TRABALHO DE FILOSOFIA DE DIREITO E METODOLOGIA JURÍDICA

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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO A DISTȂNCIA

Departamento de Ciências de Educação

Curso de Licenciatura em Ensino de Direito

Tema:Hermenêutica ou Interpretação do Direito

Trabalho de campo a ser submetido


na coordenação do curso de
Licenciatura em Ensino de Direito do
ISCED.

Tutor: Grácio Muchanga

Issufo Mussa código de estudante:96210215

Lichinga Março de 2023


Índice

Introdução ………………………………………………………………………..….02
1.Conceitos de Hermenêutica …………………………………………...........…....03

2. Conceito de Interpretação………………………………………………………04

3. Necessidade da Interpretação ……………………………………..………..….04

4. Espécies de Interpretação………………………………………………...…....06

5. Métodos de Interpretação………………………………………………...…....06

6. Efeitos ou Resultados da Interpretação …………………................................07

7. Escolas de Interpretação………………………………………………….……07

7.2 Escola histórico-evolutivo…………………………………………………….08

7.3 Escola da livre Investigação Científica do Direito………………………….09

8. Compreensão Actual da Interpretação do Direito…………………….…..…11

8.1 Carácter Unitário do acto Interpretativo…………………………………...11

8.4 A Hermenêutica Total ……………………………………………………......13

Considerações Finais ……………………………………………………………..14

Bibliografia…………………………………………………………………….....15
INTRODUÇÃO

A Hermenêutica Jurídica, entendida como sistema de directrizes voltadas à orientação


da actividade interpretativa, desempenha papel primordial no momento de aplicar-se o
direito ao caso concreto. Para estudarmos melhor o tema, vamos iniciar
compreendendo os conceitos de hermenêutica e de interpretação.
1.CONCEITOS DE HERMENÊUTICA

As leis são formuladas em termos gerais e abstractos, para que se possam estender a
todos os casos da mesma espécie. Passar do texto abstracto ao caso concreto, ou seja,
da norma jurídica ao fato real, é tarefa do aplicador do direito, seja ele juiz, advogado,
tabelião, administrador ou contratante.

Nessa tarefa, o primeiro trabalho consiste em fixar o sentido e o alcance ou extensão


da norma jurídica. É o trabalho de hermenêutica, interpretação do direito.

É usual o emprego dos termos "interpretação" e "hermenêutica", como sinónimos,


porém, há divergência doutrinária quanto ao significado do termo Hermenêutica
Jurídica. Miguel Reale utiliza o termo como sinónimo de interpretação do Direito, em
suas "Lições Preliminares de Direito".

Carlos Maximiliano faz uma distinção entre ambos entendendo que a "Hermenêutica
Jurídica" tem por objecto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para
determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito, enquanto a "interpretação"
seria apenas a aplicação prática da hermenêutica visando determinar o sentido e o
alcance das expressões do Direito.

António Betioli dá um sentido mais amplo ao termo “hermenêutica jurídica”,


entendendo que este abrange a interpretação, a aplicação e a integração do Direito. A
Hermenêutica Jurídica seria "a teoria científica da arte de interpretar, aplicar e integrar
o direito".
Por fim, o prof. Raimundo Bezerra Falcão vê a Hermenêutica como a pesquisa ou o
conhecimento referentes às estruturas e ao funcionamento da interpretação: in verbis:
"Se a actividade ou o simples ato de captação do sentido é a interpretação, as regras
pelas quais ela se opera e o entendimento de suas estruturas e do seu funcionamento,
enfim, o entendimento dos seus labirintos é a Hermenêutica. Se trata de conceito em
que a Hermenêutica será focalizada como sendo um sistema de directrizes voltadas à
orientação da actividade interpretativa, a fim de que esta não se deixe levar de roldão
pelo sentido, dada a inesgotabilidade deste, que é capaz de provocar desvios na função
social da interpretação – princípio este, a que outorgamos especial relevo. A escolha
entre as diversas alternativas de interpretação há de estar voltada para o alcance social
que a aplicação do sentido, assim captado, possa ter" ( in "Hermenêutica", 1997,
Malheiros Editores.

2. CONCEITO DE INTERPRETAÇÃO

Interpretar é fixar o sentido e o alcance de uma norma jurídica, ou seja, revelar seu
conteúdo e alcance. Temos, assim, três elementos que integram o conceito de
interpretação:

a) Revelar o seu sentido: significa conhecer o significado das palavras e descobrir a


finalidade da norma jurídica, ou seja, compreender os fins que a norma visa regular.
(ex: férias, jornada de trabalho, etc.)

b) Fixar o seu alcance: significa delimitar o seu campo de incidência; é conhecer sobre
que fatos sociais e em que circunstâncias a norma jurídica tem aplicação.

c) Norma Jurídica: Todas as normas jurídicas podem ser objecto de interpretação: as


legais (D. positivo), as jurisdicionais (sentenças judiciais), as costumeiras e os
negócios jurídicos (D. Contratual).

3. NECESSIDADE DA INTERPRETAÇÃO

No passado alguns entenderam que não havia a necessidade de interpretação quando a


norma era clara. É o que diz o brocardo latino "In claris cessat interpretatio".
Hoje há consenso de que a interpretação é sempre necessária, sejam obscuras ou claras
as palavras da lei ou de qualquer outra norma. É sempre preciso determinar seu
sentido e alcance.

Naturalmente, quando o texto é claro, a interpretação é mais fácil e surge


espontaneamente. Mas quando o texto é obscuro a interpretação é mais difícil e por
isso sua necessidade se evidencia.
Betioli cita três razões para demonstrar que a interpretação é sempre necessária:

1) O conceito de clareza é muito relativo e subjectivo, ou seja, o que parece claro a


alguém pode ser obscuro para outrem;

2) Uma palavra pode ser clara segundo a linguagem comum e ter, entretanto, um
significado próprio e técnico diferente do seu sentido vulgar. (ex: a competência do
Juiz);

3) A consagração legislativa dos princípios contidos no art. 5º da LICC significa uma


repulsa ao referido brocardo, já que toda e qualquer aplicação das leis deverão
conformar-se aos seus "fins sociais e às exigências do bem comum"; ora, se em todas
as leis o intérprete não poderá deixar de considerar seus fins sociais e as exigências do
bem comum, todas as leis necessitam de interpretação visando à descoberta dos
mesmos.
Como ensina Recaséns Siches, trazido à colação por Alípio Silveira:

A interpretação das normas jurídicas, mesmo das que parecem mais claras e
completas, exige a referência a princípios axiológicos, a critérios valorativos, os quais
muitas vezes estão apenas implícitos no texto da lei. E se tais critérios valorativos ou
guias axiológicos não fossem empregados, então se desembocaria em monstruosas
injustiças, e às vezes, até em becos sem saída. Isso significa que uma ordem jurídica
positiva não pode funcionar atendo-se exclusivamente ao que está nela formulado
verbalmente. Para que uma ordem jurídica funcione satisfatoriamente, é muitas vezes
indispensável recorrer a princípios ou critérios não formulados explicitamente, a
critérios implícitos, mas que devem operar como postulados inelutáveis.

Concluindo Alípio Silveira que "o texto de uma norma jurídica - legislativa,
regulamentar, judicial - tem de ser interpretado em função do fim para o qual foi
editada, e sempre em conexão com o sentido e o alcance dos fatos particulares em
questão, referidos à finalidade da mesma" ( Hermenêutica Jurídica, Seus Princípios
Fundamentais no Direito Brasileiro.
Desse sentir não parece discrepar Carlos Maximiliano:

Desde que a interpretação pelos processos tradicionais conduz à injustiça flagrante,


incoerências do legislador, contradição consigo mesmo, impossibilidades ou absurdos,
deve-se presumir que foram usadas expressões impróprias, inadequadas, e buscar um
sentido equitativo, lógico e acorde com o sentir geral e o bem presente e futuro da
comunidade.
4. ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO

Quanto à origem ou fonte de onde vem a interpretação, pode ser:

a) LEGAL ou AUTÊNTICA: aquela que se opera através de outra lei, ou seja, quando
se cria uma lei para interpretar outra já existente, é a chamada "Lei Interpretativa".

b) JUDICIAL: a interpretação dada pelas decisões judiciais, ou seja, pelas Sentenças,


Acórdãos e Súmulas dos Tribunais.

c) ADMINISTRATIVA: a interpretação dada pelos órgãos da Administração Pública


em suas decisões, pareceres, despachos, portarias, etc.

d) DOUTRINÁRIAS: aquela realizada pelos doutrinadores e juristas em suas obras e


pareceres. (ex: códigos comentados).

5. MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO

a) LITERAL ou GRAMATICAL: a que toma por base o significado e alcance das


palavras contidas na norma jurídica.

b) LÓGICO-SISTEMÁTICA: busca descobrir o sentido e o alcance das normas a


partir da análise do conjunto do sistema jurídico; busca compreendê-la como parte
integrante de um todo, em conexão com as demais normas jurídicas que com ela se
articulam logicamente. O método lógico-sistemático procura preservar a harmonia e
coerência do sistema legal.

c) HISTÓRICO: parte do questionamento sobre as condições existentes no momento


da elaboração da norma jurídica, bem como das causas que originaram a norma.
d) TELEOLÓGICO, FINALÍSTICO ou SOCIOLÓGICO: busca o fim que a norma
jurídica pretende disciplinar. Essa interpretação baseia-se na adaptação do sentido da
lei às realidades e necessidades sociais actuais.

6. EFEITOS OU RESULTADOS DA INTERPRETAÇÃO:

a) EXTENSIVA: quando o intérprete conclui que o alcance da norma é mais amplo do


que os seus termos. Nesse caso, diz-se que o legislador escreveu menos do que queria
dizer, e o intérprete poderá aplicá-la a determinadas situações não previstas
expressamente em sua letra, mas que nela se encontram, virtualmente incluídas. (ex: o
direito de propriedade deve cumprir função social, portanto pode haver alíquotas
progressivas de IPTU)

b) RESTRITIVA: quando o intérprete restringe o sentido da norma ou limita sua


incidência, concluindo que o legislador escreveu mais do que realmente pretendia
dizer, e assim, o intérprete elimina a amplitude das palavras. (ex: a lei diz
"descendentes", quando queria dizer apenas "filhos")

c) DECLARATIVA, ESPECIFICADORA ou ESTRITA: quando as palavras


expressam, com medida exacta, o espírito da lei, cabendo-lhe apenas constatar esta
coincidência. A interpretação estrita, ou seja, que não deve ser ampliada ou restrita,
deve ser aplicada por ex: quando se trata de leis que impõem penalidades, multas, etc.

7. ESCOLAS DE INTERPRETAÇÃO

Após a promulgação do Código Civil de Napoleão (1804), a questão da interpretação


jurídica ganhou importância e deu origem às diversas correntes de pensamento:
7.1 ESCOLA DA EXEGESE: se formou na França, no séc. 19, ganhando força após
a promulgação do Código Civil de Napoleão Bonaparte (após a Revolução Francesa).
Essa corrente jurídica defendia a ideia de que a única fonte do Direito era a lei,
desprezando assim outras fontes como os usos e costumes, contratos, doutrina e
jurisprudência.
Seus adeptos acreditavam que a lei positiva dava a solução para todos os casos, ou
seja, a lei não apresentava lacunas. O papel do intérprete era apenas o de cumprir o
seu dever de aplicador da lei, de acordo com a vontade original do legislador.

Crítica de Betioli: A tese foi superada, pois o legislador não pode prever todas as
eventuais ocorrências da vida em sociedade, o que resulta em lacunas ou omissões
legais.

Por outro lado, a vontade do legislador, hoje, já não é objecto de pesquisa, pois não se
pode saber com certeza qual era a vontade do autor da lei, se a norma é elaborada por
um Congresso.

Por fim, limitar o Direito às leis elaboradas pelo Estado é recusar outras fontes
fundamentais como o costume jurídico.

As críticas e reacções contra o exagerado legalismo da Escola da Exegese e a


necessidade de se descobrir outras formas de adequação da lei à existência concreta,
deram origem a novos sistemas de interpretação.

7.2 ESCOLA HISTÓRICO-EVOLUTIVA: esta escola, inspirada no jurista Savigny,


no final do séc. 19, atribuía ao intérprete o papel relevante de manter o Direito sempre
actual, de acordo com as exigências sociais.

Essa corrente defendia a ideia de que cabe ao intérprete o trabalho de adaptação do


texto legal às novas realidades e exigências da vida social, através de uma
interpretação actualizadora, ou seja, transportando o pensamento da época da criação
da lei para o presente.

E o faz verificando diante da lei não só o que o legislador quis (sua vontade real), mas
também o que quereria se vivesse nas circunstâncias actuais (intenção possível do
legislador).
Trata-se, entretanto, de uma interpretação não criadora, pois o trabalho do intérprete é
apenas de actualização, sempre se situando no âmbito da lei, não se admitindo
interpretação criadora à margem da lei. O intérprete não cria o Direito, apenas revela
novos aspectos de uma lei antiga.

Crítica de Betioli: Apesar de sua vantagem sobre o método da escola da exegese, o


método histórico-evolutivo também apresenta falhas. Uma primeira deficiência sua é a
de que a elasticidade do texto tem um limite, além do qual não é possível um trabalho
de adaptação das palavras a novas realidades. Uma segunda, é de não apresentar
soluções para os casos de lacunas da lei: como actualizar uma lei que não existe?

7.3 ESCOLA DA LIVRE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA DO DIREITO: criada


pelo jurista francês François Gény, o movimento da "livre pesquisa do Direito" era
uma tentativa de conciliar certas posições clássicas da escola da exegese com as
necessidades do mundo contemporâneo.

Gény combateu o espírito legalista do positivismo jurídico e a concepção de sua


plenitude lógica, demonstrando que a lei é insuficiente para cobrir todos os fatos
sociais.

Verificando que a lei não corresponde mais aos fatos supervenientes, deve-se
reconhecer que existem lacunas na mesma e procurar supri-las por outros meios. O
intérprete e o aplicador devem recorrer a outras fontes, e não forçar o texto a dizer o
que ele não prevê e nem pode ter previsto.

Em suma, deve-se buscar nos costumes, doutrina, jurisprudência e na analogia, os


meios de resolver o caso concreto.

De acordo com esta escola, quando a lei silencia e não existe costume supletivo, o
juiz, uma vez que não pode deixar de sentenciar, deve entregar-se a um trabalho
científico, ou seja, deve realizar uma "livre pesquisa do Direito", com base na
observação dos fatos sociais, para determinar a norma jurídica apropriada ao caso
concreto.
A teoria de Gény autoriza, pois, o juiz a criar a norma aplicável na falta de disposição
legal ou costumeira, porém ao realizar sua pesquisa, o intérprete deve respeitar o
espírito do sistema positivo em vigor; sua liberdade de pesquisa destina-se a editar
normas compatíveis com o ordenamento jurídico; as leis existentes balizam, portanto,
o seu trabalho.

7.4 ESCOLA DO DIREITO LIVRE: a corrente do D. Livre concedia ampla


liberdade ao intérprete, na aplicação do Direito. Se a lei fosse justa, deveria ser
acolhida e aplicada; caso contrário, seria colocada de lado e o intérprete ficaria livre
para aplicar a norma que julgasse estar de acordo com seus critérios de justiça. O lema
era: "A justiça pelo código ou apesar do código".

De acordo com essa corrente, o juiz, além de julgar os fatos, julgava também a lei, em
face dos ideais de justiça; ele possuía o poder de marginalizar leis e criar normas para
casos específicos, com ressalva ao campo do Direito Penal.

Crítica de Betioli: Elogiáveis na corrente do D. Livre foi sua luta pela justiça;
criticável, o meio adoptado para a realização dessa justiça, pois o juiz torna-se como
que o legislador no domínio do caso concreto, caindo-se no pleno arbítrio do
intérprete.

A segurança e a certeza jurídica não exigem, todavia, como ressalta o Prof. Paulo
Nader, o imobilismo do Direito, nem a submissão à literalidade da lei. O que não
comporta é a incerteza jurídica, a improvisação, ou pior ainda, os caprichos do
judiciário.

De facto, não se pode negar o carácter criador da interpretação jurídica, sem que para
tanto se precise adoptar a tese extremada da interpretação "contra legem"; a não ser
quando, como ensina Miguel Reale, o acúmulo dos factos e exigências sociais se
colocar em aberto e permanente contraste com um texto ultrapassado e esquecido,
hipótese em que não se exclui se possa recusar aplicação a uma lei caída em evidente
desuso.
8. COMPREENSÃO ACTUAL DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

8.1 CARÁTER UNITÁRIO DO ACTO INTERPRETATIVO

Actualmente a actividade de interpretar a norma jurídica é vista como uma actividade


única, ou seja, o processo interpretativo é uno e complexo, composto de vários
processos ou momentos, em que se utilizam os vários métodos de interpretação
(gramatical, lógico-sistemático, histórico-evolutivo e teleológico ou finalístico) para a
compreensão de uma norma.

Com efeito, por ocasião do ato de interpretar uma norma, esses métodos se implicam e
se complementam ou se combinam, contribuindo todos para a compreensão do sentido
e do alcance da norma em questão. Às vezes pode ocorrer a preponderância de um
sobre os outros, na medida em que se mostra mais adequado ao entendimento ou
compreensão da norma. (ex: método gramatical ou lógico-sistemático na aplicação de
norma recente)

8.2 TRABALHO CONSTRUTIVO DO INTÉRPRETE

O trabalho do intérprete não se reduz a uma passiva adaptação ou sujeição a um texto


legal, mas representa um trabalho construtivo de natureza axiológica (valorativa).

Diferentemente de outras formas de interpretação como a da história, da literária ou da


musical, o intérprete do Direito não fica preso ao texto, como o historiador aos fatos
passados; e tem mais liberdade do que o pianista diante da partitura. No Direito, ao
contrário, o intérprete pode avançar mais, dando à lei uma significação imprevista,
completamente diversa da esperada ou querida pelo legislador.

Com efeito, segundo o jurista Guilhermo A. Borda:

Assim, a interpretação jurídica tem necessariamente um carácter "lógico" (o que


permite que a interpretação alcance elevado padrão de rigor e segurança), com o que
se afasta do mundo do Direito qualquer interpretação intuitiva ou emocional. Mas ela
não se reduz a meros esquemas formais; trata-se antes duma "lógica valorativa", ou
como fala o jurista Recaséns Siches, "Lógica razoável".

Não é demais repetir a lição do saudoso Prof. Alípio Silveira, invocando Recaséns
Siches:

"A técnica hermenêutica do 'razoável', ou do 'logos do humano', é a que realmente se


ajusta à natureza da interpretação e da adaptação da norma ao caso. A dimensão da
vida humana, dentro da qual se contém o Direito, assim o reclamada. O feiticismo da
norma abstracta aniquila a realidade da vida

8.3 A INTERPRETAÇÃO INTEGRADORA

O jurista Raimundo Falcão ensina o valiosíssimo papel a ser desempenhado pela


chamada interpretação integradora:

"Todavia, quando cogitamos de interpretação integradora, não é da integração lógica


do ordenamento que estamos tratando. Cuidamos de interpretação integradora é no
sentido de tentar fazer o ordenamento atender, no máximo grau possível, às
estimações mais ligadas aos valores efectivamente considerados legítimos pelo
homem, em seu esforço, também legítimo, de ascender no rumo da afirmação dos
verdadeiros destinos da humanidade.

Entendemos por interpretação integradora aquela por cujo intermédio procuramos dar
à linguagem sob que se estampa o ordenamento jurídico condições plenas de
responder às inquietudes e necessidades do homem em cada tempo.
A interpretação integradora é, portanto, uma interpretação de estimações, de
valorações. Axiológica. Já é suficientemente sabido que o ordenamento jurídico é
dotado de plenitude lógica.
Interpretação integradora é a que leva em conta os dois aspectos: plenitude lógica e
plenitude axiológica, forcejando na constante descoberta desta para qualificar aquela
com a verdadeira justiça. É interpretação viva e completa. Viva, porque actuante na
planificação. Completa, porque não só ajustamento de peças normativas, mas também
qualificação valorativa.

8.4 A HERMENÊUTICA TOTAL O prof. Raimundo Falcão após expor


brilhantemente a importância do princípio da "interpretação integradora", indaga:
como chegar-se a ela, se o sentido é inesgotável? Ensina o autor que chega-se à
interpretação integradora por meio da Hermenêutica:
“Esta (a hermenêutica) não se contentará com sua natureza de balizamento para os
resultados da tarefa interpretativa, mas procurará, sem descurar do indivíduo,
qualificar-se com a preocupação voltada ao todo, seja em termos sistémicos, seja em
termos de valores. A Hermenêutica será, portanto, total.
Melhor explicando seu conceito de Hermenêutica Total, ensina o ilustre jurista:

"Em resumo, eis o papel da hermenêutica total: permitir a utilização de todas as


alternativas possíveis de realização do ser humano na justiça, por intermédio do
Direito. E essa missão lhe é imposta pela inesgotabilidade do sentido, a qual, na
mesma proporção em que ratifica a grandeza do homem, pode transviar-lhe o espírito
e, em consequência, a conduta, em face da escolha errada do sentido para si e para
outrem, na permanente interpretação que é a vida. Essa tarefa pode ter dimensões tão
amplas quanto a humanidade o possa também ter. Ou ser. Mas também pode ter
dimensão bem mais específica: visando à realização do homem, na Justiça, por
intermédio do Direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Resta clara a necessidade e importância da hermenêutica e da interpretação jurídica no


ato de dar concretude à norma abstracta, ou seja, no momento do operador do direito
dar aplicabilidade prática ao ordenamento legal.
Resta a pergunta: Por que razão muitos operadores do direito, em especial os juízes e
promotores não levam em conta os fundamentos e princípios básicos, historicamente
construídos pelos estudiosos do direito na hora de aplicar a norma aos casos
concretos?

Com efeito, constatamos que no quotidiano muitos operadores jurídicos se olvidam


dos princípios fundamentais do direito, parecem não lembrar ou não conhecer qual o
real escopo do Poder Judiciário, das normas, enfim do ordenamento jurídico, em
sentido amplo

Parece-nos que o ensino jurídico ministrado nas salas de aula defende uma visão e
postura excessivamente positivista e tecnicista, como defendia Hans Kelsen (Teoria
Pura do Direito), induzindo os futuros operadores do direito a crerem que a ciência
jurídica é, ou deve ser, neutra e que pouca ou nenhuma consideração aos valores
éticos, morais e sociais devem ser levados em conta pelos aplicadores do direito.
Concluímos, pois, que o actual ensino jurídico está permeado por uma visão
ideológica conservadora e positivista que, consciente ou inconscientemente, faz com
que os profissionais do direito assumam uma visão e posturas tecnicistas, olvidando-se
do objectivo maior e mais nobre da aplicação da norma, qual seja, o de distribuir
Justiça, visando o bem comum.

Assim, cria-se um círculo vicioso, em que o aluno recebe um ensinamento


estritamente positivista, em detrimento de uma formação humanista e generosa da
ciência jurídica, sendo certo que após sua graduação ele enfrentará o famoso exame da
O.A.B. em que se exige apenas conhecimentos técnicos de aplicação da letra fria da
lei, na verdade exige-se mais a memorização dos textos legais, o mesmo ocorrendo
nos exames dos concursos para a magistratura, ministério público, procuradorias,
delegado, etc., em detrimento da vocação profissional para essas carreiras, e do
compromisso com as finalidades sociais do direito.

É óbvio que um profissional formado sem uma visão crítica e humana do direito e da
sociedade em que está inserido, tende a repassar tal postura aos demais, inclusive a
seus alunos, fechando assim um pernicioso ciclo vicioso, em que o direito resulta
desconectado com a realidade social, e descompromisso com sua função social.

Urge iniciarmos um processo de resgate dos fundamentos filosóficos e humanistas que


embalaram a doutrina dos grandes juristas supracitados, a fim de fazermos do direito
um instrumento de transformação social, visando o bem comum.

BIBLIOGRAFIA
 BETIOLI, ANTONIO BENTO – Introdução ao Direito", 4ª edição, 1996,
Letras & Letras, p.443
 FALCÃO, RAIMUNDO BEZERRA - Hermenêutica, 1997, Malheiros
Editores.

 MAXIMILIANO, CARLOS - Hermenêutica e Aplicação do Direito, Ed.


Freitas Bastos, 8ª edição, 1965, p. 178/179

 REALE, MIGUEL – Reale, Miguel.. Lições preliminares de Direito 27 ed.


2002, São Paulo: Saraiva.

 SILVEIRA, ALÍPIO - Hermenêutica no Direito Brasileiro, 1968, Ed.


RT,Hermenêutica Jurídica, Seus Princípios Fundamentais no Direito
Brasileiro, vol. 1, Ed. Leia Livros.

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