente de cenas de violência, sexo e uso de drogas.

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