HIPÁTIA E A PERSEGUICÃO MORTAL
HIPÁTIA E A PERSEGUICÃO MORTAL
HIPÁTIA E A PERSEGUICÃO MORTAL
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A
história de Hipá�a é muito mais do seguindo e eliminando todos aqueles que
que somente a biografia de uma in- podem contrariar seus ideais. Em nenhum
telectual da an�guidade romana. momento da história estes poderes buscaram
bem estar social, empa�a e harmonia para a
Neste ar�go é possível entendermos que
população dominada.
mesmo com influência, conhecimento e des-
taque na sociedade, há inúmeras dificuldades Sendo geralmente contra a liberdade, a
e perseguição às mulheres fortes e indepen- individualidade, a democracia, o pensamento
dentes. Além de ser um exemplo de ví�ma da livre e a construção do conhecimento.
intolerância religiosa e servir de modelo para
entendermos a importância do Estado Laico. As mulheres da an�guidade mediterrânica
�nham raras oportunidades de buscar por co-
nhecimento - Filosofia; Polí�ca; Matemá�ca;
É preciso compreender que uma ideolo- História; Astronomia, Conhecimentos milita-
gia polí�ca ou religiosa quando assume os res; Diplomacia; Linguagens; Conhecimentos
poderes de uma sociedade tende a se tornar Navais; etc - Mas Hipá�a era filha de Théon de
Alexandria, um importante filosofo e astrô-
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nomo da época, apaixonado por comentar e Hipá�a foi uma das pessoas responsáveis
estudar as obras de Euclides1, incen�vando e pela invenção do astrolábio, instrumento na-
envolvendo a filha em seus trabalhos e apre- val usado até o século XIX para determinar a
sentações.
altura do Sol e das estrelas e medir a la�tude
Provavelmente nascida em 351 ou 370 e longitude do lugar onde está o observador.
d.C., considerada a primeira matemá�ca que Também ajudou a projetar o hidroscópio, um
se tem conhecimento, Hipá�a (Ὑπατία) de
Alexandria também era filosofa, professora, antepassado do hidrometro, usado para me-
conferencista e atleta. Buscava os ideais neo- dir líquidos e encontrar lençóis freá�cos.
platônicos de liberdade de pensamento, com
uma dedicação impressionante, seguindo o Mas Théon e sua filha viviam no período
pensamento filosófico grego de corpo são e pós I Concílio de Niceia (325 d.C.) quando o
mente sã.
Império Romano passa por inúmeros confli-
Não há registros de que Hipá�a tenha �do tos polí�cos e religiosos, devido a sua grande
algum companheiro ou formado família, acre- extensão e a agressividade do cris�anismo
ditamos que a estudiosa fez uma espécie de contra judeus e representantes dos an�gos
voto celibatário.
cultos politeístas do mediterrâneo.
Estudou na Academia de Alexandria du-
rante alguns anos e completou seus estudos Em meio a estes conflitos, �vemos a di-
na Academia Neoplatônica na Grécia, onde se visão entre Roma e Constan�nopla em 364
destacou e retornou para o Egito como pro- d.C., a determinação imposta pelo Imperador
fessora da Academia de origem. Alguns anos
mais tarde foi nomeada Diretora da ins�tui- Teodósio I em tornar o cris�anismo a religião
ção. oficial do Império e as ordens de destruição
de todos os templos não cristãos em todos os
Por toda sua dedicação e paixão pelos territórios romanos em 391 d.C.
seus estudos e pelo trabalho de Théon, a nos-
sa personagem histórica passa a ser mentora
e conselheira da aristocracia alexandrina. Na As ordens do Imperador e do Patriarca
maioria homens de famílias poderosas na es- de Alexandria, Teófilo, incluíam a demolição
trutura polí�ca, religiosa e militar do Império do Templo de Serápis, onde Théon guardava
Romano no século IV e V.
os úl�mos pergaminhos da An�ga Biblioteca
Também foi admirada por outros intelec- de Alexandria (queimada na invasão romana
tuais da época. A exemplo do filósofo Dama- durante o governo de Cleópatra VII por vol-
cius e do historiador grego Sócrates Escolás- ta de 48 a.C.), com todos os pergaminhos de
�co.
Euclides e boa parte da produção de conheci-
"Ela não se contentou com a educação mento daquele período, inclusive do próprio
matemática que poderia receber de seu guardião e de sua filha.
pai. Seu nobre entusiasmo a conduziu a
outras fronteiras da filosofia." Alguns admiradores de Hipá�a ainda ten-
- Damacius - taram ar�cular alterna�vas para o processo
de cris�anização de Alexandria, inclusive o
"Obteve tais conhecimentos em
Bispo de Cirene (região vizinha ao Egito, no
literatura e ciência, que sobrepassou
muito todos os filósofos de sua época. Norte da África). Sinésio era um bispo de con-
Explicava os princípios da filosofia aos fiança do Patriarca de Alexandria e foi aluno
ouvintes, muitos dos quais vinham de de Hipá�a, ficando famoso por mesclar o
longe para receber sua instrução." pensamento neoplatônico com a doutrina da
- Socrátes Escolástico - trindade cristã.
1 Euclides foi um matemático grego, nascido no século III a.C. e conhecido como o pai da Geometria.
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Em espaços públicos, como as an�gas a morte. Para finalizar o ato, o grupo arrancou
Ágora gregas, Hipá�a falava sobre Platão e a pele dela com conchas e cacos de telha para
logo depois esquartejá-la e grotescamente
Aristóteles para quem quisesse ouvir e defen- simularem um ritual de oferenda aos deuses
dia o pensamento livre e o debate filosófico an�gos como forma de deboche e ainda quei-
para a construção do conhecimento. Tendo maram os restos mortais da filosofa.
como ponto forte a oratória e a retórica.
Após o assassinato de Hipá�a e o faleci-
Alexandria era governada pelo Prefeito mento do Patriarca de Alexandria, a Igreja o
Imperial, Orestes, que nutria uma imensa ad- san�ficou por ter conseguido cris�anizar o
miração pela diretora da Academia de Alexan- Egito, tornou-se São Cirilo de Alexandria.
dria e conseguia conter os ataques do Bispo
Teófilo contra as ideias neoplatônicas da filo- Hoje Hipá�a é um dos símbolos do femi-
sofa, que apresentava claramente discursos e nismo e a data da sua morte coincide com
pensamentos contrários a dominação cristã. a tragedia de 1857 em Nova York, onde mu-
lheres protestavam por mais igualdade de di-
Mas em 412 d.C. com o falecimento de Te- reitos e foram massacradas pela polícia. Por
ófilo, seu sobrinho Cirilo assumiu o patriarca- causa de Hipá�a e de outras centenas de mu-
do de Alexandria com maior hos�lidade con- lheres que lutaram por igualdade e liberdade,
tra os não cristãos da região. Estabelecendo o dia 8 de março foi oficializado como o dia
uma disputa por ordem e poder na cidade, Internacional da Mulher, mas somente a par-
entre o novo Patriarca e o Prefeito Imperial. �r 1975 pela ONU.
Mesmo sendo cristão, Orestes não queria Depois de muitos séculos a Igreja Católi-
dar poderes e força para a Igreja, mantendo o ca reconheceu as suas an�gas atrocidades e
controle da cidade em suas mãos. pediu perdão por muitos de seus atos crimi-
nosos contra a humanidade. O principal por-
Em um conflito entre judeus extremistas e ta voz deste discurso de perdão foi o Papa
cristãos houve um massacre e Cirilo ordenou João Paulo II que pregava a paz e a harmonia,
a expulsão de todos os judeus da cidade. Dei- lutando até mesmo pela libertação de países
xando Orestes furioso e levando-o a comuni- sovié�cos durante a Guerra Fria.
car a interferência do Patriarca ao governo de
Constan�nopla. O sucesso de João Paulo II, Bento XVI, re-
conheceu e elogiou, em 2007, o governo de
Cada vez mais o cris�anismo dominava a Cirilo de Alexandria e ordenou a construção
cidade através de discurso de ódio e prá�cas da Igreja de São Cirilo em Roma. Mas recen-
violentas incen�vadas pelo Patriarca de Ale- temente foi erguido um jardim aos arredores
xandria e ignorado pelo poder polí�co roma- da Igreja e nomeado de Hipá�a, para nunca
no. esquecermos desta história.
Em meio ao clima tenso que se seguiu, Em 2009 foi lançado o filme Alexandria
Orestes foi acusado de não ser um verdadeiro (Ágora), uma produção espanhola que conta
cristão e de ser influenciado por Hipá�a con- a história de Hipá�a. Uma produção cinema-
tra a igreja. Pois ela era politeísta e pregava tográfica de alta qualidade e com uma avalia-
constantemente contra Cirilo e a Igreja. ção de 85%. Mesmo sendo proibido no Egito
e tendo sofrido com a censura religiosa na Itá-
Após inúmeras crí�cas e ameaças, o Pre- lia e nos Estados Unidos.
feito Imperial abandonou o apoio e a defe-
sa que dava a Hipá�a. Pedindo para que ela Vale deixar claro que a Igreja, o cris�a-
abandonasse as suas prá�cas intelectuais e nismo e a humanidade passou por inúmeras
convertesse ao cris�anismo, deixando os deu- experiencias e transformações até chegarmos
no momento atual, que é marcado por inten-
ses an�gos. Mas forte e guerreira, ela recusou sas mudanças e debates. Hoje a mulher ainda
a proposta do ex-aluno e admirador. passa por diversas dificuldades, mas tem mui-
to mais voz e par�cipação na sociedade, prin-
Enfim, em 8 de março de 415 d.C. uma tur- cipalmente por todas aquelas que lutaram
ba de cristãos furiosos cercaram a carruagem por liberdade e igualdade anteriormente na
de Hipá�a e a arrastara, até uma igreja próxi- nossa história. Temos muito o que aprender
ma, re�raram sua túnica e a espancaram até e lutar ainda.
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Fonte:
https://www.bbc.com/portuguese/ge-
ral-46501897
h�ps://rainhastragicas.com/2017/03/07/hi-
pa�a-de-alexandria/
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/
565656-hipa�a-a-primeira-mulher-vi�ma-de-
-um-crime-poli�co