O LIVRO DAS CITAÇÕES

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O LIVRO

DAS CITAÇÕES
— NOSSO LAR —

1
Oh!
NÃO DEIXEIS
APAGAR A CHAMA! Mantida de
século em século nesta escura caverna, em
seus templos sagrados! Sustentada por
puros ministros do amor! Não deixeis que
esta divina chama se extingua!

2
CAPÍTULO 1 | NAS ZONAS INFERIORES

A VIDA NÃO CESSA.


A vida é fonte eterna, e a morte é o jogo escuro das
ilusões. O grande rio tem seu trajeto, antes do mar
imenso. Copiando-lhe a expressão, a alma percorre
igualmente caminhos variados e etapas diversas,
também recebe afluentes de conhecimentos, aqui e
ali, avoluma-se em expressão e purifica-se em
qualidade, antes de encontrar o oceano
eterno da sabedoria.
— PÁGINA 13

3
UMA EXISTÊNCIA É UM ATO
Um corpo — uma veste
Um século — um dia
Um serviço — uma experiência
Um triunfo — uma aquisição
Uma morte — um sopro renovador
Quantas existências, quantos corpos, quantos séculos,
quantos serviços, quantos triunfos, quantas mortes
necessitamos ainda?
— PÁGINA 13

Ai!

por toda parte,


os cultos em doutrina e
os analfabetos do espírito!
— PÁGINA 14

4
Manifestamo-nos,
junto a vós outros,
no anonimato que
obedece à caridade
fraternal. A existência
humana apresenta grande
maioria de vasos frágeis, que
não podem conter
ainda toda a verdade.
— PÁGINA 14

Eu guardava a impressão de haver perdido a ideia de tempo.


A noção de espaço esvaíra-se-me de há muito.
Estava convicto de não mais pertencer
ao número dos encarnados no mundo, no entanto
meus pulmões respiravam a longos haustos.
Desde quando me tornara joguete de forças
irresistíveis? Impossível esclarecer.
— PÁGINA 17

5
Algum companheiro
desconhecido estaria, a meu ver,
prisioneiro da loucura.
Formas diabólicas, rostos alvares, expressões
animalescas surgiam de quando em quando,
agravando-me o assombro. A paisagem, quando
não totalmente escura, parecia banhada de luz
alvacenta, como que amortalhada em neblina
espessa, que os raios de sol aquecessem
de muito longe.
— PÁGINA 17

O medo me impelia de
roldão. Onde o lar, a esposa,
os filhos? Perdera toda a noção
de rumo. O receio do ignoto e o
pavor da treva absorviam-me
todas as faculdades de raciocínio,
logo que me desprendera dos
últimos laços físicos, em pleno
sepulcro! Atormentava-me a
consciência: preferiria a
ausência total da razão,
o não ser.
— PÁGINA 18

6
DE INÍCIO, AS LÁGRIMAS
LAVAVAM-ME INCESSANTEMENTE O ROSTO
e apenas, em minutos raros, felicitava-me a bênção do
sono. Interrompia-se, porém, bruscamente, a sensação
de alívio. Seres monstruosos acordavam-me, irônicos;
era imprescindível fugir deles. Reconhecia, agora,
a esfera diferente a erguer-se da poalha [poeira]
do mundo e, todavia, era tarde.
Pensamentos angustiosos
atritavam-me o cérebro.
Mal delineava projetos de solução, incidentes numerosos
impeliam-me a considerações estonteantes.

Os princípios puramente filosóficos,


políticos e científicos figuravam-se-me
agora extremamente secundários para
a vida humana. Significavam, a meu
ver, valioso patrimônio nos planos da
Terra, mas URGIA RECONHECER QUE
A HUMANIDADE NÃO SE CONSTITUI
DE GERAÇÕES TRANSITÓRIAS, E SIM
DE ESPÍRITOS ETERNOS, a caminho de
gloriosa destinação. Verificava que
alguma coisa permanece acima de
toda cogitação meramente intelectual.
— PÁGINA 18

7
Em verdade,
não fora um criminoso,
no meu próprio conceito.
A filosofia do imediatismo, porém, absorvera-me.

ALGO ME FAZIA EXPERIMENTAR


A NOÇÃO DE TEMPO PERDIDO, COM A
SILENCIOSA ACUSAÇÃO DA CONSCIÊNCIA.
Habitara a Terra, gozara-lhe os bens, colhera
as bênçãos da vida, mas não lhe retribuíra
ceitil do débito enorme.

Não desenvolvera os
GERMES DIVINOS
que o Senhor da Vida
colocara em minha alma.
Sufocara-os, criminosamente, no desejo
incontido de bem-estar. Não adestrara
órgãos para a vida nova.

— PÁGINA 19

8
Ó amigos da Terra!
Quantos de vós podereis evitar
o caminho da amargura com o preparo
dos campos interiores do coração?
ACENDEI VOSSAS LUZES
antes de atravessar a grande sombra.
BUSCAI A VERDADE
antes que a verdade vos surpreenda.
Suai agora para não chorardes depois.
— PÁGINA 20

9
CAPÍTULO 2 | CLARÊNCIO

“Suicida! Suicida! Criminoso! Infame!”


gritos assim cercavam-me de todos os lados.

GARGALHADAS SARCÁSTICAS
FERIAM ME OS OUVIDOS,
enquanto os vultos negros desapareciam na sombra.
PARA QUEM APELAR? Torturavam-me a fome, a sede me
escaldava. Comezinhos fenômenos da experiência material
patenteavam-se-me aos olhos. Crescera-me a barba,
a roupa começava a romper-se com os esforços da resistência,
na região desconhecida.

10
A circunstância mais dolorosa, no entanto,
não era o terrível abandono a que me sentia votado, mas
O ASSÉDIO INCESSANTE
DE FORÇAS PERVERSAS
que me assomavam nos caminhos ermos
e obscuros. Irritavam-me, aniquilavam-me
a possibilidade de concatenar ideias.

- Que buscas, infeliz? Aonde vais, suicida?


Tais objurgatórias, incessantemente repetidas, perturbavam-me
o coração. Infeliz, sim; mas suicida? - Nunca! Essas increpações,
ao meu ver, não eram procedentes. Eu havia deixado o corpo
físico a contragosto. Recordava meu porfiado duelo com a morte.
Ainda julgava ouvir os últimos pareceres médicos,
enunciados na Casa de Saúde.

11
A última cena que precedera o grande
sono: Minha esposa ainda jovem e os
três filhos contemplando-me no terror
da eterna separação. Depois ...o
despertar na paisagem úmida e
escura e a grande caminhada que
parecia sem-fim.

(...) fim, senti que as lágrimas


longamente represadas
visitavam-me com mais
frequência, extravasando
do coração.

A QUEM RECORRER?
Por maior que fosse a cultura
intelectual trazida do mundo,
não poderia alterar
agora a realidade da vida.
Meus conhecimentos ante o infinito
semelhavam-se a pequenas bolhas de sabão levadas ao vento
impetuoso que transforma as paisagens.

12
Eu era alguma coisa que o tufão da verdade carreava para muito
longe. Entretanto, a situação não modificava a outra realidade
do meu ser essencial. Perguntando a mim mesmo se não
enlouquecera, encontrava a consciência vigilante,
esclarecendo-me que CONTINUAVA A SER EU MESMO, com o
sentimento e a cultura colhidos na experiência material.

Foi quando comecei a recordar que deveria existir um


Autor da Vida, fosse onde fosse. Essa ideia confortou-me.
Eu, que detestara as religiões no mundo, experimentava
agora a necessidade de conforto místico.
(...)
E quando as energias me faltaram de todo, quando me senti
absolutamente colado ao todo da Terra, sem forças para
reerguer-me, pedi ao supremo Autor da natureza me estendesse
mãos paternais, em tão amargurosa emergência.

13
Ah!
É preciso haver sofrido muito
para entender todas as
misteriosas belezas da oração;
É necessário haver conhecido o remorso,
a humilhação, a extrema desventura para
tomar com eficácia o sublime elixir de
esperança.

Foi nesse instante que as neblinas espessas se


dissiparam e alguém surgiu, emissário dos céus.
Um velhinho simpático me sorriu paternalmente. Inclinou-se,
fixou nos meus os grandes olhos lúcidos e falou:
CORAGEM, MEU FILHO!
O SENHOR NÃO TE DESAMPARA.

14
- QUEM SOIS, GENEROSO EMISSÁRIO DE DEUS?
O inesperado benfeitor sorriu bondoso e respondeu
- Chama-me Clarêncio, sou apenas teu irmão.

E, percebendo o
meu esgotamento,
acrescentou:
- Agora permanece
calmo e
silencioso.
É preciso
descansar para
reaver as energias.

Em seguida, chamou dois companheiros que


guardavam atitude de servos desvelados e ordenou:
- Prestemos ao nosso amigo os socorros de emergência.

Quando me alçavam cuidadosos, Clarêncio meditou um instante


e esclareceu, como quem recorda inadiável obrigação:

- Vamos sem demora.


Preciso atingir Nosso Lar com a presteza possível.

15
CAPÍTULO 3 | A ORAÇÃO COLETIVA

Clarêncio, que se apoiava num cajado de substância luminosa,


deteve-se à frente de grande porta encravada em altos muros,
cobertos de trepadeiras floridas e graciosas.
TATEANDO UM PONTO
DA MURALHA, FEZ-SE
LONGA ABERTURA,
através da qual penetramos,
silenciosos.

Branda claridade inundava


ali todas as coisas. Ao longe,
gracioso foco de luz dava a
ideia de um pôr do sol em
tardes primaveris.
A medida que
avançávamos, conseguia
identificar preciosas
construções, situadas em
extensos jardins.

– Estamos nas esferas espirituais vizinhas da Terra,


e o Sol que nos ilumina neste momento é o mesmo que nos
vivificava o corpo físico. Aqui, entretanto, nossa percepção visual
é muito mais rica. A estrela que o Senhor acendeu para os
nossos trabalhos terrestres é mais preciosa e bela do que a
supomos quando no círculo carnal. Nosso Sol é a divina matriz
da vida e a claridade que irradia provém do Autor da Criação.

16
A essa altura, serviram-me caldo reconfortante,
seguido de água muito fresca, que me pareceu
PORTADORA DE FLUIDOS DIVINOS.
Aquela reduzida porção de líquido reanimava-me
inesperadamente. Não saberia dizer que espécie de sopa era
aquela; se alimentação sedativa, se remédio salutar. Novas
energias amparavam-me a alma, profundas comoções
vibravam-me no espírito.

É chegado o crepúsculo em "Nosso Lar".


Em todos os núcleos desta colônia de trabalho, consagrada
ao Cristo, há ligação direta com as preces da Governadoria.

Mal terminara a explicação, as setenta e duas figuras


começaram a cantar harmonioso hino, repleto de indefinível
beleza. A fisionomia de Clarêncio, no
CÍRCULO DOS VENERÁVEIS COMPANHEIROS,
figurou-se-me tocada de mais intensa luz.

17
(...) desenhou-se ao longe, em plano elevado,
UM CORAÇÃO MARAVILHOSAMENTE AZUL,
COM ESTRIAS DOURADAS.
Cariciosa música, em seguida, respondia aos louvores,
procedente talvez de esferas distantes. Foi aí que abundante
chuva de flores azuis se derramou sobre nós; mas, se fixávamos
os miosótis celestiais, não conseguíamos detê-los nas mãos.

18
CAPÍTULO 4 | O MÉDICO ESPIRITUAL

— Sim — esclareceu o médico,


demonstrando a mesma serenidade superior —,
mas a oclusão radicava-se em causas profundas.
Talvez o amigo não tenha ponderado bastante.
O organismo espiritual apresenta em si mesmo a
história completa das ações praticadas no mundo.
— PÁGINA 32

A moléstia talvez não assumisse


características tão graves, se o seu
procedimento mental no planeta
estivesse enquadrado nos
princípios da fraternidade e da
temperança. Entretanto, seu modo
especial de conviver, muita vez
exasperado e sombrio, captava
destruidoras vibrações naqueles que o
ouviam. Nunca imaginou que a
cólera fosse manancial de forças
negativas para nós mesmos? A
ausência de autodomínio, a inadvertência
no trato com os semelhantes, aos quais
muitas vezes ofendeu sem refletir,
conduziam-no frequentemente à esfera
dos seres doentes e inferiores. Tal
circunstância agravou, de muito, o seu
estado físico. — PÁGINA 32

19
— Os órgãos do corpo somático possuem incalculáveis
reservas, segundo os desígnios do Senhor. O meu amigo, no
entanto, iludiu excelentes oportunidades, desperdiçando
patrimônios preciosos da experiência física.
A longa tarefa, que lhe foi confiada pelos maiores da
Espiritualidade superior, foi reduzida a meras tentativas de
trabalho que não se consumou.
TODO O APARELHO GÁSTRICO FOI DESTRUÍDO À
CUSTA DE EXCESSOS DE ALIMENTAÇÃO E BEBIDAS
ALCOÓLICAS, APARENTEMENTE SEM IMPORTÂNCIA.
Devorou-lhe a sífilis energias essenciais. Como vê, o suicídio é
incontestável.
— PÁGINA 33

Na vida humana,
conseguia ajustar
numerosas máscaras
ao rosto, talhando-as
conforme as situações.
Aliás, não poderia supor,
noutro tempo, que me
seriam pedidas contas de
episódios simples, que
costumava considerar como
fatos sem maior significação.
— PÁGINA 33

20
Deparava-se-me, porém, agora, outro sistema de verificação das
faltas cometidas. Não me defrontavam tribunais de tortura,
nem me surpreendiam abismos infernais; contudo,
BENFEITORES SORRIDENTES COMENTAVAM-ME AS
FRAQUEZAS COMO QUEM CUIDA DE UMA CRIANÇA
DESORIENTADA, longe das vistas paternas. Aquele interesse
espontâneo, no entanto, feria-me
a vaidade de homem. Talvez que,
visitado por figuras diabólicas a
me torturarem, de tridente nas
mãos, encontrasse forças para
tornar a derrota menos amarga.
Todavia, a bondade exuberante
de Clarêncio, a inflexão de
ternura do médico e a
calma fraternal do enfermeiro
penetravam-me fundo o espírito.
Não me dilacerava
o desejo de reação;
doía-me a vergonha.
E chorei.
— PÁGINA 33

Minha visão espiritual só existia, agora, uma realidade torturante:


era verdadeiramente um suicida,
perdera o ensejo precioso da experiência humana,
não passava de náufrago a quem se recolhia por caridade.
— PÁGINA 34

21
Acalma-te, pois.
Aproveita os tesouros do arrependimento,
guarda a bênção do remorso,
embora tardio, sem esquecer que a aflição não resolve
problemas. Confia no Senhor e em nossa dedicação fraternal.
Sossega a alma perturbada, porque muitos de nós outros já
perambulamos igualmente nos teus caminhos.
— PÁGINA 34

22
CAPÍTULO 5 | RECEBENDO ASSISTÊNCIA

Lísias:
— Sou visitador dos serviços de saúde.
Nessa qualidade, não só coopero na enfermagem,
como também assinalo necessidades de socorro
ou providências que se refiram a enfermos
recém-chegados.
— PÁGINA 37

NOSSO LAR NÃO É ESTÂNCIA DE


ESPÍRITOS PROPRIAMENTE VITORIOSOS,
se conferirmos ao termo sua razoável acepção.
Somos felizes, porque temos trabalho; e
A ALEGRIA HABITA CADA RECANTO DA COLÔNIA,
porque o Senhor não nos retirou o pão abençoado do serviço.
— PÁGINA 38

23
As religiões, no planeta, convocam as criaturas ao banquete
celestial. Em sã consciência, ninguém que se tenha aproximado,
um dia, da noção de Deus, pode alegar ignorância nesse
INCONTÁVEL É O NÚMERO DOS
particular.
CHAMADOS, MEU AMIGO; MAS ONDE
OS QUE ATENDEM AO CHAMADO?

Com raras exceções, a massa humana prefere


aceder a outro gênero de convites. Gasta-se a possibilidade
nos desvios do bem, agrava-se o capricho de cada um,
elimina-se o corpo físico a golpes de irreflexão.
RESULTADO: MILHARES DE CRIATURAS RETIRAM-SE
DIARIAMENTE DA ESFERA DA CARNE EM DOLOROSO
ESTADO DE INCOMPREENSÃO. Multidões sem conta erram
em todas as direções nos círculos imediatos à crosta planetária,
constituídas de loucos, doentes e ignorantes.
— PÁGINA 39

24
— Caso dos muitos chamados, meu caro.
O SENHOR NÃO ESQUECE
HOMEM ALGUM; TODAVIA,
RARÍSSIMOS HOMENS O RECORDAM.
— PÁGINA 40

— Quando as lágrimas não se originam


da revolta, sempre constituem remédio depurador.
CHORE, MEU AMIGO. DESABAFE O CORAÇÃO.
— PÁGINA 40

25
CAPÍTULO 6 | PRECIOSO AVISO

Clarêncio ouvia atencioso, demonstrando grande


interesse pelas minhas lamentações, sem o menor gesto que
denunciasse o propósito de intervir no assunto. Encorajado com essa
atitude, continuei (...) Chegado a essa altura, o vendaval da queixa
me conduzira o barco mental ao oceano largo das lágrimas.
Clarêncio, contudo, levantou-se sereno e falou sem afetação:

— MEU AMIGO, DESEJA VOCÊ, DE FATO,


A CURA ESPIRITUAL?
Ao meu gesto afirmativo, continuou: — Aprenda, então, a não
falar excessivamente de si mesmo, nem comente a própria
dor. Lamentação denota
enfermidade mental e
enfermidade de curso
laborioso e tratamento
difícil. É indispensável
criar pensamentos novos
e disciplinar os lábios.
Somente conseguiremos
equilíbrio, abrindo o
coração ao Sol da
Divindade.
— PÁGINA 44

Estaremos a seu lado para resolver dificuldades presentes e


estruturar projetos de futuro, mas não dispomos do tempo
para voltar a zonas estéreis de lamentação.
— PÁGINA 45

26
CAPÍTULO 7 | EXPLICAÇÕES DE LÍSIAS

À medida que procurava habituar-me aos deveres novos,


sensações de desafogo me aliviavam o coração.
Diminuíram as dores e os impedimentos
de locomoção fácil. Notava, porém, que, às recordações mais
fortes dos fenômenos físicos, me voltavam a angústia, o receio do
desconhecido, a mágoa da inadaptação. Apesar de tudo,
encontrava mais segurança dentro de mim.

Deleitava-me, agora, contemplando os horizontes


vastos, debruçado às janelas espaçosas.
Impressionavam-me, sobretudo, os aspectos da natureza.
QUASE TUDO, MELHORADA CÓPIA DA TERRA.
Cores mais harmônicas, substâncias mais delicadas.
Forrava-se o solo de vegetação. Grandes árvores, pomares
fartos e jardins deliciosos.
(...)
Das janelas largas, observava, curioso, o movimento do parque.
Extremamente surpreendido, identificava animais domésticos
entre as árvores frondosas, enfileiradas ao fundo.
— PÁGINAS 47 e 48

27
NAS MINHAS LUTAS
INTROSPECTIVAS,
PERDIA-ME EM INDAGAÇÕES
DE TODA SORTE.
Não conseguia atinar com a
multiplicidade de formas análogas às
do planeta, considerando a
circunstância de me encontrar numa
esfera propriamente espiritual.
— PÁGINA 48

A MORTE DO CORPO NÃO


CONDUZ O HOMEM A
SITUAÇÕES MIRACULOSAS, dizia. Todo processo
evolutivo implica gradação. Há regiões múltiplas para
os desencarnados, como existem planos inúmeros e
surpreendentes para as criaturas envolvidas de carne terrestre.
Almas e sentimentos, formas e coisas obedecem a princípios
de desenvolvimento natural e hierarquia justa.
— PÁGINA 48

28
— Pois note — esclareceu Lísias —, sua mãe
o tem ajudado dia e noite, desde a crise
que antecipou sua vinda. Quando se
acamou para abandonar o casulo terrestre,
duplicou-se o interesse maternal a seu
respeito. Talvez não saiba ainda que sua
permanência nas esferas inferiores durou
mais de oito anos consecutivos. ELA
JAMAIS DESANIMOU. INTERCEDEU,
MUITAS VEZES, EM NOSSO LAR, A
SEU FAVOR. Rogou os bons ofícios de
Clarêncio, que começou a visitá-lo
frequentemente, até que o médico da Terra,
vaidoso, se afastasse um tanto, a fim de
surgir o filho dos céus. Compreendeu?
— PÁGINA 49

Não sabe que há chuvas que destroem e


chuvas que criam? Lágrimas há também
assim. É lógico que o Senhor não espere por
nossas rogativas para nos amar; no entanto, é
indispensável nos colocarmos em determinada
posição receptiva, a fim de compreender-lhe a
infinita bondade. Um espelho enfuscado não
reflete a luz. Desse modo, o Pai não precisa de
nossas penitências, mas convenhamos que as
penitências prestam ótimos serviços a nós mesmos.
— PÁGINA 49

29
Clarêncio não teve dificuldade em
localizá-lo, atendendo aos apelos de
sua carinhosa genitora da Terra;
você, porém, demorou muito
a encontrar Clarêncio.
*
Não vive em Nosso Lar — esclareceu Lísias
—, habitaesferas mais altas, onde
trabalha não somente por você.
*
QUANDO ALGUÉM DESEJA
ALGO ARDENTEMENTE,
JÁ SE ENCONTRA A CAMINHO
DA REALIZAÇÃO.
*
Quando mentalizou firmemente a necessidade de receber o
auxílio divino, DILATOU O PADRÃO VIBRATÓRIO DA MENTE E
ALCANÇOU VISÃO E SOCORRO.
*
Convém não esquecer, contudo, que a realização nobre exige
três requisitos fundamentais, a saber: PRIMEIRO, DESEJAR;
SEGUNDO, SABER DESEJAR; E, TERCEIRO, MERECER, ou, por
outros termos, vontade ativa, trabalho persistente e
merecimento justo.
— PÁGINA 50

30
CAPÍTULO 8 | ORGANIZAÇÃO DE SERVIÇOS

Impressionou-me o espetáculo das ruas.


Vastas avenidas, enfeitadas de árvores frondosas. Ar puro, atmosfera
de profunda tranquilidade espiritual.

Não havia, porém, qualquer


sinal de inércia ou de ociosidade,
porque as vias públicas estavam repletas.
Entidades numerosas iam e vinham.

— PÁGINA 51

Há, então, em Nosso Lar,


um Ministério do Auxílio?
— perguntei. — Como não?
Nossos serviços são distribuídos numa
organização que se aperfeiçoa dia a dia, sob a orientação
dos que nos presidem os destinos.

— PÁGINA 52

31
Não tem visto, nos atos da prece, nosso governador espiritual
cercado de 72 colaboradores? Pois são os ministros de Nosso Lar.
A colônia, que é essencialmente de trabalho e
realização, divide-se em seis Ministérios, orientados, cada qual,
por 12 ministros.

— PÁGINA 52

Ministérios da Regeneração, do Auxílio, da Comunicação, do


Esclarecimento, da Elevação e da União Divina.

(...)

quatro primeiros nos aproximam das esferas terrestres, os dois


últimos nos ligam ao plano superior, visto que a nossa cidade
espiritual é ZONA DE TRANSIÇÃO.

— PÁGINA 52

32
Clarêncio, o nosso chefe amigo, é um dos ministros do Auxílio.

(...)

— Sim — esclareceu Lísias —, o véu da


ilusão é muito denso nos círculos carnais.
O HOMEM VULGAR IGNORA QUE TODA
MANIFESTAÇÃO DE ORDEM, NO MUNDO,
PROCEDE DO PLANO SUPERIOR.

(...)

natureza agreste transforma-se em jardim,


quando orientada pela mente do homem, e o
pensamento humano, selvagem na criatura
primitiva, transforma-se em POTENCIAL
CRIADOR, QUANDO INSPIRADO
PELAS MENTES QUE FUNCIONAM
NAS ESFERAS MAIS ALTAS.

NENHUMA ORGANIZAÇÃO ÚTIL


SE MATERIALIZA NA CROSTA
TERRENA SEM QUE SEUS
RAIOS INICIAIS PARTAM DE CIMA.

— PÁGINA 52

33
Nosso Lar é antiga fundação de portugueses distintos,
desencarnados no Brasil no século XVI.

(...)

Apontando o palácio, continuou:


— Temos, nesta praça, o ponto de convergência dos seis Ministérios
a que me referi. Todos começam da Governadoria,
ESTENDENDO-SE EM FORMA TRIANGULAR.
(...)

— Ali vive o nosso abnegado orientador.


Nos trabalhos administrativos, utiliza ele a colaboração
de três mil funcionários; entretanto,
É ELE O TRABALHADOR MAIS INFATIGÁVEL
E MAIS FIEL QUE TODOS NÓS REUNIDOS.
— PÁGINA 53

34
ministros costumam excursionar noutras esferas,
renovando energias e valorizando conhecimentos;
nós outros gozamos entretenimentos habituais,
mas o governador nunca dispõe de tempo para isso.
— PÁGINA 54

35
CAPÍTULO 9 | PROBLEMA DE ALIMENTAÇÃO

Caprichosos repuxos de água


colorida ziguezagueavam
no ar, formando
figuras encantadoras.

Rezam os anais que


a colônia, há
um século, lutava
com extremas dificuldades
para adaptar os habitantes
às leis da simplicidade.
Muitos recém-chegados ao Nosso Lar
duplicavam exigências.
— PÁGINA 55

A pedido da Governadoria, vieram


duzentos instrutores de uma esfera
muito elevada, a fim de se espalharem
NOVOS CONHECIMENTOS
RELATIVOS À CIÊNCIA DA
RESPIRAÇÃO
E DA ABSORÇÃO DE PRINCÍPIOS
VITAIS DA ATMOSFERA.
— PÁGINA 56

36
Alguns colaboradores técnicos
de Nosso Lar manifestavam-se contrários,
alegando que a cidade é de transição e que não seria
justo, nem possível, desambientar imediatamente os
homens desencarnados, mediante exigências desse teor, sem
grave perigo para suas organizações espirituais.

Prosseguiram as reuniões, providências e atividades,


DURANTE TRINTA ANOS CONSECUTIVOS.

Algumas entidades eminentes chegaram a formular


protestos de caráter público, reclamando. — PÁGINA 56

O governador, porém, jamais castigou alguém. — PÁGINA 57

37
Depois de 21 anos de perseverantes demonstrações por parte da
Governadoria, aderiu o Ministério da Elevação, passando a
abastecer-se apenas do indispensável. O mesmo não aconteceu
com o Ministério do Esclarecimento, que demorou
muito a assumir compromisso, em vista dos numerosos Espíritos
dedicados às ciências matemáticas, que ali trabalham.
ERAM ELES OS MAIS TEIMOSOS ADVERSÁRIOS.
Mecanizados nos processos de proteínas e carboidratos,
imprescindíveis aos veículos físicos, não cediam terreno nas
concepções correspondentes daqui.
— PÁGINA 57

Encorajados pela rebeldia dos cooperadores do


Esclarecimento, os Espíritos menos elevados que ali se recolhiam
entregaram-se a condenáveis manifestações. Tudo isso provocou
enormes cisões nos órgãos coletivos de Nosso Lar, DANDO
ENSEJO A PERIGOSO ASSALTO DAS MULTIDÕES
OBSCURAS DO UMBRAL, QUE TENTARAM INVADIR A
CIDADE, aproveitando brechas nos serviços de Regeneração, em
que grande número de colaboradores entretinha certo intercâmbio
clandestino, em virtude dos vícios de alimentação.
Dado o alarme, o governador não se perturbou. Terríveis
ameaças pairavam sobre todos.
— PÁGINA 58

38
Pela primeira vez na sua administração,
MANDOU LIGAR AS BATERIAS ELÉTRICAS
DAS MURALHAS DA CIDADE para emissão
de dardos magnéticos
a serviço da defesa comum.
Não houve combate, nem
ofensiva da colônia,
MAS RESISTÊNCIA RESOLUTA.

Por mais de seis meses, os serviços de


alimentação, em Nosso Lar, foram reduzidos
àINALAÇÃO DE PRINCÍPIOS
VITAIS DA ATMOSFERA, por meio da
respiração, e água misturada a elementos
solares, elétricos e magnéticos.

— PÁGINA 58

O próprio Ministério do Esclarecimento reconheceu


o erro e cooperou nos trabalhos de reajustamento.
Houve, então, regozijo público e dizem que, em meio da alegria
geral, o governador chorou sensibilizado, declarando que
A COMPREENSÃO GERAL CONSTITUÍA O
VERDADEIRO PRÊMIO AO SEU CORAÇÃO.
— PÁGINA 59

39
CAPÍTULO 10 | NO BOSQUE DAS ÁGUAS

Chegados a extenso ângulo da praça, o generoso amigo acrescentou:


— Esperemos o aeróbus.
Mal me refazia da surpresa, quando surgiu grande carro,
suspenso do solo a uma altura de cinco metros mais ou menos
e repleto de passageiros. Ao descer até nós, à maneira de um
elevador terrestre, examinei-o com atenção. Não era máquina
conhecida na Terra. Constituída de material muito flexível,
tinha enorme comprimento, parecendo ligada a fios
invisíveis, em virtude do grande número de antenas na tolda.
Mais tarde, confirmei minhas suposições, visitando as grandes
oficinas do Serviço de Trânsito e Transporte.

— PÁGINA 59

Estamos no Bosque das Águas. Temos aqui uma das mais


belas regiões de Nosso Lar. Trata-se de um dos locais prediletos para
as excursões dos amantes, que aqui vêm tecer as mais lindas
promessas de amor e fidelidade para as experiências da Terra.

— PÁGINA 60

40
— Ali é o grande reservatório da colônia. Todo o volume do Rio Azul,
que temos à vista, é absorvido em caixas imensas de distribuição.
As águas que servem a
todas as atividades da
colônia partem daqui.
Em seguida, reúnem-se
novamente, abaixo dos
serviços da
Regeneração, e
VOLTAM A
CONSTITUIR O RIO,
QUE PROSSEGUE
O CURSO
NORMAL, RUMO
AO GRANDE
OCEANO DE
SUBSTÂNCIAS
INVISÍVEIS PARA
A TERRA.
— PÁGINA 60

— Com efeito, a água aqui tem outra densidade.


Muito mais tênue, pura, quase fluídica. Notando as
magníficas construções que me fronteavam, interroguei:
— A que Ministério está afeto o serviço de distribuição?
— Imagine — elucidou Lísias — que este é um dos raros serviços
materiais do Ministério da União Divina!

— PÁGINA 61

41
Conhecendo-a mais
SABEMOS
intimamente,
QUE A ÁGUA É VEÍCULO
DOS MAIS PODEROSOS
PARA OS FLUIDOS DE
QUALQUER NATUREZA.
Aqui, ela é empregada
sobretudo como alimento e
remédio.

…no Ministério do Auxílio


absolutamente consagradas à
manipulação de água pura,
com certos princípios
suscetíveis de serem captados
na luz do Sol e no magnetismo
espiritual.

— PÁGINA 61

— O homem é desatento, há muitos séculos — tornou Lísias —;


o mar equilibra-lhe a moradia planetária, o elemento
aquoso fornece-lhe o corpo físico, a chuva dá-lhe o pão,
o rio organiza-lhe a cidade, a presença da água
oferece-lhe a bênção do lar e do serviço; entretanto, ele
sempre se julga o absoluto dominador do mundo, esquecendo que
é filho do Altíssimo, antes de qualquer consideração.

— PÁGINA 62

42
Virá tempo, contudo, em que
COPIARÁ NOSSOS SERVIÇOS, ENCARECENDO
A IMPORTÂNCIA DESSA DÁDIVA DO SENHOR.
Compreenderá, então, que a água, como fluido criador, absorve,
em cada lar, as características mentais de seus moradores.

— PÁGINA 62

A ÁGUA, no mundo, meu amigo, não somente carreia os resíduos


dos corpos, mas também as expressões de nossa vida
mental. Será nociva nas mãos perversas, útil nas mãos generosas e,
quando em movimento, sua corrente não só espalhará bênção de
CONSTITUIRÁ IGUALMENTE UM VEÍCULO
vida, mas
DA PROVIDÊNCIA DIVINA, absorvendo amarguras, ódios e
ansiedades dos homens, lavando-lhes a casa material e
purificando-lhes a atmosfera íntima.

— PÁGINA 62

43
CAPÍTULO 11 | NOTÍCIAS DO PLANO

— Lísias, amigo — perguntei —, poderá informar-me se


todas as colônias espirituais são idênticas a esta?
Os mesmos processos, as mesmas características?

— De modo algum. Se nas esferas materiais, cada região e cada


estabelecimento revelam traços peculiares, imagine
a
multiplicidade de condições em nossos planos.

Tal como na Terra, as criaturas se identificam pelas fontes comuns de


origem e pela grandeza dos fins que devem atingir, mas importa
considerar que cada colônia, como cada entidade,
permanece em degraus diferentes na grande ascensão.
Todas as experiências de grupo diversificam-se entre si e Nosso Lar
constitui uma experiência coletiva dessa natureza.

— PÁGINA 64

44
Segundo nossos arquivos, muitas vezes
OS QUE NOS ANTECEDERAM BUSCARAM
INSPIRAÇÃO NOS TRABALHOS DE ABNEGADOS
TRABALHADORES DE OUTRAS ESFERAS;
em compensação, outros agrupamentos buscam o nosso
concurso para outras colônias em formação. Cada
organização, todavia, apresenta particularidades essenciais.

— PÁGINA 64

Sim, os missionários da criação


de Nosso Lar
visitaram os serviços de
ALVORADA NOVA,
uma das colônias
espirituais mais
importantes que nos
circunvizinham, e ali
encontraram a divisão por
departamentos. Adotaram o
processo, mas substituíram a
palavra departamento por
ministério, com exceção dos
serviços regeneradores, que,
somente com o governador
atual, conseguiram elevação.
Assim procederam, considerando que a organização em Ministérios
é mais expressiva, como definição de espiritualidade.

— PÁGINA 64

45
Nenhuma condição de destaque
é concedida aqui a título de favor.
Somente quatro entidades conseguiram ingressar,
com responsabilidade definida, no curso de dez anos,
no Ministério da União Divina. Em geral, todos nós, decorrido
longo estágio de serviço e aprendizado, voltamos a reencarnar,
para atividades de aperfeiçoamento.

— PÁGINA 66

— Essas músicas procedem das oficinas onde trabalham


os habitantes de Nosso Lar. Após consecutivas observações,
reconheceu a Governadoria que a música intensifica o
rendimento do serviço, em todos os setores de esforço
construtivo. Desde então, ninguém trabalha em Nosso Lar sem
esse estímulo de alegria.

— PÁGINA 66

46
CAPÍTULO 12 | O UMBRAL

As referências a Espíritos do Umbral


mordiam-me a curiosidade. A ausência de
preparação religiosa no mundo dá motivo a dolorosas perturbações.
QUE SERIA O UMBRAL?

Conhecia, apenas, a ideia do inferno e do purgatório,


pelos sermões ouvidos nas cerimônias católico-romanas a que
assistira, obedecendo a preceitos protocolares.
Desse Umbral, porém, nunca tivera notícias.

— O Umbral — continuou ele, solícito — começa na crosta terrestre.


É a zona obscura de quantos no mundo não se
resolveram a atravessar as portas dos deveres sagrados,
a fim de cumpri-los, demorando-se no vale da indecisão
ou no pântano dos erros numerosos.
— PÁGINA 67

47
Quando o Espírito reencarna, promete
cumprir o programa de serviços do Pai;
entretanto, ao recapitular experiências
no planeta, é muito difícil fazê-lo, para
só procurar o que lhe satisfaça ao
egoísmo. Assim é que mantidos são o
mesmo ódio aos adversários e a
mesma paixão pelos amigos.

NEM O ÓDIO É JUSTIÇA, NEM


A PAIXÃO É AMOR. Tudo o que
excede, sem aproveitamento,
prejudica a economia da vida.
Pois bem: todas as multidões de
desequilibrados permanecem nas
regiões nevoentas, que se seguem aos
fluidos carnais.

O dever cumprido
é uma porta que atravessamos
no Infinito, rumo ao continente
sagrado da união com o Senhor.
É natural, portanto, que o homem
esquivo à obrigação
justa tenha essa bênção indefinidamente adiada.

— PÁGINA 68

48
— Imagine que cada um de nós, renascendo no planeta,
é portador de um fato sujo, para lavar no tanque
da vida humana. Essa roupa imunda é o corpo causal,
tecido por nossas mãos, nas experiências anteriores.

O Umbral funciona, portanto, como região


destinada a esgotamento de resíduos
mentais; uma espécie de zona
purgatorial, onde se queima a prestações
o material deteriorado das ilusões
que a criatura adquiriu por
atacado, menosprezando
o sublime ensejo de
uma existência terrena.

— PÁGINA 68

— O Umbral é região de profundo interesse para quem esteja na


Terra. Concentra-se, aí, tudo o que não tem finalidade para
a vida superior. E note você que a Providência divina agiu
sabiamente, permitindo se criasse tal departamento em torno do
planeta. Há legiões compactas de almas irresolutas e ignorantes que
não são suficientemente perversas para serem enviadas a
colônias de reparação mais dolorosa, nem bastante nobres para
serem conduzidas a planos de elevação. Representam fileiras de
habitantes do Umbral, companheiros imediatos dos homens
encarnados, separados deles apenas por leis vibratórias.

— PÁGINA 69

49
…semelhantes lugares se caracterizem
por grandes perturbações.
Lá vivem, agrupam-se, os
revoltados de toda espécie.
Formam, igualmente, núcleos invisíveis
de notável poder, pela concentração
das tendências e desejos gerais.

— PÁGINA 69

Como explicar? Então não há por lá


defesa, organização?
Sorriu o interlocutor, esclarecendo:
— Organização é atributo dos
Espíritos organizados. Que quer
você? A zona inferior a que nos referimos
é qual a casa onde não há pão: todos
gritam e ninguém tem razão. O viajante
distraído perde o comboio, o agricultor
que não semeou não pode colher. Uma
certeza, porém, posso dar-lhe: — não
obstante as sombras e angústias do
Umbral, nunca faltou lá a proteção divina.
CADA ESPÍRITO LÁ
PERMANECE O TEMPO QUE SE
FAÇA NECESSÁRIO. Para isso, meu
amigo, permitiu o Senhor se erigissem muitas colônias como esta,
consagradas ao trabalho e ao socorro espiritual.

— PÁGINA 70

50
— Creio, então — observei —,
que essa esfera se mistura quase com a esfera dos homens.
— Sim — confirmou o dedicado amigo —, e é nessa zona que se
estendem os fios invisíveis que ligam as mentes humanas entre si. O
plano está repleto de desencarnados e de formas-pensamento dos
encarnados, porque, em verdade, todo Espírito, esteja onde estiver, é
um núcleo irradiante de forças que criam, transformam ou destroem,
exteriorizadas em vibrações que a ciência terrestre presentemente
não pode compreender. Quem pensa está fazendo alguma coisa
alhures. E
é pelo pensamento que os homens
encontram no Umbral os companheiros que afinam
com as tendências de cada um. Toda alma é um ímã
poderoso. Há uma extensa humanidade invisível que se segue à
humanidade visível.

As missões mais laboriosas do Ministério do Auxílio são


constituídas por abnegados servidores, no Umbral, porque se
a tarefa dos bombeiros nas grandes cidades terrenas é difícil, pelas
labaredas e ondas de fumo que os defrontam, os missionários
do Umbral encontram fluidos pesadíssimos emitidos sem cessar
por milhares de mentes desequilibradas, na prática do mal,
ou terrivelmente flageladas nos sofrimentos retificadores.
São necessárias muita coragem e muita renúncia para ajudar a
quem nada compreende do auxílio que se lhe oferece.

— PÁGINA 70

SERÁ QUE VOCÊ SE SENTE COM O PREPARO


INDISPENSÁVEL A SEMELHANTE SERVIÇO?
— PÁGINA 72

51
CAPÍTULO 13 | NO GABINETE DO MINISTRO

Com as melhoras crescentes,


surgia a necessidade de
movimentação e trabalho.

Claro que não me faltava desejo. Minha


posição ali, contudo, era assaz humilde
para me atrever. Os médicos espirituais
eram detentores de técnica diferente. No
planeta, sabia que meu direito de intervir
começava nos livros conhecidos e nos
títulos conquistados, mas, NAQUELE
AMBIENTE NOVO, A MEDICINA
COMEÇAVA NO CORAÇÃO,
EXTERIORIZANDO-SE EM AMOR E
CUIDADO FRATERNAL.

Terminado o serviço urgente, começou a chamar-nos, dois a dois.


Impressionou-me tal processo de audiência. Soube, porém, mais
tarde, que ele aproveitava esse método para que os pareceres
fornecidos a qualquer interessado servissem igualmente a outros,
assim atendendo a necessidades de ordem geral,
ganhando tempo e proveito.

52
O Pai criou o serviço e a cooperação como
leis que ninguém pode trair sem prejuízo próprio.
Nada lhe diz a consciência neste sentido? Quantos bônus-hora
poderá apresentar em benefício de sua pretensão?

A interpelada respondeu hesitante: Trezentos e quatro.


— É de lamentar — elucidou Clarêncio, sorrindo —, pois aqui se
hospeda, há mais de seis anos, e apenas deu à colônia, até hoje, 304
horas de trabalho. Entretanto, logo que se restabeleceu das lutas
sofridas em região inferior, ofereci-lhe atividade louvável na Turma de
Vigilância, do Ministério da Comunicação…

O trabalho e a humildade são as duas margens do


caminho do auxílio. Para ajudarmos alguém, precisamos de
irmãos que se façam cooperadores, amigos, protetores e servos
nossos. Antes de amparar os que amamos, é indispensável
estabelecer correntes de simpatia.

Para que qualquer de nós alcance a alegria de auxiliar os


amados, faz-se necessária a interferência de muitos a quem
tenhamos ajudado, por nossa vez. OS QUE NÃO COOPERAM NÃO
RECEBEM COOPERAÇÃO. Isso é da lei eterna. E se minha irmã nada
acumulou de seu para dar, é justo que procure a contribuição
amorosa dos outros. Mas como receber a colaboração imprescindível,
se ainda não semeou, nem mesmo a simples simpatia?

53
CAPÍTULO 14 | ELUCIDAÇÕES DE CLARÊNCIO

Vendo aquela mulher em lágrimas e ponderando


a energia serena do ministro do Auxílio, tremia
dentro de mim mesmo, arrependido de
haver provocado aquela audiência.

— Qualquer trabalho útil me interessa,


desde que me afaste da inação.
Clarêncio fitou-me longamente,
como a identificar-me as intenções
mais íntimas.

— Já sei. VERBALMENTE pede qualquer


gênero de tarefa, MAS, NO FUNDO, SENTE
FALTA dos seus clientes, do seu gabinete, da
paisagem de serviço com que o Senhor honrou
sua personalidade na Terra.

É preciso convir que TODA TAREFA


NA TERRA, no campo das profissões, é convite do Pai para que o
homem penetre os templos divinos do trabalho. O título, para nós,
é simplesmente uma ficha, mas, no mundo, costuma representar
uma porta aberta a todos os disparates. Com essa ficha, o homem
fica habilitado a aprender nobremente e a servir ao Senhor, no
quadro de seus divinos serviços no planeta.

54
Como transformá-lo, de um momento para outro, em
MÉDICO DE ESPÍRITOS ENFERMOS,
quando fez questão de circunscrever observações
EXCLUSIVAMENTE À ESFERA DO CORPO FÍSICO?
Não nego sua capacidade de excelente fisiologista,
mas o campo da vida é muito extenso. Que me diz de
um botânico que alinhasse definições apenas com o exame
das cascas secas de algumas árvores?

Grande número de médicos, na Terra, prefere apenas a


conclusão matemática diante dos serviços de anatomia.
Concordemos que a Matemática é respeitável, mas não é a única
ciência do universo. Como reconhece agora, o médico não pode
estacionar em diagnósticos e terminologias. HÁ QUE PENETRAR
A ALMA, SONDAR-LHE AS PROFUNDEZAS. Muitos
profissionais da Medicina, no planeta, são prisioneiros das salas
acadêmicas, porque a vaidade lhes roubou a chave do cárcere.

55
Não pode ainda ser médico em Nosso Lar, mas poderá
assumir o cargo de aprendiz, oportunamente. Sua posição
atual não é das melhores; entretanto, é confortadora, pelas
intercessões chegadas ao Ministério do Auxílio, a seu favor.
— Minha mãe? — perguntei, inebriado de alegria.

Logo após sua vinda, pedi ao Ministério do Esclarecimento


providenciasse a obtenção de suas notas, que examinei atentamente.
Muita imprevidência, numerosos abusos e muita irreflexão, mas,
nos quinze anos de sua clínica, também proporcionou
receituário gratuito a mais de seis mil necessitados.
Na maioria das vezes, praticou esses atos meritórios
absolutamente por troça, mas, presentemente, pode verificar que,
mesmo por troça, o verdadeiro bem
espalha bênçãos em nossos caminhos.
Desses beneficiados, 15 não o esqueceram e têm enviado,
até aqui, veementes apelos a seu favor.

56
CAPÍTULO 15 | A VISITA MATERNA

Passei dias entregue a profundas reflexões sobre a vida. No íntimo,


grande ansiedade de rever o lar terreno. Abstinha-me, porém, de
pedir novas concessões. Os benfeitores do Ministério do Auxílio
eram excessivamente generosos para comigo. Adivinhavam-me os
pensamentos. Se até ali não me haviam proporcionado satisfação
espontânea a semelhante desejo, é que tal propósito não seria
oportuno. Calava-me, então, resignado e algo triste. Lísias fazia
o possível por alegrar-me com os seus pareceres consoladores.
EU ESTAVA, PORÉM, NESSA FASE DE RECOLHIMENTO
INEXPRIMÍVEL, EM QUE O HOMEM É CHAMADO PARA
DENTRO DE SI MESMO, PELA CONSCIÊNCIA PROFUNDA.

Um dia, contudo, o bondoso visitador penetrou


radiante no meu apartamento, exclamando:
— Adivinhe quem chegou à sua procura! Aquela fisionomia
alegre, aqueles olhos brilhantes de Lísias não me enganavam.
— Minha mãe! — respondi confiante. Olhos arregalados de
alegria, vi minha mãe entrar de braços estendidos.
— Filho! Meu filho! Vem a mim, querido meu!

Não posso dizer o que se passou então. Senti-me criança, como


no tempo em que brincava à chuva, pés descalços, na areia do jardim.
Abracei-me a ela carinhoso, chorando de júbilo,
experimentando os mais sagrados transportes da ventura espiritual.
Beijei-a repetidas vezes, apertei-a nos braços, misturei minhas
lágrimas com as suas lágrimas, e não sei quanto tempo estivemos
juntos, abraçados.

57
TAMBÉM EU TRABALHO, POIS, REAJUSTANDO O CORAÇÃO.
Tuas lágrimas fazem-me voltar à paisagem dos sentimentos
humanos. Alguma coisa tenta operar o retrocesso de minha alma.
Quero dar razão aos teus lamentos, erigir-te um trono, qual se foras
a melhor criatura do universo, mas essa atitude, presentemente, não
se coaduna com as novas lições da vida.

Esses gestos são perdoáveis nas esferas da carne; aqui, porém, filho
meu, é indispensável atender, antes de tudo, ao Senhor. Não és o
único homem desencarnado a reparar os próprios erros,
nem sou a única mãe a sentir-se distante dos entes
amados. Nossa dor, portanto, não nos edifica pelos prantos que
vertemos, ou pelas feridas que sangram em nós, mas pela porta
de luz que nos oferece ao espírito, a fim de sermos mais
compreensivos e mais humanos.

58
CAPÍTULO 16 | CONFIDÊNCIAS

A esfera elevada, meu filho, requer, sempre, mais trabalho, maior


abnegação. Não suponhas que tua mãe permaneça em visões
beatíficas, a distância dos deveres justos. Devo fazer-te sentir, no
entanto, que minhas palavras não representam qualquer
nota de tristeza, na situação em que me encontro.
É antes revelação de responsabilidade necessária.

Teu pai!... Há doze anos que está numa zona de trevas compactas,
no Umbral. Na Terra, sempre nos parecera fiel às tradições da família,
arraigado ao cavalheirismo do alto comércio,

(…), mas, no fundo, era fraco e mantinha ligações clandestinas


fora do nosso lar. Duas delas estavam mentalmente ligadas a
vasta rede de entidades maléficas, e, tão logo desencarnou o meu
pobre Laerte, a passagem no Umbral lhe foi muito amarga, porque
as desventuradas criaturas, a quem fizera
muitas promessas, aguardavam-no ansiosas,
prendendo-o de novo nas teias da ilusão.

59
A princípio, ele quis reagir, esforçando-se por encontrar-me, mas não
pôde compreender que após a morte do corpo físico a alma
se encontra tal qual vive intrinsecamente. Laerte, portanto,
não percebeu minha presença espiritual, nem a assistência
desvelada de outros amigos nossos. Tendo gasto muitos anos a
fingir, viciara a visão espiritual, restringira o padrão vibratório, e o
resultado foi achar-se tão só na companhia das relações que
cultivara irrefletidamente, pela mente e pelo coração.

NÃO É POSSÍVEL ACENDER LUZ


EM CANDEIA SEM ÓLEO E SEM PAVIO.
Precisamos da adesão mental de Laerte, para conseguir levantá-lo e
abrir-lhe a visão espiritual. No entanto, o pobrezinho permanece
inativo em si mesmo, entre a indiferença e a revolta.

Meu único auxílio direto repousava na cooperação afetuosa de tua


irmã Luísa, aquela que partiu quando eras pequenino. Luísa
esperou-me aqui muitos anos, foi meu braço forte nos trabalhos
ásperos de amparo à família terrena. Ultimamente, contudo, depois
de lutar corajosa, a meu lado, em benefício de teu pai, de ti e das
irmãs, tão grande é a perturbação dos nossos familiares, ainda na
Terra, que voltou a semana passada, a fim de reencarnar entre eles
(…)

60
— A senhora, entretanto, auxilia o papai, não
obstante a ligação dele com essas mulheres infames?
— Não as classifiques assim — ponderou minha mãe —,
dize, antes, meu filho, nossas irmãs doentes, ignorantes
ou infelizes. São filhas de nosso Pai, igualmente.
Não tenho feito intercessões apenas por Laerte, mas por
elas também, e estou convencida de haver encontrado
recursos para atraí-los todos ao meu coração.

— A senhora, que tem acompanhado o papai devotadamente, nada


poderá informar relativamente a Zélia e às crianças? Aguardo,
ansioso, o instante de voltar a casa, a fim de auxiliá-los. Oh! minhas
imensas saudades devem ser igualmente compartilhadas por eles!
COMO DEVE SOFRER
MINHA DESVENTURADA
ESPOSA COM ESTA
SEPARAÇÃO!...

Minha mãe esboçou um


sorriso triste e acrescentou:
— Tenho visitado meus
netos periodicamente.
Vão bem.

61
CAPÍTULO 17 | EM CASA DE LÍSIAS

— Se possível, estimaria recebê-lo em nossa casa, enquanto perdurar


o curso de observações; lá, minha mãe o trataria como filho.

— Guarde este documento — disse-me o atencioso ministro do


Auxílio, entregando-me pequena caderneta —, com ele, poderá
ingressar nos Ministérios da Regeneração, do Auxílio, da
Comunicação e do Esclarecimento, durante um ano. Decorrido
esse tempo, veremos o que será possível fazer relativamente aos seus
desejos. Instrua-se, meu caro. Não perca tempo.

Passados minutos, eis-nos à porta de graciosa


construção, cercada de colorido jardim.
— É aqui — exclamou o delicado companheiro.
E, com expressão carinhosa, acrescentou:
— O nosso lar, dentro de Nosso Lar.

Quadros de sublime significação espiritual,


um piano de notáveis proporções, descansando sobre
ele grande harpa talhada em linhas nobres e delicadas.
Identificando-me a curiosidade, Lísias falou prazenteiro:
— Como vê, depois do sepulcro não encontrou
ainda os anjos harpistas, mas aí temos uma
harpa esperando por nós mesmos.

62
— Ó Lísias — atalhou a palavra materna, carinhosa —,
não faças ironia. Não te recordas que o Ministério da
União Divina recebeu o pessoal da Elevação, no ano passado, quando
passaram por aqui alguns embaixadores da Harmonia?
— Sim, mamãe, mas quero apenas dizer que os harpistas existem,
e precisamos criar audição espiritual para ouvi-los, esforçando-nos,
por nossa vez, no aprendizado das coisas divinas.

— Temos em Nosso Lar, no que concerne à literatura,


uma enorme vantagem; é que os escritores de má-fé,
os que estimam o veneno psicológico, são conduzidos
imediatamente para as zonas obscuras do Umbral.
Por aqui não se equilibram, nem mesmo no Ministério da
Regeneração, enquanto perseveram em semelhante estado da alma.

63
CAPÍTULO 18 | AMOR, ALIMENTO DAS ALMAS

— Afinal, nossas refeições aqui são muito mais agradáveis que


na Terra. Há residências, em Nosso Lar, que as dispensam
quase por completo, mas, nas zonas do Ministério do Auxílio,
não podemos prescindir dos concentrados fluídicos, tendo em
vista os serviços pesados que as circunstâncias impõem.
Despendemos grande quantidade de energias.
É necessário renovar provisões de força.

— Nosso irmão talvez ainda ignore que


O MAIOR SUSTENTÁCULO DAS
CRIATURAS É JUSTAMENTE O AMOR.
De quando em quando, recebemos em Nosso Lar grandes comissões
de instrutores, que ministram ensinamentos relativos à nutrição
espiritual. Todo o sistema de alimentação, nas variadas
esferas da vida, tem no amor a base profunda. O alimento
físico, mesmo aqui, propriamente considerado, é simples problema
de materialidade transitória, como no caso dos veículos terrestres,
necessitados de colaboração da graxa e do óleo.

64
A alma, em si, apenas se nutre de amor. Quanto mais nos
elevarmos no plano evolutivo da Criação, mais extensamente
conheceremos essa verdade. Não lhe parece que o
Amor divino seja o cibo do universo?

— Tudo se equilibra no amor infinito de Deus, e, quanto mais


evoluído o ser criado, mais sutil o processo de alimentação. O
verme, no subsolo do planeta, nutre-se essencialmente de terra. O
grande animal colhe na planta os elementos de manutenção, a
exemplo da criança sugando o seio materno. O homem colhe o fruto
do vegetal, transforma-o segundo a exigência do paladar que lhe é
próprio, e serve-se dele à mesa do lar. Nós outros, criaturas
desencarnadas, necessitamos de substâncias suculentas,
tendentes à condição fluídica, e o processo será cada vez mais
delicado à medida que se intensifique a ascensão individual.

(...) no fundo, o verme, o animal, o homem


e nós dependemos absolutamente do amor. TODOS NOS
MOVEMOS NELE E SEM ELE NÃO TERÍAMOS EXISTÊNCIA.

Jesus não preceituou esses princípios objetivando tão somente os


casos de caridade, nos quais todos aprenderemos, mais dia menos
dia, que a prática do bem constitui simples dever.
Aconselhava-nos, igualmente, a nos alimentarmos uns
aos outros, no campo da fraternidade e da simpatia.

65
Reencarnados na Terra, experimentamos grandes
limitações; voltando para cá, entretanto, reconhecemos que
toda a estabilidade da alegria é problema
de alimentação puramente espiritual.

O sexo é manifestação sagrada desse Amor universal e divino,


mas é apenas uma expressão isolada do potencial infinito.
Entre os casais mais espiritualizados, o carinho
e a confiança, a dedicação e o entendimento
mútuos permanecem muito acima da união física,
reduzida, entre eles, a realização transitória.
A permuta magnética é o fator que estabelece ritmo necessário à
manifestação da harmonia. Para que se alimente a ventura, basta a
presença, e, às vezes, apenas a compreensão.

66
CAPÍTULO 19 | A JOVEM DESENCARNADA

— Por enquanto, alimenta-se a sós


— esclareceu dona Laura —
a tolinha continua nervosa, abatida.
Aqui, não trazemos à mesa qualquer pessoa que
se manifeste perturbada ou desgostosa.
A neurastenia e a inquietação
emitem fluidos pesados e venenosos,
que se misturam automaticamente às substâncias alimentares.

CAPÍTULO 20 | NOÇÕES DE LAR

— O orientador, muito versado em Matemática — prosseguiu ela —,


fez-nos sentir que o lar é como se fora um ângulo reto nas linhas do
plano da evolução divina. A reta vertical é o sentimento
feminino, envolvido nas inspirações criadoras da vida.
A reta horizontal é o sentimento masculino, em marcha
de realizações no campo do progresso comum. O lar é o
sagrado vértice onde o homem e a mulher se encontram para o
entendimento indispensável. É templo, onde as criaturas devem
unir-se espiritual antes que corporalmente.

67
— Que fazer, porém, meu amigo? — replicou a bondosa senhora. —
Na fase atual evolutiva do planeta, existem na esfera carnal
raríssimas uniões de almas gêmeas, reduzidos matrimônios de almas
irmãs ou afins, e esmagadora porcentagem de ligações de resgate.
O maior número de casais humanos é constituído de
verdadeiros forçados, sob algemas.

— As almas femininas não podem permanecer inativas aqui.


É preciso aprender a ser mãe, esposa, missionária, irmã. A tarefa da
mulher, no lar, não pode circunscrever-se a umas tantas lágrimas
de piedade ociosa e a muitos anos de servidão.

É claro que o movimento coevo do feminismo desesperado


constitui abominável ação contra as verdadeiras atribuições do
espírito feminino. A mulher não pode ir ao duelo com os homens,
por escritórios e gabinetes, onde se reserva atividade justa ao espírito
masculino. Nossa colônia, porém, ensina que existem nobres serviços
de extensão do lar, para as mulheres. A enfermagem, o ensino, a
indústria do fio, a informação, os serviços de paciência, representam
atividades assaz expressivas.

O homem deve aprender a carrear para o ambiente


doméstico a riqueza de suas experiências, e a mulher precisa
conduzir a doçura do lar para os labores ásperos do homem.
DENTRO DE CASA, A INSPIRAÇÃO; FORA DELA, A ATIVIDADE.
UMA NÃO VIVERÁ SEM A OUTRA.

68
CAPÍTULO 21 | CONTINUANDO A PALESTRA

— Tal como se dá na Terra, a propriedade aqui é relativa.


Nossas aquisições são feitas à base de horas de trabalho.
O bônus-hora, no fundo, é o nosso dinheiro.
Quaisquer utilidades são adquiridas com esses cupons, obtidos por
nós mesmos, à custa de esforço e dedicação. As construções em
geral representam patrimônio comum, sob controle da
Governadoria; cada família espiritual, porém, pode conquistar um
lar (nunca mais que um), apresentando trinta mil bônus-hora, o
que se pode conseguir com algum tempo de serviço.

Nossa moradia foi conquistada pelo trabalho perseverante


de meu esposo, que veio para a esfera espiritual muito antes de mim.
Dezoito anos estivemos separados pelos laços físicos,
mas sempre unidos pelos elos espirituais.

Compreendi, depois, que a existência laboriosa me livrara das


indecisões e angústias do Umbral, por colocar-me a coberto de
muitas e perigosas tentações. O suor do corpo ou a preocupação
justa, nos campos de atividade honesta, constituem valiosos
recursos para a elevação e defesa da alma.

69
Reencontrar Ricardo, tecer novo ninho de afetos, representava o céu
para mim. Durante anos consecutivos, vivemos a vida de perene
ventura, trabalhando por nossa evolução, unindo-nos cada vez
mais, e cooperando para o progresso efetivo dos que nos são afins.
Com o correr do tempo, Lísias, Iolanda e Judite reuniram-se a nós,
aumentando nossa felicidade.

Mas a esfera do globo nos esperava.


SE O PRESENTE ESTAVA CHEIO DE ALEGRIA,
O PASSADO CHAMAVA A CONTAS,
para que o futuro se harmonizasse com a lei eterna.
Não podíamos pagar à Terra com bônus-hora, e sim com
o suor honrado, fruto de trabalhos. Dada a nossa boa vontade,
aclarava-se-nos a visão relativamente ao pretérito doloroso.
A LEI DO RITMO EXIGIA, ENTÃO, NOSSA VOLTA.

70
Memórias Reencarnatórias

A leitura apenas informa. Depois de longo período de meditação para


esclarecimento próprio, e com surpresas indescritíveis, fomos
submetidos a determinadas operações psíquicas, a fim de
penetrar os domínios emocionais das recordações. Os Espíritos
técnicos no assunto nos aplicaram passes no cérebro, despertando
certas energias adormecidas... Ricardo e eu ficamos, então,
senhores de trezentos anos de memória integral.

— Em vista de nossas observações referentes ao passado,


combinamos novo encontro nas esferas da crosta.
TEMOS TRABALHO, MUITO TRABALHO, NA TERRA.
Desse modo, Ricardo partiu há três anos. Quanto a mim,
seguirei dentro de breves dias. Aguardo apenas a chegada
de Teresa, para deixá-la junto aos nossos.

71
CAPÍTULO 22 | O BÔNUS-HORA

— Que me diz do bônus-hora?


Trata-se de algum metal amoedado?
(...) — Não é propriamente moeda, mas ficha de serviço
individual, funcionando como valor aquisitivo.

(...) em Nosso Lar a produção de vestuário


e alimentação elementares pertence a todos em comum.
Há serviços centrais de distribuição na Governadoria e
departamentos do mesmo trabalho nos Ministérios.
O celeiro fundamental é propriedade coletiva.

72
Todos cooperam no engrandecimento do patrimônio comum
e dele vivem. Os que trabalham, porém, adquirem direitos justos.
Cada habitante de Nosso Lar recebe provisões de pão
e roupa, no que se refere ao estritamente necessário, mas
os que se esforçam na obtenção do bônus-hora
conseguem certas prerrogativas na comunidade social.
O Espírito que ainda não trabalha poderá ser abrigado aqui; no
entanto, os que cooperam podem ter casa própria. O ocioso vestirá,
sem dúvida, mas o operário dedicado vestirá o que melhor lhe pareça.

Os inativos podem permanecer nos campos de repouso, ou nos


parques de tratamento, favorecidos pela intercessão de amigos;
entretanto, as almas operosas conquistam o bônus-hora e podem
gozar a companhia de irmãos queridos, nos lugares consagrados ao
entretenimento, ou o contato de orientadores sábios, nas diversas
escolas dos Ministérios em geral.

73
— Tudo é relativo. Se, na orientação ou na subalternidade,
o trabalho é de sacrifício pessoal, a expressão remunerativa
é justamente multiplicada. Examinando, porém, mais
detidamente a sua pergunta, precisamos, antes de mais
nada, esquecer determinados prejuízos da Terra.

A maioria dos homens encarnados está simplesmente


ensaiando o espírito de serviço e aprendendo a trabalhar
nos diversos setores da vida humana.
(...) Todo o ganho externo do mundo é lucro transitório. Vemos
trabalhadores obcecados pela questão de ganhar, transmitindo
fortunas vultosas à inconsciência e à dissipação;

74
Por outro lado, é indispensável considerar
que setenta por cento dos administradores terrenos
não pesam os deveres morais que lhes competem, (...)
Vivem, quase todos, a confessar ausência
do impulso vocacional, embora recebam
os proventos comuns aos cargos que ocupam.

— O verdadeiro ganho da criatura


é de natureza espiritual,
e o bônus-hora, em nossa organização, modifica-se em
valor substancial, segundo a natureza dos nossos serviços.

75
As aquisições fundamentais constituem-se de
experiência, educação, enriquecimento
de bênçãos divinas, extensão de possibilidades.
Nesse prisma, os fatores assiduidade e dedicação
representam, aqui, quase tudo.

Quanto maior a
contagem do nosso
tempo de trabalho,
maiores intercessões
podemos fazer.
Compreendemos,
aqui, que nada
existe sem preço e
que para receber
é indispensável dar
alguma coisa.
Pedir, portanto, é ocorrência
muito significativa na existência
de cada um. Somente poderão
rogar providências e dispensar
obséquio os portadores de
títulos adequados, entendeu?

76
CAPÍTULO 23 | SABER OUVIR

Há compromisso entre todos os habitantes equilibrados


da colônia, no sentido de não se emitirem pensamentos contrários
ao bem. Dessarte, o esforço da maioria se transforma numa prece
quase perene. Daí nascem as vibrações de paz que observamos.

Lísias se aproximou de pequeno aparelho postado na sala, à maneira


de nossos receptores radiofônicos. Aguçou-se-me a curiosidade. Que
iríamos ouvir? Mensagens da Terra? Vindo ao encontro de minhas
interrogações íntimas, o amigo esclareceu:

— Não ouviremos vozes do planeta.


Nossas transmissões baseiam-se em forças vibratórias
mais sutis que as da esfera da crosta.

77
No início da colônia, todas
as moradias, ao que
sabemos, ligavam-se com
os núcleos de evolução
terrestre. Ninguém
suportava a ausência de
notícias da parentela
comum. Do Ministério da
Regeneração ao da
Elevação, vivia-se em
constante guerra nervosa.
Boatos assustadores
perturbavam as atividades
em geral. Mas,
precisamente há dois
séculos, um dos generosos
ministros da União Divina
compeliu a Governadoria a
melhorar a situação. O
ex-governador era talvez
demasiadamente tolerante.
A bondade desviada provoca indisciplinas e quedas.

Os desastres coletivos no mundo, quando interessassem algumas


entidades em Nosso Lar, eram aqui verdadeiras calamidades
públicas. Segundo nosso arquivo, a cidade era mais
um departamento do Umbral que propriamente zona de refazimento
e instrução. Amparado pela União Divina, o governador proibiu
o intercâmbio generalizado. Houve luta. Mas o ministro generoso,
que incrementou a medida, valeu-se do ensinamento de
Jesus que manda os mortos enterrarem seus mortos,
e a inovação se tornou vitoriosa em pouco tempo.

78
Para esse fim, temos o Ministério da Comunicação.
Acresce notar que, da esfera superior, é possível
descer à inferior com mais facilidade. Existem, contudo,
certas leis que mandam compreender devidamente
os que se encontram nas zonas mais baixas.
É tão importante saber falar como saber ouvir.
Nosso Lar vivia em perturbações porque, não sabendo ouvir,
não podia auxiliar com êxito e a colônia transformava-se,
frequentemente, em campo de confusão.

79
CAPÍTULO 24 | O IMPRESSIONANTE APELO

Emissora do Posto Dois, de “Moradia”. Continuamos a irradiar o apelo


da colônia em benefício da paz na Terra. Concitamos os
colaboradores de bom ânimo a congregar energias no serviço de
preservação do equilíbrio moral nas esferas do globo. Ajudai-nos,
quantos puderem ceder algumas horas de cooperação nas zonas de
trabalho que ligam as forças obscuras do Umbral à mente humana.
NEGRAS FALANGES DA IGNORÂNCIA, DEPOIS DE
ESPALHAREM OS FACHOS INCENDIÁRIOS DA
GUERRA NA ÁSIA, CERCAM AS NAÇÕES EUROPEIAS,
IMPULSIONANDO-AS A NOVOS CRIMES.

Nosso núcleo, junto aos demais que se consagram ao trabalho


de higiene espiritual, nos círculos mais próximos da crosta,
denuncia esses movimentos dos poderes concentrados
do mal, pedindo concurso fraterno e auxílio possível.
LEMBRAI-VOS DE QUE A PAZ NECESSITA DE
TRABALHADORES DE DEFESA!
Colaborai conosco na medida de vossas forças!..
Há serviço para todos, desde os campos da crosta às nossas portas!...
Que o Senhor nos abençoe.

80
— Estamos ouvindo
“Moradia”, velha colônia de
serviços muito ligada às
zonas inferiores. Como sabe,
estamos em agosto de 1939.
Seus últimos sofrimentos
pessoais não lhe deram
tempo para ponderar sobre a
angustiosa situação do
mundo, mas posso afiançar
que asnações do
planeta se encontram
na iminência de
tremendas batalhas.

Assombrava-me, sobretudo, a imensidade dos serviços espirituais


nos planos de vida nova a que me recolhera. Pois havia cidades de
espíritos generosos, suplicando socorro e cooperação? Apresentara-se
a voz do locutor com entonação de verdadeiro S.O.S.

Julgava que todas as colônias espirituais se


intercomunicassem pelas vibrações do pensamento.
Havia, ainda ali, tão grande dificuldade no capítulo do intercâmbio?
Identificando-me as perplexidades, Lísias esclareceu:

Estamos ainda muito longe das REGIÕES IDEAIS DA MENTE PURA.


Tal como na Terra, os que se afinam perfeitamente entre si podem
permutar pensamentos, sem as barreiras idiomáticas, mas, de
modo geral, não podemos prescindir da forma, no lato sentido da
expressão. Nosso campo de lutas é imensurável.

81
A humanidade terrestre, constituída de milhões
de seres, une-se à humanidade invisível do
planeta, que integra muitos bilhões de criaturas.
Não seria, portanto, possível atingir as zonas aperfeiçoadas, logo após
a morte do corpo físico. Os patrimônios nacionais e linguísticos
remanescem ainda aqui, condicionados a fronteiras psíquicas. Nos
mais diversos setores de nossa atividade espiritual existe elevado
número de espíritos libertos de todas as limitações, mas insta
considerar que a regra pertence à natureza. Nada enganará o
princípio de sequência, imperante nas leis evolutivas.

Nevoeiros pesados amontoam-se ao


longo dos céus da Europa. Forças
tenebrosas do Umbral penetram em
todas as direções, respondendo ao
apelo das tendências mesquinhas
do homem.
HÁ MUITOS BENFEITORES
DEVOTADOS LUTANDO
COM SACRIFÍCIOS EM FAVOR
DA CONCÓRDIA
INTERNACIONAL, NOS
GABINETES POLÍTICOS.
Alguns governos, no entanto, se
encontram excessivamente
centralizados, oferecendo
escassas possibilidades à colaboração de natureza espiritual.
Sem órgãos de ponderação e conselho desapaixonado, caminham
esses países para uma guerra de grandes proporções.

82
Para atender às solicitações de “Moradia” e de outros
núcleos que funcionam nas vizinhanças do Umbral,
reunimos aqui numerosas assembleias,
mas o Ministério da União Divina
esclareceu que a humanidade carnal,
COMO PERSONALIDADE COLETIVA,
está nas condições do homem insaciável que devorou
excesso de substâncias no banquete comum.
A crise orgânica é inevitável. Nutriram-se várias nações de orgulho
criminoso, vaidade e egoísmo feroz. Experimentam, agora, a
necessidade de expelir os venenos letais.

83
CAPÍTULO 25 | GENEROSO ALVITRE

Clarêncio ofereceu-lhe ingresso nos


Ministérios, começando pela Regeneração.
Pois bem: não se limite a observar.
Em vez de albergar a curiosidade,medite no trabalho
e atire-se a ele na primeira ocasião que se ofereça.

Aprenda a construir o seu círculo de simpatias


e não olvide que o espírito de investigação deve
manifestar-se após o espírito de serviço.

TODOS QUEREM OBSERVAR,


RAROS SE DISPÕEM A REALIZAR.
Somente o trabalho digno confere ao espírito o
merecimento indispensável a quaisquer direitos novos.

84
Lembro-lhe que em todas as nossas esferas, desde o planeta até os
núcleos mais elevados das zonas superiores, referindo-nos à Terra,
O MAIOR TRABALHADOR É O PRÓPRIO
CRISTO E QUE ELE NÃO DESDENHOU
O SERROTE PESADO DE UMA CARPINTARIA.
O ministro Clarêncio autorizou-o, gentilmente, a conhecer, visitar e
analisar, mas pode, como servidor de bom senso, converter
observações em tarefa útil.

A ciência de recomeçar é das mais


nobres que nosso espírito pode aprender.
São muito raros os que a compreendem nas esferas da crosta. (...)
Paulo de Tarso, doutor do Sinédrio, esperança de uma raça, pela
cultura e pela mocidade, alvo de geral atenção em Jerusalém, que
voltou, um dia, ao deserto para recomeçar a experiência humana,
como tecelão rústico e pobre.

85
CAPÍTULO 26 | NOVAS PERSPECTIVAS

Senhor ministro (Genésio), compreendo agora que minha passagem


pelo Ministério do Auxílio se verificou por efeito da graça
misericordiosa do Altíssimo, talvez devido a constante intercessão de
minha devotada e santa mãe. Noto, porém, que somente venho
recebendo benefícios, sem nada produzir de útil. Certo,
meu lugar é aqui, nas atividades regeneradoras. Se possível, faça, por
obséquio, SEJA
TRANSFORMADA A CONCESSÃO DE
VISITAR EM POSSIBILIDADE DE SERVIR. Compreendo
hoje, mais que nunca, a necessidade de regenerar meus próprios
valores. Perdi muito tempo na vaidade inútil, fiz enormes gastos de
energia na ridícula adoração de mim mesmo!...

Satisfeito, notava ele, no fundo de meu coração, a sinceridade viva.


Quando eu recorrera ao ministro Clarêncio,
não estava ainda bastante consciente do que pedia.
Queria serviço, mas talvez não desejasse servir.

86
No fundo, ERA O DESEJO DE CONTINUAR A SER O QUE
TINHA SIDO ATÉ ENTÃO — o médico orgulhoso e respeitado,
cego nas pretensões descabidas do egotismo em que vivia,
encarcerado nas opiniões próprias.

QUANDO O DISCÍPULO ESTÁ PREPARADO,


O PAI ENVIA O INSTRUTOR.
O mesmo se dá relativamente ao trabalho. Quando o servidor
está pronto, o serviço aparece. O meu amigo tem recebido
enormes recursos da Providência. Está bem disposto à colaboração,
compreende a responsabilidade, aceita o dever. Tal atitude é
sumamente favorável à concretização dos seus desejos. Nos
círculos carnais, costumamos felicitar um homem quando ele atinge
prosperidade financeira ou excelente figuração externa; entretanto,
aqui a situação é diferente. Estima-se a compreensão, o esforço
próprio, a humildade sincera.

87
— Tobias — explicou Genésio, atencioso —,
aqui tem um amigo que vem do Ministério do Auxílio,
em tarefa de observação. Creio de muito proveito para ele
o contato com as atividades das câmaras retificadoras.

— Temos aqui as grandes fábricas de Nosso Lar.


A preparação de sucos, de tecidos e artefatos em geral
dá trabalho a mais de cem mil criaturas, que se
regeneram e se iluminam ao mesmo tempo.

— As Câmaras de Retificação estão localizadas


nas vizinhanças do Umbral. Os necessitados que aí se reúnem
não toleram as luzes, nem a atmosfera de cima,
nos primeiros tempos de moradia em Nosso Lar.

88
CAPÍTULO 27 | O TRABALHO, ENFIM

Nunca poderia imaginar o quadro que se desenhava agora


aos meus olhos. Não era bem o hospital de sangue, nem
o instituto de tratamento normal da saúde orgânica.
Era uma série de câmaras
vastas, ligadas entre si e
repletas de verdadeiros
despojos humanos.
Singular vozerio pairava no ar.
Gemidos, soluços, frases dolorosas
pronunciadas a esmo...
Rostos escaveirados, mãos
esqueléticas, fácies monstruosas
deixavam transparecer terrível
miséria espiritual.

Tão angustiosas foram minhas


primeiras impressões que
procurei os recursos da prece
para não fraquejar.

— O ministro Flacus — esclareceu a velhinha em tom respeitoso


determinou que a maioria acompanhasse os Samaritanos! para os
serviços de hoje, nas regiões do Umbral.

— Há que multiplicar energias — tornou ele, sereno —,


não temos tempo a perder.

89
— Por que teria o Ribeiro piorado tanto?

— Experimentou uma crise de grandes proporções - explicou a serva


— e o assistente Gonçalves
esclareceu que A CARGA DE
PENSAMENTOS SOMBRIOS
EMITIDOS PELOS PARENTES
ENCARNADOS ERA A
CAUSA FUNDAMENTAL
DESSE AGRAVO DE
PERTURBAÇÃO. Visto achar-se
ainda muito fraco e sem ter
acumulado força mental
suficiente para desprender-se
dos laços mais fortes do
mundo, o pobre não tem
resistido, como seria de desejar.

(...) acentuou Tobias, pensativo.

— Vou pedir providências contra a atitude da família. É preciso que


ela receba maior bagagem de preocupações para que
nos deixe o Ribeiro em paz.
*

Notando-me a admiração, o novo orientador explicou:

— O pobrezinho permanece na fase de pesadelo, em que a alma


pouco mais vê e ouve que as aflições próprias. O homem, meu caro,
encontra na vida real o que amontoou para si mesmo.
Nosso Ribeiro deixou-se empolgar por numerosas ilusões.

90
Lembre, meu irmão, que estes doentes estão atendidos, que já se
retiraram do Umbral, onde tantas armadilhas aguardam os
imprevidentes, descuidosos de si mesmos. Nestes pavilhões, pelo
menos, já se preparam para o serviço regenerador. Quanto às
lágrimas que vertem, RECORDEMOS
QUE DEVEM
A SI MESMOS ESSES PADECIMENTOS.
A vida do homem estará centralizada
onde centralize ele o próprio coração.

Temos os milionários das sensações físicas


transformados em mendigos da alma.

91
Muito cuidadoso, Tobias começou a aplicar passes de fortalecimento,
sob meus olhos atônitos. Finda a operação nos dois primeiros,
começaram ambos a expelir negra substância pela boca, espécie
de vômito escuro e viscoso, com terríveis emanações cadavéricas.

— São fluidos venenosos que segregam —


explicou Tobias, muito calmo.

Narcisa fazia o possível por atender prontamente à tarefa


de limpeza, mas debalde. Grande número deles deixava escapar
a mesma substância negra e fétida. Foi então, que, instintivamente,
me agarrei aos petrechos de higiene e lancei-me ao trabalho
com ardor. A servidora parecia contente com o auxílio
humilde do novo irmão, ao passo que Tobias me dispensava
olhares satisfeitos e agradecidos.

92
CAPÍTULO 28 | EM SERVIÇO

Sentia-me algo cansado pelos intensos esforços despendidos,


mas o coração entoava hinos de alegria interior. Recebera a ventura
do trabalho, afinal. E O ESPÍRITO DE SERVIÇO FORNECE
TÔNICOS DE MISTERIOSO VIGOR.

— Mas está resolvido a


permanecer nas
Câmaras,
durante a noite? -
perguntou admirado.
— Outros não fazem o
mesmo? — indaguei por
minha vez. — Sinto-me
disposto e forte, preciso
recuperar o tempo
perdido.
Abraçou-me o generoso
amigo, acrescentando:
— Pois bem, aceito confiante a colaboração.

(...) e nossa benfeitora da Regeneração prometeu que endossaria


meus propósitos no Ministério do Auxílio, mas exigiu dez anos
consecutivos de trabalho aqui, para que eu possa corrigir certos
desequilíbrios do sentimento. No primeiro instante, quis recusar,
considerando demasiada a exigência; depois, reconheci que ela
estava com a razão.

93
CAPÍTULO 29 | A VISÃO DE FRANCISCO

— Calma, Francisco — pedia a companheira dos infortunados —, você


vai libertar-se, ganhar muita serenidade e alegria, mas depende do
seu esforço. FAÇA
DE CONTA QUE A SUA MENTE É UMA
ESPONJA EMBEBIDA EM VINAGRE. É NECESSÁRIO
EXPELIR A SUBSTÂNCIA AZEDA. Ajudá-lo-ei a fazê-lo, mas o
trabalho mais intenso cabe a você mesmo.

— Este fantasma diabólico! — acrescentava a chorar como criança,


provocando compaixão.

— Confie em Jesus e esqueça o monstro — dizia a irmã dos infelizes,


piedosamente. — Vamos ao passe. O fantasma fugirá de nós.

E aplicou-lhe fluidos salutares e reconfortadores, que Francisco


agradeceu, manifestando imensa alegria no olhar.

94
— A quem se refere o doente? — indaguei impressionado. — Está,
porventura, assediado por alguma sombra invisível ao meu olhar?
A velha servidora das Câmaras de Retificação
sorriu carinhosamente e falou:

— Trata-se do seu próprio cadáver.


— Que me diz? — tornei, espantado.

— O pobrezinho era excessivamente apegado


ao corpo físico e veio para a esfera espiritual após
um desastre, oriundo de pura imprudência.
Esteve, durante muitos dias, ao lado dos despojos, em pleno
sepulcro, sem se conformar com situação diversa.
Queria firmemente levantar o corpo hirto, tal o império da ilusão em
que vivera, e, nesse triste esforço, gastou muito tempo.
Amedrontava-se com a ideia de enfrentar o desconhecido
e não conseguia acumular nem mesmo alguns átomos de
desapego às sensações físicas. Não valeram socorros das
esferas mais altas, porque fechava a zona mental a todo
pensamento relativo à vida eterna.

95
— Como pode a imagem
do cadáver persegui-lo?

— A visão de Francisco — esclareceu a


velhinha, atenciosa — é o pesadelo de
muitos Espíritos depois da morte carnal.
Apegam-se demasiadamente ao corpo,
não enxergam outra coisa, nem vivem
senão dele e para ele, votando-lhe
verdadeiro culto, e, vindo o sopro
renovador, não o abandonam.
Repelem quaisquer ideias de
espiritualidade e lutam
desesperadamente para conservá-lo.
SURGEM, NO ENTANTO, OS VERMES VORAZES, E OS
EXPULSAM. A ESSA ALTURA, HORRORIZAM-SE DO
CORPO E ADOTAM NOVA ATITUDE EXTREMISTA.

A visão do cadáver, porém, como forte criação mental


deles mesmos, atormenta-os no imo da alma. Sobrevêm
perturbações e crises, mais ou menos longas, e muito sofrem até a
eliminação integral do seu fantasma.

— Ah! como é profundo o sono espiritual da maioria de nossos irmãos


na carne! Isto, porém, deve preocupar-nos, mas não deve ferir-nos.
A CRISÁLIDA COLA-SE À MATÉRIA INERTE, MAS A
BORBOLETA ALÇARÁ O VOO; a semente é quase imperceptível
e, no entanto, o carvalho será um gigante.

96
CAPÍTULO 30 | HERANÇA E EUTANÁSIA

Ainda não voltara a mim da profunda surpresa,


quando Salústio se aproximou, informando a Narcisa:

— Nossa irmã Paulina deseja ver o pai enfermo, no Pavilhão 5.


Antes de atender, julguei razoável consultá-la, porque
o doente continua em crise muito aguda.

Mostrando gestos de bondade que lhe


eram característicos, Narcisa acentuou:

— Mande-a entrar sem demora. Ela tem permissão da ministra, visto


ESTAR CONSAGRANDO O TEMPO DISPONÍVEL EM
TAREFA DE RECONCILIAÇÃO DOS FAMILIARES.

97
Narcisa nos convidou a acompanhá-la, e, minutos após,
tinha diante de mim um velho de fisionomia desagradável.
Olhar duro, cabeleira desgrenhada, rugas profundas, lábios retraídos,
inspirava mais piedade que simpatia. Procurei, contudo,
vencer as vibrações inferiores que me dominaram, a fim
de observar, acima do sofredor, o irmão espiritual.

Desapareceu a impressão de repugnância,


aclarando-se-me os raciocínios.
Apliquei a lição a mim mesmo. Como teria chegado,
por minha vez, ao Ministério do Auxílio? Deveria ser
horrível meu semblante de desesperado.
Quando examinamos a desventura de alguém,
lembrando as próprias deficiências, há sempre asilo
para o amor fraterno, no coração.

— Não diga isso, papai - pediu a moça delicadamente. - Lembre-se de


que Edelberto entrou em nossa casa como filho, enviado por Deus.

— Meu filho?! — gritou o infeliz. — Nunca! Nunca!... É criminoso


sem perdão, filho do inferno!...
— (...) é indispensável reconhecer que só existe um Pai realmente
eterno, que é Deus, mas o Senhor da Vida nos permite a paternidade
ou a maternidade no mundo, a fim de aprendermos a
fraternidade sem mácula.(...)

98
Ouvindo-lhe a voz muito meiga,
o doente se pôs a chorar
convulsivamente.

— Perdoe Edelberto, papai!


Procure sentir nele não o filho
leviano, MAS O IRMÃO
NECESSITADO DE
ESCLARECIMENTO. Estive em
nossa casa, ainda hoje, lá
observando extremas
perturbações.
Daqui, deste leito, o senhor
envolve todos os nossos em
fluidos de amargura e
incompreensão, e eles lhe
fazem o mesmo por idêntico
modo. O PENSAMENTO, EM
VIBRAÇÕES SUTIS, ALCANÇA
O ALVO, POR MAIS DISTANTE
QUE ESTEJA. A PERMUTA DE
ÓDIO E DESENTENDIMENTO
CAUSA RUÍNA E SOFRIMENTO
NAS ALMAS.

— Aqui, vemo-lo em estado grave; na Terra, mamãe louca e os filhos


perturbados, odiando-se entre si. Em meio a tantas mentes
desequilibradas, uma
fortuna de um milhão e
quinhentos mil cruzeiros. E que vale isso se não há
um átomo de felicidade para ninguém?

99
— Mas eu leguei enorme patrimônio à família - atalhou o infeliz,
rancorosamente - desejando o bem-estar de todos…

Paulina não o deixou terminar, retomando a palavra:

— Nem sempre sabemos interpretar o que seja


benefício, no capítulo da riqueza transitória.
(...) São raros os que se preocupam em ajuntar conhecimentos
nobres, qualidades de tolerância, luzes de humildade, bênçãos de
compreensão. Impomos a outrem os nossos caprichos, afastamo-nos
dos serviços do Pai, esquecemos a lapidação do nosso espírito.

100
CAPÍTULO 31 | VAMPIRO

O servidor fez um gesto de escrúpulo e explicou:


— Segundo as ordens que nos regem, não pude fazê-lo, porque
a pobrezinha está rodeada de pontos negros.

Deparou-se-nos, então, a miserável figura da mulher que implorava


socorro do outro lado. Nada vi senão o vulto da infeliz, coberta de
andrajos, rosto horrendo e pernas em chaga viva, mas Narcisa parecia
divisar outros detalhes, imperceptíveis ao meu olhar(...)
Narcisa, por sua vez, mostrava-se comovida,
mas falou em tom confidencial:
— Não está vendo os pontos negros?
— Não — respondi.
— Sua visão espiritual ainda não
está suficientemente educada.

101
Chegados à cancela, o irmão Paulo, orientador dos vigilantes,
examinou atentamente a recém-chegada do Umbral e disse:

— Esta mulher, por enquanto, não pode receber nosso socorro.


Trata-se de um dos MAIS FORTES VAMPIROS que tenho visto
até hoje. É preciso entregá-la à própria sorte.

Senti-me escandalizado. Não seria faltar aos deveres cristãos


abandonar aquela sofredora ao azar do caminho? (...)

— Já notou, Narcisa, alguma coisa além dos pontos negros?

102
Baixando o tom de voz, recomendou:
— Conte as manchas pretas.
Narcisa fixou o olhar na infeliz e
respondeu, após alguns instantes:

— Cinquenta e oito.
— Esses pontos escuros
representam 58 crianças
assassinadas ao nascerem. Em
cada mancha vejo a imagem mental
de uma criancinha aniquilada, umas
por golpes esmagadores, outras por
asfixia. Essa desventurada criatura foi
profissional de ginecologia.
A pretexto de aliviar consciências alheias, entregava-se a crimes
nefandos, explorando a infelicidade de jovens inexperientes. A
situação dela é pior que a dos suicidas e homicidas, que, por vezes,
apresentam atenuantes de vulto.
~
— NÃO FALO AQUI DE PROVIDÊNCIAS LEGÍTIMAS, QUE
CONSTITUEM ASPECTOS DAS PROVAÇÕES REDENTORAS;
refiro-me ao crime de assassinar os que começam a trajetória na
experiência terrestre, com o direito sublime da vida.
~
— Observaram o vampiro? Exibe a condição de criminosa e
declara-se inocente; é profundamente má e afirma-se boa e pura;
sofre desesperadamente e alega tranquilidade; criou um inferno
para si própria e assevera que está procurando o Céu.

103
CAPÍTULO 32 | NOTÍCIAS DE VENERANDA

— No grande parque — dizia ela — não há somente caminhos para o


Umbral ou apenas cultura de vegetação destinada aos sucos
alimentícios. A MINISTRA VENERANDA CRIOU PLANOS
EXCELENTES PARA OS NOSSOS PROCESSOS
EDUCATIVOS. (...) TRATA-SE DOS "SALÕES VERDES"
para serviço de educação. Entre as grandes fileiras das árvores, há
recintos de maravilhosos contornos para as conferências dos
ministros da Regeneração; outros para ministros visitantes e
estudiosos em geral.

104
Variam nas formas e dimensões. Nos parques de educação do
Esclarecimento, instalou a ministra um verdadeiro castelo de
vegetação, em forma de estrela, dentro do qual se abrigam cinco
numerosas classes de aprendizados e cinco instrutores diferentes.
No centro, funciona enorme aparelho destinado
a demonstrações pela imagem, à maneira do
cinematógrafo terrestre, com o qual é possível levar
a efeito cinco projeções variadas, simultaneamente.
"Mobiliário Natural": Cada "salão natural" tem bancos e poltronas
esculturados na substância do solo, forrados de relva olente e macia.
Isso imprime formosura e disposições características.

Sua tradição de trabalho, em Nosso Lar, é considerada pela


Governadoria como das mais dignas. É a entidade com maior
número de horas de serviço na colônia e a figura mais antiga do
Governo e do Ministério, em geral. PERMANECE EM TAREFA
ATIVA, NESTA CIDADE, HÁ MAIS DE DUZENTOS ANOS.
(...) Com exceção do governador, a ministra Veneranda é a única
entidade, em Nosso Lar, que já viu Jesus nas Esferas
resplandecentes, mas nunca comentou esse fato de sua vida
espiritual e esquiva-se à menor informação a tal respeito.
Medalha: 1 milhão de bônus horas

105
— Extraordinária mulher! — disse eu. —
Por que não se encaminharia a esferas mais altas?

Narcisa baixou o tom de voz e declarou:

— Intimamente, ela vive em zonas muito superiores à nossa


e permanece em Nosso Lar por espírito de amor e sacrifício.
Soube que essa benfeitora sublime vem trabalhando, há mais
de mil anos, pelo grupo de corações bem-amados que
demoram na Terra, e espera com paciência.

106
CAPÍTULO 33 | CURIOSAS OBSERVAÇÕES

Andrezinho Luiz Bugado: Em verdade, muito amara a companheira


de lutas e, sem dúvida, dispensara aos filhinhos ternuras incessantes,
mas, examinando desapaixonadamente minha situação
de esposo e pai, reconhecia que nada criara de sólido e
útil no espírito dos meus familiares.
Tais pensamentos instalavam-se-me no cérebro com
veemência irritante. Ao deixar os círculos carnais, encontrara as
penúrias da incompreensão. E que teria sucedido à esposa e aos
filhinhos, deslocados da estabilidade doméstica para as sombras da
viuvez e da orfandade? Inútil interrogação.

O VENTO CALMO PARECIA


SUSSURRAR CONCEPÇÕES GRANDIOSAS, como que
desejoso de me despertar a mente para estados mais altos.

107
Instantes depois, divisei ao longe
dois vultos enormes que me
impressionaram vivamente.
Pareciam dois homens de
substância indefinível,
semiluminosa. Dos pés e dos
braços pendiam filamentos
estranhos, e da cabeça como
que se escapava um longo fio
de singulares proporções. Tive
a impressão de identificar dois
autênticos fantasmas. Não suportei.
Cabelos eriçados, voltei
apressadamente ao interior.

Narcisa: Também eu, por minha vez, experimentei a mesma


surpresa, em outros tempos. Aqueles são os nossos próprios irmãos
da Terra. Trata-se de poderosos Espíritos que vivem na carne em
missão redentora e podem, como nobres iniciados da eterna
Sabedoria, abandonar o veículo corpóreo, transitando livremente
em nossos planos. OS FILAMENTOS E FIOS QUE OBSERVOU
SÃO SINGULARIDADES QUE OS DIFERENCIAM DE NÓS
OUTROS. Não se arreceie, portanto. Os encarnados
que conseguem atingir estas paragens são criaturas
extraordinariamente espiritualizadas, apesar de
obscuras ou humildes na Terra.

— Estão envolvidos em claridade azul.


Devem ser dois mensageiros muito elevados na esfera
carnal, em tarefa que não podemos conhecer.

108
CAPÍTULO 34 | OS RECÉM-CHEGADOS DO UMBRAL

— Como são interessantes as suas observações! Mas não procurou


saber as razões de sua demora naquelas paragens?

— Absolutamente — respondeu, persignando-se. — Como lhe disse,


enquanto estive na Terra, fiz o possível por ser uma boa religiosa.
Sabe o senhor que ninguém está livre de pecar. Meus escravos
provocavam rixas e contendas, e, embora a fortuna me
proporcionasse vida calma, de quando em quando era necessário
aplicar disciplinas. Os feitores eram excessivamente escrupulosos e
eu não podia hesitar nas ordens de cada dia. Não raro algum negro
morria no tronco para escarmento geral; outras vezes, era
obrigada a vender as mães cativas, separando-as dos filhos, por
questões de harmonia doméstica.

Nessas ocasiões, SENTIA MORDER-ME A CONSCIÊNCIA, MAS


CONFESSAVA-ME TODOS OS MESES, quando o padre Amâncio
visitava a fazenda e, depois da comunhão, estava livre dessas faltas
veniais, porque, recebendo a absolvição no confessionário e
ingerindo a sagrada partícula, estava novamente em dia com todos
os meus deveres para com o mundo e com Deus.

109
— Escravo é escravo. Se
assim não fora, a religião nos
ensinaria o contrário. Pois se
havia cativos em casa de
bispos, quanto mais em
nossas fazendas? Quem haveria
de plantar a terra, senão eles? E
creia que sempre lhes concedi
minhas senzalas como verdadeira
honra!... (...) Padre Amâncio, nosso
virtuoso sacerdote, disse-me na
confissão que os africanos são os
piores entes do mundo, nascidos
exclusivamente para servirem a
Deus no cativeiro.

— André, meu amigo, você


esqueceu que estamos providenciando alívio a doentes e
perturbados? Que proveito lhe advém de semelhantes informações?
Os dementes falam de maneira incessante, e quem os
ouve, gastando interesse espiritual, pode não estar
menos louco. (...)
Não se impressione — exclamou a enfermeira delicadamente —,
atendamos os irmãos perturbados.
— Mas a senhora é de opinião que estou nesse número? —
perguntou a velhota, melindrada.
Narcisa, porém, demonstrando suas excelentes qualidades de
psicóloga, tomou expressão de fraternidade carinhosa e exclamou:
— Não, minha amiga, não digo isso; creio, porém, que deve estar
muito cansada; seu esforço purgatorial foi muito longo...

110
CAPÍTULO 35 | ENCONTRO SINGULAR

E, enquanto mal dissimulava o desapontamento,


Silveira, sorrindo, chamava-me à realidade:

— Tem visitado o "velho"?


Aquela pergunta, a evidenciar espontâneo
carinho, aumentava o meu pejo.

~
Narcisa: Não estranhe o fato. Vi-me, há
tempos, nas mesmas condições. Já tive a felicidade
de encontrar por aqui o maior número das pessoas
que ofendi no mundo. Sei, hoje,
que isso é uma bênção do Senhor, que nos renova
a oportunidade de restabelecer a simpatia
interrompida, recompondo os elos quebrados
da corrente espiritual.
~
Silveira, comovidíssimo, não me deixou terminar:

— Ora, André, quem haverá isento de faltas? Acaso, poderia você


acreditar que vivi isento de erros? Além disso, seu pai foi meu
verdadeiro instrutor. Devemos-lhe, meus filhos e eu, abençoadas
lições de esforço pessoal. SEM AQUELA ATITUDE ENÉRGICA QUE
NOS SUBTRAIU AS POSSIBILIDADES MATERIAIS, QUE SERIA
DE NÓS NO TOCANTE AO PROGRESSO DO ESPÍRITO?
Renovamos, aqui, todos os velhos conceitos da vida humana.
Nossos adversários não são propriamente inimigos, e sim benfeitores.
Não se entregue a lembranças tristes. Trabalhemos com o Senhor,
reconhecendo o infinito da vida.

111
CAPÍTULO 36 | O SONHO

Ao cair da noite, já me sentia integrado no mecanismo dos passes,


aplicando-os aos necessitados de toda sorte.

(...) Nada obstante o convite amável da genitora de Lísias para que


voltasse a casa por descansar, Tobias
pôs à minha disposição
um apartamento de repouso, ao lado das Câmaras de
Retificação, e aconselhou-me algum descanso.
De fato, sentia grande necessidade do sono. Narcisa preparou-me
o leito com desvelos de irmã.

Recolhido ao quarto confortável e espaçoso,


orei ao Senhor da Vida, agradecendo-lhe a bênção de ter sido útil.
A "proveitosa fadiga" dos que cumprem o dever não me
deu ensejo a qualquer vigília desagradável.

112
Daí a instantes, sensações de leveza invadiram-me a alma toda e tive
a impressão de ser arrebatado em pequenino barco, rumando a
regiões desconhecidas. Para onde me dirigia?

Impossível responder.
A MEU LADO, UM HOMEM SILENCIOSO
SUSTINHA O LEME. E qual criança que não pode
enumerar nem definir as belezas do caminho, deixava-me
conduzir sem exclamações de qualquer natureza, extasiado
embora com as magnificências da paisagem.

Parecia-me que a embarcação seguia célere,


não obstante os movimentos de ascensão.

Decorridos minutos, vi-me à frente de um porto maravilhoso, onde


alguém me chamou com especial carinho:

- André!... André!...

Desembarquei com precipitação verdadeiramente infantil.


Reconheceria aquela voz entre milhares. Num momento,
abraçava minha mãe em transbordamentos de júbilo.

113
Fui conduzido, então, por ela, a prodigioso bosque, onde
as flores
eram dotadas de singular propriedade - a de reter a luz,
revelando a festa permanente do perfume e da cor.
Tapetes dourados e luminosos estendiam-se, dessa maneira, sob as
grandes árvores sussurrantes ao vento. Minhas impressões de
felicidade e paz eram inexcedíveis.

O sonho não era propriamente qual se verifica na Terra. Eu sabia,


perfeitamente, que deixara o veículo inferior no apartamento das
Câmaras de Retificação, em Nosso Lar, e tinha absoluta
consciência daquela movimentação em plano diverso.
MINHAS NOÇÕES DE ESPAÇO E TEMPO ERAM EXATAS.

114
- Muito roguei a Jesus me permitisse a sublime satisfação de ter-te
a meu lado, no teu primeiro dia de serviço útil. Como vês, meu filho,
o trabalho é tônico divino para o coração. Numerosos
companheiros nossos, após deixarem a Terra, demoram em atitudes
contraproducentes, aguardando milagres que jamais se verificarão.
Reduzem-se, desse modo, formosas capacidades a
simples expressões parasitárias.
~

O Evangelho de Jesus, meu André - continuou amorosamente -,


lembra-nos que há maior alegria em dar que em receber.
Aprendamos a concretizar semelhante princípio, no esforço diário
a que formos conduzidos pela nossa própria felicidade.
Dá sempre, filho meu.

Sobretudo, JAMAIS ESQUEÇAS DAR DE TI MESMO,


em tolerância construtiva, em amor fraternal e divina compreensão.
A prática do bem exterior é um ensinamento e um apelo
para que cheguemos à prática do bem interior.

115
TRABALHA,
MEU FILHO,
FAZENDO O BEM.

Qual o menino que adormece após a lição, perdi a consciência de


mim mesmo, para despertar mais tarde nas Câmaras de Retificação,
experimentando vigorosas sensações de alegria.

116
CAPÍTULO 37 | A PRELEÇÃO DA MINISTRA

— Essas aulas - disse ele - SÃO


OUVIDAS SOMENTE
PELOS ESPÍRITOS SINCERAMENTE INTERESSADOS.
Os instrutores, aqui, não podem perder tempo. Fica você,
desse modo, autorizado a comparecer com os ouvintes que se
contam por centenas, entre servidores e abrigados dos Ministérios da
Regeneração e do Auxílio.

Calculei a assistência em mais de mil pessoas. Na disposição comum


da grande assembleia, notei que vinte entidades se assentavam em
local destacado entre nós outros e a eminência florida onde se via a
poltrona da instrutora.
A uma pergunta minha, Narcisa explicou:
— Estamos na assembleia de ouvintes. Aqueles irmãos, que se
conservam em lugar de realce, são os mais adiantados
na matéria de hoje, companheiros que podem
interpelar a ministra. Adquiriram esse direito
pela aplicação ao assunto, condição que poderemos
alcançar também, por nossa vez.

117
— O governador — prosseguiu a enfermeira explicando —
determinou essa medida nas aulas e palestras de todos os ministros,
a fim de que os trabalhos não se convertessem em
desregramento da opinião pessoal, sem base justa, com grave
perda de tempo para o conjunto.

VENERANDA ESPALHOU,
COM A SIMPLES PRESENÇA,
ENORME ALEGRIA EM
TODOS OS SEMBLANTES.
Não mostrava a fisionomia de uma
velha, o que contrastava com o nome;
sim, o semblante de nobre senhora na
idade madura, cheia de simplicidade,
sem afetação.

Encontram-se, entre nós,


no momento, algumas
centenas de ouvintes que
se surpreendem com a
nossa esfera cheia de formas análogas às do planeta. Não haviam
aprendido que
o pensamento é a linguagem universal? Não foram
informados de que a criação mental é quase tudo
em nossa vida?

118
O pensamento é a base das relações espirituais
dos seres entre si, mas não olvidemos que
somos milhões de almas dentro do universo,
algo insubmissas ainda às leis universais. Não
somos, por enquanto, comparáveis aos irmãos mais velhos e mais
sábios, próximos do Divino, mas milhões de entidades a viverem nos
caprichosos 'mundos inferiores' do nosso 'eu'.
Os grandes instrutores da humanidade carnal ensinam
princípios divinos, expõem verdades eternas e
profundas, nos círculos do globo. Em geral, porém, nas
atividades terrenas, RECEBEMOS NOTÍCIAS DESSAS LEIS
SEM NOS SUBMETERMOS A ELAS, e tomamos conhecimento
dessas verdades sem lhes consagrarmos nossas vidas.

Será crível que, somente por admitir o poder do


pensamento, ficasse o homem liberto de toda a
condição inferior? Impossível!

(...) Informamo-nos a respeito da força mental no aprendizado


mundano, mas esquecemos que toda a nossa energia, nesse
particular, tem sido empregada por nós, em milênios sucessivos, nas
criações mentais destrutivas ou prejudiciais a nós mesmos.

Somos admitidos aos cursos de espiritualização nas diversas escolas


religiosas do mundo, MAS COM FREQUÊNCIA AGIMOS
EXCLUSIVAMENTE NO TERRENO DAS AFIRMATIVAS VERBAIS.

Ninguém, todavia, atenderá ao dever apenas com palavras. Ensina


a Bíblia que o próprio Senhor da Vida não estacionou no verbo e
continuou o trabalho criativo na ação.

119
Todos sabemos que o pensamento é força essencial,
mas não admitimos nossa milenária viciação no desvio
dessa força. (...)
O PENSAMENTO É FORÇA VIVA, EM TODA PARTE; É
ATMOSFERA CRIADORA QUE ENVOLVE O PAI E OS
FILHOS, A CAUSA E OS EFEITOS, NO LAR UNIVERSAL."

120
CAPÍTULO 38 | O CASO TOBIAS + CAPÍTULO 39 | OUVINDO A SENHORA LAURA

O caso Tobias impressionara-me profundamente.

Aquela casa, alicerçada em princípios novos de união fraterna,


preocupava-me como assunto obsidente. Afinal de contas, também
ainda me sentia senhor do lar terrestre e avaliava quão difícil para
mim próprio seria semelhante situação. Teria coragem de proceder
como Tobias, imitando-lhe a conduta? Admitia que não. A meu ver,
não seria capaz de aborrecer tanto a minha querida Zélia e jamais
aceitaria tal imposição por parte de minha esposa.

Aquelas observações da casa de Tobias


torturavam-me o cérebro.

VOCÊ FEZ BEM EM TRAZER A QUESTÃO


AO NOSSO ESTUDO RECÍPROCO. TODO PROBLEMA
QUE TORTURE A ALMA PEDE COOPERAÇÃO AMIGA
PARA SER RESOLVIDO.

121
— Quando nos atemos aos pontos de vista propriamente
humanos, essas coisas dão até para escandalizar; entretanto,
meu amigo, é necessário, agora, sobrepormos a tudo os
princípios de natureza espiritual. Nesse sentido, André,
precisamos compreender o espírito de sequência que rege os
quadros evolutivos da vida. Se atravessamos longa escala de
animalidade, é justo que essa animalidade não desapareça de um
dia para outro. Empregamos muitos séculos para emergir das
camadas inferiores. O SEXO INTEGRA O PATRIMÔNIO DE
FACULDADES DIVINAS, QUE DEMORAMOS A
COMPREENDER. Não será fácil para você, presentemente, a
penetração, no sentido elevado, da organização doméstica que
visitou ontem; entretanto, a felicidade, ali, é muito grande, pela
atmosfera de compreensão que se criou entre as personagens do
drama terrestre. Nem todos conseguem substituir cadeias
de sombra por laços de luz em tão pouco tempo.

122
O CASO TOBIAS É O CASO DE VITÓRIA DA FRATERNIDADE
REAL, POR PARTE DAS TRÊS ALMAS INTERESSADAS NA
AQUISIÇÃO DE JUSTO ENTENDIMENTO. Quem não se adaptar à
lei de fraternidade e compreensão, logicamente, não atravessará
essas fronteiras. As regiões obscuras do Umbral estão cheias de
entidades que não resistiram a semelhantes provas.

Enquanto odiarem, serão ímãs desequilibrados;


enquanto não entenderem a verdade, sofrerão o império
da mentira e, consequentemente, não poderão penetrar
as zonas de atividade superior.

— E que acontece, então? - interroguei, valendo-me da pausa da


interlocutora. - Se não são admitidas aos núcleos espirituais de
aprendizado nobre, onde se localizarão as pobres almas em
experiências dessa ordem?

— Depois de padecimentos verdadeiramente infernais,


pelas criações inferiores que inventam para si mesmas —
redarguiu a mãe de Lísias —, vão fazer na experiência
carnal o que não conseguiram realizar em ambiente
estranho ao corpo terrestre. Concede-lhes a Bondade divina o
esquecimento do passado, na organização física do planeta, e vão
receber, nos laços da consanguinidade, aqueles de quem se
afastaram deliberadamente pelo veneno do ódio ou da
incompreensão. Daí se infere a oportunidade, cada vez mais viva, da
recomendação de Jesus, quando nos aconselha imediata
reconciliação com os adversários.

123
Há muitos Espíritos que gastam séculos tentando desfazer
animosidades e antipatias na existência terrestre e refazendo-as após
a desencarnação. O problema do perdão, com Jesus, meu
caro André, é problema sério. Não se resolve em
conversas. Perdoar verbalmente é questão de palavras, mas aquele
que perdoa realmente precisa mover e remover pesados fardos de
outras eras, dentro de si mesmo.
~
Aos Espíritos ainda em simples experiência animal,
nossa conversação não interessa, mas, para nós, que
compreendemos a necessidade da iluminação com o Cristo,
é imprescindível destacar não só a experiência do
casamento, mas toda experiência de sexo, por afetar
profundamente a vida da alma.

Toda experiência sexual da criatura


que já recebeu alguma luz do
espírito é acontecimento de
enorme importância para si
mesma. É por isso que o
entendimento fraterno precede a
qualquer trabalho verdadeiramente
salvacionista. Ainda há pouco tempo
ouvi um grande instrutor no
Ministério da Elevação assegurar
que, se pudesse, iria materializar-se
nos planos carnais, a fim de dizer
aos religiosos, em geral, que toda caridade, para ser divina,
precisa apoiar-se na fraternidade.
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124
CAPÍTULO 40 | QUEM SEMEIA COLHERÁ

Eu não sabia explicar a


grande atração pela visita ao
departamento feminino das Câmaras de Retificação.
Falei a Narcisa do meu desejo, prontificando-se ela a satisfazer-me.

— QUANDO O PAI NOS CONVOCA A DETERMINADO


LUGAR — DISSE, BONDOSA —, É QUE LÁ NOS AGUARDA
ALGUMA TAREFA. Cada situação, na vida, tem finalidade
definida... Não deixe de observar este princípio em suas visitas
aparentemente casuais. Desde que nossos pensamentos visem à
prática do bem, não será difícil identificar as sugestões divinas.

Era Elisa. Aquela mesma Elisa que conhecera nos


tempos de rapaz. Estava modificada pelo sofrimento, mas não
podia ter quaisquer dúvidas. Lembrei, perfeitamente, o dia em que
ela, humilde, penetrara em nossa casa levada por velha amiga de
minha mãe, que aceitou as recomendações trazidas, admitindo-a
para os serviços domésticos.

125
(...) quando a sós comigo, comentava sem escrúpulo certas
aventuras da sua mocidade, agravando com isso a irreflexão de
nossos pensamentos. Recordei o dia em que minha genitora me
chamou a conselhos justos. Aquela intimidade, dizia, não ficava bem.
Era razoável que dispensássemos à serva generosidade afetuosa,
mas convinha pautar nossas relações com sadio critério.
Entretanto, estouvadamente, levara eu muito
longe a nossa camaradagem.
(...) abandonou Elisa, mais tarde, a nossa casa,
sem coragem de me lançar em rosto qualquer acusação.
E o tempo passou, reduzindo o fato, em meu pensamento,
a episódio fortuito da existência humana. (...) À minha frente tinha
Elisa, agora, vencida e humilhada!

Ah!... naquele caso, não me defrontava


o Silveira, perto de quem pudera
repartir o débito com meu pai.
A DÍVIDA, AGORA, ERA
INTEIRAMENTE MINHA.
Cheguei a tremer, envergonhado da
exumação daquelas reminiscências,
mas, qual criança ansiosa de perdão
pelas faltas cometidas, dirigi-me a
Narcisa, pedindo orientação. Eu
mesmo me admirava da confiança que
aquelas santas mulheres me
inspiravam. Talvez nunca tivesse
coragem de pedir ao ministro Clarêncio as elucidações
que pedira à mãe de Lísias e, possivelmente, outra seria minha
conduta, naquele instante, se tivesse Tobias a meu lado.

126
— Não precisa continuar. Adivinho o epílogo da história. Não se
entregue a pensamentos destrutivos. Conheço o seu martírio moral,
de experiência própria. Entretanto, se o Senhor permitiu que
reencontrasse agora esta irmã, é que já o considera em
condições de resgatar a dívida.

— Não tema. Aproxime-se dela e reconforte-a. Todos nós, meu irmão,


encontramos no caminho os frutos do bem ou do mal que
semeamos. ESTA AFIRMATIVA NÃO É FRASE
DOUTRINÁRIA, É REALIDADE UNIVERSAL.

(...) Bem-aventurados os
devedores em condições de pagar.
~

— Pois bem — continuei,


comovido —, até agora, não
tenho propriamente uma
família em Nosso Lar.
Mas você será aqui minha
irmã do coração. Conte
com o meu devotamento
de amigo.

127
CAPÍTULO 41 | CONVOCADOS À LUTA

Nos primeiros dias de setembro de 1939,


Nosso Lar sofreu, igualmente, o choque por que passaram diversas
Era a guerra
colônias espirituais ligadas à civilização americana.
europeia, tão destruidora nos círculos da carne, quão
perturbadora no plano do espírito. Entidades numerosas
comentavam os empreendimentos bélicos em perspectiva, sem
disfarçarem o imenso terror de que se possuíam.

Reconheci que os Espíritos superiores, nessas circunstâncias,


passam a considerar as nações agressoras
não como inimigas, mas como desordeiras e cuja
atividade criminosa é imprescindível reprimir.

QUANDO UM PAÍS TOMA A INICIATIVA DA GUERRA, ENCABEÇA A


DESORDEM DA CASA DO PAI E PAGARÁ UM PREÇO TERRÍVEL.

128
(...) nos acontecimentos dessa natureza, os países agressores
convertem-se, naturalmente, em núcleos poderosos de centralização
das forças do mal. Sem se precatarem dos perigos imensos, esses
povos, com exceção dos Espíritos nobres e sábios que lhes integram
os quadros de serviço, embriagam-se ao contato dos elementos
de perversão, que invocam das camadas sombrias.
COLETIVIDADES OPEROSAS CONVERTEM-SE EM
AUTÔMATOS DO CRIME. Legiões infernais precipitam-se sobre
grandes oficinas do progresso comum, transformando-as em campos
de perversidade e horror. Mas, enquanto os bandos escuros se
apoderam da mente dos agressores, os agrupamentos espirituais
da vida nobre movimentam-se em auxílio dos agredidos.

Logo após os primeiros dias que assinalaram as primeiras bombas


na terra polonesa, encontrava-me, ao entardecer, nas Câmaras de
Retificação, junto de Tobias e Narcisa, quando inesquecível clarim se
fez ouvir por mais de um quarto de hora. PROFUNDA EMOÇÃO
NOS INVADIRA A TODOS.

129
— É A CONVOCAÇÃO SUPERIOR AOS SERVIÇOS DE
SOCORRO À TERRA — explicou-me Narcisa, bondosamente.
— Temos o sinal de que a guerra prosseguirá, com terríveis tormentos
para o espírito humano — exclamou Tobias, inquieto. — Apesar da
distância, toda a vida psíquica americana teve na Europa a sua
origem. Teremos grande trabalho em preservar o Novo Mundo.

Quando o misterioso instrumento desferiu a


última nota, fomos ao grande parque, a fim
de observar o céu. Profundamente comovido,
vi inúmeros pontos luminosos, parecendo
pequenos focos resplandecentes e
longínquos, a librarem-se no firmamento.

— Esse clarim — disse Tobias igualmente


emocionado — é utilizado por Espíritos
vigilantes, de elevada expressão hierárquica.

— Irmãos de Nosso Lar, não vos entregueis a distúrbios


do pensamento ou da palavra. A aflição não constrói, a
ansiedade não edifica. Saibamos ser dignos do clarim do
Senhor, atendendo-lhe a Vontade divina no trabalho
silencioso, em nossos postos.
Aquela voz clara e veemente, de quem falava com autoridade e amor,
operou singular efeito na multidão. No curto espaço de uma hora,
toda a colônia regressava à serenidade habitual.
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130
CAPÍTULO 42 | A PALAVRA DO GOVERNADOR

(...) prometeu o governador a realização do culto evangélico no


Ministério da Regeneração. O objetivo essencial da medida,
esclareceu Narcisa, SERIA A PREPARAÇÃO DE NOVAS
ESCOLAS DE ASSISTÊNCIA NO AUXÍLIO E NÚCLEOS DE
ADESTRAMENTO NA REGENERAÇÃO.
— Precisamos organizar — dizia ela — determinados elementos para
o serviço hospitalar urgente, embora o conflito se tenha
manifestado tão longe, bem como exercícios adequados
contra o medo.

— Talvez estranhe, como acontece a muita gente, A ELEVADA


PORCENTAGEM DE EXISTÊNCIAS HUMANAS ESTRANGULADAS
SIMPLESMENTE PELAS VIBRAÇÕES DESTRUTIVAS DO TERROR,
que é tão contagioso como qualquer moléstia de perigosa
propagação. CLASSIFICAMOS O MEDO COMO DOS PIORES
INIMIGOS DA CRIATURA, POR ALOJAR-SE NA CIDADELA DA ALMA,
ATACANDO AS FORÇAS MAIS PROFUNDAS.

131
A Governadoria, nas atuais emergências, coloca o treinamento
contra o medo muito acima das próprias lições de enfermagem.
A calma é garantia do êxito.
Experimentava, então, ansiedade justa. Ia ver, pela primeira vez, a
meu lado, o nobre condutor que merecia a veneração geral.

Tive a impressão de que toda a vida social do nosso Ministério


convergiu para o grande salão natural, desde o raiar de domingo,
quando verdadeiras caravanas de todos os departamentos
regeneradores chegavam ao local. O Grande Coro do Templo da
Governadoria, aliando-se aos meninos cantores das escolas do
Esclarecimento, iniciou a festividade com o maravilhoso hino
intitulado “Sempre contigo, Senhor Jesus”,
cantado por duas mil vozes ao mesmo tempo.
Outras melodias de beleza singular encheram a amplidão.
O murmúrio doce do vento, canalizado em vagas de perfume,
parecia responder às harmonias suaves.

132
Nunca esquecerei o vulto nobre e imponente daquele ancião de
cabelos de neve, que parecia estampar na fisionomia, ao mesmo
tempo, a sabedoria do velho e a energia do moço; a
ternura do santo e a serenidade do administrador
consciencioso e justo. Alto, magro, envergando uma túnica
muito alva, olhos penetrantes e maravilhosamente lúcidos, apoiava-se
num bordão, embora caminhasse com aprumo juvenil.

O velhinho enérgico e amorável passeou o olhar pela assembleia


compacta, constituída de milhares de assistentes. Em seguida, abriu
um livro luminoso que o companheiro me informou ser o Evangelho
de Nosso Senhor Jesus Cristo.

— E ouvireis falar de guerras e de rumores de guerras;


olhai, não vos assusteis, porque é mister que isso tudo
aconteça, mas ainda não é o fim. — Palavras do Mestre
em Mateus, capítulo 24, versículo 6.
~

Não me dirijo, pois, neste momento, aos nossos irmãos cujas mentes
já funcionam em zonas mais altas da vida, mas a vós outros, que
trazeis nas sandálias da recordação os sinais da poeira do mundo,
para exalçar a tarefa gigantesca. Nosso Lar precisa de trinta mil
servidores adestrados no serviço defensivo, trinta mil
trabalhadores que não meçam necessidade de repouso, nem
conveniências pessoais, enquanto perdurar nossa batalha com as
forças desencadeadas do crime e da ignorância. Haverá serviço para
todos, nas regiões de limite vibratório, entre nós e os planos inferiores,
porque não podemos esperar o adversário
em nossa morada espiritual.

133
Nas organizações coletivas, é forçoso considerar a medicina
preventiva como medida primordial na preservação da paz interna.
Somos, em Nosso Lar, mais de um milhão de criaturas devotadas aos
desígnios superiores e ao melhoramento moral de nós mesmos.
Seria caridade permitir a invasão de vários milhões de
Espíritos desordeiros? Não podemos, portanto, hesitar
no que se refere à defesa do bem.
~

Sei que muitos de vós recordais, neste instante, o grande Crucificado.


Sim, Jesus entregou-se à turba de amotinados e criminosos, por
amor à redenção de todos nós, mas não entregou o mundo à
desordem e ao aniquilamento. Todos devemos estar prontos para o
sacrifício individual, mas não podemos entregar nossa morada aos
malfeitores.

Lógico que a nossa tarefa essencial é de confraternização e paz, de


amor e alívio aos que sofrem; claro que interpretaremos todo mal
como desperdício de energia, e todo crime como enfermidade da
alma; entretanto, Nosso Lar é um patrimônio divino, que precisamos
defender com todas as energias do coração.
QUEM NÃO SABE PRESERVAR NÃO É
DIGNO DE USUFRUIR.

O governador desceu da tribuna sob vibrações


de imensa esperança e foi então que brisas
cariciosas começaram a soprar sobre as
árvores, trazendo, talvez de muito longe,
pétalas de rosas diferentes, em maravilhoso
azul, que se desfaziam, de leve, ao tocar nossas
frontes, enchendo-nos o coração de intenso
júbilo.

134
CAPÍTULO 43 | EM CONVERSAÇÃO

O Ministério da Regeneração continuou


cheio de expressões festivas, não obstante se haver
retirado o governador ao seu círculo mais íntimo.

— Conhece você — indagou ele — o ministro Benevenuto, aqui na


Regeneração, o mesmo que chegou anteontem da Polônia?

— Muito doloroso o quadro que


vimos — comentava Benevenuto
em tom grave —; habituados ao
serviço da paz na América,
nenhum de nós imaginava o que
fosse o trabalho de socorro
espiritual nos campos da Polônia.
Tudo obscuro, tudo difícil.
Não se podem, ali, esperar
claridades de fé nos
agressores, tampouco na
maioria das vítimas, que se
entregam totalmente a
pavorosas impressões. Os
encarnados não nos ajudam,
apenas consomem nossas forças.

O que mais nos contristou, porém, foi a triste condição


dos militares agressores, quando algum deles abandonava as
vestes carnais, compelido pelas circunstâncias. Dominados, na
maioria, por forças tenebrosas, fugiam dos Espíritos missionários,
chamando-lhes a todos “fantasmas da cruz”.

135
— E não eram recolhidos para esclarecimento justo? — inquiriu
alguém, interrompendo o narrador.
Benevenuto esboçou um gesto significativo e respondeu:
— Será sempre possível atender os loucos pacíficos, no lar; mas que
remédio se reservará aos loucos furiosos, senão o
hospício? Não havia outro recurso para tais criaturas senão
deixá-las nos precipícios das trevas, onde serão naturalmente
compelidas a reajustar-se, dando ensejo a pensamentos dignos. É
razoável, portanto, que as missões de auxílio recolham
apenas os predispostos a receber o socorro elevado.

— É quase incrível que a Europa, com tantos patrimônios culturais, se


tenha abalançado a semelhante calamidade.
— Falta de preparação religiosa, meus amigos — definiu o ministro
com expressiva inflexão de voz —; não basta ao homem a
inteligência apurada, é-lhe necessário iluminar
raciocínios para a vida eterna. As igrejas são sempre santas em
seus fundamentos, e o sacerdócio será sempre divino, quando cuide
essencialmente da Verdade de Deus, mas o sacerdócio político
jamais atenderá a sede espiritual da civilização. Sem o sopro divino,
as personalidades religiosas poderão inspirar respeito e admiração,
não, porém, a fé e a confiança.
— MAS E O ESPIRITISMO?

136
— O Espiritismo é a nossa grande esperança
e, por todos os títulos, é o Consolador da humanidade encarnada,
mas a nossa marcha é ainda muito lenta. Trata-se de uma dádiva
sublime, para a qual a maioria dos homens ainda não possui “olhos
de ver”. Esmagadora porcentagem dos aprendizes novos
aproxima-se dessa fonte divina a copiar antigos vícios religiosos.

Enfim, procuram-se, por lá, os Espíritos


materializados para o fenomenismo passageiro, ao
passo que nós outros vivemos à procura de homens
espiritualizados para o trabalho sério.
O trocadilho arrancou expressões de bom humor geral (...)

137
CAPÍTULO 44 | AS TREVAS

(...) quando nos reunimos àqueles a quem amamos,


ocorre algo de confortador e construtivo em nosso íntimo.
É o alimento do amor, André.
Quando numerosas almas se congregam
no círculo de tal ou qual atividade, seus
pensamentos se entrelaçam, formando
núcleos de força viva, pelos quais cada um
recebe seu quinhão de alegria ou
sofrimento, da vibração geral. É por essa
razão que, no planeta, o problema do
ambiente é sempre fator ponderável no
caminho de cada homem.
Cada criatura viverá
daquilo que cultiva.

— Não há nisto mistério.


É lei da vida, tanto nos
esforços do bem como
nos movimentos do mal.

138
— Chamamos Trevas as regiões mais inferiores que conhecemos.
Considere as criaturas como itinerantes da vida. Alguns poucos
seguem resolutos, visando ao objetivo essencial da jornada. São os
Espíritos nobilíssimos, que descobriram a essência divina em si
mesmos, marchando para o alvo sublime, sem vacilações. A maioria,
no entanto, estaciona. Temos então a multidão de almas que
demoram séculos e séculos recapitulando experiências.

Assim é que muitos costumam perder-se em plena floresta da vida,


perturbados no labirinto que tracejam para os próprios pés.

— Entretanto, que me diz dessas quedas? Verificam-se apenas na


Terra? Somente os encarnados são suscetíveis de precipitação
no despenhadeiro? Lísias pensou um minuto e respondeu:

— Sua observação é oportuna. Em qualquer lugar, o Espírito pode


precipitar-se nas furnas do mal, salientando-se, porém, que nas
esferas superiores as defesas são mais fortes, imprimindo-se,
consequentemente, mais intensidade de culpa na falta cometida.

139
— Entretanto — objetei —, a queda sempre me pareceu impossível
nas regiões estranhas ao corpo terreno. O ambiente divino, o
conhecimento da verdade, o
auxílio superior
figuravam-se-me antídotos infalíveis ao
veneno da vaidade e da tentação.
~

O companheiro sorriu e obtemperou:

— O problema da tentação é mais complexo.


As paisagens do planeta terrestre estão cheias de ambiente divino,
conhecimento da verdade e auxílio superior. Não são poucos os que
compartem, ali, de batalhas destruidoras entre as árvores acolhedoras
e os campos primaveris; muitos cometem homicídios ao luar,
insensíveis à profunda sugestão das estrelas; outros exploram
os mais fracos, ouvindo elevadas revelações da verdade superior.
Não faltam, na Terra, paisagens e expressões
essencialmente divinas.

140
— Contudo, Lísias, poderá você dar-me uma
ideia da localização dessa zona de Trevas?
Se o Umbral está ligado à mente
humana, onde ficará semelhante lugar
de sofrimento e pavor?
— Há esferas de vida em toda parte —
disse ele, solícito —; o vácuo sempre há de
ser mera imagem literária. Em tudo há energias
viventes e cada espécie de seres funciona
em determinada zona da vida.

Você sabe, como médico humano, que há elementos no cérebro do


homem que lhe presidem o senso diretivo. Hoje, porém, reconhece
que esses elementos não são propriamente físicos, e sim espirituais,
na essência. QUEM ESTIME VIVER EXCLUSIVAMENTE NAS
SOMBRAS EMBOTARÁ O SENTIDO DIVINO DA DIREÇÃO.
Não será demais, portanto, que se precipite
nas Trevas, porque o abismo atrai o abismo e
cada um de nós chegará ao local para onde esteja
dirigindo os próprios passos.

141
CAPÍTULO 45 | NO CAMPO DA MÚSICA

À tardinha, Lísias convidou-me para


acompanhá-lo ao Campo da Música. — É preciso
distrair-se um pouco, André! — disse ele, gentil.
Eu, porém, observava em mim mesmo singular fenômeno.
Não obstante a escassez dos meus dias de serviço,
JÁ DEDICAVA GRANDE AMOR ÀQUELAS CÂMARAS.

Lísias, a meu lado, logo que deixamos o aeróbus numa


das praças do Ministério da Elevação, disse carinhoso:

— Finalmente, vai você conhecer minha noiva,


de quem tenho falado muitas vezes.

— É CURIOSO — OBSERVEI INTRIGADO —


ENCONTRARMOS NOIVADOS TAMBÉM POR AQUI...

— Como não? Vive o amor sublime no corpo mortal ou


na alma eterna? Lá, no círculo terrestre, meu caro, o amor é
uma espécie de ouro abafado nas pedras brutas. Tanto o misturam
os homens com as necessidades, os desejos e estados inferiores, que
raramente se diferenciará a ganga do precioso metal.

142
— Lascínia sempre se faz acompanhar de duas irmãs,
às quais espero faça você as honras de cavalheiro.
— Mas, Lísias... — respondi reticencioso, considerando minha antiga
posição conjugal — você deve compreender que estou ligado a Zélia.
O enfermeiro amigo, nesse instante, riu a valer, acrescentando:
— Era o que faltava! Ninguém quer ferir seus sentimentos de
fidelidade. NÃO CREIO, NO ENTANTO, QUE A UNIÃO
ESPONSALÍCIA DEVA TRAZER O ESQUECIMENTO DA
VIDA SOCIAL. NÃO SABE MAIS SER O IRMÃO DE
ALGUÉM, ANDRÉ? Ri-me, desconcertado, e nada pude replicar.
Nesse momento, atingimos a faixa de entrada,
onde Lísias pagou gentilmente o ingresso.
~

— Nas extremidades do Campo, temos certas manifestações que


atendem ao gosto pessoal de cada grupo dos que ainda
não podem entender a arte sublime, mas, no centro, temos a música
universal e divina, a arte santificada, por excelência.

143
Na Terra, há pequenos grupos para o culto
da música fina e multidões para a música regional.
Ali, contudo, verificava-se o contrário.
Eu havia presenciado numerosas agregações de gente,
na colônia, e extasiara-me ante a reunião que o nosso
Ministério consagrara ao governador, mas o que via agora
excedia a tudo que me deslumbrara até então.
~
A nata de Nosso Lar apresentava-se em magnífica
forma. Não era luxo nem excesso de qualquer natureza
o que proporcionava tanto brilho ao quadro maravilhoso.
Era a expressão natural de tudo, a simplicidade confundida
com a beleza, a arte pura e a vida sem artifícios.
Observei que, ali, o mais sábio restringia
as vibrações de seu poder intelectual, ao passo
que os menos instruídos elevavam, quanto
possível, a capacidade de compreensão, para
absorver as dádivas do conhecimento superior.
(...)no entanto, o que mais me impressionava era
a nota de alegria reinante em todas as conversações.

144
(...) ouvi Lísias dizer:

— Nossos orientadores, em harmonia, absorvem raios


de inspiração nos planos mais altos, e
os grandes
compositores terrestres são, por vezes, trazidos
às esferas como a nossa, onde recebem algumas
expressões melódicas, transmitindo-as,
por sua vez, aos ouvidos humanos, adornando
os temas recebidos com o gênio que possuem. O universo,
André, está cheio de beleza e sublimidade. O facho resplendente
e eterno da vida procede originariamente de Deus.

Fôramos defrontados por gracioso grupo. Lascínia e as irmãs haviam


chegado e era preciso atender aos imperativos da confraternização.

145
CAPÍTULO 46 | SACRIFÍCIO DE MULHER

À medida, porém, que se consolidava


meu equilíbrio emocional, intensificava-se-me
a ansiedade de rever os meus.
A saudade doía fundo. Em compensação, de longe em longe era
visitado por minha mãe, que nunca me abandonou à própria sorte,
embora permanecesse em círculos mais altos.

A última vez que nos avistáramos, ela me disse que tencionava


cientificar-me de projetos novos.

Com efeito, nos primeiros dias de setembro de 1940,


minha mãe veio às Câmaras e, depois das saudações carinhosas,
comunicou-me o propósito de voltar à Terra.

— Não concordo. Voltar a senhora à carne?


Por que internar-se, de novo, no caminho escuro,
sem necessidade imediata?

146
Mostrando nobre expressão de serenidade, minha mãe ponderou:
— Não consideras a angustiosa condição de teu pai, meu filho? Há
muitos anos trabalho para reerguê-lo, e meus esforços têm sido
improfícuos. Laerte é hoje um cético de coração envenenado. Não
poderia persistir em semelhante posição, sob pena de mergulhar em
abismos mais fundos. Que fazer, André? Terias coragem de
revê-lo em tal situação, esquivando-te ao socorro justo?
— Não — respondi impressionado —; trabalharia por auxiliá-lo,
mas a senhora poderá ajudá-lo mesmo daqui.

— Não duvido. No entanto, os Espíritos que amam,


verdadeiramente, não se limitam a estender as mãos
de longe. DE QUE NOS VALERIA TODA A RIQUEZA
MATERIAL, SE NÃO PUDÉSSEMOS
ESTENDÊ-LA AOS ENTES AMADOS?
Não haverá meios de evitar essa contingência?
— Não. Não seria possível. Estudei detidamente o assunto.
Meus superiores hierárquicos foram acordes no conselho.
Não posso trazer o inferior para o superior,
mas posso fazer o contrário. Que me resta senão isso?
Não devo hesitar um minuto. Tenho em ti o amparo do futuro. Não te
percas, pois, meu filho, e auxilia tua mãe, quando puderes
transitar entre as esferas que nos separam da crosta.

147
Com a colaboração de alguns amigos, localizei-o na Terra, semana
passada, preparando-lhe a reencarnação imediata sem que ele nos
identificasse o auxílio direto. Quis fugir das mulheres que ainda o
subjugam, talvez com razão, e aproveitamos essa disposição para
jungi-lo à nova situação carnal.

—Mas isso é possível? E a liberdade individual?

Minha mãe sorriu, algo triste, e obtemperou:

— Há reencarnações que funcionam como drásticos. Ainda que o


doente não se sinta corajoso, existem amigos que o ajudam a
sorver o remédio santo, embora muito amargo. Relativamente à
liberdade irrestrita, a alma pode invocar esse direito somente quando
compreenda o dever e o pratique. Quanto ao mais, é indispensável
reconhecer que o devedor é escravo do compromisso assumido.
Deus criou o livre-arbítrio, nós criamos a fatalidade. É preciso quebrar,
portanto, as algemas que fundimos para nós mesmos.

148
— E essas mulheres? — indaguei. —
Que será feito dessas infelizes?

Minha mãe sorriu e respondeu:

— SERÃO MINHAS FILHAS DAQUI A ALGUNS ANOS.


É preciso não esqueceres que irei ao mundo em auxílio de teu pai.
Ninguém ajuda eficientemente, intensificando as forças contrárias,
como não se pode apagar na Terra um incêndio com petróleo.
É indispensável amar, André!

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149
CAPÍTULO 47 | A VOLTA DE LAURA

Não só minha mãe se preparava para regressar aos círculos terrenos.


Também a senhora Laura encontrava-se
em vésperas do grande cometimento.

— Espero, entretanto, que se encontre animada para a luta. É uma


glória seguir para o mundo, nas suas condições. Milhares e
milhares de horas de serviço a seu favor, perante a comunidade
de mais de um milhão de
companheiros. Além disso, os
filhinhos constituirão seu belo
estímulo à retaguarda.

— Tudo isso me reconforta —


exclamou a dona da casa, sem
disfarçar a preocupação íntima
—, mas devemos compreender
que a reencarnação é sempre
uma tentativa de magna
importância.
~

Ora essa! Não se deixe levar por conjeturas — atalhou o ministro


Genésio —, precisamos confiar na Proteção divina e em nós mesmos.
O manancial da Providência é inesgotável. É preciso quebrar os
óculos escuros que nos apresentam a paisagem física como exílio
amarguroso. Não pense em possibilidades de fracasso; mentalize,
sim, as probabilidades de êxito. Além do mais, é justo confiar alguma
coisa em nós outros, seus amigos, que não estaremos tão longe, no
tocante à “distância vibratória”. Pense na alegria de auxiliar
antigas afeições, pondere na glória imensa de ser útil.

150
— Aqui — tornou a interlocutora sensatamente —, contamos com as
vibrações espirituais da maioria dos habitantes educados, na Terra,
porém, nossa boa intenção é como se fora bruxuleante luz num mar
imenso de forças agressivas.

— Não diga isso — atalhou o generoso ministro —,


não dê tamanha importância às influências das zonas
inferiores. Seria armar o inimigo para que nos torturasse.
O campo das ideias é igualmente campo de luta. Toda luz
que acendermos, de fato, na Terra, lá ficará para sempre, porque
A VENTANIA DAS PAIXÕES HUMANAS JAMAIS
APAGARÁ UMA SÓ DAS LUZES DE DEUS.

151
— Dentro do nosso mundo individual,
CADA IDEIA É COMO SE FORA UMA ENTIDADE À PARTE...
É necessário pensar nisso. Nutrindo os elementos do bem,
progredirão eles para nossa felicidade, constituirão nossos exércitos
de defesa; todavia, alimentar quaisquer elementos do mal é
construir base segura para os nossos próprios verdugos.

— Amanhã à noite, André, espero igualmente por você.


Faremos pequena reunião íntima. O Ministério da
Comunicação prometeu-nos a visita de meu esposo.
Embora se encontre nos laços físicos, Ricardo será trazido até aqui,
com o auxílio fraternal de companheiros nossos. Além disso, amanhã
estarei a despedir-me. Não falte.
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152
CAPÍTULO 48 | CULTO FAMILIAR

Talvez que a praticantes do Espiritismo não fosse tão surpreendente a


reunião a que compareci, em casa de Lísias. Aos meus olhos, porém, o
quadro era inédito e interessante. Na espaçosa sala de estar, reunia-se
pequena assembleia de pouco mais de trinta pessoas.

Enfileiravam-se poltronas confortáveis, doze a doze, diante do


estrado, onde o ministro Clarêncio assumira posição de diretor,
cercando-se da senhora Laura e dos filhos. À distância de quatro
metros, aproximadamente, HAVIA UM GRANDE GLOBO
CRISTALINO, da altura de dois metros presumíveis, envolvido, na
parte inferior, em longa série de fios que se ligavam a pequeno
aparelho, idêntico aos nossos alto-falantes.

— Estamos prontos; contudo, aguardamos a ordem da Comunicação.


Nosso irmão Ricardo está na fase da infância terrestre
e não lhe será difícil desprender-se dos elos físicos,
mais fortes, por alguns instantes.
— Mas virá ele até aqui? — indaguei.
— Como não? — revidou o interlocutor. —
Nem todos os encarnados se agrilhoam ao solo da Terra.
Como os pombos-correio que vivem, por vezes, longo tempo
de serviço, entre duas regiões, Espíritos há que vivem por lá
entre dois mundos.

153
— Ali está a câmara que no-lo apresentará.
— Por que o globo cristalino? — perguntei curioso. — Não poderia
manifestar-se sem ele?
— É preciso lembrar — disse Nicolas, atenciosamente — que a
nossa emotividade emite forças suscetíveis de perturbar.
Aquela pequena câmara cristalina é constituída
de material isolante. Nossas energias mentais não
poderão atravessá-la.

Verifiquei, no relógio de parede, que estávamos com quarenta


minutos depois da meia-noite. Notando-me o olhar interrogativo,
disse Nicolas em voz baixa:

— SOMENTE AGORA HÁ BASTANTE PAZ NO


RECENTE LAR DE RICARDO, LÁ NA TERRA.
Naturalmente, a casa descansa, os pais dormem, e ele, na nova fase,
não permanece inteiramente junto ao berço...

Não lhe foi possível continuar. O ministro Clarêncio,


levantando-se, pediu homogeneidade de pensamentos e
verdadeira fusão de sentimentos.

154
Observei, então, com surpresa, que as filhas e a neta da
senhora Laura, acompanhadas de Lísias, abandonavam o
estrado, tomando posição junto dos instrumentos
musicais. Judite, Iolanda e Lísias se encarregaram,
respectivamente, do piano, da harpa e da cítara, ao lado de Teresa e
Eloísa, que integravam o gracioso coro familiar. As cordas afinadas
casaram os ecos de branda melodia e a música elevou-se,
cariciosa e divina, semelhante a gorjeio celeste.

Às derradeiras notas da bela composição, notei que o globo se


cobria, interiormente, de substância leitoso-acinzentada,
apresentando, logo em seguida, A FIGURA SIMPÁTICA DE UM
HOMEM NA IDADE MADURA. ERA RICARDO.

155
Era Clarêncio, que me falou em tom amável:
— André, amanhã acompanharei nossa irmã Laura à esfera carnal. Se
lhe apraz, poderá vir conosco para visitar sua família.
Não podia ser maior a surpresa.

— Você tem regular quantidade de horas de trabalho


extraordinário a seu favor. Não será difícil a Genésio
conceder-lhe uma semana de ausência, depois do primeiro
ano de cooperação ativa.

Possuído de júbilo intenso, agradeci,


chorando e rindo ao mesmo tempo.

156
CAPÍTULO 49 | REGRESSANDO À CASA

Imitando a criança que se conduz pelos


passos dos benfeitores, cheguei à minha cidade,
com a sensação indescritível do viajante que torna ao berço natal
depois de longa ausência.

Clarêncio abraçou-me e falou:


— VOCÊ TEM UMA SEMANA AO SEU DISPOR. Passarei aqui
diariamente para revê-lo, atento aos cuidados que devo consagrar aos
problemas da reencarnação de nossa irmã. Se quiser ir a Nosso Lar,
aproveitará minha companhia. Passe bem, André!
Não me demorei a examinar pormenores.
Atravessei celeremente algumas ruas, a caminho de casa.
O coração me batia descompassado à medida que me aproximava
do grande portão de entrada.

157
Ébrio de felicidade, avancei para o interior. TUDO, PORÉM,
DENOTAVA DIFERENÇAS ENORMES. Onde estariam os
velhos móveis de jacarandá? E o grande retrato onde, com a
esposa e os filhinhos, formávamos gracioso grupo? Alguma coisa
me oprimia ansiosamente. Que teria acontecido? Comecei a
cambalear de emoção. Dirigi-me à sala de jantar, onde vi a filhinha
mais nova, transformada em jovem casadoura. E, quase no mesmo
instante, vi Zélia que saía do quarto, acompanhando um cavalheiro
que me pareceu médico, à primeira vista.

Gritei minha alegria com toda a força dos pulmões, mas as palavras
pareciam reboar pela casa sem atingir os ouvidos dos circunstantes.
Compreendi a situação e calei-me, desapontado.
Todo o cuidado é pouco, o Dr. Ernesto reclama absoluto repouso.
Quem seria aquele Dr. Ernesto?
— MAS, DOUTOR, SALVE-O, POR CARIDADE! PEÇO-LHE!
OH! NÃO SUPORTARIA UMA SEGUNDA VIUVEZ.
Zélia chorava e torcia as mãos, demonstrando imensa angústia.

158
Um corisco não me fulminaria com tamanha violência.
Outro homem se apossara do meu lar. A esposa me
esquecera. A casa não mais me pertencia. Valia a pena
ter esperado tanto para colher semelhantes desilusões?
No leito, estava um homem de idade madura, evidenciando
melindroso estado de saúde. Ao lado dele, três figuras negras iam e
vinham, mostrando-se interessadas em lhe agravar os padecimentos.

De pronto, tive ímpetos de odiar o intruso com todas as


forças, mas já não era eu o mesmo homem de outros tempos.

Verifiquei que o doente estava cercado de entidades inferiores,


devotadas ao mal; entretanto, não consegui auxiliá-lo imediatamente.

Assentei-me, decepcionado e acabrunhado, vendo Zélia entrar no


aposento e dele sair, várias vezes, acariciando o enfermo com a
ternura que me coubera noutros tempos, e, depois de algumas
horas de amarga observação e meditação, voltei, cambaleante, à sala
de jantar, onde encontrei as filhas conversando.

159
— Vim vê-los, mamãe —
exclamou a primogênita —,
não só para colher notícias do Dr.
Ernesto, como também porque,
hoje, singulares saudades do
papai me atormentam o
coração. Desde cedo, não sei
por que penso tanto nele. É
uma coisa
que não sei bem definir...

Não terminou. Lágrimas


abundantes borbotavam-lhe
dos olhos.

Aproximei-me da filha chorosa e


estanquei-lhe o pranto,
murmurando palavras de
encorajamento e consolação,
que ela não registrou auditiva,
mas subjetivamente, sob a feição de pensamentos confortadores.

Afinal, via-me em face de singular conjuntura!


Compreendia, agora, o motivo pelo qual
meus verdadeiros amigos haviam procrastinado, tanto,
o meu retorno ao lar terreno.
Nem os longos anos de sofrimento, nos primeiros dias de
Além-túmulo, me haviam proporcionado lágrimas tão amargas.

160
À tardinha, Clarêncio passou, oferecendo-me o cordial da sua palavra
amiga e reta. Percebendo meu abatimento, disse solícito:

— Compreendo suas mágoas e rejubilo-me pela ótima


oportunidade deste testemunho. Não tenho diretrizes novas.
Qualquer conselho de minha parte, portanto, seria intempestivo.
Apenas, meu caro, não posso esquecer que aquela recomendação
de Jesus para que amemos a Deus sobre todas as coisas e ao
próximo como a nós mesmos opera sempre, quando seguida,
verdadeiros milagres de felicidade e compreensão, em
nossos caminhos.

(...)em face da realidade, absolutamente só no testemunho,


comecei a ponderar o alcance da recomendação evangélica
e refleti com mais serenidade.
(...)PRECISO ERA, POIS, LUTAR CONTRA
O EGOÍSMO FEROZ.
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161
CAPÍTULO 50 | CIDADÃO DE “NOSSO LAR”

(...) cansadíssimo. COMEÇAVA A COMPREENDER O VALOR


DO ALIMENTO ESPIRITUAL, POR MEIO DO AMOR E DO
ENTENDIMENTO RECÍPROCOS. Em Nosso Lar, atravessava dias
vários de serviço ativo, sem alimentação comum, no treinamento de
elevação a que muitos de nós se consagravam. Bastava-me a
presença dos amigos queridos, as manifestações de afeto,
a absorção de elementos puros pelo ar e pela água,
mas ali não encontrava senão escuro campo de batalha, onde os
entes amados se convertiam em verdugos.

Compreendia, finalmente, as necessidades humanas.


Não era proprietário de Zélia, mas seu irmão e amigo.
Não era dono de meus filhos,
e sim companheiros de luta e realização.
Recordei que a senhora Laura, certa feita, me afirmara que toda
criatura, no testemunho, deve proceder como a abelha, acercando-se
das flores da vida, que são as almas nobres, no campo das
lembranças, extraindo de cada uma a substância dos bons exemplos,
para adquirir o mel da sabedoria.

162
Apliquei ao meu caso o proveitoso conselho e comecei recordando
minha mãe. Não se sacrificara ela por meu pai, a ponto de adotar
mulheres infelizes como filhas do coração?
NOSSO LAR ESTAVA REPLETO
DE EXEMPLOS EDIFICANTES.
A ministra Veneranda trabalhava séculos sucessivos pelo grupo
espiritual que lhe estava mais particularmente ligado ao coração.
Narcisa sacrificava-se nas Câmaras para obter endosso espiritual, de
regresso ao mundo, em tarefa de auxílio. A senhora Hilda vencera o
dragão do ciúme inferior. E a expressão de fraternidade dos demais
amigos da colônia? Clarêncio me acolhera com devotamento de pai;
a mãe de Lísias me recebera como filho; Tobias, como irmão.
Cada companheiro de minhas novas lutas me oferecia
algo de útil à construção mental diferente, que se erguia,
célere, no meu espírito.

163
Roguei ao Senhor energias necessárias para manter a compreensão
imprescindível e passei a interpretar os cônjuges como se fossem
meus irmãos. Reconheci que Zélia e Ernesto se amavam
intensamente. E, se de fato me sentia companheiro fraternal de
ambos, devia auxiliá-los com os recursos ao meu alcance.

Nessa emergência, lembrei certa lição de Tobias, quando me dissera:


“Aqui, em Nosso Lar, nem todos necessitam do aeróbus para
se locomover, porque os habitantes mais elevados da colônia
dispõem do poder de volitação; e nem todos precisam de
aparelhos de comunicação para conversar a distância, por se
manterem, entre si, num plano de perfeita sintonia de pensamentos.
Os que se encontrem afinados desse modo, podem dispor, à vontade,
do processo de conversação mental, apesar da distância”.

Lembrei quanto me seria útil a colaboração


de Narcisa e experimentei.

164
Aconteceu, então,
o que não poderia esperar.
Passados vinte minutos,
mais ou menos, quando ainda não havia
retirado a mente da rogativa, alguém me
tocou de leve no ombro.
Era Narcisa que atendia, sorrindo:
— OUVI SEU APELO MEU AMIGO,
E VIM AO SEU ENCONTRO.
Não cabia em mim de contentamento.
A mensageira do bem fixou o quadro,
compreendeu a gravidade do momento
e acrescentou:
— Não temos tempo a perder.
Antes de tudo, aplicou passes de
reconforto ao doente, isolando-o das
formas escuras, que se afastaram como por encanto.

Em seguida convidou-me com decisão:


— Vamos à natureza.
Acompanhei-a sem hesitação, e ela,
notando-me a estranheza, acentuou:
— Não só o homem pode receber fluidos e emiti-los.
As forças naturais fazem o mesmo, nos reinos diversos
em que se subdividem. Para o caso do nosso enfermo,
precisamos das árvores. Elas nos auxiliarão eficazmente.

165
Chegados a local onde se alinhavam enormes frondes, Narcisa
chamou alguém, com expressões que eu não podia compreender.
Daí a momentos, oito entidades espirituais atendiam-lhe ao apelo.
Imensamente surpreendido, vi-a indagar da existência de
mangueiras e eucaliptos. Devidamente informada pelos amigos, que
me eram totalmente estranhos, a enfermeira explicou:

—SÃO SERVIDORES COMUNS DO REINO VEGETAL,


OS IRMÃOS QUE NOS ATENDERAM.

E, à vista da minha surpresa, rematou:


— Como vê, nada existe de inútil na Casa de Nosso Pai.
Em toda parte, se há quem necessite aprender,
há quem ensine; e onde aparece a dificuldade,
surge a Providência.

166
Narcisa manipulou, em poucos instantes, certa
substância com as emanações do eucalipto e da
mangueira e, durante toda a noite, aplicamos o remédio ao
enfermo, POR INTERMÉDIO DA RESPIRAÇÃO COMUM
E DA ABSORÇÃO PELOS POROS.
O enfermo experimentou melhoras sensíveis. Pela manhã, cedo, o
médico observou, extremamente surpreendido:
— Verificou-se esta noite extraordinária reação!
Verdadeiro milagre da natureza!
Por minha vez, experimentava grande júbilo na alma.
Profundo alento e belas esperanças revigoravam-me o ser.
Reconhecia, eu mesmo, que vigorosos laços de inferioridade se
haviam rompido dentro de mim, para sempre.

Nesse dia, voltei a


Nosso Lar em
companhia de
Narcisa e, pela
primeira vez,
experimentei a
capacidade de
volitação.

— Em Nosso Lar,
grande parte dos
companheiros poderia dispensar o aeróbus e transportar-se, à
vontade, nas áreas de nosso domínio vibratório, mas, visto a maioria
não ter adquirido essa faculdade, todos se abstêm de exercê-la em
nossas vias públicas. Essa abstenção, todavia, não impede que
utilizemos o processo longe da cidade, quando é preciso ganhar
distância e tempo.

167
“Como é grande a Providência divina!”
— dizia, a monologar intimamente.
“Com que sabedoria dispõe o Senhor
todos os trabalhos e situações da vida!
Com que amor atende a toda a Criação!”

Algo, porém, me arrancou da meditação a que me recolhera.


Mais de duzentos companheiros vinham ao meu encontro.
Todos me saudavam, generosos e acolhedores. Lísias, Lascínia,
Narcisa, Silveira, Tobias, Salústio e numerosos cooperadores das
Câmaras ali estavam. Não sabia que atitude assumir, colhido, assim,
de surpresa.
Foi, então, que o ministro Clarêncio, surgindo à frente de todos,
adiantou-se, estendeu-me a destra e falou:

— Até hoje, André, você era meu pupilo na


cidade, mas, doravante, em nome da
Governadoria, declaro-o cidadão de Nosso Lar.
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