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UFS/DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS

DISCIPLINA: CRÍTICA LITERÁRIA


Responsável: Prof. Dr. Alexandre de Melo Andrade

Nesta aula discutiremos questões relativas ao valor das obras literárias, a importância da
crítica e o cânone. Os apontamentos de Antoine Compagnon nos servirão como
introdução à disciplina.

COMPAGNON, A. O valor. In: O demônio da teoria. Trad. Cleonice Paes Barreto


Mourão, Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.

O público espera dos profissionais de literatura que lhe digam quais são os bons livros e
quais são os maus: que julguem, separem o joio do trigo, fixem o cânone. [...] A crítica
deveria ser uma avaliação argumentada.

Toda teoria, pode-se dizer, envolve uma preferência [...]. Assim, uma teoria erige suas
preferências, ou seus preconceitos, em universais[...]. Todo estudo literário depende de
um sistema de preferências, consciente ou não.

Um cânone é, pois, nacional (como uma história da literatura), ele promove os clássicos
nacionais ao nível dos gregos e dos latinos, compõe um firmamento diante do qual a
questão da admiração individual não se coloca mais: seus monumentos formam um
patrimônio, uma memória coletiva.

“Devemos distinguir muito claramente [...] a questão ‘O que é arte?’ da questão ‘O que
é boa arte?’ [...] Se começamos por definir ‘o que é uma obra-de-arte’ em termos de ‘o
que é uma boa arte’, [...] estamos definitivamente perdidos. Porque, infelizmente, a
maior parte das obras-de-arte é ruim.” (Nelson Goodman).

A avaliação racional de um poema pressupõe uma norma, isto é, uma definição da


natureza e da função da literatura – acentuando-se, por exemplo, seu conteúdo ou,
então, sua forma [...]. Assim, quem atribui valor à forma literária, provavelmente
colocará uma poesia lírica acima de uma poesia didática e um romance simbólico acima
de um romance de ideias [...].

Outros critérios de valor foram ainda evocados, como a complexidade ou a


multivalência. A obra de valor é a obra que se continua a admirar, porque ela contém
uma pluralidade de níveis capazes de satisfazer uma variedade de leitores.

[...] o ensino de literatura devia servir para cultivar, policiar, humanizar as novas classes
médias que surgiram na sociedade industrial. Muito distante do desinteresse no sentido
kantiano, a função social da literatura era propor às pessoas interessadas em leitura, que
dessem uma finalidade espiritual aos seus lazeres e despertar nelas um sentimento
nacional, no momento em que a religião não bastava mais.

Como Gérard Genette lembra [...], o Belo foi por muito tempo considerado (de Platão a
Tomás de Aquino e até as Luzes) uma propriedade objetiva das coisas. [...] se todos nós
julgássemos corretamente, todos nós acharíamos belos os mesmos poemas, e feios os
mesmos poemas. A Crítica da Faculdade do Juízo, de Kant [...], foi o texto
fundamental para se passar da objetividade do Belo (ideia clássica) à tese da
subjetividade, até mesmo à da relatividade do Belo (ideia romântica e moderna) [...].
Para Kant, o julgamento estético é puramente subjetivo, como o julgamento do deleite,
que exprime um prazer dos sentidos [...]. “O gosto é a faculdade de julgar um objeto ou
um modo de representação por intermédio da satisfação ou do desprazer, de maneira
desinteressada. Chama-se de belo ao objeto de uma tal satisfação”. [...] Essa profunda
revolução desloca o estético do objeto para o sujeito [...].

Quando eu elaboro um julgamento estético, contrariamente a um julgamento do deleite,


pretendo que todos participem dele. Todo julgamento estético exige um consentimento
geral.

Depois das Luzes, uma vez abastadas a tradição e a autoridade, tornou-se difícil
identificar os clássicos com uma norma universal.

“Um verdadeiro clássico [...] é um autor que enriqueceu o espírito humano, que
realmente aumentou seu tesouro, que lhe fez dar um passo a mais, que descobriu alguma
verdade moral não equívoca ou aprendeu alguma paixão eterna nesse coração em que
tudo já parecia conhecido ou explorado [...]” (Sainte-Beuve).

A ideia e o termo classicismo, não é inútil lembrar, são muito recentes em francês. O
termo só apareceu no século XIX, paralelamente a romantismo, para designar a doutrina
dos neoclássicos, partidários da tradição clássica e inimigos da inspiração romântica.
Quanto ao adjetivo clássico, ele existia no século XVII, quando qualificava o que
merecia ser imitado, servir de modelo, o que tinha autoridade. No final do século XVII,
designou também o que era ensinado em sala de aula [...].

“A ideia de clássico implica em si alguma coisa que tem sequência e consistência, que
forma conjunto e tradição, que se compõe, se transmite e perdura.”

[...] um clássico é um escritor sempre novo para seu leitor.

“Considero o clássico sadio e o romântico doente. [...] As obras de hoje são românticas
não porque são novas, mas porque são fracas, enfermiças e doentes. As obras antigas
são clássicas não porque são velhas, mas porque são enérgicas, frescas e saudáveis.”
(Goethe).
“Não é bom parecer um clássico depressa demais e de início a seus contemporâneos;
tem-se, então, grande chance de não permanecer assim para a posteridade. [...] Quantos
desses clássicos precoces não se mantêm e são clássicos só por um tempo!”

“Quando qualificamos uma obra como ‘clássica’, é muito mais pela consciência de sua
permanência, de sua significação imperecível, independente de qualquer circunstância
temporal – numa espécie de presença intemporal, contemporânea de todo presente.”
(Gadamer).

Não se nasce clássico, torna-se clássico [...].

Com o tempo, dizem, a boa literatura expulsa a má. [...] “aquilo que atravessou centenas
de anos é velho e sério”, escrevia Horácio [...].

A obra que venceu a prova do tempo é digna de durar, e seu futuro está assegurado.

O afastamento no tempo desembaraça a obra de seu quadro contemporâneo e dos efeitos


primários que impediam que ela fosse lida tal como é em si mesma. [...] a valorização
de uma obra, uma vez começada, tem todas as chances de acelerar-se [...].

É o afastamento no tempo que é, em geral, considerado como uma condição favorável


ao reconhecimento dos verdadeiros valores.

Mas “as obras de arte”, como lembrava Gadamer, “não são cavalos de corrida: sua
finalidade principal não é apontar um vencedor”. O valor literário não pode ser
fundamentado teoricamente: é um limite da teoria, não da literatura.

TEXTO 1: A incapacidade de ser verdadeiro


Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que tinha visto no campo dois
dragões da independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.
A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da
escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de
queijo.
Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa, como foi proibido de jogar futebol durante quinze
dias. Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da terra passaram pela chácara de
Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu
levá-lo ao médico.
Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:
— Não há nada a fazer, Dona Coló. Esse menino é mesmo um caso de poesia.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1998.)
TEXTO 2: Ninhada
Vale mais a alegria
Dessas vidas brotando
Seres que buscam ser
Sem saber onde e quando
Vale mais a alegria
De sete bichos claros
Que abrem os olhos novos
Para o mundo de fora
Vidas que matam a morte
Com toda a sua fome
E que sugam o leite
E que apostam na sorte

Vida, como se fosse


A única resposta.
(PALLOTTINI, Renata. Poesia não vende. São Paulo: Hicitec, 2016).

TEXTO 3: A perda do Halo


O quê! Você aqui, meu amigo? Você em um lugar como esse? Você, degustador de ambrosia e
de quintessências! Estou escandalizado!
Meu amigo, você sabe como me aterrorizam os cavalos e os veículos? Bem, agora mesmo eu
cruzava o bulevar, com muita pressa, chapinhando na lama, em meio ao caos, com a morte
galopando em minha direção, de todos os lados, quando fiz um movimento brusco e o halo
despencou de minha cabeça indo cair no lodaçal de macadame. Eu estava muito assustado para
recolhê-lo. Pensei que seria menos desagradável perder minha insígnia do que ter meus ossos
quebrados. Além disso, murmurei para mim mesmo, toda nuvem tem um forro de prata. Agora,
eu posso andar por aí incógnito, cometer baixezas, dedicar-me a qualquer espécie de atividade
crapulosa, como um simples mortal. Assim, aqui estou, tal como você me vê, tal como você
mesmo!
Mas você não vai colocar um anúncio pelo halo? Ou notificar a polícia?
Que Deus me perdoe! Eu gosto disto aqui. Você é o único que me reconheceu. Além disso, a
dignidade me aborrece. Mais ainda, é divertido imaginar algum mau poeta apanhando-o e
colocando-o desavergonhadamente na própria cabeça. Que prazer poder fazer alguém feliz!
Especialmente alguém de quem você pode rir. Pense em X, ou em Z! Você não percebe como
isso vai ser divertido.
(BAUDELAIRE, Charles. In: BERMAN, 2007, p. 186-187).

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