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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS

DEPARTAMENTO DE FÍSICA

LICENCIATURA EM FÍSICA

INTRODUÇÃO AO FORMALISMO CANÔNICO PARA SISTEMAS VINCULADOS

HENRIQUE COUTO TOLEDO

Professor orientador: Cresus Fonseca de Lima Godinho


HENRIQUE COUTO TOLEDO

INTRODUÇÃO AO FORMALISMO CANÔNICO PARA SISTEMAS VINCULADOS

Monografia apresentada ao Curso de

Graduação em Fı́sica da UFRRJ,

como requisito parcial para obtenção

do tı́tulo de Licenciado em Fı́sica.

SEROPÉDICA, 2013
Agradecimentos

AGRADEÇO a Deus por iluminar meu caminho, me mostrando sempre as decisões

corretas.

AGRADEÇO a minha familia por me apoiar em todos os momentos, sem eles eu ja-

mais teria conseguido chegar onde cheguei, vocês são o maior presente que recebi

na vida.

AGRADEÇO a todos os meus queridos amigos da UFRRJ que estiveram sempre ao

meu lado em todos os momentos.

AGRADEÇO a meu grande mestre e amigo, professor Cresus Godinho por toda a

paciência e orientação.

AGRADEÇO a todos os meus grandes mestres por todos os ensinamentos e orientações

durante esses anos de graduação.

ii
RESUMO

Este trabalho de monografia foi elaborado no intuito de levar ao estudante de Fı́sica,

um método avançado de análise para sistemas fı́sicos não tão triviais à luz da Mecânica

analı́tica. Primeiramente é apresentado um resumo de alguns tópicos de mecânica

analı́tica e em seguida o método conhecido como Algoritmo de Dirac-Bergmann para

sistemas sujeitos a vı́nculos. Também foi feita uma abordagem do fenômeno conhe-

cido por Efeito Hall, clássico e quântico, e a aplicação do método de Dirac-Bergmann

para uma situação limite do Efeito Hall. Por fim, uma breve análise computacional

utilizando FORTRAN, mostrando uma mudança geométrica na Hamiltoniana quando

sujeitamos o sistema a um vı́nculo.

Palavras-chave: Hamiltoniana, Vı́ncluos, Parênteses de Poisson, Parênteses de

Dirac, Comutadores, Efeito Hall.

iii
Conteúdo

1 Formalismo Canônico 5

1.1 Coordenadas generalizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1.2 Deslocamentos virtuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

1.3 Trabalhos virtuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1.4 Equações de Lagrange . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.5 Princı́pio de Hamilton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

1.6 Definindo a função de Hamilton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

1.7 Equações de Hamilton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

1.8 Parênteses de Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

2 Algoritmo de Dirac-Bergmann 24

2.1 Sistemas vinculados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

2.2 Condições de Consistência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

2.3 Vı́nculos de Primeira Classe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

2.4 Vı́nculos de Segunda Classe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

3 Efeito Hall 44

3.1 Efeito Hall Clássico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

3.2 Efeito Hall Quântico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

3.3 Algoritmo de Dirac-Bergmann aplicado

ao Efeito Hall Clássico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

3.4 Comutadores e Vı́nculos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

iv
4 Conclusões 70

5 Apêndice A: Propriedades dos parênteses de Poisson e Dirac 71

5.1 Parênteses de Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

5.2 Parênteses de Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

6 Referências Bibliográficas 73

v
Lista de Figuras

1 Esquematização para a reprodução do Efeito Hall. . . . . . . . . . . . 44

2 Trajetória do portador de carga em um plano complexo. . . . . . . . . 49

3 Gráfico da resistência em função do campo magnético. . . . . . . . . 51

vi
1

Introdução

A ciência foi construı́da ao longo da história por diversos pensadores que tentaram,

sem descanso, entender como a natureza se comporta. Suas contribuições foram

extremamentes importantes para o avanço do pensamento humano. Mas quando

falamos em contribuições, logo nos lembramos de uma das maiores mentes que o

mundo já viu, ou seja, Sir Isaac Newton (1642 − 1727). Newton trabalhou em diversas

áreas da Fı́sica como a Mecânica, Óptica e algumas de suas teorias e postulados

são importantes ferramentas de estudo utilizadas até hoje. Os trabalhos de Newton

sintetizavam de forma tão perfeita toda a ciência feita até então que, durante o século

XVIII e até o advento das equações do Eletromagnetismo de Maxwell em meados do

século XIX, o pensamento cientı́fico foi, em grande parte, a consolidação e o aprimo-

ramento da Mecânica newtoniana. Depois da consolidação da Mecânica Newtoniana,

diversos estudiosos se voltaram para um aprimoramento dos conceitos e do forma-

lismo da Mecânica Clássica, e é nessa época que a versão alternativa da Mecânica,

conhecida hoje por Mecânica Analı́tica, dava seus primeiros passos. Pierre Louis M.

Maupertuis (1698 − 1759) introduziu em 1740, pela primeira vez no campo axiomático

da Mecânica Newtoniana, o Princı́pio da Mı́nima Ação, no qual estabelece que na

natureza, o produto do momento linear pelo percurso seguido pelo corpo é o menor

possı́vel(ROCHA, 2002). Jean D’ Alembert (1717 − 1783) introduz o Princı́pio dos tra-

balhos virtuais, um dos mais importantes da Mecânica pós newtoniana, e que pode

ser enunciado da seguinte maneira:

Quando um composto de um número qualquer de corpos, cada um dos quais

submetidos a uma força qualquer, estiver em equilı́brio, e quando se dá ao sistema

todo, um pequeno movimento qualquer, em virtude do qual cada ponto do sistema

percorre um caminho infinitamente pequeno, é igual a zero a soma de todas as

forças multiplicadas, cada uma, pelo caminho percorrido na direção da força.

O princı́pio de D’ Lambert é de fundamental importância para a história da Mecânica,


2

unificando a Estática e a Dinâmica, antes consideradas “ciências diferentes”. Leo-

nhard Euler (1707 − 1783) aprofundou na mecânica o cálculo das composições de di-

versos movimentos simultâneos, o qual denominou de “adição geometrica” de forças

e velocidades, que hoje denominamos de cálculo vetorial. Deve-se também a Eu-

ler a introdução de três coordenadas angulares, denominadas de “ângulo de Euler”,

para melhor descrever a orientação espacial de um corpo sólido em relação ao seu

centro de gravidade. Louis Joseph de Lagrange (1736 − 1813) foi um dos Fı́sicos-

Matemáticos mais importantes do século XVIII, sendo um dos criadores do cálculo

das variações e da teoria das equações diferenciais. Sua obra mais importante, no

entanto, é a Mécanique Analitique, de 1788, na qual Lagrange cria os fundamentos

da Mecânica Analı́tica, que é uma Mecânica newtoniana, em sua essência, porém

revestida de novos e mais poderosos formalismos matemáticos. Constrói a função

lagrangeana como sendo a diferença entre as forças vivas e as forças mortas (Ener-

gias cinética e potencial) e as expressa em função de variáveis generalizadas que

representam as posições e as velocidades de um sistema complexo. Ele estabelece

suas famosas equações partindo de um princı́pio de mı́nima ação generalizada no

tempo:

A natureza escolhe seus caminhos de tal sorte que o produto da lagrangeana pelo

tempo é o menor possı́vel.

Com esse poderoso formalismo, Lagrange consegue generalizar o conceito New-

toniano de força. Com a introdução de coordenadas mais gerais, o fı́sico francês

consegue dar um tratamento diferenciado as forças normais ou de tensão, as chama-

das forças de vı́nculos, diferenciando-as das forças motrizes, reduzindo as principais

equações algébricas que representam geometricamente os vı́nculos a que o sistema

é submetido. Com isto, reduzem-se os graus de liberdade tornando a solução do pro-

blema mais simples. A Mecânica Newtoniana ganha com Lagrange uma formulação

tão ampla e tão geral que a torna apta para ser aplicada ao Eletromagnetismo do

século XIX. William Hamilton (1788 − 1856) criou a função hamiltoniana como sendo
3

a soma da energia cinética e potencial, introduzindo como variáveis generalizadas

as posições e os momentos ao invés das velocidades de Lagrange. A Hamiltoniana,

sendo uma grandeza coletiva, compartilhada por um sistema de muitos corpos em

interação entre si e com meio externo, permite dar a Mecânica um tratamento mais

amplo e globalizante que as forças de Newton, uma vez que estas atuam por contato

e, passo a passo, em cada porção infinitesimal das trajetórias dos corpos delinea-

dos no espaço e no tempo. As partı́culas que, separadamente, obedecem às leis

de Newton, ganham com Hamilton um tratamento sistêmico, como se formassem um

agregado solidário descrito por movimentos coletivos, e suas trajetórias passam a ser

atributos do sistema como um todo. Exatamente por essas caracterı́sticas, o forma-

lismo hamiltoniano foi incorporado ao Eletromagnetismo e, no século XX, com grande

sucesso, a Mecânica Quântica, na qual o conceito newtoniano de partı́culas isoladas

e sujeitas a forças pontuais perde completamente o sentido. Por outro lado, o método

hamiltoniano tornou-se mais adequado que o formalismo lagrangeano quando De

Broglie e Heisenberg descobriram que as variáveis mais adequadas para se des-

crever os sistemas microscópicos são o momento linear e a posição, as chamadas

variáveis canonicamente conjugadas(ROCHA, 2002). Apesar do método hamiltoni-

ano ser o mais indicado para a descrição dos fenômenos fı́sicos, ele é oriundo de

uma transformação, e nem sempre esse processo é identicamente satisfeito. É bem

sabido que teorias fı́sicas não podem ser alteradas apenas com uma mudança de

formalismo, portanto, é necessário que se desenvolva um método que consiga cor-

rigir o problema das quantidades não satisfeitas. Muitos estudos nessa área são

devidos a P. G. Bergmann e colaboradores que procuraram esclarecer a conexão

entre esses vı́nculos e as propriedades invariantes de uma teoria. No entanto, foi

P.A.M. Dirac que desenvolveu um formalismo autoconsistente para o tratamento des-

ses vı́nculos, e que permitiu que seu significado estivesse conectado com as pro-

priedades de tais sistemas(SUNDERMEYER, 1982). Apesar de ser um método ma-

temático sofisticado e que exige um nı́vel interpretativo elevado, é fundamental que

o estudante de graduação em Fı́sica, Bacharel ou Licenciado, tenha contato com


4

esse tipo de formalismo matemático, pois o domı́nio do mesmo é muito importante

para sua formação acadêmica. A compreensão de tal formalismo possibilita ao es-

tudante uma introdução ao universo da pesquisa cientı́fica (Iniciação cientı́fica), que

geralmente é fornecida pelos professores em parceria com as instituições de ensino

superior, e que sem dúvida contribui para o amadurecimento profissional do estu-

dante. A interpretação fı́sica nem sempre é trivial e, para algum sistema, a fı́sica dos

vı́nculos pode ser de extrema complexidade. Não é objetivo desse trabalho desenvol-

ver sistemas tão complexos e sim introduzir tal formalismo, desde seu aspecto mais

simples, até o aparecimento dos vı́nculos, explicitando as técnicas que devem ser

utilizadas. Em resumo, este trabalho é voltado para fins didáticos, ou seja, uma ma-

neira de apresentar tal assunto ao estudante. Qualquer aprofundamento em relação

a esse assunto pode ser devidamente consultado em uma das referências citadas ao

final desse estudo.

A presente monografia está dividida da seguinte forma: 1-Formalismo Canônico,

onde desenvolvemos todo o formalismo de Lagrange e Hamilton partindo da generalização

das coordenadas até os parênteses de Poisson; 2-Algoritmo de Dirac-Bergmann,

onde explicitamos a investigação que deve ser feita quando saı́mos do formalismo

lagrangeano para o hamiltoniano partindo das correções na função de Hamilton até

a reformulação dos parênteses de Poisson, conhecida por parênteses de Dirac; 3-

Efeito Hall, onde através do tratamento dos vı́nculos, estabelecemos uma conexão

entre o Efeito Hall Clássico e o Efeito Hall Quântico; 4-Conclusões e perspectivas.


5

1 Formalismo Canônico

A Mecânica Newtoniana estuda o movimento dos corpos e os sistemas de muitos

corpos no espaço euclidiano tridimensional. O estudo dá-se mediante às leis de

movimento de Newton, que permitem analisar uma vasta gama de problemas em

mecânica. A mecânica de Lagrange por sua vez descreve o movimento de um dado

sistema mecânico com o auxı́lio do espaço das configurações. Esse sistema é de-

finido numa variedade nesse espaço de configurações e uma função denominada

Lagrangeana. Nesse contexto os problemas são analisados pela equação de Euler-

Lagrange, obtida pelo princı́pio variacional. As soluções surgem via sistemas de

equações diferenciais de 2a ordem. A formulação hamiltoniana propõe uma descrição

parecida, porém baseada num conjunto de equações diferenciais de primeira ordem,

estas, nas variáveis do espaço de fase, de coordenadas e momentum. Começamos

este trabalho com a descrição do formalismo lagrangeano. Apesar de ser mais

analı́tico, esse formalismo exclui a necessidade de determinação de forças e ana-

lisa um sistema qualquer em função de sua lagrangeana, que por sua vez é função

das energias cinética e potencial.

1.1 Coordenadas generalizadas

Em diversas vezes na fı́sica, a adoção de coordenadas especı́ficas simplificou a

resolução e interpretação de problemas que envolviam fenômenos fı́sicos. Depen-

dendo da situação, escolhia-se coordenadas cartesianas, cilı́ndricas ou esféricas

como é observado no problema do trabalho realizado pela força elétrica ao levar

uma carga q, em equilı́brio e sob a ação de uma outra carga Q, de uma posição ini-

cial ri até uma posição final rf , ver referência (KLEBER, 2000). O conjunto de todas

as coordenadas independentes, como as descritas acima, são chamadas de coorde-

nadas generalizadas. A representação dessas coordenadas é dada pela letra q com

um ı́ndice numérico, por exemplo, q1 , q2 e q3 , que representariam três coordenadas


6

distintas, (x, y , z ) ou (r, θ e ϕ), como no caso do movimento tridimensional de uma

partı́cula livre. O espaço cartesiano que tem as coordenadas generalizadas como ei-

xos coordenados é chamado de espaço de configuração do sistema(LEMOS, 2007).

Mas, da mesma forma que essas coordenadas servem para uma partı́cula, são uti-

lizadas também para um sistema de N partı́culas. Nesse caso, podemos obter a

descrição tridimensional de um sistema de N partı́culas em função das coordenadas

generalizadas, ou seja,

(x1 , y1 , z1 , . . . , xn , yn , zn ) =⇒ (q1 , q2 , q3 , . . . , q3N ).

Entretanto, em cada configuração as coordenadas possuem um conjunto definido

de valores, portanto, é possı́vel expressar cada coordenada generalizada em função

das coordenadas que descrevem o sistema, e também do tempo, para o caso do

sistema estar em movimento. Vamos tomar como exemplo o caso de um sistema de

partı́culas em coordenadas cartesianas, nesse caso,

ξi = qi (x1 , y1 , z1 , . . . , xn , yn , zn ; t) , i = 1, 2, ..., 3n . (1)

Pode-se observar que, se é possı́vel escrever as coordenadas cartesianas em termos

das coordenadas generalizadas, então o inverso também é. Portanto,

xi = Γi (ξ1 , ξ2 , ξ3 , . . . , ξ3n ; t) , i = 1, 2, ..., n . (2)

A ideia é a mesma quando transformamos as coordenadas.

Vamos considerar que:

x = q1 = q1 (x, y; t) e y = q2 = q2 (x, y; t) , (3)

e definindo

x = r cos(θ + ωt) e y = r sen(θ + ωt) , (4)


7

então,

q1 = q1 (r, θ; t) e q2 = q2 (r, θ; t) . (5)

Por meio desta transformação, saı́mos do plano cartesiano para o plano polar, e

expressamos as coordenadas generalizadas em termos das coordenadas polares.

Uma questão importante a ser analisada é a derivação temporal de uma coordenada

generalizada. Já vimos anteriormente que é possivel escrever as coordenadas con-

vencionais em termos das coordenadas generalizadas. Se tomarmos a derivada em

relação ao tempo dessas equações, teremos,


N
∂xi ∂xi
ẋi = q˙k + , i = 1, 2, ...3n . (6)
k=1
∂qk ∂t

Uma vez determinadas as velocidades, é possı́vel obter uma grandeza muito im-

portante na fı́sica, a energia cinética. Em relação a um eixo fixo, em coordenadas

cartesianas, a energia cinética de um sistema de N partı́culas é dada por,


N
1 ( )
T = mi ẋ2i + ẏi2 + żi2 , (7)
i=1
2

Substituindo a equação (3) na equação (4),

( )2 ( 3N )2 ( 3N )2 

N
1  ∑ ∂xi
3N
∂xi ∑ ∂yi ∂yi ∑ ∂zi ∂zi 
T = mi q̇k + + q̇k + + q̇k + ,
i=1
2 k=1
∂q k ∂t k=1
∂q k ∂t k=1
∂q k ∂t
(8)

ou seja,

[ 3N 3N ( )2

N
1 ∑ ∑ ∂xi ∂xi ∑
3N
∂xi ∂xi ∂xi
T = mi q̇k q̇j + 2 q̇k +
i=1
2 k=1 j=1
∂qk ∂qj k=1
∂qk ∂t ∂t

3N ∑
3N ∑3N ( )2
∂yi ∂yi ∂yi ∂yi ∂yi
+ q̇k q̇j + 2 q̇k +
k=1 j=1
∂qk ∂qj k=1
∂qk ∂t ∂t

3N ∑3N ∑3N ( )2 ]
∂zi ∂zi ∂zi ∂zi ∂zi
+ q̇k q̇j + 2 q̇k + , (9)
k=1 j=1
∂q k ∂q j
k=1
∂q k ∂t ∂t
8

Se as relações entre x’s e q’s não dependem explicitamente do tempo,


N ∑ 3N (
3N ∑ )
1 ∂xi ∂xi ∂yi ∂yi ∂zi ∂zi
T = mi q̇k q̇j + q̇k q̇j + q̇k q̇j . (10)
i=1
2 k=1 j=1
∂qk ∂qj ∂qk ∂qj ∂qk ∂qj

Podemos ver que a energia cinética fica expressa em termos de derivadas par-

ciais, e elas serão não nulas quando avaliadas em relação a coordenada associada.

Por exemplo, se fizermos x1 = q1 , x1 somente terá derivada não nula quando a

operação for avaliada em relação a q1 . Observando a equação (5), vamos tomar a

derivada de T em relação a um q̇k qualquer. Vamos tomar o ı́ndice k = 1 para uma

melhor explicação.
∂T
= mq̇1 . (11)
∂ q̇1

A quantidade acima nada mais é do que uma das componentes do momento de

uma partı́cula. Como o tratamento é a luz das coordenadas generalizadas, podemos

definir uma forma geral para essa quantidade, que se chama momento generalizado.

∂T
= mq̇k = pk . (12)
∂ q̇k

1.2 Deslocamentos virtuais

Sabe-se que a configuração de um sistema mecânico é definida pela posição e pelas

velocidades de cada uma das partı́culas do sistema em um determinado momento.

Tratemos agora de uma possı́vel mudança de configuração através de um deslo-

camento infinitesimal, no mesmo instante t. Tais deslocamentos são chamados de

deslocamentos virtuais do sistema, porque não representam necessariamente um

movimento real do sistema.


9

Tomando a equação (3), a diferencial das coordenadas cartesianas é dada por,


3N
∂xi
δxi = δqk ,
k=1
∂qk

3N
∂yi
δyi = δqk ,
k=1
∂qk
∑3N
∂zi
δzi = δqk . (13)
k=1
∂qk

Esses deslocamentos virtuais serão fundamentais para a construção do assunto em

sequência.

1.3 Trabalhos virtuais

É bem sabido que para o deslocamento de uma partı́cula, inicialmente em repouso, é

necessária a ação de uma força. Portanto, para que se possa deslocar infinitesimal-

mente uma partı́cula de massa m, com essas caracterı́sticas iniciais, para uma nova

posição muito próxima da original, é preciso que uma força atue sobre essa partı́cula.

O mesmo vale para um sistema de N partı́culas.

Sabe-se que um deslocamento pela atuação de uma força, implica na realização de

trabalho. Logo,

N
δW = (Fix δxi + Fiy δyi + Fiz δzi ) (14)
i=1

Então, se tratarmos esses deslocamentos como virtuais, o trabalho descrito acima

será também um trabalho virtual. Substituindo a equação (8) na equação (9), encon-

tramos,

( )

N ∑
3N
∂xi ∑
3N
∂yi ∑
3N
∂zi
δW = Fix δqk + Fiy δqk + Fiz δqk , (15)
i=1 k=1
∂qk k=1
∂q k
k=1
∂q k

∑N ∑3N ( )
∂xi ∂yi ∂zi
δW = Fix + Fiy + Fiz δqk , (16)
i=1 k=1
∂q k ∂q k ∂q k
10

e chamando,
N (
∑ ∂xi ∂yi ∂zi )
Qk = Fix + Fiy + Fiz , (17)
i=1
∂qk ∂qk ∂qk

obtemos,

3N
δW = Qk δqk . (18)
k=1

O coeficiente Qk depende das forças exercidas sobre as partı́culas, das coordena-

das q1 , . . . , q3N e possı́velmente, também do tempo(SYMON, 1996). E, como feito

anteriormente com as demais grandezas descritas até agora, será natural chamar a

quantidade Qk de força generalizada associada a coordenada qk .

Define-se a força generalizada Qk diretamente, sem referência ao sistema de coor-

denadas cartesianas, como o coeficiente que determina o trabalho realizado em um

deslocamento virtual em que qk varia:

δWk = Qk δqk , (19)

onde δWk é o trabalho realizado quando o sistema se move, de maneira que qk au-

menta de δqk e todas as outras coordenadas permanecem constantes(SYMON, 1996).

Estendendo ainda mais o raciocı́nio, podemos trabalhar o caso de uma força que de-

riva de um potencial. Nesse caso,

δW = −δV, (20)

N (
∑ )
∂V ∂V ∂V
δV = δxi + δyi + δzi . (21)
i=1
∂xi ∂yi ∂zi

Substituindo a equação (9) na equação (15),

∑N ∑3N ( )
∂V ∂xi ∂V ∂yi ∂V ∂zi
δV = δqk + δqk + δqk , (22)
i=1 k=1
∂xi ∂qk ∂yi ∂qk ∂zi ∂qk
11

logo,

3N
∂V
δV = δqk , (23)
k=1
∂qk

portanto,

3N
∂V
δW = −δV = − δqk . (24)
k=1
∂q k

Sabemos que,


3N ∑
3N
∂V
δW = Qk δqk e δW = − δqk , (25)
k=1 k=1
∂qk

obtêm-se então,
∂V
Qk = − . (26)
∂qk

1.4 Equações de Lagrange

A analogia que conduz à definição de momento generalizado e força generalizada,

nos faz pensar que as equações de movimento generalizadas podem ser obtidas

igualando-se a taxa de variação com o tempo de cada momento pk à força Qk

correspondente(SYMON, 1996). A derivação temporal do momento generalizado é

dada por,
dpk d ( ∂T )
= . (27)
dt dt ∂ q̇k

Sabemos que em coordenadas cartesianas,


N
mi
T = (ẋ2i + ẏi2 + żi2 ), (28)
i=1
2

utilizando a derivação em cadeia,

∑N ( )
∂T ∂ ẋi ∂ ẏi ∂ żi
= mi ẋi + ẏi + żi . (29)
∂ q̇k i=1
∂ q̇ k ∂ q̇ k ∂ q̇ k
12

É de conhecimento que,

( ) ∑ N
[ ( )
d ∂T dẋi ∂xi d ∂xi dẏi ∂yi
= mi + ẋi + +
dt ∂ q̇k dt ∂q k dt ∂q k dt ∂q k
)]
i=1
( ) (
d ∂yi dżi ∂zi d ∂zi
+ẏi + + żi . (30)
dt ∂qk dt ∂qk dt ∂qk

Como,

∂xi
ẋi = q̇j ,
∂qj
∂yi
ẏi = q̇j ,
∂qj
∂zi
żi = q̇j , (31)
∂qj

chega-se a conclusão que,

∂ 2 xi ∂xi
ẍi = q̇l q̇j + q̈j ,
∂qj ∂ql ∂qj
∂ 2 yi ∂yi
ÿi = q̇l q̇j + q̈j ,
∂qj ∂ql ∂qj
∂ 2 zi ∂zi
z̈i = q̇l q̇j + q̈j , (32)
∂qj ∂ql ∂qj

e também

( )
d ∂xi ∂ 2 xi
= q̇j ,
dt ∂qk ∂qk ∂qj
( )
d ∂yi ∂ 2 yi
= q̇j ,
dt ∂qk ∂qk ∂qj
( )
d ∂zi ∂ 2 zi
= q̇j . (33)
dt ∂qk ∂qk ∂qj
13

Agora, façamos a derivada de T em relação a qk ,

∑ N ( )
∂T ∂ ẋi ∂ ẏi ∂ żi
= mi ẋi + ẏi + żi =
∂ q̇k i=1
∂q k ∂q k ∂q k

∑ ( ∂ 2 xi ∂xi
N
∂ 2 yi ∂yi ∂ 2 zi ∂zi
)
= mi q̇j q̇l + q̇j q̇l + q̇j q̇l . (34)
i=1
∂qk ∂qj ∂ql ∂qk ∂qj ∂ql ∂qk ∂qj ∂ql

Aplicando a equação (27) em (24),

( ) (
d ∂T ∑
N
∂ 2 xi ∂xi ∂ 2 yi ∂yi ∂ 2 zi ∂zi
= mi q̇j q̇l + q̇j q̇l + q̇j q̇l +
dt ∂ q̇k i=1
∂qk ∂qj ∂ql ∂qk ∂qj ∂ql ∂qk ∂qj ∂ql
∂ 2 xi ∂xi ∂ 2 yi ∂yi ∂ 2 zi ∂zi
+ q̇l q̇m + q̇l q̇m + q̇l q̇m
∂ql ∂qm ∂qk ∂ql ∂qm ∂qk ∂ql ∂qm ∂qk
)
∂xi ∂xi ∂yi ∂yi ∂zi ∂zi
+ q̈l + q̈l + q̈l . (35)
∂qk ∂ql ∂qk ∂ql ∂qk ∂ql

Pode-se ver que,

( ) (
d ∂T ∂T ∑N
∂ 2 xi ∂xi ∂ 2 yi ∂yi
= + mi q̇l q̇m + q̇l q̇m
dt ∂ q̇k
∂qk ∂q l ∂q m ∂q k ∂q l ∂q m ∂q k
i=1
)
2
∂ zi ∂zi ∂xi ∂xi ∂yi ∂yi ∂zi ∂zi
+ q̇l q̇m + q̈l + q̈l + q̈l . (36)
∂ql ∂qm ∂qk ∂qk ∂ql ∂qk ∂ql ∂qk ∂ql

E por fim chega-se a,

( )∑ N ( )
d ∂T ∂T ∂xi ∂yi ∂zi
= + mi ẍi + ÿi + z̈i =
dt ∂ q̇k
∂qk i=1
∂qk ∂qk ∂qk
∑N ( )
∂T ∂xi ∂yi ∂zi
= + Fix + Fiy + Fiz , (37)
∂qk i=1
∂q k ∂q k ∂q k

simplificando as equações,

( )
d ∂T ∂T
= + Qk , (38)
dt ∂ q̇k ∂qk
14

obtêm-se então,
( )
d ∂T ∂T
− = Qk (39)
dt ∂ q̇k ∂qk

Essas equações são conhecidas como equações de Lagrange. Vemos que essas

equações trabalham apenas com o conceito de energia cinética, mas, se alguma

energia potencial estiver envolvida com o sistema, é necessario a introdução da

função de Lagrange ou lagrangeana. Essa função de Lagrange é definida por,

L = T − V, (40)

onde L é uma função das posições e das velocidades das partı́culas.

L = L(qk , q̇k ; t). (41)

Como T depende de (qk , q̇k , t) e V = V (qk , t)1 , então:

d ( ∂L ) d ( ∂T )
= , (42)
dt ∂ q̇k dt ∂ q̇k

∂L ∂T ∂V
= − . (43)
∂qk ∂qk ∂qk

Portanto,

d ( ∂L ) ∂L ∂V
− − = Qk . (44)
dt ∂ q̇k ∂qk ∂qk

mas, já vimos que Qk é dado por,


1
O potencial em alguns casos pode vir a depender do tempo
15

∂V
Qk = − , (45)
∂qk

logo,

d ( ∂L ) ∂L
− = 0 , k = 1, . . . , 3N . (46)
dt ∂ q̇k ∂qk

Essa é uma forma mais geral da equação de Lagrange. Em aproximadamente to-

dos os casos de interesse em Fı́sica, as equações de movimento podem ser es-

critas nas formas das equações acima, exceto nos casos em que existam forças

de atrito, mas, em geral, estas forças não aparecem em sistemas atômicos e as-

tronômicos(SYMON, 1996).

1.5 Princı́pio de Hamilton

Segundo (GOLDSTEIN, 2000), é possı́vel também obter as equações de Lagrange a

partir de um princı́pio que considera o movimento de todo o sistema entre os instantes

t1 e t2 , e pequenas variações virtuais deste movimento a partir do movimento real. O


movimento de um sistema a partir do instante t1 até o instante t2 é tal que a integral

da Lagrangeana em relação ao tempo, também chamada de ação, é dada por,

∫ t2
S= Ldt, (47)
t1

onde L = T - V, é um valor estacionário para o atual caminho do sistema.(GOLDSTEIN, 2000)

Essa equação representa um caminho dentre os infinitos caminhos que o sistema

pode viajar de um instante t1 até um instante t2 . O princı́pio de Hamilton diz que

esse movimento é tal que a variação funcional de S para esse intervalo de tempo é
16

igual a zero(ARNOLD, 1989), ou seja,

∫ t2
δS = δ Ldt. (48)
t1

Sabemos que,

L = L(q, q̇; t), (49)

variando então a ação,

∫ t2
δS = δL(qk , q̇k ; t)dt, (50)
t1

e considerando,
∑ ( ∂L ∂L
)
∂L
δL = δqk + δ q̇k + , (51)
k
∂qk ∂ q̇k ∂t

podemos escrever,

∫ t2 ( ∑ ∂L )
∂L
δS = δqk + δ q̇k dt = 0. (52)
t1 k
∂qk ∂ q̇k

Integrando por partes,

∫ t2 ∑ ∂L ∑ ∂L
t2 ∫ t2 ∑ d ( ∂L )
δ q̇k dt = δqk − δqk dt, (53)
t1 k
∂ q̇k k
∂ q̇k t1 k
dt ∂ q̇k
t1

logo,
∫ ∑ [ ∂L d ( ∂L )]
t2
t2 ∑ ∂L
δS = dt − δqk + δ q̇k . (54)
t1 k
∂qk dt ∂ q̇k k
∂ q̇k
t1

Como as variações das coordenadas generalizadas anulam-se nos pontos extremos,

∫ ∑ [ ∂L
t2
d ( ∂L )]
δS = dt − δqk = 0, (55)
t1 k
∂qk dt ∂ q̇k

para que a equação seja satisfeita para qualquer δqk , o integrando deve ser igual a
17

zero, ou seja,
∂L d ( ∂L )
− = 0, (56)
∂qk dt ∂ q̇k

esta é chamada de equação de Lagrange, obtida através do princı́pio de Hamilton.

1.6 Definindo a função de Hamilton

Já vimos na subseção anterior que é possı́vel tratar de problemas fı́sicos de um

ponto de vista puramente matemático. No entanto, seria interessante explorar mais

essa ideia, definindo uma função como a Lagrangeana na qual as variáveis tivessem

uma equivalência Fı́sica mais expressiva, nesse caso, uma função que dependesse

das coordenadas generalizadas e de um momento equivalente ao momento genera-

lizado. Sabe-se que,


∂T
Pk = , (57)
∂ q̇k

como,

L=T −V , (58)

V = V (q, t) , (59)

logo,
∂L ∂V ∂L
pk = + = , (60)
∂ q̇k ∂ q̇k ∂ q̇k

onde pk é chamado de momento canônico conjugado. De acordo com (CALLEN, 1962),

uma das transformações de Legendre é definida por,

dY (X)
P = , (61)
dX
18

que é muito semelhante a definição de momento canônico. Então, podemos ver uma

correspondência entre a transformação do momento e a transformação de Legendre,

∂L dY (X)
Pk = →P = . (62)
∂ q̇k dX

O uso da transformação de Legendre nos permite obter outras relações equivalen-

tes da expressão inicial(OLIVEIRA, 2005). Trabalhando com essa ideia, podemos

pensar em uma transformação que nos forneça uma nova função, com a variável

transformada e que se conecte com a expressão original. Segundo (CALLEN, 1962),

outra das transformações de Legendre é definida por,

Ψ(P ) = −P X + Y (X), (63)

se considerarmos que,

X → q̇k ; L → Y (X) ; P → Pk , (64)

podemos definir uma nova função H(q,p) que é dada por,


3N
H(q, p) = pk q̇k − L(q, q̇; t), (65)
k=1

onde,

H(q, p) → ψ(P ). (66)

A função H é chamada de função de Hamilton ou Hamiltoniana, e é definida agora em

um espaço definido pelas variáveis q e p que é chamado de espaço de fase Γ. Vamos

agora expressar essa nova função em termos das energias envolvidas. Tomando a

Lagrangeana,

L=T −V , (67)
19

logo,

3N
H(q, p) = pk q̇k − T + V, (68)
k=1

mas,
∑N
∂L
pk = (69)
k=1
∂ q̇k

para um potencial do tipo,

V = V (qk ) (70)

temos,
∑N
∂T
pk = = 2T, (71)
k=1
∂ q̇k

portanto,

H(q, p) = 2T − T + V, (72)

obtêm-se então

H = T + V, (73)

ou seja, a nova função H representa a energia total do sistema, proporcionando-nos

um formalismo muito mais poderoso para o tratamento de sistemas fı́sicos.

1.7 Equações de Hamilton

Já vimos que a função de Hamilton ou Hamiltoniana é definida por,


H= pk q̇k − L, (74)
k

tomando o diferencial de H, e usando a eq. (56)

∑ ∑ ( ∂L ∂L ) ∂L
dH = (q̇k dk + pk dq̇k ) − dqk + dq̇k − dt, (75)
k k
∂qk ∂ q̇k ∂t
20

mas,

∂L ∂L
pk = e ṗk = , (76)
∂ q̇k ∂qk

substituindo,

∑ ∂L
dH = (q̇k dpk + pk dq̇k − ṗk dqk − pk dq̇k ) − dt, (77)
k
∂t

logo,
∑ ∂L
dH = (q̇k dpk − ṗk dqk ) + dt. (78)
k
∂t

Agora, tomando a definição formal da diferencial de H,

∑ ( ∂H ∂H ) ∂H
dH = dqk + dpk + dt, (79)
k
∂qk ∂pk ∂t

por comparação direta, podemos ver que,

∂H ∂H ∂L ∂H
q̇k = , ṗk = − e = . (80)
∂pk ∂qk ∂t ∂t

As equações acima são chamadas de equações de Hamilton ou equações canônicas

de Hamilton, e formam um conjunto de 2n equações diferenciais de primeira ordem

equivalentes ao sistema de n equações de segunda ordem de Lagrange(LEMOS, 2007).

Também é possı́vel utilizar o princı́pio de Hamilton, como foi feito na seção anterior,

para determinar essas mesmas equações. É sábido que a ação é dada por,

∫ t2
S= Ldt, (81)
t1

pelo princı́pio de Hamilton,

∫ t2
δS = δ Ldt = 0, (82)
t1
21

mas,


L = −H + pk q̇k , (83)
k

logo, ( )
∫ t2 ∑
δS = δ −H + pk q̇k dt = 0, (84)
t1 k

( )
∫ t2 ∑ ∫ t2 ∑( ∂H ∂H
)
δS = δ −H + pk q̇k dt = dt pk δ q̇k + q̇k δpk − δqk − δpk = 0,(85)
t1 k t1 k
∂qk ∂pk

integrando por partes,

∫ t2 t2 ∫ t2 ∫ t2
pk δ q̇k dt = pk δqk − ṗk δqk dt = − ṗk δqk dt, (86)
t1 t1 t1 t1

como as variações das coordenadas se anulam nas extremidades,

t2
pk δqk =0, (87)
t1

substituindo o resultado na equação,

∫ t2 ∑( )
∂H ∂H
dt − ṗk δqk + q̇k δpk − δqk − δpk = 0, (88)
t1 k
∂qk ∂pk

logo,
∫ ∑ [(
t2
∂H ) ( ∂H ) ]
dt − ṗk − δqk + q̇k − δpk = 0. (89)
t1 k
∂qk ∂pk

Para que a equação seja satisfeita, e sabendo que δqk e δpk são não nulos, obtemos

∂H ∂H ∂L ∂H
q̇k = , ṗk = − e = , (90)
∂pk ∂qk ∂t ∂t

que são as equações de Hamilton obtidas através da aplicação do princı́pio de Ha-

milton.
22

1.8 Parênteses de Poisson

Já vimos que a Lagrangeana pode ser transformada no intuito de definir uma nova

função que seja dependente das variáveis q e P. Essa nova função, conhecida como

função de Hamilton, pode ser interpretada como superfı́cies definidas nesse espaço,

e podemos tratar o movimento restrito a essas superfı́cies. Sendo assim, qual-

quer função desse tipo pode ser uma superfı́cie que restringe o movimento de uma

partı́cula ou um sistema de partı́culas. Sendo assim, vamos supor uma função desse

tipo dada por

F = F (q, p), (91)

como essa função pode representar o comportamento de um sistema, então é natural

pensar em como esse sistema evolui com o tempo. Tomando a derivada em relação

ao tempo de F,
dF ∑ ( ∂F ∂F ) ∂F
= q̇k + ṗk + , (92)
dt k
∂q k ∂p k ∂t

contudo, já vimos que,

∂H ∂H
q̇k = e ṗk = − , (93)
∂pk ∂qk

portanto podemos escrever,

dF ∑ ( ∂F ∂H ∂F ∂H ) ∂F
= − + , (94)
dt k
∂qk ∂pk ∂pk ∂qk ∂t

onde definimos,
∑ ( ∂F ∂H ∂F ∂H )
{F, H} = − , (95)
k
∂q k ∂pk ∂p k ∂qk

possibilitando-nos escrever,

dF ∂F
= {F, H} + , (96)
dt ∂t
23

o termo entre chaves é chamado de parênteses de Poisson. Os Parênteses de Pois-

son possuem certas propriedades que podem ser encontradas no Apêndice A.


24

2 Algoritmo de Dirac-Bergmann

A transição da formulação Lagrangeana para a Hamiltoniana requer que as velocida-

des generalizadas possam ser expressas univocamente em termos dos momentos

canônicos. Mas isso não será possı́vel se a matriz Hessiana, determinada pela de-

rivada segunda da Lagrangeana, for singular. Todas as teorias fı́sicas modernas de

significado fundamental são descritas por Lagrangeanas com matriz Hessiana singu-

lar, o que justifica uma introdução a dinâmica Hamiltoniana de tais sistemas(LEMOS, 2007).

Em consequência dessa transição e da singularidade da matriz Hessiana, surgem

os chamados vı́nculos primários(SUNDERMEYER, 1982). Esses vı́nculos são de

origem matemática, já que a Hamiltoniana é na verdade uma transformação da La-

grangeana. Na maioria dos casos, a presença de vı́nculos torna o desenvolvimento

matemático bem mais complexo. Mas mesmo com tamanha dificuldade, o estudo

dos vı́nculos e de sua evolução temporal, acaba revelando detalhes importantes de

certos fenômenos fı́sicos.

Apesar de ser um processo matemático, certos parâmetros surgem naturalmente

apenas fazendo a variação temporal do vı́nculo, indicando que qualquer anomalia

proveniente de um sistema fı́sico não surge do nada, é na verdade a resposta de uma

caracterı́stica intrı́nseca do sistema quando submetido a determinadas situações.

Para iniciarmos o tratamento dos vı́nculos, como eles aparecem, é aconselhável um

estudo à luz dos dois formalismos, lagrangeano e hamiltoniano, a variação temporal

do mesmo ficará na subseção em que tratarmos das condições de consistência. O

objetivo dessa análise, consiste em verificar a existência de vı́nculos provenientes da

transição de um formalismo para o outro. Vamos tomar a equação (47)

d ( ∂L ) ∂L
− = 0, (97)
dt ∂ q̇k ∂qk
25

fazendo uso da regra da cadeia, o primeiro termo dessa equação pode ser escrito da

seguinte forma,

d ( ∂L ) ∂ 2L ∂ 2L ∂ 2L
= q̇j + q̈j + , (98)
dt ∂ q̇k ∂qj ∂ q̇k ∂ q̇j ∂ q̇k ∂t∂ q̇k

com isso,
∂ 2L ∂ 2L ∂ 2L ∂L
q̈j = − q̇j − + . (99)
∂ q̇j ∂ q̇k ∂qj ∂ q̇k ∂t∂ q̇k ∂qk

Como qk e q̇k são independentes entre si, os termos do lado direito não apresentam

problemas, pois representam um conjunto de equações independentes. Já no termo

do lado esquerdo, temos uma derivada parcial de segunda ordem em relação a duas

velocidades generalizadas. Para que essa equação possa ser satisfeita, o termo do

lado esquerdo também deverá ser um conjunto de equações independentes. Pode-se

observar que o termo do lado esquerdo possui a forma de uma matriz hessiana, onde

a mesma é definida pela derivada do gradiente da matriz jacobiana. Visto que trata-

se de uma matriz hessiana, basta que apliquemos o teste do hessiano, que consiste

em uma análise do determinante dessa matriz, para que possamos ter certeza se

todas as velocidades constituem ou não um conjunto de variáveis independentes. De

acordo com (BOLDRINI, 1980), uma matriz quadrada A admite inversa se e somente

se o determinate da mesma for não nulo.

Vamos chamar de,


∂ 2L
Wjk = , (100)
∂ q̇j ∂ q̇k

então, se o determinante da matriz Wjk for diferente de zero, ela é não singular, ou

seja, admite inversa, e é formada por um conjunto de termos independentes entre si.

Caso contrário, as velocidades não serão independentes entre si, e as equações

para os momentos canônicos não podem ser todas resolvidas para as velocida-

des em função dos momentos, porque não constituem um conjunto de equações

independentes(SUNDERMEYER, 1982). Para uma melhor compreensão do que foi


26

dito, vamos analisar um exemplo bem conhecido, o movimento unidimensional da

partı́cula livre em um plano bidimensional.

Exemplo 1:
1
L = mẋ2 . (101)
2

Sabemos que
∂ 2L
Wi,j = i j , (102)
∂ q̇ ∂ q̇

e definindo

q̇ 1 = ẋ e q̇ 2 = ẏ , (103)

obtemos

∂ 2L ∂ 2L
W1,1 = = ,
∂ ẋ∂ ẋ ∂ ẋ2
∂ 2L
W1,2 = ,
∂ ẋ∂ ẏ
∂ 2L
W2,1 = ,
∂ ẏ∂ ẋ
∂ 2L ∂ 2L
W2,2 = = . (104)
∂ ẏ∂ ẏ ∂ ẏ 2

E portanto, a matriz W será:

( W1,1 W1,2 )
W = , (105)
W2,1 W2,2
27

com

∂ 2L 1 ∂ [∂ 2 ]
W1,1 = = m (ẋ ) = m,
∂ ẋ2 2 ∂ ẋ ∂ ẋ
∂ 2L 1 ∂ [∂ 2 ]
W1,2 = = m (ẋ ) = 0,
∂ ẋ∂ ẏ 2 ∂ ẋ ∂ ẏ
∂ 2L 1 ∂ [∂ 2 ]
W2,1 = = m (ẋ ) = 0,
∂ ẏ∂ ẋ 2 ∂ ẏ ∂ ẋ
∂ 2L 1 ∂ [∂ 2 ]
W2,2 = = m (ẋ ) = 0, (106)
∂ ẏ 2 2 ∂ ẏ ∂ ẏ

ou seja,
( m 0 )
W = . (107)
0 0

Pode-se ver que o determinante de W é nulo. Se o determinante da matriz Hessi-

ana for nulo, a transição do formalismo Lagrangeano para o Hamiltoniano não será

identicamente satisfeita, portanto, nem todas as velocidades serão transformadas em

momentos. Vamos usar uma analogia para uma melhor compreensão.

Vamos supor que dois homens estejam em uma pista de dança, eles observam duas

mulheres e os dois se dirigem até elas, o primeiro homem não tem problema algum e

pode dançar com qualquer uma das mulheres, já o segundo homem, tem a condição

de só dançar com uma delas. Visto que se o primeiro homem escolher a única mulher

com quem o segundo pode dançar, teremos um conjunto satisfeito e um outro não

satisfeito, onde um casal dança e o outro não. Podemos pensar que a dança seja

a transformação que eles queiram realizar, e que apenas um casal tem sucesso. O

outro casal, no entanto, forma agora um conjunto de elementos independentes entre

si, sem qualquer tipo de ligação.

Feita essa analogia, vamos agora verificar formalmente essas quantidades que não

são satisfeitas durante esse processo. Quando realizamos a transição da Lagrange-


28

ana para a Hamiltoniana, define-se pi como:

∂L
pi = . (108)
∂ q̇i

Uma vez que

Det(W) = 0 , (109)

o conjunto das velocidades não é identicamente satisfeito com o dos momentos.

Nesse caso, podemos definir o conjunto dos momentos pi como função,

pi = fi (q, pα , q̇β ) , (110)

onde o ı́ndice α é:

α = 1, 2, ..., N . (111)

Nesse caso, pα representa todos os momentos que foram resolvidos para as respec-

tivas velocidades.

O ı́ndice β é

β = N + 1, N + 2, ..., M . (112)

O que nos leva a ver que, q̇β representa todas as velocidades que não possuem um

momento associado a ela. Se tomarmos somente o conjunto de todas as posições e

de momentos resolvidos, então

pk = fk (q, pα ) . (113)

Portanto, o conjunto das M-N relações entre coordenadas e momentos são chama-

dos de vı́nculos primários, esse nome foi dado por Anderson e Bergmann

(1951)(SUNDERMEYER, 1982). Os vı́nculos primários são funções de q e p e são


do tipo,

ϕ(q, p) = 0. (114)
29

Devido a esses vı́nculos, o movimento fica restrito a um subespaço Γp do espaço

total Γ e Hc só é definida em Γp (SUNDERMEYER, 1982).

Por causa dessas restrições, temos que começar uma discussão sobre as chamadas

“equações fracas” e “equações fortes”. Vamos tomar uma função F(q,p) definida em

uma região finita do subespaço Γp .

Se substituı́rmos pk por fk (q, pa ), então,

F (q, p)Γp = F (q, pa , fk (q, pa )), (115)

ou seja, introduzimos restrições para que F seja definida em Γp . De acordo com

(DIRAC, 1964),

i) Se após a substituição,

F (q, p)Γp = 0, (116)

essa relação é chamada de fracamente zero2 , e é representada pela notação,

F (q, p)Γp ≈ 0. (117)

ii) Se,

∇F (q, p)Γp = 0, (118)

então, a relação passa a ser chamada de simplesmente zero e é representada pela

notação de igualdade convencional,

F (q, p)Γp = 0. (119)


2
Esse termo foi utilizado pela primeira vez por Dirac.
30

2.1 Sistemas vinculados

Com o aparecimento dos vı́nculos descritos na subseção anterior, é necessário que

se realize uma modificação na Hamiltoniana com o intuito de incluir essas novas

quantidades.

De acordo com (LEMOS, 2007), é possı́vel deduzir as equações de movimento a

partir do princı́pio de Hamilton no caso especial em que os vı́nculos não holomônos

são equações diferenciais do tipo,


n
alk dqk + alt dt = 0 ; l = 1, ..., γ. (120)
k=1

onde alk e alt são funções de q e t. Como estamos fazendo uma abordagem que não

depende explicitamente do tempo e todos os deslocamentos são virtuais, podemos

então escrever

dt = 0, (121)

e

n
alk δqk = 0 ; l = 1, ..., γ. (122)
k=1

Tomando a integração em relação ao tempo,

∫ t2 ∑
γ (∑
n )
dt λl alk δqk = 0, (123)
t1 l=1 k=1

onde λl são chamados de multiplicadores de Lagrange e são funções arbitrárias do

tipo,

λ = λ(q, q̇; t). (124)


31

Já foi visto que o princı́pio de Hamilton é dado pela equação (44),

∫ t2 ∑ [ ∂L ( )]
d ∂L
δS = dt − δqk = 0. (125)
t1 k
∂qk dt ∂ q̇k

Portanto,

∫ ∑ [ ∂L ∫
d ( ∂L )] ∑ (∑ )
t2 t2 γ n
δS = dt − δqk = dt λl alk δqk = 0, (126)
t1 k
∂qk dt ∂ q̇k t1 l=1 k=1

logo,
d ( ∂L ) ∑
γ
∂L
− = λl alk . (127)
∂qk dt ∂ q̇k l=1

Como as equações de Lagrange diferem daquelas da seção (1) por um termo λl alk ,

é possı́vel ver que a Lagrangeana agora deve ser definida da seguinte forma,


LT = L + λl Ψl , (128)
l

onde LT é uma extensão da Lagrangeana original e é chamada de Lagrangeana

total, e Ψ são os vı́nculos. Assim como a Lagrangeana sofreu uma modificação, é

natural pensar que a Hamiltoniana também sofra. Sabemos que,


H= pi q̇i − LT ,
i
∑ ∑
H= pi q̇i − L − λl Ψ l , (129)
i l

portanto podemos definir,


HT (q, p) = Hc + λl Ψl (q, p), (130)
l

onde HT é chamada de Hamiltoniana total da mesma forma que a Lagrangeana,

Hc é a função de Hamilton e o segundo termo do lado direito são os termos que


32

representam os vı́nculos. Aplicando novamente o principio de Hamilton,


δS = δ
Ldt = 0,
∫ [∑ ]
δS = δ pi q̇i − HT dt = 0, (131)
iI

∫ t2 (∑ ∑ )
δ pi q̇i − Hc − λj Ψj dt = 0, (132)
t1 i j
∫ [∑(
t2
∂Hc ∂Hc ) ∑ ( ∂Ψj ∂Ψj )]
dt pi δ q̇i + q̇i δpi − δqi − δpi − λj δqi + δpi = 0.
t1 i
∂qi ∂pi j
∂q i ∂p i
(133)

Como já vimos que,


∫ t2 ∫ t2
Pi δ q̇i dt = − ṗi δqi dt, (134)
t1 t1

logo,

∫ [∑(
t2
∂Hc ∂Hc ) ∑ ( ∂Ψj ∂Ψj )]
dt − ṗi δqi + q̇i δpi − δqi − δpi − λj δqi + δpi = 0,
t1 i
∂qi ∂pi j
∂q i ∂p i
(135)
∫ [∑(
t2
∂Hc ∑ ∂Ψj ) ∑( ∂Hc ∑ ∂Ψj ) ]
dt − ṗi − − λj δqi + q̇i − − λj δpi = 0 .
t1 i
∂qi j
∂qi i
∂pi j
∂pi
(136)

Como a equação tem que ser identicamente nula, então,

∂Hc ∑ ∂Ψj ∂Hc ∑ ∂Ψj


ṗi = − − λj e q̇i = + λj . (137)
∂qi j
∂qi ∂pi j
∂p i

Essas são as novas equações de Hamilton, agora corrigidas pela adição dos vı́nculos.

Os parênteses de Poisson também sofrem essa modificação e passam a ser defini-

dos da seguinte maneira:

Seja uma variável dinâmica F(q,p), sabemos que

∂F ∂F
Ḟ = q̇k + ṗk , (138)
∂qk ∂pk
33

aplicando a equação (137),

∂F ( ∂Hc ∑ ∂Ψj ) ∂F ( ∂Hc ∑ ∂Ψj )


Ḟ = + λj + − − λj , (139)
∂qk ∂pk j
∂pk ∂pk ∂qk j
∂qk

reagrupando os termos,

∂F ∂Hc ∂F ∂Hc ∑ ( ∂F ∂Ψj ∂F ∂Ψj )


− + λj − , (140)
∂qk ∂pk ∂pk ∂qk j
∂qk ∂pk ∂pk ∂qk

logo,

Ḟ = {F, Hc } + λj {F, Ψj }. (141)
j

Na seção que tratarmos das condições de consistência, veremos como os vı́nculos

se comportam com o tempo e consequentemente, aprenderemos a determinar os

multiplicadores de Lagrange.

2.2 Condições de Consistência

Já vimos na subseção anterior, que, com o aparecimento dos vı́nculos, tanto a Ha-

miltoniana quanto as equações de Lagrange sofrem uma modificação. Devido a essa

mudança, uma arbitrariedade surge nessa equação através dos multiplicadores de

Lagrange. Então, nosso foco agora se volta para esse termo arbitrário, em uma

tentativa de desenvolver um método capaz de determinar esses multiplicadores. O

método proposto por Dirac consiste na determinação desses termos por meio de uma

análise da preservação temporal do vı́nculo primário, ou seja,

ϕ̇(q, p) ≈ 0. (142)
34

Sabendo que ϕ é uma função de q e p, vamos tomar a derivada temporal do vı́nculo

primário,
∂ϕm ∂ϕm
ϕ̇m ≈ q̇i + ṗi ≈ 0, (143)
∂qi ∂pi

aplicando as equações (89),

∂ϕm ∂Hc ∂ϕm ∂Hc ∑ ( ∂ϕm ∂ϕj ∂ϕm ∂ϕj )


ϕ̇m ≈ − + λj − ≈ 0, (144)
∂qi ∂pi ∂pi ∂qi j
∂qi ∂pi ∂pi ∂qi

e, portanto, é possı́vel observar que a relação acima pode ser escrita em termos dos

parênteses de Poisson,


ϕ̇m ≈ {ϕm , Hc } + λj {ϕm , ϕj } ≈ 0. (145)
j

A equação acima mostra que para cada vı́nculo primário, sua derivada temporal

deve ser analisada, e essa análise consiste em tomar os parênteses de Poisson de

cada vı́nculo com a Hamiltoniana canônica e com cada outro vı́nculo primário, com a

condição de que essa equação seja fracamente nula. De acordo com (SUNDERMEYER, 1982),

essas equações recebem o nome de condições de consistência, uma vez que a

equação acima representa um conjunto de equações. Essas condições de con-

sistência nos levam a quatro possı́veis casos.

Caso 1:

{ϕm , Hc } ≈ 0 e Det{ϕm , ϕj } ̸= 0 (146)

Então, os λj possuem soluções triviais do tipo,


λj ≈ 0, (147)
j
35

uma vez que {ϕm , ϕj } se trata de um sistema de equações independentes entre si

que formam uma matriz, cuja qual possui inversa. Vejamos,


λj {ϕm , ϕj } ≈ 0, (148)
j

multiplicando ambos os lados por {ϕm , ϕj }−1 ,


λj {ϕm , ϕj }−1 {ϕm , ϕj } ≈ 0,
j

logo,

λj ≈ 0. (149)

Caso 2:

{ϕm , Hc } ≈ 0 e Det{ϕm , ϕj } = 0 (150)

Então, existem soluções não triviais para os λj que constituem um sistema de equações

homogêneas, ou seja,

λj {ϕm , ϕj } ≈ 0. (151)
j

Caso 3:

{ϕm , Hc } ̸= 0 e Det{ϕm , ϕj } ̸= 0 (152)

Então, os λj constituem um sistema de equações lineares não-homogêneas dada

por,

λj {ϕm , ϕj } ≈ −{ϕm , Hc }, (153)
j

uma vez que {ϕm , ϕj }−1 existe, vamos multiplicar ambos os lados da equação por
36

essa matriz inversa,

∑ ∑
λj {ϕm , ϕj }−1 {ϕm , ϕj } ≈ − {ϕm , ϕj }−1 {ϕm , Hc }, (154)
j j

logo,

λj ≈ − {ϕm , ϕj }−1 {ϕm , Hc }. (155)
j

Pode-se ver que agora, todos os multiplicadores de Lagrange estão expressos em

termos dos parênteses de Poisson, equação (91). Já vimos anteriormente como

expressar a evolução temporal de uma variável dinâmica em termos dos parênteses

de Poisson. Nesse caso, vamos tomar a derivada temporal da Hamiltoniana total,


ḢT = {HT , Hc } + λj {HT , ϕj }, (156)
j

substituindo,


ḢT = {HT , Hc } − {HT , ϕj }{ϕm , ϕj }−1 {ϕm , Hc }, (157)
j,m

chamando,


{HT , Hc }D = {HT , Hc } − {HT , ϕj }{ϕm , ϕj }−1 {ϕm , Hc }, (158)
j,m

logo,

ḢT ≈ {HT , Hc }D (159)

O termo {HT , Hc }D é chamado de parênteses de Dirac, que na verdade se trata da

correção dos parênteses de Poisson para sistemas vinculados.

Caso 4:

{ϕm , Hc } ̸= 0 e Det{ϕm , ϕj } = 0 (160)


37

Como Det{ϕm , ϕj } ≈ 0, esse termo é uma matriz singular e, como já vimos ante-

riormente, nem todas as equações são independentes entre si. Vamos separar as

equações independentes das dependentes, portanto,

∑ ∑
{ϕm , Hc } + λα {ϕm , ϕα } + λk {ϕm , ϕk } ≈ 0, (161)
α k

onde as equações com ı́ndice k representam o sistema de equações dependentes e

α o sistema de equações independentes. Para que a equação acima seja satisfeita


é necessário que,

λk {ϕm , ϕk } ≈ 0, (162)
k

chamando,


χs (q, p) ≈ λk {ϕm , ϕk } ≈ 0, (163)
k

χs (q, p) ≈ 0. (164)

As quantidades χs são chamadas de vı́nculos secundários, pois surgem de um com-

portamento do vı́nculo primário. Como fizemos para o vı́nculo primário, precisamos

verificar se o secundário também se preserva no tempo, então,


χ̇s ≈ {χs , Hc } + {χs , ϕj } ≈ 0. (165)
j

Todo o processo de análise deve ser realizado novamente conforme fizemos nos

três casos iniciais. Se nenhum dos casos for observado novamente, outros vı́nculos

secundários aparecerão, e todo o método deve ser repetido. Essa análise deve ser

feita até que todas as condições de consistência sejam satisfeitas. Podemos tratar

os vı́nculos secundários da mesma maneira que os primários, ou seja,

ϕβ (q, p) ≈ 0, β = M + 1, ..., M + K, (166)


38

onde M é o número de vı́nculos primários e M+K é o último vı́nculo secundário. Então,

ϕγ (q, p) ≈ 0, γ = 1, ..., M + K, (167)

que é a representação de todos os vı́nculos. A generalização da equação de con-

sistência agora é dada por,


{ϕγ , Hc } + λj {ϕγ , ϕj } ≈ 0, (168)
j

onde,

J = 1, ..., M e γ = 1, ..., M + K. (169)

Essa equação impõe restrições aos λj , já que não geram novos vı́nculos. Segundo

(DIRAC, 1964), o sistema de j equações lineares não-homogêneas para as M≤J

incógnitas, deve ser solúvel, caso contrário a dinâmica descrita pela Lagrangiana

original seria inconsistente, hipótese que excluı́mos. Supondo que, para as equações

lineares não-homogêneas, a solução particular de λj seja uma função de q e p, ou

seja,

λpj = Uj (q, p), (170)

e que para as equações homogêneas, a solução seja,


{ϕγ , ϕj }Vj ≈ 0, (171)
j


va V j ≈ 0 a = 1, ..., A. (172)
a

Portanto, a solução geral para os multiplicadores de Lagrange é dada pela combinação

linear da solução homogênea com a solução particular, ou seja,


λj = Uj + va V j . (173)
a
39

A Hamiltoniana total agora pode ser re-escrita em função de todas essas equações,


HT = Hc + λj ϕ j ,
j
∑ ∑
HT = Hc + Uj ϕj + va Vj ϕj , (174)
j j,a

chamando,


M ∑
M

H = Hc + Uj ϕj e ψa = Vj ϕj , (175)
j=1 j=1

logo,

A

HT = H + va ψa . (176)
a=1

Geometricamente falando, a dinâmica se desenvolve na hipersuperfı́cie S do espaço

de fase definida pelos vı́nculos ϕγ (q, p) ≈ 0(LEMOS, 2007).

2.3 Vı́nculos de Primeira Classe

Até aqui adotamos uma classificação para os vı́nculos, colocando-os como primários

ou secundários, porém, essa classificação diz respeito somente à forma como o

vı́nculo é obtido. Há contudo uma forma mais geral de sua classificação. De acordo

com (DIRAC, 1964), se o parênteses de Poisson de uma função F(q,P) com qualquer

um dos vı́nculos primários for fracamanete zero, ou seja,

{F, ϕj } ≈ 0, (177)

então, F recebe a classificação de função de primeira classe. Por outro lado, se os

parênteses de Poisson de F com pelo menos um dos vı́nculos não for fracamente
40

zero, ou seja,

{F, ϕj } ̸= 0, (178)

então, F recebe a classificação de função de segunda classe. Como os vı́nculos

primários e secundários também são funções de q e p,

Primeira Classe ⇒ {ϕm , ϕj } ≈ 0 {χm , ϕj } ≈ 0

Segunda Classe ⇒ {ϕm , ϕj } =


̸ 0 {χm , ϕj } ̸= 0 (179)

portanto, essas quantidades acima recebem a classificação de vı́nculos de primeira

classe e vı́nculos de segunda classe. A vantagem da adoção dessa nomenclatura, é

que agora podemos escrever todos os vı́nculos como sendo uma combinação linear

de vı́nculos de primeira e segunda classe, ou seja,

ϕm = ηa ϕa + ηb ϕb ,

χm = βc χc + βd χd , (180)

onde os ı́ndices a e c representam os vı́nculos de primeira classe, primários e se-

cundários, e os ı́ndices b e d os de segunda classe, primários e secundários. Apli-

cando a equação da consistência a todos os vı́nculos de primeira classe temos,

{ϕa , Hc } + λj {ϕa , ϕj } ≈ 0,

{χc , Hc } + λj {χc , ϕj } ≈ 0, (181)

como eles são vı́nculos de primeira classe, o segundo termo de cada uma das

equações é nulo, portanto,

{ϕa , Hc } ≈ 0,

{χc , Hc } ≈ 0, (182)
41

com isso, pode-se ver que é possı́vel ver que os vı́nculos de primeira classe, impõem

a condição de nulidade dos parênteses de Poisson de cada vı́nculo de primeira classe

com a Hamiltoniana canônica.

2.4 Vı́nculos de Segunda Classe

Conforme mostrado na subseção anterior, existem dois tipos de classificação para

os vı́nculos. Já observamos o que acontece quando aplicamos a equação da con-

sistência somente aos vı́nculos de primeira classe. Agora, façamos o mesmo para os

vı́nculos de segunda classe. No entanto, segundo (SUNDERMEYER, 1982), como

todos os vı́nculos envolvidos são de segunda classe, é interessante definirmos uma

matriz ∆ dada pela seguinte forma,

 
{ϕb , ϕb′ } {ϕb , χd′ }
∆= , (183)
{χd , ϕ } {χd , χ }
b′ d′

pois os parênteses de Poisson não podem ser fracamente zero. Os ı́ndices b′ e d′

representam os vı́nculos de segunda classe. No intuito de compactar a notação,

definimos,

ξu = ξu (ϕb , χd ), (184)

como uma função que abrange todos os vı́nculos de segunda classe. Assumindo que

a matriz ∆, que contém elementos {ξu , ξν }, seja singular, então, segundo (SUNDERMEYER, 1982),

existe pelo menos uma relação entre as linhas ou colunas do tipo,

τu ∆uν ≈ 0, (185)
42

onde nem todos os τu são nulos. Então,

{τu ξu , ξν } ≈ 0, (186)

o que mostra que o parênteses de Poisson da combinação linear τu ξu com todos

os vı́nculos secundários também é fracamente zero. Isso nos leva a redefinir a

classificação da quantidade τu ξu e tratá-la como um vı́nculo de primeira classe. Apli-

cando agora a equação, e a consistência a todos os vı́nculos de segunda classe que

restaram, temos


{ξk , Hc } + λk ∆ku ≈ 0, (187)
k

como a matriz ∆ku é não singular, então existe a inversa de ∆ku . Multiplicando ambos

os lados pela inversa de ∆ku ,


∆ku−1 {ξk , Hc } + λk ≈ 0,
k,u


λk ≈ − ∆−1
ku {ξk , Hc }, (188)
k,u

onde conseguimos determinar os multiplicadores de Lagrange em função dos vı́nculos

de segunda classe.

Feito isso, agora podemos escrever a evolução temporal de uma variável dinâmica

em termos dos parênteses de Poisson dessa função com os vı́nculos primários de

primeira e segunda classe, ou seja,

∑ ∑
Ḟ ≈ {F, Hc } + λa {F, ϕa } + λk {F, ϕu }, (189)
a k

mas,

{F, ϕa } ≈ 0, (190)
43

pois ϕa é um vı́nculo de primeira classe. Portanto,


Ḟ ≈ {F, Hc } + λu {F, ϕu }, (191)
u

substituindo o valor de λk determinado anteriormente,


Ḟ ≈ {F, Hc } − {F, ϕu }∆−1
ku {ξk , Hc } (192)
k,u

Já vimos que essa quantidade se trata do parênteses de Dirac, e podemos escrever

toda a equação da seguinte forma,

Ḟ ≈ {F, Hc }D , (193)

onde,


{F, Hc }D = {F, Hc } − {F, ϕu }∆−1
ku {ξk , Hc }, (194)
k,u

ou, generalizando,


{F, Hc }D = {F, Hc } − −k, u{F, ξu }∆−1
ku {ξk , Hc }. (195)
44

3 Efeito Hall

Nesta seção, trataremos do fenômeno conhecido por Efeito Hall, fazendo uma breve

análise dos dois aspectos do fenômeno, o clássico e o quântico. Também aplicare-

mos o algoritmo de Dirac-Bergmann para o caso clássico em duas situações, uma

em que o campo magnético é considerado fraco, e na outra forte.

3.1 Efeito Hall Clássico

Os portadores de carga em um condutor tem uma velocidade de arrasto ⃗va . Sendo


⃗ externo, os portado-
assim, se submetermos um condutor a um campo magnético B

res de carga ficarão submetidos a uma força de Lorentz que faz com que eles sejam

desviados de seu movimento inicial(KLEBER, 2002). Esse fenômeno é chamado de

efeito Hall, ele recebeu esse nome em homenagem ao seu descobridor, Edwin Hall,

que o estudou em 1879. Para a demonstração teórica do fenômeno, vamos conside-

rar um condutor retangular conduzindo uma corrente i feita de cargas positivas como

mostra a figura abaixo.

Figura 1: Esquematização para a reprodução do Efeito Hall.


45

A corrente i trafega da esquerda para a direita na direção Y e existe um campo


⃗ orientado no sentido negativo do eixo X.
magnético B

Devido a atuação da força magnética 1 ,

Fm = Q va × B

Fm = Q (va ȷ̂ × (−B)ı̂) = Qva B k̂ , (196)

podemos ver que o movimento dos portadores de carga é desviado, e eles passam

a se deslocar para a parte superior da chapa retangular. Com isso, observa-se uma

diferença de potencial elétrica entre a parte superior e inferior da chapa, uma vez que

com o acúmulo de cargas na parte superior, o potencial elétrico nessa região também

é maior do que na parte inferior. Graças a isso, surge um campo elétrico orientado no

sentido negativo do eixo Z, e esse campo vai elevando sua intensidade enquanto as

cargas positivas continuarem a ser desviadas. Associado a esse campo, temos uma

força elétrica que, quando atinge a mesma magnitude da força magnética, faz com

que o desvio de cargas se cancele, e as mesmas voltem a se deslocar na direção Y.

Portanto, a condição para que o sistema volte ao equilı́brio é dada por,

Fe = −Fm

EH Q = −Qva × B

EH = −va B k̂ . (197)

Sabemos que a diferença de potencial é dada por,


∆V = − E · dl, (198)

1
Os vetores estão representados pelas letras em negrito.
46

nesse caso,

∫ 0
∆VH = − (−va B)dz k̂ · k̂ ,
Z
∆VH = −va BZ, (199)

em módulo,

|∆VH | = va BZ. (200)

Essa quantidade recebe o nome de tensão Hall, uma vez que ela só surge quando

reproduzimos essa situação. No entanto, é conveniente expressar a velocidade de

uma outra maneira, já que a mesma não pode ser medida diretamente.

É bem sabido que,

i = ρAva , (201)

onde A é a área pela qual passa a corrente elétrica. A densidade ρ, pode ser calcu-

lada da seguinte forma,


NQ
ρ= = nQ, (202)
V

onde n é o número de portadores de carga por unidade de volume. Portanto,

i = nQva A (203)

i i
va = = . (204)
nQA nQXZ

Substituindo essa equação na equação da tensão Hall,

iB
∆VH = va BZ = , (205)
nQX

pode-se observar que a tensão Hall é proporcional tanto a corrente quanto ao campo,

o que ja era esperado já que, para cancelar a força magnética, a força elétrica tem

que aumentar sua intensidade, ou seja, mais cargas positivas acumulam-se na parte

superior, e isso só é possı́vel se a corrente i aumentar. Seguindo(KLEBER, 2002),


47

para metais e semicondutores, os portadores positivos têm sempre uma carga e, de

modo que o valor de n é,


iB
n= , (206)
∆VH eX

resumindo, podemos determinar a densidade de cargas positivas por unidade de

volume em termos de todas as outras grandezas que são conhecidas ou mensuráveis

na experiência. Podemos também expressar o valor da resistência elétrica Hall da

seguinte maneira,

iB
∆VH = , (207)
nQX

mas,

∆VH = iRH , (208)

onde RH é a resistência Hall, ou seja,

B
RH = , (209)
nQX

chamando,
1
rH = , (210)
nQ

obtemos,
rH B
RH = , (211)
X

onde o termo rH é chamado de coeficiente Hall. Nos resta agora analisar o que

acontece com a trajetória do portador de carga dentro do material. Sabemos que a

para essa situação,

mr̈ = Fm + Fe , (212)

m(Ÿ ȷ̂ + Z̈ k̂) = Q(Ẏ ȷ̂ + Ż k̂) × (−Bı̂) − QEH k̂, (213)


48

dessa forma,

m(Ÿ ȷ̂ + Z̈ k̂) = QB(Ẏ k̂ − Żȷ̂) − QEH k̂, (214)

     
Ÿ −Ż 0
  = ωc   + Q , (215)
Z̈ Ẏ −EH

onde ωc := QB/m é a frequência de cı́clotron. Definindo a variável complexa,

ξ := Y + iZ, (216)

e efetuando algumas operações obtêm-se,

iQEH
Ÿ + iZ̈ = iωc (Ẏ + iŻ) − , (217)
m

portanto,
QEH
ξ¨ = iωc ξ˙ − . (218)
m

A solução dessa equação diferencial não homogênea é dada por,

( ) ( )
i EH ieiωc t EH EH
ξ(t) = v0 + − v0 + − t (219)
ωc B ωc B B

onde as componentes Y(t) e Z(t) são

( )
1 EH EH
Y (t) = v0 − sen(ωc t) + t, (220)
ωc B B
( )
1 EH
Z(t) = v0 − [1 − cos(ωc t)] . (221)
ωc B

E a equação da trajetória é dada por,

[ ]2 [ ( )]2 ( )2
EH t 1 EH 1 EH
Y (t) − + Z(t) − v0 − = 2 v0 − (222)
B ωc B ωc B

É possı́vel observar que a trajetória dos portadores de carga é dada por espirais
49

complexas e os sinais dessas cargas irão determinar se a espiral gira no sentido

horário ou anti-horário. A figura a seguir ilustra o que foi descrito.

Figura 2: Trajetória do portador de carga em um plano complexo.

3.2 Efeito Hall Quântico

O Efeito Hall Quântico (QHE) é um conjunto surpreendente de fenômenos que ocor-

rem a baixas temperaturas e que tratam da alta mobilidade de um gás bidimensional

de elétrons(2DEG) em um forte campo magnético transverso. Em 1980, Von Klitzing,

Dorda e Peper, observaram que a condutância de tal sistema era um múltiplo inteiro

de um quantum de condutância,

e2
= (25812.8017Ω)−1 . (223)
h

Segundo (KARLHEDE, KIVELSON, SONDHI, 1992), a maioria dos estudos que tra-

tou do (QHE) foi realizada a partir do aprisionamento do (2DEG) na interface entre

dois semicondutores ou entre um semicondutor e um dielétrico. Essa amostra bidi-

mensional é atravessada por um campo magnético B, que é transversal em relação

a corrente i que passa por ela. As medições das diferenças de potencial transversal
50

(∆VH ) e longitudinal (∆VL ) são dadas por,

∆VL ∆VH
Rxx = ; Rxy = . (224)
i i

pela lei de Ohm,

J=←

σ · E, (225)

obtemos,

Eα = ραβ Jβ e Jα = σαβ Eβ ,

α, β = 1, 2 = x, y. (226)

onde ραβ é a resistividade e σαβ a condutividade. A notação acima é uma notação

matricial e pode-se ver que a matriz resistividade é dada pela matriz inversa da con-

dutividade, ou seja,

σxx σxy
ρxx = 2 + σ2
; ρxy = − 2 + σ2
. (227)
σxx xy σxx xy

Como a resistência depende somente da geometria da amostra, é possı́vel ver que

para o caso da amostra retangular, as resistências podem ser expressadas da se-

guinte forma,

(L )( L ) (L )
Rxx = f ;δ ρxx e Rxy = g ; δ ρxy , (228)
W W W

onde L e W são a largura e o comprimento da amostra.

De acordo com(KARLHEDE, KIVELSON, SONDHI, 1992), f e g são funções cal-

culáveis e,
(ρ )
xy
δ = arctg , (229)
ρxx
51

que é chamado de ângulo de Hall e para casos especiais onde,

π
δ=0 e δ= , (230)
2

a corrente flui uniformemente pela amostra e f e g são iguais a 1. Portanto,

Rxx = ρxx e Rxy = ρxy . (231)

Segundo (KARLHEDE, KIVELSON, SONDHI, 1992), para o caso onde δ = π/2, a

figura a seguir mostra o gráfico da resistividade em função do campo magnético.

Figura 3: Gráfico da resistência em função do campo magnético.

Podemos observar que a medida de Rxy possui picos em faixas muito pequenas de

magnetismo, seguida por uma região onde não existe resistividade. Em compensação,

Rxx aumenta em quantidades fixas de magnetismo.


Segundo (KARLHEDE, KIVELSON, SONDHI, 1992), quando,


 Rxx → 0
T →0⇒ , (232)
 R → e2
xy h
52

portanto, para essas situações, o tensor condutividade Hall é dado por,

   
2
σxx σxy 0 Sxy eh
σαβ =  →
2
, (233)
σyx σyy −Syx eh 0

onde,
p
Sxy = , p = 1, 2, 3...; q = 1, 2, 3, ... (234)
q

Quando p/q é um valor inteiro, significa que estamos tratando do efeito Hall quântico

inteiro (IQHE), e quando não for inteiro, estamos tratando do efeito Hall quântico

fracionário (FQHE). Não discutiremos o (FQHE), no entanto, o assunto pode ser con-

sultado pelo leitor em uma das referências indicadas ao final deste trabalho.

Por fim, temos a condutividade dada por,

p e2
σxy = , (235)
qh

uma vez que p/q é um valor inteiro,

p
η= , (236)
q

como já abordamos,

e2
σxy = η ; η∈Z (237)
h

3.3 Algoritmo de Dirac-Bergmann aplicado

ao Efeito Hall Clássico

Vamos agora fazer uso do algoritmo de Dirac-Bergmann para o caso do Efeito Hall

Clássico. Para começar, devemos partir da ideia mais básica, ou seja, devemos par-

tir da Lagrangeana que representa a descrição do efeito Hall. Como o fenômeno

trata de uma partı́cula carregada que sob a ação de um campo eletromagnético ex-
53

terno, então, segundo (KLEBER, 2006), a Lagrangeana que descreve esse problema

é dada por,
mṙ2
L= − eV − e ṙ · A, (238)
2

onde V e o potencial elétrico e A é o potencial vetor magnético. A Lagrangeana

também pode ser escrita em termos das coordenadas generalizadas, e essa representação

é dada por,

2
mq̇ 2 ∑
2
L= i
−e q̇i Ai − eV, (239)
i=1
2 i=1

onde os ı́ndices 1 e 2 representam Y e Z, respectivamente.

Nosso objetivo é determinar a Hamiltoniana equivalente, mas antes, precisamos ve-

rificar o determinante da matriz Hessiana. A condição para que, durante a transição

de formalismo todas as velocidades sejam transformadas em momentos, é dada por,

Det(Wij ) ̸= 0. (240)

Já sabemos como definir a matriz Wij , portanto, fazendo os cálculos temos,

   
W1,1 W1,2 m 0
Wij =  =  (241)
W2,1 W2,2 0 m

logo,

Det(Wij ) ̸= 0. (242)

Como o determinante da matriz Wij é diferente de zero, então, todas as velocidades

são transformadas em momento, e não temos a presença de vı́nculos primários.

Podemos então escrever a Hamiltoniana da forma tradicional, ou seja,


H= pi q̇i − L, (243)
i
54

onde,

∂L
pi = , (244)
∂ q̇i

nesse caso,

pi = mq̇i − eAi , (245)

com isso,
pi + eAi
q̇i = , (246)
m

portanto,

∑2
pi ∑2
(pi + eAi )2 ∑ eAi
2
H= (pi + eAi ) − + (pi + eAi ) + eV (247)
i=1
m i=1
2m i=1
m

fazendo as simplificações,

2 [
∑ ]
(pi + eAi )2
H= + eV. (248)
i=1
2m

Sabemos que as equações de movimento podem ser expressas em termos dos

parênteses de Poisson, portanto,

q̇i = {qi , H} e ṗi = {pi , H}, (249)

fazendo os cálculos temos,


pi + eAi
q̇i = , (250)
m
( 2 ) ( 2 )
e2 ∑ ∂Aj e ∑ ∂Aj ∂V
ṗi = − Aj − pj +e . (251)
m j=1 ∂qi m j=1 ∂qi ∂qi

Tomando a derivada temporal de q̇i ,

( )
1 ∑
2
∂Ai ∂Ai
q̈i = ṗi + e q̇j + , (252)
m j=1
∂qj ∂t
55

para o caso do efeito Hall, o potencial vetor magnético não depende explicitamente

do tempo, então,

∂Ai
= 0. (253)
∂t

Substituindo ṗi e pj , temos

[ ]
e2 ∑ ∂Aj e ∑ ∑
2 2 2
1 ∂Aj ∂V ∂Ai
q̈i = − Aj − (mq̇j − eAj ) +e +e q̇j , (254)
m m j=1 ∂qi m j=1 ∂qi ∂qi j=1
∂q j

Após algumas simplificações,

( )
1 ∂V
q̈i = −eBij q̇j + e , (255)
m ∂qi

onde Bij é uma matrix 2 × 2, e antissimétrica (Bij = −Bji ), definida por

∂Aj ∂Ai
Bij = − . (256)
∂qi ∂qj

As equações para as componentes de qi são

( ) ( )
1 ∂V 1 ∂V
q̈1 = −eB q̇2 + e ; q̈2 = eB q̇1 + e , (257)
m ∂q1 m ∂q2

onde,

qi = (q1 , q2 ) , q1 = y , q2 = z (258)

e temos definido B12 = −B21 = B . Em notação matricial,

     
q̈1 −q̇2 ∂V
  = ωc  + e  ∂q1  , (259)
q̈2 q̇1 m ∂V
∂q2

onde ωc := eB/m.
56

No entanto, não existe variação de V ao longo de q1 , portanto,

∂V
= −EH , (260)
∂q2

e ao longo de q1 ,

∂V
= 0, (261)
∂q1

ou seja, a equação (171) é reduzida a

     
q̈1 −q̇2 0
  = ωc  + e  . (262)
q̈2 q̇1 m −EH

Pode-se ver que esse sistema é do mesmo tipo descrito na subseção anterior. A

solução desse sistema é a mesma que fora obtida, portanto,

( ) ( )
i EH ieiωc t EH EH
ξ(t) = v0 + − v0 + − t (263)
ωc B ωc B B

Esse resultado já era esperado, uma vez que a simples mudança de formalismo não

pode afetar a solução final do problema.

Como fizemos uma abordagem energética do efeito Hall através do formalismo Ha-

miltonaiano, uma pergunta fica em questão:

O que acontece quando elevamos o valor do campo magnético a um nı́vel tão in-

tenso, de maneira que o setor cinético torna-se desprezı́vel, ou seja, quando m→0?

Para responder a essa pergunta, precisamos analisar novamente esse problema, no

entanto, desprezando a parcela cinética da Lagrangeana. Nesse caso,

L = −eṙ · A − eV, (264)


57

em coordenadas generalizadas,


2
L = −e q̇i Ai − eV. (265)
i=1

A matriz Wij agora é dada por,

 
0 0
Wij =  , (266)
0 0

o que nos leva a ver que,

Det(Wij ) = 0, (267)

ou seja, Wij é uma matriz singular, portanto as velocidades generalizadas não são

independentes entre si. Definindo o momento canônico temos,

pi = −eAi , (268)

portanto,

ϕi = pi + eAi ≈ 0, (269)

onde as quantidades acima são os vı́nculos primários. A Hamiltoniana, agora modi-

ficada, é dada por,



2
HT = Hc + λi ϕ i , (270)
i=1


2 ∑
2 ∑
2
HT = pi q̇i + eAi q̇i + eV + λi ϕi , (271)
i=1 i=1 i=1

substituindo pi ,


2 ∑
2 ∑
2
HT = − eAi q̇i + eAi q̇i + eV + λi ϕ i , (272)
i=1 i=1 i=1
58

logo,


2
HT = eV + λi ϕ i , (273)
i=1

ou,


2
HT = Hc + λi ϕ i ; Hc = eV. (274)
i=1

Já vimos que para determinar os multiplicadores de Lagrange, precisamos verificar a

conservação do vı́nculo primário com o tempo. Para isso, vamos aplicar a equação

da consistência para os vı́nculos primários, ou seja,


2
ϕ̇i ≈ {ϕi , Hc } + λj {ϕi , ϕj } ≈ 0. (275)
j=1

Conforme já foi dito na seção que trata do Algoritmo de Dirac-Bergmann, precisa-

mos verificar dois fatores importantes. O primeiro deles é o parênteses de Poisson

dos vı́nculos com a Hamiltoniana canônica e o segundo é o determinante da matriz

composta pelos parênteses de Poisson de um vı́nculo com ele mesmo e cada outro

vı́nculo, como mostra a equação da consistência. Façamos então a verificação do

primeiro fator:

∂V ∂V
{ϕ1 , Hc } = −e e {ϕ2 , Hc } = −e . (276)
∂q1 ∂q2

Agora, vamos verificar o determinante da matriz {ϕi , ϕj }.

 
{ϕ1 , ϕ1 } {ϕ1 , ϕ2 }
{ϕi , ϕj } =  , (277)
{ϕ2 , ϕ1 } {ϕ2 , ϕ2 }
59

fazendo os cálculos,

 
0 −eB
{ϕi , ϕj } =  . (278)
eB 0

Pode-se ver que,

Det({ϕi , ϕj }) = e2 B 2 , (279)

ou seja, diferente de zero. Isso confirma a não singularidade dessa matriz, mos-

trando que todos os termos são independentes entre si e que não existem vı́nculos

secundários. Já vimos na seção 2.4 que os multiplicadores de Lagrange são dados

por,


λi = {ϕi , ϕj }−1 {ϕj , Hc }, (280)
i

portanto,

λ1 = {ϕ1 , ϕ2 }−1 {ϕ1 , Hc },

λ2 = {ϕ2 , ϕ1 }−1 {ϕ2 , Hc }. (281)

A inversa da matriz dos vı́nculos é dada por,

 
1
0
{ϕi , ϕj }−1 =  eB ,
− eB
1
0

portanto,

1 e∂V 1 ∂V
λ1 = − =− , (282)
eB ∂q1 B ∂q1
1 e∂V 1 ∂V
λ2 = − = , (283)
eB ∂q2 B ∂q2
60

mas,

∂V ∂V
=0 e = −EH , (284)
∂q1 ∂q2

logo,

EH
λ1 = 0 e λ2 = . (285)
B

Sabemos que,


2
HT = eV + λi ϕ i , (286)
i=1

obtemos então,
EH
HT = eV + (P2 + eA2 ) (287)
B

Pode-se ver também que essa situação representa o caso (3) do algoritmo, portanto,

podemos escrever as equações de movimento em termos dos parênteses de Dirac,

ou seja,

q̇i = {qi , HT }D e ṗi = {pi , HT }D . (288)

Façamos primeiro para o ı́ndice 1:


2
q̇1 = {q1 , Hc } − {q1 , ϕi }{ϕi , ϕj }−1 {ϕj , Hc }, (289)
i,j=1

onde {ϕi , ϕj }−1 é dado por,

 
1
0
{ϕi , ϕj }−1 =  eB , (290)
− eB
1
0
61

[
q̇1 = {qi , Hc } − {q1 , ϕ1 }{ϕ1 , ϕ1 }−1 {ϕ1 , Hc } + {q1 , ϕ1 }{ϕ1 , ϕ2 }−1 {ϕ2 , Hc } +
]
+{q1 , ϕ2 }{ϕ2 , ϕ1 }−1 {ϕ1 , Hc } + {q1 , ϕ2 }{ϕ2 , ϕ2 }−1 {ϕ2 , Hc } , (291)

logo,

q̇1 = {q1 , Hc } − {q1 , ϕ1 }{ϕ1 , ϕ2 }−1 {ϕ2 , Hc } − {q1 , ϕ2 }{ϕ2 , ϕ1 }−1 {ϕ1 , Hc }, (292)

como,

{q1 , Hc } = 0 e {q1 , ϕ2 } = 0, (293)

portanto,

1 ∂V
q̇1 = −{q1 , ϕ1 }{ϕ1 , ϕ2 }−1 {ϕ2 , Hc } = . (294)
B ∂q2

No entanto, já vimos que,

∂V
= −EH , (295)
∂q2

portanto,
EH
q̇1 = − . (296)
B

Agora para ṗ1 :


2
ṗ1 = {p1 , Hc } − {p1 , ϕi }{ϕi , ϕj }−1 {ϕj , Hc }, (297)
i,j=1

explicitando a equação,

ṗ1 = {p1 , Hc } − {p1 , ϕ1 }{ϕ1 , ϕ2 }−1 {ϕ2 , Hc } − {p1 , ϕ2 }{ϕ2 , ϕ1 }−1 {ϕ1 , Hc }, (298)
62

o que nos leva a,

∂V e ∂A2 ∂V
ṗ1 = −e + ,
∂q1 B ∂q1 ∂q1
∂V ( 1 ∂A2 )
ṗ1 = −e 1− , (299)
∂q1 B ∂q1

mas,

∂V
= 0, (300)
∂q1

logo,

ṗ1 = 0. (301)

Agora, façamos para o ı́ndice 2:


2
q̇2 = {q2 , Hc } − {q2 , ϕi }{ϕi , ϕj }−1 {ϕj , Hc }, (302)
i,j=1

portanto,

q̇2 = {q2 , Hc } − {q2 , ϕ1 }{ϕ1 , ϕ2 }−1 {ϕ2 , Hc } − {q2 , ϕ2 }{ϕ2 , ϕ1 }−1 {ϕ1 , Hc }, (303)

como,

{q2 , Hc } = 0 e {q2 , ϕ1 } = 0, (304)

logo,
1 ∂V
q̇2 = −{q2 , ϕ2 }{ϕ2 , ϕ1 }−1 {ϕ1 , Hc } = − = 0. (305)
B ∂q1

Agora para ṗ2 :


2
ṗ2 = {p2 , Hc } − {p2 , ϕi }{ϕi , ϕj }−1 {ϕj , Hc }, (306)
i,j=1
63

obtemos,

ṗ2 = {p2 , Hc } − {p2 , ϕ1 }{ϕ1 , ϕ2 }−1 {ϕ2 , Hc } − {P2 , ϕ2 }{ϕ2 , ϕ1 }−1 {ϕ1 , Hc }, (307)

o que nos leva a,

( )
∂V ∂A1 ∂V e ∂A2 ∂V
ṗ2 = −e − e − , (308)
∂q2 ∂q2 ∂q2 B ∂q2 ∂q1

dessa forma,
eEH ∂A1
ṗ2 = −eEH + . (309)
B ∂q2

Vamos nos concentrar nas equações relativas aos momentos. Já vimos que:

pi = −eAi , (310)

tomando,
dpi dAi
= −e = ṗi , (311)
dt dt

no entanto, sabe-se que o potencial vetor magnético não depende do tempo, por-

tanto,

ṗi = 0. (312)

Vejamos então ṗ1 :

ṗ1 = 0, (313)

ou seja, p1 é uma constante.

Vejamos agora ṗ2 :

eEH ∂A1
ṗ2 = −eEH + = 0, (314)
B ∂q2
64

portanto,

∂A1
=B (315)
∂q2

mas,

∂A2 ∂A1
B12 = − , (316)
∂q1 ∂q2

nesse caso,

∂A2
B12 = − B,
∂q1
∂A2
= 2B. (317)
∂q1

Podemos determinar o potencial vetor magnético utilizando essas equações,

∂A1
= B,
∂q2
∂A2
= 2B. (318)
∂q1

Integrando as duas relações,

∫ ∫
∂A1
dq2 = Bdq2 ⇒ A1 = Bzȷ̂
∂q2
∫ ∫
∂A2
dq1 = 2Bdq1 ⇒ A2 = −2By k̂, (319)
∂q1

obtêm-se,

A = Bzȷ̂ − 2By k̂. (320)


65

3.4 Comutadores e Vı́nculos

É de conhecimento que a Mecânica Quântica utiliza um formalismo matemático que

procura conectar os estados aos observáveis. No entanto, é comum durante o de-

senvolvimento desse formalismo aparecerem quantidades que não respeitam as leis

comutativa da multiplicação, ou seja,

ÂB̂ − B̂ Â ̸= 0, (321)

o que também pode ser entendido pelo caráter matricial da Mecânica Quântica 2 .

De acordo com (DIRAC, 1964), essa não comutatividade é proveniente de uma perturbação

no sistema, o que leva a uma mudança da observação. O princı́pio da incerteza de

Heisenberg mostra matematicamente através da expressão,

∆X̂∆P̂ > h, (322)

que é impossı́vel determinar simultaneamente, para qualquer sistema fı́sico, posição

e momento. No entanto, na Mecânica Clássica, essas perturbações nas medições

são desprezı́veis, uma vez que as dimensões do sistema não permitem uma mudança

significativa do resultado. Mas, para sistemas quânticos esses valores não podem ser

esquecidos, uma vez que as dimensões do sistema envolvem parâmetros da ordem

da constante de Planck, ou seja, de mesma ordem de incerteza.

Segundo (DIRAC, 1964), a Mecânica Clássica comutativa é um caso particular de

uma teoria mais geral, que engloba o clássico e o quântico, onde este último em

geral, é não comutativo. Portanto, uma tentativa para descrever esse formalismo da

não comutatividade pode ser feita através de uma analogia com a Mecânica Clássica.

Sabemos que quaisquer duas variáveis dinâmicas u e v possuem parênteses de


2
Os operadores da Mecânica Quântica estão representados por letras maiúsculas com chapéu.
66

Poisson definidos por,

∑ ( ∂u ∂v ∂u ∂v )
{u, v} = − , (323)
i
∂qi ∂pi ∂pi ∂qi

como já vimos na seção anterior e que pode ser encontrado no apêndice A. Ob-

servando as propriedades do apêndice A, vamos tomar o seguinte parênteses de

Poisson,

{u1 u2 , v1 v2 }, (324)

onde u1 ,u2 ,v1 e v2 são independentes entre si. Segundo as propriedades dos parênteses

de Poisson, podemos escrever essa relação de duas maneiras diferentes. Vejamos,

1a Maneira:

{u1 u2 , v1 v2 } = {u1 , v1 v2 }u2 + u1 {u2 , v1 v2 },

{u1 u2 , v1 v2 } = [{u1 , v1 }v2 + v1 {u1 , v2 }]u2 + u1 [{u2 , v1 }v2 + v1 {u2 , v2 }],

{u1 u2 , v1 v2 } = {u1 , v1 }v2 u2 + v1 {u1 , v2 }v2 + u1 {u2 , v1 }v2 + u1 v1 {u2 , v2 } .


(325)

2a Maneira:

{u1 u2 , v1 v2 } = {u1 u2 , v1 }v2 + v1 {u1 u2 , v2 },

{u1 u2 , v1 v2 } = {u1 , v1 }u2 v2 + u1 {u2 , v1 }v2 + v1 {u1 , v2 }u2 + v1 u1 {u2 , v2 }. (326)

Tomando esses dois resultados,

{u1 , v1 }(u2 v2 − v2 u2 ) = (u1 v1 − v1 u1 ){u2 , v2 }. (327)

Segundo (DIRAC, 1964), como u1 , v1 , u2 e v2 são independentes chega-se a con-

clusão que,

u1 v1 − v1 u1 = i~[u1 , v1 ]

u2 v2 − v2 u2 = i~[u2 , v2 ] , (328)
67

portanto, o equivalente do parênteses de Poisson na Mecânica Quântica é um comu-

tador, que também é conhecido por parênteses de Poisson Quântico,

{u, v} → i~[u, v]. (329)

Visto isso, vamos tratar o Efeito Hall à luz desse conceito de comutatividade. Sabe-

mos que duas quantidades comutam quando,

[Â, B̂] = ÂB̂ − B̂ Â = 0, (330)

caso contrário,

[Â, B̂] = δ. (331)

Segundo (GRIFFITHS, 2011), o operador posição e o operador momento não co-

mutam, pois é impossivel determinar um sem afetar o outro. A não comutatividade

desses operadores é dada por,

[X̂, P̂ ] = i~. (332)

Mas o que isso tem a ver com o algoritmo? A resposta para essa pergunta fica clara

após analisarmos o contexto a seguir.

Vamos tomar novamente a Lagrangeana que representa o Efeito Hall,


2
mq̇ 2 ∑
2
L= i
− eAi q̇i − eV, (333)
i=1
2 i=1

já vimos que essa lgrangeana não gera vı́nculos primários durante a transição para

o formalismo Hamiltoniano, então, podemos definir o momento canônico da seguinte

forma,

pi = mq̇i − eAi , (334)


68

chamando o momento dinâmico de,

πi = mq̇i , (335)

logo,

πi = pi + eAi . (336)

Note que essa quantidade é muito similar ao vı́nculo primário obtido anteriormente,

no entanto, ela não representa um vı́nculo em si. Portanto, pode-se ver que,

{πi , πj } = ϵij eB, (337)

de acordo com (POINCARE SEMINAR, 2004), podemos definir duas novas coorde-

nadas, R1 e R2 , nas quais os parênteses de Poisson com os momentos dinâmicos

são nulos. Portanto,

π2 π1
r1 = q1 − e r 2 = q2 − , (338)
eB eB

logo,

ϵij
{ri , rj } = − e {πi , Rj } = 0. (339)
eB

Podemos observar mais uma semelhança, dessa vez entre {ri , rj } e {ϕi , ϕj }−1 .

Segundo (POINCARE SEMINAR, 2004), a quantização de uma partı́cula carregada

em um campo magnético no formalismo hamiltoniano é fraca e o momento canônico

assume o caráter de operador e é dado por,


p̂i = −i~ , (340)
∂qi
69

o que nos leva a ver que,

i~
[π̂i , π̂j ] = −i~ϵij eB , [r̂i , r̂j ] = ϵij , [π̂i , r̂j ] = 0 . (341)
eB

No entanto, essa é uma descrição muito geral da quantização do Efeito Hall, sem

considerações ou calibres. Já vimos que os parênteses de Poisson entre os vı́nculos

são dados por,

{ϕi , ϕj } = ϵij eB, (342)

logo,

[π̂i , π̂j ] = −i~{ϕi , ϕj }. (343)

Se tomarmos o parênteses de Dirac das posições obtidos no no caso estudado te-

mos,
ϵij
{qi , qj }D = , (344)
eB

o que mostra que agora, os parênteses de Dirac são os equivalentes aos comutado-

res. Essa é uma relação muito importante, ela conecta a teoria com a fenomenolo-

gia que leva a quantização do efeito Hall. Quando consideramos a energia cinética

como desprezı́vel em relação ao potencial vetor magnético, acabamos impondo uma

restrição ao sistema. Fizemos isso no intuito de estabelecer uma conexão entre a

teoria e o resultado empı́rico, uma vez que tal aproximação pode ser considerada.

Através da equação do comutador e dos parênteses de Poisson dos vı́nculos, po-

demos ver que essa aproximação implica diretamente na quantização, onde o mo-

mento canônico transforma-se em um operador. Graças a isso, podemos frisar que, a

questão da quantização do efeito Hall é um problema de limite do efeito Hall clássico,

ou seja, existe um limite até onde a teoria clássica consegue modelar o fenômeno.
70

4 Conclusões

Através de toda essa análise, conseguimos mostrar a importância do ensino de tal

técnica para o estudante de Fı́sica.

Foi possı́vel observar uma conexão entre o Efeito Hall Clássico e Quântico, através do

tratamento de sistemas vinculados. Por mais que essa conexão não seja tão direta,

a abordagem dos vı́nculos mostra que o modelo clássico mostra-se incompleto na

tentativa de explicar a fenomenologia em tais situações, fazendo com que pensemos

em uma mudança no modelo através de uma possı́vel quantização de grandezas.

Quando abordamos a conexão entre os comutadores e os vı́nculos, vimos que tais

quantidades também podiam ser obtidas através do caso não vinculado, no entanto,

como as mesmas não representavam vı́nculos, não fazia sentido discuti-las, o que

mostra um nı́vel de interpretação fı́sica mais profundos por parte de tal técnica.

Isso revela a importância do algoritmo, onde existe um trabalho matemático com-

plexo seguido de uma interpretação fı́sica em cada etapa do processo. Os vı́nculos

se mostraram muito mais do que simples quantidades que não foram satisfeitas, mas

sim, quantidades que representam a resposta do sistema às condições que são sub-

metidos.

Portanto, o ensino de tal técnica durante o curso de Mecânica Analı́tica é de extrema

importância, pois mostra ao estudante que tipo de ferramentais são utilizados no

universo da pesquisa cientı́fica, além do fato de o mesmo se familiarizar com sistemas

não tão ideais.


71

5 Apêndice A: Propriedades dos parênteses de Pois-

son e Dirac

Nessa seção faremos uma discussão breve sobre as propriedades dos parênteses

de Poisson e Dirac. Essas propriedades são muito úteis em algumas ocasiões como

já vimos no tópico sobre comutadores.

5.1 Parênteses de Poisson

As propriedades dos parênteses de Poisson são as seguintes: i) Anti-simetria:

{A,B} = - {B,A}.

ii) Linearidade:

{A + β B,C} = {A,C} + β {B,C},

onde β é uma constante.

iii) Produto:

{AB,C} = A{B,C} + {A,C}B ; {A,BC} = {A,B}C + B{A,C}.

iv) Identidade de Jacobi:

{{A,B},C} + {{B,C},A} + {{C,A},B} = 0.

5.2 Parênteses de Dirac

Na última etapa desta seção, vamos tratar apenas das propriedades dos parênteses

de Dirac, qualquer discussão mais aprofundada sobre esse assunto pode ser con-

sultada nas referências citadas ao final deste trabalho. Os parênteses de Dirac são
72

dados por,

{F, G}D = {F, G} − {F, ξu }∆−1


ku {ξk , G}. (345)

Segue abaixo as propriedades desses parênteses:

i) Anti-simetria:

{F, G}D = −{G, F }D .

ii) Linearidade:

{c1 F1 + c2 F2 , G}D = c1 {F1 , G}D + c2 {F2 , G}.

iii) Regra do produto:

{F G, H}D = F {G, H}D + {F, H}D G.

iv) Identidade de Jacobi:

{F, {G, H}D }D + {G, {H, F }D }D + {H, {F, G}D }D = 0.


73

6 Referências Bibliográficas

Referências

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