Neuro nas instituições T2

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02

Trilha 02 Neurociência nas organizações


Sumário

1 Introdução ao estudo da trilha de aprendizagem p. 4


2 Introdução da Neurociência nas organizações p. 6
3 Neurociência nas organizações – Aplicabilidades
reais e possíveis p. 8
4 Síntese p. 23
5 Referências p. 25
4
Introdução ao
estudo da trilha de
aprendizagem

Na trilha passada, apresentei um breve histórico sobre a


neurociências, em que foi possível perceber os grandes
avanços iniciados da segunda metade do século XX, em
decorrência do desenvolvimento de tecnologias não-
invasivas para a investigação do cérebro. Além disso, uma
característica muito interessante da neurociência é que ela
serve como zona de convergência entre pesquisadores de
várias áreas do conhecimento. Por exemplo, nos primeiros
anos de nosso século, deu-se o desenvolvimento de áreas
interdisciplinares como a neurociência cognitiva social, a
qual tem origem na junção entre neurociência cognitiva e
psicologia social, além de integrar conhecimentos teorias
oriundas de outros campos, como economia, etologia,
sociologia e filosofia.

A própria neurociência cognitiva social tem, também,


servido como fonte para o desenvolvimento de outras
áreas interdisciplinares de pesquisa, como a neurociência
organizacional, que será o foco de nossa segunda trilha.
A neurociência organizacional é uma área que investiga
as bases neurofisiológicas da cognição, emoção
e comportamento de pessoas em organizações,
como empresas e indústrias, e tem origem na junção da
neurociência cognitiva social, da neuroeconomia e do
comportamento organizacional (BEUGRÉ, 2018). Explicando
melhor cada uma dessas ciências: a neurociência social
estuda o comportamento e a cognição sociais, ou seja,
como o cérebro processa informações de âmbito social,
como comunicação, atribuição social, influência social,
empatia, julgamento moral, liderança, atratividade etc.; a
neuroeconomia investiga as bases neurobiológicas do
5 processo decisório, tendo origem na união da economia
comportamental com a neurociência cognitiva. Por fim, o
comportamento organizacional é uma área desenvolvida
a partir da segunda metade do século XX com origem nas
ciências da administração, da sociologia e da psicologia, e
que investiga os processos cognitivos e comportamentais
humanos em organizações, como empresas e indústrias.

As pesquisas em comportamento organizacional têm


investigado uma pletora de temas que envolvem o
comportamento humano dentro de organizações. Citando
algumas, podemos ver pesquisas sobre produtividade,
motivação, satisfação no trabalho, cultura e clima
organizacional, comunicação de grupo e liderança, estresse
no trabalho, entre tantas outras. Infelizmente, não será
possível aprofundar todos os temas em comportamento
organizacional, já que o foco dessa trilha é apresentar apenas
as contribuições da neurociência para essa área. Mas caso
você sinta grande interesse no tema, vou recomendar no
plano de trilhas dois livros na bibliografia que estão na sua
biblioteca digital.

+ Se você procurar por “comportamento organizacional” na


sua biblioteca digital, vai encontrar ao menos uma dúzia de
livros sobre o tema. Lembre-se de explorar esse recurso e
aproveitar os livros disponíveis.
6
Introdução da
Neurociência nas
organizações

Antes de começar a falar sobre neurociência organizacional,


aliás, antes de começarmos qualquer uma dessa e das
próximas trilhas, vamos fazer um momento de reflexão.
Vamos fazer um brainstorm, ou seja, sinta-se livre para
criar ideias sem julgamento ou crítica. Pare e anote em
seu caderno, ou no bloco de notas em seu computador,
quais possíveis aplicações da neurociência você
imaginaria dentro de uma organização.

Se quiser uma ajuda, tente se lembrar das três principais


contribuições da neurociência que eu apresentei na trilha
passada: influência de processos automáticos como
emoções ou heurísticas, na cognição e no comportamento,
principalmente na forma de vieses; a detecção de atividade
implícita do cérebro, que pode ser útil para investigar
atividade cerebral associada a algum processo, como estilo
de comunicação, nível de foco atencional ou de compreensão
na comunicação; e as descobertas sobre plasticidade
cerebral, as quais ajudam a aumentar a eficiência de
aprendizagem e de processos cognitivos associados, como
atenção e memória.

Deixe essas ideias que você anotou guardadas em um


lugar, a salvo. Ao longo de cada trilha, vou expor o que
os principais artigos para cada uma das instituições que
veremos têm proposto como aplicações já em prática, em
desenvolvimento, ou possíveis em um futuro próximo. Ao
final de cada trilha, compare o que foi feito até agora com o
que você imaginou na sua brainstorm. Será que são ideias
parecidas? Você pensou em coisas viáveis? Por meio de quais
7 técnicas ou métodos os estudos que você viu têm buscado
implementar essa aplicação? E como você implementaria
a sua ideia? Esse processo de fazer uma brainstorm e
depois avaliar criticamente frente ao que autores na área
propuseram vai ajudar você a desenvolver a habilidade de
pensar criativamente e criticamente no tema, ajudando-o
a compreender o que já foi feito e como foi feito. Durante a
brainstorm, não se preocupe com certo ou errado, apenas
desenvolva essa habilidade de pensar sobre aplicabilidade de
neurociência em diferentes ambientes e situações, e compare
com o que já vem sendo feito. Ao final desse componente,
você vai aprender a pensar intuitivamente na aplicabilidade e
viabilidade da neurociência para diferentes instituições.
8
Neurociência nas
organizações –
Aplicabilidades reais e
possíveis

A neurociência tem sido a fonte de uma grande reformulação


nas ciências humanas e sociais, por elucidar os mecanismos
cognitivos e afetivos associados a padrões comportamentais
já investigados e descritos nessas áreas. Por exemplo, por
mais que soubéssemos sobre desenvolvimento moral e
percepção de justiça em crianças, não entendíamos bem
se tal comportamento era algo associado a um pensamento
próprio delas, ou apenas um comportamento esperado
de acordo com a expectativa de adultos. Agora com a
neurociência, identificamos um sinal no EEG associado à
percepção automática (e muito rápida) de injustiça, o que nos
permite investigar se crianças apresentam o mesmo padrão
automático e a partir de qual idade. Fizemos uma investigação
em nosso laboratório do Mackenzie que indicou que crianças
de 8 anos já demonstraram perceber e compreender bem
injustiça, reagindo com padrão eletrofisiológico similar ao de
adultos (RÊGO et al., 2016).
+ Constructo é um
termo que designa
uma elaboração Enquanto muitos modelos nas ciências humanas foram
teórica e mental desenvolvidos a partir de experimentos comportamentais,
para definir algum os mecanismos neurofisiológicos associados a tais
fenômeno não comportamentos ainda eram relativamente desconhecidos,
mensurável de
sendo então difícil elaborar modelos precisos que pudessem
forma objetiva. Por
explicar e prever o comportamento. A dificuldade pode
exemplo, ideias
como motivação, ser considerada ainda maior nos modelos psicológicos
ou consciência, são com base em constructos, como aqueles sobre traços de
constructos. personalidade ou aspectos motivacionais.
9 Eu posso, por exemplo, fazer um teste psicológico que tente
medir nível de neuroticismo de uma pessoa, no qual ela
responderá algumas perguntas que indicarão seu nível nesse
traço de personalidade. Mas isso depende da forma como
alguém responda o teste, e isso implica que essa pessoa
poderia mentir ou errar, de forma intencional ou mesmo por
engano, por querer ser vista por outros de maneira mais
aceitável (os psicólogos chamam isso de desejabilidade
social), ou mesmo por acreditar piamente ser de um jeito que
não corresponde ao que outras pessoas pensam. Nesse caso,
seria bem mais preciso se eu conseguisse, por exemplo,
identificar algum sinal do organismo mais objetivo que
pudesse me indicar a mesma informação de neuroticismo e
que não dependesse de sua resposta. Uma comparação seria
tentar averiguar se alguém tem diabetes e decidir o que seria
melhor: perguntar sobre o quê, quando e quanto alguém tem
comido ou fazer um teste de sangue?

! Desta forma, uma das principais contribuições da


neurociência é, por meio do registro de sinais do sistema
nervoso, estabelecer marcadores somáticos (ou seja,
sinais fisiológicos) para detectar processos outrora
intangíveis. Assim, ela tem possibilitado detectar dados
que são complementares aos dados comportamentais,
permitindo assim sugerir modelos teóricos mais elaborados
que levam em conta não apenas fatores ambientais sobre
o comportamento, mas fatores neurofisiológicos como
nível e padrão de atividade do encéfalo, influência de
neurotransmissores, de hormônios etc. O registro de
sinais do sistema nervoso central e periférico, associado
às medidas da psicometria já estabelecidas nas ciências
humanas (ex.: testes psicológicos para traços de
personalidade), permite auferir medidas mais objetivas
desses constructos, identificando uma base física e material
para identificá-los e explicá-los (WALDMAN; WARD;
BECKER, 2017).

Um exemplo é o estudo da Hannah e colaboradores (2013),


que utilizou de técnica de análise de frequência no EEG para
10 investigar sinais do cérebro associados a liderança complexa.
Nesse estudo, eles identificaram baixa coerência em banda
alfa nos lobos frontais associados à liderança complexa,
sendo esse sinal de EEG excelente preditor da capacidade de
tomada de decisão adaptativa nos líderes avaliados.

Contudo, antes de prosseguirmos para outros exemplos,


uma ressalva: o uso das técnicas em neurociência para
identificar marcadores neurofisiológicos de processos
mentais ou afetivos ainda tem uma jornada longa
pela frente. Por mais que eu consiga detectar sinais
neurofisiológicos e relacioná-los a processos cognitivos
ou afetivos, ainda é difícil utilizar isso para comparar
objetivamente duas pessoas, ou comparar uma pessoa com a
população. Para isso, eu precisaria desenvolver um parâmetro
que pudesse servir de referência, como, por exemplo, obter
um dado de toda a população ou utilizar métodos de correção
para tornar o sinal de duas pessoas comparáveis.

Um exemplo com dilatação pupilar: se minha pupila varia


em diâmetro entre 1 e 5 mm, e a do meu colega entre 1,5 e
7 mm, como poderia comparar diretamente a dilatação dos
dois? Como disse, existem métodos estatísticos para corrigir
isso (como escore Z), mas o problema ainda é maior quando
falamos de processos do cérebro detectados por fMRI ou
EEG, já que a atividade cerebral é dinâmica, envolve redes
com várias áreas, e que também pode apresentar distinção
entre as pessoas. Então, por enquanto, seguimos com relativa
dificuldade em achar um método que consiga mensurar e
comparar objetivamente quem, dentre um casal, ama mais o
outro.

Apesar dessa ressalva quanto à comparação entre pessoas,


todos as vantagens acima apresentadas são válidas também
para a neurociência organizacional. Como nos apresentam
Waldman, Ward e Becker (2017), a neurociência permitirá
conhecer mais a fundo os constructos que são utilizados
em comportamento organizacional, como liderança ou
motivação. Além disso, a neurociência pode informar se tais
11 constructos, de alguma forma, podem ser sobrepostos ou
distintos – ou seja, pode ser que constructos que parecem
e tenham nomes diferentes são similares em suas bases
neurofisiológicas (falácia de jangle), ou constructos que
parecem similares ou tenham um mesmo nome são na
verdade distintos (chamado de falácia de jingle). Além disso,
uma vez que você adiciona as variáveis neurofisiológicas
para descrever um comportamento, fica mais fácil explicá-lo
e prevê-lo. Testes comportamentais e explícitos são falíveis
e passíveis de erros, ainda mais dentro de um ambiente de
trabalho, em razão da desejabilidade social. É similar àquela
piada que fazem sobre um teste de seleção para emprego:
o entrevistador pergunta ao candidato, “qual seu maior
defeito?”, e a resposta é “ser perfeccionista”. Uma outra
consequência de conseguir explicar e prever com maior
precisão um constructo por meio de método neurocientífico
seria utilizar tais métodos para guiar um treinamento de
forma mais efetiva. Por exemplo, se eu identifico um padrão
cerebral associado à liderança, poderia usar essa informação
também como avaliação pré e pós treinamento para saber se
alguém realmente melhorou nesse domínio.

Por fim, os métodos neurocientíficos permitem avaliar


processos dinâmicos com grande precisão temporal e
de forma concomitante ao processo sendo avaliado. Por
exemplo, digamos que eu queira avaliar a interação de
um grupo enquanto eles criam alguma coisa. Por meio de
EEG, eu posso acompanhar a atividade cerebral de dois
ou mais pessoas ao mesmo tempo e cruzar a informação
por meio de análises em grupo (ex.: método de correlação
intersujeito). O mesmo não poderia ser feito com escalas
comportamentais ou entrevista. Nesse caso, eu teria que
esperar o final da interação e perguntar para cada um a sua
impressão, não sendo possível assim detectar mudanças
sutis e rápidas nos processos mentais associados à complexa
dinâmica de interação ou de criação. No EEG, esses métodos
são chamados de EEG intersujeitos ou, simplesmente,
hiperescaneamento (do inglês hyperscanning). Novamente,
é possível fazer a correlação entre dados de duas ou mais
12 pessoas, a dificuldade é conseguir comparar duas ou mais
pessoas de forma objetiva (mesmo assim, não é impossível).

Neurociência organizacional: principais técnicas


utilizadas

Os estudos em neurociência organizacional têm utilizado


principalmente técnicas derivadas de ressonância
magnética e de eletroencefalografia. Quanto à ressonância
magnética, os estudos têm utilizado avaliação funcional por
meio de ressonância magnética funcional (IRMf), e avaliação
estrutural por meio de ressonância magnética e tractografia
(imageamento por tensor de difusão, ou ITD). A IRMf avalia
o sinal BOLD, que indica utilização de oxigênio em regiões
do cérebro, sinalizando assim indiretamente a atividade
metabólica de regiões do encéfalo. Dessa forma, é possível
ver quais regiões do cérebro estão mais ou menos ativas
em resposta a algum estímulo. A ressonância magnética
avalia a estrutura de substâncias cinzentas (como largura
ou densidade cortical), enquanto a tractografia investiga a
integridade de tratos (termo dado a vias neurais, união de
milhares ou milhões de axônios), indicando organização e
conectividade neural entre áreas do cérebro.

Quanto ao EEG, tem se utilizado principalmente técnicas de


EEG quantitativo, nome dado a métodos de coleta e análise
que envolvem registro de EEG digital (computadorizado) e
com vários eletrodos (ex.: EEG de alta densidade), e análises
complexas e computadorizadas para processamento dos
dados, resultando em detecção de variação no poder de
bandas de frequência (teta, delta, alfa, beta e gama) em
regiões do escalpe ou do cérebro, e na coerência de tais
bandas entre regiões de eletrodos ou cérebro. Além disso,
outro método é o hiperescaneamento, que avalia EEG de duas
ou mais pessoas e correlaciona seus dados.

! Resumindo e traduzindo de forma simples: é como se


estivéssemos observando uma orquestra, para entender
como cada banda de frequência, que equivale a entender
13 qual nota ou melodia está sendo tocada, ocorre em uma
região do escalpe ou cérebro, que equivale a saber qual
músico ou área da orquestra está tocando. Com o acúmulo
de dados de EEG, poderemos aprender a reconhecer qual
música a orquestra está tocando, e a qual processo mental
isso está relacionado. Quando eu digo região do escalpe, é
porque no EEG geralmente identificamos algum padrão de
frequência em eletrodos “frontais”, “parietais”, “temporais”
etc. Isso indica em qual região do escalpe (da cabeça) está
o eletrodo que detectou aquele sinal, o que não significa
necessariamente que a atividade está vindo de regiões
cerebrais diretamente abaixo (TIVADAR & MURRAY, 2019).

Neurociência organizacional: avaliação intrínseca ou


reflexiva

Os dados obtidos por meio de técnicas da neurociência


podem ser divididos em duas categorias: dados intrínsecos
e dados reflexivos. Os dados intrínsecos são aqueles
associados a características estáveis do cérebro, e dizem
respeito tanto a aspectos estruturais quanto funcionais.
Para avaliar isso, faz-se uma avaliação em repouso do sujeito
para avaliar como é sua atividade cerebral “padrão”, e de
que maneira isso se relaciona a características individuais e
estáveis da cognição, afeto e comportamento. Lembre-se: o
fato de alguém estar em repouso não significa que o cérebro
está parado. Só quer dizer que ela não tem que fazer nada
específico enquanto tem sua atividade cerebral registrada.

Os dados reflexivos avaliam características funcionais


da atividade cerebral em resposta a algum estímulo ou
durante alguma atividade específica. Nesse caso, o sujeito
está respondendo a alguma demanda do ambiente, e se avalia
de que maneira o cérebro reage para gerar alguma percepção
ou comportamento. A seguir, vou apresentar os experimentos
intrínsecos e reflexivos apresentados no artigo guia de nosso
e-book, uma revisão sobre neurociência organizacional
(WALDMAN; WARD; BECKER, 2017).
14 Neurociência organizacional: estudos com avaliação
intrínseca

Vamos agora apresentar alguns estudos feitos por meio de


avaliação intrínseca, ou seja, os participantes dos estudos
que apresentarei foram coletados em repouso. Além disso,
vou apresentar os achados de forma sucinta. Caso você
tenha interesse em aprofundar as interpretações de algum
resultado em específico, recomendo buscar o artigo da
citação nas referências, ao final desse e-book.

Um dos primeiros estudos identificados por Waldman, Ward


e Becker (2017) foi um estudo de Peterson e colaboradores
(2008), que investigou a associação entre padrão de EEG
quantitativo e nível de capital psicológico, um constructo
que diz respeito a um conjunto de características de liderança
como esperança, resiliência, confiança e otimismo, e que é
preditor de performance de líderes. Nesse estudo, Peterson
identificou que maiores níveis de capital psicológico estavam
associados com maior ativação de córtex pré-frontal
esquerdo durante repouso, enquanto menores níveis de
capital psicológico estavam associados a maior ativação de
córtex pré-frontal e amígadala do hemisfério direito, ativação
associada pelos autores do estudo a emoções de valência
negativa como ansiedade ou medo, assim como à sua
regulação.

Balthazard e colaboradores (2012) investigaram, por meio


de EEG em repouso, diferenças na atividade neural entre
líderes transformacionais e não-transformacionais. Para
isto, aplicaram o questionário de liderança multifator
para colegas e funcionários de 200 líderes, um instrumento
utilizado para identificar características de um líder
transformacional. Por meio de análise discriminante, técnica
usada para classificar dados (nesse caso, os dados de EEG)
de acordo com algum critério (nesse caso, o perfil no MQL),
os autores do estudo identificaram que o EEG conseguia
classificar adequadamente líderes transformacionais com
92,5% de acurácia. Além disso, eles identificaram que
15 líderes tendiam a apresentavam maior atividade em lobo
frontal do cérebro, indicando possivelmente utilização mais
eficiente de recursos cognitivos elaborados associados
a essa região, como funções executivas e habilidades de
regulação. Os autores sugerem que os dados identificados
são assimetricamente opostos aos dados identificados em
pessoas ansiosas, sugerindo que líderes transformacionais
tendem a manter a calma e controlar emoções durante
situações de maior estresse.

O estudo da Hannah e colaboradores (2013), citado no início


desse nosso e-book, comparou perfil eletrofisiológico
e comportamental, por meio de EEG em repouso e de
questionário por auto-relato, respectivamente, de líderes
militares com alto e baixo grau de liderança complexa.
Ambas as medidas de EEG e de teste comportamental
para liderança complexa foram bons preditores de tomada
de decisão adaptativa, essencial para organizações em
cenários complexos e dinâmicos. Líderes militares com maior
grau de complexidade apresentaram menor coerência em
banda alfa em regiões do pré-frontal (áreas ventromedial,
dorsolateral e cingulado anterior), sugerindo utilização de
recursos cognitivos mais elaborados durante processo
decisório. Curiosamente, o teste de EEG foi complementar
ao comportamental para explicar a tomada de decisão
adaptativa, ou seja, um não substituiu o outro, mas ambos
elucidaram aspectos diferentes do processo decisório.
Além disso, esse estudo sugere que os padrões de EEG
identificados podem servir tanto como forma complementar
de avaliar liderança complexa (além do teste psicométrico)
como guia para avaliar treinamentos dessa habilidade, como
se fosse um “termômetro”.

Um outro estudo por Waldman, Balthazard e Peterson (2011)


investigou padrão de EEG associado a liderança visionária de
teor social em comparação à não-social. Os líderes com maior
grau de liderança visionária social foram elencados como
mais inspiradores e carismáticos. Além disso, tais líderes
demonstraram maior conectividade neural em áreas do pré-
16 frontal direito. Outro estudo por Waldman e colaboradores
(2017b) identificou que algumas características da rede neural
em modo padrão eram preditoras de liderança ética.

! Em suma, os estudos aqui apresentados demonstraram que


as medidas eletrofisiológicas em repouso eram preditoras
de habilidades associadas a liderança, podendo servir como
método para avaliação destas em casos de treinamento.
Além disso, a partir dos dados eletrofisiológicos, foi possível
interpretar de que forma áreas envolvidas com emoções
(ex.: amígdala) ou com controle cognitivo (ex.: pré-frontal
dorsolateral) poderiam estar associadas a características de
liderança, permitindo elucidar melhor seus mecanismos.

Neurociência organizacional: estudos com avaliação


reflexiva

Vou agora listar os estudos reflexivos, os quais avaliaram a


atividade neural em resposta a algum estímulo. Um estudo
de Waldman e colaboradores (2015) investigou a atividade
cerebral corrente de vários times de estudantes de MBA
para associar com características de liderança emergente,
ou seja, quando pessoas assumem papel de liderança de
forma espontânea. Em cada um dos times avaliados, o EEG
foi calibrado para cada indivíduo, de forma que indicasse
níveis altos e baixos de atenção e ativação fisiológica (quão
+ O experimento
desperto ou “ligado” alguém está), de modo a normalizar
com os estudantes
de MBA foi esses dados e poder comparar com níveis de atenção e
surpreendente ativação dos outros indivíduos do time.
porque foi o mais
“natural” e próximo O time era então convidado a resolver um caso hipotético
da realidade
de responsabilidade social da empresa. Ao final da reunião,
possível. Quando
um experimento, os participantes do time respondiam um questionário
seja por seu sobre liderança emergente, sinalizando os indivíduos que
método ou por seus assumiram o papel de líder. Os autores do estudo analisaram
instrumentos, simula os dados de EEG e perceberam que os líderes emergentes
situações próximas
eliciavam naturalmente maior atenção e ativação das pessoas
do cotidiano (ou
naturais), diz-se
do time quando falavam. O EEG foi excelente nesse caso,
que tem validade pois não atrapalhou o desempenho do time e permitiu ver
ecológica. flutuação de atenção e ativação ao longo do experimento.
17 Na mesma linha do estudo de Waldman e colaboradores
(2015), um outro experimento de Stevens e colaboradores
(2012) investigou a interação entre membros de
equipes de marinheiros de submarino por meio de EEG
quantitativo. Analisando padrão de sincronização de EEG
entre os membros de cada equipe durante uma tarefa de
navegação, esse estudo identificou maior engajamento
sincronizado do time em diferentes bandas, como alfa
e gama, respectivamente, nos períodos com rotina ou
mudança de atividade. Times com maior resiliência
(medida comportamental feita por um avaliador externo)
demonstraram períodos mais curtos e de menor magnitude
na sincronização do EEG, em comparação aos times menos
resilientes, o que pode estar associado a maior flexibilidade
cognitiva por parte daqueles.

Os outros experimentos citados por Waldman, Ward e Beck


(2017) foram feitos com IRMf. Um primeiro, de Boyatzis e
colaboradores (2012), pediu para executivos lembrarem de
líderes ressonantes ou dissonantes, enquanto investigava
padrão de ativação de regiões de seus cérebros, em
particular de regiões envolvidas com a rede neural em modo
padrão (RNMP). O padrão de ativação nos dois casos foi bem
distinto: no caso de líderes ressonantes, houve persistência
da atividade de RNMP, além de maior atividade de regiões
associadas a emoções positivas; enquanto para os líderes
dissonantes houve diminuição de atividade de RNMP e
aumento de atividades associadas a emoções negativas.

! Outros dois experimentos investigaram o efeito de ouvir


discursos de liderança inspiradora em comparação
a não-inspiradora na atividade cerebral, também por
meio de IMRf. O primeiro experimento foi realizado por
Jack e colaboradores (2013) e investigou participantes
na ressonância magnética funcional enquanto ouviam
uma sessão de coaching que foi classificada por eles
como inspiradora ou não-inspiradora. Os pesquisadores
detectaram atividade cerebral distinta entre os dois tipos
de mensagens, com atividade associada a processamento
18 global de informação e abertura social e emocional para
mensagens inspiradoras (ativação bilateral em área occipital
e região temporal posterior), além de atividade cerebral
associada a emoções negativas e comportamento de
evitação em resposta às mensagens não-inspiradoras (com
ativação de ínsula e atividade assimétrica do pré-frontal).

O outro estudo sobre liderança inspiradora foi realizado por


Molenberghs e colaboradores (2015) e investigou o efeito
em participantes de discurso inspirador (com foco no
coletivo) e não-inspirador (com foco egocêntrico) de
líderes que poderiam ser do endogrupo (do inglês ingroup)
e do exogrupo (do inglês outgroup). Os pesquisadores
perceberam que ambos os discursos inspiradores de líderes
do endogrupo e discursos não-inspiradores de líderes do
exogrupo levaram a maior atividade de regiões do cérebro
associadas a processamento semântico (áreas do frontal e
temporal esquerdo), o que levou a maior significado pessoal
e memorização dessas mensagens. Importante atentar que
mensagens inspiradoras do líder do endogrupo eliciaram
emoções positivas, enquanto mensagens não-motivadoras do
líder do exogrupo eliciaram emoções negativas.

Essa diferença no tipo de mensagem atentada entre líderes


do endogrupo e do exogrupo ocorreu possivelmente por estar
de acordo com as expectativas dos participantes de que seus
líderes seriam mais carismáticos e inspiradores, enquanto os
líderes de grupos externos seriam o oposto. Quando líderes
do endogrupo apresentaram discursos não-inspiradores,
isso levou à ativação de áreas envolvidas com deliberação
cognitiva, sugerindo possivelmente que eles estavam
avaliando as intenções desse líder. Mensagens inspiradoras
de líderes do exogrupo eram simplesmente ignoradas.

+ Os seres humanos utilizam processos cognitivos, afetivos


e comportamentais distintos quando interagem com
pessoas do endogrupo e do exogrupo. Endogrupo são
aqueles grupos sociais com os quais nos identificamos e
temos afinidade afetiva, tanto grupos que já pertencemos
19 quanto aqueles que gostaríamos de pertencer. Exogrupos
são grupos que acreditamos ser diferentes de nós, e com
os quais não temos identificação e pelo qual não nutrimos
afeto, ou podemos até mesmo sentir aversão. No geral,
demonstramos favoritismo por pessoas do endogrupo, e
situações de conflito ou de competição por recurso podem
levar ao exacerbamento dessa distinção que sentimos
entre endo e exogrupo. Também percebemos ações do
endrogrupo como mais justas e mais corretas, enquanto
tendemos a perceber mais ações erradas ou injustas do
exogrupo. Entendeu agora por que você e seu amigo que
torce para outro time parecem não se entender quando vão
relembrar aquela partida de futebol decisiva?

Por fim, outros estudos realizados em outras áreas da


neurociência têm servido para criar insights dentro da
neurociência organizacional, como os estudos com tomada
de decisão, estilos de justiça, padrão de agressividade em
resposta à supressão de emoções negativas, entre outros
(WALDMAN; WARD; BECKER, 2017).

Neurociência organizacional: Futuros possíveis

Tendo em vista o que foi pesquisado, é possível indicar


quais os desafios e projetos para a neurociência
organizacional no futuro. Primeiramente, os estudos
supracitados são relativamente recentes, ou seja, ainda
temos um longo caminho de pesquisas pela frente. Tais
estudos têm demonstrado que um dos principais tópicos da
neurociência organizacional é a investigação das bases
neurofisiológicas de constructos como motivação,
liderança, tomada de decisão etc. A partir de tais bases,
será possível derivar quais processos afetivos e cognitivos
estão envolvidos com cada um desses constructos por meio
da atividade de algumas áreas ou redes neurais específicas,
como, por exemplo, ínsula, amígdala ou regiões do pré-
frontal. Desta forma, é de se esperar que os estudos no
futuro tendam cada vez mais a esmiuçar, por meio de EEG
e IRMf, dados neurofisiológicos que ajudem a identificar
20 e caracterizar tais constructos, e sirvam como forma
de rastreio fácil e rápido para avaliar a eficiência de
treinamentos, testar desempenho de profissionais
perante situações simuladas para identificar talentos,
ou mesmo utilizar para rastreio de pessoas com perfil
antissocial e que possam representar risco para uma
equipe ou instituição.

Outra contribuição notável na área são os poucos


experimentos com EEG em grupo, avaliando sinais que
consigam representar desempenho de times. Avaliação
simultânea de um grupo é algo complexo, até mesmo
por métodos comportamentais, pois depende de relato
do próprio time ou de avaliação de comportamento por
terceiros, e em ambos os casos existem vieses que podem
comprometer uma medição objetiva. Por isso, as técnicas de
hiperescaneamento com EEG têm permitido uma avaliação
em tempo real de sinais eletrofisiológicos que indicam nível
de engajamento atencional e memorização, ou ainda por
avaliação de medidas como sincronização de EEG. Estes
dados podem ser correlacionados com o sucesso do grupo
em resolver um problema em equipe, ou com a identificação
de papéis de liderança, ou de reações emocionais associadas
ao processo como um todo. Dessa forma, é possível imaginar
nos próximos anos o aumento de pesquisas que investiguem
desempenho em grupo, ainda mais devido ao aumento do
poder computacional e do barateamento de tecnologias de
EEG. O hiperescaneamento poderá, também, ser feito por
meio de IRMf, apesar de os experimentos com EEG serem
mais ecológicos e baratos.

Neurociência organizacional: Questões éticas e outros


desafios

! É importante apresentar algumas questões éticas envolvidas


com a aplicação de métodos neurocientíficos no âmbito
organizacional. A questão mais importante e comum a
qualquer instituição onde se aplique neurociência tem a
ver com a forma que os dados obtidos serão utilizados.
21 É importante lembrar que tais dados são implícitos,
e que alguns desses dados podem ser captados sem
consentimento da pessoa. Por exemplo, uma empresa
poderia propor um teste para avaliar liderança e, ao mesmo
tempo, obter dados que sugerissem a presença de algum
transtorno ou alteração que o participante não gostaria de
expor. Ou também é possível que, no futuro, tais dados
neurocientíficos sejam usados como forma de discriminar
pessoas em um processo de seleção para um cargo em uma
empresa (WALDMAN; WARD; BECKER, 2017).

Por exemplo, no futuro poderemos rastrear padrões de


atividade cerebral que sinalizem maiores riscos de alguém
desenvolver transtornos psiquiátricos como ansiedade ou
depressão, e uma empresa poderia barrar de forma ilícita
a contratação de alguém só por causa desse risco. Outras
questões seriam sobre a obrigação de submeter funcionários
a testes dessa natureza, sendo necessário criar leis para
regular como e quando as empresas poderiam fazer isso,
e como poderiam armazenar ou utilizar tais dados. Pode
parecer um absurdo hoje, mas não é improvável que o
advento da inteligência artificial, da computação quântica
e de sistemas de IRMf mais compactos permitam no futuro
coisas como visualizar o que uma pessoa está imaginando ou
pensando (ex.: SCHOENMAKERS et al., 2013).

Além dessa questão ética, existem alguns desafios para


conseguir implementar adequadamente os conhecimentos
científicos nas organizações. Um deles é o reducionismo
excessivo, de forma a achar que a neurociência vai
solucionar todas as questões e problemas das organizações.
É importante lembrar que muitas vezes a própria psicologia
já explica tão bem ou melhor muitos dos problemas
nessa área, já que podem ser resolvidos com pesquisas
comportamentais. Lembre-se: cada problema tem uma
solução específica, com métodos específicos, e nem tudo
a neurociência vai resolver. Além disso, a utilização de
métodos neurocientíficos é muito cara e trabalhosa, sendo
muitas vezes proibitivo o valor de utilizar tais métodos.
22 Nesses casos, seria melhor investir em uma pesquisa
comportamental bem-feita e com uma amostra muito maior
(WALDMAN; WARD; BECKER, 2017).

Existe ainda o risco de a neurociência confundir mais do


que explicar, por meio de interpretação errada dos seus
dados, como ocorre nos casos de inferência inversa. O que
é inferência inversa? Vou dar um exemplo que vai deixar
claro. Em uma pesquisa sobre dor social, eu detectei que a
ínsula anterior estava mais ativada. Depois, em outra pesquisa
sobre injustiça, detectei que a mesma região da ínsula estava
novamente mais ativada e, devido ao experimento passado,
atribuo essa ativação ao participante ter, de alguma forma,
sentido dor. Nesse caso, eu fiz uma inferência inversa, ou
seja, a partir de um dado específico sobre uma área do
cérebro, infiro que, se ela está ativa, o mesmo processo deve
estar ocorrendo.

Contudo, o cérebro funciona com a atividade em rede


de várias regiões e muitas vezes uma mesma área está
envolvida em diversas funções, como é o caso da própria
ínsula. A amígdala, por exemplo, não ativa só para risco ou
medo, mas inclusive para emoções positivas também. Os
próprios estudos aqui apresentados nesse e-book exigem
cautela, uma vez que são estudos preliminares e podem
estar interpretando os dados neurofisiológicos de forma
inadequada, cometendo esse viés de inferência inversa ou
reversa (NATHAN & DEL PINAL, 2017).
23
Síntese

Neste e-book, tivemos uma primeira experiência da


aplicação da neurociência em uma instituição. Nesse caso,
em organizações de trabalho como empresas ou indústrias.
Foi possível demonstrar que uma das principais vantagens
de utilizar técnicas neurocientíficas é conseguir detectar as
bases neurofisiológicas de constructos como motivação,
habilidades de liderança. Isso tem permitido idealizar que,
em breve, poderemos ter indicadores biológicos (chamei
de marcadores somáticos) de muitas dessas habilidades
que são avaliadas por meio comportamental. Uma das
claras vantagens disso é conseguir avaliar de forma mais
precisa essas habilidades, tendo em vista que a resposta
comportamental é passível de erros ou engodos.

Também demonstramos as principais técnicas utilizadas, de


IRMf e EEG quantitativo. Elas têm sido aplicadas para dois
tipos principais de estudos, avaliação intrínseca e reflexiva.
A primeira para buscar características estáveis da atividade
cerebral, sendo registrada com o paciente em repouso e
depois associada a alguma característica dele (ex.: traço
de personalidade), e a segunda utilizada para investigar a
atividade cerebral em resposta a algum estímulo ou demanda
do ambiente. Demos alguns exemplos dos estudos na área
apresentados no trabalho de Waldman, Ward e Becker (2017).
Por exemplo, vimos a investigação das bases neurobiológicas
de liderança complexa, carismática e inspiradora, ou então
a avaliação de EEG de times solucionando problemas, para
identificar sinais que representem times resilientes ou
apontem formação espontânea de líderes.

Por fim, debatemos também alguns problemas éticos reais,


como o uso de dados implícitos obtidos de participantes
e que podem ser usados de forma a discriminá-los,
prejudicando-os em uma seleção ou avaliação. Como todo
24 e qualquer conhecimento científico, é possível aplicá-lo
para coisas benéficas ou para o mal. Também falamos dos
desafios, principalmente do reducionismo excessivo e da
interpretação inadequada por meio de inferência inversa.

Agora que terminamos, tome um tempo pensando bem


nessas ideias que aqui apresentei. Pegue as ideias do seu
brainstorm e pense agora em quais seriam viáveis, de que
maneira essas ideias poderiam ser implementadas, e onde
e como poderiam ser aplicadas. Além disso, quais outros
riscos e vantagens você imaginaria para a neurociência nas
organizações? Anote isso tudo em um caderno, lembre-se
de que teremos um fórum na semana da sexta trilha, em que
vamos debater todas essas ideias em detalhes. Boa semana e
bons estudos!
25
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and non-transformational leaders on the basis of neurological
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Universidade Presbiteriana

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