ANDREOLLI_Uma análise histórico conceitual dos megaeventos esportivos e seus rebatimentos na cidade contemporânea
ANDREOLLI_Uma análise histórico conceitual dos megaeventos esportivos e seus rebatimentos na cidade contemporânea
ANDREOLLI_Uma análise histórico conceitual dos megaeventos esportivos e seus rebatimentos na cidade contemporânea
Reconstruindo conceitos
Deste modo os gpus, muito mais do que grandes estruturas urbanas com impacto
imediato na malha das cidades, devem ser compreendidos enquanto condicionantes
do espaço tempo, refletindo efetivamente a situação urbana de acumulação capi-
talista. Figuram em um cenário cuja economia “contém tanto as capacidades para
uma enorme dispersão e mobilidade geográficas quanto as acentuadas concentrações
territoriais necessárias para administração e manutenção dessa dispersão” (Sassen,
2010, p. 27), ou seja, admitem a expansão e reprodução capitalista ao mesmo
tempo em que assumem posturas de concentração de investimentos, desenvolvendo
cidades com características globais.
As transformações recentes experimentadas pelo sistema capitalista, definindo
a nova reestruturação mundial em torno de questões produtivas e sociais, geraram
inevitáveis impactos nas cidades. Conforme afirmam Castells e Borja (2004, p. 49),
“o novo espaço industrial se organiza em torno de fluxos de informação, separando
e reunindo seus distintos componentes territoriais, segundo os ciclos e segundo as
empresas”. Desta forma, o espaço antes materializado por meio das plantas indus-
triais agora se encontra dissipado em meio ao fluxo informacional, conduzindo ao
abandono áreas da cidade nas quais a consequente reocupação torna-se alternativa
para readequação destas áreas degradadas.
A produção de um cenário determinado por redes de cidades (Santos, 2008)
introduziu novos desafios também na menor escala urbana. Frente a este novo
cenário econômico mundial se destaca a importância de um posicionamento estra-
tégico global por parte das cidades, em vista de possíveis investimentos, assim como
para alcançar patamares mais elevados no mercado competitivo internacional.
Para tanto, os Grandes Projetos Urbanos atuam como dinamizadores espaciais
transescalares, de acordo com Lungo (2011, p. 5), “redefinindo o papel das cidades e
colocando a questão da competitividade da mesma” Sánchez et al. (2004). Também
enumeram esta condição das cidades em incorporar tendências do fenômeno da
globalização por meio de elementos “produzidos com vistas à ampliação de sua
inserção no circuito mundial de valorização”.
Desta forma fica evidente a constituição imagética dos gpus enquanto elementos
necessários para a efetivação da competitividade local no cenário global. Todavia, a
própria condição de impacto imediato na malha urbana já constitui uma justifica-
tiva para o uso desta ferramenta como componente que apresenta “(...) a qualidade
espacial e urbanística (...) de renovação, redefinindo a hierarquia urbana em favor
da região antes degradada” (Somekh & Campos, 2005, p. 3).
São exaltados como ferramentas constituintes desta condição de renovação
urbana, devido ao processo de possível reestruturação de espaços degradados como
observado nos casos de Baltimore, Londres, Barcelona e Bilbao. A reestruturação
promovida por meio da implantação de gpus deve-se, também, à representação
simbólica intrínseca à própria estrutura. Construindo elementos significativos para
os cidadãos, os gpus têm em sua base conceitual, conforme Bonates (2009), a carac-
terística de “arquitetura monumentalista” (p. 62).
Esta condição monumental assumida pelos gpus é assinalada enquanto elemento
necessário para a representação simbólica, pois cria uma relação ufanista entre cida-
dãos e cidade (Vainer, 2000, p. 94), concedendo ao projeto demasiada importância
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reformas urbanas, com impactos diversos, sobre as cidades sedes por conta das infra-
estruturas necessárias para o recebimento do Megaevento.
1980 Fase marcada pela divisão mundial em unidades bipolares gerando conse-
5a FASE
1984 qüências nos Jogos Olímpicos pela descontinuidade histórica
1988 Início da fase dos Grandes Projetos Olímpicos moldados por um ideal de
6a FASE
2016 transformação de cidade e financiamentos globais
Se por um lado a somatória das partes interessadas nos Jogos (tanto grupos da
iniciativa privada como a sociedade civil e governantes) pode contribuir com uma
gestão urbana integrada, unificando diversos grupos de interesses (Andranovich et
al., 2001, p. 127) através de um modelo cooperativo contendo políticas comparti-
lhadas que verdadeiramente orientem para objetivos de reforma urbana, por outro
lado são recorrentes as iniciativas falhas de programas Olímpicos com um cunho
puramente comercial.
Pelas palavras do próprio presidente do Comitê Olímpico Internacional (coi),
Jaques Rogge, quando anuncia que “somos apenas uma organização esportiva, não
a representação de todas as ongs do mundo” ou utilizando afirmação ainda mais
contundente, do Presidente do Comitê de Coordenação do coi, Hein Verbruggen,
“é detestável que as Olimpíadas de Pequim sejam usadas como plataforma para
grupos com agendas políticas ou sociais” (Raeder, 2008, p. 12), percebemos a desco-
nexão entre as necessidades locais, pautada sobre os pilares da justiça urbana e do
direito à cidade, com os interesses comerciais do evento, que busca somente o seu
sucesso e sua consequente reprodução.
A reprodução dos Jogos Olímpicos enquanto ferramentas de promoção da cidade
orientam a uma condição de marketing global, na qual emergem as conexões entre
realidades locais e o cenário global. A condição de evento mais televisionado no
mundo (Short, 2008, p. 324) concede uma característica peculiar as Olimpíadas
que tem, então, o mesmo cenário sendo transmitido simultaneamente nas diversas
partes do planeta. O imediatismo dos Jogos Olímpicos “reconfigura as identidades
nacionais e suas diferenças” (Roche, 2002, p. 3), pois ao mesmo tempo em que
globalizamos as individualidades, mostrando ao mundo as particularidades de cada
lugar, assumimos individualmente o global, inserindo de forma mais profunda as
características de uma cultura de consumo. São exaltados ícones construídos local-
mente, porém carregados de significados globais de venda, promovendo as grandes
empresas patrocinadoras.
Notas finais
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