Atas_Lusoconf_ 22
Atas_Lusoconf_ 22
Atas_Lusoconf_ 22
Outubro 2022
1
Ficha Técnica
Título:
LUSOCONF2022
IV Encontro Internacional de Língua Portuguesa e Relações
Lusófonas: livro de atas
Editores
Carla Sofia Araújo*
Cecília Falcão*
Paula Odete Fernandes*
Ana Paula Monte*
Alexandra Soares Rodrigues*
João Carvalho Sousa*
Carlos Teixeira*
Capa
António Meireles *
Edição
Instituto Politécnico de Bragança
Campus de Santa Apolónia
5300-253 Bragança
Portugal
Data de edição: Março de 2023
ISBN: 978-972-745-302-3
DOI: https://doi.org/10.34620/lusoconf.2022
Handle: http://hdl.handle.net/10198/3368
www.lusoconf.ipb.pt
Email: [email protected]
i
INDICE
COMISSÃO CIENTÍFICA V
NOTA DE APRESENTAÇÃO XI
COMUNICAÇÕES 1
LINGUÍSTICA PORTUGUESA 2
Contribuição para o estudo dos argumentos com interpretação de Origem com verbos de movimento de
direção inerente no Português de Cabinda 52
DIDÁTICA DO PORTUGUÊS 70
A navegação em materiais didáticos digitais de português língua não materna: considerações feitas a partir
do livro “Samba!”. 81
A escrita e o seu ensino: um estudo com professores do Ensino Secundário de Namibe 107
ii
Mónica ou a vã glória de morrer: o foco narrativo em Novas cartas portuguesas 156
Os Lusíadas Boardgame: a cultura literária de língua portuguesa e a mediação lúdica na sala de aula. 181
Reputação corporativa: um olhar interno sobre a Câmara Municipal de Santa Cruz 284
Aplicação da Escala de Carácter Corporativo à Câmara Municipal de Santa Cruz-Cabo Verde 296
A perceção dos utentes sobre a reputação corporativa da Câmara Municipal de Santa Cruz, Cabo Verde 311
Perfil dos visitantes das áreas protegidas Portuguesas: Contributos da análise de dados 328
iii
AGRICULTURA, TURISMO E AMBIENTE 369
Relação entre sustentabilidade dos edifícios e marketing imobiliário - Portugal versus Brasil 381
Análise do desempenho económico-financeiro das empresas familiares versus empresas não familiares da
Região do Alto Douro Vinhateiro 391
Impacto da localização geográfica na performance das empresas do setor do turismo em Portugal 408
iv
Comissão Científica
v
Ana Paula Monte Instituto Politécnico de Bragança
Sónia Nogueira Instituto Politécnico de Bragança
Mª Emília Pires Nogueiro Instituto Politécnico de Bragança
Rui Pereira Universidade de Coimbra
Pedro Nunes Instituto Politécnico do Cávado Ave
Silvia Melo Pfeifer University of Hamburg
Olga Maria Pinto Instituto Politécnico Leiria
Alexandra Soares Rodrigues Instituto Politécnico de Bragança
Carina de Rodrigues Instituto Politécnico de Bragança
Maria José Rodrigues Instituto Politécnico de Bragança
Manuel Rodrigues Instituto Politécnico de Bragança
Graça Santos Instituto Politécnico de Bragança
Lídia Machado dos Santos Instituto Politécnico de Bragança
Augusto Soares da Silva Universidade Católica
Luciana Silva Universidade Tecnológica Federal do Pará
Manuel Silva Instituto Politécnico do Porto
Otília Sousa Instituto Politécnico de Lisboa
Carlos Teixeira Instituto Politécnico de Bragança
José Teixeira Universidade do Minho
Francisco Topa Li Universidade do Porto
João Veloso Universidade do Porto
Mário Viaro Universidade de São Paulo
vi
Comissão Organizadora
Coordenação:
Carla Araújo Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Dina Macias Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Fernanda Silva Câmara Municipal de Bragança, Portugal
Paula Odete Fernandes Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
João Carvalho Sousa Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Vítor Gonçalves, Instituto Politécnico de Bragança
Membros:
Adília Fernandes Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Alexandra Soares Rodrigues Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Amílcar Teixeira Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Ana Paula Monte Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
António Meireles Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Fátima Martins Câmara Municipal de Bragança, Portugal
Carla Guerreiro Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Carlos Teixeira Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Catarina Martins Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Cecília Falcão Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Fátima Martins Câmara Municipal de Bragança, Portugal
Helena Genésio Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Isabel Castro Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Jacinta Costa Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
João Pontífice Universidade de São Tomé e Príncipe, São Tomé e Príncipe
Lídia dos Santos Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Luciana Pereira da Silva Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil
Maria José Rodrigues Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Pedro Couceiro Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
vii
Programa Geral
16:30 Intervalo
17:00 Sessões paralelas (Sessões presenciais e online)
18:30 Encerramento dos trabalhos (1.º dia)
20:00 Jantar do Encontro
viii
14 de outubro de 2022 – sexta
Presencial Auditório
9:30 Mesa Redonda:
11:00 Intervalo
11:30 Sessões paralelas (Sessões presenciais e online)
13:00 Almoço (Cantina do IPB: “Ementa da Lusofonia”)
15:00 Conferência plenária - (Presencial Auditório Paulo Quintela)
Lívio de Morais - Professor e artista plástico moçambicano
“Arte africana dos museus da Europa, África e EUA”
ix
Organização, Patrocínios,
Colaboração
x
Nota de Apresentação
O LUSOCONF, Encontro Internacional de Língua Portuguesa e Relações Lusófonas, tem como objetivo
fundamental contribuir para o avanço científico dos estudos em Língua Portuguesa e Relações
Lusófonas.
Este evento internacional é organizado pelo Instituto Politécnico de Bragança (IPB) em parceria
com a Câmara Municipal de Bragança. Nele intervêm docentes do departamento de Português da Escola
Superior de Educação do Instituto Politécnico de Bragança (ESEB), docentes de vários departamentos
da ESEB e docentes de todas as escolas do IPB. Participam também investigadores, professores,
estudantes do ensino superior e membros de direção e de gestão de instituições das áreas da Língua
Portuguesa e das Relações Lusófonas.
Deste modo, o Encontro está estruturado de acordo com uma lógica multidisciplinar, que assenta
nos 9 eixos temáticos propostos.
A matriz do LUSOCONF assenta nesta dimensão plural, que já caracterizou as três edições
anteriores do evento. Nesta 4.ª edição do Encontro, o LUSOCONF2022 continuou a ser um espaço de
ampla discussão de temáticas em diversas áreas relevantes no campo de ação da Língua Portuguesa e
das Relações Lusófonas.
Dado que, em 2022, se celebrou o centenário do nascimento de José Craveirinha, um dos maiores
nomes da poesia moçambicana e lusófona, e de José Saramago, Prémio Nobel da Literatura, nesta 4.ª
edição do LUSOCONF, prestamos homenagem a estes dois grandes vultos da literatura lusófona.
Dando continuidade aos propósitos das edições anteriores, o LUSOCONF2022 foi um encontro
de debate dinâmico e interventivo, no qual as diferentes áreas temáticas se cruzaram, em busca de novas
respostas para as problemáticas da Língua Portuguesa e das Relações Lusófonas, tendo sempre como
objetivo estimular um debate académico pluridisciplinar, ancorado no diálogo e na valorização de
contributos oriundos de diversas áreas do conhecimento relacionadas com a Língua Portuguesa e as
Relações Lusófonas.
O conjunto de conferencistas convidados assegurou ao LUSOCONF2022 uma diversidade de
contributos para múltiplas reflexões sobre as desafiantes inquietudes que o universo lusófono encontra
hoje num mundo cada vez mais complexo e instável, que nos confronta com questões essenciais sobre
os valores, os objetivos e o sentido da ação humana, impondo a procura conjunta de resolução de
problemas e de elaboração cooperada de estratégias para a abordagem dos dilemas com que o mundo
lusófono se confronta, reconhecendo que, tal como nos diz Saramago, em A Segunda Vida de Francisco
de Assis: «O mundo mudou porque nós não soubemos mudar doutra maneira o mundo. Agora teremos
de mudar-nos a nós próprios para que o mundo possa ser mudado».
Este Encontro, pela elevada qualidade dos seus participantes e pela atualidade dos temas tratados,
constituiu um evento de ideias novas, que permitirão enfrentar os desafios da Língua Portuguesa e das
Relações Lusófonas, num mundo cada vez mais globalizado, onde o Português é língua de pátrias
plurais, a língua de todos os que a usam, formando uma verdadeira «Fraternidade das Palavras»,
evocando assim o título do poema de José Craveirinha, que nos permite experimentar sentidos e emoções
no entrecruzar de línguas, numa pura “miscigenação” linguística: «O céu / É uma m’ benga / Onde
todos os braços das mamanas / Repisam os bagos de estrelas. / Amigos: / As palavras mesmo estranhas
/ Se têm música verdadeira / só precisam de quem as toque / ao mesmo ritmo para serem / todas irmãs».
A conceção holística do mundo lusófono e dos seus desafios permite-nos apresentar o
LUSOCONF como um Encontro concebido para a partilha e a reflexão. Os textos que se reúnem neste
volume configuram uma partilha do nosso saber sobre a Língua Portuguesa e sobre as problemáticas
que se levantam no âmbito das Relações Lusófonas.
xi
A finalizar esta breve nota de apresentação, a Comissão Organizadora agradece a todos os que
tornaram possível o LUSOCONF2022 e, em particular, aos conferencistas convidados e a todos os
investigadores que nele participaram.
xii
COMUNICAÇÕES
Eixos Temáticos
1
Linguística Portuguesa
2
Um corpo genológico de textos didáticos
Introdução
Com o intuito de estudar, e divulgar, os géneros escolares (Caels, Barbeiro & Gouveia 2020) presentes
na literatura didática portuguesa dos níveis básico e secundário, o CELGA-ILTEC tem, desde 2017,
recolhido, classificado, e analisado um largo conjunto de textos de manuais escolares dirigidos a esses
níveis de ensino (Caels & Quaresma 2019). Atualmente, o repositório consiste em aproximadamente
2500 textos, retirados de 64 manuais escolares portugueses, digitalizados e classificados quanto ao seu
género discursivo. Deste conjunto de textos, uma seleção de aproximadamente 500 encontra-se
transcrita e analisada delicadamente 2, como exemplificado na Figura 1.
1
Here and throughout, generic refers to genre, not general.
2
Delicadeza é um termo técnico da linguística sistémico-funcional, cf. referências na Secção 2. Mas significa o que parece: detalhe, finura,
pormenorização. Ver os exemplos na Figura 1, etc.
3
Nível de ensino:
Bernardino Machado 2.º ciclo do EB
Ano:
• Professor universitário 6.º
• Dirigente do Partido Republicano no tempo da Área curricular:
Monarquia. Ciências Sociais
• Ministro dos Negócios Estrangeiros, ministro do Disciplina:
Interior, em 1914 chefe do governo. História e Geografia de Portugal
• Presidente da República de 1915 a 1917 e de 1925 a
Domínio:
1926. Portugal do século XX
Subdomínio:
Da revolução republicana de 1910 à
ditadura militar de 1926
Manual:
M27
Página:
123
Este corpo genológico de textos didáticos tem servido de base a inúmeros trabalhos publicados
ou praticados (oficinas), com resultados que demonstram a utilidade — mesmo necessidade — da
abordagem genológica para a compreensão, transmissão e produção do texto escolar, quer por
professores quer por alunos (cf. publicações supracitadas).
4
A edição, do repositório como dos artefactos trabalhados, tem sido realizada manualmente, e o
acesso ao repositório tem sido interno. Então, em 2021, iniciámos um programa de tratamento
informático do repositório, com os seguintes objetivos inter-relacionados:
• permitir o processamento computacional
• facilitar a consulta do corpo
• obter estatísticas totais e correlacionadas
• controlar a qualidade dos dados
• publicar o corpo online em acesso aberto e código aberto (open source)
Esta evolução tomou a forma de transformação do repositório manual, ou Forma Um, numa base
de dados normalizada e validada, ou Forma Dois, através de programas de ingestão, validação, geração,
e teste, construídos incrementalmente. A Figura 2 ilustra este processo, o qual se encontra descrito de
modo mais detalhado, e com foco no melhoramento da qualidade dos dados, em Alves (no prelo).
orma m
reposit rio
rograma rogramas
principal de teste
eprogramação
A Forma Dois, concretizada no catálogo e outros artefactos, permite a exploração dos dados por
qualquer dos seus muitos atributos, e a extração de estatísticas úteis, tais como as quantidades
(previamente desconhecidas e mesmo impossíveis de obter) listadas na Tabela 1.
No presente artigo descrevemos o corpo — incluindo dados inéditos sobre o mesmo —, e
exemplificamos utilizações existentes e possíveis do mesmo, com os seguintes objetivos:
• divulgar o corpo
• promover a abordagem genológica do texto escolar
• angariar sugestões sobre o futuro do corpo — incluindo a "questão legal"
Documentamos a abordagem genológica na Secção 2. Descrevemos a estrutura de dados do corpo
na Secção 3. O corpo tem múltiplas utilizações, pedagógicas, didáticas, linguísticas, e outras, a que já
aludimos nesta Introdução; elaboramos sobre um conjunto mais alargado de utilizações na Secção 4.
A publicação aberta do corpo possibilitará a investigação externa, por exemplo, por laboratórios
de aprendizagem automática, ou por ciência cidadã, ou em desafios no Kaggle e outras plataformas.
Esperamos tornar o corpo inteiramente público, disponível gratuitamente online, até à data da
conferência; no presente artigo abordamos igualmente o enquadramento legal deste passo (Secção 5), e
nas Conclusões (Secção 6) voltamos a pensar este futuro público do corpo.
5
Tabela 1: Extensão do corpo.
Quantidade de textos 2476
Quantidade de textos transcritos 402
Quantidade de parágrafos transcritos 2677
Quantidade de ocorrências de palavra 70645
Quantidade de ocorrências de pontuação 13373
Quantidade de ocorrências de espaço branco 67725
Quantidade de carateres 453399
Quantidade de manuais 64
Quantidade de volumes 94
Extensão média (páginas por volume) 200 (estimativa)
Extensão total (volumes × extensão média) 18800 (100.00%)
Extensão digitalizada (páginas) 2917 (15.51%)
Extensão transcrita (páginas) 455 (2.42%)
Fonte: Elaboração própria.
6
de literacia especializado, frequentemente implícito ou oculto no currículo, mas, ainda assim, objeto de
avaliação por parte do sistema” aels, Barbeiro e Gouveia, 2020, p. 16 . Dito de outra forma, o domínio
dos géneros constitui, de facto, uma condição para o sucesso escolar.
No caso concreto do corpo de textos que é objeto do presente trabalho, foca-se um subconjunto
dos géneros escolares: os textos didáticos que circulam sob a forma escrita nos manuais. Diz-se que são
textos didáticos porque se consideram apenas os textos produzidos pelos autores dos manuais. Para uma
visão geral das motivações e das opções metodológicas que presidiram à seleção, organização e extração
dos textos, leia-se Caels e Quaresma (2019).
3
Lista “documentada” ainda em validação, cf. Alves no prelo .
7
• transcrição do texto, na forma duma sequência de parágrafos; neste contexto, parágrafo incluí
títulos, subtítulos e itens de lista, isto é, estes objetos de texto são também denominados
parágrafos
• anotação: conjunto(s) de etiquetas associadas a segmentos do texto; um segmento pode ser um
parágrafo, ou abranger múltiplos parágrafos, ou todo o texto, ou ser uma parte dum parágrafo;
cada etiqueta está associada a um só segmento; mais sobre as etiquetas na subsecção dedicada
2.4 Implementação
A Forma Um consiste num repositório de ficheiros de imagem (JPEG) e documentos Word. Os
documentos Word contêm a transcrição e a análise, ou anotação, conforme exemplificado na Figura 1.
O género e outros metadados encontram-se codificados também no nome dos ficheiros e das pastas.
Há também documentos publicados, também preparados manualmente, como o já citado Caels &
Quaresma (2017), que contêm vários textos transcritos (alguns inéditos em relação ao repositório).
Estes dados são processados pelos programas criados para o efeito (Figura 2), criando uma base
de dados normalizada de acordo com as classes acima descritas, e implementada nas entidades
seguidamente descritas.
2.5 Catálogo
(Os artefactos deste projeto encontram-se identificados e descritos numa mistura de inglês e português,
devido à ligação a tecnologias anglófonas.)
O catálogo da Forma Um é implementado num livro Excel catalog.xlsx com as folhas, ou tabelas
de dados, Files, Elements, Cells, descritas infra. A Figura 3 dá uma visão do catálogo.
Este catálogo contém já alguns elementos da Forma Dois: identificadores uniformes;
identificadores corrigidos; associação exata entre anotação e texto transcrito.
8
Figura 3: Foto de ecrã do catálogo.
Fonte: Elaboração própria
9
Tabela 2: Esquema da tabela Files
FILE_NR Numeração sequencial dos ficheiros. A ordem é arbitrária.
FILE_ID Identificador do ficheiro, baseado no FILE_NR.
PATH Caminho completo do ficheiro no repositório.
NAME Nome e extensão do ficheiro.
BASE Nome do ficheiro, sem a extensão.
EXT Extensão do nome do ficheiro (jpg ou docx).
PREFIX Prefixo do nome do ficheiro com a informação NIVEL, ANO, AREA, DISCIPLINA.
FIXED Forma corrigida automaticamente de PREFIX?
NIVEL Nível de ensino codificado em PREFIX.
ANO Ano de escolaridade codificado em PREFIX.
AREA Área curricular codificada em PREFIX.
DISCIPLINA Disciplina codificada em PREFIX.
MANUAL Código do Manual codificado no nome do ficheiro.
PAGINA Número de página sem letra, a primeira ou a única, codificado no nome do ficheiro.
Ímpar PAGINA é ímpar. (Coluna acrescentada manualmente na folha. Pode não existir em
certas versões.)
PAGINA_2 Última página. Pode ser igual a PAGINA (no caso de página única).
QT_PAG Quantidade de páginas.
PAGINA_3 Número de página com letra codificado no nome do ficheiro. Todas páginas com letras
são únicas.
PAGINA_4 Descritores não numéricos de páginas. Todas estas são únicas.
PAGINA_5 Designação de anexo.
LETRA Letra da PAGINA_3.
GENERO Descrição do género no nome do ficheiro.
GENERO_ID Identificação uniforme do GENERO.
GENERO_F2 Designação extensa do GENERO_ID.
TRANSCRITO O ficheiro refere um texto transcrito?
TOPICO Designação em certos documentos externos, cf. Melhoramentos.
ID_TEXTO Identificador do texto baseado em MANUAL e no intervalo de páginas.
MATCHED_1 Todas partes do nome do ficheiro foram reconhecidas com sucesso.
DOCUMENT Ficheiro é um docx?
DOC_PAR_CNT Número de parágrafos do docx.
DOC_TBL_CNT Número de tabelas do docx.
DOC_LABELS Etiquetas da primeira tabela do docx (conteúdo da coluna 1 da tabela).
DOC_LBL_NIV Nível de ensino nessa tabela (conteúdo da coluna 2).
DOC_LBL_ANO Ano de escolaridade na tabela.
DOC_LBL_DIS Disciplina na tabela.
DOC_LBL_DOM Domínio na tabela.
DOC_LBL_SUB Subdomínio na tabela.
DOC_LBL_MAN Manual na tabela.
DOC_LBL_PAG Página(s) na tabela.
DOC_LBL_GEN Género na tabela.
DOC_LBL_AREA Área curricular na tabela.
DOC_PAR_1 Primeiro parágrafo da transcrição.
DOC_MORE_PARS Restantes parágrafos.
DOC_ANN_LBL_1 Primeira etiqueta da anotação (segunda tabela, coluna 1).
DOC_ANN_LBL_2 Segunda etiqueta da anotação (idem).
GEN_GEN Enumeração GENERO, DOC_LBL_GEN
GEN_GEN_GEN Enumeração GENERO, DOC_LBL_GEN, GENERO_ID
ID_TEXTO_GEN Enumeração ID_TEXTO, GENERO_ID
Fonte: Elaboração própria.
10
2.7 Tabela Elements
Elementos dos docx regulares, isto é, documentos que têm a forma exemplificada na Figura 4. Assim, a
tabela Elements representa os textos transcritos. A tabela é polimórfica: o valor de certos campos
depende do tipo de item, INFO, TEXT, ANNO, identificado em KIND. Esquema na Tabela 3.
Informação sobre
INFO o texto no seu
todo.
Transcrição do
TEXT
texto.
Anotação de
ANNO segmentos do
texto.
11
2.8 Tabela Cells
Todos elementos dos docx, regulares ou não. Maioritariamente são células de tabelas, donde o nome.
Inclui todos parágrafos e todas células de todas tabelas de todos docx. É útil para examinar docx
irregulares, que não estão representados em Elements, mas que mesmo assim podem conter material
transcrito. Os dados Elements são derivados a partir de Cells.
Esta tabela é ligeiramente polimórfica, no número de tabela TBL: 0 = não tabela = parágrafo;
caso em que ROW e COL não têm significado (contêm o valor 0 meramente técnico). Esquema na
Tabela 4.
2.10 Hipertexto
O hipertexto do corpo contém índices pré-coordenados, cruzando ou empilhando categorias úteis, e
dados estatísticos totais ou cruzados. As Figuras 5-7 mostram a página principal, o índice genológico, e
um texto transcrito.
Este hipertexto ainda não está disponível na web pública, cf. Secção 5.
12
Figura 5: Hipertexto. Página principal.
Fonte: Elaboração própria
13
Figura 7: Hipertexto. Um texto transcrito.
Fonte: Elaboração própria
14
Figura 8: Parágrafo selecionado à esquerda, automaticamente destacando as respetivas etiquetas à direita.
Fonte: Elaboração própria
3 Exemplos de utilização
Não há uma única forma de uso do corpus que possa ser dada como a mais frequente ou representativa
junto dos investigadores do grupo. Pelo contrário, ao recensear os vários exemplos de utilização dos
textos, fica evidente que as motivações analíticas e pedagógicas têm levado, desde 2017 até à data, não
apenas à exploração de diferentes aspetos dos textos, mas também ao uso e apresentação diversificada
dos próprios textos.
Com o intuito de documentar os géneros escolares de três áreas-chave (Português, Ciências
Naturais e História) foi feito um recenseamento dos géneros. A partir das digitalizações das páginas dos
manuais, fez-se as transcrições manuais dos textos verbais e, com o intuito de apresentar um conjunto
de textos modelo, que pudessem ser tomados como exemplos completos e bem estruturados dos géneros,
desenvolveu-se trabalho sobre essas mesmas transcrições. O uso das transcrições serviu de base a
sistematizações complementares como, por exemplo, a listagem dos assuntos (e.g. Caels & Quaresma,
2018, p. 5) ou a representação diagramática da distribuição dos conteúdos ao longo da estruturação dos
textos (e.g. Caels & Quaresma, 2018, p. 10).
Significativamente, o conjunto de publicações especificamente focadas nesta linha de trabalho,
entendidas como recursos pedag gicos e designadas como ‘brochuras’, incluem a reprodução de
transcrições textuais (onde se podem ler os textos verbais sob uma forma gráfica diferente), a par de
tabelas e diagramas (onde se podem ler dados relacionados com os textos verbais transcritos), bem como
reproduções de segmentos multimodais das páginas (onde se podem ler fragmentos coloridos das
páginas propriamente ditas).
A natureza multimodal dos textos dos manuais escolares foi, aliás, objeto de análise por si só,
conforme se pode ler em Quaresma e Caels (2020). Neste caso, tomam-se as imagens das páginas
15
digitalizadas para se poder descrever, analisar e comparar a organização e disposição dos elementos
verbais e não verbais no espaço das páginas de manuais de diferentes disciplinas (História vs. Ciências
Naturais). Assim, o exemplo de utilização são os ficheiros de imagem e o interesse despertado por
aprofundar esta linha de análise justifica a procura de possibilidades de tratamento e anotação dos
ficheiros das imagens.
Num artigo recente, Alexandre e Caels (no prelo) apresentam o ponto de situação relativamente
à linha de pesquisa sobre a didática da História, deixando entrever outras abordagens, algumas ainda
exploratórias, sempre aplicadas sobre uma pequena seleção de textos. Esta estratégia tem ajudado a
contornar as dificuldades de tomar o corpus como um todo, decorrente da necessidade de corrigir e
concluir as anotações e da dimensão dos dados.
O tratamento quantitativo de dados extraídos a partir do corpus encontra-se concretizado em
Barbeiro, Caels e Quaresma (2017) e a análise encetada em Caels, Quaresma e Barbeiro (2017) incluiu,
numa fase posterior, ferramentas estatísticas. O trabalho resultante encontra-se em processo de revisão
científica.
As novas formas do corpo, especialmente o Catálogo, já sustentaram alguns novos estudos, por
exemplo Alves et al. (no prelo), ao permitir localizar os respetivos textos, e facilitar a sua análise.
16
Figura 10. Exemplo de dimensão dos textos: quantidade de parágrafos por texto, por ano de escolaridade.
Fonte: Elaboração própria.
Figura 11. Exemplo de dimensão dos textos: quantidade de carateres por parágrafo, por ano de escolaridade.
Fonte: Elaboração própria.
Por exemplo, o cruzamento de anos por nível permitiu detectar o erro na Forma Um de classificar
um texto do 4º ano como pertencendo ao nível EB23 (2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico) (Figura 12).
17
Figura 12. Exemplo de cruzamento de dados para verificação: anos por nível.
Fonte: Elaboração própria.
Todos os erros detetados, são, obviamente, corrigidos, pelo processo incremental exposto na
Secção 1. Tal abordagem é indissociável do nosso objetivo de manter e fornecer um corpo de alta
qualidade e usabilidade, representativo e fiável.
18
Quaresma, 2017). Tal publicação representa cerca de 30% de todas transcrições do corpo (que por sua
vez representam somente 2,5% da extensão total dos manuais do corpo).
5 Conclusões
O corpo genológico de textos didáticos aqui apresentado foi, e continua a ser, um recurso útil, mesmo
indispensável, à pedagogia genológica portuguesa. Tanto quanto sabemos, é um corpo único na
lusofonia, se não no mundo. Uma possibilidade de evolução é a sua expansão em direção à lusofonia
propriamente dita, ao português pluricêntrico, por agregação de novos dados oriundos das variedades
desta língua.
Outra hipotética via de expansão seria em direção ao texto académico em geral, incluindo o nível
superior, talvez por integração com corpos já existentes também geridos por nós, por exemplo, o Corpus
de Português Académico4.
A publicação integral do corpo em acesso aberto alavancaria estas e outras evoluções. O presente
trabalho de construção da Forma Dois foi grandemente motivado por tal potencialidade. Possa o presente
artigo despertar igual interesse na comunidade, e originar a necessária crítica, incluindo ideias de como
circular no labirinto legal do direito de autor português, lusófono, e mundial.
Agradecimentos
Toda a substância do corpo genológico de textos didáticos existe já na sua Forma Um, um corpo
constituído no seio do grupo de trabalho DPDA do CELGA-ILTEC, decorrente da colaboração entre os
vários membros, em especial: Ângela Quaresma, Carlos A. M. Gouveia, Fausto Caels, Joana Vieira
Santos, Helga Arnauth, Luís Filipe Barbeiro, Paulo Nunes da Silva, para além do segundo autor. É uma
grande honra e gosto poder aqui expressar gratidão aos nossos bons colegas.
O primeiro autor do presente artigo é também devedor à Adacore (adacore.com) e ao seu
programa GAP (GNAT Academic Program), pelo formidável compilador de Ada, e apoio. Uma nota de
gratidão especial à memória de Robert Dewar, criador da indispensável biblioteca GNAT.Spitbol
O presente trabalho foi realizado na unidade de investigação CELGA-ILTEC, FCT UID 4887.
Carvalho, M. J. (2016) Todos Juntos – Estudo do Meio – 1º Ano – Manual. Lisboa: Santillana. M01
Letra, C. & Afreixo, A. M. (2011) Mundo da Carochinha – Estudo do Meio – 2º ano – Manual. M02
Alfragide: Gailivro.
Lima, E., Barrigão, N., Pedroso, N. & da Rocha, V. (2016) Alfa – Estudo do Meio – 2.º Ano – Manual. M03
Porto: Porto Editora.
Guimarães, D. & Alves, S. (2012) Desafios – Estudo do Meio – 3º ano – Manual. Lisboa: Santillana. M04
Letra, C. & Afreixo, A. M. (2012) Carochinha – Estudo do Meio – 3º ano – Manual. Alfragide: M05
Gailivro.
Neto, F. P. (2013) Despertar – Estudo do Meio – 4º ano – Manual. Maia: Edições Livro Directo. M06
Pires, P. & Gonçalves, H. (2013) A Grande Aventura – Estudo do Meio – 4º ano – Manual. Alfragide: M07
Texto Editora.
Lopes, A., Brandão, D., Mendes, J. & Vaz, S. (2016) 100% Vida – Ciências Naturais – 5º Ano – M08
Manual. Alfragide: Texto Editora.
Valente, B., Feio, M. Pacheco, I. Pereira, P. & Gomes, J. (2016) Biosfera – Ciências Naturais – 5º Ano M09
– Manual. Vila Nova de Gaia: Edições Asa.
de Sales, A., Portugal, I. & Morim, J. A. (2011) Clube da Terra – Ciências Naturais – 6º Ano – Manual. M10
Alfragide: Texto Editora.
Marcelino, S., Magalhães, V. & Morais-Pequeno, R. (2011) Fazer Ciência – Ciências Naturais – 6º ano M11a
– Manual. Alfragide: Edições Sebenta. M11b
Carrajola, C., Martin, L. & Hilário, T. (2014) Desafios – Ciências Naturais – 7º ano – Manual. Lisboa: M12
Santillana.
4
http://celga-iltec.uc.pt/ (Recursos / Corpora / CPA). Este corpo encontra-se também em atualização,
com novos dados de 2019-2021.
19
Ribeiro, E., Silva, J. C. & Oliveira, O. (2014) Ciência & Vida – Ciências Naturais – 7º ano – Manual. M13
Vila Nova de Gaia: Edições Asa.
Delgado, Z., Canha. P. & Trinca, C. B. (2014) À Descoberta da Vida – Ciências Naturais – 8º ano – M14
Manual. Alfragide: Texto Editora.
Oliveira, O., Ribeiro, E. & Silva, J. C. (2014) Ciência & Vida – Ciências Naturais – 8º Ano – Manual. M15
Vila Nova de Gaia: Edições Asa.
Campos, C. & Dias, M. (2015) Terra CN – Ciências Naturais – 9º Ano – Manual. Alfragide: Texto M16
Editora.
Oliveira, O., Ribeiro, E., & Silva, J. C. (2015) Ciência & Vida – Ciências Naturais – 9º Ano – Manual. M17
Vila Nova de Gaia: Edições Asa.
da Silva, A. D., Santos, M. E., Gramaxo, F., Mesquita, A. F., Baldaia, L. & Félix, J. M. (2016). Terra, M18a
Universo de Vida – Biologia e Geologia – 10.º Ano – Manual. Porto: Porto Editora. M19b
Ferreira, J. (2007) Planeta com Vida – Biologia E Geologia (N) – 10º ano – Manual. Lisboa: Santillana. M19a
M19b
Ferreira, J. & Carrajola, C. (2008) Planeta com Vida – Biologia E Geologia (N) – 11º ano – Manual. M20a
Lisboa: Santillana. M20b
Matias, O., Martins, P., Dias, A. G., Guimarães, P. & Rocha, P. (2016) Biologia e Geologia 11 – 11.º M21a
Ano – Manual. Porto: Areal Editores. M21b
da Silva, A. D., Santos, M. E., Mesquita, A. F., Baldaia, L. & Félix, J. M. (2016) Terra, Universo de M22
Vida – Biologia – 12.º Ano. Porto: Porto Editora.
Ribeiro, E., Silva, J. C. & Oliveira, O. (2009) Manual Biodesafios – Biologia 12º ano. Vila Nova de M23
Gaia: Edições Asa.
Carrajola, C., Castro, M. & Hilário, T. (2009) Planeta com vida – Biologia – 12º ano. Lisboa. Santillana M24
Matias, A., Oliveira, A. R. & Cantanhede, F. (2016) Novo HGP 5 – História e Geografia de Portugal – M25
5º Ano – Manual. Alfragide: Texto Editora.
Sousa, L., Soares, L. & Albino, M. (2016) Máquina do Tempo – História e Geografia de Portugal – 5º M26
Ano – Manual. Vila Nova de Gaia: Edições Asa.
Barreira, A., Moreira, G., Moreira, M. & Rodrigues, T. (2011) HistGeo – História E Geografia De M27
Portugal – 6º ano – Manual. Vila Nova de Gaia: Edições Asa.
Oliveira, A. R. & Cantanhede, F. (2015) Novo HGP – História e Geografia de Portugal – 6º Ano – M28
Manual. Alfragide: Texto Editora.
Oliveira, A. R., Cantanhede, Catarino, I. F., Gago, M. & Torrão, P. (2014) O Fio Da História – História M29
– 7º ano – Manual. Alfragide: Texto Editora.
Santos, L. A., Santos, L. A., Neto, J. & Neto, H. (2014) Desafios – História – 7º ano – Manual. Lisboa: M30
Santillana.
Barreira, A. & Moreira, M. (2014) Páginas Da História – História – 8º ano – Manual. Vila Nova de M31
Gaia: Edições Asa.
Oliveira, A. R., Catarino, I., Cantanhede, F., Gago, M. & Torrão, P. (2014) O Fio Da História – M32
História – 8º ano – Manual. Alfragide: Texto Editora.
Barreira, A., Moreira, M. & Rodrigues, T. (2015) Páginas da História – História – 9º Ano – Manual. M33
Vila Nova de Gaia: Edições Asa.
Neto, H., Santos, L. A., Cruz, T., Santos, L. A. & Neto, J. (2015) Desafios – História – 9º Ano – M34
Manual. Lisboa: Santillana.
Veríssimo, H., Lagarto, M. & Barros, M. (2013) História em Perspetiva – História A – 10º ano – M35a
Manual. Vila Nova de Gaia: Edições Asa. M35b
M35c
Costa, A., Gago, M. & Marinho, P. (2013) O Horizonte Da História – História A – 10º ano – Manual. M36a
Alfragide: Texto Editora. M36b
M36c
Costa, A., Gago, M., & Marinho, P. (2014) O Horizonte da História – História A – 11º ano – Manual. M37a
Alfragide: Texto Editora. M37b
M37c
Veríssimo, H., Lagarto, M. & Barros, M. (2014) História Em Perspetiva – História A – 11º ano – M38a
Manual. Vila Nova de Gaia: Edições Asa. M38b
M38c
Fortes, A., Gomes, F. F. & Fortes, J. (2016) Linhas da História 12 – História A – 12.º Ano. Porto: Areal M39a
Editores. M39b
M39c
20
Veríssimo, H., Lagarto, M. & Barros, M. (2008) Nova Construção da História – História 12º – Manual. M40a
Vila Nova de Gaia: Edições Asa. M40b
M40c
Lopes, C. G. & Lima, M. C. S. (2016) Os Fantásticos – Português – 1º Ano – Manual. Alfragide: M41
Gailivro.
Marques, M. J. & Gonçalves, C. (2014) Desafios – Português – 2º ano – Manual. Lisboa: Santillana. M42
Melo, P. & Costa, M. (2014) A Grande Aventura - Português - 2º ano - Manual. Alfragide: Texto M43
Editores.
Neto, F. P. (2011) Os Tagarelas - Português – 2º ano – Manual. Edições livro direto. M44
Letra, C. & Borges, M. (2012) Língua Portuguesa – 3º ano – Manual. Alfragide: Gailivro. M45
Marques, M. J. & Gonçalves, C. (2012) Desafios – Português – 3º ano – Manual. Lisboa: Santillana. M46
Letra, C. & Borges, M. (2013) Português – 4º ano – Manual. Alfragide: Gailivro. M47
Melo, P. & Costa, M. (2013) A Grande Aventura – Português – 4º ano – Manual. Alfragide: Texto M48
Editora.
Costa, M. J. & Traça, M. E. (2008) Passa Palavra – 5º ano, Língua Portuguesa. Porto: Porto Editora. M49
Lopes, M. C. & Rola, D. N. (2010) Novo Português em Linha, Língua Portuguesa – 5º ano – Manual. M50
Lisboa: Plátano Editora.
Santiago, A. & Paixão, S. (2014) P6 – Português – 6º ano – Manual. Alfragide: Texto Editora. M51
Variz, C., Romão, S. & Dias, L. S. (2014) Desafios – Português – 6º ano – Manual. Lisboa: Santillana. M52
Ferreira, I. L., Delgado, I., Mendes, R. & Lopes, M. F. (2011) Desafios – Português – 7º ano – Manual. M53
Lisboa: Santillana.
Villas-Boas, A. & Vieira, M. (2011) Entre Palavras – Português – 7º Ano – Manual. Alfragide: Edições M54
Sebenta.
Santiago, A. & Paixão, S. (2014) P8 – Português – 8º ano – Manual. Alfragide: Texto Editora. M55
Silva, I. & Marques, C. (2014) Contos & Recontos – Português – 8º ano – Manual. Vila Nova de Gaia: M56
Edições Asa.
Ferreira, I. L., Delgado, I. & Mendes, R. (2013) Desafios – Português – 9º ano – Manual. Lisboa: M57
Santillana.
Marques, C. & Silva, I. (2013) Letras & Companhia – Português – 9º ano – Manual. Vila Nova de M58
Gaia: Edições Asa.
Freitas, E. M., Ferreira, I. G. & Barbosa, M. L. (2015) O Caminho das Palavras – Português – 10º ano. M59
Porto: Areal Editores.
Pinto, E., Fonseca, P. & Baptista, V. (2015) Novo Plural – Português – 10º ano. Lisboa: Raiz Editora. M60
Magalhães, O. & Costa, F. (2013) Entre Margens – Português – 10º ano. Porto: Porto Editora. M61
Silva, P., Cardoso, E. & Moreira, M. C. (2014) Expressões – Português – 11º ano. Porto: Porto Editora. M62
Martins, F. & Moura, G. B. (2012) Página Seguinte – Português – 12º ano – Manual. Alfragide: Texto M63
Editora.
Peixoto, M. J., Fonseca, C. & Cardoso, A. M. (2012) Com Textos – Português – 12º ano – Manual. Vila M64
Nova de Gaia: Edições Asa.
Referências
Alexandre, M. F., & Caels, F. (no prelo). Investigação sobre o discurso da História em Portugal: um
ponto de situação. In 2º Encontro Nacional sobre Discurso Académico, 2021. Volume em
preparação.
Alves, M. A. (no prelo). Development of a digital corpus of Portuguese didactical texts for language
research. In CISTI'2022 - 17th Iberian Conference on Information Systems and Technologies,
Technical University of Madrid (UPM), Madrid, Spain. To appear in IEEExplore.
Alves, M. A.; Alexandre, M. F.; Caels, F. (no prelo). A avaliatividade nos manuais de história: análise
exploratória. In 2º Encontro Nacional sobre Discurso Académico, 2021. Volume em preparação.
Aralikatte, R. and Søgaard, A. (2020). Model-based annotation of coreference. In Proceedings of the
12th Conference on Language Resources and Evaluation (LREC 2020), pages 74–79, Marseille,
11–16 May 2020, European Language Resources Association (ELRA)
Barbeiro, L. F., Caels, F., & Quaresma, A. (2020). Géneros textuais e interdisciplinaridade nas
Aprendizagens Essenciais. . In D. Alves, H. G. Pinto, I. S. Dias, M.ª O. Abreu & R. Gillain
21
(Orgs.), Atas da IX Conferência Internacional Investigação, Práticas e Contextos em Educação,
pp. 82-9. ESECS-Politécnico de Leiria.
Caels, F. & Quaresma, A. (2017). Exemplos Textuais dos géneros de História 2.º e 3.º ciclos do Ensino
Básico. Dezembro de 2017. https://sites.ipleiria.pt/pge/ (Portal dos Géneros Escolares &
Académicos / Recursos Pedagógicos / Textos Modelo)
Caels, F., & Quaresma, A. (2018). Os géneros das Ciências Naturais, 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico:
Explicação Sequencial. CELGA-ILTEC. ISBN: 978-989-20-9133-4
Caels, F. & Quaresma, A. (2019). Caracterização dos géneros do Ensino Básico e Secundário. In F.
Caels, L. F. Barbeiro & J. V. Santos (orgs.), Discurso académico: Uma área disciplinar em
construção (pp. 108-133). CELGA-ILTEC da Universidade de Coimbra, ESECS-Politécnico de
Leiria.
Caels, F., Barbeiro, L. F. & Gouveia, C. A. M. (2020). Géneros escolares segundo a Escola de Sydney:
Propósitos, estruturas e realizações textuais. Indagatio Didactica 12(2): 13-32.
Caels, F., Quaresma, A. & Barbeiro, L. F. (2017, 27-29 setembro). Sobre o papel da língua nas
taxonomias científicas. (comunicação oral). XXXIII Encontro Nacional da Associação
Portuguesa de Linguística. Universidade de Évora, Évora.
Gouveia, C. A. M., Alexandre, M. F. & Caels, F. (no prelo). Learning to use R2L in Portugal. In Rose,
D. & Acevedo, C. (eds.), Reading to learn, reading the world: How genre-based literacy
pedagogy is democratizing education. Equinox.
Kaplan, D. and Iida, R. and Tokunaga, T. (2010). Annotation Process Management Revisited. In
Proceedings of the Seventh International Conference on Language Resources and Evaluation
(LREC'10), 2010 may 19-21, Valletta, Malta, European Language Resources Association
(ELRA)
Martin, J. R. & Rose, D. (2008). Genre Relations: Mapping Culture. Equinox.
Neves, M. and Ševa, J. 2021 . An extensive review of tools for manual annotation of documents.
Briefings in Bioinformatics, Volume 22, Issue 1, January 2021, Pages 146–163,
https://doi.org/10.1093/bib/bbz130
Quaresma, A., & Caels, F. (2020). Elementos verbais e visuais em manuais de História e de Ciências
Naturais. In D. Alves, H. G. Pinto, I. S. Dias, M.ª O. Abreu & R. Gillain (Orgs.), Atas da IX
Conferência Internacional Investigação, Práticas e Contextos em Educação, p. 296. ESECS-
Politécnico de Leiria.
Santos, D., Bick, E., Wlodek, M. (2020). Avaliando entidades mencionadas na coleção ELTeC-por =
Assessing named entities in the ELTeC-por collection. Linguamática, Vol. 12, Nr. 2, 2020, pp.
29–49.
Silva, P. N. & Santos, J. V. (2018). Do saber ao poder. Estruturas retóricas e planos de texto em teses
de doutoramento. In Z. Aquino, P. R., Gonçalves-Segundo & M. A. Pinto (Orgs.). O poder do
discurso e o discurso do poder. Vol. 2, pp. 178-196. Editora Paulistana. ISBN 978-85-5336001-
7.
Yang, J., Zhang, Y., Li, L. (2018). YEDDA: A Lightweight Collaborative Text Span Annotation Tool.
arXiv:1711.03759v3 [cs.CL] 25 May 2018
22
CPLP:tuítes – Corpus pluricêntrico de tuítes em língua portuguesa
Abstract. This work presents the process of collecting, preparing and publishing the
Pluricentric Corpus of Tweets in Portuguese Language (CPLP:tuítes). CPLP:tuítes is a
corpus composed of 125,827 tweets and a total of 2,633,507 tokens. The tweets come from
53 newspaper accounts or news providers in Angola, Brazil, Cape Verde, Guinea-Bissau,
Mozambique, Portugal, and São Tomé and Príncipe. This corpus is part of the Portuguese
Database (BDP), a repository that will offer free access to corpora, as well as the
instruments used to prepare them, with content in Portuguese produced in the 11 countries
where Portuguese is an official language. The first version of CPLP:tuítes was lemmatized
and tagged for grammatical classes and is available via CQPweb, a corpus search and
statistical analysis program that features a friendly and accessible interface via a web
browser, with no installation required. The article also presents a brief discussion on
decisions to be made when preparing a reference corpus for the representation of a
pluricentric language in its many varieties.
Keywords: Portuguese as pluricentric language, corpus compilation, news tweets.
Introdução
Este artigo apresenta o Corpus Pluricêntrico de Tuítes em Língua Portuguesa (CPLP:tuítes), bem como
seu processo de compilação.
O CPLP:tuítes é o primeiro lançamento de uma série de corpora de textos escritos nas diferentes
variedades do português. Essa série, Banco de Dados em Português (BDP), oferecerá acesso livre a
corpora, bem como os instrumentos utilizados para prepará-los, com conteúdo produzido nos nove
países (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé
e Príncipe, e Timor-Leste) onde o português é uma língua oficial. Apesar de ser uma língua pluricêntrica,
ou seja, uma língua com vários centros nacionais de interação (Clyne, 1992), e falada por mais de 260
milhões de pessoas (Reto et al., 2016), há ainda poucos recursos linguísticos disponíveis para o estudo
em conjunto do português e suas variedades.
23
Espera-se que os recursos presentes no BDP sejam uma fonte confiável e representativa do
português e suas variedades e de utilidade para vasta gama de perfis de usuário, preenchendo, de certa
forma, esta lacuna. Para ser uma fonte confiável, é importante que o os corpora que constituem o BDP
sejam criados de forma reproduzível, e que os textos sejam estruturados e disponibilizados em um
formato que não exija conhecimento computacional avançado do usuário final. Para contemplar
múltiplas áreas dos estudos linguísticos, o BDP incluirá textos de diversos tipos de registros como
acadêmico, literário, jornalístico, parlamentar, e textos produzidos e publicados na internet, inspirando-
se em, mas não se restringindo à estrutura proposta por Janssen et al. (2018).
As duas próximas seções abordam os elementos básicos da criação de corpora geral (2.1) e de
tuítes (2.2) e os passos tomados para a criação e publicação do CPLP:tuítes (3 e 4). A seção 5 apresenta
o corpus e sua estrutura, e é seguida de uma breve discussão conclusiva (seção 6).
5
https://developer.twitter.com/en/products/twitter-api/academic-research
24
Ainda na estrutura do tuíte, enfrentamos também a questão da definição de “texto”. ara an lises
quantitativas e estatísticas de corpora de postagens curtas, não há uma clara definição de como devemos
dispor cada unidade. No caso dos tuítes, podemos agrupá-los por usuários, data de publicação, hashtags,
etc. Porém esta decisão pode variar de acordo com o objetivo de quem está a usar o corpus.
Uma outra questão que não é clara é o que constitui uma palavra. Casos como a utilização de
símbolos para fazer referência a outros usuários (@) e uso de hashtags (#) afetam a lista final de
frequência de palavras em um corpus. or exemplo, a palavra “basquetebol” ocorre 202 vezes no corpus
enquanto a hashtag #basquetebol ocorre 158. Para facilitar a busca no corpus por todas as ocorrências
de “basquetebol”, precedida ou não de #, h algumas soluções de como preparar o corpus. Uma possível
solução é lematizar (reduzir de forma automática uma palavra à sua forma base) essas ocorrências,
eliminando tais símbolos. Uma solução mais simples, e por isso adotada na preparação deste corpus, é
a de simplesmente adicionar um espaço entre o # e a palavra. Decisões como essas devem ser feitas de
forma a satisfazer um número máximo de usuários do corpus.
Do ponto de vista técnico e extralinguístico, há decisões a serem tomadas, por exemplo, em
relação a tuítes que contêm apenas links6 ou imagens; a tuítes que são republicação de tuítes de outros
usuários (retweets); e textos repetidos em vários tuítes sem mudanças significativas (boilerplates). A
seção 4.1 tratará destas questões.
Coleta
Tendo em vista o público-alvo do corpus (seção 1), os critérios estabelecidos para seleção das contas
foram (i) possuir uma escrita formal ou próxima do formal, ou seja, que uma escrita que procure seguir
as normas gramaticais; (ii) não apresentar tópicos potencialmente tendenciosos; (iii) ter um certo
prestígio no país de origem. Este último critério foi verificado principalmente através do número de
seguidores, postagens publicadas e selo de verificação do Twitter 7.
Esses parâmetros levaram a decisão de criar um corpus com tuítes publicados por contas (ou
perfis) de jornais ou fornecedores de notícias. Para manter um equilíbrio entre a amostragem,
estabeleceu-se que cada variedade do português seria representada por seis contas diferentes de jornais.
Para Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, não foram encontradas contas suficientes com um número
considerável de postagens. Por essa razão, esses dois países são representados por mais de seis contas
(ver tabela 1). Na ausência de fontes oficiais de notícias, fontes de contas privadas com teor jornalístico
foram utilizadas. Todos os casos especiais foram indicados nos metadados e essas informações podem
ser facilmente recuperadas ao consultar o corpus e utilizadas como filtro.
Para esta versão do corpus, Guiné Equatorial e Timor-Leste não foram incluídos por possuírem
mais de uma língua oficial. A presença de tuítes em mais de uma língua dificultou o processo de busca
e limpeza dos dados. Espera-se, porém, incluir esses dois países em uma próxima versão do corpus.
Uma vez estabelecidas as contas, a coleta foi realizada utilizando um código escrito na linguagem
de programação Python8. O código utiliza a Interface de Programação de Aplicação (API) do Twitter
para acessar os conteúdos de forma programática. Com a conexão garantida, o código coleta em ordem
cronológica decrescente um máximo de 3500 tuítes da conta escolhida. O resultado enviado pelo Twitter
em formato JSON9 é então convertido para o formato XML10, preservando o número de identificação e
nome de usuário do autor do tuíte, bem como a data e hora de publicação. A conversão do formato para
XML é feita por esse ser um formato usual para criação de corpus (Hardie, 2014).
A coleta programática via código ajuda a assegurar a replicabilidade da criação do corpus. Além
disso, a criação e compartilhamento do código permite que novas coletas sejam feitas sem que muito
esforço deva ser feito.
6
Ex.: https://twitter.com/CartamzOficial, https://twitter.com/novojornalao, https://twitter.com/santiagoeditora
7
https://help.twitter.com/pt/managing-your-account/about-twitter-verified-accounts
8
https://github.com/andressarg/cplp_tweets
9
JavaScript Object Notation
10
eXtensible Markup Language
25
Preparação
Limpeza
Uma vez coletados os dados, os arquivos XML obtidos após a coleta foram sistematicamente limpos
utilizando códigos também escritos em Python. Tuítes constituídos apenas por links ou imagens e
retweets foram eliminados.
Após a remoção dos tweets indesejados, procedeu-se à limpeza de ruídos no texto. Boilerplates
frequentemente encontrados em tuítes como “Acabei de ver”, “ lique para ver também”, “NOTI IAS
AO MIN TO:” foram eliminados para não enviesar as frequências de palavras.
Por último, todos os links foram encapsulados em uma etiqueta XML 11. Essa formatação
permite que endereços de site (e as palavras que os compõem) possam ser recuperáveis e visualizados
no contexto em que ocorrem (ver figura 1) sem que entrem na contagem de palavras do corpus.
11
<link val="www.exemplo.com"/>
12
https://spacy.io/models/pt
13
Disponível em https://ola.unito.it/CQPweb32/cplp_tweets/
26
O corpus
A versão final do corpus após limpeza e formatação contém 125.827 tuítes, e um total de 2.633.507
tokens (ver tabela 1). Como descrito na seção três, a proposta inicial era obter cerca de 3500 tuítes para
seis contas distintas para cada um dos países.
Porém, para os países Guiné-Bissau e Timor-Leste, apenas três contas para cada país que
contemplavam esse critério foram encontradas. Para manter um número semelhante de tuítes para cada
país, optou-se por selecionar contas com um discurso semelhante àqueles encontrados em tuítes
jornalísticos. Todos esses textos foram marcados como tais, e os usuários podem filtrar a busca de acordo
com os critérios desejados (ver figura 3). Esta forma de organização dos dados permite “flexibilizar” os
critérios de coleta de textos em favor de obter-se um maior número de palavras sem sacrificar as
especificidades do corpus, uma vez que o usuário final pode optar por não usar o corpus em usa
totalidade.
Como demonstrado na tabela 1, apenas as contas brasileiras e portuguesas possuem o selo de
verificação do Twitter. Isso deve-se provavelmente ao fato de o Twitter não ter grande presença nos
outros países. Essa observação corrobora a ideia de que a compilação de um corpus pluricêntrico nem
sempre pode ter critérios muito específicos para a seleção e coleta de textos, uma vez que os países não
compartilham inteiramente os tipos de registros textuais que consomem e produzem. Esse fato enfatiza
também a importância da comunicação entre países lusófonos para identificação de fontes ideais a serem
utilizadas na criação de corpora para o BDP.
27
portalangop* 37421 3248
portaldeangola* 125200 3250
cnnbrasil 79639 2915
Estadao 59730 2957
Folha 68503 3141
Brasil 454948 18447
g1 67424 3134
GloboNews 112937 3078
UOLNoticias 66715 3222
ASemanaCV* 49292 3250
CvOpais* 41323 3250
dtudo1poucocv 116552 3243
Cabo Verde 357872 18133
expressocv 44050 3250
inforpresscvp 70945 3250
rtc_caboverde 35710 1890
aldeiassosgw*º 4510 113
AltoCCovid19*º 2926 97
arthimizareal*º 14419 448
bissau_on* 6874 380
bissaudigital* 8267 840
debarros_miguel*º 112774 2781
EstaNossa*º 8555 262
Guiné-Bissau 342073 15600
guineendade* 50681 3200
mad95_*º 40391 815
i_mandjam*º 1249 48
odemocrata_gb*º 45500 3250
Odemocratagb*º 40779 3200
OPalmeirinha*º 1295 38
UNGuinea_Bissau*º 3853 128
Canal_Moz* 69247 3200
Democraciamz* 76568 2941
falamocambique* 55096 3210
Moçambique 413048 19031
newsmocambique* 36657 3200
opaisonline* 79598 3250
verdademz* 95882 3230
28
guia_st*º 5342 349
jornalst* 20103 2070
mariolopes_stp *º 41171 2286
nacoesS*º 25988 699
oms_stp*º 7076 173 São Tomé 258597 15762
radiostp* 49079 3250
santola_nation*º 15688 485
stpdigital* 54183 3200
telanonstp* 39967 3250
Total 2635277 125827
Nota: *, conta sem selo de verificação do Twitter; º, conta não jornalística.
Fonte: Elaboração própria.
Discussão
Este artigo apresentou um novo corpus do português em sete das suas variedades nacionais, disponível
de forma aberta a todos usuários. Espera-se que o uso do corpus por diferentes perfis de usuários possa
trazer novas discussões e soluções no contexto da criação de corpora de referência geral para o
português como língua pluricêntrica.
Além do corpus per se, este trabalho tem também como produto os códigos e os passos
realizados para a criação do corpus. A criação de um corpus de referência para uma população tão plural
como é a dos lusófonos exige níveis tão diversos de conhecimento que as decisões não devem ser
tomadas apenas por quem coleta e prepara os textos. Por isso, é de suma importância que a criação dos
recursos seja feita de forma contínua e colaborativa. Isso significa que não apenas o corpus deve ser
disponibilizado para os usuários finais. Os passos para criação de tais recursos também devem ser
transparentes, bem documentados, e disponíveis de forma aberta para toda a comunidade.
Referências
29
Janssen, M. (2016). TEITOK: Text-faithful annotated corpora. In Atas de Proceedings of the Tenth
International Conference on Language Resources and Evaluation, (pp. 4037-4043 . ortorož:
LREC 2016.
Kilgariff, A., Rundell, M. and Uí Dhonnchadha, E. (2006). Efficient Corpus Development for
Lexicography: Building the New Corpus for Ireland. Language Resources and Evaluation 40,
127–52.
Leech, G. (2007). New resources, or just better old ones? In M. Hundt, N. Nesselhauf & C. Biewer (eds.)
Corpus Linguistics and the Web (pp. 134–49). Amsterdam: Rodopi.
Nelson, M. (2010) Building a written corpus: What are the basics? In A., Keeffe, & M. McCarthy (eds.),
The Routledge handbook of corpus linguistics (pp. 53:65). London New York, NY: Routledge.
Reto, L., Machado, F.L & Esperança, J.P. (2016). Novo Atlas da Língua Portuguesa. Lisboa: Imprensa
Nacional - Casa da Moeda
Sadasivuni, S. T., & Zhang, Y. (2019). Analyzing Tweets to Discover Twitter Users' Mental Health
Status by a Word-Frequency Method. In Atas de IEEE International Conference on Intelligent
Systems and Green Technology (pp. 5-53). IEEE.
Sang, E. T. K. (2016). Finding rising and falling words. In E. Hinrichs, M. Hinrichs & T. Trippel (Orgs.),
Atas de Workshop on Language Technology Resources and Tools for Digital Humanities (pp.
2-9). Osaka: The COLING 2016 Organizing Committee.
Santos, D. & Bick, E. (2010). Providing Internet access to Portuguese corpora: the AC/DC project. In
M. Gavrilidou, G. Carayannis, S. Markantonatou, S. Piperidis & G. Stainhauer (eds.), Atas de
the Second International Conference on Language Resources and Evaluation, (pp. 205-210).
Atenas: LREC 2010.
30
Se decausativo: análise contrastiva entre o Português Brasileiro e o
Português Europeu
Abstract: In this article, we start from the description of the structures that cause physical
state change, in order to understand the loss or maintenance of the clitic se in the referred
structures. According to recent studies, there seems to be a growing trend towards the loss
of the clitic, especially in Brazilian Portuguese (BP) compared to European Portuguese
(EP). Thus, and based on these studies that seem to point to an ongoing change, with
different degrees of consolidation in the two variants, the aim of this work is to understand
the use of the clitic se in structures that cause changes in physical state in BP and in EP
through the analysis of oral productions performed by children. Data from oral productions
of school-age children, BP speakers (group 1) and EP speakers (group 2) are used to
analyze the use of the clitic se and the conditions in which it is used. From the mentioned
study, clitic loss was found in 93.3% of the occasions for BP and in 53.3% for EP. Verbs
of “break” and other verbs of change of state maintain the use of the clitic for BP, while,
in EP, they remain in the same groups and still in the group of decomposition verbs.
Keywords: clitic se; decausative structures; European Portuguese; Brazilian Portuguese.
1. Introdução
No presente estudo, pretende-se analisar o uso do clítico se em estruturas decausativas de mudança de
estado físico, realizando uma análise contrastiva entre duas variantes da língua portuguesa ((PE) e (PB)).
31
As estruturas descritas têm sido bastante estudadas (Ciríaco, 2007; Duarte, 2013; Levin & Rappaport-
Hovav, 1995; Ribeiro, 2010; Ribeiro, 2011, 2018) e são caracterizadas por: (1) apresentarem uma
construção transitiva e uma construção intransitiva; (2) recorrerem a verbos de alternância causativa;
(3) apresentarem uma mudança de estado; e, (4) uma flutuação entre o uso e a perda do clítico se
(Ribeiro, 2010; Ribeiro, 2011, 2018).
Esta última característica, em conjunto com os resultados obtidos em estudos como o de Ribeiro
(2018) levaram à realização do presente estudo. Em Ribeiro (2018), é referida a tendência para a queda
do clítico se em estruturas com verbos de mudança de estado físico, sendo igual tendência sublinhada
por Ribeiro (2010) para o PB.
Assim, com este trabalho pretende-se compreender o uso do clítico se em estruturas decausativas
de mudança de estado físico e, consequentemente, (1) perceber se existe ou não a perda do clítico se no
PE e/ou no PB, (2) perceber as características dos verbos onde se mantém o uso do clítico e (3) verificar
as diferenças de posicionamento do clítico se nas duas variantes.
Para o efeito, serão recolhidas produções orais realizadas por crianças de idade escolar, através
da aplicação de uma prova de imagens com frases estímulo associadas, num total de 60 possíveis
ocorrências das referidas estruturas com o clítico se. E, seguidamente, serão analisadas à luz das
classificações de Ribeiro (2010) e Ribeiro (2011).
As estruturas decausativas têm sido descritas como a contraparte intransitiva da alternância causativa-
ergativa ou causativa-decausativa (Ciríaco, 2011, 2017; Duarte, 2003, 2013). Ainda que sejam
estrutruras presentes em várias línguas, as perspetivas de análise deste fenómeno linguístico divergem
substancialmente. Alguns autores propõem a existência de uma regra lexical de causativização, em que
a forma causativa (transitiva) deriva da forma decausativa. Outra proposta aponta para a existência do
fenómeno de detransitivização, onde uma forma verbal transitiva primária, através da aplicação de uma
regra lexical, perde o argumento externo. Uma terceira proposta defende que as duas formas não estão
numa relação derivacional, ou seja, não derivam uma da outra (Levin & Rappaport-Hovav, 1995;
Minello, 2016; Reinhart, 2000).
Neste estudo, parte-se da perceção da alternância causativa-decausativa como um fenómeno que
ocorre quando um mesmo verbo admite duas possibilidades de realização sintática, podendo surgir numa
construção transitiva (que se refere à perspetiva causativa de determinado evento (algo/alguém causou
uma mudança de estado noutra entidade)) e numa construção intransitiva, que se refere à perspetiva
decausativa (algo/alguém mudou de estado). Trata-se, portanto, de um fenómeno associado a situações
de mudança de transitividade (Ciríaco, 2011), perspetivando-se a mesma como um continuum. Nesta
linha de análise, assume-se que alguns verbos transitivos admitem duas variantes, isto é, uma variante
transitiva (1a) e uma variante intransitiva (1b) (Raposo, 2013).
(1) a. [O calor] argumento externo (sujeito) derreteu [o asfalto] argumento interno (complemento direto).
(1) b. [O asfalto] argumento interno (sujeito) derreteu(-se) [com o calor].
Assim, os verbos que admitem as duas variantes denominam-se verbos de alternância causativa-
decausativa e exprimem uma mudança provocada por uma causa externa à entidade que a sofre. Estes
verbos têm particulares características, que se explanarão adiante neste trabalho.
32
Tabela 1: Organização temático-argumental subjacente à frase transitiva.
Estrutura Argumental X Y
14
A expressão que completa o sentido de uma frase e sem a qual o predicador não poderia formar uma frase semanticamente coerente e
completa denomina-se de argumento. Por sua vez, um adjunto consiste numa expressão que enquadra as situações descritas em dimensões
circunstanciais de natureza variada, mas não essencial para completar o sentido do predicador e, consequentemente, da frase. Assim, um
argumento distingue-se de adjunto, na medida em que o primeiro é essencial para a construção frásica contrariamente ao segundo que é
meramente opcional (Brito et al., 2003; Raposo, 2013).
33
(4) b. * Com o calor, o asfalto derreteu(-se) propositadamente para repavimentar a estrada.
(5) a. O vidro partiu-se para se poder salvar as crianças.
(5) b. * O vidro partiu-se com a tempestade para se poder salvar as crianças.
15
Segundo Ciríaco (2011) um “papel tem tico é constituído pelo conjunto de propriedades acarretadas lexicalmente por um predicador para
este argumento, além das propriedades que a proposição como um todo acarreta para o argumento em questão” logo, “os papéis temáticos
deixam de ser definidos como categorias discretas” (Ribeiro, 2010, p.25). De acordo com a mesma autora, ser desencadeador de um processo
(desencadeador), ser afetado pelo processo (afetado), estar em algum estado (estativo) e ter controlo sobre o processo (controlo) são as
propriedades semânticas mais relevantes.
34
(10) b. *O meu livro derreteu com o calor. 16
Na sua utilização intransitiva decausativa, os verbos de mudança de estado partilham as
características dos intransitivos inacusativos. Recorda-se, assim, que os verbos intransitivos se dividem
em duas subclasses: (1) inacusativos; e, (2) inergativos (Ciríaco, 2011; Duarte, 2003). A distinção entres
estes verbos tem por base, entre outros aspetos, o facto de o argumento dos verbos inergativos apresentar
propriedades típicas de sujeito e, por sua vez, o argumento dos inacusativos exibir tanto propriedades
de objeto direto como de sujeito.
As classes de verbos compatíveis com a construção decausativa dizem respeito aos verbos de
mudança de estado, sendo que estes são organizados em grupos ligeiramente diferentes consoante os
autores das propostas em causa. Assim, segundo Duarte (2003) e Raposo (2013) estes verbos podem ser
de três tipos: (1) verbos causativos/agentivos de mudança de estado físico; (2) verbos
causativos/agentivos de mudança de estado psicológico; e, (3) verbos estritamente causativos de
mudança de estado psicológico (Duarte, 2003, 2013). Já de acordo com Ribeiro (2011), os verbos
encontram-se divididos pelas seguintes classes: (1) verbos de mudança de estado físico; (2) verbos de
mudança de estado psicológico; e, (3) verbos de mudança de estado sócio/cultural (Ribeiro, 2011).
Ribeiro (2010) divide os tipos de verbos da seguinte forma: (1) verbos de modo de movimento; (2)
verbos de emissão; (3) verbos de mudança de estado; (4) verbos de mudança de estado psicológico; (5)
verbos de mudança inespecificada; (6) verbos de composição e decomposição; (7) verbos de mudança
na relação espacial; e, (8) verbos de mudança de estado psicológico com o prefixo en-.
Para além do exposto, é descrito na literatura que a variante decausativa de muitos verbos
assinala-se pela presença de um pronome átono do paradigma dos reflexos, sendo que, com alguns
desses verbos, a sua presença é opcional (Ciríaco, 2007; Duarte, 2003, 2013; Ribeiro, 2010; Ribeiro,
2011)
16
O exemplo apresentado pode assumir-se como válido, mas apenas num contexto ficcional ou metafórico.
35
No estudo de Ribeiro (2018) constatou-se que a variante do PB tende a aceitar de forma mais
generalizada a perda de se, algo que não se verificou no PE com tanta prevalência. De acordo com este
estudo, nas ocorrências do PE, a opcionalidade de uso de clítico manifesta-se em estruturas que
descrevem situações de mudança de estado físico, contrariamente àquelas que codificam mudanças de
estado psicológico ou de estado social/cultural, que continuam a surgir sempre com o clítico se. Ribeiro
(2018) levanta como hipótese para esta discrepância razões morfológicas e semântico-ontológicas
associadas aos predicadores em uso.
Já no estudo de Ribeiro (2010), para o PB, sugere-se que verbos de modo de movimento, de
emissão e alguns de mudança de estado constituem o conjunto de verbos em que a construção
decausativa surge sem o clítico se, como em (13) e (14). Já as estruturas decausativas que ocorrem
apenas com o clítico se surgem na presença dos seguintes tipos de verbos: (1) mudança de estado
psicológico; (2) mudança inespecificada e verbos de manutenção de estado; (3) verbos de composição
e decomposição; (4) mudança na relação espacial; e, (5) alguns verbos de mudança de estado. Existem,
ainda, os verbos que permitem a construção decausativa com e sem clítico se, como é o caso de: (1)
verbos de mudança de estado, tais como verbos de “quebrar”, de mudança de cor, de mudança de estado
material e outros verbos; e, (2) verbos de mudança de estado psicológico com o prefixo en- (Ribeiro,
2010).
3. Estudo Empírico
3.1 Objetivos
O presente estudo tem como objetivo principal compreender o uso do clítico se em estruturas
decausativas de mudança de estado físico no PB e no PE através da análise de produções orais realizadas
por crianças. Na realidade, e considerando alguns estudos prévios (Negrão & Viotti, 2015; Ribeiro,
36
2010; Ribeiro, 2018) levantam-se as seguintes questões de investigação: (1) crianças falantes do PE, do
PB ou ambos usam ou não o clítico se em estruturas decausativas de mudança de estado físico?; (2)
quais as características dos verbos que apresentam, ainda, uso do clítico se?; e, (3) existem diferenças
no posicionamento do clítico se entre o PB e o PE?
A opção de explorar as estruturas decausativas de mudança de estado físico foi tomada tendo em
consideração os dados obtidos, por exemplo, no estudo de Ribeiro (2018) no qual se conclui que a
opcionalidade do uso do clítico se ocorre exclusivamente associada a mudanças de estado físico. Neste
seguimento foi considerada a base de dados PLEX517, de forma a serem utilizados verbos que denotam
situações extralinguísticas mais facilmente compreendidas por crianças e que, por esse motivo,
constassem na referida base de dados.
3.2 Metodologia
Para cumprir o objetivo principal exposto anteriormente, procedeu-se à realização de um estudo
descritivo-experimental de natureza empírica, uma vez que se baseou na observação e análise contrastiva
de fenómenos linguísticos, especificamente, o uso do clítico se em estruturas decausativas no PB e no
PE. Este é, ainda, um estudo de caráter exploratório pois pretende obter um conhecimento específico
acerca do fenómeno em estudo (Coutinho, 2014).
Posto isto, para o presente estudo constituíram-se dois grupos: (1) grupo de crianças falantes do
PE e (2) grupo de crianças falantes do PB. Para a uniformização das características dos elementos que
constituíram os grupos foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: (1) falantes monolingues;
(2) desenvolvimento típico da linguagem; e, (3) idade compreendida entre os 7 e os 10 anos18. Como
critério de exclusão definiu-se a presença de uma condição biomédica que pudesse interferir no
desenvolvimento linguístico. A uniformização da amostra foi, então, garantida através da definição dos
critérios supramencionados, sendo que se recorreu ao método de amostragem não probabilístico por
conveniência (Fortin, 2009). Posto isto, integraram o presente estudo dez crianças de ambos os sexos e
pertencentes a famílias com um nível sociocultural médio a médio alto, divididas igualmente pelos dois
grupos.
Para a constituição do corpus procedeu-se a uma recolha de dados junto das crianças que
constituíram a amostra. Para o efeito, foram apresentadas imagens que correspondiam a estímulos-alvo
cuidadosamente elaborados, de acordo com o tipo de verbo necessário para a estrutura em estudo e
adequados à faixa etária das crianças, uma vez que a construção dos estímulos foi suportada pela base
de dados PLEX5. Esta base de dados é constituída por um corpus linguístico que integra um conjunto
de palavras produzidas por crianças, com o intuito de limitar a inclusão de palavras que pudessem não
fazer parte do conhecimento das mesmas (Frota et al., 2012).
Figura 1: Exemplo de imagem apresentada para o estímulo-alvo “A janela abriu(-se).”.
17
O PLEX5 baseia-se em materiais de duas bases de dados de fala infantil e foi construído com como parte dos documentos de apoios ao
desenvolvimento dos Inventários Comunicativos de McArthur Bates para o PE. O seu principal objetivo é fornecer informações sobre o decurso
do desenvolvimento da aquisição lexical, contendo uma lista de palavras ortográficas em conjunto com a sua frequência de ocorrência, categoria
morfossintática e idade média de surgimento. Assim, fornece dados de desenvolvimento lexical constituindo uma única base de dados
linguística, para o PE, disponível publicamente para fins científicos, educacionais e clínicos (Frota et al., 2012).
18
Estudos de aquisição da linguagem, tanto em PB como em PE, relatam que até aos 7 anos as crianças tendem a proceder à omissão do clítico
se e, por esse motivo, selecionou-se a faixa etária entre os 7 e os 10 anos para garantir que a sua não utilização não se encontrava associada à
etapa do desenvolvimento típico descrita (Costa et al., 2014, 2015).
37
A aplicação dos 12 estímulos-alvo às crianças foi realizada, tanto no PE como no PB, por
Terapeutas da Fala. Antes da aplicação dos estímulos foi entregue um consentimento informado ao
representante legal de cada criança, de modo a garantir as condições éticas necessárias para a realização
deste estudo.
Cada estímulo-alvo era acompanhado por duas imagens. Numa primeira imagem, o Terapeuta da
Fala orientava a atenção da criança para o alvo que iria sofrer uma mudança de estado e na segunda
imagem questionava a criança sobre essa mudança, como se verifica na Figura 1 (à esquerda a imagem
para direcionar a atenção da criança para a janela e à direita a janela que sofreu uma mudança de estado).
Deste modo, o Terapeuta da ala questionava a criança, e.g. “O que aconteceu?” e, aguardava a sua
resposta e.g. “A janela abriu-se” . Em caso de não resposta, o Terapeuta da ala recorria à elicitação,
por exemplo, “A janela...” e aguardava a conclusão da frase pela criança. Não existiu a possibilidade de
correção do enunciado.
Assim, a análise contrastiva entre o PE e o PB foi realizada através de um corpus constituído por
enunciados autênticos recolhidos através da aplicação de estímulos a crianças falantes monolingues do
PB e PE (Coutinho, 2014; Wenguo & Mun, 2014).
Face ao exposto é possível observar-se que existe um predomínio das estruturas decausativas em
que ocorre a queda do clítico se (Gráfico 1).
De forma mais pormenorizada, no PE, os dados recolhidos mostram que, em 60 possíveis
ocorrências, as crianças recorreram ao clítico se em 28 ocasiões (46,7%). Contrariamente, as crianças
não recorreram ao clítico se em 32 ocasiões (53,3%). É, então, possível observar-se que as crianças
falantes do PE, em mais de metade das ocasiões, não recorrem ao clítico se em estruturas decausativas
de mudança de estado físico.
No que diz respeito ao PB, os valores são bastante mais dispares, observando-se o uso do clítico
se em, apenas, 4 ocasiões (6,6%). Em sentido oposto, registou-se a perda do clítico se em 56 ocasiões
(93,3%). Os dados acima descritos encontram-se detalhadas no Gráfico 2.
Gráfico 2: Número de ocorrências de estruturas com e sem se, em PE e PB.
38
Fonte: Elaboração própria.
Assim, de acordo com a amostra apresentada, constata-se que o uso do clítico se não é
praticamente utilizado no PB e, por outro lado, no PE são mais as ocasiões em que o mesmo não é
utilizado do que aquelas em que este surge.
Em relação ao posicionamento do clítico se, verificou-se que, no PE, surge predominantemente
em posição de ênclise e, no PB, ocorreu em todas as estruturas em posição de próclise (Gráfico 3).
Gráfico 3: Posicionamento do clítico se em PB e PE.
39
Fonte: Elaboração própria.
Os dados acima descritos parecem confirmar a tendência para uma maior perda do clítico se no
PB, considerando que o mesmo apenas ocorreu em 4 das 60 possíveis ocorrências nos estímulos-alvo
apresentados ao grupo de PB. Estes dados vão ao encontro dos dados obtidos, por exemplo, por Ribeiro
(2018).
Em Ribeiro (2018), para o PE, observava-se a presença maioritária de estruturas decausativas
com o clítico se, algo que, no presente estudo, já não se verifica, parecendo existir uma tendência para
a queda do clítico se observada na percentagem de ocorrência de estruturas sem o clítico (53,3%). Para
além disso, na variante do PB, observava-se um equilíbrio percentual entre as ocorrências com e sem
clítico, algo que também não se observa no presente estudo, existindo uma discrepância significativa
entre as duas possibilidades (93,3% sem clítico se).
Já no que se refere às diferenças existentes na posição não marcada que, segundo Mattos e Silva
(2013) são distintas, o presente estudo vai ao encontro do estabelecido previamente.
No que concerne aos verbos presentes nas estruturas decausativas, importa considerar as suas
características, tentando compreender a sua implicação para a manutenção ou perda do clítico se. Assim,
segundo a classificação adotada por Ribeiro (2010), os verbos em estudo são enquadrados da seguinte
forma: (1) verbos de mudança de estado por meio de calor – queimar; (2) verbos de mudança de estado
de “quebrar” – rasgar e estragar; (3) verbos de mudança de estado material – derreter; (4) outros verbos
de mudança de estado – molhar, abrir, fechar, acender, desligar, entornar e apagar; e, (6) verbos de
decomposição – partir. De acordo com o exposto, verbos de mudança de estado e verbos de
decomposição aceitam a queda do clítico se no PB, enquanto, no PE, verbos de mudança de estado
material, verbos de mudança por meio de calor e outros verbos de mudança de estado aceitam o mesmo.
Com base na classificação de Ribeiro (2010), e tal como se verifica no Gráfico 5, verbos de
mudança de estado por meio de calor, verbos de mudança de estado material e verbos de decomposição
não se apresentam com clítico se, tanto no B como no E. Em sentido inverso, a classificação “outro
verbo de mudança de estado” é a que apresenta maior número de ocorrência do clítico se, no PE.
40
Gráfico 5: Uso do clítico se com base na classificação de Ribeiro (2010).
Por último, considerou-se, ainda, a classificação utilizada por Ribeiro (2011) onde os verbos se
classificam da seguinte forma: (1) verbos de mudança de estado que afeta a integridade do objeto afetado
(molhar, apagar, partir, rasgar e estragar); (2) verbos de mudança nas propriedades físicas (derreter e
queimar); e, (3) verbos de mudança de posição/orientação ou modo de estar do objeto (abrir, fechar,
entornar, desligar e acender). De acordo com a classificação proposta, para o PB, os verbos que aceitam
a perda do clítico se encontram-se distribuídas pelos três grupos apresentados. Já no PE, os verbos
encontram-se integradas apenas no primeiro e último grupos (Gráfico 6).
De acordo com esta classificação, os resultados do presente estudo são indicativos de que verbos
de mudança nas propriedades físicas não verificam a presença do clítico se, tanto no PB como no PE. Já
os verbos de mudança de posição/orientação ou modo de estar do objeto apresentam a mesma tendência
no PB, mas não no PE. De facto, no PE, verifica-se um equilíbrio no uso do clítico se entre este grupo e
o grupo de verbos de mudança de estado que afeta a integridade do objeto afetado.
Gráfico 6: Uso do clítico se de acordo com a classificação dos verbos (Ribeiro, 2011).
Considerações Finais
41
Em primeiro lugar, levantou-se a questão acerca do uso ou não do clítico se em estruturas
decausativas por crianças falantes do PE e do PB. Percebeu-se que de acordo com os resultados obtidos,
ocorre uma tendência significativa para a queda do clítico se, salientando-se o facto de este fenómeno
se verificar em grande escala para o PB, com 93,3% de estruturas decausativas sem uso do clítico se e,
também, no PE (53,3%).
A segunda questão de investigação centrava-se nas características dos verbos que apresentam,
ainda, o uso do clítico se. Neste sentido, verificou-se que, no PB, mantem-se o uso do clítico nos verbos
de “quebrar” e outros verbos de mudança de estado, enquanto, no PE, se mantém nos mesmos grupos e
ainda no grupo de verbos de decomposição, segundo a classificação de Ribeiro (2010). Já segundo a
classificação de Ribeiro (2011), o clítico se mantém-se nos grupos de mudança de estado que afeta a
integridade do objeto afetado e de mudança de posição/orientação ou modo de estar do objeto, tanto
para o PB como para o PE. De facto, verifica-se pouca divergência a este nível entre as duas variantes.
No que diz respeito à questão de investigação relacionada com o posicionamento do clítico se,
verificou-se que, quando este ocorre, no PB, surge em próclise, enquanto, no PE, surge maioritariamente
em ênclise, indo ao encontro do preconizado na literatura (Mattos e Silva, 2013).
Em suma, os dados analisados e discutidos anteriormente são indicadores de uma tendência
crescente para a queda do clítico se, tanto no PE como no PB, com especial ênfase nesta última variante
da língua.
Apesar dos resultados obtidos, o presente estudo apresenta limitações, nomeadamente, a diminuta
amostra apresentada e, consequentemente, pouca diversidade dentro da mesma.
Como trabalhos futuros seria interessante a realização de um estudo em maior escala e, ainda,
com maior diversidade de verbos. Por outro lado, seria interessante compreender-se, no caso das
crianças falantes do PE, a influência que a exposição à variante brasileira poderá ter nos resultados
obtidos.
Agradecimentos
Agradeço à colega Letícia Ferreira pela recolha da amostra para o Português Brasileiro e a todos os
representantes legais e crianças que aceitaram colaborar no presente estudo.
Referências
Azevedo, M., Crespo, R., Martins, A., & Lousada, M. (2021). PROsyntax - Programa de
Intervenção no Domínio Sintático.
Brito, A., Duarte, I., & Matos, G. (2003). Tipologia e distribuição das expressões nominais. In M.
H. M. et al. Mateus (Ed.), Gramática da Língua Portuguesa. Caminho.
Ciríaco, L. (2007). A alternância causativo/ergativa no PB: restrições e propriedades semânticas.
Universidade Federal de Minas Gerais.
Ciríaco, L. (2011). A hipótese do contínuo entre o léxico e a gramática e as construções incoativa,
medial e passiva do PB. Universidade Federal de Minas Gerais.
Ciríaco, L. (2017). A família de construções ergativas no português. Percursos Linguísticos, 7(14).
Costa, J., Fiéis, A., & Lobo, M. (2015). Input variability and late acquisition: Clitic misplacement
in European Portuguese. Lingua, 161, 10–26. https://doi.org/10.1016/j.lingua.2014.05.009
Costa, J., Friedmann, N., Silva, C., & Yachini, M. (2014). The boy that the chef cooked:
Acquisition of PP relatives in European Portuguese and Hebrew. Lingua 150, 386–409.
Coutinho, P. (2014). Metodologia de Investigação em Ciências Sociais e Humanas: Teoria e
Prática. Almedina.
Duarte, I. (2003). A família das construções inacusativas. In M. H. M. et al. Mateus (Ed.),
Gramática da Língua Portuguesa (pp. 507–549). Carimbo.
42
Duarte, I. (2013). Construções ativas, passivas, incoativas e médias. In E. Raposo, M. Nascimento,
M. Mota, L. Segura, & A. Mendes (Eds.), Gramática do Português (2nd ed., pp. 450–
455). Fundação Calouste Gulbenkian.
Fortin, M. (2009). Fundamentos e Etapas do Processo de Investigação (Lusodidacta, Ed.).
Frota, S., Correia, C., Severino, M., Cruz, M., Vigário, & Contês, S. (2012). PLEX5: A production
lexicon of child speech for European Portuguese / Um léxico infântil para o Português
Europeu.
Levin, B., & Rappaport-Hovav, M. (1995). Unaccusativity: At the Syntax-Lexical Semantics
Interface. MIT Press.
Mattos e Silva, R. (2013). O Português do Brasil. In E. Raposo, M. Nascimento, M. Mota, L.
Segura, & A. Mendes (Eds.), Gramática do português (2nd ed.). Fundação Calouste
Gulbenkian.
Minello, C. (2016). Algumas considerações a respeito da alternância verbal na aquisição do
português brasileiro. Estudos Linguísticos, 45(2), 386–396.
Negrão, E., & Viotti, E. (2015). Elementos para a investigação da semântica do clítico SE no
português brasileiro. Cadernos de Estudos Linguísticos.
Raposo, E. (2013). Estrutura da frase. In E. Raposo, M. Nascimento, M. Mota, L. Segura, & A.
Mendes (Eds.), Gramática do português (2nd ed., pp. 303–394). Fundação Calouste
Gulbenkian.
Reinhart, T. (2000). The Theta-System: Syntactic Realization of Verbal Concepts. In Working
Papers in linguistics.
Ribeiro, P. (2010). A Alternância causativa no português do brasil: a distribuição do clítico se.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Ribeiro, S. (2011). Estruturas com SE Anafórico, Impessoal e Decausativo em português.
Universidade de Coimbra.
Ribeiro, S. (2018). Uso de “se” anticausativo em PB e PE.
Wenguo, P., & Mun, T. (2014). Contrastive linguistics, history, philosophy and methodology.
43
Análise lexicométrica de “Chigubo”, de José Craveirinha
Resumo. Este estudo orienta-se por uma metodologia que se enquadra num modelo de
investigação relacionado com a Linguística de Corpus e tem como objetivo central efetuar
uma an lise lexicométrica dos poemas de “ higubo”, de José raveirinha, usando um
recurso computacional de análise lexical, o programa Nooj. Partindo dos dados linguísticos
fornecidos pelo Nooj, começamos por apresentar os dados gerais caracterizadores dos
poemas de “ higubo”, depois analisamos a listagem de palavras-tema, partindo da listagem
dos tokens por ordem decrescente de frequência. Na última parte, apresentamos campos
temáticos, definidos a partir das palavras-tema dos respetivos poemas. Através da análise
lexicométrica dos poemas de “ higubo”, de José raveirinha, foi possível delimitar na obra
seis campos temáticos de diferentes domínios: negritude, moçambicanidade, natureza,
reivindicação, escravatura e vitalismo. A análise lexicométrica demonstrou que os poemas
de “ higubo” são lexicalmente regulares e reveladores de uma escrita liter ria cuja
temática recorre aos modelos da Black Renaissance, Négritude e Neorrealismo.
Palavras-Chave: Lexicometria, Palavras-tema, Campos temáticos, Linguística de Corpus.
Abstract. This study is guided by a methodology that fits into a research model related to
Corpus Linguistics and has as its main objective to carry out a lexicometric analysis of the
poems of “ higubo”, by José raveirinha, using a computational resource of lexical
analysis, the Nooj program. Starting from the linguistic data provided by Nooj, we start by
presenting the general data that characterize the poems of “ higubo”, then we analyze the
list of theme words, starting from the list of tokens in descending order of frequency. In the
last part, we present thematic fields, defined from the theme words of the respective poems.
Through the lexicometric analysis of the poems of “ higubo”, by José raveirinha, it was
possible to delimit in the work six thematic fields of different domains: blackness,
Mozambicanity, nature, claim, slavery and vitalism. The lexicometric analysis showed that
the poems of “ higubo” are lexically regular and reveal a literary writing whose themes
use the models of Black Renaissance, Négritude and Neorealism.
Keywords: Lexicometry, Theme Words, Thematic Fields, Corpus Linguistics.
Introdução
Apoiado nos estudos em Linguística de Corpus (Biber, Conrad & Reppen, 2000; McEnery & Wilson,
2001; inatto, 2018 , este artigo apresenta um estudo lexical dos poemas de “ higubo”, de José
Craveirinha (Craveirinha, 1963). Recorrendo ao programa computacional Nooj (Silberztein, 2003),
analisamos a lista de tokens e identificamos as formas mais usadas pelo autor, a fim de delimitar campos
tem ticos na obra “ higubo”.
Este artigo é constituído por duas partes. Na primeira parte, após uma definição de lexicometria,
efetua-se uma breve referência às potencialidades que os recursos da linguística de corpus constituem
para o estudo do texto literário.
44
Na segunda parte, utilizando o Nooj, efetuaremos uma análise lexicométrica, baseada na análise
estatística das palavras-tema, tendo em vista a delimitação de possíveis campos temáticos nos poemas
da obra “ higubo”. Nesse sentido, começaremos por apresentar os dados gerais do corpus e organizar
uma listagem de palavras-tema, partindo da listagem dos tokens por ordem decrescente de frequência.
A an lise lexicométrica dos poemas de “ higubo”, de José raveirinha, termina com a apresentação
dos campos temáticos, delimitados a partir das respetivas palavras-tema.
45
Análise lexicométrica dos poemas de “Chigubo”, de José Craveirinha
Iniciada a análise linguística, o Nooj apresenta-nos os dados gerais caracterizadores do texto, patentes
na tabela 1.
46
Na primeira etapa de análise das palavras-tema, deparamo-nos com fenómenos de ambiguidade
potencial, inerente à maior parte das formas linguísticas, uma vez que, na listagem dos tokens fornecida
pelo Nooj, as palavras-tema não surgem integradas nos próprios contextos de ocorrência, por isso, foi
necessário proceder à extração de concordâncias no Nooj. Assim, foram analisados todos os contextos
de ocorrência de cada uma das palavras-tema do corpus e consultadas as definições patentes no
dicionário relativas às mesmas.
De facto, a consulta das concordâncias e do dicionário permite um distanciamento relativamente
à intuição inerente ao ponto de vista do observador. A título de exemplo, veja-se a palavra-tema “rio”,
que configura um fenómeno de homonímia parcial, ou seja, “rio” [verbo rir] e “rio” [nome], conforme
se verifica na consulta do dicionário, remetendo-nos para a forma do verbo “rir” e para o nome
masculino singular “rio”.
Da leitura das concordâncias relativas à palavra-tema “rio”, como podemos verificar na figura 1,
conclui-se que a forma “rio” corresponde ao nome masculino singular de “rio” e à primeira das três
aceções do nome “rio”, patentes no respetivo dicion rio “1. Curso natural de água que nasce, em
geral, nas montanhas e vai desaguar ao mar, a um lago ou a outro rio, ou, por vezes, se entranha na terra;
2. figurado aquilo que corre como este curso de água; 3. figurado quantidade considerável;
abundância” . Deste modo, como se pode verificar na tabela 3, a palavra-tema “rio” insere-se no campo
tem tico de “Natureza”.
Fonte: Nooj
Além disso, no Nooj, podemos também visualizar as palavras ambíguas (figura 2) e as palavras
não ambíguas (figura 3), tendo acesso a todas as anotações produzidas para o corpus em estudo.
47
Figura 2: alavras ambíguas de “ higubo”
Fonte: Nooj
Fonte: Nooj
As anotações também podem ser visualizadas, verso a verso. Por exemplo, na figura 4, podemos
verificar as anotações do último verso da primeira estrofe dos poemas de “ higubo”.
48
igura 4: Anotações do último verso da primeira estrofe dos poemas de “ higubo”
Fonte: Nooj
Tendo por base a referida metodologia, como podemos observar na tabela 3, nos poemas de
“ higubo”, de José raveirinha, foi possível delimitar seis campos tem ticos de diferentes domínios: o
campo temático do domínio de Negritude foi delimitado através das palavras-tema “negro”, “negros”,
“carvão”, “Mãe/mãe” e “catanas”; o campo tem tico de Moçambicanidade foi delimitado através das
palavras-tema “chigubo”, “Moçambique”, “África”, “Jambul”, “xipalapala”, “som”, “país”, “mães”,
“pais”, “tribo”, “guerra”, “nomes”, “noivas”, “grande”, “bela”, “belos”, “belas”, “amigos”, “irmãos” e
“velhos”; o campo tem tico do domínio de Natureza, a partir das palavras-tema “Terra”, “mar”, “terras”,
“ gua”, “mato”, “rio”, “lua” e “noite”; o campo tem tico de reivindicação, relacionado com as palavras-
tema “chamar”, “gritar”, “grito”, “livres”; o campo tem tico do domínio de escravatura foi construído a
partir das palavras-tema “barco”, “beliches”, “porões”, “carga”, “sangue”, “patrão”, “tarimbas”,
“passividade”, “animal”, “subiu”, “preço”, “pão”, “vez”, “homens”, “juntos”, “últimas”, “olhos”,
“mãos” e “pés”; o campo tem tico do domínio de vitalismo foi delimitado através das palavras-tema
“arder” e “fogo”.
49
Fonte: Elaboração própria.
Conclusões
Conforme apresentado nas seções anteriores deste artigo, o Nooj é um ambiente de desenvolvimento
linguístico que permite diversas possibilidades de análise ancoradas na lexicometria. Com efeito, a
análise lexicométrica permitiu-nos aceder a um inventário objetivo e rigoroso do vocabulário dos
poemas de “ higubo”, de José raveirinha, através do qual identificamos palavras-tema e delimitamos
campos temáticos na obra do autor moçambicano. Através da análise lexicométrica dos poemas de
“ higubo”, de José raveirinha, foi possível delimitar na obra seis campos tem ticos de diferentes
domínios: negritude, moçambicanidade, natureza, reivindicação, escravatura e vitalismo. A análise
lexicométrica demonstrou que os poemas de “ higubo” são lexicalmente regulares e reveladores de uma
escrita literária cuja temática recorre aos modelos da Black Renaissance, Négritude e Neorrealismo.
Com este trabalho, esperamos ter contribuído para o aprofundamento do estudo dos poemas de
“ higubo”, de José raveirinha, através da exploração do recurso tecnol gico Nooj, que est disponível
online e é gratuito, possibilitando-nos o renovar de métodos de estudo do texto literário e a formação de
perspetivas metodológicas novas.
Deste modo, reforçamos os ganhos obtidos com a análise lexicométrica, que, a partir do
tratamento automatizado de textos, configura a possibilidade de processar grandes quantidades de dados
linguísticos de forma extremamente rápida, minuciosa e objetiva, transformando o computador num
possível aliado do estudo do texto literário.
Diga-se, por fim, que, embora a lexicometria, do ponto de vista teórico, se caracterize como um
trabalho interminável, através deste método, aplicando o Nooj, analisamos apenas alguns dos dados
quantitativos e qualitativos da obra “ higubo”, de José raveirinha.
Referências
Biber, D., Conrad, S. & Reppen, R. (2000). Corpus Linguistics: Investigating Language Structure and
Use. Cambridge: Cambridge University Press.
Craveirinha, J. (1963). Chigubo. Lisboa: Editorial Minerva.
Finatto, M. J. B., Rebechi, R. R., Sarmento, S. & Bocorny, A. E. P. (2018). Linguística de corpus:
perspectivas. Porto Alegre: Instituto de Letras – UFRGS. Disponível em
https://www.ufrgs.br/ppgletras/ebooks/2018Linguisticadecorpus_NOVO_FINAL.pdf
reitas, . 2017 . “Estudos linguísticos e Humanidades Digitais: corpus e descorporificação”. Gragoatá
22.44: 1207-1227.
Halliday, M. A. K. (1992). Language as system and language as instance: the corpus as a theoretical
construct. In Jan Svartvik (ed.), Directions in corpus linguistics: proceedings of Nobel
Symposium 82, Stockholm, 4-8 August 1991. Berlin: Mouton de Gruyter, pp. 61-77.
Lebart, L. & Salem, A. (1994). Statistique textuelle. Paris: Dunod.
Leblanc, J. M. (2015). Proposition de protocole pour l'analyse des données textuelles: Pour une
démarche expérimentale en lexicométrie. Nouvelles perspectives en sciences sociales (NPSS),
11(1), 25-63. doi: 10.7202/1035932ar
Marchand, P. (2013). Quelques traces chronologiques de l'exploration textométrique. Bulletin de
Méthodologie Sociologique, 120(1), 38-46. doi: 10.1177/0759106313497856
McEnery, A. & Hardie, A. (2012). Corpus Linguistics, Cambridge, Cambridge University Press.
McEnery, T. & Wilson, A. (2001). Corpus Linguistics: An Introduction. Edinburgo: Edinburgh
University Press.
Salem, A. (1986). Segments répétés et analyse statistique des données textuelles. Histoire & Mesure,
1(2), 5-28.
50
Sardinha, T. B. (2004). Linguística de Coupus. São Paulo: Manole.
Silberztein, M. (2003). Nooj Manual. Internet. Disponível em
http://www.nooj4nlp.net/NooJ%20Manual.pdf
Silberztein, M. 2016 . La formalisation des langues: l’approche NooJ. Formalizing Natural Languages:
the NooJ Approach. Wiley Eds.
51
Contribuição para o estudo dos argumentos com interpretação de Origem
com verbos de movimento de direção inerente no Português de Cabinda
Resumo. Este artigo apresenta subsídios para o estudo da expressão dos argumentos com
interpretação de Origem com verbos de movimento de direção inerente no Português de Cabinda.
Para levar a bom termo o estudo, resolvemos aplicar um questionário que contém, para além da
secção sobre dados pessoais e sociolinguísticos, três tipos de tarefa: juízo de valores,
preenchimento de espaços vazios e produção provocada, envolvendo os verbos sair, partir e cair.
Os resultados apresentados pelos três grupos estudados revelam que a escolha da preposição que
codifica Origem não está estabilizada, notando-se alguma variação que parece ser de natureza
lexical: a preposição em é a que menos ocorre com cair e partir, mas combina-se mais com sair.
1.Introdução
A preposição em, tipicamente locativa, aparece, em variedades não europeias do Português, como uma
preposição que se combina com os verbos de movimento com a interpretação de Meta ou Destino, como
em exemplos como (1):
(1) A mãe chegou em / na casa.
Entretanto, alguns autores assinalaram que esta preposição pode igualmente ter valor de Origem
no Português de Cabinda. Neste estudo, pretendemos saber como se dá a combinação dos verbos de
movimento com preposições no Português de Cabinda. Um estudo deste tipo justifica-se na medida em
que há poucas análises sobre esta variedade do Português.
Antes de apresentar as hipóteses de investigação que conduziram ao presente trabalho e a sua
organização, vale a pena recordar alguns estudos sobre verbos de movimento e preposições no Português
Europeu (PE) e no Português de Angola (PA).
Em relação ao E, no seu capítulo sobre “Verbos de movimento: abordagem semântica e
sint tica”, M rio Vilela Vilela 1992:180 afirma que o conceito “verbos de movimento” é difícil de
definir e delimitar, englobando verbos que denotam: a “uma deslocação total do sujeito (andar, correr,
saltar ”; b “uma deslocação do sujeito e do objeto acenar, esmurrar, pisar ”; c “somente a deslocação
do objeto enviar, despachar ; d a propriedade de “exigirem um complemento dito Locativo encontrar-
52
se, estar em, abundar em, etc. ”. ara o autor, o Locativo é uma noção abrangente denotando: a o ponto
do posicionamento da entidade (Loc); b) o destino da entidade (Loc / Meta); c) a proveniência da
entidade (Loc / Origem); d) o espaço intermédio em que se desenrola o movimento da entidade até ao
destino (Loc / Percurso).
Raposo & Xavier (2013: 1514-1515) não estudam os verbos de movimento de forma específica,
mas dão atenção às preposições, assinalando que as principais preposições do Português são: a, de, em,
para e por, denotando inúmeros significados, mas tendo na base um valor de natureza espacial. Os
autores mostram que, partindo das noções de localização ou de movimento no espaço, se chega ao
significado de cada uma destas preposições; tais valores estão na base de outros significados com maior
grau de abstração, como relações sociais ou representação de estados mentais e cognitivos. Assim,
embora possa ter um uso dinâmico, quando combinada com verbos que codificam mudança de lugar
(entrar, esconder, penetrar, pôr), em é tipicamente uma preposição locativa, que marca a localização
espacial estática. Ela opõe-se às demais preposições, por estas serem direcionais e codificarem
movimento direcional dinâmico. Cada preposição direcional marca uma direção específica, a saber: de
codifica origem; a e para, localização final do movimento; por, ponto intermédio no trajeto. (Raposo &
Xavier, 2013:1514-1515).
Ainda em relação ao PE, Brito & Choupina (2018: 154-9) mostram que as preposições têm um
valor fulcral na semântica da frase construída com o verbo “ir”, podendo para indicar Meta, como em
(2) e em (3) e de Origem de uma trajetória para uma Meta, como em (3):
(2) A menina vai para casa da avó.
(3) O meu pai vai do Porto para Lisboa.
Nas variedades não europeias do português, as referidas preposições ganham valores diferentes;
veja-se, para o Português Brasileiro (PB), Vieira (2009) e, para o Português de Moçambique (PM) e
para o Português de Angola (PA), Gonçalves (1996, 2000), autores que sublinham o uso da preposição
em para exprimir a Meta ou Destino, como em (1), com verbos de movimento como um dos aspetos que
caraterizam o PM e o PA.
Em relação ao PA, o fenómeno tem merecido a atenção de vários estudiosos, com especial
destaque para o estudo do uso da preposição em com verbos de movimento para expressar o Destino ou
Meta como em (1), aqui repetido (cf. Mingas 2000, Chavagne 2005; Cabral 2005, Adriano 2014;
Hagemeijer 2016; Avelar 2017, Pessela & Simbo 2019):
(1) A mãe chegou em casa / na casa.
A maioria dos autores justifica essa produção pelo contacto do Português com as línguas bantu
de Angola, nomeadamente o Kimbundo e o Umbundo. Por outro lado, há estudos que apontam a
utilização do em como expressão de Origem no PA (Avelar 2017; Simbo 2019).
Ao referir-se aos locativos nas línguas bantu, Mingas (2000:75-76) sublinha que a língua
Kimbundo tem as três formas seguintes: ku, mu e bu. Juntas a matrizes pronominais e/ou nominais,
essas formas podem constituir sintagmas nominais com valor espacial. Assim, a forma ku denota
direcionalidade, lugar distinto e distante, interioridade; mu denota interioridade; e bu denota
sobreposição e superfície. Vejam-se alguns exemplos ilustrativos:
(4) Mwene wambata anyi bu mutwe? (Quimbundo, Mingas 2000,76)
“ele levar o que é que LO -cabeça
“O que é que ele leva à cabeça”?
53
com que bilingues angolanos não consigam distinguir as diversas funções das preposições e produzam
frases como as seguintes:
12 […] foi o primeiro leitor que chegou no omplexo Estudantil Dom Bosco // T A1 rograma
Especial: Eleições Gerais 2012, 31.08.2012.
14 […] n s prometemos voltar nesta maratona informativa da Televisão ública de Angola. //TPA1
Programa Especial: Eleições Gerais 2012, 31.08.2012.
O autor marca as frases analisadas como “desviantes” porque os verbos de movimento selecionam
a preposição em no lugar da preposição a, nesta variedade do Português.
Num trabalho em que descrevem e comparam a sintaxe dos verbos de movimento e dos verbos
de transferência de posse no português falado no Bié, Angola, e em Umbundo, Pessela & Simbo (2019)
referem de novo a generalização da preposição em com esse tipo de verbos e é levantada a questão de
saber se há ou não transferência do Umbundo no Português falado no Bié ou se é apenas uma tendência
geral de mudança. Alguns dos seus dados sugerem que no Umbundo a preposição ko em assume o papel
temático de Origem e de Destino quando combinada com esse tipo de verbos, o que leva os autores a
sugerir uma influência do Umbundo no Português falado no Bié.
(15) Eyé – eye - téte okupitîla ko sikola Dom Bosco. (Umbundo, Pessela &Simbo 2019)
Ele ele primeiro chegar LOC escola Dom Bosco.
“Ele foi ele o primeiro a chegar à escola Dom Bosco”.
Afonso (2020), num estudo baseado em entrevistas a falantes bilingues (Português (L2) e
Umbundu (L1)), obteve resultados que revelam a influência da idade na realização da preposição, sendo
que os informantes com idade inferior a 13 anos combinam verbos de movimento com a preposição em
com os valores de Origem e Destino. Contudo, o mesmo já não se diz relativamente a informantes
54
adultos, que, por influência de um maior grau de escolaridade, vão diminuindo o uso do em, a qual
alterna com a e para.
Relativamente ao Português de Cabinda, há poucos estudos.
Avelar (2017: 28-29) refere a utilização de em como expressão de Origem, mas também com
outras interpretações, o que o leva a propor que em não é preposição, mas apenas um índice locativo
interno ao SN (na linha de Gonçalves, 2010 para o PM).
Num resumo em que são analisadas diferenças entre o Português falado em Cabinda e o Iwoyo,
língua bantu falada nessa província de Angola, Simbo (2019) mostra a forma que cada língua seleciona
para operar o movimento e seus respetivos papéis temáticos. Assim, é mostrado que, por um lado, a
preposição mu 'em' do Iwoyo expressa interioridade e combina com verbos de movimento, com os
papéis temáticos de Origem e de Destino. Por outro lado, mostra também que a preposição ku 'em',
apesar de não codificar tipicamente a ideia de interioridade, combina com essa mesma classe de verbos,
expressando os papéis temáticos de Origem e Destino, ilustrando com os exemplos (16)-(18):
(16) Fonsu baskizi mu Nzó Nzambi... (dados do autor)
Fonsu Pret. Perf.- sair LOC-igreja
'O Afonso saiu da Igreja'.
Depois de apresentados alguns trabalhos sobre a temática dos verbos de movimento de direção
inerente e das preposições que com eles se combinam, importa colocar as seguintes questões de
investigação sobre o Português de Cabinda:
(1) será a expressão do argumento Origem pela preposição em no Português de Cabinda o resultado de
transferência do Iwoyo?
(2) Será que a mudança exibida pelo uso de em como expressão de Origem é explicada por princípios
gerais de mudança?
(3) Em que medida o uso de em se relaciona com o significado lexical de certos verbos de movimento?
No sentido de dar resposta às questões de investigação apresentadas, foi produzido e aplicado um
questionário que contém três tipos de tarefas envolvendo os verbos sair, partir e cair: juízos de
gramaticalidade, preenchimento de espaços vazios e produção provocada (a partir de três / quatro
palavras). As tarefas foram solicitadas a 90 informantes, distribuídos em 3 grupos de 30, conforme eram
falantes Bilingues Pt – falantes que dizem ser bilingues, mas que já não têm ativa nenhuma língua bantu;
Monolingues – aqueles só falam o Português e para os quais o Português é L1; Bilingues Pt-Bt – falantes
do Português e de uma língua bantu, isto é, falantes que dizem ter uma das línguas bantu faladas em
Cabinda como língua materna, mas que não a falam, usando o Português em casa, na escola e com
amigos.
A metodologia, as tarefas e os principais resultados são descritos com detalhe no ponto 2. Segue-
se a discussão dos resultados no ponto 3 e as conclusões no ponto 4.
55
Dado que se pretendia verificar de que forma são realizados os sintagmas preposicionais (SP)
com verbos de direção que selecionam um complemento com interpretação de Origem, foi produzido e
aplicado um questionário que contém, para além da secção sobre dados pessoais e sociolinguísticos, três
tipos de tarefas: juízo de gramaticalidade, preenchimento de espaços vazios e produção provocada, cujos
resultados são apresentados abaixo.
Comecemos com a tarefa de juízo de gramaticalidade.
2.1.1 Bilingues Pt
Tabela n.º1
Bilingues PT
Nº Frases 3 2 1 Total
(Normal) (Estranho) (Errada)
Dos 30 (100%) falantes bilingues Pt inquirido, 21 (70%) acham aceitável a frase quando o Zé saiu
da casa da minha mãe encontrou na rua um amigo; 15 (50%) acham aceitável a frase quando o Zé saiu
na casa da minha mãe encontrou na rua um amigo.
Tabela n.º2
Bilingues Pt
Nº Frases 3 2 1 Total
(Normal) (Estranho) (Errada)
18 falantes (60%) acham aceitável a frase a chuva caiu das nuvens; 8 (26%) consideram a frase
a chuva caiu nas nuvens também aceitável.
Tabela nº3
Bilingues Pt
Nº Frases 3 2 1 Total
(Normal) (Estranho) (Errada)
56
5 O meu filho partiu da 20 7 3 30
minha casa às 8 horas. (66,7%) (23,3) (10,0%)
20 falantes (66,7%) acham aceitável a frase o meu filho partiu da minha casa às 8 horas; e 14
(46,7%) acham aceitável a frase o meu filho partiu na minha casa às 8 horas.
Quer dizer, das 6 frases apresentadas, os falantes bilingues Pt aceitam como bem formado um
número significativo de frases com em como preposição de Origem, embora em menor número que a
preposição de.
2.1.2 Monolingues
Tabela n.º4
Monolingues
Nº Frases 3 2 1 Total
(Normal) (Estranha) (Errada)
1 Quando o Zé saiu da casa da minha 18 10 2 30
mãe, encontrou na rua um amigo. (60%) (33%) (6,7%)
2 Quando o Zé saiu na casa da minha 14 8 8 30
mãe, encontrou na rua um amigo. (47%) (26,7%) (26,7%)
Fonte: Elaboração própria
Dos 30 (100%) informantes monolingues inquiridos, 18 (60%) assumem como aceitável a frase
quando o Zé saiu da casa da minha mãe encontrou na rua um amigo; e 14 (46,7%) consideram como
aceitável a frase quando o Zé saiu na casa da minha mãe encontrou na rua um amigo.
Tabela n.º5
Monolingues
57
23 informantes (76,7%) assinalam como aceitável a frase a chuva caiu das nuvens, 4 (13,3%)
consideram aceitável a frase a chuva caiu nas nuvens.
Tabela n.º6
Monolingues
Nº Frases 3 2 1 Total
(Normal) (Estranha) (Errada)
24 falantes (80%) aceitam a frase o meu filho partiu da minha casa às 8 horas; e 5 (16,7%) aceitam
como aceitável a frase o meu filho partiu na minha casa às 8 horas.
Quer dizer, nos falantes monolingues, que só conhecem Português, há alguma diferença
relativamente aos grupos anteriores, dado que em 30 apenas 4 ou 5 aceitaram em como preposição de
Origem com os verbos cair e partir. Mas com sair o número de falantes que aceitaram em é ainda elevado
(14 em 30).
Dos 30 (100%) falantes bilingues inquiridos, 16 (53,3%) sublinham como aceitável a frase
quando o Zé saiu da casa da minha mãe encontrou na rua um amigo; 22 (73,3%) acham o mesmo da
frase quando o Zé saiu na casa da minha mãe encontrou na rua um amigo.
Tabela n.º8
Bilingues Pt-Bt
Nº 3 2 1 Total
(Normal) (Estranha) (Errada)
58
4 A chuva caiu nas 11 3 16 30
nuvens. (37%) (10%) (53%)
Como a tabela mostra, 20 falantes (66,7%) assumem como aceitável a construção a chuva caiu
das nuvens; 11 (36,7%) aceitam a frase a chuva caiu nas nuvens.
Tabela n.º9
Bilingues Pt-Bt
20 falantes (66,7%) assinalam como aceitável a frase o meu filho partiu da minha casa às 8 horas;
e 9 (30%) consideram aceitável a frase o meu filho partiu na minha casa às 8 horas.
Quer dizer, o grupo dos bilingues Pt-Bt apresentou juízos semelhantes ao do grupo anterior com
cair e partir, mas em relação a sair notou-se um número maior dos que consideraram a preposição em
aceitável para exprimir origem do que os que aceitaram de.
2.2.1. Bilingues Pt
Tabela n.º10
Nº FRASES ao no em À para a de na da do Total
7 Ontem o Abel 1 1 1 8 19 30
saiu ____ minha (3,33%) (3,33%) (3,33%) (26,66%) (63,33%)
casa muito tarde.
8 O Afonso 1 (3,33%) 3 13 13 30
saiu_____ igreja (10%) (43,33%) (43,33%)
para ver o tumulto
que se deu lá fora.
Fonte: Elaboração própria
59
Na versão A, para preencherem o espaço vazio da frase o Abel sai------- minha casa muito cedo,
dos 30 (100%) informantes inquiridos, 1 (3,33%) escolheu em, 8 (26,7%), na, e 19 (63,3%), da. E para
completarem a frase o Afonso saiu-------igreja para ver o tumulto que se deu lá fora, igual número total
de informantes, 13 (43,3%) usaram na e da.
Tabela n.º11
Nº Frases ao no em À para a De na Da do Total
8 O Afonso saiu_____ 1 3 9 17 30
igreja para ver o (3,33%) (10%) (30%) (56,66%
tumulto que se deu lá )
fora.
Fonte: Elaboração própria
Na versão B, a fim de preencherem o espaço vazio da frase o Abel sai------- minha casa muito
cedo, 16 (53,3%) informantes utilizaram da; 1 (3,33%), em, 9 (30%), na (o que dá 10 para a preposição
em); e para preencherem o vazio da frase o Afonso saiu-------igreja para ver o tumulto que se deu lá
fora 17 (56,7%) informantes escolheram da e 9 (30%) na.
Quer dizer que, no grupo Bilingue Pt, a preposição de foi a mais usada, apesar de haver um
número ainda significativo de ocorrências da preposição em.
2.2.2. Monolingues
Tabela n.º12
Versão A
Nº FRASES ao no em À para de na da do Total
7 Ontem o Abel saiu 2 (6,67%) 5 23 30
____ minha casa (16,67%) (76,67%)
muito tarde.
Na versão A, para preencherem o espaço vazio da frase o Abel saiu------- minha casa muito cedo,
dos 30 (100%) informantes inquiridos, 23 (73,33%) escolheram da, 2 (6,67%) em, 5 (16,67%) na, o que
dá 7 em 30 para a preposição em. E para completarem a frase o Afonso saiu-------igreja para ver o
tumulto que se deu lá fora, um número elevado de informantes, 22 (73,33%) usaram da e apenas 4
(13,33%) na.
60
Tabela n.º13
Na versão B, a fim de preencherem o espaço vazio da frase o Abel saiu------- minha casa muito
cedo, 20 (66,7%) informantes utilizaram da; 4 (13,33%), em, 5 (16,7%), na, o que dá um total de 9 usos
da preposição em. E para preencherem o vazio da frase o Afonso saiu-------igreja para ver o tumulto
que se deu lá fora, 21 (70%) informantes escolheram da e 5 (16,7%), na.
Na versão A, para preencherem o espaço vazio da frase o Abel sai------- minha casa muito cedo,
dos 30 (100%) informantes inquiridos, 16 (53,3%) escolheram da e 9 (30%) escolheram na. E para
completarem a frase o Afonso saiu-------igreja para ver o tumulto que se deu lá fora, 13 (43,3%) usaram
da, ao passo que 7 (23,3%) usaram na.
Tabela n.º14
Nº FRASES ao no em À Para A de na da do Total
61
Na versão B, a fim de preencherem o espaço vazio da frase o Abel sai------- minha casa muito
cedo, 7 (23,3%) informantes utilizaram na e 17 (56,7%), da, mais 2 de (o que dá 19); e para preencherem
o vazio da frase o Afonso saiu-------igreja para ver o tumulto que se deu lá fora, 6 (20%) informantes
escolheram na e 12 (40%), da.
Em síntese, relativamente ao preenchimento de espaços, há oscilação, mas a preposição de como
Origem é sempre dominante, não se notando tendências muito distintas nos três grupos considerados.
2.3.1. Bilingues Pt
Tabela n.º15
Dos 30 (100%) informantes, 17 (56,67%) usaram da; com a indicação de origem, 7 (23,33%)
formaram frases com em (7 contraída com artigo) e 1 (3,33%) usou a preposição isolada, o que faz um
total de 8 usos da preposição em.
Tabela n.º16
Nº Frase No do ao Total
10 Alfredo / saiu / rio / casa 5 22 3 30
(16,67%) (73,33%) (10%)
Fonte: Elaboração própria
62
11 Carro / saiu / garagem 3 1 9 17 30
(10%) (3,33%) (30%) (56,67%)
2.3.2. Monolingues
Tabela n.º19
Nº Palavras ao Do no de da em Total
Tabela n.º21
Nº Palavras No de na da Total
11 Carro / saiu / garagem 1 1 2 26 30
(3,33%) (3,33%) (6,67%) (86,67%)
Fonte: Elaboração própria
63
Na versão B, para construírem o complemento de origem com base em carro/saiu/garagem, dos
30 (100%) informantes, 26 (86,67%) fizeram combinar sair com da, mais um escolheu de (27 no total
para de) e 2 (6,67%) usaram em na contração da preposição em + a e um usou no, o que dá um total de
3 para esta preposição.
Tabela n.º22
Nº Palavras Na Da a à para Total
Tabela .nº24
9 Meninos / 4 5 7 11 2 1 30
saíram / escola (13,33%) (16,67%) (23,33%) (36,67%) (6,67%) (3,33%)
Fonte: Elaboração própria
64
Na versão B, dos 30 (100%) informantes, tendo em atenção as palavras carro/saiu/garagem, 18
produziram frases com da e um com de, o que dá um total de 20 para de e 5 (16,67%) usaram em, na
forma na.
Tabela n.º26
Nº Palavras a À Na ao Da em de Total
12 Carro / saiu / 1 1 8 1 15 2 2 30
garagem (3,33%) (3,33%) (26,67%) (3,33%) (50%) (6,67%) (6,67%)
Apresentados os resultados, procede-se agora à sua discussão, tendo em conta as tarefas desempenhadas
pelos três grupos de informantes que escolhemos, com vista a perceber como combinam os verbos de
movimento com as preposições de origem.
Relativamente à primeira tarefa de compreensão (formulação de juízos de gramaticalidade),
registam-se as seguintes tendências na escolha das preposições de ou em por tipo de informante e por
tipo de verbo.
• Bilingues Pt
Os informantes bilingues Pt aceitam mais de para indicar Origem, quando combinado com o verbo
sair (21 falantes (70%), 7 falantes (36,7%) acham a combinação estranha e 2 falantes (6,67%) não a
aceitam. No entanto, é preciso observar que um número muito significativo desses informantes aceita a
preposição em como complemento de Origem (15 falantes (50%)); 11 (36,7%) acham a combinação
estranha e 4 (13%) não aceitam tal combinação. Relativamente ao verbo cair, é de sublinhar que 18
(60%) informantes aceitam a combinação desse verbo com de 8 (27%) acham a combinação estranha e
4 (13,3%) não aceitam esse uso. Por outro lado, 8 (27%) informantes aceitam a ocorrência desse mesmo
verbo com em, 7 (23%) a acham estranha e 15% não a aceitam. Com o verbo partir, é observado que 20
(66,7%) informantes aceitam a combinação do verbo partir com a preposição de, 7 (23,3%) e 3 (10%)
não aceitam esse uso, enquanto 14 (46,7%) aceitam tal combinação, 6 (20%) acham-na estranha e 10
(33,3) não a aceitam.
Assim, pode verificar-se que a tendência é os membros deste grupo escolherem o de com os
verbos sair, cair e partir para formarem um complemento de Origem. E é bastante significativo o
número de informantes que aceita a combinação de em sobretudo com os verbos sair e partir.
• Monolingues
Para indicar Origem, os informantes monolingues aceitam mais a combinação do verbo sair com
a preposição de (18 falantes (60%), quando 10 (33%) falantes acham a combinação estranha e 2 (6,6%)
falantes não aceitam essa combinação. É preciso observar, porém, que um número muito representativo
desses informantes aceita a preposição em como expressão de Origem (14 (47%) falantes), embora 8
(26,7%) achem tal combinação estranha e 8 (26,7%) e não a aceitem. No que se refere ao verbo cair, é
de sublinhar que 23 (76,7%) informantes aceitam a combinação desse verbo com de (com artigo), 5
(16,7%) acham estranha e 2 (7%) não aceitam esse uso. Por outro lado, 4 (13,3%) informantes aceitam
a ocorrência desse mesmo verbo com em, 10 (33,3%) acham estranha a combinação e 16 (53,37%) não
a aceitam. Com o verbo partir, é observado que 24 (80%) informantes aceitam a combinação do verbo
partir com a preposição de, 4 (13,3%) acham estranha tal combinação, e 2 (7%) não aceitam esse uso,
65
enquanto 5 (17%) informantes aceitam a combinação do verbo partir com em, 9 (30%) acham a
combinação estranha e 16 (53%) não a aceitam.
Deste modo, pode verificar-se que a tendência é os membros deste grupo escolherem o de com
os verbos sair, cair e partir para formarem um complemento de Origem. E é bastante representativo o
número de informantes que aceita a combinação de com em, sobretudo com o verbo sair.
• Bilingues Pt-Bt
Os informantes bilingues Pt-Bt aceitam menos o de para indicar Origem. Quando combinado com
o verbo sair (16 (53,33%) falantes), 12 (40%) falantes acham tal combinação estranha e 2 falantes
(6,67%) não a aceitam. Contudo, a maioria desses informantes (22 (73,3%) falantes) aceita a
combinação do verbo sair com a preposição em como complemento de Origem, enquanto 3 (10%)
acham tal combinação estranha e 5 (16,7%) não a aceitam. Relativamente ao verbo cair, é de notar que
20 (67%) informantes aceitam a combinação desse verbo com de 5 (17%) acham a combinação estranha
e 5 (17%) não aceitam esse uso. Por outro lado, 11 (37%) informantes aceitam a ocorrência desse mesmo
verbo com em, 3 (10%) acham a combinação estranha e 16 (53%) não a aceitam. Com o verbo partir, é
observado que 20 (66,7%) informantes aceitam a combinação do verbo partir com a preposição de, 8
(26,7%) acham o uso estranho e 2 (6,7%) não o aceitam, enquanto 9 (30%) informantes combinam
partir com em, 10 (33%) acham a combinação estranha e 11 (37) não a aceitam.
Assim, verifica-se que a tendência é os membros deste grupo escolherem o em com o verbo sair
e cair para formarem um complemento de Origem. E é significativo o número de informantes que aceita
a combinação de de sobretudo com os verbos cair e partir.
Como se pode ver, nos três grupos, as percentagens são mais altas quando os verbos estudados
combinam com de, excetuando o caso da percentagem apresentada pelos bilingues Pt-Bt. O verbo que
mais aceita a combinação com em é o verbo sair.
Relativamente à segunda tarefa (completamento de espaço), era objetivo saber qual é a
tendência na escolha da preposição (em/de/a/para e outras) por tipo de informante.
Alguns dos resultados obtidos mostram que, nesta tarefa (produção), para introduzirem o
complemento de Origem, os três grupos de informantes utilizaram as três preposições de, em, a. A baixa
percentagem de produções corretas / bem formadas pode estar a revelar ignorância no que se refere ao
domínio do uso das preposições, ou simplesmente hesitação da parte do informante, mas de qualquer
modo, foi a preposição de a mais usada.
Os monolingues aceitam mais a combinação do verbo sair com de do que com em (de=76,67%;
na=13,33%, por exemplo). Já com os bilingues Pt e os bilingues Pt-Bt, apesar de serem mais produtivos
nas construções de sair com de, a combinação de sair com em é também muito significativa (na=30%).
Relativamente à terceira tarefa (produção), era objetivo verificar que preposição mais combina
com o verbo sair, de ou em e se há alguma diferença entre a Origem ser do exterior da garagem (cf. no
anexo 1 exercício 2 do inquérito, neste trabalho, renumerada como a frase 11) e a Origem ser do interior
da garagem (cf. no anexo 1 o exercício 3 do inquérito, neste trabalho, renumerada como a frase 12).
Nesta tarefa, em geral, os informantes escolheram as preposições em, de, a e para, a fim de indicarem
complemento de Origem do verbo sair (os usos de para são insignificantes). Assim, os monolingues
escolheram com percentagens altas de: 66,67%, na versão A e 86,7% na versão B.
Quanto à questão de a Origem ser no interior de uma casa ou a Origem ser no exterior de uma
casa, esperava-se que os informantes escolhessem privilegiadamente a preposição em, visto que, para
alguns autores, a ideia de interioridade influencia a escolha dessa preposição.
Contudo, verificou-se que as preposições utlizadas e as frequências obtidas são diversas. 9 (30%)
informantes bilingues Pt combinaram sair com em para 'sair do exterior da garagem' e 'sair do interior
da garagem', enquanto 17 (56,67%) combinaram sair com de; 2 (6,67%) informantes monolingues
combinaram sair com em e 26 (86,67%) combinaram sair com de para 'sair do exterior da garagem', ao
passo que 7 (23,33%) informantes combinaram sair com em, quando 20 (66,67%) informantes
combinaram sair com de para 'sair do interior da garagem'; 5 (16,67%) combinaram sair com em e 18
(60%) combinaram sair com de para 'sair do exterior da garagem'; e 8 (26,67%) +2, fazendo 10 (30%)
66
combinaram sair com em e 15 (50%) + 2 bilingues Pt-Bt combinaram sair com de 'para sair do interior
da garagem'.
Diferentemente do que é defendido por outros autores (Mingas 2000; Chavagne 2005, entre
outros), de acordo com os resultados obtidos neste trabalho, a ideia de interioridade não está a influenciar
a escolha da preposição, porque o em, que incorpora interioridade, é a preposição menos escolhida.
Os resultados apresentados pelos três grupos estudados revelam que a escolha da preposição que
codifica Origem não está estabilizada, não se verificando uma interferência clara das línguas Bantu. Há
ainda que realçar que o que parece mais importante é a natureza lexical dos verbos, pois é aí que parece
estar (pelo menos em parte) a origem da variação na escolha da preposição com estes verbos.
4. Considerações finais
Pode concluir-se que a escolha de em como preposição de Origem, no Português de Cabinda, assinalada
por Avelar (2017) e por Simbo (2019), é uma possibilidade, ao lado de outras preposições, mas não é a
dominante.
Os resultados apresentados pelos três grupos estudados revelam que a escolha da preposição que
codifica Origem não está estabilizada e não há muitas diferenças entre os três grupos estudados quanto
à escolha da preposição, sendo, contudo, de a preposição dominante.
Nota-se, de qualquer modo, alguma variação que parece ter uma natureza lexical: a preposição
em é a que menos ocorre com os verbos cair e partir, mas combina-se mais com sair.
Hagemeijer (2016: 55), ao referir-se a verbos ditransitivos no PA, explica a alteração na grelha
argumental por força do contacto de línguas, escrevendo que “a reestruturação das grelhas argumentais
face à norma do português europeu é um fenómeno que afeta todas as variedades africanas do português.
As construções com dois argumentos internos (objeto direto e objeto indireto), em particular, parecem
mostrar que o português se aproximou das estruturas gramaticais das línguas com que est em contacto”.
Contudo, os resultados obtidos neste trabalho em relação a verbos de movimento de direção inerente e
à escolha de preposições não favorecem a explicação por transferência das gramáticas das Línguas
Bantu.
É certo que o Português em Angola, e em Cabinda em particular, vive em contacto com outras
línguas e, por isso, os falantes analisados estão em contacto com um português com um input
heterogéneo e pouco robusto. É significativa a não estabilidade dos resultados dos informantes
monolingues, que terão aprendido o português a partir das produções de falantes bilingues Pt-Bt com
características sintáticas e lexicais próprias do Português de Cabinda e já com desvios em relação à
norma padrão do Português.
Em face a estes resultados, no futuro iremos dar mais atenção à semântica lexical dos verbos de
movimento.
Bibliografia
67
Mingas, A. (2000). Interferência do Kimbundu no Português Falado em Lwanda. Luanda: Chá de
Caxinde.
Pessela, J. D. & Simbo, A. C. (2019). Tendencies of prepositional regency of verbs in Angolan
Portuguese (AP), texto apresentado durante a ACBLPE & SPCL 2019, 19th Annual Conference
of the Association of Portuguese and Spanish-lexified Creoles & Summer Conference of the
Society for Pidgin and Creole Linguistics, June 17-19, 2019, na Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa. (Não publicado).
Raposo, E.P. & Xavier, M.F. (2013). Preposição e sintagma preposicional. In Raposo, E.P. et al. (orgs).
Gramática do Português (Vol. II.1497-1568). Lisboa, FCG.
Simbo, A.C. (2019). Verbos de movimento no português de Cabinda e no Iwoyo: um contributo para a
sua descrição. In: II Encontro Internacional de Língua Portuguesa e Relações Lusófonas:
LUSOCONF 2019: Livro de Resumos. Bragança: Instituto Politécnico de Bragança. p 78.
Vieira, M.J.B. (2009). Variação das preposições em Verbos de Movimento. Signum: Est. Ling.
Londrina, v. 12, n. 1, 423-445.
Vilela, M. (1992). Gramática de valências: teoria e aplicação. Coimbra: Almedina.
68
Anexo
Carro garagem
Carro garagem
69
Didática do Português
70
O desafio da correção: grau de consecução ao escrever novamente o texto
71
Introdução
A interlíngua dos aprendentes de uma língua estrangeira LE , tomada como “transitional language
produced by second or foreign language learners” Granger, 2008, p. 259 , é caracterizada, em maior ou
menor grau, por realizações que não estão em conformidade com as regras e usos da língua em
aprendizagem, ou seja, por incorreções. No caso da produção de textos escritos pelo aprendente, a
evidenciação dessas incorreções no texto produzido e apresentação da formulação correta (feedback
corretivo direto) constitui uma estratégia frequentemente utilizada. Contudo, nas últimas décadas, esteve
em relevo a discussão acerca da eficácia dessa estratégia. Alguns estudos têm apontando benefícios da
prática de correção (Bruton, 2010; Ferris, 1999, 2004, 2006, 2010). No entanto, outros colocaram em
causa a sua eficácia (Mohebbi, 2021; Truscott, 1996, 2004, 2007, 2020; Truscott & Hsu, 2088). Os
trabalhos e posições de John Truscott, designadamente Truscott (1996, 2004, 2007), constituíram
marcas para desencadear e alimentar essa discussão, que ainda prossegue, como se confirma na
entrevista a J. Truscott realizada por H. Mohebbi publicada mais recentemente (Mohebbi, 2021) e pela
continuação da realização de estudos que continuam a incidir sobre a eficácia da correção (Valizadeh &
Soltanpour, 2021).
O que está em causa na discussão relativa à eficácia da correção é verificar se permite alcançar
resultados de aprendizagem que correspondam à apropriação linguística das estruturas e recursos
72
envolvidos, de modo que o aprendente os passe a utilizar corretamente em novos textos. Truscott (2007)
coloca em causa a eficácia dessa transposição, concluindo, em resultado da meta-análise realizada, que
“research has found correction to be a clear and dramatic failure” p. 271 . Truscott e Hsu (2008)
defendem que a eficácia da marcação e correção dos erros circunscreve-se, em grande medida, ao
processo de revisão do texto em causa, permitindo o seu melhoramento. Contudo, não alcançam o
objetivo mais ambicioso de transformar o conhecimento do aprendente, reconfigurando o sistema
correspondente à sua interlíngua, evitando que as incorreções em causa voltem a manifestar-se em novas
tarefas de escrita.
Em resposta às posições expressas por Truscott (1996, 2004, 2007), outros autores apresentaram
resultados de estudos que apontam a existência de efeitos positivos do feedback corretivo (Bitchner,
2008; Bruton, 2010; Ferris, 1999, 2004, 2006, 2010). A disponibilização de correção ao aprendente não
é um fator absoluto, mas combina-se com outros fatores, como a frequência da prática de escrita e
reativação das estruturas em causa para se alcançar a sua apropriação (Bitchner & Ferris, 2012).
A atenção e os estudos foram também dirigidos para o alcance e potencialidades de diferentes
tipos de feedback corretivo. O contraste entre o feedback corretivo direto e o feedback corretivo indireto
surgiu em foco. Os resultados dos estudos relativos a este contraste não têm sido convergentes. Alguns
estudos apontam para a maior eficácia do feedback corretivo direto (Almasi & Tabrisi, 2016), enquanto
outros encontram resultados superiores para o feedback corretivo indireto (Rahmawati, 2017) ou não
encontram diferenças entre as duas modalidades (Karim & Nassaji, 2020).
O contraste entre modalidades globais ou não focadas e modalidades focadas ou que incidem em
tipos de incorreções específicas, selecionados para aprofundamento da aprendizagem, foi também
explorado pela investigação (Ellis et al., 2008; Kassim & Ng, 2014; Rahimi, 2019). Os resultados dos
estudos também não são absolutos e convergentes: há estudos que apresentam resultados e níveis de
apropriação superiores para uma modalidade, enquanto outros não encontram diferenças.
Apesar dos contributos que advêm dos estudos no sentido de apontar potencialidades da correção
e das diferentes modalidades que pode apresentar, a questão da apropriação linguística permanece ainda
como um desafio e sem que a investigação tenha identificado uma via estratégica que a coloque ao
alcance de forma rápida e generalizada, em relação aos diferentes tipos de incorreções. O fundamento
para a dificuldade do desafio da apropriação linguística poderá encontrar-se na complexidade ou
sobrecarga cognitiva da tarefa de escrita (Kellog, 1996), pois, como expresso no início, ao escrever, o
autor do texto tem de dar resposta a operações em diferentes componentes.
No presente estudo, procurámos reduzir a sobrecarga ou complexidade na componente
ideacional ou de geração de conteúdo. Com essa finalidade, os participantes foram chamados a escrever
novamente o texto sobre um tema que conheciam bem (a sua própria biografia) sobre o qual já haviam
escrito pouco tempo antes um texto do mesmo género, o qual foi objeto de correção e apresentação de
feedback corretivo direto por parte do professor. A nova tarefa foi solicitada decorridos apenas alguns
dias sobre a escrita do texto inicial e da correção. As questões em foco consistem em saber se, nestas
circunstâncias, a escrita de um novo texto sobre o mesmo tema, retoma fundamentalmente o mesmo
conteúdo ideacional e as mesmas formulações linguísticas que foram objeto de correção e se as
formulações retomadas evidenciam apropriação da correção.
Metodologia
Contexto e participantes
O estudo que se apresenta foi desenvolvido com um grupo de doze aprendentes chineses de Português
Língua Estrangeira (PLE). Os participantes são estudantes universitários, que se encontravam a
frequentar um programa de estudo em Portugal, coincidente com o terceiro ano da sua licenciatura. O
programa de estudo inclui um curso com duração semestral focado no desenvolvimento das
competências de escrita em Português. Foi no contexto do curso em causa que foi conduzido o estudo
exploratório que se apresenta. O nível de proficiência linguística dos participantes tomado como
referência para a elaboração do curso e progressão da aprendizagem corresponde ao nível B2 do Quadro
Europeu Comum de Referência para as Línguas (Conselho da Europa, 2001; Council of Europe, 2018).
73
A abordagem didático-pedagógica adotada no curso privilegia as estratégias de base genológica,
ou seja, o ensino de géneros textuais específicos, tendo por base a leitura e análise ou desconstrução dos
recursos linguístico-textuais em textos do mesmo género, seguidas da escrita de novos textos do género
em causa pelos aprendentes. Os textos analisados funcionam como textos modelos (Barbeiro et al., no
prelo; Rose & Martin, 2012) ou textos mentores, na designação de Pereira e Cardoso (2013), ou seja,
textos que desempenham a função de guia quanto à estrutura própria do género e exemplificadores da
instanciação de recursos linguísticos associados a esse género de texto.
O género sobre que incidiu o estudo consistiu na autobiografia ou relato autobiográfico. O curso
decorreu no primeiro semestre, segundo o calendário letivo português, e a unidade didática dedicada a
este género textual teve lugar no final do semestre. A unidade didática decorreu ao longo de três
semanas, com uma duração de nove horas letivas, dedicadas à análise, produção e correção textuais.
Procedimentos
Após a fase de leitura e análise de textos do género autobiográfico, os participantes escreveram a sua
própria autobiografia. A tarefa de escrita foi realizada com papel e caneta e os participantes não puderam
recorrer a recursos auxiliares, quer em papel, quer digitais.
Os textos escritos foram objeto de correção por parte do professor. No âmbito da sua correção, o
professor forneceu feedback corretivo direto, ou seja, assinalou as incorreções e inscreveu no papel as
formas corretas correspondentes às incorreções e inadequações assinaladas. Nalguns casos,
complementou as correções com comentários e chamadas de atenção para a verificação e necessidade
de aprofundamento do estudo e domínio das estruturas em causa.
Na sequência da correção, o professor procedeu à entrega dos textos corrigidos. Os aprendentes
tiveram a oportunidade de verificar as correções realizadas. Seguiu-se uma sessão individualizada em
que o professor, para além de esclarecer dúvidas específicas, percorreu com o aprendente as incorreções
assinaladas e respetiva correção. Na interação com o professor, o aprendente era solicitado a explicitar
o que estava em causa em cada incorreção e respetiva correção.
A última fase consistiu na realização da tarefa de escrever de novo o texto. Esta produção escrita
foi integrada no teste de avaliação sumativa no final do curso, que teve lugar na semana seguinte à
verificação das correções realizadas pelo professor, ou seja, dentro de um limite temporal relativamente
próximo em relação a essa verificação. A integração na avaliação sumativa dava uma finalidade
complementar e assegurava o empenho dos participantes na tarefa de escrever novamente o texto, que
retomava o mesmo tema.
Corpus e análise
O corpus sobre que incidiu a análise é constituído por 24 textos, dois por cada um dos participantes. O
Texto 1 (T1) corresponde ao texto produzido na unidade didática e que foi objeto de correção pelo
professor; o Texto 2 (T2) corresponde à produção final, integrada no instrumento de avaliação sumativa.
A análise estabeleceu a comparação entre os textos inicialmente produzidos e os textos finais, em
relação a duas vertentes de indicadores: a ideacional e a linguística.
A vertente ideacional é relativa ao campo ou domínio da realidade representados. Nesta vertente,
consideraram-se na análise os indicadores correspondentes ao número de unidades ideacionais e
indicadores relativos à interseção ideacional entre os dois textos. Para analisar esta interseção,
consideraram-se como indicadores a retoma de unidades ideacionais e a retoma de processos entre o
primeiro e o segundo texto. Para a delimitação das unidades ideacionais, tomou-se a oração como a base
da representação linguística, em conformidade com o sistema de transitividade proposto pela Linguística
Sistémico-Funcional (Halliday, 2014). A representação linguística configura gramaticalmente a
experiência por meio da oração, a qual se organiza em torno de um processo realizado gramaticalmente
por meio de um verbo, acompanhado pela indicação dos participantes envolvidos nesse processo e das
circunstâncias a que surge associado (Barbeiro, 2022; Halliday, 2014).
A análise na vertente linguística incidiu sobre as incorreções, considerando-se as incorreções em
cada texto e a interseção corretiva. Para além dos valores absolutos globais, as incorreções são
perspetivadas em função da extensão do texto e das subcategorias correspondentes aos domínios por
74
que se repartem. A interseção corretiva procura apreender o grau de apropriação linguística que pode
ser estabelecida por comparação entre as incorreções presentes nos dois textos, considerando o
movimento de correção, do primeiro para o segundo, a manutenção de incorreções e o aparecimento de
novas incorreções ─ para além da situação de adoção de uma formulação diferente em que a interseção
ou paralelismo na vertente corretiva deixa de se observar.
Os domínios considerados foram o da Gramática ou regras da língua nas dimensões de morfologia
e sintaxe, até ao nível da frase, o do Discurso, incluindo as escolhas lexicais e a construção da coesão e
coerência superiores à frase (Martin & Rose, 2007; Rose & Martin, 2012), e o da Representação Gráfica,
contemplando a ortografia e o respeito pelas regras de pontuação (não tendo sido considerada neste
estudo as dimensões relativas à caligrafia e à apresentação visual).
Resultados
Vertente ideacional
O Gráfico 1 apresenta os valores correspondentes ao número de unidades ideacionais em cada um dos
textos (T1 e T2). Os valores apresentados são bastante próximos, com uma ligeira superioridade para o
primeiro texto. Complementarmente, pode indicar-se que a extensão textual medida pelo número de
palavras é também aproximada, encontrando-se igualmente uma ligeira superioridade para T1, que pode
dever-se ao facto de o T2 ter sido escrito em situação de teste de avaliação (T1: 3552 palavras, no total,
média de 296; T2: 3252 palavras, média de 271).
A vertente de interseção ideacional está em foco no Gráfico 2. Este toma como referência o
conjunto das unidades ideacionais (1268) e apresenta os valores respeitantes às unidades ideacionais
que estão presentes nos dois textos, ou seja, que são retomadas de T1 para T2 (386, correspondentes a
30%), e os valores de unidades ideacionais que são diferentes, ou seja, que só aparecem num dos textos
(882, correspondentes a 70%). Os valores em causa mostram que, apesar de o campo ser grosso modo
o mesmo, uma proporção elevada das unidades ideacionais selecionadas em cada um dos momentos
para a construção do texto é diferente.
75
Retomadas
386 (30%)
Diferentes
882 (70%)
Processos N.º %
Retomados 292 23
Diferentes 976 77
Fonte: Elaboração própria
Vertente linguística
Os indicadores da vertente relativa à língua focam-se no desafio para a apropriação linguística a partir
das incorreções do primeiro texto por relação com o segundo. No Gráfico 3, são apresentadas as
incorreções encontradas em T1 e T2.
400
359 353
300
200
100
0
T1 T2
Gráfico 3: Número de incorreções (total) em T1 e T2
Fonte: Elaboração própria
76
praticamente equivalente: 0,12 para o conjunto dos textos T1 e o mesmo valor para o conjunto dos textos
T2).
A distribuição das incorreções pelos domínios não apresenta diferenças acentuadas entre os dois
textos. Os domínios relativos ao Discurso e à Gramática destacam-se, situando-se, nos dois casos, acima
de 40%. O domínio da Representação Gráfica, designadamente a Ortografia, situa-se num nível inferior,
acima de 10%.
77
Nota: G, Gramática; R, Representação Gráfica; D, Discurso.
Figura 2: Movimento corretivo, por referência a T2: manutenção de incorreções, passagem de correção a
incorreção e formulação diferente
Fonte: Elaboração própria
Conclusões
O estudo apresentado teve como objetivo observar se, ao escreverem novamente um texto sobre o
mesmo tema, neste caso um relato autobiográfico, na sequência de uma sequência didática em que o
professor procedeu a correções num primeiro texto, os aprendentes de PLE retomavam os mesmos
conteúdos e revelavam a apropriação das estruturas e recursos linguísticos assinalados na correção.
Os resultados do estudo revelaram primordialmente que ao escrever novamente o texto, ainda que
retomando o tópico e, consequentemente, o campo, os aprendentes ativam, em grande medida, novas
unidades na vertente da representação ideacional, ou seja, ativam e selecionam novos processos e
elementos integrados nesse campo. Tal facto origina que, na vertente linguística, apenas uma proporção
reduzida de formulações e recursos seja retomada. Por conseguinte, mesmo escrevendo o texto sobre o
mesmo tema, os sujeitos encontram-se em grande medida perante novos desafios de formulação
linguística, a acompanhar a reativação da vertente ideacional, segundo elementos e relações que não se
limitam a retomar os que foram ativados num texto anterior sobre o tema, ainda que não tenha decorrido
um período alargado de tempo.
Esta conclusão realça que o processo de escrita continua dotado de complexidade, quando se tem
de escrever um texto sobre um tema já anteriormente tratado. Cada texto é único na combinação de
conteúdo e de formulação linguística. A escrita renova a sua complexidade, nas componentes ideacional
e linguística, a cada nova tarefa. A retoma de conteúdo e de recursos linguísticos não se encontra afastada
e pode favorecer a apropriação linguística desses recursos, mas também pode acontecer que na
complexidade da tarefa formulações anteriormente escritas de forma correta surjam como incorreções
no novo texto, mostrando que na interlíngua do aprendente as estruturas em causa ainda não se
encontram absolutamente consolidadas.
Os resultados e a conclusão para que apontam parecem ir ao encontro da posição de Truscott
(1996, 2004, 2007, 2020) em relação à (in)eficácia da correção. Mesmo considerando a natureza
exploratória do estudo e limitações como o número reduzido de participantes, de géneros envolvidos,
de textos produzidos e de estratégias de feedback corretivo, a permanência de incorreções nos novos
textos, segundo níveis similares ao que acontecia nos textos anteriores, e a manutenção de incorreções
anteriormente assinaladas mostram que a correção não é a chave milagrosa que, por si, e após uma
concretização, assegure o domínio das estruturas assinaladas. Ainda que a correção possa ter um papel
na apropriação das estruturas e recursos linguísticos, a complexidade do processo de escrita limita essa
eficácia e restringe a esperança de uma apropriação fundamentalmente cumulativa, com base apenas na
correção, de tarefa para tarefa de escrita, de texto para texto.
Em face dessas limitações, a questão que fundamentalmente se coloca é a de quais as vias que
podem potenciar a apropriação linguística. Considerando a renovação de elementos e relações na
vertente ideacional, as estratégias a adotar devem favorecer uma apropriação que possa ser transversal.
J. Truscott em Mohebbi (2021) aponta nesse sentido, ao antever potencialidades associadas à
consideração da tipologia de erros e à focalização da atenção em passagens específicas. Em estudos
78
anteriores, a estratégia de reescrita focada (Barbeiro, 2021a, 2021b) revelou potencialidades para a
ativação do conhecimento e procura de soluções por parte dos aprendentes, contudo, o sucesso da
correção pelo próprio aprendente com base nesta estratégia não é total e faltam estudos que analisem a
consolidação da apropriação linguística ao longo do tempo e sua transposição para a produção de outros
textos.
Em suma, o estudo apresentado confirma e encontra justificação para limitações da correção
quanto à finalidade da apropriação linguística, do que resulta, fundamentalmente, a necessidade de se
continuar a procurar e investigar estratégias que favoreçam essa apropriação e consequente
desenvolvimento da interlíngua dos aprendentes na componente escrita.
Referências
Almasi, E., & Tabrisi, A. R. N. (2016). The effects of direct vs. indirect corrective feedback on Iranian
E L learners’ writing accuracy, Journal of Applied Linguistics and Language Research, 3(1),
74-85.
Barbeiro, L. F. (1999). Os alunos e a expressão escrita: Consciência metalinguística e expressão escrita.
Fundação Calouste Gulbenkian.
Barbeiro, L. F. (2021a). Reescrita focada: Superação de incorreções por aprendentes chineses de PLE
a partir de correção indireta. Rotas a Oriente: Revista de Estudos Sino-Portugueses, 1(1), 229-
248 https://doi.org/10.34624/ro.v0i1.26214
Barbeiro, L. F. (2021b). Estratégia de reescrita focada: Da correção à transformação do conhecimento
na aprendizagem de Português Língua Estrangeira (PLE). In J. A. Castellanos-Pazos, J. Neto,
A. P. Huback (Org.), Anais do I Congresso de Português como Língua Estrangeira na Columbia
University (pp. 109-125). Columbia University. https://www.lrc.columbia.edu/portuguese/
Barbeiro, L. F. (2022). Os processos na atividade de escrita: Estudo com base na escrita colaborativa.
Acta Scientiarum. Language and Culture, 44, e57804.
https://doi.org/10.4025/actascilangcult.v44i1.57804
Barbeiro, L. F., Caels, F., & Silva, P. N., (no prelo). Géneros escolares e aprendizagens. In P. N Silva,
L. F. Barbeiro, F. Caels, C. A. M. Gouveia, J. V. Santos, C. Marques, & C. Barbeiro, Teorías
discursivas em diálogo: Perspetivas e análises. Ed. Grácio.
Bitchener, J. (2008). Evidence in support of written corrective feedback. Journal of Second Language
Writing 17(2), 102–118. https://doi.org/10.1016/j.jslw.2007.11.004
Bitchener, J., & Ferris, D. R. (2012). Written corrective feedback in second language acquisition and
writing. Routledge.
Bruton, A. (2009). Improving accuracy is not the only reason for writing, and even if it were ... System,
37(4), 600–613. https://doi.org/10.1016/j.system.2009.09.005
Conselho da Europa (2001). Quadro europeu comum de referência para as línguas: Aprendizagem,
ensino, avaliação. Asa.
Council of Europe (2018). Common European framework of reference for languages: Learning,
teaching, assessment ̶ Companion volume with new descriptors. Council of Europe.
www.coe.int/lang.
Ellis, R., Sheen, Y., Murakami, M., & Takashima, H. (2008). The effects of focused and unfocused
written corrective feedback in an English as a foreign language context. System, 36, 353–371.
Ferris, D. R. (1999). The case for grammar correction in L2 writing classes, a response to Truscott
(1996). Journal of Second Language Writing, 8(1), 1–11. https://doi.org/10.1016/S1060-
3743(99)80110-6
Ferris, D. . 2004 . The “grammar correction” debate in L2 writing: Where are we, and where do we
go from here? (and what do we do in the meantime ...?). Journal of Response to Writing, 13(1),
49–62. https://doi.org/10.1016/j.jslw.2004.04.005
79
Ferris, D. R. (2006). Does error feedback help student writers? New evidence on the short- and long-
term effects of written error correction. In K. Hyland & F. Hyland (Eds.), Feedback in second
language writing: Contexts and issues (pp. 81–104). Cambridge University Press.
Ferris, D. R. (2010). Second language writing research and written corrective feedback in SLA:
Intersections and practical applications. Studies in Second Language Acquisition, 32(02), 181–
201. https://doi.org/10.1017/S0272263109990490
Granger S. (2008). Learner corpora. In A. Lüdeling, & M. Kytö (Eds.). Corpus linguistics. An
international handbook (Vol. 1, pp. 259-275), Walter de Gruyter.
Halliday, M. A. K. (2014). Halliday's introduction to functional grammar (4th ed., rev.). Routledge.
Karim, K., & Nassaji, H. (2020). The revision and transfer effects of direct and indirect comprehensive
corrective feedback on ESL students’ writing. Language Teaching esearch, 24 4 , 519-539.
Kassim, A., & Ng, L. L. (2014). Investigating the efficacy of focused and unfocused corrective feedback
on the accurate use of prepositions in written work. English Language Teaching, 7(2), 119–130.
https://doi.org/10.5539/elt.v7n2p119
Kellogg, R. T. (1988). Attentional overload and writing performance: Effects of rough draft and outline
strategies. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory, and Cognition, 14(2), 355–
365. https://doi.org/10.1037/0278-7393.14.2.355
Kellogg, R. T. (1996). A model of working memory in writing. In C. M. Levy & S. Ransdell (Eds.), The
science of writing: Theories, methods, individual differences and applications (pp. 57–71).
Lawrence Erlbaum Associates.
Martin, J. R., & Rose, D. (2007). Working with discourse. Continuum.
Mohebbi, H. (2021). 25 years on, the written error correction debate continues: An interview with John
Truscott. Asian-Pacific Journal of Second and Foreign Language Education, 6(3).
https://doi.org/10.1186/s40862-021-00110-9
Pereira, L. Á., & Cardoso, I. (2013). A sequência de ensino como dispositivo didático para a
aprendizagem da escrita num contexto de formação de professores. In L. Á. Pereira & I. Cardoso
(Coord.). Reflexão sobre a escrita: O ensino de diferentes géneros de textos (pp. 33-65). UA Ed.
Rahimi, M. (2019). A comparative study of the impact of focused vs. comprehensive corrective feedback
and revision on ESL learners’ writing accuracy and quality. Language Teaching esearch, 1-
24. https://doi.org/10.1177/1362168819879182
Rahmawati, S. M. (2017). Direct and indirect corrective feedback on EFL students writing skill: A case
study in a junior high school in Bandung. Journal of English and Education, 5(1), 64-77.
Rose, D., & Martin, J.R. (2012). Learning to write, reading to learn: Genre, knowledge and pedagogy
in the Sydney School. Equinox.
Truscott, J. (1996). The case against grammar correction in L2 writing classes. Language Learning,
46(2), 327–369. https://doi.org/10.1111/j.1467-1770.1996.tb01238.x
Truscott, J. (2004). Evidence and conjecture on the effects of correction: A response to Chandler. Journal
of Second Language Writing, 13(4), 337–343. https://doi.org/10.1016/j.jslw.2004.05.002
Truscott, J. 2007 . The effect of error correction on learners’ ability to write accurately. Journal of
Second Language Writing, 16(4), 255–272. https://doi.org/10.1016/j.jslw.2007.06.003
Truscott, J. (2020). The Efficacy of written corrective feedback: A critique of a meta-analysis.
https://www.researchgate.net/publication/341453398_The_Efficacy_of_Written_Corrective_F
eedback_A_Critique_of_a_Meta-analysis
Truscott, J., & Hsu, A. Y. (2008). Error correction, revision, and learning. Journal of Second Language
Writing, 17(4), 292–305. https://doi.org/10.1016/j.jslw.2008.05.003
Valizadeh, V., & Soltanpour, F. (2021). Focused direct corrective feedback: Effects on the elementary
English learners’ written syntactic complexity. Eurasian Journal of Applied Linguistics, 7(1),
132–150.
80
A navegação em materiais didáticos digitais de português língua não
materna: considerações feitas a partir do livro “Samba!”.
Nathalia Mazzini1[0000-0002-5423-0018]
[email protected];
1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ, Brasil.
Resumo. Os recursos multimídias e os suportes eletrônicos estão cada vez mais presentes
no contexto de ensino e aprendizagem de português língua não materna. Recentemente,
alguns livros didáticos do Brasil têm ganhado uma versão digital, comercializada em
plataformas como Kindle e Google Livros. m destes livros, intitulado “Samba! urso de
língua portuguesa para estrangeiros”, conta com uma seção direcionada para a busca de
informações por meio de ferramentas digitais. Tendo em vista tal fato, este trabalho trata
de conceitos como leitura e navegação digital com o objetivo de responder a questões
relacionadas à proposta did tica do livro, especificamente à seção “Vamos buscar!”. Busca-
se identificar indícios sobre como o livro (1) desenvolve habilidades de navegação, (2)
facilita a leitura bem-sucedida das informações, (3) favorece a leitura crítica de fontes e
conteúdos digitais, (4) estimula a autonomia do aprendiz no suporte digital. Verificou-se
que as atividades desenvolvem habilidades de navegação como: monitoração, conexão
entre o texto, o leitor e o mundo, comparação, localização, identificação de ideias mais
importantes, mas por outro lado não parece promover habilidades de leitura mais
complexas.
Palavras-Chave: português língua não materna, livros didáticos, material didático, novas
tecnologias, navegação digital.
Abstract. Multimedia resources and electronic support are increasingly part of the context
of the teaching and the learning of Portuguese as a nonnative language. Recently some of
the didactic textbooks published in Brazil have also digital versions that are sold on
platforms such as Kindle and Google Books. “Samba! A ourse of ortuguese for
oreigners” is one of these books whose organization counts on a section dedicated to the
search of information through digital tools. Considering this scenery, this article studies the
concepts of reading and digital navigation with the aim of thinking about issues related to
the textbook’s proposed didactics, specifically the one related to the section “Vamos
buscar!”. It is intended to identify some indication on how the textbook 1 develops the
browsing skill, (2) makes the well-succeed reading of information easier, (3) favor the
critical reading of digital sources and contents, 4 stimulates learner’s autonomy in the use
of digital supports. To conclude, it may be said that the proposed activities develop
browsing skills such as monitoring, connection between text, reader and the world,
comparison, localization, and relevant ideas identification. Nevertheless the section doesn’t
seem to promote more complex reading skills.
81
Introdução
Os livros, geralmente, compostos por capa, miolo, lombada, folha de guarda, quarta capa; organizados
por sumário e capítulos; contando com ficha catalográfica e muitos outros elementos fazem parte do
nosso imaginário popular. Um leitor mais experiente sabe utilizar seus mecanismos para navegar,
explorando sua disposição de forma inteligente em busca de informações relevantes. Ter conhecimento
de sua organização pode ajudar o leitor a identificar pontos centrais que o levem a decidir se é de seu
interesse realizar a leitura integral do documento.
Hoje em dia, com o avanço dos recursos tecnológicos, muito se fala de livro digital e leitura em
tela (do laptop, do celular, do kindle) e de como a mudança de suporte altera a relação do indivíduo com
o livro. Na leitura em tela, em vez de virar as páginas, o leitor clica no canto direito ou desliza o dedo
indicador da direita para a esquerda. No lugar de buscar uma palavra por meio da passagem das folhas,
o leitor vai utilizar uma ferramenta de busca que pode indicar quantas vezes e em que lugares um termo
aparece. Estas são apenas algumas possibilidades de um grande número de mudanças que a troca de
suportes pode proporcionar. Não por acaso, pesquisadores, como Chartier, têm se ocupado de investigar
como tais modificações podem alterar a forma como as pessoas leem.
A inscrição do texto na tela cria uma distribuição, uma organização, uma estruturação
do texto que não é de modo algum a mesma com a qual se defrontava o leitor do livro
em rolo da Antiguidade ou o leitor medieval, moderno e contemporâneo do livro
manuscrito ou impresso. . .esses traços indicam que a revolução do livro eletrônico é
uma revolução nas estruturas do suporte material do escrito assim como nas maneiras
de ler. (Chartier, 1999, p.12)
Os livros didáticos parecem seguir tal tendência, migrando para os suportes eletrônicos, ainda que
de forma modesta. Recentemente, algumas editoras começaram a investir no formato digital de livros
didáticos de português língua não materna no Brasil. Este movimento pode ter sido impulsionado pelas
restrições sanitárias vividas desde o início da pandemia da Covid-19, pois muitos professores de
português língua não materna (PLNM) foram obrigados a adequar suas aulas ao formato remoto. Com
isso, passou a ser essencial que o livro estivesse em formato digital, podendo ter sua imagem projetada
em aula para facilitar a interação com os alunos.
Observa-se que a representação tradicional dos livros didáticos de língua estrangeira é de um
modelo físico, normalmente em tamanho A4, contendo imagens coloridas e material extra multimídia
como CD de áudio ou CD-ROM. As tecnologias multimídias foram sendo incorporadas continuamente
de forma paralela aos avanços tecnológicos, geralmente como material agregado ao livro. Esta
introdução prometia tornar a aprendizagem mais interativa e mais divertida, possibilitando a ampliação
das atividades didáticas para os formatos de áudio e vídeo.
Com as mudanças periódicas de formatos e suportes das mídias, muitas destas tornaram-se
obsoletas. Por outro lado, o computador e a internet surgiram para favorecer a ampliação e o acesso a
estas mídias, sendo o livro didático o único que apresenta alguma resistência, pois ainda existe fora das
telas. Isto porque, além da maior parte dos livros didáticos de PLNM ainda não estarem disponíveis
eletronicamente, os materiais disponíveis parecem funcionar como uma transposição do físico para o
digital, utilizando pouco as potencialidades do suporte digital. Ainda assim, por meio do computador, é
possível unir e conservar o texto, a imagem, o vídeo e o som no mesmo lugar.
Além da função didática, deve-se levar em conta como as mídias e textos digitais têm participado
da composição destes livros. Encontram-se, com frequência, nos livros didáticos, diversos gêneros
típicos do meio digital representados a partir de seus layouts e designs. Gêneros como e-mails,
comentários em redes sociais, avaliações de compras, sites etc. são apresentados não só por meio do
conteúdo escrito, como também por elementos visuais, tipografia, tamanho e cor que buscam imitar a
estética do documento original em seu contexto social de uso. Todos esses elementos compõem os textos
e ajudam na identificação, muitas vezes instantânea, do gênero.
Pode-se dizer que o design interfere diretamente na experiência de navegação no material. No
caso dos livros didáticos, os gêneros textuais são uma simulação, não são autênticos e/ou não estão no
seu contexto original e, muitas vezes, nem no seu suporte, por isso o layout e o design são fundamentais
para posicioná-los dentro de um cenário que permita que o aprendiz os identifique com facilidade.
82
Em relação ao conceito de navegação, muitos autores dão destaque a suas características
particulares. Segundo oscarelli 2016, p.64 , h a “necessidade de observarmos a navegação e a leitura
como duas ações diferentes, que envolvem habilidades e estratégias diferentes”. ibeiro 2021
compartilha deste pensamento e complementa, afirmando que nem sempre bons leitores são bons
navegantes e vice-versa.
O tema da navegação digital também pode ser encontrado em livros didáticos de PLNM, por meio
de atividades que buscam desenvolver esta habilidade. O livro “Samba! urso de português para
estrangeiros”, obra did tica que ser corpus desta análise, possui uma seção específica destinada a
trabalhar “habilidades de busca eletrônica”, por meio de enunciados que conduzem o aprendiz a utilizar-
se de ferramentas eletrônicas para encontrar informações e responder questões.
Assim, com base na análise da seção de busca, presente no livro didático citado, pretende-se,
neste trabalho, tecer considerações com base em algumas questões relativas a leitura em suporte digital,
e a realização de tarefas que envolve a busca eletrônica, ferramenta característica da navegação digital.
A partir da an lise da seção “Vamos buscar” do livro did tico “Samba! urso de língua
portuguesa para estrangeiros”, busca-se identificar indícios sobre como o livro (1) desenvolve
habilidades de navegação, (2) facilita a leitura bem-sucedida das informações, (3) favorece a leitura
crítica de fontes e conteúdos digitais e (4) estimula a autonomia do aprendiz no suporte digital.
Leitura é um termo amplo e complexo e para defini-lo é preciso priorizar um enfoque, tendo em vista o
nível de generalidade que se busca obter. Além disso, é necessário optar por uma perspectiva (cognitiva,
social, hist rica etc. . Diante de um texto, “os leitores precisam desenvolver habilidades básicas para
poder reconhecer letras e sons, mesclar sons construindo sílabas e palavras, compreender o significado
das palavras na formação de sentenças e parágrafos e compreender o significado de textos de todo tipo
e gênero.” Zacharias, 2016, p.18
Contudo é necessário mais do que decodificar as palavras para ler de forma eficiente, é preciso
Leitura é um conceito extenso que além de acionar todos estes conhecimentos e habilidades, pode
se expandir para o campo da semiótica, quando se trata da leitura de imagens ou situações, por exemplo.
Por outro lado, a navegação tem características mais particulares, pois se ocupa do percurso entre o
primeiro contato do leitor com o suporte e a leitura mais aprofundada de um texto. Isto é, quando o leitor
entra em contato com um jornal, por exemplo, será necessário escanear a página principal, localizar as
manchetes, encontrar a página da matéria completa, manipular as páginas e, finalmente, encontrar e ler
a notícia. (Ribeiro, 2009)
No caso do jornal em suporte digital será preciso escanear a página inicial, encontrar uma
chamada e link, clicar, encontrar e ler a notícia. (Ribeiro, 2009; Azevedo, 2013) Esta, então, seria uma
fase anterior a compreensão de um conteúdo, uma fase de percorrer o suporte em busca da informação.
Desta forma, navegar e ler são ações que se retroalimentam e que são realizadas concomitantemente,
pois, “enquanto escaneamos, manipulamos, clicamos, estamos também decodificando palavras e
expressões, inferindo sentidos, buscando a compreensão de um leiaute ou lendo imagens. . . ” Azevedo,
2013, p.38)
Para autores como Coscarelli, Ribeiro e Novais (2016) o termo navegação não é algo exclusivo
da era digital. Os livros oferecem várias ferramentas para auxiliar a percorrer as páginas, já um jornal
impresso “se organiza em cadernos, padronizados pelo design dos títulos (cores, tamanho e tipo de fonte,
83
diagramação, entre outros , assim como um livro did tico também o faz.” Novais, 2016, p. 84 Deste
modo, uma vez que é possível navegar pelo impresso, entende-se que todo texto e toda leitura são
hipertextuais. Como o conceito de hipertextualidade foca na leitura não-linear, recursos como nota de
rodapé, índices, paratextos, imagens, citações, referências bibliográficas são exemplos de como a
hipertextualidade se apresenta nos materiais impressos.
Vannevar Bush e Theodore Nelson são citados como dois autores fundamentais para a criação
do conceito de hipertextualidade. A palavra “teria sido cunhada para batizar um sistema em que as
informações se ligassem por meio de links navegáveis. Dessa maneira, o leitor/usuário poderia acessar
partes do sistema em qualquer ordem, ou melhor, em uma ordem que refletisse organização mais
“pessoal” do que em outros ambientes.” ibeiro, 2009, p.45
ibeiro 2009, p.46 amplia a discussão ao afirmar que pensar no hipertexto como um “sistema
baseado em texto no/do qual se pode entrar ou sair quando e onde se desejar é, no entanto, desconsiderar
certa continuidade e certa organização que dependem, sim, do leitor, mas sempre também estiveram
indiciadas pela formulação ou pela construção do texto.”
Sendo assim, mesmo que a hipertextualidade permita ao leitor uma maior liberdade ao consumir
as informações, é preciso ter em mente que há limitações relacionadas à própria natureza textual, já que
esta demanda alguma linearidade e hierarquização como processos intrínsecos à leitura.
Outra definição esclarecedora para entender o conceito de hipertextualidade é a de Lévy:
Ressalta-se o fato ainda que uma navegação bem-sucedida não garante a compreensão dos textos
encontrados. Além de buscar informação, o leitor precisa “investir energia na compreensão e integração
das informações selecionadas, criando uma representação coerente dos textos para cumprir seus
objetivos de leitura.” oscarelli, 2016, p.77 .
Na navegação, uma parte do processo é direcionado para a localização de informações e outra
parte requer compreender essa informação mais profundamente, por meio de análise, crítica e síntese do
84
texto. Sendo assim, a navegação efetiva “requer que os usu rios saibam onde estão, onde precisam ir,
como chegar l e quando ele chegaram.” Lawless e Schrader, 2008 como citado em oscarelli, 2016,
p. 65). É preciso também que o leitor esteja atento a testar a confiabilidade, credibilidade e veracidade
de um dado, além de perceber discursos ideológicos em que os textos se fundamentam.
Coscarelli (2016, p. 75) afirma que navegar requer o uso de estratégias similares à leitura como
(a) monitorar, ou seja, estar atento para os erros e aplicar estratégias para consertar ou revisar
interpretações; (b) estabelecer conexões: entre o texto e o leitor, o texto e outras partes do texto ou com
outros textos e do texto com o mundo. (c) identificar as ideias mais relevantes do texto para um
determinado objetivo de leitura; (d) fazer perguntas: levantar perguntas, antes, durante e depois da leitura
e buscar respostas. (e) analisar/criticar: usar os traços do texto para refletir sobre elementos que se
destacam no texto e os motivos. (f) visualizar: usar a imaginação e os sentidos para ver, sentir o cheiro,
o gosto ou alguma emoção pelo texto. (g) inferir: usar elementos do texto e o conhecimento prévio para
produzir informações não explícitas, mas que precisam ser inferidas pelo leitor. (h) resumir: integrar e
articular as ideias principais e os detalhes que complementam essa ideia, formando uma representação
sucinta do texto. (i) sintetizar: reconhecer a ideia principal do texto e incluir reflexões e interpretações
próprias do leitor.
Portanto, verifica-se que apesar da navegação ser uma forma de leitura, é preciso se atentar para
suas características particulares de forma a propor atividades didáticas que promovam seu
desenvolvimento e ambientação, uma vez que cada vez mais será necessário que os indivíduos utilizem
de forma articulada e bem-sucedida as ferramentas de navegação digital. Assim como Coscarelli (2009,
p.552 afirma, é preciso compreender que a navegação não deve ser entendida “como uma substituição
das habilidades que o leitor precisa ter para lidar com um texto impresso, por outras que serão exclusivas
do meio digital, mas uma ampliação daquelas”.
Procedimentos metodológicos
Tendo em vista os conceitos discutidos sobre leitura e navegação digital, busca-se neste trabalho analisar
uma seção específica contida no livro “Samba! urso de língua portuguesa para estrangeiros” com o
objetivo de refletir sobre as questões apresentadas anteriormente referentes a leitura e a navegação
digital. Serão apresentados alguns aspectos relativos a abordagem e estrutura do livro, depois serão
sistematizadas informações como enunciado das questões e descrição do seu design. Em uma etapa
posterior, serão analisados alguns aspectos relativos as estruturas de leitura necessárias para a realização
da tarefa.
Em relação a abordagem do material did tico analisado, o livro apresenta uma “proposta acional
que considera a língua um meio para realizar tarefas em contextos reais”. Além disso, reconhece a língua
e a aproximação intercultural como elementos indissociáveis para desenvolver o saber fazer, saber falar
e o saber ser no contexto brasileiro. (Ferraz, 2020, apresentação).
Com a finalidade de estabelecer os níveis trabalhados em cada um de seus livros, baseia-se na
progressão didática proposta no Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas (QECR) com
classificação: A1, A2, B1, B2, C1 E C2. O livro 1 possui 10 unidades, iniciando na unidade 0 e
terminando na unidade 9. Estas unidades juntas abarcariam os níveis A1 e A2. Este trabalho foca em
analisar todo o primeiro livro, relativo a estes dois níveis iniciais.
Na obra didática, há 15 seções que buscam desenvolver diversas competências e habilidades e,
também, indicar materiais extras, apresentar curiosidades e comentar sobre aspectos culturais do Brasil
e de países lusófonos. Muitos dos nomes das seções se iniciam com a palavra “vamos” vamos escutar,
vamos escrever, vamos falar etc.) se relacionando a proposta acional do livro. Além disso, os títulos
vêm acompanhados de ícones que permitem uma identificação instantânea e expressam a natureza da
atividade. Algumas seções trabalham mais de uma competência e, por isso, os ícones são colocados um
ao lado do outro e, com isso, supõe-se o desenvolvimento de habilidades em conjunto.
Neste trabalho, ser dado enfoque a seção intitulada “Vamos buscar”, sinalizada por meio de um
ícone de lupa e dedicada a propor atividades nas quais “o estudante utiliza ferramentas digitais de busca
na internet para adquirir informações relativas a algum conteúdo” erraz, apresentação, 2020 .
Alguns dos aspectos que justificam a escolha do livro são: (1) estar disponível para compra em
formato digital (Kindle e Google Livros); (2) possuir uma seção específica que busca trabalhar a
85
competência de busca e navegação; (3) ser um livro bastante usado no Brasil em cursos livres e em aulas
particulares de PLNM; (4) ser um livro recente (publicado em 2020).
Análise e corpus
Com o objetivo de facilitar a análise do material, criou-se uma tabela com algumas informações
ordenadas para fins de orientação, são estas: nome e número da unidade, enunciado com a proposta de
tarefa em cada unidade e a descrição do design no qual a tarefa está inserida.
86
brasileiro consome mais cerveja ou cachaça? 7. O
que é “café colonial”? Onde ele é mais tradicional?
8. Quantos sushis são produzidos por dia em São
Paulo? 9. Qual é o estado brasileiro em que mais se
consome pizza? Por quê?
Em grupo e com ajuda das suas ferramentas digitais, São apresentados os nomes das ervas
Unidade 7 descubra as propriedades medicinais das plantas e suas imagens abaixo. Depois são
Saúde em dia abaixo. Descubra também quais ervas os brasileiros colocadas linhas de um a cinco para
costumam usar contra a gripe e o resfriado. preencher com as informações.
O Brasil tem uma área de 8,5 milhões de km² e está
localizado entre os trópicos de Câncer e de
Capricórnio. Tem grandes áreas de clima tropical, Do lado da proposta há a imagem do
Unidade 8
mas o clima do Brasil não é uniforme. Agora que mapa do Brasil dividido em seis
Com que
você já conhece um pouco sobre as estações do ano cores, representado os diferentes
roupa?
e as variações climáticas, busque com auxílio das climas do país.
ferramentas digitais quais são os climas do Brasil,
suas características e temperaturas médias.
Com ajuda de suas ferramentas digitais busque as
Unidade 9 informações abaixo.
A tarefa é proposta sem auxílio de
Responsabilize- 1.Quantas espécies animais existem na floresta. 2.
um design específico.
se Quantas pessoas vivem na Amazônia brasileira. 3.
Cite o nome de três produtos extraídos da floresta.
Fonte: Elaboração própria.
É possível verificar que os ícones da seção “Vamos buscar” aparecem em todas as unidades, uma
vez por unidade. Apenas na unidade 2, o ícone aparece duas vezes. Os enunciados, frequentemente,
orientam os alunos na realização das tarefas da seção por meio de verbos no imperativo como: “busque”,
“descubra”, “procure”, “pesquise” e “encontre”. Nota-se, também, que, em alguns enunciados, sugere-
se que a tarefa seja realizada em duplas ou grupos. Os enunciados das tarefas solicitam, principalmente,
que o aprendiz encontre curiosidades e informações curtas sobre assuntos diversos relacionados aos
temas desenvolvidos nas unidades, mas não necessariamente ao tema central da unidade.
Nas primeiras unidades, o aprendiz é convidado a pesquisar e localizar informações pontuais
como datas (feriados nacionais ou datas de nascimento de personalidades), locais, número de habitantes
de uma região, informações que podem ser facilmente encontradas em sites como enciclopédias livres
(por ex. Wikipédia) que possuem padrão internacional. No caso de datas nacionais e dados habitacionais
é possível encontrar facilmente tal informação na língua materna do aluno e muitas são informações que
possuem um resposta mais precisa, por isso é provável que não haja muita divergência entre os
resultados encontrados pelos alunos.
O quadro abaixo tem o objetivo de sistematizar as estratégias ativadas durante a realização das
tarefas.
87
Compreender do que se trata os problemas listados; relacionar os problemas a profissionais que
4 trabalham para resolvê-los; utilizar o vocabulário aprendido para redigir palavras-chave de
busca.
Combinar termos presentes para redigir palavras-chave de busca; localizar informação
5
solicitada; comparar resultados com os dos outros alunos;
Reproduzir em sites de busca as perguntas propostas; encontrar informações solicitadas;
6
comparar resultados com os dos outros alunos;
Combinar termos presentes para redigir palavras-chave de busca; selecionar informações mais
7
relevantes no texto; comparar os resultados com os de outros alunos;
Combinar termos presentes para redigir palavras-chave de busca; selecionar e resumir as
8 informações mais relevantes no texto; consultar imagens ou visualizar mentalmente; usar o
conhecimento de mundo para estabelecer conexões entre os climas do Brasil e do mundo;
9 Reproduzir em sites de busca as perguntas propostas; encontrar informação solicitada.
A partir da tabela é possível observar que dentre as várias estratégias de leitura presentes, a criação
de palavras-chave e a localização de informações são as mais frequentes. O estudante normalmente
redige essas palavras por meio de seleção e recombinação de termos apresentados ou ainda por meio da
reprodução integral das perguntas propostas.
No caso da atividade presente na unidade 0 do livro, é necessário que o aprendiz defina, em sua
busca, o país a que corresponde a data para evitar encontrar datas divergentes. Com auxílio de seu
conhecimento de mundo, os estudantes podem traçar paralelos sobre diferenças. Além de trabalhar o
vocabulário relacionado a meses e dias, eles podem refletir e adquirir informações culturais sobre o
Brasil. O enunciado propõe apenas a localização da informação, fica a cargo do professor e do aluno
ampliar a discussão e propor comparações sobre as diferentes culturas.
A partir da Unidade 4, verifica-se o surgimento de atividades de busca com maior nível de
complexidade. A seção “Vamos buscar” da unidade 4 est integrada a tarefas anteriores. A primeira
tarefa propõe relacionar os problemas que envolvem a manutenção da casa (a pintura, a falta de energia
etc.) com imagens representativas. Na sequência, os alunos tomam conhecimento dos verbos
relacionados à resolução destes problemas (consertar, arrumar etc.) e, posteriormente, são apresentados
a frases declarativas que apresentam diferentes formas de indicar defeitos (está quebrado, está com
defeito etc.). Ao terminar, os alunos devem escrever diálogos, simulando a solicitação de um profissional
para resolver um suposto problema.
Depois de todas estas etapas, o aprendiz deve buscar na internet o nome das profissões
encarregadas de resolver tais problemas. Neste caso, o aluno precisa identificar os objetivos da busca e
produzir palavras-chave com base no vocabulário das tarefas anteriores e no seu repertório linguístico,
diferentemente das unidades anteriores, onde a palavra-chave era retirada do próprio enunciado. Assim,
ele pode refletir e testar combinações que poderão levá-lo aos resultados esperados.
Embora algumas atividades proponham a busca de informações pontuais e únicas, outras
possibilitam o encontro de respostas variadas para uma mesma pergunta. Por exemplo, na unidade 6, o
aprendiz deve encontrar respostas para curiosidades sobre culinária brasileira como: “Quais são os
pratos estrangeiros mais consumidos do Brasil?” ou “Dê o nome de cinco frutas nativas do Brasil”. Este
tipo de pesquisa pode gerar resultados diferentes que não se anulam. Desta forma, a troca de resultados
entre os alunos pode favorecer a condução da atividade.
A atividade 26, apresentada na unidade 7 do livro, propõe que o aluno busque e descubra as
propriedades medicinais de algumas plantas. Em um primeiro momento, parece uma orientação mais
complexa, uma vez que os alunos não buscariam apenas palavras, e sim explicações mais amplas sobre
os benefícios das plantas. Além disso, teriam que selecionar nos sites e textos as informações mais
relevantes. (ver figura 1).
88
Figura 1: Atividade de busca da unidade 7.
Fonte: Ferraz, p.167 (2020).
89
Considerações finais
Referências
90
Os provérbios portugueses no ensino de PLE a aprendentes italianos
Abstract. Our research, although limited due the reduced number of informants, aims to
assess the pedagogic potential of proverbs in PFL classes for Italian students in higher
education. We have chosen the lexical field of food, since it is one of the features of
historical-cultural identity of both nationalities. We used a worksheet which increased in
difficulty, culminating in a task of translating some Portuguese food proverbs into Italian.
The study shows that teaching proverbs in PFL is necessarily complex, even with cognate
languages. In fact, understanding and interpreting a proverb involves not only knowledge
of the essential semantic features of the lexical items as typically conceived, but calls on
speakers’ knowledge of the world – often historical, sociocultural and pragmatic – which
is an integral part of the inherited identity of a language. The communicative context where
the proverbs arose, and the vicissitudes of history that they have undergone, mean that their
interpretation is often beyond the competence and the inferential skills of the typical non
native learner. Thus, despite recognising the importance of other types of input that
transcend grammar and lexis, particularly those with a cultural dimension, we consider that
this kind of proverbial material, when used for interpretation in PFL classes, should be
contextualised, and only presented when the student is approaching bilingual proficiency.
91
Keywords: Proverbs in PFL teaching; Phraseodidactics; Idiomatic expressions in PFL;
Proverbs and topicalization; Cultural input in PFL.
Introdução
19
Para isso, contribuem, por vezes, certas combinações fono-rítmicas.
20
elo que foi exposto, talvez pareça sensato considerar a “unidade fraseol gica” como hiper nimo e o provérbio como hip nimo, tal como
referem Duarte e Rodrigues (2018, p. 74). Assim, optamos por usar, ao longo deste trabalho, a sigla UF.
92
choice of typical CRITERIA for the similarity function is pragmatically determined on the basis of
cultural knowledge and beliefs” p. 191 .
No Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (2001), para além de outras competências
a adquirir pelos alunos, a lexical reveste-se de particular importância: “expressões fixas, constituídas
por palavras usadas e apreendidas como conjuntos. As expressões fixas incluem: – expressões feitas,
que compreendem: … ; provérbios, etc.21.” p. 159). Mais adiante, na Secção 5.2.2.3 (pp. 170-171),
uma outra competência é invocada para a relevância do seu ensino22 – o facto de “o conhecimento
acumulado de sabedoria popular expresso na língua” ser considerado como uma componente da
“competência sociocultural” (p. 170).
A análise do que se encontra previsto no QECRL parece suscitar, contudo, opiniões
desencontradas. Assim, A. C. Pereira considera que, “ao remeter o domínio das EI [Expressões
idiomáticas] para o nível de maior proficiência (o C), impede os aprendentes dos níveis A e B de aceder
à dimensão idiomática da língua” (Pereira, 2015, p. 348). Há, também, quem proponha que as
componentes “sociolingüística e pragmática deben abordarse antes que a lingüística, xa que o carácter
social e cultural das unidades fraseolóxicas prevalece sobre o seu valor de elementos lexicalizados”
(González Rey, 2006, p. 139). Isso implica, portanto, que “o estudo das expresións fixas debe vir
precedido dunha introdución sobre a sociedade, os costumes, as mentalidades, a cultura implicada en
cada tipo” (ibidem, p. 139). Outros autores salientam a pertinência do texto parémico num nível
avançado de aprendizagem, referindo a sua presença nos exames de nível superior (DAPLE e DUPLE)
(Mendes, 2001, p. 3).
Ora, é sabido que a rapidez com que se aprende uma língua depende muito da sua parentalidade
genética com a LM/L1; ou seja, quanto mais próximas são as duas línguas mais alargado será o input.
Na verdade, é grande a probabilidade de haver UFs semelhantes (ao nível estrutural, lexical e, até,
metafórico) nas línguas românicas, mas haverá uma distância maior entre os provérbios destas línguas
e os das anglo-saxónicas, por exemplo. Por outro lado, quando se trata de línguas ainda mais afastadas,
como é o caso das línguas eslavas e orientais relativamente ao português, mesmo em situações de
imersão e em níveis mais avançados, é grande a dificuldade do aprendente em encontrar equivalência
entre UFs.
Durante a nossa experiência de ensino de PLE na Università degli Studi di Milano, temos verificado
dificuldades no processo de ensino/aprendizagem dos conteúdos relacionados com o texto proverbial
previstos no QECRL, não só pela complexidade lexical, mas também pela dimensão pragmática,
histórica e cultural que terá de ser obrigatoriamente convocada nos mecanismos inferenciais da sua
interpretação. Com o objetivo didático de obter produtos interculturais, decidimos escolher como campo
lexical um daqueles em que a diversidade cultural é acentuada - o da ALIMENTAÇÃO – não só pelo
facto de este ser, tanto em Itália como em Portugal, um dos traços da identidade histórico-cultural de
ambos os povos como também por estar previsto, quer no QECRL 23, quer no QuaREPE (Grosso et al.,
2011)24. O nosso estudo de caso foi dirigido a nove alunos de LM/L1 italiana, do 3.º ano de aprendizagem
de português, já com algum contacto formal com as UFs portuguesas25. Tentámos apurar se em B2 os
21
Salientam-se, por exemplo: expressões idiomáticas; estruturas fixas; outras expressões fixas: verbais e locuções preposicionais;
combinatórias fixas; e palavras isoladas. – Secção 5.2.1.1. “A competência lexical”, QE L, 2001, p. 159).
22
De acordo com o QECRL, os aprendentes deverão estar preparados para reconhecerem, compreenderem e utilizarem os provérbios (QECRL,
2001, p. 174)
23
Ver as categorias descritivas, p. 77 do documento.
24
Veja-se a página 16, ponto 2.5.1 (Temas) deste documento orientador.
25
Na verdade, a turma era constituída por 15 alunos, mas apenas 9 entregaram a ficha. Este dado poderá ser eventualmente indicador da
dificuldade de acesso à aula que, em total confinamento devido à pandemia provocada pela COVID-19 (na primavera de 2021, Milão
continuava a registar um elevado número de óbitos), teve de ser gravada; pode ainda dever-se ao medo de errar as respostas. Estamos, portanto,
conscientes do caráter restrito desta pequena amostra, mas, ainda assim, poderá evidenciar indícios de tendências interessantes.
93
aprendentes de PLE (20-24 anos) demonstravam ter desenvolvido aptidões para reconhecer as UFs
ligadas a este campo lexical, interpretá-las e estabelecer paralelos (através das estruturas
morfossintáticas, lexicais e discursivas) com as da LM/L1.
Preparámos uma ficha de trabalho com alguns provérbios relacionados com este campo lexical
(Anexo I) e analisámos os dados (quer do ponto de vista quantitativo quer qualitativo), procedendo a
uma breve reflexão sobre os mesmos. Foi nossa intenção averiguar, através de respostas mais ou menos
orientadas, se os alunos tendiam a fazer traduções literais dos provérbios ou se detinham, já neste nível,
as competências necessárias para alcançar um patamar mais elevado – aquele que se refere à
compreensão e significação das UFs em contexto comunicativo. Por fim, tentámos verificar se as UFs
portuguesas apresentadas teriam equivalência na língua dos aprendentes e se os campos lexicais
coincidiam.
UF 6 9
UF 5 9
UF 4 9
UF 3 8
UF 2 9
UF 1 9
7 8 9
94
conjunto de lugares” Lopes, 1992, p. 88 , e cujo sentido literal é idêntico na LM/L1: a falta de meios
de subsistência conduz a desentendimentos no seio familiar.
Como podemos verificar na Fig. 1, apenas na UF 3 houve um aluno que não conseguiu responder
corretamente. Cremos que um dos factores que poderá ter estado na origem desta dificuldade de
interpretação se poderá dever à ativação de mecanismos cognitivos que associam o antecedente da
oração relativa (determinante definido de um GN cujo N não tem realização lexical) a um referente
(sujeito/agente) que integra como propriedades prototípicas os traços [+ HUMANO] e/ou [+
ANIMADO]), tendo em conta a semântica do predicado verbal (matar).
Na UF6, em italiano, é a mais apetecida teria o seu correspondente em è sempre più dolce, não
tendo constituído dificuldade para os alunos. m aprendente aponta mesmo a met fora do “pecado
original”, sendo igualmente interessante, ali s, a frequência de alguns termos como “desejo” ou
“tentação”, que encontr mos nas respostas.
Para o Grupo II, foram preparadas 6 questões de escolha múltipla/ 6 UFs26, que são as que se
apresentam na Tabela 2:
Tabela 2: UFs aplicadas na questão do grupo II
UF e
alínea
UF 1 O pão levanta e o vinho derruba
2.1
UF 2 Banana com queijo sabe a beijo
2.2
UF 3 Com papas27 e bolos se enganam os tolos
2.3
UF 4 A paciência é amarga, mas o seu fruto é doce
2.4
UF 5 Quando não há pão, até migalhas vão
2.5
UF 6 A laranja de manhã é ouro, à tarde é prata e à noite mata
2.6
Fonte: Elaboração própria
Podemos observar que nas alíneas 2.2), 2.4.) e 2.5), as UFs não apresentaram obstáculos para os
alunos. Eles surgiram nas UFs 1, 3 e 6, tal como apresentado na Figura 2:
9 9 9
8 8
6
UF 1 UF 2 UF 3 UF 4 UF 5 UF 6
Figura 2: Respostas corretas para a tarefa do grupo II (Tab. 2)
Fonte: Elaboração própria
Na UF1, ter-se-ão devido à transposição ou transferência das propriedades lexicais prototípicas
dos predicados verbais levantar e derrubar, normalmente associadas a agentes com os traços [+
ANIMADO] e/ou [+ HUMANO], para uma situação com GNs sujeitos/agentes (pão e vinho)
caracterizados com o traço [-ANIMADO, -HUMANO], configurando, portanto, uma personificação.
Acresce ainda a complexidade polissémica do verbo levantar, cujo traço sémico prototípico se associa
a ‘movimento em sentido ascendente’.
26
Para cada uma, há 3 opções.
27
Existe a variante “Com bananas e bolos se enganam os tolos”.
95
Como se pode observar na Figura 2, houve três alunos que não conseguiram perceber o sentido
da UF3, tendo sido esta estrutura aquela que causou mais dificuldades de interpretação. Estamos perante
uma construção de tópico, bimembre, concisa, com inversão da ordem dos constituintes, relativamente
à língua padrão: [Grupo Prep.] + [Forma verbal com -se apassivante] + [Grupo Nom.]. Assim, o SPrep
foi deslocado à esquerda, ocupando um lugar de destaque e constituindo um enquadramento ou
circunstância que contribui com informação sobre o meio/modo. A UF exprime uma verdade geral e
impessoal que, de acordo com Lopes, se pode inserir no tipo de que funciona como “planeador
estratégico, prescrevendo normas muito gerais acerca do comportamento a adoptar … face aos
objectivos que se pretendem atingir” Lopes, 1992, p. 258 . Esta remonta ao tempo dos omanos,
constituindo a sua divisa para entreter o povo, pelo que os itens lexicais do GPrep apontam para
referentes que estavam relacionados com a mundividência da época ‘ om pão e circo se engana a
plebe’ . A estrutura manteve-se, tendo sido transposta, ao longo dos séculos, para todo o tipo de
situações em que se pretende desviar a atenção dos mais “distraídos” daquilo que se lhes pretende
ocultar. É essa transposição metafórica situacional do tópico (grupo preposicional) que permite a
expressividade proverbial, mas que é de difícil descodificação sem um input de tipo histórico-cultural.
Na UF 6, estamos perante uma metáfora gradativa que culmina com uma personificação. De
acordo com Lopes, trata-se de uma met fora do tipo 'A é B', que seria, do ponto de vista semântico, “um
enunciado comparativo elidido” Lopes, 1992, p. 203 . Neste caso, a propriedade que lhe subjaz deverá
ser ‘valor’, um traço definit rio de B ouro e prata . Ao que parece, não h qualquer evidência científica
de que a ingestão de laranja à noite seja nociva para a saúde; curiosamente, a língua inglesa substitui o
GN sujeito “a laranja” por “a manteiga”, o que torna a sua interpretação transparente: “butter is gold in
the morning, silver in the afternoon, and lead at night”. Na portuguesa, a entidade envolvida na
denotação do GN introduzido pelo artigo definido singular é interpretada como espécie28, estando a
unicidade existencial do referente relacionada com a noção de definitude cognitiva (Lopes, 1992, p. 71).
A opacidade interpretativa para um dos alunos poderá ter-se devido quer à natureza metafórica do
predicativo do sujeito (laranja = ouro; laranja = prata) quer à associação do(s) traço(s) [+ HUMANO;
+ ANIMADO] do sujeito de matar a uma entidade inanimada (laranja).
A pergunta 3.1 do Grupo III é, porventura, a mais difícil de resolver: os alunos são colocados
perante três situações comunicativas diferentes, devendo escolher (de entre 6 opções), a UF
correspondente a cada uma delas. Apresentamo-las na Tabela 3:
Tabela 3: Situações para a escolha da UF (Grupo III, 3.1)
Situação 1. A UF adequada:
Situação 2. A UF adequada:
28
De acordo com a terminologia de Carlson (tal como citado em Lopes, 1992, p. 64).
96
Situação 3. A UF adequada:
10
8 9
8
6
4 5
0
Situação 1 Situação 2 Situação 3
Figura 3: Respostas corretas para a tarefa solicitada anteriormente (Tab. 3)
Fonte: Elaboração própria
A tradução da UF da situação 2 terá contribuído para que todos os aprendentes tivessem feito a
escolha correta. Na verdade, os italianos utilizam os cardos verdura com aspeto “pontiagudo”, que
demora a cozer), na culinária. Por outro lado, o enunciado em que se compara (de forma elidida) o ser
humano a um animal cujo simbolismo está tão enraizado na cultura dos povos latinos (porque dele
dependia a sobrevivência), contribuiu, também, para o bom desempenho dos alunos. Curiosamente, a
última situação foi a que suscitou mais dificuldades para os estudantes italianos, devendo-se, na nossa
opinião, à ausência de uma contextualização histórica da UF solução. Estamos perante mais uma
estrutura de topicalização, com destaque para o S “ ara quem é”, sendo que o GN sujeito “bacalhau”
surge sem determinante artigo ø , como nome incont vel e o sentido figurativo de ‘qualquer coisa,
mesmo com pouco valor’. Esta é usada normalmente num contexto de certo desprezo pela pessoa a
que se destina (pessoa que não merece mais ou se contenta com pouco). A explicação remonta ao
passado, quando o bacalhau era acessível às camadas mais pobres da população, por ser barato e ainda
não ter a importância que tem hoje na mesa dos portugueses “bacalhau bastava” . Com o evoluir do
tempo, e apesar de o bacalhau se ter quase tornado um produto de luxo, a frase permanece intacta.
A questão eventualmente de dificuldade superior acabaria por encerrar a ficha: encontrar UFs
italianas correspondentes às portuguesas. Apresentamo-las na Tabela 4:
Tabela 4: UFs portuguesas a traduzir para italiano (Grupo III, 3.3)
UF e alínea
UF 1 Grão a grão enche a galinha o papo
2.1
UF 2 Cada um puxa a brasa à sua sardinha
2.2
UF 3 É grande saber calar e comer
2.3
UF 4 Não há carne sem osso nem fruta sem caroço
2.4
Fonte: Elaboração própria
97
Apresentam-se, na Figura 4, os resultados obtidos:
5
4
UF 1 UF 2 UF 3 UF 4
Conclusões
Embora tendo consciência do carácter restrito desta pesquisa devido ao número reduzido de informantes,
a ficha aplicada a alunos italianos revelou alguma dificuldade em descodificar algumas UFs, pelo facto
de estas conterem em si muitos elementos da cultura do povo da língua alvo. Assim, mesmo em níveis
avançados, os problemas de interpretação poderão surgir, sobretudo porque está em causa uma atividade
cognitiva relacionada com processos inferenciais que envolvem:
29
Existirá, certamente, variação diatópica, dentro da mesma comunidade linguística.
98
• Contextualização histórica e sociocultural
• Metáfora e ambiguidade polissémica
• Personificação
• Ambiguidade semântica da definitude
• Predicados com traços sémicos não prototípicos
• Campos lexicais do mundo rural (e popular)
• Translação de expressões e itens lexicais para outras situações de comunicação
• Estruturas de tópico
Sendo uma manifestação linguístico-cultural de natureza popular, o significado de certas UFs
exige um grande período de imersão e um contato direto com o povo autóctone, o que nem sempre
acontece. Ora, ao exprimirem simultaneamente verdades universais, as UFs obrigam a ativar não apenas
uma competência linguística, mas também o ‘conhecimento do mundo’, pelo que a dedução da
interpretação não advém do conhecimento dos traços inerentes do significado lexical, mas do
“conhecimento factual acerca do curso normal dos eventos no mundo” Lopes, 1992, p. 259 . Importante
é, assim, integrar uma UF de forma natural, ou seja, evocá-la sempre que venha a propósito num
contexto pedagógico, pois as UFs constituem um dos usos do léxico mais marcadamente pragmático-
situacional.
Partilhamos, assim, a opinião de González Rey quanto ao uso de tais expressões em aula de PLE,
mas somos de opinião que a introdução da fraseologia em níveis iniciais não tem, obrigatoriamente, que
acontecer: “A experiencia dinos que s se achega o alumno a esa parte na fase final da súa aprendizaxe,
nos últimos cursos, por considerala a m is pr xima ao status de falante bilingüe” Gonz lez ey, 2006,
p. 124).
O trabalho que deverá ser feito para o PLE consiste no estabelecimento de tipologias de UFs, de
acordo com a sua complexidade, não só tendo em conta o tipo de ambiguidade que encerra (ironia,
metáfora, polissemia, personificação, estruturas de tópico) como também a sua natureza (descritivo,
normativo), relacionando-a com a realidade cultural e a competência inferencial do aluno, de acordo
com o seu nível de proficiência. Assim, alguns provérbios, de alguma complexidade cognitiva, deverão,
a nosso ver, ensinar-se em fases mais avançadas da língua 1 ou 1+ , pois essa “sensação comunit ria
de pertença social” Teixeira, 2016, p. 238 , que é um dos requisitos para a satisfação psicol gica do
aprendente, requer um elevado grau de proficiência, sob pena de o aluno sentir exagerado o espaço
dedicado à identidade cultural do “outro” e ver relegado para segundo plano o seu objetivo primordial
– o da competência comunicativa na língua alvo. De facto, o aluno não nativo precisa de sentir algum
conforto ao nível do manuseamento da língua que aprende. Como bem o reconhece González Rey:
Ademais, moitas veces o alumno nin sequera se interesa por ese “top level”, descart ndoo por
entender que se trata ou ben dun grao demasiado elevado, ou ben dun eido sen importancia que non
necesitará empregar no seu uso cotián da lingua (González Rey, 2006, 124)
Em suma, a complexidade que as UFs encerram ao nível do estilo, a multiculturalidade e o
multilinguismo existente nas aulas de PLE, o perfil (nomeadamente, etário) dos alunos e os objetivos
dos cursos, a necessidade de uma contextualização histórica e o espaço temporal a que ela obriga na
aula de PLE aconselham não só a uma planificação ponderada dos conteúdos relacionados com a
“ ompetência lexical” como a uma triagem mais criteriosa na constituição de grupos por níveis.
Pelo que ficou exposto, e sendo as UFs uma parte integrante do nosso património linguístico e
cultural, as dificuldades did ticas que encerram em contexto de LE vêm provar que, afinal, “ ara quem
é bacalhau não basta!”.
Referências
99
didáticas e casos em estudo (pp. 71-90). FLUP e Aprolínguas Ed. https://repositorio-
aberto.up.pt/bitstream/10216/123688/2/240687.pdf.
Gonz lez ey, Mª I. 2006 . “A fraseodidáctica e o Marco europeo común de referencia paras as
línguas”. adernos de raseoloxía Galega, 8, 123-145.
http://www.cirp.gal/pub/docs/cfg/cfg08_06.pdf.
Grosso, M. J., Soares, A., Sousa, F., & Pascoal, J. (2011). QuaREPE. Quadro de referência para o Ensino
Português no Estrangeiro. Documento orientador.
https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/EEstrangeiro/2012_quarepe_docorientador.pdf.
Lopes, A. C. M. (1992). Texto Proverbial Português - Elementos para uma análise semântica e
pragmática. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
https://eg.uc.pt/bitstream/10316/719/2/Texto%20Proverbial%20Portugu%c3%aas.pdf.
Mendes, H. M. . V. D. 2001 . “A utilização de provérbios e de expressões idiom ticas numa aula de
LE”. http://varialing.web.ua.pt/wp-content/uploads/2017/04/H_M_PLE2-
prov%C3%83%C2%A9rbios.pdf.
Pereira, A. da C. (2015). Competência Linguística em Português Europeu Língua Materna e Língua Não
Materna: Aquisição, Ensino e Aprendizagem de Expressões Idiomáticas. Tese de doutoramento
apresentada à Universidade do Minho. http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/41857.
Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. Aprendizagem, ensino, avaliação. Tradução
de Common European Framework of Reference for languages: Learning, Teaching,
Assessment. Publicada com o acordo do Conselho da Europa. Edições Asa. (2001).
https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/Documentos/quadro_europeu_comum_refer
encia.pdf).
Teixeira, J. 2016 . “ rovérbios, Met fora e publicidade: a sedução pelos implícitos”. In X. M. S nchez
Rei & M. A. Marques (orgs.). As Ciências da Linguagem no Espaço Galego-Português —
Divergência e Convergência (pp. 209-241). Instituto de Letras e Ciências Humanas da
Universidade do Minho. https://core.ac.uk/download/pdf/80557385.pdf.
Vilela, M. 2002 . “As expressões idiom ticas na língua e no discurso”. In I. M. Duarte, J. Barbosa, S.
Matos, & Thomas Hüsgen (Org.), Actas do Encontro Comemorativo dos 25 anos do Centro de
Linguística da Universidade do Porto. Vol. 2 (pp. 159-189). CLUP.
https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7146.pdf.
100
Anexos
Grupo I
1. Complete os provérbios da coluna A (1 a 6) com as frases da coluna B (alíneas a) a f)).
Coluna A Coluna B
1. Deus dá nozes a) a galinha o papo.
2. Quem não come por já ter comido, b) é a mais apetecida.
3.O que não mata c) engorda.
4. Grão a grão enche d) a quem não tem dentes.
5. Em casa onde não há pão, e) não tem doença de perigo.
6. A fruta proibida f) todos ralham e ninguém tem razão.
Grupo II
O que querem dizer os provérbios que se seguem?
2. Assinale com um círculo a opção correta
101
b) alguém tem uma vinha.
c) o pão leveda e o vinho azeda.
2.4. Diz-se que “A paciência é amarga, mas o seu fruto é doce”, quando…
a) a paciência é como o limão amargo e o seu fruto é como um figo doce.
b) o que é doce, nunca amargou.
c) ter paciência não é agradável, mas vale a pena quando se alcança o que se pretende.
2.5. Diz-se que “Quando não há pão, até migalhas vão”, quando…
a) há escassez de pão e tudo se aproveita, até as migalhas.
b) as migalhas são boas para dar aos pássaros.
c) das migalhas se faz pão.
2.6. Diz-se que a “A laranja de manhã é ouro, e à tarde é prata e à noite mata”, porque…
a) a laranja deve ser comida preferencialmente de manhã e evitada à noite.
b) as laranjas são para ser comidas a toda a hora.
c) as laranjas são para ser comidas à noite, preferivelmente depois da meia-noite.
Grupo III
3.1. Leia o contido nas seguintes situações e escolha os provérbios adequados:
Situação 1. A UF adequada:
102
a) Quem não é para comer, não é para trabalhar.
b) Para quem é, bacalhau basta.
A Olga gostou tanto do aspeto c) Pela boca morre o peixe.
das maçãs que comprou 4, mas d) A mulher quer-se pequena, como a sardinha.
só conseguiu comer uma. e) Ter mais olhos do que barriga
f) Burro com fome, até cardos come.
Situação 2. A UF adequada:
Situação 3. A UF adequada:
3.3. Encontre o provérbio italiano que equivale aos seguintes provérbios portugueses:
Bom trabalho!
103
ANEXO II: RESPOSTAS DOS ALUNOS
GRUPO I
1.2. Explique por palavras suas os provérbios 4, 5 e 6
4: Grão a grão enche a galinha o papo
5: Em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão
6: A fruta proibida é a mais apetecida
Provérbio 5 – Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão
1) Quando numa casa não há de comer as pessoas ficam com raiva mais facilmente porque estão com fome e
então é mais comum ter discussões desnecessárias
2) Numa casa sem pão as pessoas têm fome e uma pessoa com fome não racionam bem, é um provérbio que
fala sobre a falta de cultura, uma pessoa que não têm cultura muitas vezes fala demais convencido de que ele
está certo.
3) Significa que numa casa onde não há que comer, todos discutem mas ninguém tem razão
4) Significa que em casa onde não há comida todos se zangam uns com os outros sem razão, porque a
verdadeira causa é a falta de comida
5) Entre as famílias e outros grupos de pessoas que têm problemas básicos fica difícil encontrar um acordo um
relacionamento entre os membros.
6) Esse provérbio quer dizer “em casa onde não h comida, todos ralham, todos se zangam uns com os outros,
mas não têm razão, visto que, na verdade, a falta da comida é a verdadeira causa de todos os males
7) Quando as pessoas são pobres e não têm nada para comer, pela frustração, perdem a razão e tornam-se
capazes de ser agressivos
8) Quando há nada para comer, ou, mais em geral, quando falta o dinheiro, a atmosfera é negativa e todos
zangam-se com os outros
9) Significa que “em casa onde não h comida, todos ralham, todos se zangam uns com os outros, mas não têm
razão, visto que, na verdade, a falta de alimentos é a verdadeira causa de todos os males”
104
1) O fascínio que as pessoas sentem sobre as coisas que não são legais, e assim eles querem fazê-los mais
2) Quando uma pessoa é proibida uma coisa a pessoa muita vezes tem mais ganas de fazer isso, proibindo as
coisas a curiosidade aumenta
3) Significa que as pessoas sempre querem das coisas que não podem ter
4) Significa que mais uma coisa é proibida e mais desejada
5) O que não se pode alcançar com facilidade come uma coisa ou uma pessoa porque fica longe de nós se
torna mais desejável
6) Significa que as coisas proibidas ou ilegais são as que mais nos tentam
7) Tudo o que é proibido, precisamente por ser tal, aumenta de valor e é ainda mais desejado
8) O que não temos o que não podemos ter é o que mais desejamos
9) Significa caer em tentação
NOTA: Todas as respostas foram transcritas exatamente como as escreveram os alunos nas fichas de
trabalho.
105
ANEXO III: TRATAMENTO DE DADOS
GRUPO III
3.3. Respostas para «Encontre o provérbio italiano que equivale aos seguintes provérbios portugueses»
(o traço horizontal significa que o aluno não respondeu)
1. Grão a grão enche a galinha o a) ______
papo b) ampa cavallo che l’erba cresce/ oma non fu fatta in
giorno
c) Piano piano se va lontano
d) ______
e) A goccia a goccia si incava la pietra
f) A goccia a goccia si scava la roccia
g) Roma non è stata costruita in un giorno
h) Goccia a goccia si fa il mare
i) ______
4. Não há carne sem osso, nem a) Non c’e vittoria senza sacrificio
fruta sem caroço b) Chi non risica non rosica
c) Non cé carne senza osso
d) Non c’e vittoria senza sacrificio/non c’e rose senza
spine
e) Non c’e rosa senza spine
f) Chi dorme non piglia pesci
g) _________
h) Non c’e rosa senza spine
i) Non c’e rosa senza spine/ non c’é vittoria senza
sacrificio
106
A escrita e o seu ensino: um estudo com professores do Ensino Secundário
de Namibe
Resumo. Os estudos sobre as práticas profissionais dos professores têm vindo a ganhar
algum protagonismo no âmbito da investigação em Literacias e Ensino do Português,
considerando o seu impacto na qualidade de ensino e, consequentemente, nas
aprendizagens dos alunos. Neste quadro, e tendo em atenção as debilidades que os alunos
angolanos apresentam no domínio da escrita em língua portuguesa, consideramos oportuno
a realização de um estudo para caracterizar as conceções e as práticas profissionais de
professores de Língua Portuguesa (LP) e de professores de Metodologia de Ensino da
Língua Portuguesa (MELP) no Ensino Secundário, no município de Moçâmedes – Namibe,
Angola. A metodologia adotada configurou uma abordagem mista (qualitativa e
quantitativa) de natureza interpretativa e descritiva, envolvendo 12 instituições escolares
dos 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Secundário, em diferentes Zonas de Intervenção Pedagógica
(ZIP) da referida região. A partir de uma amostra de 58 professores, num universo de 175,
foram identificados diferentes aspetos que os professores consideram ser relevantes para
uma prática profissional de qualidade: (I) a motivação profissional/interesse pessoal e/ou
vocação; (II) o acesso a recursos materiais didático/de promoção de leitura nas bibliotecas;
(III) a aposta na formação especializada e/ou na formação contínua dos profissionais e (IV)
a colaboração dos pais. Foram também identificados alguns indícios de que as práticas dos
professores incidem mais no domínio do saber e menos nos do saber-fazer e do saber-ser.
Palavras-Chave: Conceções; Ensino da escrita em Angola; Práticas profissionais;
Professores de Língua Portuguesa.
Abstract. The studies on teachers' professional practices have been gaining some
prominence within the scope of research in Literacy and Teaching of Portuguese,
considering its impact on the quality of teaching and, consequently, on students' learning.
In this context, and taking into account the weaknesses that Angolan students have in the
field of writing in Portuguese language, we consider it appropriate to develop out a study
to characterize the conceptions and professional practices of Portuguese Language (PL)
teachers and Portuguese Language Teaching Methodology (PLMT) teachers in Secondary
Education in the municipality of Moçâmedes - Namibe, Angola. The methodology adopted
configured a mixed approach (qualitative and quantitative) of interpretative and descriptive
nature, involving 12 school institutions of 1st and 2nd Cycles of Secondary Education, in
different Pedagogical Intervention Zones (PIZ) of the region. Based on a sample of 58
teachers, in a universe of 175, different aspects were identified that teachers consider
relevant for a quality professional practice: (I) professional motivation/personal interest
107
and/or vocation; (II) access to didactic material resources/ promotion of reading in libraries;
(III) investment in specialized training and/or continuous training of professionals and (IV)
the collaboration of parents. Some evidence were also identified that the teachers' practices
focus more on the domain of knowing and less on the domains of knowing how to do and
knowing how to be.
Introdução
Este estudo visa compreender as conceções de ensino da escrita e as práticas profissionais dos
professores de Língua Portuguesa (LP) dos 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Secundário (ES), no município de
Moçâmedes, província do Namibe (Angola). Para concretizar esse objetivo, está a ser desenvolvida uma
abordagem de investigação mista (qualitativa e quantitativa) de natureza interpretativa e descritiva.
Nesta perspetiva, procurar-se-á identificar quais as estratégias utilizadas no ensino da escrita e quais as
dificuldades que os professores sentem.
Para além de compreender as conceções e as práticas de ensino da escrita dos professores de LP,
também é importante desenvolver estratégias que potencializem aprendizagens significativas. Para o
efeito, duas perspetivas emergem quanto ao modo de ensinar e aprender a escrever: uma centrada no
sujeito, elemento que desenvolve um processo de escrita, e outra no contexto em que a escrita ocorre
(Carvalho, 2011; Carvalho, 2019). Na perspetiva dos sujeitos parte-se do pressuposto de que o ato de
escrever constitui uma tarefa de resolução de problemas. Flower e Hayes (1981) apresentam a escrita
como processo, contemplando três componentes distintas: planificação, textualização e revisão. Bereiter
e Scardamalia (1987) destacam o caráter problemático do ato de escrever a partir da análise do processo
da escrita. Entendem que a sua promoção passará pelo desenvolvimento da capacidade de resolver
problemas em contexto de escrita, tendo em conta as características do contexto e do destinatário.
Por outro lado, na perspetiva interacionista/sociodiscursiva, diferentes elementos contextuais
(escritor, tarefa, situação, interação) podem considerar-se variáveis que contribuem para a construção
da realidade humana através da palavra. No quadro desta orientação, que relaciona o processo de
escrever com os contextos sociais, procura-se criar espaços reais de escrita em que os alunos atendam
às características dos destinatários, para ajustar os textos escritos às necessidades que a comunicação
exige (Camps, 2005).
Razões do estudo
Em Angola, a língua portuguesa é a língua oficial, veicular e de escolaridade. Apesar dos esforços do
Governo para melhorar o desempenho do setor educativo, com a construção de escolas em todo o país,
a elaboração de materiais pedagógicos (planos curriculares, programas de ensino, manuais pedagógicos,
guias metodológicos, cadernos de atividades, sistema de avaliação das aprendizagens, entre outros) e o
reforço da eficácia e equidade do Sistema, segundo, o Relatório da Avaliação Global da Reforma
Educativa, realizado em 2014, detetou algumas insuficiências que urge equacionar.
O Ensino Secundário (ES) em Angola está dividido em 2 Ciclos de ensino de 3 classes cada. O
primeiro compreende as 7.ª, 8.ª e 9.ª classes e é frequentado por alunos dos 12 aos 14 anos de idade, e o
segundo compreende as 10.ª, 11.ª e 12.ª classes e é frequentado por alunos dos 15 aos 17 anos de idade.
O 2.º Ciclo oferece ainda duas formações profissionalizantes (Ensino Técnico Profissional e Formação
de Professores), cada uma com 4 anos de duração (10.ª, 11.ª, 12.ª e 13.ª classes).
A importância do 1.º e do 2.º Ciclos do ES no sistema educativo angolano e o insucesso escolar
descrito no Relatório de Avaliação Global da Reforma Educativa em Angola (2014), bem como as
dificuldades de escrita dos alunos, reforçam, assim, a necessidade de se caracterizar as conceções e as
práticas de ensino da escrita de professores de LP do ES, contribuindo para a (re)construção do currículo,
a melhoria das práticas profissionais dos professores e da aprendizagem dos seus alunos.
Realidade angolana
108
Em Angola, grande parte das línguas locais pertencem ao grupo das línguas bantu, as quais não
só apresentam acentuadas diferenças entre si, como também são distintas da família de línguas
românicas de que a língua portuguesa faz parte. Nestas circunstâncias, compreender-se-á facilmente que
a aprendizagem do Português, em alguns falantes, se faça sobretudo através de escolarização. Assim, é
principalmente durante a escolarização que as dificuldades de acomodação, suscitadas pelos contactos
entre línguas distintas, devem merecer toda a atenção, como refere Marques (1990) ao debruçar-se sobre
esta problem tica: “[…] as crianças que vão pela primeira vez à escola, dominam mal ou quase
desconhecem o português, que não apresenta qualquer ligação com a sua língua materna” p. 206 .
Por esse motivo, e não só, torna-se, efetivamente, necessário que no ensino da língua portuguesa,
seja tida em conta esta realidade que advém do contacto entre as línguas, pois só com esse ponto de
partida poderão ser elaboradas estratégias pedagogicamente adequadas.
Deste modo, e tendo em conta as finalidades da disciplina de LP, de acordo com o programa da
formação Média Técnica (Sociocultural, 2011), de entre vários objetivos, destacamos que o aluno deve
ser capaz de desenvolver, no âmbito do ensino da escrita, a capacidade de:
• Expressar ideias com correção e elegância linguística;
• Produzir textos que revelem a tomada de consciência de diferentes modelos de escrita;
• Aperfeiçoar a competência pela utilização de técnicas de correção pessoal e alheia.
Por outro lado, é importante considerar que a disciplina de LP consagra objetivos transversais às
restantes disciplinas do plano curricular. No âmbito da escrita, assume ainda um conjunto de
competências, capacidades, atitudes e valores, por forma a que a inserção do indivíduo na vida ativa seja
feita sem dificuldade. Neste âmbito, podemos destacar a capacidade de produção de diferentes tipos de
texto/géneros textuais, como texto livre, descrição, relatórios, atas, resumos, sínteses, regulamentos,
artigo de opinião, entre outros.
No Plano Curricular do ES Pedagógico (atualização pedagógica para as classes10.ª, 11.ª, 12.ª e
13.ª) do Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação (INIDE, 2019) são
estabelecidos os desempenhos que são fundamentais para os alunos, procurando preparar o sujeito para
os desafios da vida quotidiana, pela abordagem dos conteúdos programáticos na aula. Para o efeito,
destacamos um dos perfis que o programa estabelece sobre o futuro professor do 1.º Ciclo do ES em
Angola, que deve ser capaz de:
• Usar e ensinar a usar estratégias e técnicas diversificadas e adequadas nas aprendizagens de
cada aluno, isto para possibilitar uma adequada avaliação a nível informal e formal de
conhecimento no diagnóstico, na avaliação formativa e na avaliação sumativa.
Nesta perspetiva, há necessidade de destacar cada vez mais a formação do professor que vai
ensinar a escrever, o qual, segundo Pereira (2013), tem de ser, ele próprio, um (bom) escrevente regular,
para que possa conduzir o aluno. Na realidade, ele não pode mais continuar a atuar como se a razão do
insucesso residisse apenas na incompetência do aluno e/ou em aspetos exteriores à aula de Português.
Adriano (2015) realizou um estudo em Angola, no qual avaliou o papel do professor revisor, e
apontou dificuldades de se atingir a norma-padrão, por interferências de dois fatores nomeadamente, o
ensino da LP, pouco adaptado à realidade angolana, e a falta de professores em qualidade e em
quantidade.
Neste caso particular, o conhecimento da língua portuguesa será diferenciado, não só a nível da
comunidade regional e social em que se encontram integrados, como também a nível individual. Isto
significa que uma parte importante do processo de aquisição de uma língua reside nas condições e no
próprio processo de aprendizagem. Quando se trata de falantes que têm o português como língua
materna, essa aprendizagem é fundamental para a distinção que intuitivamente fazem das variedades da
língua, e para a avaliação daquilo que faz ou não parte integrante da mesma. Outros falantes, que não
têm o português como primeira língua, mas vivem numa comunidade onde o português é a língua oficial,
como é o caso dos alunos angolanos, têm condições de aprendizagem necessariamente mais complexas.
[…] a criança que, ao entrar na escola, se defronta com um mundo novo, no qual tem
de se integrar através de um instrumento de comunicação também novo, e que lhe é
quase completamente estranho: uma língua diferente da sua língua materna. [...]
sobretudo nas zonas rurais, […] as crianças ao iniciarem a escolaridade numa língua
segunda, vêem-se perante dois universos diferentes, a Família (que elas têm de
expressar em língua materna) e a Escola (que elas têm de se expressar em língua
portuguesa). (Marques, 1990, pp. 206-207).
109
Nesta perspetiva, Gaspar (2015) salienta que, independentemente do método e/ou manual
escolhido pelo professor de língua segunda, há determinados princípios didáticos pedagógicos que o
profissional pode/deve ter em conta na hora de planificar as suas aulas, uma vez que existe uma liberdade
individual do professor para ter em conta as particularidades de cada grupo concreto de alunos.
Isto implica que a programação das aulas deve ser elaborada com base na realidade circundante
do aluno, como acontecimentos, preocupações ou costumes do seu meio sociocultural, o que conduzirá
à sua envolvência emocional e tornará a sua aprendizagem mais significativa e com maiores
probabilidades de sucesso.
Neste contexto, para que os alunos aprendam, importa que os professores ensinem, e para isso,
torna-se determinante o que vão ensinar e o que devem ensinar, antes do como. Se ao aluno compete a
concentração, o esforço do estudo, o trabalho individual é, fundamental que o professor seja responsável
pela organização do itinerário, pela conceção de estratégias, pela seleção ou criação de meios, recursos
e materiais, pelo caráter da reflexão linguística que suscita, pelo exercício que promove, e pela
explicação que desenvolve (Santos, 2001; Milheirão, 2014; Silva, 2019).
Questões metodológicas
30
Código: Instituição escolar.
110
70
60 58
50
40 Professores do I Ciclo
32 33
Professores do II Ciclo
30 26 25 Total por género
20 18 17
15
10 8
0
M F Ciclo
Género Total por
Fonte: Elaboração própria.
60% 60%
50% 50%
50% 50%
40% 40%
31%
30%
30% 22% 22%
20% 16%
20%
10% 2% 2%
10% 5%
0%
ESPN Magistério Formação ISCED Outros 0%
Primário de Prof. I Ensino Bacharel Licenciatura Mestrado
Ciclo Médio
Neste estudo, destacamos três grupos distintos de profissionais de ensino: (1) o profissional não
especializado para o ensino (sem agregação pedagógica); (2) o profissional qualificado para o ensino
(com agregação pedagógica noutras áreas), e (3) o profissional especializado para o ensino da LP.
Relativamente ao primeiro grupo, destacamos que 50% dos professores não possuem formação
pedagógica, sendo formados em diversas especialidades, nomeadamente: Ciências Sociais (2%),
Ciências Económicas e Jurídicas (2%), Direito (5%), Ciências da Comunicação (5%), Biologia Marinha
(5%), Contabilidade e Gestão (14%) e Filosofia e Teologia (16%). O segundo grupo corresponde a
(17%), tendo, maioritariamente, agregação pedagógica em diversas áreas de ensino. Esse grupo tem o
grau académico e/ou profissional de Técnico do Ensino Médio (equivalente ao 2.º Ciclo concluído),
sendo os professores formados pela Escola de formação de professores do 1.º Ciclo em ensino de
Geografia, História, Francês, Matemática e Física. Também fazem parte deste grupo os professores com
a formação para darem aulas no Ensino Primário. Por último, o terceiro grupo, que representa (33%)
dos profissionais, com a especialidade em Ensino da LP, com o grau académico de Técnico Médio em
Ensino como requisito mínimo para professores do 1.º Ciclo do ES, e o de Bacharel como o grau mínimo
111
para professores do 2.º Ciclo. Os professores de LP do 2.º Ciclo correspondem a 28%, e maioritariamente
foram formados pelo Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED), por ser a única instituição
pública concebida para a formação de professores do 2.º Ciclo do ES na especialidade de Ensino da LP.
Os professores de LP do 1.º Ciclo representam apenas (5%).
Gráfico 2: Área de Especialização dos Professores do ES
Pedagogia 2%
Filosofia e Teologia 16%
Direito 5%
Contabilidade Gestão 14%
Ciências Sociais 2%
Ciências Económicas e Jurídicas 2%
Ciências da Comunicação 5%
Biologia Marinha 5%
Ensino de (I Ciclo) não especializados 14%
Ensino Primário 3%
Ensino da LP (II Ciclo) 28%
Ensino da LP (I Ciclo) 5%
Instrumentos e procedimentos
Face ao número da amostra, foi aplicado um inquérito por questionário, constituído por 3 perguntas de
resposta aberta e 3 perguntas de resposta fechada, distribuídas por três dimensões. Por se tratarem de
dados preliminares, não iremos abordar aqui todas as questões, apenas 6 perguntas de resposta aberta e
fechada. Assim, dos resultados provisórios que apresentamos, destacamos as seguintes dimensões: (1)
Motivação profissional (questão aberta: por exemplo interesse pessoal e/ou vocação, oportunidade de
emprego e outro motivo); (2) Preparação das tarefas de escritas (individual, ou em grupo),
enquadramento e/ou definição das tarefas (através dos programas, manuais ou outros meios); (3)
Dificuldades dos professores.
O procedimento prévio à realização do estudo consistiu em dirigir uma carta ao Gabinete
Provincial da Educação, Juventude e Desportos do Namibe, para solicitar autorização para a divulgação
do estudo e formas de aplicação dos questionários aos professores de LP do ES, no ano letivo de
2021/2022. Após a autorização, aplicaram-se os questionários nas respetivas instituições dos 1.º e 2.º
Ciclos do ES. Antes da aplicação dos questionários os professores foram informados da natureza e
objetivos do projeto de investigação, sendo-lhes assegurada a confidencialidade dos resultados.
3. Resultados preliminares
112
(P28) Gosto, primeiro pela importância que tem e depois por ser uma cadeira que facilita a compreensão
dos vários conteúdos, das diferentes áreas de ensino;
(P37) Gosto pela leitura, interpretação, argumentação […];
(P7) Porque tenho […] vocação;
(P58) Por ser a minha especialidade. Sempre gostei.
Fator 3 - Outros
Nos outros fatores, destacamos aspetos como o incentivo dos familiares e outros motivos.
(P36) O Seminário influenciou-me bastante […];
(P54) [Gosto], porque o meu pai é professor de L. Portuguesa e incentivou-me sempre […];
(P22) Aumentar os meus conhecimentos a cerca da disciplina.
Por vezes, os professores associam o primeiro ao segundo fator. Alguns participantes referem
que o interesse surgiu pela experiência de trabalho e tempo de serviço, fazendo com que criassem laços
de interesse pessoal (ex.: Nunca sonhei ser professora, mais desde que comecei a dar aulas, estou a
gostar muito de lidar com os alunos e ensiná-los. Agora sinto que faz parte de mim e vejo os meus
alunos com se fossem meus filhos. Não me vejo a estar numa outra profissão (P14).
Outros professores associam o primeiro ao terceiro fator em (P28, P54).
113
quinzenalmente pela coordenação de curso e/ou de disciplina. Posteriormente, cada professor assume as
conceções de forma individual, tal como os professores do 1.º Ciclo.
Os professores de MELP têm maior autonomia individual na realização das práticas de
planificação, uma vez que não realizam práticas de planificação em grupo, por serem um número
bastante reduzido de especialistas, havendo, por vezes, apenas de um professor por especialidade.
Condições de trabalho
Os professores referem que as instituições não têm material escolar com a qualidade desejada, situação
que empobrece o ensino da LP; de igual modo, a indisponibilidade de manuais de consulta para o
trabalho do professor é Referida:
(P43) Falta de manuais didácticos e falta de uma biblioteca. Carga horária.;
(P45) Falta de formação específica para o efeito;
(P30) Tendo em conta que a planificação é um processo, a falta de manuais, obras literárias e outros
materiais que contribuem para a realização de uma actividade de escrita influencia negativamente na
planificação;
(P32) A falta de materiais é a grande dificuldade. […] refiro-me aos manuais de leitura adequados às
classes em que se lecciona, a cadernos de actividades, a guias metodológicos para os professores, etc.
4. Considerações finais
Apesar do carácter preliminar da análise já feita, os dados trabalhados permitem, desde já, avançar
algumas conclusões.
A falta de formação académica e as condições de trabalho influenciam de forma negativa as
práticas profissionais dos professores de LP e MELP. Muitos desses profissionais, exercem essa função
por razões que não têm a ver com o seu interesse ou motivação pessoal, mas antes porque o exercício
dessa profissão constitui uma oportunidade de emprego, mesmo sendo realizada numa área que pouco
ou nada tem a ver com a sua área de formação.
Existem estruturas de coordenação pedagógica, que definem, conteúdos e procedimentos.
Contudo, a nível de sala de aula, as dificuldades sentidas pelos professores são evidentes, tanto por falta
de formação adequada, como pela não existência de materiais pedagógicos, bem como pela deficiente
preparação dos alunos.
114
As instituições de formação de professores da especialidade em Ensino da LP devem, portanto,
refletir sobre estratégias a serem implementadas no sentido de melhor preparar os professores,
nomeadamente do domínio da escrita, uma área identificada com problemática. Igualmente, parece
evidente a necessidade de formação contínua dos professores, muitos dos quais sem preparação
específica para ensinar a LP, sobretudo num contexto em que esta não é a língua materna de grande
parte dos estudantes. Um investimento em manuais escolares e outros materiais didáticos é também
necessário para melhorar a qualidade do ensino da LP e não só.
Referências
115
O conjuntivo em orações subordinadas relativas: área crítica no ensino de
PLE
1
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (Portugal)
2
CELGA-ILTEC, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (Portugal)
Resumo. A oposição entre o indicativo e o conjuntivo tem sido objeto de vários estudos
(Marques, 1995; Santos 2003), mas as pesquisas sobre a oposição entre o Presente do
conjuntivo e o Futuro do conjuntivo, das quais destacamos as de Comrie e Holmback
(1984) e Rui Marques (2010, 2013, 2016) ainda são limitadas. Em orações subordinadas
relativas com antecedente indeterminado, existe variação no uso do Presente do conjuntivo
e do Futuro do conjuntivo, e a diferença é muito subtil. Isso coloca obstáculos aos alunos
estrangeiros, que não conseguem sentir essa subtileza de forma intuitiva. Ao confrontar três
manuais bastante utilizados em Portugal e na China (Gramática Aplicada, Gramática Ativa
2 e Português para Ensino Universitário), constata-se que os autores salientam não apenas
a questão da “dependência”, mas também o valor irreal, indeterminado, eventual e incerto
do modo conjuntivo. Contudo, em relação à diferença entre o Presente do conjuntivo e o
Futuro do conjuntivo neste tipo de orações, as explicações não são suficientemente
explícitas. Neste artigo, tentaremos mostrar essas insuficiências, salientando a diversidade
de condicionamentos em que ambos ocorrem, os casos em que existe variação bem como
a necessidade de conjugar critérios sintáticos (funções da oração relativa ou do pronome
relativo, por exemplo), semânticos e pragmáticos na explicação dessa distribuição. Mesmo
que as “regras” não abranjam todas as situações em virtude da flexibilidade inerente à
própria língua), elas podem ajudar os alunos estrangeiros a compreender os casos mais
representativos, de forma simples e compreensível.
Palavras-chave: Presente do conjuntivo, Futuro do conjuntivo, orações subordinadas
relativas, modos verbais.
Abstract. The contrast between the indicative and the subjunctive has been the subject of
several studies (Marques, 1995; Santos, 2003), but research on the contrast between the
Present Subjunctive and the Future Subjunctive, such as that by Comrie and Holmback
(1984) and Rui Marques (2010, 2013, 2016), are still limited. In relative clauses with a
nonreferential head noun, there are variation in the use of the Present Subjunctive and the
Future Subjunctive, but the difference is very subtle, and this creates problems for foreign
students, who cannot intuitively perceive the subtlety. When looking at three grammar
books used in Portugal and China (Gramática Aplicada, Gramática Ativa 2 and Português
para Ensino Universitário), we find that the authors emphasise not only the question of
“dependence”, but also the unreal, indeterminate, contingent and uncertain value of the
subjunctive mode. However, there is a lack of clarity in their explanations of the difference
between the Present Subjunctive and the Future Subjunctive in this type of clause. In this
article, we try to show where they are lacking, emphasising the variety of the contexts
where the two tenses are found, the cases where there is variation, and the need to associate
criteria, whether syntactic (functions of the relative clause and of the relative pronoun, for
116
example , semantic or pragmatic in explaining the distribution. Even if “rules” cannot cover
all situations, (given the flexibility inherent in language itself), they can help foreign
students understand the most representative cases, simply and clearly.
Keywords: Present Subjunctive, Future Subjunctive, Relative clauses, Mood.
1 Introdução
O modo verbal usado, na língua portuguesa, em orações subordinadas relativas restritivas com
antecedente nominal indeterminado (não referencial e inespecífico, portanto) é o conjuntivo. De acordo
com Mateus et al., as relativas com o antecedente específico e o verbo no modo indicativo estão
associadas a uma asserção: “O livro que li nas férias ganhou um prémio”, por exemplo (Mateus et al.,
20067 p. 669). De acordo com as autoras, as relativas com conjuntivo têm um valor modal: a Um leão
que tenha fome é perigoso “está associada uma interpretação de carácter hipotético”, havendo entre as
duas proposições do enunciado uma relação de implicação, ou seja, “Se um leão tiver fome, é perigoso”
(pp. 669-670).
Acontece, porém, que, em muitos casos, o português usa, indistintamente, ora o Presente ora o
FC31, sendo muito difícil, por vezes, encontrar um condicionamento que justifique esta escolha. Esta
situação é diferente da que acontece no espanhol, uma vez que o FC não é, normalmente, usado na
língua standard32.
O uso do Presente e do FC em orações subordinadas relativas põe obstáculos aos alunos
estrangeiros na aprendizagem da língua portuguesa. Daí resulta que muitas vezes a opção dos não
nativos é totalmente arbitrária. Na verdade, a própria diferença entre o PC e o FC em orações relativas
é muito subtil. Vejamos o seguinte exemplo:
(1) a. Quero um empregado que seja competente.
• b. Quero o empregado que for competente.
Normalmente, a explicação pedagógica é simplificadora, ao fazer corresponder o FC à existência
de um artigo definido a preceder o antecedente nominal e o PC à existência de um artigo indefinido.
Mas será que esta explicação baseada no uso do determinante artigo (definido ou indefinido) é
suficientemente válida e abrangente para ensinar a um aluno chinês (ou estrangeiro, em geral) as regras
de uso do Presente e do FC em todos os contextos?
31
Do ponto de vista etimológico (e morfológico), o FC de ser (< ESSE), ou seja, for, fores, for, formos, fordes, forem deriva, como sabemos,
das formas fuero, fueris, fuerit, fuerimus, fueritis, fuerint, que eram as formas de futuro perfeito latino ‘terei sido’ . De acordo com omrie e
Holmback (1984, p. 216), o FC português deriva do futuro perfeito latino ou do pretérito perfeito do conjuntivo; eventualmente, resulta de uma
possível contaminação de ambos os tempos (Comrie & Holmback, 1984, p. 216, n. 5).
32
De acordo com Czopek (2010, pp. 39-40), “actualmente na língua espanhola o futuro do subjuntivo foi quase completamente substituído
pelas formas do presente do subjuntivo [sic] ao qual se adicionou o valor de posterioridade e, em alguns casos, pelas formas do imperfeito,
pretérito perfeito ou pretérito mais-que-perfeito do mesmo modo”. De facto, informa a autora que “As formas do futuro do subjuntivo [sic]
utilizam-se apenas em certas expressões, no âmbito das fórmulas jurídicas, provérbios, frases feitas, etc., nas obras de estilo arcaísta, solene,
como a linguagem religiosa, judicial e burocrática e em algumas construções reduplicativas da língua falada (por exemplo: Sea como fuere,
Venga quien viniere)”.
117
Normalmente, os alunos estrangeiros têm de memorizar algumas “regras” nos manuais, que são
relativamente fixas, compreensíveis e domináveis. No entanto, ao contrário dos falantes nativos, não
têm capacidade suficiente para distinguir, intuitivamente e com subtileza, situações diferentes em
contextos determinados.
Pelos exemplos que apresentaremos ao longo deste trabalho, parece evidente que ainda não temos
uma descrição bem clara e uma explicação satisfatória para os alunos não nativos. Baseando-se neste
tipo de complexidades, este trabalho tem como objetivo incentivar pesquisas que respondam às
seguintes perguntas de investigação:
i) A explicação dos manuais é adequada em termos do uso do PC e do FC em orações
relativas?
ii) odemos tentar estabelecer alguma “regra” ou delinear critérios para o estabelecimento
de uma tipologia sobre o uso dos dois tempos em contextos sintáticos determinados?
iii) Em que casos existe variação em português entre o uso do PC e do FC, em orações
relativas?
118
O pronome relativo que é invariável e é precedido de antecedente. (os alunos que…/o país
que…
Quem chegar primeiro, fica com os melhores lugares.
Sente-se onde preferir.
Os pronomes relativos quem e onde são invariáveis e não são precedidos de antecedente. (quem
chegar…/onde preferir…
Usa-se o indicativo quando a situação é real, conhecida:
Os alunos que têm negativa têm de repetir o teste.
(Eu já sei quem são os alunos. Já estão referenciados)
…
O pronome relativo pode ser precedido de preposições:
Vou até onde vocês forem /Venha com quem quiser /Vou para onde tu fores (Oliveira & Coelho,
2007, p. 52, com adaptações e supressões).
Podemos constatar que neste manual se salientam as duas caraterísticas mais importantes do
conjuntivo: dependência e irrealidade. Primeiro, o uso do PC e do FC estão subjacentes à frase matriz,
cujo verbo está no Presente ou FI. Segundo, destaca-se a ideia de eventualidade, irrealidade,
possibilidade. Mas também reparamos que os autores não esclarecem bem a diferença entre o PC e o
FC em orações subordinadas relativas com antecedente indeterminado. Por exemplo, nalgumas frases
que são dadas para ilustrar o uso do PC, parece existir variação opcional entre PC e FC, pelo menos em
certos contextos, ou seja, o sentido da frase é o mesmo com um e outro tempos:
(2) a. Eu quero ir a um restaurante que tenha boa comida portuguesa. (Oliveira & Coelho,
2007, p. 26).
• b. Eu quero ir ao restaurante que tiver boa comida portuguesa.
33
A título de exemplo: a. Quem chegar atrasado, não pode entrar; b. *Quem chegue atrasado, não pode entrar; a. Quem vier a Portugal, vai
ficar espantado pela beleza do país; b. *Quem venha a Portugal, vai ficar espantado pela beleza do país. De acordo com A. C. M. Lopes, o
119
pronome relativo invariável que, precedido de antecedente.
A frase relativa tem o verbo no futuro do conjuntivo e a frase principal pode ter o verbo no
presente do indicativo, futuro do indicativo ou imperativo. Exprimimos, desse modo, uma situação
eventual no futuro, isto é, uma situação que poderá ou não acontecer no futuro. (O. M. Coimbra e I.
Coimbra, 20123 , p. 34, com adaptação de formato visual e ênfase adicionada)
Os exemplos dados “sem antecedente expresso” são: “Quem vier depois da hora, não pode entrar. /Fico
onde vocês ficarem”.
Se “com antecedentes expressos”, os exemplos são os seguintes: “Aquele que [Quem] vier depois
da hora não poderá entrar. /Fico em qualquer lugar que [onde] vocês ficarem. / Irei para qualquer
lugar que [onde] vocês quiserem. / Vá a qualquer lugar que [aonde] eu lhe indicar”.
odemos ver que nas frases c e d , “uma pessoa” e “um livro” referem claramente “o David” e
“este”. Nesse caso, não se aplica o conjuntivo.
Em termos do Futuro do conjuntivo, em orações subordinadas relativas, não há explicação. Mas
há esclarecimentos sobre o Futuro do conjuntivo: expressa-se uma ação ou situação que pode acontecer
no futuro. Usa-se normalmente em orações subordinadas. O verbo da oração principal pode estar no PI,
Futuro do indicativo ou imperativo [trad. nossa].
pronome relativo quem pode “ser interpretado como uma variável universalmente quantificada no domínio dos seres humanos” (1992, p. 186);
está incluído numa asserção que “tem um caráter constativo, ou, dito de outro modo, apresenta um elevado grau de factualidade, porque resulta
de uma generalização empírica”. (ibidem, p. 186)
120
4. O “problema” do Futuro do conjuntivo: a proposta de Comrie e Holmback
A questão da oposição entre o Presente e o FC, normalmente ausente das gramáticas, foi estudada por
Comrie e Holmback (1984). De acordo com os autores, em orações subordinadas relativas, a distinção
entre o indicativo e o conjuntivo reside na interpretação referencial/não referencial (p. 236). Segundo
um estudo elaborado por Thomas (tal como citado por Comrie e Holmback, 1984, p. 235), o modo
conjuntivo nas estruturas em apreço, por oposição ao indicativo, indica a incerteza na identificação de
uma determinada pessoa ou objeto, que é o antecedente do pronome relativo. Por outro lado, a pessoa
ou entidade a que se refere o pronome relativo pode ser um qualquer elemento de um grupo ou classe.
Os exemplos dos manuais de português para estrangeiros para ilustrar o uso do PC, nestas orações,
apresentam, normalmente, casos de orações relativas dependentes. Nestes casos, normalmente o PC está
associado à indefinitude e o Futuro à definitude desse antecedente, tal como referido por Comrie e
Holmback:
The difference between present and future subjunctive is that the future subjunctive is used when
reference is to the totality of a set (relative to the universe of discourse), as with a definite description
(including generics expressed as definite descriptions), while the present subjunctive is used when
reference is only to one or some members of a larger set, as with indefinite descriptions. (1984, p. 218)
Assim, o uturo do conjuntivo não é possível quando a “oração relativa restritiva em posição de
objeto”34 tem como antecedente um SN com artigo indefinido:
(5) a. Quero a casa que fica à beira mar. (PI)
• b. Quero uma casa que fique à beira mar. (PC)
• c. Quero a casa que ficar à beira mar. (FC)
• d. *Quero a casa que fique à beira mar. (PC)
• e. *Quero uma casa que ficar à beira mar. (FC)
Mas já é possível numa oração relativa com um antecedente SN que constitua uma expressão
universalmente quantificada: “Todas as casas que”, por exemplo (Marques, 2016, pp. 631-632)35. Neste
caso, o PC fica excluído:
f. Quero todas as casas que ficarem à beira mar.
g. *Quero todas as casas que fiquem à beira mar.
Assim, segundo omrie e Holmback: “The present subjunctive gives only a generic reading with
an indefinite head and is ungrammatical with a definite head, the future subjunctive gives only a generic
reading with a definite head and is ungrammatical with an indefinite” 1984, p. 246
Ilustrando a questão da referencialidade, com outros exemplos:
(6) a. Eu conheço um candidato que tem bons conhecimentos de programação. (Aquele que
eu conheci na reunião) — referencial
• b. Eu quero um candidato que tenha bons conhecimentos de programação. (Ainda não
• conheço nenhum.) — não referencial
(7) a. Eu quero o apartamento que é barato. (É aquele apartamento ali) — referencial
• b. Eu quero um apartamento que seja barato. (Ainda não encontrei nenhum apartamento
• barato) — não referencial
A distinção entre o Presente e o FC parece situar-se na questão da definição/indefinição do
antecedente:
(8) a. Eu quero um candidato que tenha bons conhecimentos de programação.
• b. Eu quero o candidato que tiver bons conhecimentos de programação.
• c. * Eu quero o candidato que tenha bons conhecimentos de programação.
34
Terminologia de Comrie e Holmback (1984, p. 244).
35
De acordo com Rui Marques, “o futuro do conjuntivo parece ocorrer nas orações que denotam um conjunto de mundos possíveis (mundos
possíveis em que se verifica o estado-de-coisas descrito pela proposição, que é apresentada como um subconjunto de outro conjunto de mundos
possíveis)” (Marques, 2016, p. 632).
121
• d. *Eu quero um candidato que tiver bons conhecimentos de programação.
(9) a. Eu quero um apartamento que seja barato.
• b. Eu quero o apartamento que for barato.
• c. *Eu quero um apartamento que for barato.
• d. *Eu quero o apartamento que seja barato.
Podemos ver que as frases (8c-d) e (9c-d) não são aceites na gramática. Não se usa o PC em
orações relativas com antecedente indeterminado com artigo definido nem se usa o Futuro do conjuntivo
neste tipo de orações quando o antecedente vem precedido de artigo indefinido.
Partindo dessa constatação, Comrie e Holmback (1984, p. 249) oferecem-nos uma boa
perspectiva para compreender a oposição entre PC e o FC nestas orações. Eles apontam que a
indefinição/definição associada a uma descrição não referencial do antecedente pode distinguir,
respetivamente, o Presente do FC, em orações relativas. Ou seja, o Futuro do conjuntivo não pode
ocorrer em orações relativas com uma descrição indefinida, enquanto que orações relativas com uma
descrição definida não podem ser usadas com o PC. Segundo os referidos autores:
the presence of a definite article will suggest reference to some (potentially) identifiable or unique entity
or totality of a set (properties often associated with definiteness), and the future subjunctive is compatible
with this. The indefinite article does not exhibit these properties in its reference, and the present
subjunctive is thus compatible with this lack of ‘definiteness properties’. (Comrie & Holmback, 1984, p.
249)
Assim, podemos desde já estabelecer uma regra: usa-se o PC quando a descrição do antecedente
é não referencial e indefinida; usa-se o futuro do conjuntivo quando a descrição do antecedente é não
referencial e definida (Comrie & Holmback, 1984, p. 242)36.
Além disso, Comrie e Holmback (1984, p. 252) apontam que a diferença entre o Presente e o FC
está relacionada com a maior definitude expressa pelo FC. Assim, em caso de orações relativas, o FC
assinala maior definitude da classe de entidades a que se refere, ou seja, em orações subordinadas
relativas impõe mais restrições e indica a possibilidade de o locutor já ter uma classe de entidades a que
se refere, como mostra a Figura 1:
Figura 1: O escopo do FC e do PC
Fonte: Elaboração própria
Assim, em:
(10) a. Quero o candidato que for competente.
• b. Quero um candidato que seja competente,
Assim, o FC contrasta com o PC “as concerns definiteness (marked by the type of determiner, definite or indefinite) of the head NP” (Comrie
36
122
as frases (10a-b) são gramaticalmente corretas, mas existe alguma ligeira e subtil diferença em termos
de significado trazida pelo PC e pelo FC. Com o PC, a frase (10b) transmite um sentido mais geral e
menos restritivo: não sabemos qual candidato do mundo vai reunir as condições exigidas. Mas com o
FC, o locutor tem mais certeza no candidato, uma vez que já está estabelecido um grupo específico de
candidatos, que se interessou em concorrer. Assim, o escopo do FC é muito menor do que o do PC.
A questão parece ser mais complexa quando o núcleo nominal não vem precedido de artigo, pois não
sabemos se vamos usar o PC ou o FC:
(11) a. Podes apresentar propostas que consideres pertinentes.
• ? b. Podes apresentar propostas que considerares pertinentes,
E quando o pronome está integrado numa oração relativa em posição de sujeito, será que há
igualmente restrições no uso de ambos os tempos do modo conjuntivo?
(12) ? a. Propostas que não sejam sérias não poderão merecer a nossa atenção.
• ? b. Propostas que não forem sérias não poderão merecer a nossa atenção.
É, de facto, estranho haver usos em português em que esse tipo de orações surge sem artigo,
parecendo, também aqui, haver variação:
(13) a. Homem com quem eu casar tem de ser honesto.
• b. Homem com quem eu case tem de ser honesto.
De acordo com omrie e Holmback, “in a noun phrase with the ø article, the properties of
definiteness or indefiniteness are not explicitly present to force the use of the present or future
subjunctive” (1984, p. 249). Ainda segundo os autores, perante um antecedente com artigo ø “artigo
zero” , pode ocorrer quer o Futuro quer o PC, dependendo de qual deles é compatível com a
interpretação particular da frase, no seu conjunto: parece ser, por isso, um fenómeno semântico
decorrente da semântica das formas em questão e não uma correlação sintática arbitrária (p. 251).
No entanto, essa indistinção já não é permitida nos exemplos seguintes, cuja relativa é
dependente:
(14) a. Tem horas que me diga?
• b. *Tem horas que me disser?
Por outro lado, vimos, pelo que ficou exposto, que em orações subordinadas relativas, o Futuro
do conjuntivo impõe mais restrições e transmite um sentido menos geral, exprime maior definitude,
maior identificabilidade, maior totalidade de referência. No entanto, em alguns casos, o Futuro do
conjuntivo denota a indefinição total e parece que está a ser cada vez mais usado em português, em
detrimento do PC:
(15) a. Dou-te quanto/tudo o que quiseres /Aposto a quanto/tudo o que quiseres.
• b. Dou-te quanto/tudo o que queiras /Aposto a quanto/tudo o que queiras.
Por vezes, e em níveis mais avançados de aprendizagem, transmite-se a ideia de que, em alguns
contextos, tanto se pode usar o Presente como o FC:
(16) a. Os alunos que quiserem ir à excursão devem informar o professor.
• b. Os alunos que queiram ir à excursão devem informar o professor.
Será possível verificar o mesmo tipo de variação com expressões nominais quantificadas, tendo
a oração relativa a mesma função de sujeito?
(17) a. Todos aqueles que não reciclarem atentam contra a sustentabilidade do planeta.
• ? b. Todos aqueles que não reciclem atentam contra a sustentabilidade do planeta.
(18) a. Tudo o que acontecer é da tua responsabilidade.
? b. Tudo o que aconteça é da tua responsabilidade.
123
A questão parece ser ainda mais complexa quando a vacilação no uso do Presente e do FC chega
mesmo a atingir as orações cujo núcleo nominal é precedido de determinante artigo indefinido:
(19) a. Um candidato que venha a ser aceite terá de assinar um termo de responsabilidade.
• ? b. Um candidato que vier a ser aceite terá de assinar um termo de responsabilidade.
A usar-se a forma de FC, não é claro se se trata de um caso de variação opcional ou se haverá
diferenças subtis de significado, decorrentes de factores que ultrapassam o nível estrutural, da sintaxe.
Com expressões nominais indefinidas, como alguém, o uso do PC parece ser obrigatório, como se diz
nas gramáticas para estrangeiros:
(20) a. Preciso de alguém que tenha conhecimentos de programação.
• b. *Preciso de alguém que tiver conhecimentos de programação.
No entanto, parece que, noutros contextos, quer o FC quer o PC são aceites. Assim, por exemplo:
(21) a. Alguém que consiga conquistá-la, será feliz para sempre.
• b. Alguém que conseguir conquistá-la, será feliz para sempre.
6. Conclusões
O objetivo da nossa exposição foi abrir perspetivas de pesquisa. Tentámos evidenciar que o uso do
Presente e do FC em orações subordinadas relativas restritivas é extremamente opaco para um falante
não nativo, aprendente de português. Evidenciámos que nos manuais selecionados (Gramática
Aplicada, Gramática Ativa, Português para Ensino Universitário) se destacam as duas características
mais importantes do conjuntivo: irrealidade e incerteza, uma vez que se associam a uma ação que ainda
não aconteceu no futuro e que poderá eventualmente acontecer. No entanto, é muito difícil para os
aprendentes não nativos avaliarem diferenças subtis entre o PC e o FC em orações relativas, sobretudo
nos casos em que ambos se podem usar. Nestes casos, também seria importante saber qual se usa em
circunstâncias mais formais e qual se usa em circunstâncias mais informais.
As “regras” podem ajudar os alunos a lidar com situações em que h condicionamentos
contextuais, normalmente orações relativas livres; no entanto, sabemos que o uso de uma língua é muito
flexível e subtil, para além de que os estudos sobre este tema são limitados; por isso, as “regras” não são
aplicáveis a todas as situações e podem ser melhoradas com o estabelecimento de uma tipologia de
estruturas que integre, eventualmente, a posição sintática da oração relativa (sujeito ou objeto) ou a
função sintática do pronome/constituinte relativo.
Por outro lado, consideramos que há indícios de que explicações que se baseiem apenas em
aspetos sintáticos ou estruturais e descurem fatores semânticos e pragmáticos poderão não dar conta da
subtileza das diferenças entre os dois tempos verbais do modo conjuntivo.
Na verdade, e tendo em conta que a variação e a mudança são inerentes a qualquer língua natural,
parece assistir-se, neste momento, no português, a uma mudança em curso, com o Futuro do conjuntivo
a ganhar o espaço que era antes ocupado pelo PC. Seria interessante averiguar, através de diferentes
contextos sintáticos e com metodologias quantitativas, qual é a fase dessa mudança, pois só assim se
pode obter uma perspetiva dos usos e do seu grau de implementação. Para tal, seria importante aplicar
inquéritos a falantes nativos, pois estamos perante estruturas que, antes de se constituírem como uma
área crítica do ensino de Português como língua estrangeira, são uma área crítica do próprio Português
como LM/L1.
Referências
Coimbra, M. O., & Coimbra, I. (2012). Gramática Ativa 2. QECRL Nível B1+ / B2 / C1 (3ª edição
revista e aumentada). Lidel Edições Técnicas Lda.
omrie, B., & Holmback, H. 1984 . “The future subjunctive in ortuguese: a problem in semantic
theory”. Lingua. International eview of General Linguistics, 63 3-4), 213-253.
124
zopek, N. 2010 . “Algumas observações sobre o futuro do conjuntivo português e futuro de subjuntivo
espanhol”. In A. zepki & N. zopek Orgs. , ortugal, Brasil, África. Em torno de Vergílio
Ferreira (pp. 7-19). Księgarnia Akademicka
https://ruj.uj.edu.pl/xmlui/bitstream/handle/item/28278/czopek_algumas_observacoes_sobre_
o_futuro_do_conjuntivo_portugues_2010.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
Lopes, A. C. M. (1992). Texto proverbial português. Tese de doutoramento, inédita, apresentada à
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/719/2/Texto%20Proverbial%20Portugu%c3%aas.pd
f.
Marques, R. (1995). Sobre os valores dos modos conjuntivo e indicativo em português. Dissertação de
Mestrado em Linguística Portuguesa Descritiva apresentada à Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
https://www.clul.ulisboa.pt/files/rui_marques/Sobre_os_valores_dos_modos_conjuntivo_e_in
dicativo_em_portugus.pdf).
Marques, . 2010 . “Sobre a semântica dos tempos do conjuntivo”. In A. M. Brito, . Silva, J. Veloso
& A. Fiéis (Eds.), XXV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística (Lisboa,
22-24 de outubro 2009). Textos Seleccionados (pp. 549-566). APL. https://apl.pt/wp-
content/uploads/2017/09/39-Rui-Marques.pdf.
Marques, . 2013 . “O modo nas orações relativas”. In E. B. . aposo, M. . B. do Nascimento, M.
A. C. da Mota, L. Segura & A. Mendes (Orgs.). Gramática do português (Vol. 1, pp. 683-685).
Fundação Calouste Gulbenkian.
Marques, . 2016 . “O modo conjuntivo”. In A. M. Martins & E. arrilho Eds. , Manual de linguística
portuguesa (pp. 610-635). De Gruyter.
Mateus, M. H. M.; Brito, A. M.; Duarte, I.; Faria, I. H.; Frota, S.; Matos, G.; Oliveira, F.; Vigário, M.
& Villalva, A. (2006). Gramática da Língua Portuguesa. 7ª ed. Editorial Caminho.
Oliveira, C., & C., Luísa (2007). Gramática Aplicada. Português como Língua Estrangeira. Níveis
intermédio e avançado B2 e C1. De acordo com o Quadro Europeu Comum de Referência para
as Línguas. Texto Editores.
Santos, M. J. A. V. dos (2003). Os usos do conjuntivo em língua portuguesa. FCG/FCT/MCES.
Ye, Z. (2010). Português para Ensino Universitário (大学葡萄牙语). Imprensa de Ensino e Investigação
das Línguas Estrangeiras (外语教学与研究出版社).
125
O imaginário migratório no ensino do Português Língua Não Materna
Abstract. In this article, we intend to focus on the potentialities presented by the analysis
of lyrical texts about migration to Francophone university students learning Portuguese as
a non-native language in the context of non-immersion. To this end, a brief characterisation
of the Portuguese teaching in French territory and the particularities of its target audiences,
in particular Portuguese as an Inherited Language learners and Portuguese as a Foreign
Language learners, should be carried out. In this section of the article, there will also be
room for considerations about feelings of (il)legitimacy and (in)authenticity, which often
affect the personal and identity balance of learners and which, for this same reason, must
be considered by the teacher. Secondly, we will reflect on the role that literary analysis can
play in the development of general competences (declarative knowledge, existential
competence, skills and know-how, ability to learn), relational skills and intercultural skills
in the classroom context. To conclude, we will briefly analyse two lyrical texts of distinct
temporalities and authorial voices, which can be used in the context of Portuguese as a non-
mother tongue teaching-learning process. This study aims to provide clues to explore the
thematic universe of Portuguese emigration in France through literature in a positive
learning environment which welcomes diversity. These scenarios of textual analysis aim at
126
the dissipation of self and hetero representations with less positive connotative load that,
in the long run, can impair the vitality of Portuguese language teaching in French space.
Keywords: Migrations, Portuguese as an Inherited Language, Portuguese as a Foreign
Language, Intercultural competence, Emigration literature.
Introdução
A temática da viagem encontra-se espelhada em múltiplos textos que compõem o vastíssimo corpus
literário dos países de língua portuguesa. No presente artigo, pretendemos refletir sobre esta temática e
apresentar propostas de exploração da mesma com vista a uma aplicação pedagógica em contexto de
ensino-aprendizagem de Português como Língua Não Materna (doravante PLNM) a um público
francófono e/ou francófilo, conhecedor das dinâmicas migratórias entre Portugal e França. A escolha
deste público prende-se, em grande parte, com a premência em desenvolver a consciência intercultural
dos estudantes, já que estes se encontram integrados numa sociedade marcada pela imigração, podendo
fazer parte do grupo migrante ou do grupo de acolhimento. Ademais, a pertinência desta reflexão deriva
também do contexto privilegiado em que nos encontramos atualmente, pois encontra-se a decorrer a
Temporada Cruzada Portugal-França, iniciativa que visa destacar a proximidade e os laços históricos e
migratórios que unem estes dois países e que se traduzem na existência de uma forte presença portuguesa
em contexto francês (e, acrescentaríamos nós, francófono) e de uma comunidade crescente de cidadãos
de origem francesa (e francófona) em território português. Neste contexto, consideramos oportuno
sublinhar que o público aprendente de PLNM em França é deveras heterogéneo, pois, no seio da mesma
sala de aula, podemos encontrar falantes de Português como Língua Estrangeira (doravante PLE) e
falantes de Português como Língua de Herança (doravante PLH). Esta distinção parece-nos fulcral para
que possamos compreender a importância do estudo dos imaginários da viagem (física e/ou espiritual)
ao longo do processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa. Almejamos ainda chamar a atenção
do docente e do aprendente para a importância da leitura e da análise literária durante o processo de
aprendizagem de uma língua não materna. Para esse fim, apresentaremos pistas de exploração didática
de dois objetos literários, que poderão servir de ponto de partida para o desenvolvimento da competência
intercultural dos aprendentes.
De modo a estruturar a nossa análise, começaremos, num primeiro momento, por descrever
brevemente o nosso público-alvo e as principais diferenças entre o aprendente de PLE e o aprendente
de PLH em contexto francês; distinções estas que nos parece essencial que o docente tome em conta
aquando da sua prática pedagógica. Num segundo momento, procederemos a uma reflexão sobre o papel
desempenhado pela literatura no processo de ensino-aprendizagem do PLNM e sobre as vantagens da
exploração do texto literário junto dos aprendentes estrangeiros, apresentando pistas de exploração da
dimensão migratória em dois textos líricos. Devido ao caráter algo complexo desta análise, cremos que
seria ideal realizá-la com um público universitário, preferencialmente, de nível Vantagem/Autonomia
(Conselho da Europa, 2001).
Antes de distinguirmos os aprendentes de PLH dos aprendentes de PLE, cremos essencial fazer uma
brevíssima perspetiva histórica sobre a oferta do português como língua estrangeira em França. Até à
segunda metade do século XX, altura na qual as vagas migratórias de portugueses para França se
intensificaram devido à dureza do regime de Salazar, a língua portuguesa tinha um lugar de pouco
destaque no sistema de ensino formal e não-formal francês. De entre as poucas iniciativas de promoção
do português existentes no país antes dessa época, podemos mencionar, a título de exemplo, a introdução
do português no leque de aulas propostas pela Société pour la Propagation des Langues Étrangères en
France, em 1891. Esta decorreu essencialmente de motivos de caráter económico, pois, tal como consta
no boletim desta sociedade publicado em outubro desse mesmo ano, este idioma era “não somente a
língua de Camões, mas também a dos países produtores de bons vinhos, dos países produtores de café,
dos países produtores de borracha” (Penjon, 2019, tradução nossa). Desse momento em diante, o
português começou a ganhar alguma visibilidade; visibilidade esta que se viu aumentada com a chegada
127
do século XX. Este século pode ser considerado como uma reviravolta no ensino da língua portuguesa
em contexto francês, já que, em 1919, Georges Le Gentil implantou o ensino da língua e da literatura
portuguesa na Sorbonne, em Paris. Com o passar dos anos, cada vez mais universidades começaram a
propor o português como língua opcional, tendo este diversos estatutos em função do local onde era
ensinado. A rede de instituições superiores com oferta de português (que, mais tarde, viriam a tornar-se
leitorados do Instituto Camões) alargava-se progressivamente e o mesmo acontecia com o ensino do
francês em território lusófono, uma vez que, durante este período, as universidades francesas apostaram
no envio de jovens docentes para Portugal e para o Brasil com vista a promover o ensino do francês.
Um outro marco histórico que consideramos pertinente mencionar é a criação do Capes (concurso de
profissionalização de professores em França) de português no ano de 1970. Estamos em crer que a
abertura deste concurso cujo objetivo principal é formar professores para as escolas básicas e
secundárias adveio, em larga medida, da necessidade de propor aulas de português para os descendentes
dos emigrantes portugueses que começavam, naquela altura, a tentar integrar-se no tecido social de
chegada. A necessidade de formação de docentes especializados parece-nos ter também derivado da
assinatura de múltiplos protocolos entre Portugal e França em meados dos anos 70, altura em que o
ensino da língua e da cultura de origem (ELCO) foi encorajado de forma a proporcionar às crianças
migrantes um contacto com a língua e cultura do seu país natal. Nos dias de hoje, o ensino do português
em contexto francófono é maioritariamente assegurado por instituições vinculadas ao Instituto Camões,
mantendo-se também aberto o Capes de português. No entanto, ousamos assertar que o paradigma
mudou ligeiramente, pois o ensino do português já não se destina apenas a lusodescendentes, tendo-se
estendido a qualquer aluno que nutra um interesse pela língua. Podemos ainda salientar que o ensino do
português em contexto formal de aprendizagem tem vindo a sofrer uma redução em certas regiões.
Paralelamente, tem sido observável uma aposta no corpo associativo como meio de difusão da língua
portuguesa, sendo este mais voltado para os possíveis aprendentes de PLH, na medida em que o espaço
das associações é ainda por muitos percecionado como um local de transmissão e conservação de uma
identidade cultural minoritária (Faneca, 2007).
128
formalmente aprendida ou sistematizada, tende a sofrer uma maior interferência por parte de outras
línguas aprendidas de forma sistemática (Flores, 2008). Ademais, mesmo o input oral nesta língua se vê
reduzido após a entrada da criança no sistema de ensino da sociedade de acolhimento. A língua
maioritária passa a ser a principal língua de comunicação e socialização da criança, podendo mesmo
passar a constituir uma das línguas de comunicação no seio da própria família (Flores & Melo-Pfeifer,
2014). Em alguns casos, o facto de viver entre duas línguas e esferas socioculturais pode levar o
indivíduo a sentir uma certa fragmentação identitária, que se poderá traduzir num sentimento de
inautenticidade aquando da expressão em língua de herança (Kramsch, 2012). A língua de herança
surge, assim, associada a uma carga emocional, afetiva e identitária enorme, que não poderá ser ignorada
pelo docente de português.
Em contexto francófono, encontramos ainda aprendentes sem qualquer ligação familiar ao
universo lusófono, mas que, por motivos vários, se sentem motivados para aprender a língua portuguesa.
Muitos destes falantes têm uma hetero-representação própria das comunidades lusófonas, que cabe ao
professor desconstruir em contexto de sala de aula. Contrariamente aos falantes de PLH, para estes, o
português é uma língua estrangeira, ou seja, uma língua que adicionam ao espólio de línguas maternas
e estrangeiras previamente aprendidas (Cook, 2002). Esta língua é, portanto, normalmente aprendida
em contexto instrucional (de aprendizagem formal ou não-formal), seguindo um processo explícito,
intencional, explicável e, regra geral, indutivo, que trata a língua como objeto de estudo e ferramenta de
comunicação (Felder & Henriques, 1995). Por essa razão, a sua aprendizagem implica mais esforço e
atenção (Schmidt, 2010) e esta tende a ser integrada de forma declarativa, pelo que depende de processos
de memorização e de resolução de problemas (Zobl, 1995). Os falantes de PLE vão, deste modo,
enriquecer a sua panóplia de competências linguísticas, reforçando o seu caráter plurilingue e
multicompetente. Como dominam outras línguas e o português não é a sua língua materna, apresentarão
uma configuração linguística muito distinta dos falantes de língua de herança e o docente deve estar
preparado para compreender o plurilinguismo particular de cada um dos estudantes que tem diante de
si. Por conseguinte, este deve analisar os conhecimentos linguísticos dos seus estudantes sob um olhar
holístico, pois cada indivíduo plurilingue terá uma configuração linguística única e diferente (mas
completa) que integra em si vários sistemas linguísticos em constante interação (Grosjean, 1992). No
que toca à esfera afetivo-emocional, o aprendente de PLE vai tratar esta língua com mais distanciamento
do que a língua materna (Pavlenko, 2002) e pode sentir alguma ilegitimidade aquando do momento de
expressão neste idioma em frente a nativos (Kramsch, 2012). Este sentimento é frequentemente devido
ao temor de julgamento por parte dos falantes nativos e pela falta de confiança no momento de
expressão.
Como é possível constatar, a carga identitária, simbólica e afetivo-emocional do processo de
ensino-aprendizagem do PLE e do PLH em contexto francófono encontra-se fortemente ligada a
fenómenos históricos e acreditamos que esta deve ser trabalhada em contexto de sala de aula de forma
que o ensino contribua para a constituição de uma sociedade mais fraterna e acolhedora da diversidade.
Estamos em crer que a exploração de textos literários pode constituir uma boa plataforma para o estudo
da temática migratória e para a desconstrução de determinadas hetero e auto-representações sobre a
comunidade portuguesa, favorecendo assim o desenvolvimento de uma competência intercultural
reflexiva.
Apesar de, em meados do século XX, a literatura ter perdido a sua centralidade e se ter visto quase
afastada por completo do contexto de sala de aula, este afastamento começou a ser revertido já na década
de 80 (Gonzalez, 2018). A nosso ver, o texto literário constitui em si mesmo um objeto de extrema
autenticidade de usos e registos, podendo ser considerado uma fonte riquíssima de inputs reais e
autênticos. O binómio língua-literatura parece-nos indissociável e ousamos mesmo afirmar que a
exploração de ambos os conceitos em contexto de ensino-aprendizagem de PLE e de PLH é essencial
para que o aprendente progrida de forma gradual e consistente. De modo a sensibilizar os alunos, desde
uma fase precoce da aprendizagem, para esta relação simbiótica altamente profícua entre a língua e a
literatura, o docente deve ter presente a ideia de que o ensino da língua e da literatura devem ser
concomitantes, não se tratando de “ensinar língua mais literatura ou de ensinar língua e depois literatura”
129
(Fonseca, 2000, p. 37). Partindo desta premissa, podemos inferir que o texto literário representa uma
oportunidade para explorar junto dos aprendentes não somente a tipologia do texto e a sua inserção
numa dada família literária, mas também aspetos ligados à língua nas suas mais variadas formas,
podendo servir de ponto de partida para um escrutínio de dificuldades de ordem gramatical, sintática e
até mesmo pragmática (Duarte, 2011). Além disso, as possibilidades de exploração de um objeto
literário não se limitam a questões puramente linguísticas, estilísticas ou pragmáticas, não devendo o
docente percecionar a análise literária como um elemento decorativo colocado ao serviço de
determinados objetivos utilitários (Bernardes & Mateus, 2013). Acreditamos que a exploração do objeto
literário ao serviço de objetivos unicamente utilitários pode impedir o aluno de fruir o prazer da leitura,
o que conduzirá a uma possível inibição da relação afetiva do aprendente com a língua estudada. Por
essa razão, Reyes (1984) sublinha que considerar a literatura “como ejemplo de lengua culta prestigiosa
[…] es un error […] la literatura es mucho m s que eso” p. 193 . A associação da literatura aos conceitos
de prestígio e complexidade não nos parece adequada, pois esta vai incutir no aprendente uma certa
resistência e afastamento. De modo que tal não ocorra, o docente deve tentar instaurar um movimento
de vaivém entre a análise do discurso dito ordinário e o discurso literário, já que o conhecimento de um
tipo de discurso confere ao aprendente ferramentas para descodificar o funcionamento do outro (Adam,
1991).
Ademais, cremos que é imprescindível fazer uma outra articulação entre os conceitos de cultura
e de literatura, pois a análise dos paradigmas culturais refletidos nos textos permite ao aprendente
conhecer novas dimensões do mundo através da voz do autor textual. A análise literária em contexto de
ensino de PLNM constitui, deste modo, uma excelente oportunidade para a aplicação de uma pedagogia
intercultural, segundo a qual o indivíduo reflete e dialoga com o Outro sem estabelecer com este
qualquer relação de força ou de hierarquia. Tal como defende Xavier (2019), este tipo de abordagens
contribui para o desenvolvimento de uma consciência intercultural autocrítica baseada em princípios de
igualdade, inclusão e aceitação. Motivados pela vontade de despoletar no aprendente uma consciência
intercultural, decidimos debruçar-nos sobre a análise de dois textos líricos que retratam experiências
viáticas protagonizadas por indivíduos portugueses em duas temporalidades distintas, o que confere ao
aprendente uma visão ampla e dinâmica dos escritos sobre migrações. Cremos que a análise destes pode
incitar a um processo de sensibilização para o universo do Outro e de mediação intercultural. Esta
mediação é fulcral no caso do contexto de ensino-aprendizagem por nós estudado, pois, para os falantes
de LH, o ‘Outro’ são os seus antepassados e, no caso dos aprendentes franc fonos de LE, este ‘Outro’
é, por vezes, portador de uma carga simbólica que o parece desumanizar.
130
poema, o elemento unificador do corpo coletivo parece dissipar-se, sobrando, no final, apenas vidas
perdidas nas quais a morte reina. Paralelamente, podemos também identificar neste poema uma crítica
subliminar à própria figura do emigrante que, por não resistir às adversidades, foge para França e se
submete à exploração por terceiros, tornando-se assim num “corpo de aluguer, an nimo” ibidem, p.
65). Associada a este declínio do coletivo e, diríamos mesmo, da honra do ser, surge a ideia de declínio
geográfico e histórico, pois, contrariamente a alguns navegadores entusiastas da época dos
Descobrimentos, o emigrante da segunda metade do século XX nunca quis a terra distante e parte não
numa perspetiva de dominação do Outro, mas de sujeição. Esta ideia vê-se claramente espelhada nos
dois últimos versos do poema: “J foram do mar/ Vão para as terras de rança” (Alegre, 2000, p. 85).
Curiosamente, esta noção de corpo coletivo percorre uma considerável parte da lírica de Manuel Alegre,
chegando mesmo a incluir em si todo um povo “cujo fado ou sorte é passar a ser sin nimo de exílio”
(Coutinho, 2009, p. 65).
No que concerne a Filipa Leal, esta autora portuense vem-se afirmando como uma figura
emergente no panorama da literatura nacional contemporânea. A estratégia intermedial de divulgação
do seu trabalho liter rio, que faz da autora e da sua imagem um “produto comunicativo” (Melo, 2016,
p. 105) presente em diversas plataformas tecnológicas, parece-nos desde logo apelativa para o
aprendente que, em muitos casos, é consumidor assíduo de conteúdos digitais. Pensamos que esta
presença da figura autoral na web pode até incitar o aprendente a ir à procura do objeto literário físico,
promovendo consequentemente a prática da leitura. Tendo em conta o potencial da abordagem de um
poema desta autora e o eixo temático que pretendemos trabalhar, escolhemos analisar em contexto de
LNM o poema “Manual de despedida para mulheres sensíveis”. Neste poema, cuja estrutura interna é
variável e entrecortada por interrogações diretas que parecem interpelar o próprio leitor, o eu lírico
assiste à partida do seu irmão e descreve os momentos que a precedem. Esta mulher, que assume um
papel passivo face à experiência viática, tece duras considerações sobre o estado de Portugal, país que,
segundo ela, força os seus cidadãos a partir para o estrangeiro em busca de oportunidades de emprego.
Portugal passa assim a ser percecionado como um não-lugar: “quando ainda existia ortugal” (Leal,
2016, p. 49). Este não-lugar despoleta no eu lírico uma ambivalência sentimental fraturante, pois, num
jogo de aparências, tenta manter-se forte e animada quando, na verdade, se sente tentada a sucumbir ao
medo e à saudade. A nível textual, esta ideia de inexistência e desconcerto traduz-se sobretudo nas
escolhas lexicais da autora, nomeadamente, o uso de calão, a presença constante dos advérbios de
negação ‘não’, ‘nunca’ e ‘ninguém’ e as alusões à morte que constitui em si mesma uma partida eterna
e à memória de um passado irrecuperável.
Como é possível observar, ambos os textos líricos apresentados tratam a temática da emigração
de formas muito distintas que resultam, em grande parte, das temporalidades em que as experiências
migratórias têm lugar. A nossa escolha recaiu sobre estes poemas, pois acreditamos que ambos colocam
em evidência de forma clara uma das razões que conduziu (e, ainda hoje, conduz) os portugueses a
partir: a procura de oportunidades de vida melhores num país estrangeiro. Apesar de os meios de
transporte e as condições da viagem terem sofrido alterações inerentes ao avanço tecnológico das
sociedades, a falta de trabalho continua a ser um dos principais motivos que leva as pessoas a sair do
país. Curiosamente, os sentimentos espelhados nos poemas em relação à partida são algo distintos e
estamos em crer que uma leitura comparativa e reflexiva destes dois textos junto dos estudantes poderá
fazer com que eles adquiram um maior à-vontade na hora de exprimir emoções em língua não materna.
Além disso, estando em contexto universitário, muitos destes poderão já ter experimentado estas
emoções aquando de experiências no estrangeiro. Por esse mesmo motivo, acreditamos que uma
interpretação dos textos com espaço para debate e partilha poderá simultaneamente reforçar a ligação
afetiva entre o aprendente e a língua, o aprendente e os seus colegas e até o aprendente e o próprio
docente, o que levará ao estabelecimento de um ambiente positivo de ensino-aprendizagem. Ademais,
nesta nossa brevíssima seleção textual, procurámos explorar duas vozes autorais de géneros distintos e
cujas perceções da partida e proximidade em relação ao indivíduo que parte são algo dispares. Desta
forma, o debate e a reflexão tornar-se-ão mais abrangentes, conferindo ao aprendente um leque amplo
de estímulos interpretativos.
131
Conclusão
Em suma, a nosso ver, a análise do fenómeno migratório entre Portugal e França à luz do estudo de
objetos literários de temporalidades distintas e de contextos sociais diferentes pode constituir uma
excelente ferramenta para o desenvolvimento da consciência intercultural, reflexiva e autocrítica do
aprendente de PLNM em contexto de não-imersão linguística. Dentro deste grupo de aprendentes cuja
heterogeneidade é evidente, é possível distinguir dois grupos predominantes, o de aprendentes de PLH
e o de aprendentes de PLE. Para ambos os grupos, o estudo destes textos literários poderá encorajar um
reforço da aprendizagem do binómio língua-cultura(s), favorecendo uma visão holística do sistema
linguístico e da riqueza cultural e histórica a ele associada. Neste sentido, a nossa abordagem parece-
nos poder, simultaneamente, contribuir para a reconciliação identitária dos falantes de PLH e para a
desconstrução de possíveis hetero-representações de que poderá ser portador o aprendente de PLE em
contexto francês. Queremos acreditar que as nossas considerações poderão representar um contributo
para futuras reflexões sobre o ensino do PLNM em contexto francês ou francófono; reflexões estas que
poderão até resultar das iniciativas presentemente levadas a cabo no âmbito da Temporada Cruzada
Portugal - França.
Reférencias
Adam, J.-M. (1991). Langue et Littérature, Analyses Pragmatiques et Textuelles. Paris: Hachette.
Alegre, M. (2000). Praça da Canção; O Canto e as Armas (1a edição). Lisboa: Publicações Dom
Quixote.
Bernardes, J. , & Mateus, R. (2013). Literatura e ensino de português. Lisboa: Fundação Francisco
Manuel dos Santos.
Conselho da Europa. (2001). Quadro europeu comum de referência para as línguas: Aprendizagem,
ensino, avaliação (J. M. Alves (ed.)). Porto: Asa.
Cook, V. (2002). Portraits of the L2 user (Vol. 1). Clevedon: Multilingual Matters Clevedon.
Coutinho, A. (2009). Lentes bifocais: Representações da diáspora portuguesa do século XX (1a edição).
Porto: Edições Afrontamento / Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa (FLUP).
Coutinho, A.. (2014). Écritures de la diaspora portugaise (xx e-xxi e siècles : liminarité s et
transfrontière(s). Diogène, 246–247(2), 182.
Duarte, I. M. (2011). Formas de tratamento em português: Entre léxico e discurso. Matraga-Revista Do
Programa de Pós-Graduação Em Letras Da UERJ, 18(28), 84–101.
Faneca, R.M. (2007). A natureza das representações da língua e cultura portuguesas que circulam dentro
das associações portuguesas em França. Palavras, 32, 39–53.
Felder, R., & Henriques, E. (1995). Learning and teaching styles in foreign and second language
education. Foreign Language Annals, 28(1), 21–31.
Flores, C. (2008). A competência sintáctica de falantes bilingues luso-alemães regressados a Portugal:
Um estudo sobre erosão linguística. Tese de doutoramento, Universidade do Minho, Braga,
Portugal.
Flores, C., & Melo- feifer, S. 2014 . O conceito “Língua de Herança” na perspetiva da Linguística e
da Didática de Língua: considerações pluridisciplinares em torno do perfil linguístico da criança
lusodescendente na Alemanha. Domínios de Lingu@gem, 8(3), 16–45.
Flores, C., & Almeida, L. (2017). Bilinguismo. In M. Freitas & A. Santos (Eds.), Aquisição de língua
materna e não materna: Questões gerais e dados do português (pp. 275–304). Berlim: Language
Science Press.
Fonseca, F. I. (2000). Da inseparabilidade entre o ensino da língua e o ensino da Literatura. In C. Reis,
A. C. Macário Lopes, J. A. Cardoso Bernardes, C. Mello, A. P. Arnaut, I. Lopes, & M. L.
Azevedo (Eds.), Didáctica da Língua e da Literatura (pp. 37–45). Coimbra: Almedina/ILLP
Faculdade de Letras.
132
Gonzalez, I. O. (2018). A Literatura nas aulas de PLE: Para aprender e comunicar sobre a memória
cultural portuguesa. Diacrítica, 32(2), 211.
Grosjean, F. (1992). Another view of biligualism. In R. J. Harris (Ed.), Cognitive processing in
bilinguals. (pp. 51–62). Amsterdam, London, New York, Tokyo: North-Holland.
Kramsch, C. (2012). Authenticity and legitimacy in multilingual SLA. Critical Multilingualism Studies,
1(1), 107–128.
Leal, F. (2016). Vem à quinta-feira. Porto: Assírio & Alvim.
Melo, S. (2016). Profissão? Autora. Novas figuras autorais da poesia portuguesa contemporânea.
Interdisciplinar, 26, 105–122.
Pavlenko, A. (2002). Bilingualism and emotions. Multilingua, 21(1), 45–78.
enjon, J. 2019 . Naissance de l’enseignement du portugais. eflexos: Enseigner Le ortugais omme
Langue Étrangère Dans Le Monde – Bilans, Enjeux et Perspectives, 4. Acedido em 07-07-2022.
Disponível em: https://revues.univ-tlse2.fr:443/reflexos/index.php?id=582
Melo- feifer, S., & Schmidt, A. 2012 . Linking “Heritage Language” Education and lurilingual
Repertoires development: Evidences from drawings of Portuguese pupils in Germany. L1-
Educational Studies in Language and Literature, 12, 1–30.
Reyes, G. (1984). Polifonía textual. La citación en el relato literario. Madrid: Editorial Gredos.
osas, . 1994 . As “mudanças invisíveis” do p s-guerra. In J. Mattoso (Ed.), História de Portugal (7o
vol, pp. 419–502). Lisboa: Círculo de Leitores.
Schmidt, R. (2010). Attention, awareness, and individual differences in language learning. In W. Chan,
S. Chi, K. Cin, J. Istanto, M. Magami, J. Sew, T. Suthiwan, & I. Walker (Eds.), Proceedings of
CLaSIC 2010 (pp. 721–737). Singapura: National University of Singapore, Centre for Language
Studies.
Valdés, G. (1995). The Teaching of Minority Languages as Academic Subjects: Pedagogical and
Theoretical Challenges. The Modern Language Journal, 79, 299–328.
Xavier, L. G. (2019). Ler textos literários em aula de PLE. Diacrítica, 33(3), 113–121.
Zobl, H. 1995 . onverging evidence for the “acquisition-learning” distinction. Applied Linguistics,
16(1), 35–56.
133
Literaturas de Expressão
Portuguesa
134
A escrita existencialista-ontológica do espaço beirão em Vergílio Ferreia e
Eduardo Lourenço
1. Introdução
A obra vergiliana, vasta e dispersa, oferece uma panóplia de análises nas mais diversas áreas e muitos
são os contributos literários e filosóficos pela escolha(s) temática(s) e pela reflexão que convida a quem
a lê. Também Eduardo Lourenço envereda pelo mesmo caminho ontológico, permitindo que os
universos filosóficos criem uma teia de enredos literários que só a Filosofia conseguirá desenlear.
Em ambos, o deambular da personagem no espaço ou a reflexão ontológica a partir do espaço,
influenciará as escolhas, correntes literárias e filosóficas, sendo estes dois autores, no nosso entender,
condicionados pelos espaços beirões que povoam a sua génese criadora.
Assim, e atendendo ao facto de na obra literária e ensaística, respetivamente, estar presente o
conflito entre o Eu e o Outro, nas suas mais diversas representações, propomo-nos analisar
comparativamente as obras com pendor existencialista de Vergílio Ferreira e ensaísticas de pendor
ontológico, de Eduardo Lourenço, com ligações à influência do espaço na modelação da personagem ou
do autor.
De Vergílio Ferreira selecionámos os romances autodiegéticos e beirões Manhã Submersa (1953)
que relata a «morte de Deus», Estrela Polar (1962) a solidão radical e Para Sempre (1983),a tragicidade,
questionando-se sempre a condição humana, vista à luz de um quase romance-ensaio. Este autor elege
135
determinados espaços para a suas personagens deambularem e se construírem; espaços, na sua maioria
criadores de situações-limite, que conduzem a importantes análises introspetivas e dialéticas.
Eduardo Lourenço, o autor a quem foi atribuído o evidente epíteto de «mestre serrano»37, num
claro e profundo sentimento de «portuguesismo» combinado com uma percepção incomparável da
sociedade cosmopolita francesa, analisa a realidade cultural de fora para e por dentro. No seu ensaio
Labirinto da Saudade - Psicanálise Mítica do Destino Português (1983), reflete acerca da identidade
portuguesa; em Nós e a Europa ou as duas razões (1988), inquieta-se na tentativa de conciliação entre o
nacional e o europeu francês e A nau de Ícaro (1999), parte metaforicamente da pintura bruegheliana e
surge um Portugal eternamente fadado para a perpetuação das glórias antigas, mesmo quando já solitário
e temporalmente longe, surge no mesmo porto de onde partiu há quinhentos anos para a mitificação.
É em Coimbra, nos anos 40 do século XX, que Vergílio Ferreira contacta com prolixos movimentos
literários, numa primeira fase38 com o Neorrealismo e numa segunda fase, afastando-se dos problemas
de índole social e do papel da literatura enquanto motor de denúncia social, opta pelos confrontos entre
a dimensão político-social do “ser” e uma crescente consciência existencialista. omeça, pois, a
considerar o homem e a dimensão humana a partir de outros horizontes, contribuindo este tema, nos
romances vergilianos, para a construção de uma dimensão individual e metafísica.
Em Manhã Submersa rememora-se a vida passada por António Santos Lopes - o Borralho, o alter-
ego de Vergílio Ferreira, no Seminário Menor da Diocese da Guarda, no Fundão. O passado é
referenciado e interrogado com tal intensidade que se torna uma obrigação em direcção a um futuro.
Neste romance vemos, o uso magistral das conceções da categoria da narrativa - o espaço: o espaço
físico (aldeia, Seminário, Lisboa); o social (casa de D. Estefânia e cerimónias protocolares do
Seminário) e o psicológico (visível no crescimento interior da personagem e encontro com o metafísico).
É, certamente, na confluência do físico e do psicológico que nos vamos deter.
A aldeia e o Seminário são dois espaços opostos, a aldeia de Castanheira (toponímia ficcionada)
é um espaço aberto, recordada à distância temporal, com alguma felicidade e nostalgia. Na aldeia situa-
se casa da mãe, pobre mas acolhedora; também a casa da patrona, D. Estefânia, que ficava “a um canto
da aldeia” erreira: 2000,72 , isolada e distante marcando as diferenças sociais e aumentando o
isolamento existencial do protagonista. Por outro lado, o Seminário representa a clausura, a dúvida pela
amplitude das salas frias e altas, com um “quarto nu” erreira, 2000: 84 , espaço descrito como
efectivamente era, um casarão pobre, frio, com janelas rasgadas; espaço atemorizador que se entranha
no espaço psicológico da personagem, completando e caracterizando-o:
“Lentamente, o casarão foi rodando com a curva da estrada, espiando-nos do alto da sua
quietude lôbrega pelos cem olhos das janelas. Até que, chegados à larga boca do portão,
nos tragou a todos imediatamente, cerrando as mandíbulas logo atr s.” erreira, 2000: 21).
O espaço não é mais do que um meio utilizado para explicar a existência, desvendar o mistério
das coisas e saber interrogar a existência divina. Ao mencionar os espaços por onde se vai construindo,
reconhecemos que o autor vive entre o absoluto e existência, o real e o sonho, a noite e a claridade.
37
Maria Velho da Costa, «Retrato», 1984, citado por Maria Manuela Cruzeiro, Maria Manuel Baptista, Tempos de Eduardo Lourenço –
Fotobiografia, Porto, Campo das Letras, 2003, p.18.
38
Apesar de considerarmos que dividir uma obra em fases literárias é reduzi-la, também entendemos que seja necessário, por questões literárias
fazê-lo e, neste caso, temos em atenção as considerações de Gavilanes Laso, J.L. (1989: 47-48). Este autor considera, no percurso de Vergílio
Ferreira, existirem três fases literárias: a primeira iniciada com as incursões nas letras, durante as primeiras produções (O Caminho fica longe
(1943), Onde tudo foi morrendo (1944) e Vagão “J” (1946), a fase intimista, transfigurando sempre a ação em lugares míticos a reenviar para
um espaço originário. Uma segunda fase, a iniciar nos anos do pós-guerra, com uma inegável incursão pelos ideais do Neorrealismo:
Mudança (1949), e termina com Escrever (diário; ed. Póstuma - 2001),abarcando obras do romance a ensaios. Perfecto-E. Quadrado também
considera que Vergílio Ferreira desenvolve a sua atividade literária em apenas duas fases literárias (Vergilio Ferreira «Autopercepción
intelectual de un processo histórico. Para una auto-análisis literário. A traves de un cuestionário de Perfecto-E. Cuadrado a Vergilio Ferreira»,
in Anthopos, nº 101, 1989, pp. 8-9.
136
No final, surge, inevitavelmente, um narrador diferente, um homem que ultrapassou o percurso
iniciático e que na epifania da oscilação entre o narrativo e o poético, consegue ultrapassar o itinerário
do herói enclausurado, de Manhã Submersa,
“Por isso, aqui nesta hora nua em que escrevo, perdido no rumor distante da cidade,
conforta-me pensar não sei em que apelo invisível de vida e de harmonia […].” (Ferreira,
2000: 217),
Ideia um pouco distinta, é o espaço físico em Estrela Polar, que revela a ligação a Penalva e
simboliza a altitude, a tentativa de ascese, é a visão de um eremita, que perceciona a cidade a partir da
sua casa no sétimo andar, lugar altivo e pleno de inquietações. Enquanto em Manhã Submersa há o
distanciamento relativamente ao espaço, criando uma estranha comunhão com ele, a «casa polar»
proporciona um local de conflito, e concomitantemente uma tentativa de encontro do «eu» com o «tu»,
uma simbiose do plano existencialista. Penalva, é pois, o espaço que se transmuta, assumindo vários
significados ao nível metafísico. O narrador explora sobretudo a solidão ontológica sugestionável pelas
ruas labirínticas de Penalva, deambulando sem um rumo, descreve roteiristicamente “a cidade escura,
negra de Inverno e velhice” erreira, 2011: 14 , tal como escuro é o quarto da casa de Adalberto
Nogueira: um quarto com uma janela “que dava para um muro”. erreira, 2011: 22
Em Estrela Polar, Adalberto é um homem que vive com uma angústia de conhecimento de si
próprio e do outro, que domina por completo toda a sua existência, vivendo em função da busca interior,
que sente que necessita de alguém que o ajude a encontrar-se na plenitude, além dos limites de si próprio,
que só através de outro poderá alcançar; segundo ele, a «estrela polar», guiá-lo-á, mas muito
dificilmente, muito raramente e por pouco tempo a consegue encontrar.
O narrador vergiliano percorre a cidade enviesada, tal como enviesada está a sua memória ou até
a sua existência, remetendo para o evidente homem insatisfeito que luta com a problemática do absurdo,
que na narrativa ficcional portuguesa, se traduz nas inquietações da subjetividade humana, no seu estar
no mundo, tanto nas relações com o outro, como consigo mesmo. Neste sentido, entramos na lógica da
existência, e o sentimento do absurdo nasce justamente dessa confrontação entre o desejo do homem
por clareza, aproximando-se de amus, n’O mito de Sísifo, “em toda parte o absurdo nasce de uma
comparação”, nasce como uma “confrontação e uma luta sem trégua” amus, 2010: 41-42). A partir
desta premissa, convergente com a exposição ficcional do absurdo da vida, em Estrela Polar, há uma
clara confrontação do protagonista, Adalberto, com o mundo e consigo mesmo. O expoente máximo do
absurdo concretiza-se na personagem e, por extensão, no triângulo amoroso com as gémeas Aida e Alda.
É nessa cidade altaneira de Penalva, nessas ruas enviesadas e negras de velhice que Adalberto
encontra a vertigem da vida, que lhe permitirá a transformação do ser,
“Ó enalva, cidade aérea, aberta de espaço para todo o lado e tão como esta prisão. Mas eu
era dali, da sua imobilidade eterna, da sua condenação eterna.” erreira, 2011: 199 .
Envolvido pela mais completa solidão, Adalberto apaixona-se por Aida, uma jovem que trabalha
na livraria e tem uma irmã gémea extremamente parecida com ela. Tal semelhança faz com que ele não
consiga distingui-las, causando certa confusão e levando-o a trocar uma por outra muitas vezes, mas
Aida sobrepõe-se e, com o tempo, aos olhos de Adalberto ela gasta-se-lhe.
Da prisão, condenado a vinte anos, por ter matado Aida escreve as suas memórias, a fim de se
purgar do seu crime e fugir da loucura. Esta obra termina com o narrador a enumerar uma série de
acontecimentos da sua história que conscientemente e outra vez se repetirão, não tendo ele capacidade
de alterar o destino, tal como Sísifo, ambos condenados à repetição dos gestos.
“Abrir-me-ão as portas depois, se viver ainda. E voltarei a Penalva, Então encontrarei
decerto Aida que tem uma irmã extraordinariamente parecida com ela” erreira, 2011:
278).
Tanto em Manhã Submersa como em Estrela Polar percebemos a progressiva «morte de Deus»
e a sua substituição pelo homem, um processo iniciado na primeira obra e terminado na segunda; Manhã
Submersa termina com a esperança depositada na relação entre António e a mulher idealizada, também
em Estrela Polar, a relação de Adalberto com Aida era um prenúncio de criação e que finaliza na
solidão; aponta-se para um recomeço, um percurso circular, no final volta-se ao início para se cumprir
o destino. Também em Para Sempre, Paulo estando já sozinho, regressa à casa da infância para
habitar um tempo de ausência, com a voz de um narrador que será a pedra de toque para a reflexão,
137
descontínua, constantemente atravessado por fragmentos de diálogos, pelos fantasmas de seres ausentes
ou mortos.
Este labirinto existencial, a prisão terrena a que o homem estará preso para sempre, ocupa as
diegeses vergilianas:
“O passado é um labirinto e estamos nele, um passado não tem cronologia senão para os
outros, os que lhe são estranhos. Mas o nosso passado somos nós integrados nele ou ele em
nós. Não há nele antes e depois, mas o mais perto e o mais longe. E o mais perto e o mais
longe não se lê no calendário, mas dentro de nós." (Ferreira, 2000: 51)
Este labirinto e confusão existencial perpassa também em Para Sempre, desde logo no início da
obra,
“ ara sempre. Aqui estou. É uma tarde de Verão, est quente. Tarde de Agosto. Olho-a e
volta, na sufocação do calor, na posse do meu destino” erreira, 2008: 9 .
E ao longo dessa tarde de agosto, quente e sufocante, a memória, a emoção e o silêncio, a
montanha, a casa avoenga, o canto de uma voz feminina anónima, os cheiros da casa fechada tudo vai
surgindo na memória do bibliotecário, Paulo. No final da vida procura as origens para ali se poder finar
na antiga casa da aldeia e ao entrar na casa, silenciosa e vazia, abre todas as janelas de par em par e
perscruta o horizonte, o céu e a montanha; segundo Gavilanes Laso a montanha é um dos topoi
fundamentais da poética vergiliana juntamente com o caminho, a casa e a aldeia,
“A montanha é também força maior do universo, d ânimo e consegue aplacar a angústia
sufocada do personagem.” Gavilanes Laso, 1989: 93 .
Esta personagem irá percorrer toda a sua existência a propósito de vários mandamentos que a casa
lhe sugere, revisita, assim épocas distintas da sua vida: a aldeia, a Guarda e parcamente Lisboa. Este
romance é, no nosso entender, um romance «charneira», onde se interligam o romance, o ensaio e o
memorialismo diarístico, um percurso que com ele se inicia e com Cartas a Sandra se encerra. Nele se
inscreve o círculo da vida, e nele se reescreve a vida inteira, e sobretudo o amor no instante da morte.
Esta nostalgia do retorno às origens, a um reino perdido, a nostalgia de quem retorna ao princípio, e para
sempre, encontra-se bem presente em Para Sempre e Estrela Polar.
Quando essa tarde se vai finando para a noite, também a vida se vai encaminhando docemente
para a morte e a atmosfera inicial ressurge como uma elegia nas palavras iniciais que se transformam
em finais e o círculo narrativo fecha-se:
“H uma palavra qualquer que deve poder dizer isso, não a sabes – e porque sabê-la? É a
palavra que conhece o mistério e que o mistério conhece – não é a tua. […] O dia acaba
devagar. Assume-o e aceita-o. É a palavra final, a da aceitação. Só os loucos e os iludidos
a não sabem. Não sou louco. Não são horas de ilusão. Vou fechar a varanda. Tenho de ir
avisar a Deolinda. É uma tarde quente de Agosto, ainda não arrefeceu. Pensa com a
grandeza que pode haver na humildade. Pensa. Profundamente, serenamente. Aqui estou,
na casa grande e deserta. ara sempre” erreira, 2008: 302
O espaço de narração é novamente o interior de uma casa, é um espaço de finitude, uma escolha
de um mundo agónico, de clausura, tal como o são o quarto de Manhã Submersa e Em nome da Terra;
a sala vazia de Aparição; a capela de Até ao Fim; a cela da prisão de Estrela Polar e Nítido Nulo; o
sexto andar de Rápida a Sombra, ou a casa de Para Sempre. Apesar de neste romance parecer nada
haver para contar, a não ser os momentos autobiográficos de Paulo, assistimos à transformação do
narrador, transforma-se a palavra, a palavra misteriosa que a mãe diz à hora da morte e que ele não
consegue entender tornando-se numa das suas maiores obsessões; a transformação de Paulo na cidade
de Penalva quando conhece Sandra e as vivências que estas lhe oferecem. Regressar a casa é também
para ele retornar ao princípio da vida, àquela casa de infância registada na memória, a casa do ser na
descoberta do mundo. É a inevitável transformação ontológica do ser/narrador.
Surgem romances com temáticas ligadas à velhice, à morte e sobretudo à fugacidade da vida
humana, à «morte de Deus», ou à solidão existencial, provocada pelo absurdo da não comunicação, as
quais em geral representam um estudo sofisticado do homem e do significado do ser. É a constante
tentativa de conhecimento do outro na tentativa da plenitude da comunhão com o eu que permite o final
labirinto da reconstrução.
138
3. (Re)Interpretar o ser ontológico de Eduardo Lourenço
Eduardo Lourenço é sobejamente conhecido pelos seus ensaios filosóficos, mas erradamente reduzido
apenas a este conteúdo, foi um autor que ousou pensar Portugal e as suas relações com a Europa e o
mundo. Analisando desde logo o termo ensaio, lemos nas palavras de Eduardo Prado Coelho, que ensaio
stricto sensu, é um texto “onde o autor se interroga e nos interroga … , é o exercício, tanto quanto
possível livre, de uma razão que não procura soluções”. A escolha do ensaísmo, no caminho indicado
por Montaigne, pressupõe, em Eduardo Lourenço, uma preocupação, um desejo material da procura, a
partir da reflexão pessoal e não de uma ordenação do mundo, mas do entendimento da complexidade
humana e das suas metamorfoses. Supõe, portanto,
“uma consciência da pluralidade dos fins e dos meios e das conexões dialécticas que
concretamente os estruturam: não pode desconhecer nem a ironia nem a ação que a supera”
(Coelho, 1972: 48-49).
A obra de Eduardo Lourenço revela, num sentido analítico da cultura portuguesa, que pensar esse
Portugal a partir dos textos lourencianos é pensar metaforicamente no regresso, não só português mas
também europeu, questionando o interior do país e as nostálgicas visões que perpassam através dos
vários autores (Camões, Antero de Quental, António Sérgio, Fernando Pessoa). Mas a que regresso
poderia o autor referir-se: a Portugal? Ao Império perdido, à Europa? O ensaísta centra as suas análises
na cultura portuguesa, remetendo para as origens, a nostalgia da unidade, como forma de resposta, e tal
como afirma Miguel eal 2003: 10 , “ ... ninguém pensou tão incisiva e profundamente a cultura
portuguesa na segunda metade do século XX como o fez Eduardo Lourenço (... ”, quando iniciou a sua
atenção crítica e pensamento «heterodoxo» à Europa, acabada então de sair da devastação do segundo
conflito mundial.
Este «beirão francês» profundo conhecedor e criador do labirinto existencial e das ideias do ser
português, reflete e escreve como se nunca tivesse abandonado o espaço pátrio, o uterum, revelando
uma necessidade intelectual de «pensar o impensado», de «olhar para tudo como se o visse pela primeira
vez, com distanciamento mas com paixão»39. Parece nunca saído das suas origens e das análises beirãs,
“S. edro do io Seco é uma aldeia, do distrito da Guarda, entre outras aldeias que estão
ali ao lado uma das outras, a cinco quilómetros. Não há praticamente comunicação entre
elas, porque realmente não têm nada que trocar entre si. Naquele tempo eram economias
de pura subsistência. A troca fazia-se apenas em dois sentidos: um para Vilar Formoso, que
era a saída para o Mundo, era o caminho-de-ferro que trazia a Europa até ali. (Batista, 2005:
15)
Porém, para que possamos compreender a leitura da cultura portuguesa presente nas obras
lourencianas, importa ter presentes certas idiossincrasias que enquadram e singularizam o seu ser-
ensaísta. A constante inquietação na sua escrita, a ausência do dogmatismo que a constitui, a inegável
ligação ao que é humano e a escolha dos espaços ensaísticos contribuem para que esta escrita não se
construa de modo previsível, mas sim de forma inesperada, sendo composta por avanços e retrocessos,
num trajeto que obedece a interpretações ontológicas decorrentes do próprio texto. Para Eduardo
Lourenço, a noção de cultura enquanto elemento edificador do homem que se constrói pelos espaços
por onde passa, remete-nos para a ideia da complexa relação portuguesa com a Europa e ao complexo
de inferioridade que marcaria o homem português, nos últimos séculos.
Optando por uma evidente lógica racional e argumentativa, associada à historicidade,
reconhecemos no ensaio lourenciano, um caráter moral, o ethos que condiciona e tipifica a sua escrita,
num sentido contínuo de perceção hermenêutica. O espaço literário é pois uma referência para o
desenvolvimento das suas ideias, estabelecendo-o como horizonte referencial, logo Eduardo Lourenço
39
Cf. Maria Manuel Batista no documentário «Eduardo Lourenço - uma poética do pensamento» produzido pela Universidade Aberta em
Janeiro de 2006.
139
não pode ser considerado somente ensaísta, mas um escritor, entrega-se ao estilo, produzindo ensaios
literários, sem deixarem de ser ensaios na sua essência.
Se algumas designações se alteram com as obras, há problemáticas que perpassam e se assumem
como leit-motiv, na verdade desde Heterodoxia até Nós e a Europa ou as duas razões ou Labirinto da
Saudade, o tema é comum, tratando fundamentalmente da imagem que os portugueses foram
construindo acerca da identidade, da falta de identidade ou da hiperidentidade. Para traçar o perfil desta
representação é imperioso recorrer à necessidade que se cria da identidade, da origem do espaço, pois
se algo está a mudar da imagem que nós vamos dando ao mundo, proporcionamos, por vezes paradoxos
interpretativos e de pendor hermenêutico, que servirão de mote a Eduardo Lourenço para analisar a
cultura portuguesa. Na primeira edição de O Labirinto da Saudade, Eduardo Lourenço afirma-o:
“ or gosto, por vocação, mas também por decisão intelectual fundamentada, este nosso
primeiro esboço de imagologia portuguesa é quase exclusivamente centrado sobre imagens
de origem liter ria […], naquelas que por uma razão ou por outra alcançaram uma espécie
de estatuto mítico, pela voga, autoridade e irradiação que tiveram ou continuam a ter”
(Lourenço, 1978: 18)
O próprio termo «labirinto» confirma-o, uma série de intrincadas reflexões acerca da identidade
portuguesa, onde a portugalidade surge na proa dos destinos lusos, os espaços, quer eles sejam de âmbito
nacional ou europeus, são sempre fruto da reflexão identitária. Ele traz-nos a saudade não como um
sentimento melancólico ou lembrança dorida, mas antes como interrogação e dúvida, e demanda de
síntese; tem a coragem de referenciar os dilemas e complexos do modo de ser português, não vacilando
em expor a grandeza e pequenez do imaginário português, ao elencar os seus mitos traumáticos (o da
origem ou do nascimento, o da dominação espanhola e o do Ultimatum inglês) e a fixação obsessiva dos
portugueses numa imagem irreal de si mesmos, forjada em torno de uma ideia de grandeza que era, no
fundo, uma ficção. Ou simplesmente o “triunfo absoluto da visão cultural heterodoxa” eal, 2008: 78).
Esta ficção da imagética nacional continua no ensaio Nós e a Europa ou as duas razões, nele põe
a tónica na cultura ibérica decorrente do Velho Continente, usando imensas nomeações históricas e
literárias para defender a premissa da necessidade coexistencial no espaço físico europeu de
“duas culturas, ou as duas Europas que nelas se exprimem, [que] parecem autonomizar-se
em duas visões do mundo” Lourenço, 1990: 72
duas europas, duas tradições ambivalentes que, a nós, portugueses, incitam sentimentos duais de
animosidade e fascinação. São estas “duas Europas que nos disputam a alma” Lourenço, 1990: 29 :
uma, a ocidente dos Pirinéus, a Europa autêntica, provinciana religiosamente cumpridora, presa à
grandiosidade passada, de «ter dado novos mundos ao mundo» para depois se perder no saudosismo
permanente; a outra, a Europa, além Pirinéus, culta, aberta à imagem da modernidade e mais humanista.
Interrogações iniciadas sobre a Europa e a pertença de Portugal a ela, revelando uma dinâmica de
pensamento que procura acompanhar as razões e problemáticas atuais.
Nesta obra surge uma construção desafiante, o uso do quiasmo e do paradoxo, tal texto perfeito
argumentativo,
“quinhentos anos de imperialismo sem império que foram também quinhentos anos de
Império sem autêntico imperialismo”, como escreve em O labirinto da saudade (Lourenço,
1991: 45).
Já no ensaio A Nau de Ícaro, discute-se o topos comum durante tantos séculos ao povo português:
a emigração, repleta de uma nostalgia nacional que se desdobra na noção de lusofonia, no sonho de uma
comunidade ultramarina dos países de herança lusitana, afinal a nau de Ícaro carrega uma bandeira com
o brasão português. Mas não se trata de uma emigração efetiva, é uma mudança de lugar com felicidade,
onde a dor não tem lugar, a diáspora portuguesa está dilatada e hoje a felicidade não se limita à pátria.
Apesar da partida o amor à pátria mantem-se, eles podem partir mas não deixam as suas raízes, pois, tal
como Ícaro ambicionou a grandeza, também Portugal a teve e por soberba talvez, ou por incapacidade
para a manter, perdeu-a.
A nostalgia da grandiosidade perdida leva à inevitável crítica aos portugueses, que tratam a língua
portuguesa como se fosse uma conquista, um legado premeditado que deram ao mundo. Para ele, isso
não passa de uma ilusão, de uma “miragem imperial”, de uma “obra intermitente de obreiros de acaso e
140
ganância da terra e do céu ” Lourenço, 1999: 122 ; à semelhança de ortugal que se refez, e recriou a
cultura à sua imagem, afirma,
“da América à Ásia, cada povo que fala hoje o português a modelou, a recriou à sua
imagem. Nenhum exemplo é mais relevante do que o Brasil. É um continente escrito em
português, mas num português-outro, adoçado pela brisa dos trópicos, a música africana, o
contributo de todos os que o destino aí levou ao longo dos últimos dois séculos (Lourenço,
1999: 132).
3. Considerações finais:
Tanto Vergílio Ferreira como Eduardo Lourenço representam, respetivamente, pelas vias da ficção e do
ensaio, modos de entender o ser e a cultura portuguesa no mundo e em diálogo consigo mesma; ambos
demonstraram a importância do espaço na construção dos seres e dos pensamentos, da modelação e
construção de personagens narrativas ou ensaísticas. Vergílio Ferreira, elevando o romance à condição
de exegese e explorando os espaços enquanto situações-limite e Lourenço, valendo-se da literatura como
instrumento de análise para a construção do seu ensaio poético dos espaços congregadores ou criadores
de pontes de convergência, concluímos que ambos ousaram interpretar Portugal e (re)construir mitos e
valores portugueses.
Eduardo Lourenço recria a ideia de Portugal, a existência mítica e os imensos caminhos em busca
da diversidade, da portugalidade entre a realidade e o sonho, da língua projetada universalmente, criando
uma permanente perspetiva crítica e a nostalgia da unidade e do absoluto. O vaguear deste português
beirão pela Europa, por vezes, desencantada, formata, influencia sobremaneira a forma de interpretar o
espírito português, afinal continuamos com o olhar fixo na Europa.
Vergílio Ferreira explora as evoluções existenciais que se operam nas personagens após a
deambulação pelos espaços, revestindo de uma constante preocupação interrogar o momento de acordo
com o espaço, sempre recriado pelo olhar, pela memória e pela linguagem poética. O herói é forçado a
sair das origens para a elas retornar, já diferente, vencedor da imutabilidade do presente e portador de
uma plenitude existencial. Regressa consciente de que esses lugares constituíram uma viagem
reconstrutiva que o modificaram.
Numa escrita marcada pela crítica, mas também pelo lirismo, Eduardo Lourenço procurou
dimensionar o lugar de Portugal e dos portugueses no mundo após a aventura marítima de mais de cinco
séculos. Partindo de uma escrita marcada pela circularidade (tal como em Vergílio Ferreira), com um
discurso assente sob(re) o fascínio da vasta galeria de mitos que povoam o imaginário do ser português.
Este autor, o último grande filósofo que ousou pensar Portugal e o que significa ser português, é também
um cultor de paradoxos, pois somente com a capacidade de olharmos o mundo do avesso, poderemos
olhar através das aparências, percebê-lo e compreender o lugar do Homem dentro dele.
Referências
Batista, M.M. (2005). O Outro Lado da Lua. A Ibéria segundo Eduardo Lourenço. Porto: Campo das
Letras.
Camus, A. (2010). O Mito de Sísifo, ensaio sobre o absurdo. Lisboa: Livros do Brasil.
Coelho, E. P. (1972). O reino flutuante. Exercícios sobre a razão e o discurso. Lisboa: Edições 70.
Ferreira, V. (2011). Estrela Polar, Lisboa: Quetzal.
(2008). Para Sempre, Lisboa: Quetzal.
(2000). Manhã Submersa, Lisboa: Bertrand Editora.
Gavilanes-Laso, J.L. (1989). Espaço Simbólico e Metafísico, 1-ª ed., Lisboa: Publicações Dom-Quixote
Lourenço, E. (2001). A nau de Ícaro e Imagem e miragem da lusofonia. São Paulo: Companhia das
Letras
141
(1990). Nós e a Europa ou as duas razões. 3.ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da
Moeda
(1988). Labirinto da saudade. 3.ª ed. Lisboa: Dom Quixote
Perfecto-E. Quadrado 1989 . “An lisis del processo de criacíon y su contexto A través de un
cuestionario de Perfecto-E. Quadrado a Vergílio Ferreira). In Anthropos - Revista de
documentación científica de la cultura, 101, 11-15
Real, M. (2008). Eduardo Lourenço e a Cultura Portuguesa. Lisboa: QuidNovi.
(2003). O essencial sobre Eduardo Lourenço, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
142
“A barca de S. Pedro” de Guerra Junqueiro: notas de leitura
Introdução
Em 1901, Carlos de Lemos escreve em A Chronica que Junqueiro era, de uma s vez “poeta e artista,
lírico e satírico, intelectual e sentimental, iconoclasta e crente: a conceção e a execução, a emoção e a
ironia, o cérebro e o coração, a indignação e o entusiasmo, nele se aliam, se fundem por um segredo da
sua idiossincrasia que é a sua grande força” p. 1 . Mais adiante, na mesma cr nica, o autor acrescenta
que “Junqueiro não é um sol no ocaso; est em pleno meio-dia. Consagrado, é-o, mas porque mereceu
sê-lo. Não sei se pertence à academia; sei que é dos poucos que não adormeceu sob os loiros, isso me
basta para não recear pela sua entrada no Grémio dos que j foram à Gl ria”. E j quase a fechar o texto,
Lemos refere-se ao poeta como sendo “parnasiano”, “revolucion rio” e “místico”, ou seja, “três facetas
do mesmo diamante” p. 2 .
Júlio Brandão (1905), num artigo publicado na revista Serões, no qual o autor alude aos hábitos
mais intimistas de Junqueiro, assim como à sua casa, corrobora a opinião de Lemos em 1901 e apresenta
Junqueiro como “uma das mais extraordin rias figuras peninsulares: pelos lampejos incompar veis da
143
sua ironia c ustica, pelo alor da sua mocidade esplendente” p. 290 . Mas Brandão tece ainda outras
comparações, pois, segundo o autor, falar do “grande poeta” era apontar aquele que “troçara do Diabo,
que matara D. João e que envelhecera o próprio Padre Eterno, - era evocar uma chuva de sátiras, uma
aurora boreal com flechas d’oiro […]” p. 290 .
om o passar dos anos, Junqueiro cujos “versos eram dardos de oiro e lume,” poder ter vestido
“a alma de burel humilde” poder a musa ter florido de “rosas espirituais imarcescíveis mas que
cresceram no pleno marulhar da natureza esplendida” Brandão, 1905, p. 281), contudo, o sociólogo
(com facetas ainda por descobrir e estudar), o estudioso da vida tal como ela se lhe apresentava naquele
final de século com todas as suas controvérsias políticas e religiosas, perdurará no interior de uma alma
sedenta de estudo e de reflexão e A Velhice é a prova disso mesmo, uma vez que incita à mudança, que
pretende abalar consciências no que aos costumes mais arreigados respeita no âmbito da Igreja e do seu
clero corrupto.
Apesar da indignação que rodeia a publicação de A Velhice, num tempo pintado de incredulidade
e grande ceticismo, o povo parece ansiar “em altos brados o escândalo para lhe estimular o espírito, para
lhe excitar a alegria, para lhe aguilhoar a vontade” Magalhães, 1885, p. 187), contudo, nem os
indignados, nem os apaixonados pelas “impiedades brutais [construídas ao longo da obra] compreendem
que o Deus a quem o poeta vibra os seus golpes acerados é o Deus de Roma, é o Deus da lenda clerical,
é o Deus feito pelo homem”, o Deus “que não é forjado pelos homens, mas resplandece no fundo da
grande alma humana” (p. 194). Ainda a propósito daquela publicação, Mariano de Pina (1885) defende
mesmo que “a parte mais brilhante da Velhice é aquela em que o poeta d largas à sua s tira […] porque
nos deixa ver Junqueiro à vontade, inteiramente à vontade nesta outra feição em que tanto se compraz o
poeta” p. 273 - 275). E também Mariano de Pina entrelaça as suas palavras com as de Lobato, visto que
o desígnio de A Velhice é “desacreditar no espírito público a Igreja e os padres” e é talvez por essa razão
que os textos que compõem a obra têm como prop sito “arreliar o padre e fazer empalidecer todo o
leitor em cujo espírito ainda habita uma vaga poesia cristã, feita de clemência, de resignação e de fé” p.
275).
“A barca de S. Pedro”
Tal como Luiz de Magalhães refere num artigo de 1885 publicado na revista O Occidente pouco tempo
após a publicação de A Velhice, “o talento de Junqueiro percorre toda a gama da poesia desde a nota
mais aguda do amor à nota mais grave da indignação/A sua palavra tem uma rara maleabilidade sonora,
pela qual ele consegue fazê-la murmurar como uma aragem, ou ulular como um ciclone” p. 187). A
prova disto estar certamente em textos como “A barca de S. edro” (Carvalho, 1972, pp. 377-378), no
qual “não h , palavras revestidas de ingenuidade; não h um receio de ferir; não h incertezas”, h , isso
sim, “vontade de evidenciar; pôr a descoberto tudo o que o povo menos letrado [e talvez por isso mais
sofredor] dever compreender e repugnar; afastar com afinco” Santos, 2021, p. 64 . Talvez assim se
entenda a “sua nota pr pria e pessoal, aquela que o seu temperamento e a feição do seu génio ferem com
mais espontaneidade/Essa nota é a satírica” Magalhães,1885, p. 187). Parece-nos, pois, claro, que é
através de uma utilização astuta, bem delineada e inteligente da s tira “que Junqueiro consegue chegar
ao povo – ao seu povo – erguer a sua voz sem medos de possíveis retaliações” Santos, 2021, p. 64 .
Foquemo-nos em “A Barca de S. edro”. À semelhança dos demais textos de A Velhice, também
esta composição poética em particular prima pela simplicidade e pela clareza da escrita, o que se
coaduna, parece-nos, com o objetivo primordial do poeta: chegar a todos os cidadãos, a todos os lugares
e a todos os lares, a todos os espíritos, privilegiando sempre os mais débeis do ponto de vista social e
espiritual. De acordo com Santos 2021 o texto em causa “constitui um exemplo claro dessa facilidade
que o sujeito poético demonstra em comunicar opiniões, sentimentos; desmontar paisagens assumidas
com alguma normalidade” p. 51 .
O poema apresenta-se num registo comum a muitos outros em A Velhice – em forma de quadras
nas quais um “navio […] tão velho”, com uma “carga […] tão pesada” se propõe viajar através de um
“mar […] tão revolto” e enfrentar o vento da desgraça”. osto isto, os primeiros versos surgem como
um espelho através do qual será possível ver o desenrolar de todo o texto, isto é, apresenta-se S. Pedro,
“ex-santo” e “hoje banqueiro”, cuja tarefa consiste em “transportar todo o tipo de riquezas humanas e
materiais) enumeradas ao longo de três quadras que pressupõem ‘os anéis, os cetins, as púrpuras, as
rendas’, assim como os ‘c negos vermelhos’, ‘archeiros’, ‘mission rios’, e ‘o silabus, a cúria, as forcas,
144
os ros rios’, as ‘pipas e os tonéis com guas milagrosas’ capazes de causar o mais profundo
assombro/dos velhos cardeais as cortesãs formosas’” Santos, 2021, p. 53 .
O sujeito poético remete-nos para um porto marítimo, comparável ao auge dos Descobrimentos.
A dedução é feita com base no carregamento avultado que “A barca” transportar numa altura em que
as trocas comerciais eram comuns entre o Ocidente e o Oriente e em que, atendendo às distâncias, era
necessário rentabilizar o espaço proporcionado pelo navio. Aparentemente, o sujeito poético pretende
situar o leitor no momento em que se “atulham” riquezas de toda a ordem, num estado de “orgia pagã”
na “barca ultramontana” de S. edro. Ora, as descrições e os esclarecimentos proporcionados ao leitor
na primeira quadra prosseguem por entre “mitras d’oiro fino”, “vinhos”, “of’rendas”, “meninos de coro”
e “pajens” até a carga atingir o ponto culminante que nos é dado pela locução conjuncional consecutiva
“de tal forma … que” , “o vento da descrença” e a “carga […] tão mundana” que, em conjunto,
desencadearão o afundar “deste deboche hediondo” com “pavoroso estrondo” que ditar o fim da
“barca”, um “colosso antigo”, junto aos “galeões de Vigo” arvalho, 1972, pp. 377-378).
As últimas quadras do texto insistem na explicação do naufrágio da barca, bem como da fé dos
homens e estabelecem um paralelo entre o passado e o presente. “Outrora” a barca “do Senhor [era]
dirigida/ or doze galileus descalços, quase nus”; “atravessava o grande mar da vida/Tendo por farol os
olhos de Jesus”. Nesse tempo, a barca possuía “no mastro o pavilhão da Esp’rança” e a sua carga
continha “corações de toda a cristandade” que navegavam em direção ao “grande porto ideal da Bem-
aventurança”. “Hoje”, “ Deus”, esse “colosso antigo/Soçobrar […] com pavoroso estrondo” e
adormecer para sempre “ao pé dos galeões de Vigo” arvalho, 1972, pp. 377-378).
No entender de Santos 2021 , apesar de o sujeito poético “recorrer com frequência ao uso da
anástrofe, da comparação e da metáfora como forma de melhor expressar a sua revolta perante uma
Igreja de aparências, de luxúria e de falsas verdades; sublinhar com a força do seu pensamento
anticlerical a violência das suas palavras e consequentemente vincar a sua mensagem” neste texto, essa
utilização é não s evidente como necess ria, uma vez que a barca “representa o fio que liga as diferenças
entre o passado da Igreja pobre, justa, benevolente, puro amor, lutadora, e da Igreja de hoje, capaz de
vergar ao ‘peso cruel da carga de um ‘banqueiro’, outrora santo, rendido ao brilho do materialismo e ao
deboche” pp. 54-55).
Tal como a an lise de “A barca de S. edro” deixar entrever, tendo em conta o deboche, a miséria
humana, a ganância e o oportunismo, A Velhice, entendemos nós, é uma obra necessária no contexto
moral e social da época em que surgiu e pela mão de Junqueiro, um poeta detentor de uma “épica social
e humanista de emoção c smica” arvalho, 1972, p. xix . Tal como diria Júlio Amorim de arvalho
2016 em conferência no Ateneu omercial do orto, “Junqueiro assimilou perfeitamente a vigorosa e
optimista renovação científica e social que estava em projeto e que como projeto caracterizou a sua
época”.
145
ao mesmo tempo que dá continuidade à longa história dos anticlericalismos medieval e moderno,
introduz importantes ruturas com os modelos do passado. A mais importante de todas é a instauração
do anticlericalismo como acontecimento sociopolítico e, de certo modo, como facto social total” p.
111). A propósito da temática anticlerical e desta temática em A Velhice pode ler-se numa entrevista
conduzida por Henrique Manuel Pereira (2010) e publicada também em Machado de Abreu (2019) que
se trata de uma obra “que, desde o título, se apresenta como uma provocação, eventualmente até uma
contradição, porque o que é eterno não pode envelhecer, e muito menos morrer” p. 290 . Além disso,
naquela entrevista recorda-se algo ali s bem patente em “A barca de S. edro” e noutros textos de A
Velhice – Junqueiro “orienta a luta para a denúncia e contestação sobretudo de figuras do alto clero, sem
excluir outros alvos, e atacando também, como era previsível, os jesuítas”. Esse combate verifica-se
sobretudo nos “costumes, h bitos, práticas, cuja censura sai reforçada pela caricatura que [o poeta] faz
desses comportamentos” p. 292 . Junqueiro vai mais longe, uma vez que entendia que “a Igreja, ao
estar contra os valores da sociedade e da ciência modernas, prestava mau serviço à vida dos povos e das
nações” p. 293 .
Apesar de a mensagem de Junqueiro em A Velhice não passar despercebida na época, na entrevista
que temos vindo a citar, pode ler-se que se sente “como um choque, mas [acrescenta-se] duvido que
penetre em profundidade nos corações e sobretudo nas inteligências”, porque “no essencial [a
mensagem] limita-se a invectivar e agredir os homens da Igreja e a mostrar alguma sensibilidade
humanit ria para com as vítimas, os pobres, isto é, os simples, os iludidos, os frustrados” p. 294 .
Conclusões
Apesar de Raúl Proença se ter referido à obra de Junqueiro, em 1923, sem qualquer apresentação clara
de provas, como “contradit ria e fraca sob o ponto de vista concetual” e ter imaginado os “delírios da
sua espantosa imaginação verbal” confundidos “pelo poeta e por alguns dos que se lhe aproximavam
com os pensamentos organizados dum filósofo, [persuadindo-os] de que tinha realmente capacidades de
pensador” p. 3 , no mesmo texto, roença alude a A Velhice como a “obra plasticamente mais perfeita,
de sarcasmos estupendos [que] revelam ainda a mesma pujança do estro, a mesma fluência do estilo, o
mesmo brilho fulgurante das imagens, o mesmo fustigante das apóstrofes, a mesma cinzeladura
impec vel do verso” pp. 2 - 3).
Alguns anos antes, em 1889, a Revista de Portugal publicaria um artigo, a propósito da obra de
Junqueiro como um todo, no qual daria conta da falta de “figuras cíclicas em que se assinala a
imaginação épica” ou da “nitidez de contornos e esse esplendor de colorido que acompanha a
imaginação física”, até mesmo da falta de uma torrente caudal de emoções profundas que deriva de um
verdadeiro temperamento lírico”. ontudo, e em compensação, quem se dedicar à an lise da obra de
Junqueiro, deparar-se-á com a riqueza dos “recursos de expressão, a sumptuosidade e o vigor da frase,
a rica pompa e a correção magistral do verso, a s bia gradação dos efeitos e […] a arte consumada de
formular, intimar, ornar e lançar à circulação um lema poético”. or outro lado, a an lise revelará
também um “vocabul rio escolhido e nobre, uma adjetivação abundante e nova, […], uma sintaxe
regular e ampla, versos de bronze e rimas de cobre” p. 36 .
osto isto, em “A barca de S. edro” é também not ria a abundância de nomes em torno de uma
carga (caixões, bulas da cruzada, oiro em barra, toneis, jóias, espelhos, rosários, pipas, vinhos, damasco,
veludo, bronzes, mitras de oiro, pratas, cristais, anéis, cetins, púrpuras, rendas, dinheiro) que simboliza
a falta de fé, o fosso entre o passado e o presente no que toca à esperança e à justiça, a fragilidade
espiritual presente no “vento da descrença” e na “carga” “mundana” transportada.
Embora qualquer um dos textos de A Velhice nos devolva em larga escala a ideia de urgência no
regresso a uma religiosidade justa, inocente, pura e própria dos grandes homens tal como Junqueiro os
definia, e embora a evolução do poeta esteja patente em Os Simples e em Pátria, lê-se em Campos (1921)
que “o certo é que na Velhice do adre Eterno fez o oeta vibrar mais sistematicamente que em nenhum
outro livro seu a corda do sarcasmo, dominante na sua lira, pondo-a ao serviço da preocupação religiosa,
dominante no seu sentimento ou no seu cérebro”; “é na Velhice […], que se encontram as p ginas mais
inspiradas de lirismo panteísta e humanit rio que Junqueiro escreveu […]; e é talvez para formar o salto
do mais felino sarcasmo que ele atinge essas altas cumeadas de inspiração lírica” p. LXXVI .
146
Referências
Brandão, J. (1905). Guerra junqueiro. Serões: Revista Mensal Ilustrada (4), 281-290.
Brandão, R. (1923). Os últimos anos de Junqueiro. A Águia (13-14), 52-53.
Campos, A. (Org.). (1921). Junqueiro (verso e prosa): Antologia Portuguesa. Porto: Livrarias Aillaud e
Bertrand/ Livraria Chardron, Livraria Francisco Alves.
Carvalho, A. (Ed.). (1972). Obras de Guerra Junqueiro (Poesia). Porto: Lello e Irmão Editores.
Carvalho, J. A. (2016). Ideia e Ritmo na Poesia de Junqueiro. Acedido em 1 de junho de 2022.
Disponível em: http://www.amorimdecarvalho.com/index.php/estudos-e-comentarios/104-
ideia-e-ritmo-na-poesia-de-junqueiro-3. Machado de Abreu, L., (2019). Portugal Anticlerical,
uma História do Anticlericalismo. Lisboa: Gradiva.
Gomes, A. (2016). O Monge Ambrósio e o padre Amaro: O Anticlericalismo em Matthew Lewis e Eça
de Queiroz. E-Revista de Estudos Interculturais do CEI – ISCAP (4), 10.
Lemos, C. (1901). Guerra Junqueiro. A Chronica (35), 1-2.
Lobato, G. (1885). Chronica Occidental. O Occidente: Revista Illustrada de Portugal e do Extrageiro
(241), 194.
Magalhães L. (1885). Guerra Junqueiro. O Occidente: Revista Illustrada de Portugal e do Extrageiro
(240), 187.
Pina, M. (1885). O poeta satyrico. A Illustração (18), 273-275.
Proença, R. (1923). Guerra Junqueiro. Seara Nova (25), 2-3.
Queiroz, E. (1889). A Epopeia. Revista de Portugal, 1(1), 36-39.
Santos, L. M. (2021). As Paisagens Junqueirianas em A Velhice do Padre Eterno. Vila Nova de
Famalicão: Editorial Novembro.
147
A imprensa escrita para a infância em Portugal – o Jornal da Creança
1
Instituto Politécnico de Bragança, Instituto de Estudos em Literatura e Tradição- Universiudade
Nova de Lisboa , Portugal
2
Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
Resumo. Este artigo tem por base a análise de um jornal regional, Jornal da Creança, editado em
inícios do século XX na Ilha Terceira-Açores. Este jornal era destinado exclusivamente ao público
infantil e às questões didático- pedagógicas prementes naquela época histórica.
O objetivo é perceber como os ideais republicanos emergentes na altura, estão implícitos nos
conteúdos destas publicações. Para tal, foi necessário compreender, como este movimento foi
vivenciado nos Açores e quais foram os principais agentes educativos que dele tomaram parte.
De entre poucas, mas ilustres figuras, destaca-se o nome de Inácio Cardoso Valadão, professor e
jornalista, residente na freguesia da Vila Nova, na Ilha Terceira.
Esta investigação proporcionou-nos especial satisfação, uma vez que durante este processo
ganhámos uma melhor compreensão de como se procedeu a escolarização nas ilhas dos Açores,
sempre condicionadas pela insularidade. E, sobretudo confirmámos a importância que, nesse
espaço geográfico, assumia a imprensa escrita, nomeadamente a de potencial receção infantil.
Implantada a 5 de outubro de 1910, a Primeira República Portuguesa, cedo deu sinais de instabilidade e
de progressiva degradação das suas instituições. Nos primeiros anos da década de 1920, terminada a
Grande Guerra, a instabilidade cresceu: para além dos governos se sucederem a um ritmo alucinante
(foram 23 os ministérios entre 1920 e 1926), os atentados bombistas e a forte atividade
148
anarcossindicalista criavam no país um clima pré-insurrecional que fazia adivinhar um fim próximo para
o regime.
O princípio desse fim anunciado ocorreu a 19 de Outubro de 1921, apenas 11 anos após a
implantação da República, quando, na sequência da demissão do governo presidido por Liberato Pinto,
o protetor da Guarda Nacional Republicana, então a guarda pretoriana do regime, e a sua posterior
condenação a um ano de detenção (confirmada a 10 de Setembro de 1921 pelo Conselho Superior de
Disciplina do Exército), um conjunto de militares ligados àquela força policial, a que se juntaram
militares do Exército e da Armada, se sublevou. A sublevação desembocou na chamada “Noite
Sangrenta”, o assassinato por um grupo de marinheiros e arsenalistas. A somar aos efeitos políticos e
sociais da “Noite Sangrenta”, ao longo dos anos de 1924 e 1925 a crise agudiza-se, com um crescendo
do sentimento de insegurança e da instabilidade política. Os atentados bombistas sucedem-se, com
ataques que por vezes são semanais.
A carestia de vida, afetando essencialmente o operariado, fortemente mobilizado pelas correntes
anarcossindicalistas, provoca manifestações, como a de 22 de fevereiro de 1924, que frequentemente
“descambam” em violência e confrontos. onsiderado o primeiro ensaio do 28 de maio de 1926, depois
de boatos de uma tentativa de revolta monárquica a 5 de março, no dia 18 de abril de 1925, dá-se nova
revolta militar, desta feita de grande magnitude. Ainda decorriam as investigações e julgamentos das
tentativas anteriores e já ocorriam novas ondas de boatos e movimentações. O golpe de Estado de 28 de
maio de 1926 iniciou-se como mais um levantamento, dos muitos que já tinham surgido no seio da
Primeira República Portuguesa, coincidindo com um momento crítico para o governo presidido por
António Maria da Silva. Embaraçado pela crónica má gestão do monopólio dos tabacos, um problema
que já afligia os governos portugueses desde a fase final da monarquia constitucional, o governo decidira
a 25 de maio deixar de representar-se na Câmara dos Deputados, cortando os últimos laços com a
legitimidade parlamentar. Conforme havia sido acordado, logo no dia imediato, 28 de maio de 1926,
pelas 6h00 da madrugada, inicia-se a sublevação militar, com acompanhamento e apoio civil, incluindo
do operariado da região, organizando-se uma coluna que marcha sobre Lisboa. É a agonia da 1.ª
República e seus sonhos e aspirações e o princípio de uma ditadura que duraria quase meio século.
Coincidência, ou talvez não, na organização e na forma de mobilização há muitos traços comuns com a
marcha sobre Roma, que a 28 de outubro de 1922, pouco mais de três anos antes, levara à
institucionalização do fascismo em Itália.
A ideia de crise e decadência que intelectuais como Guerra Junqueiro, Eça de Queiroz ou António Nobre
denunciaram implacavelmente através da escrita, encerrava uma imagem cujos contornos iam muito
além do mero interesse político, denunciando o próprio esgotamento do modelo económico da
Regeneração e expondo as dificuldades financeiras crescentes que lhe estavam subjacentes, em
particular o trauma e a ameaça constante da bancarrota que a partir de 1890/91 assolaram o país. “Em
1871 o grupo do Cenáculo, impulsionado sobretudo por Antero de Quental e Jaime Batalha Reis, tinha
organizado as célebres “ onferências Democr ticas do asino Lisbonense” eis, 1990 citado por ires
2017), verdadeiro areópago da intelectualidade lusa onde se avançaram algumas explicações para o
atraso português e espanhol – síntese que Antero de Quental se encarregou, de resto, de elaborar –, se
discutiram e foram postas em confronto duas formas de governo: monarquia/república.
A revolução, entendida como ciência, era apresentada como o caminho a seguir, tal como, de
resto, o próprio Eça de Queiroz tinha já apontado. O contexto era propício a que se criticasse abertamente
as opções seguidas pela Monarquia, votando-se ao descrédito a (in)ação do monarca, o rei D. Carlos
(Pires, 2017). O divórcio entre a monarquia e a nação era cada vez mais visível, tornando oportuna uma
mudança de regime que os republicanos protagonizariam, entusiasmados com o exemplo recente da
proclamação da República Brasileira, a 15 de novembro de 1889. Apoiado num quadro de valores
ideológicos herdado da Revolução Francesa e fortemente influenciado pelo movimento republicano
brasileiro, o Partido Republicano Português, cujas bases foram lançadas a 25 de março de 1876 preparou
ao longo de mais de duas décadas o derrube da monarquia. Os republicanos criticaram os excessos da
Casa Real, condenaram a situação financeira interna e o excesso de poder da igreja católica, defendendo
o progresso económico e social e a construção de um sistema de ensino prático e utilitário.
149
2.1 A educação como principal missão da República
Um dos principais lugares-comuns que atravessava grande parte dos discursos difundidos entre o final
do século XIX e o início do século XX, designadamente (embora não especificamente) os oriundos do
campo republicano, era o que considerava a educação como fator principal do progresso das sociedades.
A importância dessa conceção resultava da conjugação das influências iluminista e positivista. No que
diz respeito ao Republicanismo, podemos mesmo considerar o Positivismo, ainda que não um
Positivismo ortodoxo, como a sua grande fonte doutrinária.
Na linha do organicismo que carateriza essa corrente, o Republicanismo imaginava a República
como momento de regeneração social, ou seja, de construção de uma nova era, ainda que enraizada no
passado da comunidade nacional, mas que a retirasse da decadência em que havia caído, segundo se
acreditava, por responsabilidade da Monarquia. Nessa ótica, é à educação que é atribuída a missão de
construir o “homem novo” republicano, o cidadão consciente e participativo, capaz de garantir a
permanência do novo regime. Esta lógica de revolução cultural implicava o combate à entidade que
surgia como o inimigo a abater no terreno cultural: o Catolicismo. Daí a importância que o
anticlericalismo e, em especial, o projeto de laicização da sociedade assumem no âmbito do discurso e
da prática política republicana. É a Escola, em particular a Primária, que é vista como o lugar
privilegiado para a formação do cidadão.
Os analfabetos, pela sua incapacidade de acederem à cultura escrita, não estariam em condições
de ser os cidadãos-eleitores, conscientes e participativos, almejados pela República. Assim se explica o
investimento simbólico nesse combate e o desenvolvimento de múltiplas iniciativas no campo da
alfabetização, tanto de crianças como de adultos, cujo exemplo mais emblemático é constituído pelas
Escolas Móveis pelo Método de João de Deus. Vão conhecer, igualmente, a luz do dia, várias outras
experiências nos terrenos da educação popular, dinamizadas por setores políticos e sociais muito
diversificados - do Estado à iniciativa particular, do Republicanismo e da Maçonaria ao Anarquismo,
das associações operárias à intelectualidade.
Desde meados do século XIX que o debate educativo se manteve vivo nos Açores, por influência de
homens cultos da sociedade, que pretenderam difundir a escola e promover a alfabetização junto das
populações. Na ilha Terceira, surgiram diversas iniciativas impulsionadas por gente culta da sociedade,
de forma a contribuir para o desenvolvimento social, dando algum destaque ao combate ao
analfabetismo nas populações. A criação, em 1862, da Sociedade Promotora das Letras e Artes de Angra
do Heroísmo foi um dos exemplos e proporcionou a instrução às classes mais desfavorecidas, através
da criação de cursos noturnos. Estas e outras iniciativas criadas nas ilhas, visando o desenvolvimento da
educação, tiveram um papel significativo na difusão da instrução pública nos Açores. A preocupação
pelos elevados índices de analfabetismo registados nas ilhas, à época, contribuiu para o surgimento de
algumas instituições beneméritas que apoiaram o ensino público.
I- Combate ao analfabetismo
O debate educativo sobre o analfabetismo constituía um ponto “unificador” dos discursos republicano e
da igreja. Através da análise de diversos periódicos de vertente religiosa, terceirenses e micaelenses,
constatou-se que o analfabetismo constituía uma preocupação comum, mas apresentava uma
argumentação divergente, tendo sido abordado em diferentes perspetivas. Os republicanos acusavam a
Igreja de perpetuar o analfabetismo e responsabilizavam o ensino tradicional pelo atraso em que se
encontrava Portugal, remetendo-o, com frequência, para os jesuítas e também para o tempo da
Monarquia.
150
2 Regeneração pela Educação
Segundo os ideais republicanos, à Escola tradicional deveria contrapor-se uma escola de raiz puramente
racionalista, de ensino prático, científico e laico, onde imperasse o livre pensamento e em que não
fossem incutidos valores “supersticiosos e submetidos às leis da igreja”. om vista à regeneração social,
os novos valores e instituições republicanas deveriam substituir os anteriores, o que passava pela criação
de uma nova Escola assente nos princípios de liberdade e democracia herdados do Liberalismo.
Impunha-se assim, um novo modelo pedag gico, com base nos princípios da “Escola Nova” e que tinha
por base as ciências sociais, humanas e pedagógicas. Para os republicanos, as crianças educadas pelos
jesuítas “tornavam-se homens fanatizados e supersticiosos” porque lhes eram incutidas ideias e
transmitidos dogmas que, ao contrário do ensino racional, impossibilitavam a sua comprovação.
Para além dos aspetos científico e racional, nesta ideia encontra-se subjacente a teoria do “livre
pensamento”. A criança educada através do raciocínio e da reflexão poderia formular questões e mais
tarde, enquanto adulto, saberia assumir os desígnios da sociedade. O Homem detentor de instrução e de
conhecimento poderia contestar os valores tradicionais e agir segundo o seu próprio modo de pensar, o
que só era possível, numa escola onde fosse dada a valorização ao saber científico e racional. Desta
forma, a Escola poderia contribuir não s para a criação de um “homem novo” mais racional e
interveniente, mas também para o progresso e desenvolvimento de todos os setores da sociedade.
4 O Positivismo e o Cientismo
Outro ponto em destaque no discurso republicano foi a valorização da Razão que estava intimamente
associada ao desenvolvimento científico, pois passou a valorizar-se somente o que era possível
comprovar pela ciência.
O Cientismo, na conceção spenceriana, defendida pelos republicanos, colocava a fé no valor
educativo da Ciência. Inspirados pelo Positivismo, os republicanos apenas aceitavam o conhecimento
científico como o único possível para a compreensão da realidade. De forma concreta e não abstrata, as
crianças deveriam, portanto, seguir os métodos de observação e experiência, de forma a compreender a
manifestação dos fenómenos físicos e naturais. Para os republicanos, a religião tornava-se incompatível
com o progresso, pois este dependia apenas da vontade e ação do Homem enquanto interveniente da
sociedade. Aliados aos conhecimentos sobre a condição da infância, os republicanos acreditavam que a
curiosidade da criança não se poderia satisfazer só com palavras: ela precisava de ver, de tocar, o que
era incompatível com o conhecimento dogmático.
151
Na ilha Terceira, o professor prim rio Ávila Júnior designava a Escola tradicional como “um
espaço de trevas” não s por falta de condições pedag gicas, mas porque predominava o ensino te rico
e, ao contr rio, considerava a escola moderna um espaço onde “tudo é luz” porque nela todo o ensino é
prático. Daí, a necessidade de criação de uma escola que soubesse cativar as crianças para as atividades
escolares, baseada num ensino capaz de proporcionar o desenvolvimento integral. Só um ensino prático
e científico poderia combater o ensino tradicional livresco dominante, impondo uma nova atitude
pedag gica. Na “nova escola” deveriam imperar novos valores e uma nova organização social não de
influência católica, mas de influência positivista, inspirada em Durkheim. Deste modo, e contrariamente
ao saber dogmático, deveria valorizar-se o saber prático e racional, com base na observação e
comprovação científica.
5 Anticlericalismo e laicização
O anticlericalismo e a ideia da laicização do ensino foram os temas com maior predomínio no discurso
republicano. Os republicanos promoveram a laicização e não se coibiram de manifestar o desejo da
separação da Igreja, não só da Escola, mas de todos os organismos estatais. Na Terceira, por exemplo,
num artigo assinado por César Silva e publicado no jornal O Tempo, em 1908, este considerava a religião
uma pertença do foro íntimo de cada um e não tinha cabimento na escola, reconhecendo a escola laica
como a escola por excelência. No mesmo artigo teria exultado a proposta apresentada no Congresso
nacional em 1908 por Tito de Sousa Lopes sobre o ensino da religião cristã nas escolas: “Afastar do
ensino prim rio o estudo do catecismo […] representa apenas libertar a escola de um elemento
perturbador do seu funcionamento, mas nem por sombras significará um ataque à religião, a nenhuma
religião em particular. (O Tempo, 1908, p.762). A demasiada influência religiosa da qual se mantinha
prisioneiro o ensino tradicional era incompatível com os novos tempos de mudança e as novas
pedagogias europeias que iam sendo divulgadas. Nos primeiros anos do século XX, por exemplo,
quando a imprensa divulgava com fervor a pedagogia do espanhol Francisco Ferrer identificando-a
como uma pedagogia “livre de peias religiosas”, a defesa destas pedagogias teria suscitado também, por
parte do clero, reações pouco amistosas na imprensa. A transmissão dos novos valores republicanos
desde a Escola primária só era possível tendo por base uma Escola laica, onde a igreja não exercesse
diretamente a sua influência, uma escola afastada de qualquer influência religiosa. Para Ávila Júnior
amar a escola laica era “amar o rogresso, o Bem, a Justiça, a Verdade e desejar a laicização era desejar
o aperfeiçoamento humano”. A Voz do Professor, 1909, n. º20). Ávila Júnior 64 considerava que
deviam ser banidos do ensino, todo o tipo de dogmas quer fossem religiosos, quer políticos, visto que a
questão fundamental de todo o ensino era formar homens livres e independentes.
Inácio Cardoso Valadão era filho de um lavrador abastado de Vila Nova (Ilha Terceira) e formou-se
pela Escola Distrital de Angra. Professor primário e também um ativista da Educação foi responsável
pela 2.ª missão pelo método João de Deus em Vila Nova, no 12 de agosto de 1907, e deu por concluída
a mesma, a 19 de janeiro. Fez parte da Assembleia da Associação Promotora e foi um dos seus membros
fundadores. Realizou também uma Conferência promovida por esta Associação, em 1906 e iniciou uma
série de missões, pelo método João de Deus. A primeira foi em S. Bartolomeu, com início a 26 de janeiro
de 1907, tendo encerrado no dia 29 de julho do mesmo ano. Teve bastante sucesso com a missão, uma
vez que de 50 alunos desistiram apenas 8 no segundo mês e 4 abandonaram a missão depois de saberem
ler. A festa de encerramento da missão contou com a presença de João de Deus Ramos. Este convidou-
o, como colaborador, para uma nova missão na freguesia de Vila Nova que iniciou em agosto de 1907.
Fundou uma biblioteca rural e, em homenagem, ao capitão Manuel Goulart de Medeiros atribuiu-lhe
esse nome (O Dia, 1908, n.º 921).
A sua missão no campo da Educação não foi exclusiva do público mais jovem, pois considerava
fundamental a educação e formação de adultos e acreditava no poder que a leitura tinha na concretização
desse papel, como podemos ver numa carta que dirige ao então Presidente da República Teófilo Braga,
a pedir que lhe forneça literatura instrutiva e recreativa para “arrancar deste estado de ignorância e atraso
em que jaz o povo português”. Esta biblioteca, que contou com o apoio de João de Deus amos, também
152
fez empréstimos domiciliários. Para além de ter o apoio da Sociedade Promotora teve também o apoio
da imprensa na angariação de fundos. Foi diretor, proprietário e editor da revista quinzenal para a
infância, Jornal da Crença, criada em 1910, na freguesia da Ribeirinha. O primeiro número saiu no dia
5 de outubro de 1910. Direcionada para a formação cívica, a revista procurou transmitir os valores
cívicos republicanos, do culto da Pátria e da Festa da Árvore e teve 42 edições. Apresentou alguns
trabalhos realizados pelas crianças e descreveu jogos para a infância. Foi diretor do jornal bissemanal O
Povo entre 1921 e 1924 e foi colaborador das publicações: Revista Pedagógica e A Voz do Professor.
Pela sua apetência e facilidade no uso do método, foi convidado por João de Deus Ramos a promover
uma missão ao serviço da Associação das Escolas Móveis no continente, em que permaneceu durante
dois anos.
153
A Festa da Árvore é igualmente referida no jornal. A árvore simbolizava os valores cívicos e
morais caros ao republicanismo como: pátria, liberdade, solidariedade ou vida. Quase sempre a Festa da
Árvore decorreu no mês de março, assinalando a passagem do Inverno para a Primavera. Nos Açores, a
Festa da Árvore, não se popularizou, como pretendiam os republicanos, pela transmissão de valores
cívicos conotando-se apenas, com o respeito pela natureza. Enquanto festa em si, serviu como meio de
propaganda à escola, pois envolvia alunos, pais, professores e autoridades locais. Com efeito, temas que
abordam a solidariedade, o respeito pela natureza e pelos animais estão presentes com frequência nas
edições do jornal:
“Os animais prestam importantes serviços ao homem. … O nosso dever, é, pois, evitar, tanto
quanto possível, sacrificá-los com um trabalho excessivo, alimentá-los condignamente, pensar-lhes as
feridas e, quando porventura necessitarmos deles para a nossa alimentação, procurar o meio mais rápido
e menos sofredor de lhes darmos morte. … Meus meninos, nunca maltrateis os animais, porque o bem
que deles recebeis é muito e o mal que eles vos fazem é nenhum”. Jornal da reança, n.º 7 ;
“As aves são a alegria dos campos … Leonardo da Vinci, espírito verdadeiramente s bio era
um grande amigo dos animais … Devêis meus meninos, imitar esse grande s bio no amor aos animais,
e nunca enclausureis os pobres passarinhos em gaiolas, roubando-lhes a sua liberdade.” Jornal da
Creança, n.º 5);
A árvores, constituindo consigo a eficaz defesa contra as investidas das torrentes impetuosas
e indomáveis que arrastam casas, levam as terras das várzeas e encostas, inundam aldeias e
cidades, levando consigo a desolação a morte e a miséria … Associo-me à pois á festa da
árvore com todo o entusiasmo, com a crença firme de que, por meio de festas deste género, se
poderá despertar na alma portuguesa um sentimento que se traduza no doce carinho e no amor
pela árvore, cujos benefícios incalculáveis, essa mesma alma ainda não provou que sabia
apreciar devidamente. (Albano Ramalho in Jornal da Creança, pág. 119).
Finalmente, destacamos a visibilidade e influência que La Fontaine teve no editor e no cunho que
este último imprimiu, de encaixar uma escrita aprazível e naturalista, indo ao encontro dos anseios das
crianças e que se tornava novidade no contexto literário nacional. O editor do jornal tem a
particularidade de no fim de cada fábula, proceder à explicação da moral da história, assegurando, deste
modo, que a leitura será bem interpretada.
É difícil perceber, qual o real impacto que recursos didáticos como este jornal tiveram na
educação das crianças da Ilha Terceira, uma vez que o sonho da república e a sua Escola em breve viram
o seu final com a chegada da Ditadura e as crianças foram novamente destinadas ao trabalho familiar e
ao culto dos ideias implementados pelo Estado Novo.
Considerações Finais
Valadão e o jornal de que foi diretor refletem de forma soberba o pioneirismo educativo republicano e
o esforço que demonstrou na inclusão de metodologias novas em contexto de ensino. Tão sabiamente o
conseguiu, que a transição que propôs, com poucos ou nulos recursos didáticos, o impeliram na procura
de novas metodologias, pioneiras num palco de isolacionismo como era a ilha. Ler este jornal, para lá
do diário vivo e atual que se mantém transpõe-nos de forma perspicaz e sincera para a realidade do
ensino do século passado, para a transição de paradigmas que acarretou a passagem da Monarquia para
a República e, acima de tudo, volvido mais século, tudo o que a realidade da altura, normal e corriqueira
à época, se apresentava como um impeditivo ao contexto moderno de ensino
Referências
154
Pintassilgo, I. (1998). A república e a educação: do ideal às realizações. Lisboa: Leya.
Pires, A (2017). As letras de uma revolução: a implantação da república em Portugal a 5 de outubro de
1910. Lisboa: Asa.
Valadão, I. (1910-1912). O Jornal da Creança. Angra do Heroísmo.
155
Mónica ou a vã glória de morrer: o foco narrativo em Novas cartas
portuguesas
156
comentários ou digressões, James postula que a presença do narrador deve ser discreta, de maneira a
parecer que a história se conta a si própria, ao adotar o ponto de vista de uma personagem na narrativa.
Esse deslizar impercetível para o campo de perceção das personagens permite ao narrador desaparecer
da narração, resolvendo a inautenticidade de um narrador que não tem diante de si um público. Deste
modo, a “arte da narrativa” ercy Lubbock ficaria doravante subordinada ao domínio da técnica
narrativa. onceitos como “mostrar” showing e “narrar” telling , na medida em que se relacionam à
presença ou não do narrador, tornam-se fundamentais para apreciar os efeitos produzidos pela forma
como a história é apresentada ao leitor.
Para Wayne Booth, no entanto, o desaparecimento do autor permanece uma perspetiva
normativa, dogm tica, pois o narrador não desaparece, apenas se mascara na narrativa cf. “autor
implícito” . Assim, atr s da narração, existiria uma instância, que teria respaldo no próprio autor,
responsável pela harmonização das vozes narrativas (Reis, 1988).
No entanto, nem sempre a defesa do ponto de vista único na narrativa foi isenta de críticas. Forster,
por exemplo, defende a variação do ponto de vista, por estar mais conforme à nossa perceção dos factos
na vida real. Assim, o romance epistolar admite um regime flexível de manipulação da informação
narrativa, que dá ao narrador a possibilidade de variar os pontos de vista, prescindindo de um medium
para contar a história. Assim, as formas de ficção autobiográficas recuperam o indivíduo com a sua visão
parcial da realidade, a sua apreensão fragmentária do mundo.
Esboçado rapidamente o quadro teórico sobre foco narrativo e da sua problematização em obras
contemporâneas, procuramos compreender, no presente artigo, como a variação de foco narrativa se
converte numa forma hábil de administrar a dupla enunciação em Novas cartas portuguesas, permitindo
às autoras questionar a sociedade portuguesa da época, ensaiando pontos de vista diversificados sobre
questões que, aparentemente enraizadas no século XVII, alcançam o século XX, mantendo o país numa
posição de flagrante anacronismo.
Atendendo à natureza de uma obra que se propõe como “empresa grave” ˗ a “revolta da mulher
[...] que leva à convulsão em todos os extractos sociais” Barreno et al., 2010, p. 198 ˗ assumida por
três escritoras que escrevem e assinam, a três, uma obra que resgata a Cartas de Mariana Alcoforado, a
questão feminina assume protagonismo. Neste sentido, a multiplicação de focos narrativos na obra seria
uma forma criativa de ensaiar ângulos diversos para falar da questão da mulher na sociedade portuguesa:
“Deste modo vamos construindo um azulejo: painel. Carta por carta ou palavra escrita, volátil, entregue.
A n s principalmente, depois a eles, a quem nos quiser ler, mesmo com raiva.” Barreno et al., p. 321)
Maria de Lourdes Pintassilgo, autora dos dois prefácios de Novas cartas, refere-se mesmo à obra como
um “’fresco” da condição das mulheres, dos seus destinos, das suas limitações, das suas ânsias”.
(Pintassilgo, 2010, p. 34).
ublicadas em 1972 e imediatamente confiscadas pela censura, alegadamente por “atentado à
moral pública e pornografia”, as Novas cartas foram tomadas como “um programa político do
feminismo internacional” Macedo, 2005, p. 23). O livro chegaria ao grande público depois de 25 de
abril de 1974, data que marca a entrada na democracia em Portugal, com anos de atraso em relação às
lutas e conquistas que se travavam nos Estados Unidos e em outros países da Europa, não só no que diz
respeito à condição da mulher, mas também aos direitos humanos de uma forma geral.
A narrativa intitulada “M nica”, objeto de nossa an lise, é um dos cento e vinte textos de Novas
cartas portuguesas. Como é característico de narrativas contemporâneas, não há marcação espacial e
temporal precisas, no entanto “M nica” possui unidade de ação narrativa. Os factos narrativos são
apresentados por um narrador em posição de focalização externa, que narra a partir do ponto de vista,
do campo de ação e de perceção da personagem Mónica, em posição de observadora, em focalização
interna. Como lembra arlos eis 1988, p. 250 , “o olhar de uma personagem da hist ria em situação
de observação (focalização interna) implica uma focalização externa sobre aquilo que esse observador
limitada e exteriormente pode apreender [...].” O leitor é introduzido num ambiente de penumbra,
experimentando a mesma desorientação da única personagem, Mónica, que acaba de acordar e não tem
uma compreensão clara do que se passa à sua volta. Apresentada desta maneira, a matéria episódica
produz suspense, o que é característico de narrativas género policial, porquanto é exibida uma ação
inicial de sobressalto, pathos narrativo em torno da única personagem capaz de ação e que encontra a
mãe morta, enforcada: “a mãe tem os cabelos caídos e a corda que a suspende do gancho preso ao teto
parece igualmente feita dos seus cabelos” Barreno et al.2010, p. 208).
157
Apesar de, em termos estruturais, “M nica” ter autonomia, apresentando todos os elementos
necessários à lógica interna da narrativa, justifica-se que consideremos dois outros textos de Novas
Cartas que esclarecem a temporalidade dos acontecimentos narrativos e ajudam a compreender a
inclusão de uma narrativa numa obra que enfeixa, no título, a totalidade dos textos como cartas40: “ arta
escrita por M nica M. na manhã do seu suicídio a D. Joana de Vasconcelos” p. 194 e “Bilhete que
M nica M. deixou a D. José Maria ereira Alcoforado” p. 209 . D. Joana de Vasconcelos, M nica M.
e D. José Maria Pereira Alcoforado pertencem ao círculo das relações pessoais da freira portuguesa,
suposta autora de Cartas portuguesas. Sendo os regimes de focalização distintos na narrativa e nas cartas,
observaremos como a variação de focos tem consequências na significação global da obra.
Considerando esta trilogia, o primeiro texto é uma carta escrita por Mónica M., mãe de Mónica,
e esclarece as circunstâncias que a conduziram ao suicídio; da leitura do bilhete, percebe-se que Mónica
M. mantinha um relacionamento amoroso com D. José Maria Pereira Alcoforado.
O texto epistolar apresenta-nos um narrador de primeira pessoa, o qual, de acordo com Käte
Hamburger 1986, p. 228 , adota o “modo do enunciado de realidade”. J o narrador da narrativa assume
uma perspectiva externa em relação aos acontecimentos, relatando na terceira pessoa, não fazendo
intrusões, gerenciando a informação narrativa a partir do campo de percepção de Mónica. Assim, as
diferentes modalidades focais referentes a um mesmo facto narrativo, na carta e na narrativa, oferecem
ao leitor uma compreensão compósita dos acontecimentos. Quer isto dizer que as informações contidas
na carta permitem preencher algumas lacunas da narrativa, designadamente o móbil do suicídio. Além
disso, o leitor tem acesso à voz de uma personagem através da carta que, no conto, já está morta.
onforme Hamburger, nos textos epistolares, o “sujeito de enunciação hist rico” Hamburger, 1986, p.
228 est mais pr ximo da forma “natural” do discurso:
40
Novas cartas portuguesas agregam, sob o título genérico cartas, cento e vinte textos de diferentes tipologias, o que
faz supor que a estratégia epistolar é fundamental na conceção da obra. O primeiro texto da obra define justamente
a literatura como carta: “ ois que toda a literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível, presente, possível
ou futura paixão que liquidamos, alimentamos ou procuramos.” (Barreno et al., 2010, p. 3).
158
ou a outro, segundo o plano adotado". (Genette apud Reis; Lopes, 1988, p. 19) Assim, no interior da
narrativa, “o autor corresponde a uma entidade real e empírica, o narrador ser entendido
fundamentalmente como autor textual, entidade fictícia a quem, no cenário da ficção, cabe a tarefa de
enunciar o discurso, como protagonista da comunicação narrativa” Ibidem, 1988, p. 61).
No entanto, em narrativas de primeira pessoa, percebe-se este investimento deliberado na
confusão entre instâncias autoral e narradora, através da introdução de biografemas que promovem um
“espaço autobiogr fico”, um “pacto fantasm tico” Lejeune, 2008).
A mudança de modalidades focais traz algumas implicações no sentido da montagem do tríptico
que vimos considerando. Na narrativa, temos um narrador de terceira pessoa que filtra os acontecimentos
através do olhar de Mónica, a filha de Mónica M., o que implica um campo de conhecimento restrito
por parte de uma personagem que surge em posição observadora. Este narrador, que adota uma
focalização externa em relação àquilo que a personagem observa, doseia a informação narrativa para
criar suspense. A focalização externa detém-se nos movimentos de Mónica e revela o que acontece a
partir do seu campo de perceção, permitindo ao leitor que veja apenas o que a personagem percebe. Tal
regime de focalização é, como dissemos, característico de romances policiais e faz avançar ou, pelo
contrário, abrandar a narrativa, em função dos movimentos da personagem e da necessidade de gerenciar
essa informação para produzir um efeito de surpresa e de sobressalto no leitor.
É interessante observar esta cena em contraste com a sobriedade e rapidez da narração do suicídio,
representado em sumário narrativo, no mesmo fragmento da carta, destacado e narrado na terceira
pessoa, no pretérito perfeito do modo indicativo, o modo da realidade:
Antes de fazer tombar a cadeira, Mónica passou devagar as mãos pelo corpo nu que
assim ficaria exposto defronte da janela aberta, à claridade da manhã.
Lá fora, reparou ainda, os ramos das árvores moviam-se inquietos, sob um vento
carregado de chuva. (Barreno et al., 2010, p. 196)
Assim, na temporalidade dos acontecimentos, o fragmento informa o leitor sobre o que aconteceu
um pouco antes de Mónica acordar. Se é verdade que o fragmento e o conto se complementam, não
podemos deixar de reconhecer que a cena da descoberta do suicídio pela filha tem maior impacto. Pela
leitura da carta, o leitor toma conhecimento de que o suicídio é apresentado como consequência da falta
de amor do marido de Mónica M., que a rejeitou, mas também como um ato derradeiro de dignidade e
de libertação: “Não me chores, Joana, que assim tomo eu dignidade [...]. Não aguento mais que ele me
trate de maneira abjecta [...] e não vendo outra maneira da mulher se libertar (que outra maneira há,
Joana? [...].” Barreno et al., 2010, p. 196).
A sequência da carta revela, no entanto, que o gesto de Mónica M. alcança outro significado, ela
que “em sobressalto acord[ou] de [s]eus silêncios” e que percebeu que havia uma luta que as mulheres
travavam. D. Joana surge, assim, como uma espécie de guia feminista avant la lettre que avisa a amiga:
“M nica, tu dormes, tu dormes”. or isso, M nica é a supliciada, a que se entrega em sacrifício: “ omo
me acuso de não ter dar ouvidos, dormindo enquanto combatias, irmã. Mas o futuro não será nosso
ainda, nem de minha filha, nem das filhas dela tão-pouco.” Barreno et al., 2010, p. 195).
Constrói-se, assim, uma irmandade feminina, uma “sororidade”, que inclui Mariana Alcoforado
e a íntima D. Joana de Vasconcelos, com a qual se corresponde a partir do convento: “De n s fal mos
quantas vezes e eu me ria de tuas afirmações, nunca te levando a sério, recusando tomar o lugar de
Mariana em seguir-te fielmente e tuas doutrinas tomá-las como minhas.” Barreno et al., 2010, p. 195).
Na tradição bíblica, Mónica é a mulher-sacrifício. Ora, é importante lembrar que os nomes próprios em
Novas cartas portuguesas são simbólicos, tendendo à universalidade: a começar pelo nome de Mariana
e suas declinações – Maria Ana, Ana Maria.
O episódio narrativo está construído para sugerir o desvelamento, a revelação, a passagem do
estado de ignorância (sugerido como adormecimento, falta de vigilância) ao conhecimento – “M nica
não sabe” / “M nica sabe agora” –, intensificando-se o pathos narrativo quando a filha abraça a mãe
morta. É, pois, para singularizar a reação de Mónica ao suicídio da mãe que o cenário da casa e os
objetos familiares são apresentados, sugerindo-se o gradual reconhecimento e apropriação desse espaço
que, inicialmente, Mónica não conseguia reconhecer, mas que sentia ameaçador, quer pela escuridão em
que estava envolta, quer pelo estado de irrealidade e de perturbação em que se encontrava, tendo acabado
de acordar: “Acorda como se tivesse sido arrancada ao sono por um ruído súbito, inesperado: um grito,
159
por exemplo, uma cadeira que tomba no soalho nu, sem tapete [...].” Barreno et al., 2010, p. 206) O
espetro sensorial da protagonista é explorado: “Escuta ainda como se não acreditasse naquela acalmia
que sente querer enganá-la ... ”, “julga perceber a claridade esgarçada”, “Escuta de novo o v cuo...”.
Os movimentos de Mónica são representados na sua exterioridade por uma instância que narra
em focalização externa, como se uma câmara fixasse os contornos dos objetos. Assim, os movimentos
da personagem são inicialmente hesitantes – acorda, escuta, tacteia, sente, afasta, pousa devagar, anda
[...] apalpando, aflora; progressivamente, mais vivos – trepa, desloca (as portadas), corre as mãos pelas
vidraças; finalmente, enérgicos e decididos – avança em direção à porta, escancara (a porta), (de súbito)
corre, sobe a escada, escorrega, cai, levanta-se e corre de novo. O espetro sensorial da protagonista é
explorado: “Escuta ainda como se não acreditasse naquela acalmia que sente querer engan -la ... ”,
“julga perceber a claridade esgarçada”, “Escuta de novo o v cuo...”.
Estruturalmente, a narrativa curta assume-se como complemento narrativo que poderia não ser
apresentado, atendendo a que o suicídio de Mónica M. já tinha sido informado em sumário narrativo no
fim da carta. A narração detalhada nos acontecimentos numa narrativa que aparece singularizada na
obra sustenta a leitura da descendência, pesada herança feminina que passa de mãe para filha, a qual,
previsivelmente, ser “enjeitada” pelo pai. Esta galeria de personagens femininas traça uma linhagem
feminina “oposta à diluição e ao esquecimento”, uma espécie de m rtires de um porvir ainda sem fim à
vista, se nos reportarmos ao tempo dos factos, o século XVII, mas que tem como horizonte de leitura o
século XX.
Embora saibamos que os acontecimentos narrativos têm existência no século XVII, o tratamento
verbal no presente confere-lhes um caráter de intemporalidade, já que apenas alguns elementos
descritivos, como a referência à lamparina ou ao tecido leve do dossel, permitiriam ancorar os factos na
época de Mariana Alcoforado. Assim, a passagem de um registo de primeira pessoa, na carta, a um
registo de terceira pessoa, na narrativa, sugere uma leitura distanciada dos acontecimentos, os quais não
se oferecem ao leitor do século XVII, antes ao leitor do século XX. Com efeito, a carta, ainda que
fictícia, é endereçada a uma personagem contemporânea de Mariana Alcoforado, D. Joana de
Vasconcelos, enquanto a da narrativa não tem um destinatário imediato. Justifica-se, por isso, a
existência de uma instância superior, que teria respaldo nas instância autoral, e que, depois de ter
apresentado ao leitor uma carta na qual Mónica M. expunha seus sentimentos e pensamentos, encerra a
narrativa de forma cenicamente sugestiva da morte de Cristo, mas também de uma espécie de Pietá em
linhagem feminina, embora de forma invertida, uma vez que é a filha quem abraça o corpo da mãe
morta, suspenso da corda, “exposto”, qual estandarte, “defronte da janela aberta, à claridade da manhã”
(Barreno et al., 2010, p. 196):
A cadeira está caída para trás no meio da pequena sala, Mónica não entende: a mãe
tem os cabelos caídos e a corda que a suspende do gancho preso ao tecto parece
igualmente feita dos seus cabelos. Agarra-se então àquele corpo nu que balança
devagar defronte da janela. O corpo branco ainda morno onde esconde a cara, onde
encosta a cabeça. O corpo que aperta nos braços, sem desespero nem dor. A boca
colada àquela pele macia, íntima, como que para lhe beber ou lhe conservar, lhe
respirar, lhe insuflar o seu próprio calor. (Barreno et al., 2010 [1972], p. 208)
160
(...) a análise da focalização externa permite detectar muitas vezes uma espécie de
dialética entre o ver e o visto, o interior de quem contempla e o exterior contemplado;
o mesmo é dizer: assim se evidencia o percurso acidentado de conhecimento, a partir
de uma subjetividade em confronto com o mundo que nela suscita perplexidade,
estranheza, curiosidade, emoção, etc. (Reis, 1988, p. 250)
Mónica perscruta o espaço envolvente, em posição focalizadora, mas os seus movimentos são
perspetivados por um narrador de terceira pessoa, externo, que não faz intrusões. Mónica está sozinha
no quarto e o estado de alarme em que se encontra não lhe permite uma rigorosa articulação mental.
Embora familiar, o que ela vê parece não fazer sentido, sendo o seu estado traduzido como um ranger
que só ela ouve, algo ininteligível, do domínio da pura sensação.
Ligia Chiappini assinala que a focalização interna está bastante presente nas narrativas de autoria
feminina, pois permite o “olhar míope, […], o qual revelaria uma ‘autora implícita’ e, através deste, as
condições sociais do pr prio discurso feminino” Leite, 1997, p. 55 . As “autora[s]-implícita[s]”
apresentam, assim a correspondência de Mónica M. com D. Joana e, em forma de sumário narrativo,
narram o suicídio de Mónica M., retomado na narrativa curta, embora filtrado por Mónica, a filha que
não poderia elaborar tais hipóteses ou pormenores da morte da mãe, pois ignorava o que tinha sucedido:
“Acorda como se tivesse sido arrancada ao sono por um ruído súbito, inesperado: um grito, por exemplo,
uma cadeira que tomba no soalho nu, sem tapete: uma cadeira que caia de chofre no chão, (...), uma
cadeira empurrada ... ou então expressamente derrubada ... .” Barreno et al., 2010, p. 206). A
narrativa parece emerge, assim, como um ato premonitório, geralmente visto como caracteristicamente
feminino, que teria levado Mónica a acordar, um grito que não poderia ser articulado por alguém que se
suicida por enforcamento. Curioso também é perceber que existe um paralelismo na construção desse
incipit e o da carta: o “sobressalto” que acorda mãe e filha, claramente metaf rico na carta, um despertar
de consciência feminista:
Tão tranquila me punha em minha casa que em sobressalto acordei de meus silêncios,
lacerada por dor maior que se por espada fora feita ou por punhal, aberta até seu gume.
(Barreno et al., 2010, p. 194)
Acorda como se tivesse sido arrancada ao sono por um ruído súbito, inesperado: um
grito, por exemplo (...). (Barreno et al., 2010, p. 206)
A representação ficcional em quadros (azulejos) – carta da mãe, sumário narrativo do suicídio,
narrativa focalizada na filha, reação do amante ao suicídio – parece montada para apelar à reflexão
crítica, à construção do sentido, apresentado na obra como fragmentário. Ensaiando pontos de vista,
vozes e ângulos diversificados sobre um assunto único, o suicídio de Mónica M., uma instância
supratextual apresenta a matéria narrativa como um quadro compósito, um painel, em que a situação da
mulher é representada como um problema com origem na condição social das mulheres na sociedade
patriarcal que se prolonga no tempo.
Num estudo sobre as escritoras portugueses dos anos 30 e 40, Ana Paula Ferreira (2002, p. 39)
explica que o conto, por se tratar de um “gênero particularmente dúctil [...] à rearticulação de ideologias
[...], aufer[ia] às mulheres escritoras o espaço ideal para a exposição de uma variedade de frisos que
dramatizam a opressão de que são vítimas [...] as mulheres portuguesas dos anos quarenta.” om efeito,
as narrativas de Novas Cartas Portuguesas permitem montar um painel dos conflitos sociais nos anos
70 em ortugal: “Mulher, abastança de homem, sua semelhança, sua terra, seu latifúndio herdado”
(Barreno et al., 2010, p. 75).
O investimento da narração nos detalhes e nos movimentos da personagem, a forte impressão de
visualização produzida pela focalização externa, como que reduz ao mesmo gesto o mostrar e o narrar,
pois se a história é mediada por um narrador, a presentificação das ações, narradas para traduzir a
simultaneidade entre narração e ação, a ausência do discurso da personagem, que só poderia gritar, um
grito que quase se esboça, que se espera ouvir, reduz a ato o narrado, como se estivéssemos perante uma
cena narrativa. A narrativa detém-se na exterioridade das ações da personagem. Sendo a história filtrada
pelo ponto de vista da personagem e do seu campo de perceção, o narrador só pode narrar em função
dessa restrição informativa.
Esquematicamente, a narrativa poderia resumir-se a um denominador mínimo: Mónica acordou
sobressaltada, dirigiu-se ao quarto da mãe, que estava vazio, e encontrou-a enforcada na pequena sala.
Poderia ser até mais económica, se admitirmos que o leitor tinha já conhecimento de que o suicídio tinha
sido consumado, através do sumário narrativo do fragmento anterior: Mónica encontrou a mãe enforcada
161
na pequena sala. Acompanhar a narração a partir do ponto de vista da personagem implica conhecimento
restrito da informação narrativa, pois o leitor sabe tanto quanto a personagem e observa o que ela capta
em seu ambiente, à medida que os objetos se revelam à sua perceção.
Observemos o relato dos acontecimentos que tiveram lugar após o suicídio de Mónica M. e que
são narrados para surpreender a reação da filha quando encontra a mãe enforcada, mas também uma
estratégia hábil de apresentar aquilo que ninguém presenciou:
Acorda [Mónica] como se tivesse sido arrancada ao sono por um ruído súbito,
inesperado: um grito, por exemplo, uma cadeira que tomba no soalho nu, sem tapete:
uma cadeira que caia de chofre no chão encerado, escorregadio, uma cadeira empurrada
no seguimento de um gesto inábil, ou então expressamente derrubada, com secura, ou
desespero, ou perplexidade. (...). (BARRENO ET ALII, 2010, p. 206)
A informação fornecida neste segmento narrativo cumpre a função de indícios, que Genette
designa como “excesso de informação implícita sobre a informação explícita” ou paralepse GENETTE,
1995, p. 195). Não nos esqueçamos que a posição de observador de Mónica implica um conhecimento
limitado da informação narrativa. Mas, como nos lembra Carlos Reis (1988, p. 250), a representação
desse olhar “implica uma focalização externa sobre aquilo que esse observador limitada e exteriormente
pode apreender”. O narrador sublinha que a personagem não sabe – “M nica não sabe” –, mas esta
informação não passa despercebida ao leitor, que sabe, através do sumário narrativo, que Mónica fez
“tombar a cadeira”. Estes indícios têm uma outra funcionalidade: a de mistificar a perceção de Mónica,
que age premonitoriamente, como se pressentisse que alguma coisa teria acontecido com a mãe. Em
termos de técnica narrativa, a gestão da informação depende inteiramente da posição da personagem
como observadora, isto é, da focalização interna. Esta é a forma mais comum de focalização no romance
policial, pois, ainda que o narrador saiba mais do que a personagem, apresenta os acontecimentos a
partir do seu ponto de vista, implicando essa escolha restrição informativa por parte do narrador.
Se nos ativermos à pesquisa vocabular na narrativa curta, percebemos que muitas palavras e
expressões sugerem o parto, a expulsão para um espaço exterior, ou a homologia casa / ventre: “A manhã
rasga-se”; “o v cuo que se abre na casa, a entranhar-se nas suas salas, a percorrê-las a fim de arrastar as
pessoas para o seu ventre enganoso”, “um ranger como que puxado pesadamente do seu interior”. Talvez
esta perceção ganhe novo significado, se pensarmos na descendência feminina, traduzida pelo
parentesco entre mãe e filha, sugestiva da da linhagem feminina, que vê recusada pela sociedade
patriarcal uma existência plena.
Imediatamente após o sumário narrativo a que aludimos e que informa o leitor da consumação do
suicídio, surge uma secção identificada como Terceira Carta V, na qual as autoras-narradoras deixam a
pergunta: “Minhas irmãs: Mas o que pode a literatura? Ou antes: o que podem as palavras?” Barreno
et al., 2010, p. 197). E é assim que aquele corpo nu, supliciado, se oferece, qual Cristo crucificado, à
simbolização, estandarte feminino que confronta a incompreensão da sociedade. Num sentido mais
abrangente, parece também fazer parte de uma estratégia que substitui os ícones masculinos por ícones
femininos. Ainda as narradoras-autoras: “Quem j então mat mos e destruímos?” Barreno et al., 2010
p. 68 ou “A que mãe fugimos? Que mãe nos fugiu?” IBIDEM, 2010, p. 102 .
Referências
162
Personagens comuns: a identidade de José Saramago em seus romances
Resumo. Com suas parábolas, José Saramago encaminha seus leitores para a reflexão sobre
o atuar do ser humano na sociedade contemporânea. Através dos discursos de suas
personagens, Saramago considera e avalia o mundo em que vive e busca fazer com que
seus leitores se questionem e questionem o mundo em que estão inseridos. O trabalho teve
por objetivo investigar, em algumas das obras de José Saramago, personagens que através
de suas falas levem os leitores à reflexão sobre as diferentes preocupações que afligem a
sociedade contemporânea. A pesquisa concluiu que Saramago expõe suas preocupações,
dores e angústias fazendo uso das falas de personagens comuns nos seus romances, de
forma que seus leitores possam se identificar com elas e também analisem, meditem,
ponderem o conteúdo de suas falas. Assim, desde a saga dos Mau-Tempos de Levantado
do chão, passando por Blimunda e Baltasar de Memorial do Convento e chegando à família
de oleiros de A caverna, Saramago faz uso da fala de personagens comuns, mas que
possuem sabedoria, para questionar o mundo e a sociedade atuais.
Palavras-Chave: José Saramago, Personagens, Gente comum, Sociedade Contemporânea,
Mundo.
Abstract. With his parables, José Saramago directs his readers to reflect on the role of
human beings in contemporary society. Through the speeches of his characters, Saramago
considers and evaluates the world in which he lives and seeks to make his readers question
and question the world in which they live. The objective of this work was to investigate, in
some of José Saramago's works, characters that, through their speeches, lead readers to
reflect on the different concerns that afflict contemporary society. The research concluded
that Saramago exposes his concerns, pains and anxieties using the speeches of common
characters in his novels, so that his readers can identify with them and also analyze,
meditate, ponder the content of his speeches. Thus, from the saga of Mau-Tempos in
Levantado do Chão, through Blimunda and Baltasar in Memorial do Convento and
reaching the family of potters in A caverna, Saramago makes use of the speech of common
characters, but who have wisdom, to question the world and society today.
Keywords: José Saramago, Characters, Common People, Contemporary Society, World.
Introdução
Ateu, cético e pessimista, o escritor José Saramago sempre teve atuação política marcante e,
permanentemente, levantava a voz contra as injustiças, a religião constituída e os grandes poderes
econômicos, que ele via como grandes doenças da sociedade contemporânea. Assim, ele proclama no
romance O Homem Duplicado que “O mundo não tem mais problemas que os problemas das pessoas”
(Saramago, 2002, p. 40). Desta forma, Saramago, em seus romances, leva seus leitores a refletirem sobre
os problemas do mundo e da sociedade em que vivem.
O pr prio Saramago fala de sua preocupação com o mundo: “A partir de Ensaio sobre a egueira
passei a escrever, de uma forma mais atenta, sobre o mundo em que vivemos, quem somos, em que nos
transformamos.” Saramago, 2004, como citado em Aguilera, 2010, p. 328).
163
Em 9 de Outubro de 1998, a Academia Sueca comunicou a atribuição do Prémio Nobel da
Literatura a José Saramago “que, com par bolas portadoras de imaginação, compaixão e ironia torna
constantemente compreensível uma realidade fugidia” Nobel rize, 1998 . Assim, a Academia Sueca
atribui o termo “par bola” aos romances de Saramago.
Segundo o Dicion rio Koogan/Houaiss 1997, p. 1204 , par bola é “ omparação desenvolvida
em pequeno conto, no qual se encerra uma verdade, um ensinamento.” ortanto, h que buscar nos
romances de Saramago as verdades (pois, não existe uma única) e os ensinamentos (que também são
vários). A forma de escrever de Saramago, fazendo uso de parábolas, é um recurso para que o leitor
atento perceba a realidade simples e trivial que está sendo descrita e a partir dela possa refletir sobre o
seu estar no mundo.
Neste sentido, o pr prio Saramago pondera: “[...] dependendo mais do leitor do que da leitura,
embora esta em tudo dependa daquele, por isso nos é tão difícil saber quem lê o que foi lido e como
ficou o que ficou lido por quem leu [...]” Saramago, 2006, p. 71), o que significa dizer que cada leitor
faz uma leitura e esta é particular dependendo das caraterísticas, predicados e particularidades do ser
humano que é cada leitor. É Saramago que afirma: “No romance limito-me a pôr as coisas à vista:
levantar a pedra e ver o que est debaixo” Saramago, 2005, como citado em Aguilera, 2010, p. 329 .
Portanto, cabe ao leitor ver e reparar no que está sendo mostrado por Saramago.
Saramago explana sobre a responsabilidade do escritor: “O escritor, se for uma pessoa do seu
tempo, supõe-se que conheça os problemas do seu tempo. E quais são esses problemas? Que não estamos
num mundo bom, que está mal e que não serve. [...] Do que eu estou a falar é da necessidade de um
conteúdo ético, que não se separa do que eu chamo um ponto de vista crítico.” Saramago, 1998, como
citado em Aguilera, 2010, p. 369). Para tal, Saramago expõe suas dores e angústias fazendo uso de
personagens comuns, gente simples, em seus romances, de forma que seus leitores possam se identificar
com eles. Ele enfatiza: “[...] nos meus livros não h her is, não h gente muito formosa” Saramago,
2013, pp. 28-29 e afirma: “ eflito e escrevo sobre pessoas comuns porque essa é a gente que conheço.”
(Saramago, 2013, p. 35).
O trabalho vale-se de pesquisa qualitativa em que são consideradas e analisadas publicações de
José Saramago. Quanto ao objetivo é pesquisa exploratória por buscar proporcionar maior familiaridade
com o tema do protagonismo de personagens comuns nos romances de Saramago, com vistas a torná-lo
mais explícito.
José Saramago morreu em 18 de Junho de 2010, aos 87 anos, combativo, irônico e lúcido. No final de
sua vida, ainda escrevia. Ele descrevia a história de um funcionário de uma fábrica de armas, um homem
comum (como a grande maioria de suas personagens) e apagado, que não tinha e nunca disparou uma
arma, que vivia entre papeis e carimbos, e que considera a possibilidade de insurgir-se, de levantar-se,
de dizer não.
Assim, “[...] porquê nunca houve uma greve numa f brica de armamento [...]” Saramago, 2014,
p. 59) foi a motivação para Saramago iniciar o desenvolvimento de um novo livro – Alabardas,
Alabardas, Espingardas, Espingardas – que ficou inacabado com o falecimento do escritor, mas o que
ficou escrito já faz o que pensar sobre a condição humana e a banalidade da violência na sociedade
contemporânea.
Já no banquete de recepção do Prêmio Nobel de Literatura, em 10 de dezembro de 1998, em
Estocolmo, Saramago usou a palavra para lançar um desafio e questionar o agir dos seres humanos e
das instituições:
Cumpriram-se hoje exactamente cinquenta anos sobre a assinatura da Declaração
Universal de Direitos Humanos.
[...] Nestes cinquenta anos não parece que os Governos tenham feito pelos direitos
humanos tudo aquilo a que, moralmente, quando não por força da lei, estavam
obrigados. As injustiças multiplicam-se no mundo, as desigualdades agravam-se, a
ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrênica humanidade que é capaz
de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste
164
indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a
Marte neste tempo do que ao nosso próprio semelhante.
Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os Governos, seja
porque não sabem, seja porque não podem, seja porque não querem. Ou porque não
lho permitem os que efectivamente governam, as empresas multinacionais e
pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a uma casca
sem conteúdo o que ainda restava de ideal de democracia. Mas também não estão a
cumprir o seu dever os cidadãos que somos. [...] Com a mesma veemência e a mesma
força com que reivindicamos os nossos direitos, reivindiquemos também o dever dos
nossos deveres. Talvez o mundo possa começar a tornar-se um pouco melhor.
(Saramago, 1998, pp. 21-22).
Desta forma, Saramago convoca todo e qualquer cidadão a cumprir o seu dever como cidadão do
mundo e seus romances, e suas personagens através de suas falas, colaboram para a reflexão de cada
cidadão.
Saramago não descreve a fisionomia de suas personagens. Ele declara: “O que é que importa
saber se a mulher é loura ou morena, se tem os dentes brilhantes ou algum estragado? Não interessa,
cada leitor fará a sua imagem se quiser ou se não quiser. Quando eu digo que a morte se converte numa
mulher não estou a perder tempo a descrevê-la, deixo-a decidir que é bonita e acabou” Saramago, 2008,
como citado em Silva, 2009, p. 174).
Portanto, seus leitores ficam livres para construir e elaborar uma imagem da personagem, segundo
o que é passado através de seus atos e falas.
Neste contexto, passa-se a descrever alguns de seus romances e as falas de personagens, de forma
a discorrer sobre a força e o protagonismo da gente comum de José Saramago e a sabedoria dos mesmos
no questionamento sobre o mundo em que vivem.
165
[...] o romance era uma inesperada versão ao revés da historiografia oficial dos
poderosos, dos feitos militares e das relações político-diplomáticas, incorporando as
lições da nouvelle histoire e tendo um laivo marxista nos seus anti-heróis do povo
miúdo. A par disso, a narrativa combinava a estória de figuras do povo anónimo com
a história da construção do Convento de Mafra, que era assim despojado do seu
carácter gélido de obra do regime absolutista para uma certa humanização que os
amores, as dificuldades, as alegrias e as tristezas da “arraia-miúda” representada por
tais figuras acabavam por trazer para esta edificação [...].
Saramago descreve o conteúdo do romance no Discurso de Estocolmo (1998, pp. 13-14),
ressaltando o amor, a bondade e o respeito como soluções para os problemas da sociedade
comtemporânea.
[...] um homem que deixou a mão esquerda na guerra e uma mulher que veio ao mundo
com o misterioso poder de ver o que há por trás da pele das pessoas. Ele chama-se
Baltasar Mateus e tem a alcunha de Sete-Sóis, a ela conhecem-na pelo nome de
Blimunda, e também pelo apodo de Sete-Luas que lhe foi acrescentado depois, porque
está escrito que onde haja um sol terá de haver uma lua, e que só a presença conjunta
e harmoniosa de um e do outro tornará habitável, pelo amor, a terra. Aproxima-se
também um padre jesuíta chamado Bartolomeu que inventou uma máquina capaz de
subir ao céu e voar sem outro combustível que não seja a vontade humana, essa que,
segundo se vem dizendo, tudo pode, mas que não pôde, ou não soube, ou não quis,
até hoje, ser o sol e a lua da simples bondade ou do ainda mais simples respeito.
Além da bela história de amor de Blimunda e Baltazar, é também a história da construção do
Convento de Mafra por milhares de homens comuns que não são descritos e nem percebidos pela
História.
Assim, citam-se discursos colocados na boca dessa gente comum, mas com poder de fazer pensar.
Blimunda diz para Baltasar: “O pecado não existe, s h morte e vida, [...] a morte vem antes da
vida, morreu quem fomos, nasce quem somos, por isso é que não morremos de vez.” Saramago, 2011a,
p. 322), ressaltando a capacidade do ser humano de se renovar, rejuvenescer, renascer, ... E, afirma,
“Tudo no mundo est dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas” Saramago, 2011a, p.
320). Blimunda alerta para a necessidade de olhar o mundo, a humanidade, o ser humano e suas
necessidades. É necessário observar, prestar atenção, tocar, sentir, ver e ouvir.
João rancisco diz para seu filho Baltasar: “É quando somos velhos que as coisas que estão para
vir começam a acontecer, e uma razão de ser assim é que já somos capazes de acreditar naquilo de que
duvidávamos, e mesmo não podendo acreditar que tenha sido, acreditamos que ser .” Saramago, 2011a,
p . 258). É a experiência da gente simples/comum que faz acreditar no poder transformador da
humanidade.
166
E, Saramago coloca na fala da personagem Lídia, uma pessoa do povo, a sabedoria que o poeta
eis não havia alcançado. “O povo é isto que eu sou, uma criada de servir que tem um irmão
revolucionário e se deita com um senhor doutor contrário às revoluções [...] Quando abro a boca para
falar, as palavras já estão formadas, é só deixá-las sair” Saramago, 1988, p. 386 .
Ricardo Reis e Fernando Pessoa partem para sempre, no entanto Lídia permanece, uma mulher
do povo gr vida, esperando um filho do poeta. “Se não quiser perfilhar o menino, não faz mal, fica
sendo filho de pai inc gnito, como eu.” Saramago, 1988, p. 365 . É a manifestação da dignidade da
vida acima de tudo.
167
por acreditar que todas as coisas têm o seu lado visível e o seu lado invisível e que não saberemos nada
delas enquanto não lhe tivermos dado a volta completa.”
Assim, Saramago faz aimundo proclamar: “[...] tudo quanto não for vida é literatura [...] A
hist ria sobretudo [...]” Saramago, 2003, p. 12 . E, também, “Nunca saberemos até que ponto as nossas
vidas mudariam se certas frases ouvidas mas não percebidas tivessem sido entendidas” Saramago,
2003, p. 242).
O romance é também uma história de amor ente Raimundo Silva e Maria Sara, uma personagem
contemporânea que busca a humanização do ser humano.
Maria Sara define o amor: “[...] o mal está em vocês, homens, todos, a macheza, [...] alguma vez
vocês se decidirão a ser naturais na vida [...] queremos deitar abaixo os muros do outro e continuar com
os nossos, o amor será não haver mais barreiras, o amor é o fim do cerco. (Saramago, 2003, p. 301).
A alteração do revisor funciona como um ato de insubordinação, em que o revisor questiona as
verdades absolutas, e eternas. Representa o direito à dúvida.
168
morta e que é o p lo de tudo aquilo que vai sucedendo” Saramago, 2008, como citado em Silva, 2009,
p. 108).
Sobre o romance Todos os Nomes, disse Saramago 2011b, p. 13 : “ m romance que se chama
Todos os Nomes e onde não haverá nomes...Ter dito todos os nomes seria uma boa razão para não
escrever nenhum.” Apenas um nome: José. m homem simples, humilde e solit rio, escrevente por
ofício, inconformado com a escrita da vida. A mulher desconhecida, uma mulher divorciada e suicida,
tem a capacidade de dar valor e motivação à vida de José.
Assim, José, o homem simples e apagado da onservat ria, exclama “Nada no mundo tem
sentido” Saramago, 1997, p. 274 . E, ainda, “[...] na vida não faltam coisas por explicar” Saramago,
1997, p. 266). Cabe refletir nestas falas. Qual o sentido de se estar no mundo?
Uma personagem idosa, a senhora do rés-do-chão, fala da convivência e do amor “[...] perdoa-se
porque se ama, ama-se porque se perdoa” Saramago, 1997, p. 63 . É a chave para a convivência: amor
e perdão devem andar juntos.
E o chefe da onservat ria proclama “Assim como a morte definitiva é o fruto último da vontade
de esquecimento, assim a vontade de lembrança poderá perpetuar-nos a vida.” Saramago, 1997, p. 209 .
Uma pessoa não morre enquanto está viva na lembrança de outra.
169
Conclusões
Referências
Aguilera, F.G. (2010). José Saramago nas suas palavras. Alfragide, Portugal: Caminho.
Koogan/Houaiss. (1997). Enciclopédia e Dicionário Ilustrado. Rio de Janeiro, Brasil: Edições Delta.
Lopes, J.M. (2011). Biografia – José Saramago. Lisboa, Portugal: Guerra & Paz.
Nobel Prize (1998). Acedido em 20-06-2022. Disponível em:
http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1998/press-po.html .
Saramago, J. (1988). O ano da morte de Ricardo Reis. São Paulo, Brasil: Companhia das Letras.
Saramago, J. (1991). O Evangelho segundo Jesus Cristo. São Paulo, Brasil: Companhia das Letras.
Saramago, J. (1995). Cadernos de Lanzarote: Diário II. Lisboa Portugal: Editorial Caminho.
Saramago, J. (1997). Todos os Nomes. São Paulo, Brasil: Companhia das Letras.
Saramago, J. (1998). Discursos de Estocolmo. Lisboa, Portugal: Fundação José Saramago.
Saramago, J. (2000). A caverna. São Paulo, Brasil: Companhia das Letras.
Saramago, J. (2002). O homem duplicado. São Paulo, Brasil: Companhia das Letras.
Saramago, J. (2003). História do Cerco de Lisboa. Rio de Janeiro, Brasil: O Globo.
Saramago, J. (2006). A jangada de pedra. São Paulo, Brasil: Companhia das Letras.
Saramago, J. (2009). O Caderno 2. Alfragide, Portugal: Editorial Caminho.
Saramago, J. (2011a). Memorial do Convento. Rio de Janeiro, Brasil: Bertrand Brasil.
Saramago, J. (2011b). Cadernos de Lanzarote: Diário V. Alfragide, Portugal: Editorial Caminho.
Saramago, J. (2012). Levantado do Chão. Rio de Janeiro, Brasil: Bertrand Brasil.
Saramago, J. (2013). A estátua e a pedra. Lisboa: Fundação José Saramago.
Saramago, J. (2014). Alabardas, alabardas, espingardas, espingardas. São Paulo, Brasil: Companhia das
Letras.
Silva, J. C. e. (2009). Uma longa viagem com José Saramago. Lisboa: Porto Editora.
170
Educação no Mundo
Lusófono
171
A potência criativa de estudantes a partir dos afetos
[email protected], [email protected]
1Instituto Federal de Sergipe, Brasil.
2Instituto Federal da Bahia, Brasil.
Resumo. Este trabalho parte da premissa da importância dos encontros afetivos para o
desenvolvimento do processo do aprender e da potência criativa. Este surge como resultado de
uma pesquisa-intervenção realizada em uma instituição de ensino superior, na turma do 3º ano
letivo do curso de Arte e Design, da unidade curricular de Ilustração, mostrando caminhos
didáticos que contribuíram para que os estudantes se organizassem em torno do afeto da alegria.
O processo se desenvolve a partir da promoção de espaços de partilhas entre os estudantes,
organizados para favorecer a utilização de distintos instrumentos e técnicas de desenhos, que, por
sua vez, idealizam proporcionar encontros pessoais para o aumento das potências individuais. A
produção dos dados de pesquisa ocorreu a partir do desenvolvimento e da observação das oficinas
pedagógicas e, das respostas dos estudantes, em questões abertas e fechadas, realizadas por
questionário. As leituras dos dados ocorreram pela análise de conteúdo de Bardin. Os resultados
apontam para a ação docente e a intervenção didática, bem como, para a linguagem artística do
desenho como pontos fundamentais para auxiliar os estudantes na organização dos encontros
alegres. Mostram, também, que a potência criativa se deu à medida em que os estudantes puderam
experimentar os próprios afetos alegres, revelando um processo de aprendizado mais autônomo e
inventivo.
Introdução
Este artigo tem como objetivo central discutir sobre a importância dos afetos no processo de aprendizado
de estudantes do terceiro ano de uma instituição de ensino superior, em Portugal. Para tanto,
apresentamos algumas atividades de ensino desenvolvidas durante a unidade curricular “Ilustração”, do
172
curso de Licenciatura em Artes e Design. O processo se desenvolve a partir da promoção de espaços de
partilhas entre os estudantes, organizados para favorecer a utilização de distintos instrumentos e técnicas
de desenhos, que, por sua vez, idealizam proporcionar encontros pessoais com a própria potência de
vida.
A investigação que apresentamos surge, incialmente, através da busca por práticas de ensino que
valorizem as potências produzidas pelos encontros entre os corpos. Para além das aulas expositivas,
apresentamos a elaboração de oficinas como possibilidades alinhadas aos processos de criação e
desenvolvimento de propostas, de forma que as ideias visuais possam, realmente, corresponder aos
interesses pessoais e, que revelem sentidos específicos para seus autores.
Entendemos, outrossim, que os processos do aprender dependem desses sentidos individuais
encontrados pelo próprio aprendiz, que o ensino do professor, por si só, não pode garantir o alcance.
Dessa forma, percebemos que o papel da educação institucionalizada deve ser propiciar momentos para
que os estudantes interpretem os diversos signos presentes no cotidiano e em suas experiências de vida.
É sobre essa premissa que reside a importância deste trabalho, pensar sobre as práticas educativas como
ato de liberdade daqueles que ensinam e, sobretudo, daqueles que aprendem. Pois, não há aprendizado
que extrapole a repetição sem que haja aumento da potência individual e, só há aumento de potência
quando se é afetado pela alegria.
Para promover a descoberta daqueles sentidos individuais procuramos utilizar o desenho como
eixo condutor das atividades por dois motivos, primeiro, devido à natureza da unidade curricular
Ilustração, que tem neste saber suas bases comunicativas e expressivas, e segundo, por entendermos que
desenho é um campo de conhecimento, possivelmente, uma grande área, que engloba além da
comunicação, a expressão, a representação, a reprodução, a ideia, o desígnio, o pensamento e o processo
cognitivo do ser humano. O mesmo, transita por entre as mais diversas profissões como atividade
plasmável e interdisciplinar (Lima, 2020).
Aproveitamos também o tipo de desenho que o estudante já desenvolvia, e deixamos à escolha de
cada um percorrer por uma zona de conforto para priorizarmos os processos criativos.
O desenho é a arma principal do ilustrador, por isso, o aspecto de ‘feito à mão’ nunca
desaparece totalmente, mas, como seria de se esperar, a natureza eclética dos
criadores de imagens de hoje é marcada pela ampla gama de dispositivos possíveis
para desenho”. Assim, houve a liberdade de se trabalhar com os mais diversos meios
e técnicas de desenhar, desde os tradicionais até os digitais. (Zeegen 2009, p.72).
“A nossa mente, algumas vezes, age; outras, na verdade, padece. Mais especificamente, à medida que
tem ideias adequadas, ela necessariamente age; à medida que tem ideias inadequadas, ela
necessariamente padece.” Espinosa, 2020, p. 99 . O fil sofo nos alerta para a importância dos afetos
como condição para se alcançar as ideias adequadas, o pensamento verdadeiro, aquele que excede a
173
representação do real, que alcança a causa eficiente. É preciso ir além das aparências, além do que está
dado, além dos efeitos das coisas que a nossa sensibilidade reconhece.
Para Espinosa nem toda ação da mente pode ser considerada pensamento, pois o homem é
facilmente enganado pela imaginação, fruto das paixões. Os afetos são a maneira primeira do ser
humano conhecer as coisas. Ao encontrar com os corpos de qualquer natureza, somos afetados de
alguma forma, em tempo que nossa mente tece ideias sobre essas marcas deixadas por esses encontros.
Essas ideias são os afetos, ou seja, são as impressões primeiras que realizamos a partir do que sentimos
nos encontros.
Ocorre que somos afetados pelos corpos externos e a partir disso podemos desenvolver afetos
tristes ou alegres. Sendo que os primeiros nos impelem para a diminuição da nossa potência, enquanto
os segundos nos direcionam para o aumento da potência. Em ambos os casos estamos sob o domínio de
um outro corpo, estamos em estado de passividade. Mas, o pensamento exige um estado ativo do sujeito,
que não se pode alcançá-lo sem que, primeiramente, compreenda-se o primeiro estágio de passividade
experimentado.
O que Espinosa nos ensina é que tanto os afetos quanto a razão, ambos têm o mesmo grau de
importância no processo do conhecimento, portanto, faz-se necessário superar a velha crença de que a
razão domina e controla os afetos, antes é preciso entender estes últimos como estágio primordial do
ser, existir e agir do ser humano no mundo.
“A aprendizagem não se faz na relação da representação com a ação como reprodução do
Mesmo , mas na relação do signo com a resposta como encontro com o Outro .” Deleuze, 2006, p.31 .
Sob influência da concepção espinosana sobre os afetos, Deleuze desenvolve sua teoria acerca do
aprender em um plano de imanência, colocando os signos e as experiências no mesmo patamar de
importância, o autor trabalha com o movimento e a dinâmica dos corpos no exercício de interpretação
dos signos emitidos pelas coisas a partir das necessidades criadas nos encontros entre os corpos. O
aprender é, dessa forma, o resultado de certo imbricamento entre o que se apresenta como signo em sua
rede complexa de relações e o exercício interpretativo singular de cada aprendiz.
A interpretação do aprendiz requer, portanto, distinção entre o que apenas é efeito e o que é causa
dos afetos nos encontros corpóreos, com autonomia suficiente para encontrar em si o sentido para o
conhecimento. Esse é um exercício que depende da ação do pensamento em parceria com os afetos. Sem
reconhecer e compreender o poder dos afetos, destarte, não há como alcançar o pensamento verdadeiro,
no qual reside a potência criativa.
É importante alertar que o autor chama de pensamento verdadeiro o pensamento que vai além da
condição primeira de sensibilidade empírica e não em oposição ao pensamento falso, pois tanto o
pensamento atribuído à sensibilidade (pensamento imaginativo) quanto o pensamento atribuído à razão
(pensamento racional) têm a mesma importância, apesar de naturezas diferenciadas.
Ao partirmos da compreensão de interdependência entre afetos e razão trazemos a potência
criativa como valorização da alegria no processo de aprendizado dos estudantes. Sabemos, contudo, que
esta é apenas uma possibilidade que pode levar ao resultado do entendimento e moderação dos
estudantes acerca da origem e das causas dos afetos no próprio corpo, saindo do domínio imaginativo
para elaboração de pensamento. Mas, acima de tudo, entendemos que fora dos afetos de alegria não há
possibilidade de manifestação da potência criativa.
Material e métodos
Este trabalho resulta de uma pesquisa-intervenção realizada no período que compreende os meses de
setembro/2021 a janeiro/2022 com uma turma de 47 estudantes do 3º ano letivo do curso de Licenciatura
em Arte e Design, do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), em Portugal. A pesquisa intervenção
propõe investigações qualitativas sobre dada coletividade, ao mesmo tempo em que permite participação
ampla do grupo, propõe-se transformadora de realidades na esfera micropolítica. “Pois aceder a
dimensão movente da realidade significa afetar as condições de gênese dos objetos, e assim poder
intervir e fazer derivar, num processo de diferenciação, novas formas ainda não atualizadas.” Esc ssia
& Tedesco, 2015, p.92). Mais que debruçar-se sobre o objeto investigado, portanto, a pesquisa-
intervenção debruça-se com os sujeitos participantes para compreender o processo de interpretação e
produção das distintas realidades.
174
Aderimos à proposta das oficinas por entender que estas proporcionam um ambiente de maior
liberdade para o aprendizado, possibilitando a expressão afetivo-criativa dos estudantes. “Ao fazer e
inventar coisas, se inventam ao mesmo tempo. Nas oficinas ocorrem relações com as pessoas, com o
material e consigo mesmo.” Kastrup & Barros, 2015, p. 84 .
As oficinas ofereceram possibilidades de ampliação da potência dos estudantes. Como espaços
multissensoriais, criamos ambientes nos quais os próprios estudantes pudessem realizar suas opções por
técnicas, instrumentos, pares de trabalho, de forma que várias linguagens da ilustração pudessem ser
utilizadas.
O outro procedimento que utilizamos para permitir a expressão dos estudantes, acerca dos
trabalhos desenvolvidos nas oficinas, foi o questionário. Este foi enviado por e-mail através do Google
Forms, sem necessidade de identificação do participante, o que preservou a identidade deles. O
questionário seguiu um roteiro com 2 perguntas objetivas, para identificar o perfil dos jovens, e 6
perguntas abertas, que utilizamos para entender a compreensão dos estudantes acerca da importância
dos afetos no exercício do aprender. Por haver valores absolutos e relativos nas respostas dos
participantes alguns números apresentam-se superiores à quantidade de entrevistados, o que pode
resultar que uma mesma resposta se enquadre em mais de um tema inicial.
Dentre os quarenta e sete estudantes, trinta e um participaram da pesquisa ao responderem aos
formulários enviados. Entre estes vinte do sexo feminino e onze do masculino, em faixa etária
majoritariamente entre 18 e 30 anos, havendo apenas 2 entre 41 e 50 anos, e 1 acima dos 50.
Para realizar a leitura dos dados utilizamos a análise de conteúdo de Bardin. Realizamos em três
fases, com a pré-análise realizamos as leituras a partir dos critérios de exaustividade, representatividade,
homogeneidade e pertinência. Após a exploração do material compomos os eixos para a codificação e
análise qualitativa. Fazendo uso de quadros, elegemos a partir das respostas dos questionários, 32 temas
iniciais e em seguida, na análise temática, definimos os 10 eixos de acordo com os objetivos e respostas
dos estudantes. Por fim, chegamos a três categorias de análise: Importância dos afetos na formação
juvenil, Encontros de corpos no cotidiano acadêmico e Ampliação da potência humana.
Se o aprender depende dos signos e, estes, são resultados dos encontros entre os corpos, cabe aos
professores organizar momentos que propiciem o máximo de experiências para aumentar as
possibilidades dessas composições acontecerem.
175
ampla variedade desde aquarela ao desenho digital, até quem preferisse trabalhar com a mistura de
meios.
Em seguida, trabalhamos com a oficina de Ilustração em rede social. Nesta etapa, objetivando
uma comunicação autoral representativa de si, propomos a criação de frases de efeito em harmonia com
imagens que transmitissem uma mensagem particular. Tendo sido solicitado aos estudantes que
buscassem situações de afetos que desejassem compartilhar através de uma ilustração (texto/imagem)
para publicação no Instagram.
A oficina seguinte foi a Ilustração para jornal. Nesse trabalho, de natureza editorial, solicitamos
a interpretação de um texto jornalístico de jornal diário a partir de um desenho específico para a mídia
impressa (cartum, charge, caricatura ou tirinha de banda desenhada).
Demos seguimento aos trabalhos com a oficina de natureza publicitária Ilustração de álbum
musical. Nesta, objetivamos que os estudantes resgatassem memórias afetivas e tentassem interpretá-las
e demonstrá-las através de elementos gráfico-poéticos que representassem e sintetizassem a produção
fonográfica de algum álbum musical de sua preferência.
Posteriormente, realizamos a oficina de Ilustração urbana in loco (in situ). Nesta etapa propomos
uma atividade de hobby. Levamos a turma de estudantes às ruas para que olhassem e sentissem o espaço
e o patrimônio edificado em busca de algo que lhes afetasse de alguma forma. Para isso, os alunos se
dispersaram pela zona histórica de Bragança, por duas horas, à procura de uma paisagem urbana
específica. Diferentemente de desenhar em estúdio com auxílio de fotografia, o desenho no local está
inserido no ambiente e propicia a vivência de sua atmosfera, contando com cheiros, sabores, sons e
temperaturas advindos do cenário desenhado.
A oficina seguinte foi a Ilustração de capa de livro. Nesta atividade, de cunho editorial, sugerimos
aos alunos que escolhessem uma história popular que tivesse um sentido singular para realizar sua
interpretação gráfica através de uma ilustração para capa. Como havia nacionalidades distintas entre os
estudantes, pudemos conhecer e apreciar contos tradicionais de alguns países.
Por fim, o trabalho de conclusão, que consistiu na elaboração de um livro infantil completamente
ilustrado e contou com um período mais longo de tutoria e experimentação. Sugerimos a criação de um
conto infantil inédito ou a utilização de um conto ainda não ilustrado, ou mesmo, de domínio público,
apresentando um layout próximo ao acabamento final para ser comercializado em livrarias. Nessa fase,
portanto, foi necessário pensar não apenas nos desenhos, mas na diagramação, editoração, paginação,
encadernação, capa e apresentação profissional que estivesse em sintonia com o universo editorial
português. O meio pelo qual desenvolveriam as ilustrações permaneceu livre, assim como, a faixa etária
para qual se destinaria a obra (infantil ou infanto/juvenil) também foi objeto de escolha dos estudantes.
Após o período de procura e definição por uma história foi necessário imergir no universo infantil
ou infanto/juvenil, compreender sua linguagem e signos das mensagens inerentes a esse gênero literário.
Uma vez escolhida a história, passou-se à definição do formato e paginação, para, em seguida,
realizarem os estudos de traços, materiais, personagens e cenários. Aqui, o objetivo central foi
desenvolver um estilo próprio que percorresse as ilustrações do início ao fim, ou seja, uma identidade
gráfica. Para tanto, foram necessários estudos tipográficos em busca de harmonização texto/imagem e
análises acerca da distribuição homogênea de quantidade textual por página, em busca de um equilíbrio
estético-visual para a obra.
As oficinas ocorreram durante todo o semestre letivo (2021/2022). O trabalho de conclusão foi
apresentado em uma exposição coletiva das obras em sala de aula, momento em que pudemos
compartilhar dificuldades, alegrias e os resultados do trabalho realizado. O resultado do ponto de vista
do ensino foi bastante satisfatório, todavia, interessa-nos conhecer como os estudantes avaliaram o
processo das oficinas
Resultados e discussões
As leituras dos dados nos levaram a três categorias: Importância dos afetos na formação juvenil;
Encontros de corpos no cotidiano acadêmico e Ampliação da potência humana. A primeira categoria
aborda a influência e importância dos afetos para a formação dos jovens estudantes como elemento
indispensável para o processo criativo. A segunda apresenta as possibilidades e os limites dos encontros
176
entre os corpos no cotidiano acadêmico, e a última categoria mostra como os bons encontros resultam
em composição para aumento da potência dos corpos. A tabela 1 ilustra parte desta fase de trabalho.
177
inicial e, dificuldades de ordem pessoal, questões como conciliação com o tempo de estudo e trabalho
para os jovens trabalhadores, atender aos prazos solicitados pela academia ou mesmo questões de foro
íntimo familiar. Tanto durante as observações, que pudemos fazer na condução das oficinas, quanto no
relato dos estudantes, percebemos que essas dificuldades se mostraram resultado de encontros
paralisantes. Figura 1.
Figura 1: Ilustrações produzidas em sala de aula para a oficina de mídia digital: Frases autorais
Fonte: Cacifo da turma
Nesse sentido, foi preciso acolher as angústias dos estudantes e orientá-los para que organizassem
bons encontros afetivos para superar os desafios apontados, este últimos se concentraram,
destacadamente, entre dificuldades criativo/autoral e dificuldades técnicas. “Sim, foi bastante difícil a
libertação de um traço rígido para algo mais dinâmico e abstrato, para esta dificuldade tomei como
critério o exercer de inúmeros desenhos sem a exploração de o elemento figurativo”. Estudante . O
relato que segue denota a importância da escuta ativa e da busca por ações didáticas que favoreçam o
pleno desenvolvimento do estudante “No início estava um pouco receosa com a disciplina por ter
MUITA dificuldade através de desenhos, mas com o tempo e graças a forma como o docente orientava
os trabalhos consegui avançar e concluir todos os trabalhos”. Estudante H
Já a categoria Ampliação da potência humana pode nos mostrar o quanto a ação docente pode
contribuir para que os estudantes possam procurar composições afetivas que os levem ao aumento da
potência natural e, assim, desenvolver o potencial criativo. Dentre as repostas apresentadas, 36 delas
indicam a relação afetiva no processo de aprender associada ao desempenho docente ou a ação didática
desenvolvida. Questão que nos leva a refletir sobre a importância/contribuição da docência na formação
dos jovens estudantes, assim como, leva-nos a pensar sobre a necessidade de acolhimento e orientação
que a maioria deles aponta. Resultados que podem indicar possibilidades investigativas futuras.
Quanto a ampliação da potência a partir da compreensão afetiva de si tivemos 31 respostas.
Surgem neste eixo específico, elementos como autoestima, autoconhecimento, descoberta de sentidos,
expressão de sentimento, sensação de liberdade, entre outros. Todos estes são apontados como
elementos que os deixam satisfeitos e realizados consigo mesmo. Os relatos aqui se revelam menos
engessados no quesito da criatividade, que, incialmente, surgiu como maior dificuldade apresentada,
juntamente com a questão técnica, pelos estudantes. Essa constatação pode estar nos indicando que
houve uma superação acerca da própria noção de competência individual para desenvolvimento das
atividades. A superação é percebida tanto nos resultados dos trabalhos apresentados, alguns dos quais
apresentaremos adiante, quanto nos relatos dos estudantes “[...] nos ajudou a libertar mais e seguir novos
caminhos.” Estudante N ; “em todos os trabalhos conseguimos evoluir de alguma maneira[...]”
(Estudante W).
A seguir apresentaremos os resultados de alguns dos trabalhos realizados durante as oficinas
didáticas, figuras 2 e 3.
178
Figura 2: Ilustração de capa de livro (à esquerda) e releitura de capa de album musical (à direita) produzidas por
estudantes do curso de Arte e Design do IPB
• Fonte: Cacifo da turma
Figura 3: Capa de livro infantil com ilustração e conto de autoria da estudante (à esquerda) e página interna de
livro infantil ilustrado por outro aluno (à direita)
• Fonte: Cacifo da turma
Conclusões
Todo movimento do ensino é intencionalmente voltado para o aprendizado dos estudantes, todavia, não
há em nenhum método a possibilidade de garantia da efetividade do mesmo. A didática utilizada pelos
professores é, sem dúvida, um importante dispositivo teórico-metodológico para o desenvolvimento de
boas intervenções em sala de aula, mas o aprender vai além, pois depende da atividade do aprendiz. E
não estamos falando de qualquer aprendizado, mas daquele que supera o mero ato mecânico de
reproduzir conceitos já estabelecidos, o aprender que está associado ao ato criativo.
As oficinas didáticas, portanto, foram estratégias didáticas eficientes na medida em que
possibilitaram diversidade de técnicas, organização de espaços e grupos de trabalho, mas, em dado
momento, esbarrou em limitações afetivas trazidas pelos estudantes, limitações essas que geravam
sentimento de impotência e incapacidade, alimentados pelo afeto de tristeza. Somente quando os
estudantes experimentaram encontros positivos, tenha sido com o docente, com outros colegas, com
determinada técnica ou linguagem, é que eles romperam com a paralisação e puderam experimentar suas
capacidades criativas.
179
A arte e seus signos artísticos favorecem o despertar para uma outra forma de ver o mundo.
Podemos afirmar que, durante nossos encontros didáticos, a atividade do desenho se revelou um outro
elemento fundamental para auxiliar os estudantes nos encontros alegres. Desde a descoberta de um estilo
próprio ao acesso de sentimentos pessoais, a linguagem artística do desenho esteve presente e contribuiu
para que os estudantes interpretassem não somente as atividades propostas, mas questões particulares e,
sobretudo, profissionais.
Entendemos que é possível que alguns resultados não tenham expressado o grau máximo de
potência possível dos jovens aprendizes, mas podemos inferir que o caminho trilhado é de valorização
da busca do sensível. Sentir, interpretar, experimentar são ações que denotam a busca pelo novo,
digamos que seja o ponta pé inicial para o processo criativo, que se consolidará à medida que o sujeito
extrapole o campo imaginativo; saia do domínio do outro; livre-se das amarras do pensamento pela
representação e se permita superar o instituído.
Não ousamos, com isso, avaliar se os nossos estudantes alcançaram o pensamento verdadeiro,
mas perscrutamos o impacto que essas ações didáticas, desenvolvida durante a unidade curricular
“Ilustração”, provocaram no caminhar dos jovens em busca dos sentidos singulares no processo criativo
de suas propostas visuais.
Referências
Deleuze, G. (2006). Diferença e Repetição. (2a. ed., L. Orlandi, & R. Machado, Trad.). Rio de Janeiro,
RJ: Graal.
Escóssia, L. da, & Tedesco, S. (2015). O coletivo de forças como plano da experiência cartográfica. In:
Passos, E., Kastrup, V., & Escóssia, L. da. (orgs.). Pistas do Método da cartografia: Pesquisa-
intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre, RS: Sulina, pp. 150-171.
Espinosa, B. (2020). Ética. (2a ed., T. Tadeu, Trad.). Belo Horizonte, MG: Autêntica.
Kastrup, V., & Barros, R. B. (2015). Movimentos-funções do dispositivo na prática da cartografia. In:
Passos, E., Kastrup, V.. & Escóssia, L. da. (orgs.). Pistas do Método da cartografia: Pesquisa-
intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre, RS: Sulina.
Lima, M. S. (2020). Desenhar é preciso? O ensino de Desenho como grande área de conhecimento para
a formação integral nos Institutos Federais. (Tese de doutoramento). Universidade de São Paulo,
São Paulo, Brasil.
Orlandi, L. B. L. (2021). Que se passa entre ensinar e aprender? Caderno de Filosofia e Psicologia em
Educação. Ano XV, n.25, jan-jun. Vitória da Consquista, BA.
Zeegen, L. (2009). Fundamentos de ilustração [recurso eletrônico]. (M. Bandarra, Trad.). Porto Alegre,
RS: Bookman.
180
Os Lusíadas Boardgame: a cultura literária de língua portuguesa e a
mediação lúdica na sala de aula.
Resumo. Este trabalho visa apresentar as teorias que entendem o jogo e a literatura como
bens imateriais humanos e essencialmente educativos, podendo ser sistematizados para fins
didático-pedagógicos. Nesse ínterim, pretende-se a socialização de um método inovador de
ensino de literatura por meio do lúdico para os anos finais do ensino básico nos
componentes de Língua Portuguesa e Literatura e para o Ensino Superior em Letras. O
projeto institucional O Círculo Mágico na sala de aula, em conjunto com o programa
Residência pedagógica, fomentado pela CAPES, elaborou e sistematizou um método de
ensino da historiografia literária luso-brasileira por meio do jogo Os Lusíadas Boardgame,
o qual aproxima o aluno da obra mais célebre da língua portuguesa: Os Lusíadas, de Luís
de Camões. O jogo é um boardgame moderno, ou seja, suas mecânicas diminuem o fator
sorte e estimulam a estratégia, corroborando para sua rejogabilidade no intuito de propiciar
a apreensão, sob múltiplos aspectos, do contexto histórico e artístico envolvendo a epopeia
camoniana. Os coordenadores do projeto, em conjunto com os colaboradores residentes,
aplicaram o jogo para um grupo de alunos do ensino médio e os resultados constam entre
os objetivos deste trabalho.
Palavras-Chave: Círculo Mágico, Literatura, Jogos Educativos, Luso-Brasileira.
Abstract. This paper aims to present the theories that consider games and literature as
intangible human assets and essentially educational, which can be systematized for didactic
and pedagogical purposes. In the meantime, it aims at socializing an innovative method for
teaching literature through playfulness for the final years of elementary school in the
components of Portuguese Language and Literature, and for Higher Education in
Literature. The institutional Project O Círculo Mágico na sala de aula, together with the
Pedagogical Residency program, sponsored by CAPES, developed and systematized a
method for teaching Luso-Brazilian literary historiography through the Os Lusíadas
Boardgame, which brings the student closer to the most famous work of the Portuguese
language: Os Lusíadas, by Luís de Camões. The game is a modern boardgame, that is, its
mechanics decrease the luck factor and stimulate strategy, corroborating for its
replayability in order to provide the apprehension, under multiple aspects, of the historical
and artistic context involving the Camões epic. The project coordinators, together with the
resident collaborators, applied the game to a group of high school students and the results
are among the objectives of this paper.
181
Introdução
A presença do lúdico na educação formal não é uma novidade entre os entusiastas das metodologias que
fogem ao tradicional ensino bancário que, embora superado pelas ideias de uma educação libertadora,
deixou marcas profundas e difíceis de serem transpostas. Exemplo inconteste dessa realidade são as
aulas tendo o professor como protagonista e o aluno relegado a um papel de passividade frente à
construção do seu conhecimento. No intuito de incentivar uma ruptura definitiva com métodos de ensino
obsoletos e ineficazes, o Projeto de Pesquisa e Extensão do IFPR Campus Palmas, O Círculo Mágico
na sala de aula, se propõe a empreender pesquisas que expliquem os fenômenos educacionais que
norteiam a educação brasileira, bem como se debruça na investigação acerca do ensino lúdico, das
teorias do jogo e da inserção do jogo na educação para além do ensino infantil. destarte, o projeto elabora
jogos educativos no âmbito do IFPR com ênfase para conteúdos escolares do ensino médio e superior
e, de posse do arcabouço teórico e prático, realiza formação docente para a inserção do ensino lúdico
nas salas de aula da própria instituição e da comunidade externa.
Este trabalho se desenvolverá em três seções. Na primeira, pretende-se apresentar considerações
teóricas que defendem o jogo como atividade inerente ao gênero humano e essencialmente educativo,
além de propor a reflexão sobre como essa atividade pode adentrar a vida escolar a fim de contribuir
com o processo de aprendizagem. Pretende-se abordar as teorias que sustentam a aproximação entre a
ludicidade do jogo e da literatura, trazendo ambas para o campo das artes e das produções humanas mais
elaboradas historicamente. Na segunda seção, será apresentado o jogo de tabuleiro moderno Os Lusíadas
Boardgame e sua proposta de interdisciplinaridade e mediação da cultura literária em língua portuguesa.
Nesse momento, serão discutidos os métodos e objetivos desse material didático em forma de jogo. Na
terceira e última seção, propõe-se o relato de experiência de aplicação do jogo para um grupo de alunos
do ensino médio integrado do IFPR campus Palmas, com ênfase na jogabilidade de Os Lusíadas
Boardgame.
A presença do lúdico no processo aprendizagem não é uma novidade nos ambientes de educação formal.
Academicamente, os precursores dessa linha de pesquisa são Jean Piaget e Lev Vygotsky, ambos
reconhecidos por suas contribuições no que tange o desenvolvimento da criança e os processos de
aquisição de conhecimentos nas chamadas fases da vida infantil, as quais acabam por coincidirem com
os primeiros anos da vida escolar. Ambos chamam atenção para a brincadeira ser uma condição para o
desenvolvimento das potencialidades da criança. Pelo fato da escola ser o ambiente onde a criança passa
muito tempo de sua vida, as teorias ganharam os espaços de reflexão sobre a educação escolar, de modo
que a brincadeira figura, na contemporaneidade, como método educativo.
Diante dessa realidade da pedagogia, muito se construiu no sentido de entender como a
brincadeira, sendo coisa séria para a criança, possa agir positivamente na construção do conhecimento.
Contudo, essas reflexões se mantiveram, até hoje, circunscritas ao ensino escolar infantil. Muito embora
as pesquisas mais influentes sobre a brincadeira na sala de aula tenham partido de pensadores que se
detiveram na observação da criança, sabe-se que o jogo, no sentido de atividade lúdica humana, tem
suas raízes em tempos imemoriais e que sendo parte da essência humana, não se desvincula na passagem
da vida infantil para a vida adulta. Quando, porém, o indivíduo deixa de ser considerado criança, seja
social ou biologicamente, tais atividades espontâneas e compromissadas com a abstração, passam a ser
condenadas e desestimuladas para dar lugar a uma vida que deve se ater às coisas “sérias”, a fim de
atender as necessidades sociais pautadas no dinheiro e/ou no poder. Essa visão do mundo
contemporâneo destoa, entretanto, de uma das conclusões sobre o porquê da criança brincar, que é
justamente uma prática de imitação da vida adulta. Para Huizinga (2000), tal prerrogativa não se
sustenta, uma vez que a seriedade é o avesso do lúdico. Seria, pois, necessário uma abordagem mais
ampla sobre os motivos que levam a criança a brincar. Negando essa delimitação e ampliando as
motivações para aproximar o jogo da arte, poder-se-ia dizer que “A brincadeira aparece, assim, como
um meio de sair do mundo real para descobrir outros mundos, para se projetar num universo inexistente”
(Brougère, 1990, p. 34).
182
Nessa perspectiva, a brincadeira seria uma forma de adentrar um mundo imaginário e a imitação
da vida adulta seria, nesse sentido, decorrente das experiências vivenciadas pela criança que, por estar
em pleno desenvolvimento de suas capacidades psíquicas e de suas características biológicas, o mundo
para o qual consegue “escapar” é ainda um mundo bem pr ximo ao seu, qual seja o dos adultos à sua
volta. Na esteira desse pensamento, Aristóteles chama atenção para a busca por uma atividade prazerosa
como uma espécie de alento para a vida rotineira. O trabalho provoca sempre esforço e cansaço. Aí está
por que é necessário, quando se buscam os prazeres, atentar para o instante próprio para deles fazer uso,
como se apenas se desejasse usá-los a título de remédio”. (Aristóteles, 1966, p. 159). Ampliando as
idéias filosóficas, o sociólogo Johan Huizinga (1938) diz que o jogo tem semelhanças estruturais com a
arte. Ele ressalta que ambas as atividades são espontâneas, inventivas e fantasiosas. O sociólogo explica
que o processo de criação poética é, como no jogo, organizado a partir de regras próprias. Desse modo,
haveria, como princípio unificador, a dispersão da realidade como uma necessidade humana de
“escapar” do mundo real.
Historicamente, as formulações teóricas que colocam o jogo como atividade infantil são bastante
recentes e ignoram que o jogo acompanha o homem desde que se tem notícia de sua existência, pois o
nascimento do jogo precede o da cultura e não se restringe ao homem (Huizinga, 2000). Desse modo,
faz-se necessário que pesquisas sobre a presença do lúdico na vida humana sejam trazidas à reflexão e,
concomitantemente, à vida humana escolar, em todos os seus níveis. Uma vez que o ensino médio e
superior são os momentos da vida escolar em que do aluno é demandado uma maior carga de
conhecimentos positivistas, o lúdico poderia ser um método facilitador do desenvolvimento das
capacidades intelectivas desse aluno.
São abrangentes as possibilidades de inserção do jogo em ambientes formais ou informais de
educação, nos quais ele pode contribuir na construção de um indivíduo mais crítico e ativo socialmente,
uma vez que estes são os objetivos defendidos pela educação, mas que acabam por serem, não obstante,
pouco ou nada trabalhados no decurso da formação. Para além de instituir uma ponte entre os
conhecimentos científicos e princípios de socialização, entende-se que ter momentos de imersão no
universo lúdico, ainda que em poucos momentos do dia, pode contribuir para a qualidade de vida do
aluno.
Os componentes de arte e literatura, embora sistematizados cientificamente, são, em sua origem,
produções humanas tão “inúteis” quanto o jogo. abe refletir, então, sobre o porquê de apenas este
último amargar a marginalidade no sistema educacional, pois, embora os aspectos científicos sejam
fundamentais na formação do educando, não se pode desviar o olhar pedagógico do papel humanizador
do jogo. “O jogo exerceria uma função de adaptação ao grupo, de aceitação das condições sociais mais
acessíveis, de participação experimentada de um conjunto”. Vial, 1981, p.24 . Nesse ínterim, não se
observa motivos que impeçam que o jogo seja inserido como ferramenta pedagógica em todos os níveis
de ensino, tanto pelo impacto positivo na apropriação dos saberes científicos, quanto por todo
desenvolvimento social e humanitário com o qual ele pode contribuir. Embora a remodelação dos
aspectos originais envolvendo o jogo necessite de atenção redobrada quando do seu transporte para o
ambiente educacional, entende-se que é possível vislumbrar resultados promissores a partir do
compromisso do docente com o material adotado para este fim.
Embora as teorias se mostrem complexas e discutíveis, há consenso sobre as atividades de lazer
serem uma necessidade humana. Dessa forma, entendemos que a contemplação da arte é uma forma de
lazer e, logo, um direito humano. É nessa perspectiva que o jogo Os Lusíadas Boardgame foi elaborado.
Consideramos que a união da literatura – dos aspectos analíticos de sua composição com vistas à
compreensão de suas especificidades artísticas e históricas – com o jogo e seu caráter imersivo e
divertido, poderia trazer muitos benefícios ao aprendizado tanto de alunos em fase de conclusão do
Ensino Médio, quantos aqueles da Graduação em Letras. Assim, se literatura como bem cultural se faz
das criações fabulares (Cândido, 2004, p.174), o jogo estaria ligado à arte poética, tendo ambos
características bastante semelhantes, como a origem, tão longínqua quanto a própria noção de espécie
humana e o fato de permanecerem vivos em todas as civilizações, de todas as épocas da existência
humana. “Vista deste modo a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os
homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a
possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação.” ândido, 2004, p.174-175).
183
Para que a união da literatura, do jogo e dos conhecimentos científicos tenham maiores chances
de sucesso, o fator da socialização e interação foi tão priorizado quanto os demais objetivos, pois
acreditamos que é no espaço escolar que tais relações humanizadoras se constroem e/ou se fortalecem,
possibilitando a promoção de princípios de alteridade. Há, ainda, que se mencionar que o trabalho
docente com jogos visa permear a abstração e o divertimento, a fim de propiciar ao aluno um
aprendizado prazeroso.
O jogo Os Lusíadas Boardgame é um tabuleiro moderno, com mecânicas adaptadas do jogo alemão As
Lendas de Andor. Trata-se de um jogo para ser jogado em equipe, pois seu princípio é colaborativo e se
alinha com as propostas de socialização e interação. Nele, os alunos jogam juntos, decidem as estratégias
que serão adotadas no cumprimento das missões a que ficam submetidos na partida. O jogo é uma
representação, com licença poética, do contexto social e histórico de Portugal da época das grandes
navegações, com ênfase para a rota de viagem de Vasco da Gama até às Índias, história nuclear do livro
Os Lusíadas, de Luís de Camões. O tabuleiro representa a cidade de Lisboa do século XV, com sua
arquitetura medieval. Nele, os jogadores movem seus peões, que são cinco personagens representados
por agentes históricos envolvidos na viagem marítima até às Índias. Há personagens representando
pessoas reais e aquelas que não participaram efetivamente da viagem, mas que foram representados por
seu valor literário, como é o caso de Luís de Camões, e das piratas Awilda e Débora, inseridas a partir
de intensa pesquisa que resultou no descobrimento da existência dessas duas piratas, que eram
contemporâneas à Vasco da Gama. Tal proposta também se fundamentou na decisão de inserir figuras
femininas no jogo, a fim de proporcionar ao professor a possibilidade de mediar uma posterior discussão
acerca de equidade de gênero.
Os personagens que transitam no tabuleiro se movem a partir de instruções fornecidas nas cartas,
que são lidas por um dos jogadores durante a partida. Essas cartas permitem aos jogadores o aprendizado
das regras no decurso da partida, o que configura também um aspecto dos jogos de tabuleiro modernos.
Durante a partida, os jogadores são instruídos sobre missões que precisam cumprir para que a viagem
até às Índias ocorra. Para tanto, eles precisam se organizar para lidar com a figura do rei, com membros
da Ordem de Cristo, com negociação de especiarias, busca de patrocínio e com os remanescentes
mouros, que na proposta do jogo, atuam como antagonistas em busca de uma reconquista islã em
domínios portugueses. Na primeira partida, que é uma iniciação ao jogo e momento para que os
jogadores estabeleçam um primeiro contato com as regras, são lidas as primeiras cartas de lenda. Nelas,
os jogadores também fazem um primeiro contato com a obra, pois a missão a ser cumprida está
diretamente ligada a um trecho da obra camoniana.
Nesse momento, os jogadores decidem em grupo a melhor forma de lidar com o problema, mas
somente o jogador que estiver no mesmo espaço do tabuleiro com o mouro poderá enfrentá-lo. Isso se
dá por meio de rolagem de dados, tanto do jogador quanto do inimigo e, mesmo com o sucesso na
rolagem dos dados, a equipe precisa lidar com as consequências da decisão pois, seja ela qual for,
acarretará em uma mudança no desdobramento da partida. Essa mecânica de jogo permite não somente
que os jogadores aprendam sobre a História portuguesa e decisões estratégicas como também permite a
rejogabilidade do jogo, o que significa que uma partida nunca será igual a outra.
Destarte, uma das regras do jogo refere-se à necessidade da equipe em “comprar” cartas de evento.
A compra é feita aleatoriamente, pois o monte de cartas fica com as informações viradas para baixo,
deixando sempre à vista o verso da carta, onde encontra-se o desenho da rota marítima realizada pela
esquadra de Vasco da Gama, em 1497. Tais cartas representam situações fictícias que podem tanto
ajudar os jogadores quanto atrapalhar sua jornada. Nelas, estão situações como aparecimento extra de
soldados mouros, ajuda ou a fúria dos deuses mitológicos, perda ou ganho de dinheiro e especiarias, por
exemplo.
O tempo da partida é determinado pela barra lateral à direita no tabuleiro, onde se observa espaços
em ordem alfabética, de A a N. Conforme as cartas de lenda, também sinalizadas pelas letras, vão sendo
lidas, o peão marcador avança por essa barra. Pode-se dizer, grosso modo, que esse peão é o narrador
da partida. Optamos por representar, com esse peão, um dos narradores da obra literária Os Lusíadas, o
próprio autor, Luís de Camões. Em dado momento, em decorrência das escolhas dos jogadores, o
184
narrador avança até a letra N na barra de tempo. Quando isso acontece, a partida acaba e o leitor eleito
pela equipe faz a leitura da última carta de lenda. Nessa leitura, os jogadores descobrem se conseguiram
ou não sair vitoriosos. A vitória ocorre se eles cumprirem as missões estabelecidas no decurso da partida.
Caso contrário, são convidados a fazer uma nova tentativa que, de acordo com as mecânicas do jogo e
a experiência adquirida pelos jogadores, não será igual à anterior.
Relato de experiência
185
No que diz respeito ao envolvimento, a maioria afirma que, ao confundirem as regras e
encontrarem dificuldades em algumas leituras, o envolvimento decaiu, até que se estabelecesse o
entendimento novamente. Isso demonstra a importância de haver um professor que saiba jogar e conheça
o jogo para acompanhar e sanar as dúvidas. Por outro lado, observou-se que os alunos preferem
perguntar a ler, o que dificulta, de fato, o seguimento das regras e estratégias, que estão descritas nas
cartas. Houve, por outro lado, vários momentos em que percebeu-se um exercício colaborativo de
interpretação, no qual todos buscavam ler e interpretar juntos o que as cartas delimitavam. Foi
enfatizado, também, por 5 dos 9 respondentes, que gostariam de conhecer a história real ou a obra
anteriormente ao jogo. Não é necessário, contudo, que os jogadores conheçam ou já tenham feito a
leitura de Os Lusíadas para jogar, sendo, inclusive, que esse interesse seja gerado após o jogo. De certa
forma, entende-se que essa necessidade descrita por eles possa ter gerado uma vontade de conhecer,
então, a obra literária, que é o objetivo da proposta. A imersão na narrativa percebida enquanto jogavam
também é um indicativo de compreensão acerca de alguns aspectos da obra literária e da história das
navegações em si, haja vista que ficou clara a identificação com os personagens, a busca pelas
especiarias, a poética camoniana etc.
Grande parte da compreensão dos objetivos do jogo por parte dos jogadores centrou-se no interior
deste. Isso quer dizer que compreenderam o que era o objetivo intrínseco do jogo: obter condições
financeiras para navegar livremente até às Índias. Um respondente, contudo, compreendeu este como
“Instigar o jogador a querer saber mais sobre a hist ria e a literatura”, que é, enfim, o pretendido na
aplicação. Entendemos que a ausência dessa resposta possa ter sido um equívoco da pergunta, que não
deixou claro se o objetivo relacionava-se ao jogo ou ao ato de jogar para aprender. Por fim, afirmou-se
que não houveram desgostos quanto ao jogo ou à aplicação, além de ter havido comentários bastante
positivos, como destaca-se em: “Adorei o jogo, achei super bem formulado, bonito e envolvente.”; “O
jogo e a ideia são timos, amei!”; “Muito show o trabalho e a dedicação de vocês, est tudo perfeito,
parabéns!”, entre outros.
Foi possível perceber também que, durante a partida, nos momentos em que se fazia necessária a
leitura das cartas de lenda, os leitores escolhidos por cada equipe sentiam bastante dificuldade na leitura
dos trechos da obra camoniana, isso porque algumas estrofes foram transcritas para as cartas sem
nenhuma atualização ortográfica, fato que alteraria características próprias da poesia, como a métrica e
a rima, por exemplo. Tal dificuldade já havia sido antecipada pelos coordenadores do projeto e, por isso,
consta no manual do professor que essa dificuldade seria um gancho para mediar conhecimentos não
apenas sobre as inovações poéticas da época, mas também sobre a evolução constante da língua
portuguesa e as diferenças entre a língua falada no Brasil e em Portugal. De modo geral, observou-se,
no decurso de duas horas e meia de partida, que todos os envolvidos mantiveram-se interessados em
realizar as missões solicitadas nas cartas. Em nenhum momento foi percebido desinteresse,
desmotivação, cansaço ou enfado. Embora tenha sido um primeiro teste com alunos, a observação in
loco e os playtests demonstraram que os objetivos do jogo são exequíveis, sobretudo com a mediação
posterior do professor. Por outro lado, no feedback, ao serem questionados quanto à alteração do
interesse no jogo durante a partida, observou-se que no decurso do aumento da dificuldade do jogo, seja
por conta das batalhas ou das alterações tidas, enquanto alguns afirmaram que esse foi motivo de
aumento no envolvimento, outros tiveram esse aspecto como motivo de diminuição da atenção. Isso
porque, como previsão, são vastos os perfis de jogadores.
Conclusões
O contato com a literatura no Ensino Médio, sobretudo ao considerar que este somente acontece nessa
etapa em diversas escolas, pode ser bastante desafiador. Cabe considerar, também, a faixa etária desses
alunos, que cresceram em um mundo extremamente globalizado e individualizado, em um período de
renegação das artes, principalmente literárias, e avanço do tecnicismo. Não é fácil ensinar literatura,
menos ainda com métodos tradicionais, os quais se valem somente da leitura e internalização de
conceitos. A leitura é importante e incentivar esse contato com o mundo letrado é essencial. Contudo, é
importante, também, atrelar a prática docente a esse novo aluno, a essa nova sociedade e tornar o ensino
de Literatura proveitoso não só ao docente e à escola, mas principalmente ao estudante e seu
desenvolvimento. Para tanto, acreditamos que o mecanismo do jogo contribui deverasmente. A
186
experiência aqui relatada demonstra que o contato com o livro Os Lusíadas, que é uma obra densa e
complexa, por meio de um jogo colaborativo, induz o estudante a interessar-se pela obra ou, ao menos,
buscar saber mais, se não chegar a lê-la efetivamente. O aprendizado proporcionado no momento do
jogo e posteriormente a ele muito possivelmente supera o que teria sido desenvolvido tradicionalmente
dentro de sala de aula, por meio da leitura de trechos do livro ou de aulas expositivas.
Fica evidente, ainda, que a colaboratividade do jogo tenha influenciado bastante no tocante à troca
de conhecimentos históricos, sociais, geográficos e também literários entre os jogadores. Da colaboração
de todos os pares surgiram contribuições que extrapolam o próprio jogo e permitiram que diferentes
saberes e percepções fossem trocados entre os estudantes, de modo que a apropriação do conhecimento
extrapolou Os Lusíadas e constituiu uma atividade de aprendizagem significativa por meio de uma
dinâmica “interessante e envolvente”, nas palavras deles.
Conclui-se, portanto, a partir da aplicação realizada, que os jogos educativos possuem um
importante papel na apropriação da cultura literária, não só como instrumento de acesso às obras, mas
de desenvolvimento de interesse pela literatura. Podem ser, nesse sentido, elementos de grande
contribuição no ensino, que transformam este processo em uma forma lúdica e significativa de aprender.
Por fim, cabe destacar que foi percebida uma possibilidade de interdisciplinaridade na aplicação do jogo
em futuras oportunidades ou em sala de aula com a disciplina de história, haja visto a intensa relação
dos lusíadas com o contexto histórico e a percepção dos jogadores quanto ao aprendizado de história,
para além da literatura em si.
Referências
187
Projeto SocialNEET em Trás-os-Montes: da teoria à prática
Introdução
Atualmente, após a escolaridade mínima obrigatória, os jovens adultos deparam-se com o dilema de
prosseguir o percurso académico numa instituição de ensino superior ou de ingressar no mercado de
trabalho. Isto significa que vivenciam, obrigatoriamente, um período de transição, que muitas vezes é
enfrentado como momento decisor na vida desses jovens adultos, no qual estes se vêm pressionados
pela família a escolherem formações, profissões e, consequentemente, a serem úteis e contribuir a
sociedade, o que nem sempre é fácil. Como resultado, observa-se que o percentual de desemprego e
desistência escolar entre esse grupo é bastante elevado, de acordo com dados obtidos em 2021, cerca de
16,8% dos jovens europeus entre os 15 e os 24 anos encontravam-se em situação de desemprego. Já a
nível nacional, a taxa de desemprego era 22,6% entre os jovens com menos de 25 anos. (Das, Estudo,
& De, 2021)
188
É inegável que os dados são preocupantes e despertam na sociedade a necessidade de formular
estratégias para combater o desemprego ou criar soluções alternativas para que estes jovens não se
tornem parte improdutiva de modo a reduzir a marginalização, para que não integrem a parcela de jovens
que não trabalham e nem estudam (NEET). Estas soluções passam por políticas governamentais, mas
também por outras instituições, fundamentalmente de economia social e solidária, visto que o objetivo
principal é a promoção do bem-estar social e de uma sociedade mais igualitária, democrática,
participativa e recíproca.
Nesse sentido, o presente trabalho tem como escopo apresentar e avaliar a exequibilidade do
projeto SocialNEET na região das Terras de Trás-os-Montes, principalmente através da visão do
Instituto Politécnico de Bragança. O projeto enquadra-se no âmbito dos subsídios da European
Economic Area (EEA) e da Noruega, financiados pela Islândia, Liechtenstein e Noruega. Apesar de ter
surgido antes do contexto pandémico, hodiernamente o projeto possui uma vertente direcionada à
melhoria das competências dos jovens NEET (Not in Employment and not in Education or Training).
Dentre as abordagens do projeto, são oferecidos cursos, formações, mentorias desenvolvidas através de
metodologias de ensino inovadoras, tendo a instituição um papel de facilitadora e de ponte que conecta
jovens ao ensino e ao mercado de trabalho.
Desta forma, é esperado que, através do estudo, seja avaliada a viabilidade da implementação do
SocialNeet na região de Trás-os-Montes, entendendo o impacto na sociedade local e vice-versa, assim
como as características sociodemográficas, perfil da região e o interesse das entidades da economia
social e solidária na implementação do projeto. No que tange à metodologia, optamos por uma
abordagem qualitativa baseada num questionário, que permitiu observar a perspectiva das instituições
da economia social e solidária acerca da implementação do projeto SocialNEET na região.
Em relação à sua estrutura, o artigo subdivide-se em três tópicos, sendo o primeiro destinado à
compreensão dos principais aspetos da economia social e solidária; o segundo apresenta as principais
caraterísticas dos NEET e do respetivo projeto; por fim, são apresentadas as informações relacionadas
à implementação do projeto na região de Trás-os-Montes.
A génese da Economia Social e Solidária data do fim do século XVIII, na França, em um contexto
intrinsecamente relacionado à revolução francesa e aos ideais de soberania do povo (Valiente Palma &
Pérez González, 2021). Antes de mais, é fulcral compreender que o período entre o final do século XVIII
e início do século XIX foi marcado por uma significativa transformação social decorrente da Primeira
Revolução Industrial (Valiente Palma & Pérez González, 2021). Graças a criação de novas tecnologias,
a tradicional manufatura foi substituída pela produção industrial, o que resultou em um crescimento
económico nunca dantes observado.
Todavia, as modificações da sociedade resultaram também em consequências negativas, a mão-
de-obra no setor agrícola, por exemplo, deixou de ser tão necessária, provocando um êxodo rural e um
desregrado crescimento populacional nas grandes cidades (Valiente Palma & Pérez González, 2021).
Como consequência, as taxas de desemprego e marginalização aumentaram proporcionalmente,
culminando em graves problemas de ordem social, económica, política e até de saúde pública (Oliveira,
2019). Nessa perspetiva e, muito embora, o desenvolvimento do sistema capitalista tenha sido bastante
benéfico para a sociedade, com o tempo, as novas condições de vida passaram a prejudicar os grupos
mais vulneráveis.
Nesse cen rio de transformações sociais, é que o termo “economia social” foi cunhado pela
primeira vez por harles Dunoyer, que em sua obra “Traité d'économie sociale”, salientava a
importância de dar a economia uma vertente moral (Valiente Palma & Pérez González, 2021). De certo
modo, essa perspectiva económica foi construída com o intuito de dar respostas aos problemas
decorrentes da crise do capitalismo industrial (CIRIEC, 2017). No entanto, ao contrário do que se pode
presumir, não existe uma relação maniqueísta entre o capitalismo e a economia solidária, ainda que haja
um certo grau de oposição entre seus princípios. Na realidade, existe uma complementaridade, no
sentido de que a nova perspetiva económica estabeleceu como pilar a distribuição de produtos geradores
de trabalho, renda e inclusão social, e não apenas o acúmulo de capital nas mãos de poucos (Oliveira,
189
2019). Destarte, considera-se que o seu princípio basilar é a solidariedade, que se contrapõe ao modelo
económico assente na competitividade.
No que tange ao seu conceito, a economia social e solidária constitui um verdadeiro desafio, posto
que são diversas perspetivas, relacionadas a distintos contextos sociais. Medeiros et al. (2017), por
exemplo, distinguem Economia Solidária de Economia Social, sendo a primeira relativa a esfera
nacional, e a segunda à esfera Internacional. Em contrapartida, alguns países, fundamentalmente os
anglo-saxônicos designam Terceiro Setor, como sinônimo da economia híbrida entre um sistema
mercantil e não mercantil (Ramos, 2011). Dito de outro modo, a economia social e solidária conceitua-
se com base na ideia da promoção do bem-estar social, através de sistemas de geração de renda
informais, cooperativas dedicadas a produção de bens e serviços, associações de produtores e
consumidores, e tantas outras ferramentas que visam uma sociedade mais igualitária, democrática,
participativa e recíproca (Medeiros et al., 2017).
Nesse sentido, assume-se que as organizações da economia social e solidária possuem três
funções principais: promover a coesão social, a coesão económica e uma cultura de participação cívica
(Ramos, 2011). No que tange a sua primeira função, as organizações sociais e solidárias estimulam a
criação de empregos, melhoram as condições de empregabilidade, e combatem a exclusão social,
promovendo maior coesão (Ramos, 2011). Do mesmo modo, ao combater a marginalidade, através de
estímulos à criação de riquezas, colabora com a coesão económica (Ramos, 2011). E por fim, afeta na
forma de governação, atribuindo um papel mais importante para os cidadãos, fundamentalmente a nível
dos governos locais (Ramos, 2011). No cenário português, denota-se que a relevância dessa perspetiva
económica a partir da inserção da Lei de Bases da Economia Social, no rol legislativo do país.
A priori, é necessário salientar que a Constituição da República Portuguesa consagra em seu artigo
63º que constitui dever do Estado organizar a ação social (n.º 2), de modo a concretizar o Direito que
todos têm à Segurança Social (n.º 1) (CRP, 1976). Ainda conforme o n.º 3 do mesmo artigo, o sistema
de segurança social tem como escopo a proteção dos cidadãos em situações de vulnerabilidade, tais
como doenças, velhice, invalidez, viuvez, orfandade, desemprego, e quaisquer outras situações que
diminuam os meios de subsistência ou que provoquem incapacidade para o trabalho (CRP, 1976). Sem
embargo de ser um dever do Estado, no caso português, para além da Segurança Social, também é
frequente a ação social exercida por meio Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), em
parceria com o setor privado e a Igreja Católica. O papel dessas instituições está assegurado na Lei das
Bases Gerais do Sistema de Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), que em seu artigo 32º
determina que devem prosseguir com os objetivos da solidariedade social.
Ainda que a Lei n.º 4/2007 tenha grande relevância no cenário jurídico português e estabeleça
diretrizes gerais para a economia social e solidária, não é o bastante, posto que não a regula de forma
específica. Face a isto, e considerando que a tendência desta perspetiva económica é crescente, foi
aprovada em 2013 a Lei de Bases da Economia Social em Portugal, ou Lei n.º 30/2013 de 8 de maio.
Ao contrário da primeira, o objetivo desta é regulamentar especificamente as bases gerais, as medidas
de incentivo, os princípios e as funções que são próprias do regime jurídico da economia social.
Em termos práticos, a Lei traz em seus artigos 2º e 4º um breve conceito de economia social.
Nessa perspetiva, considerar-se-á economia social o conjunto de atividades económicas e sociais,
realizadas por cooperativas, associações mutualistas, misericórdias, fundações, IPSS, associações com
fins altruísticos, entidades abrangidas pelo setor comunitário e autogestionário, e outras entidades
dotadas de personalidade jurídica, que respeitem os princípios orientadores, desde que tais atividades
tenham em vista a prossecução do interesse público (Meira, 2011). Deste conceito, retira-se que o
legislador delimita dois critérios para conceituar economia social: atividade desenvolvida e fim
prosseguido (Meira, 2011).
No que toca ao primeiro critério, o legislador deixa bastante claro a indispensabilidade de que a
entidade exerça algum tipo de atividade económica, que pode ser entendida como uma atividade de
produção de bens e serviços. Por outro lado, o segundo critério, tendo em conta que se trata da Economia
social, a finalidade da atividade exercida deve ser a prossecução do interesse social (Meira, 2011).
Ambos os critérios devem ser inseparáveis, de modo que se uma entidade tenha atividade económica
que tenha finalidade lucrativa, não pode integrar a economia social. Ao passo que se uma entidade tenha
como finalidade o interesse social, mas não realize atividade económica, também não integra o referido
setor. Se de outra maneira fosse, todas entidades que exercem atividades de interesse social, estariam
190
inclusas na Economia social, ou do mesmo modo, todas as que exercem algum tipo de atividade
económica, ainda que tenham como objetivo o lucro (Meira, 2011).
Além dos critérios caracterizadores das entidades, o legislador também define no artigo 5º da Lei
de Bases, sete princípios orientadores da economia social em Portugal, a serem observados pelas
instituições. O primado das pessoas e dos objetivos sociais é o primeiro elencado no artigo, sendo
também um dos mais relevantes, este princípio reitera o que já foi referido acerca da economia social,
posto que atribui papel mais relevante aos indivíduos e da ação social em prol destes. Também é
destacado como princípio orientador o respeito pelos valores da solidariedade, igualdade e não
discriminação, bem como a coesão social, justiça, equidade, transparência e responsabilidade individual.
De igual modo, tais valores assemelham-se ao que é estabelecido para a generalidade da ESS.
É com base nas diretrizes definidas pela Lei de Bases, que se torna possível a implementação de
projetos de cariz social no país, dentre os quais é possível elencar o Projeto SOCIALNEET. Em linhas
gerais, o objetivo deste projeto é reduzir os níveis de desemprego e marginalização dos NEET, que são
jovens com idade entre os 15 e os 29 anos que nem estudam, nem empreendem e nem trabalham, por
falta de oportunidades. Tendo em conta os princípios da ESS, o projeto em causa tem como finalidade
o aumento da coesão social, por meio da reintegração de jovens no mercado de trabalho. Ademais, tem
como objetivo também o desenvolvimento regional, através da capacitação profissional de cidadãos,
que quando melhor qualificados, serão uma mais-valia para empresas e entidades locais.
Sabe-se que o desemprego é um problema persistente na União Europeia, e os jovens não são exceção
à regra. A transição escola – mercado de trabalho nem sempre se mostra fácil, razão pela qual muitos
jovens recaem na condição de desempregados (Vieira et al., 2021). O ano de 2013, por exemplo, foi
marcado por um drástico pico de desemprego entre jovens, sendo que em alguns Estados-membros, o
percentual atingiu 50%, fazendo com que a solução para o problema se tornasse uma máxima prioridade
para as políticas públicas da UE (Vieira et al., 2021). Face a isto, e com o objetivo de solucionar ou
atenuar os níveis de marginalização, a UE criou a iniciativa Europa 2020 (Youth on the Move), destinada
a melhorar os sistemas educativos, criar empregos e facilitar a transição dos jovens da escola para o
mercado de trabalho (Vieira et al., 2021).
Ainda que a iniciativa tenha se mostrado positiva, colaborando para a diminuição das taxas de
desemprego por algum tempo, os problemas não se extinguiram. Tanto que na conceção de Vieira et al.,
2021, a passagem para a vida adulta está atualmente mais prolongada, fragmentada e cercada de
incertezas. Ainda que tenha havido esforços para a construção de um mercado de trabalho europeu
unificado, e para a redução de desigualdades socioeconómicas, o resultado ainda não atingiu o esperado,
permanecendo um percentual elevado de jovens em condições de marginalidade (Rocca et al., 2022).
Ademais, a recente pandemia de COVID-19 afetou de forma drástica as condições socioeconómicas e a
tendência de melhoria das condições de empregabilidade entre os jovens, que haviam diminuído nos
anos anteriores, com um aumento significativo do percentual de desemprego (Vieira et al., 2021).
Considerando este paradigma, o conceito de NEET (Not in Education, Employment, or Training)
tem sido amplamente difundido em estudos científicos, para se referir aos jovens que não estudam, não
empreendem, não trabalham e nem frequentam nenhum treinamento formal ou informal (Manhica et al.,
2022). A ideia de NEET baseia-se no modelo criado pelo Instituto Europeu de Estatística, que permite
avaliar o nível de vulnerabilidade dos jovens no mercado de trabalho. Inserem-se no grupo os indivíduos
com idade entre os 15 e 29 anos, que se enquadrem na condição referida, por um período de pelo menos
seis meses ou mais (Manhica et al., 2022). A preocupação com os jovens NEET é crucial, posto que
frequentemente, esses indivíduos estão expostos a sérios fatores de risco social (Manhica et al., 2022),
isto porque tendencialmente, as más condições de vida podem incorrer em sofrimento psicológico,
exclusão social, crime, violência, uso de drogas e até comportamento suicida (Manhica et al., 2022).
Note-se que o grupo dos NEETs é bastante heterogéneo, isto é, não podem haver generalidades,
ou pré-conceitos, visto que qualquer jovem está sujeito a se tornar NEET, quando a transição para a vida
adulta falha (Rocca et al., 2022). Mulheres, homens, pessoas com alto nível de ensino, jovens que
deixaram a escola, oriundos de famílias estruturadas ou não, podem eventualmente se tornar NEETs
(Rocca et al., 2022). Diante disto, é necessário compreender quais são as razões, e como evitar que os
191
jovens ingressem ou recaiam nestas condições, e é neste contexto que se enquadra o projeto
SocialNEET.
O projeto SocialNEET tem como objetivo principal reduzir a marginalização de jovens que se
encontrem na condição de NEET, através da promoção de empregabilidade, formação e
empreendedorismo, de modo que possam adquirir experiencia e capacidade para o mercado de trabalho
(Social Neet, n.d.). Para tal, diversas entidades do setor da economia social e solidária estão unidas,
promovendo iniciativas de educação, formação, orientação, consultoria, com o intuito de inserir esses
jovens no mercado de trabalho. Através da implementação de soluções sociais, o projeto visa promover
educação para a cidadania, empregabilidade e aquisição de competências, para que os problemas de
desemprego sejam atenuados, a curto, médio e longo prazo. No contexto da região das Terras de Trás-
os-Montes o projeto SocialNEET pretende ser desenvolvido pelo Instituto Politécnico de Bragança, em
parceria com entidades do setor da economia social e solidária. Por essa razão é fundamental conhecer
os principais aspetos sociodemográficos da região, bem como a perspetiva das entidades parceiras.
De acordo com os censos realizados no ano de 2021, o conjunto dos nove municípios que integram as
Terras de Trás-os-Montes tem um total de 107.293 habitantes, o que corresponde a aproximadamente
1% da população do país, sendo o município de Bragança o mais populoso, com um total de 34.589
habitantes, tendo em contraposição o município com menor índice, Vimioso com apenas 4.149
habitantes.
No que se refere à população por grupo etário na região transmontana, quando observada como
um todo, o grupo etário com maior número de representantes é a população em idade ativa, dos 25 aos
64 anos, o que corresponde a aproximadamente 47% do total. Observando ainda a população de cada
um dos municípios individualmente, nota-se que em todos o quadro se repete, sendo maioria os
habitantes entre 25 e 64 anos, com exceção do município de Vinhais, cuja maioria é a população idosa,
conforme a tabela 1 apresenta.
Grupo etário
192
Vinhais 498 451 3.369 3.450
Elaboração própria
Tendo em conta que o grupo etário de jovens dos 15 aos 29 anos é o mais relevante para o projeto
SOCIALNEET, optou-se por realizar uma estimativa do número de jovens da região, com base na
evolução dos outros grupos, comparando os censos de 2011 e 2021. Nessa perspetiva, a tabela 2
apresenta valores estimados do grupo na região das Terras de Trás-os-Montes e nos seus respetivos
municípios.
Tabela 5: População estimada de Jovens entre os 15 e 29 anos
Elaboração própria
Grupo etário
Através da tabela 2,
consegue Território 15-29 anos observar-se que
o grupo dos jovens entre os
15 e 29 anos não é o mais
proeminente, Terras de Trás-os-Montes 14.680 sendo o
município de Alfândega da Fé 535 Bragança que
dentre todos detém a maior
percentagem, Bragança 5.420 com
Macedo de Cavaleiros 1.935
Miranda do Douro 770
Mirandela 3.010
Mogadouro 960
Vila Flor 800
Vimioso 460
Vinhais 790
aproximadamente 37% do total da região, seguido pelo município de Mirandela com 20,5% da
população jovem, correspondendo ao que é expectável, visto que são os municípios mais populosos. De
igual modo, o município menos populoso, Vimioso apresenta o menor índice de jovens, com apenas 3%
do total da região.
Sendo que, por definição, e muito sucintamente, os NEET são aqueles que não estudam nem
trabalham, achámos por bem analisar o índice de escolaridade da população, bem como a percentagem
de desemprego desta. Sob uma ótica educacional, a população da região transmontana encontra-se
bastante dividida entre os vários níveis de ensino, como é possível observar na figura 1, abaixo.
193
Figura 2: Índice de escolaridade da população das Terras de Trás-os-Montes
15% 15%
Nenhum
3º ciclo
13%
19%
2º ciclo
10%
1º ciclo
Elaboração própria
Observando a figura 1, podemos retirar que há um elevado número de habitantes que não possui
nenhum nível de ensino (15%), ou que apenas possuem o primeiro ciclo de estudos (28%), o que são
percentagens preocupantes face à realidade nacional, cujos índices de indivíduos com níveis primários
de ensino, são consideravelmente inferiores. A situação agrava-se quando observados os índices do
ensino secundário e superior, posto que a percentagem de cidadãos que prosseguiram com os estudos é
inferior à daqueles que apenas possuem os níveis básicos, sendo que 19% concluíram o ensino
secundário e pós-secundário e apenas 15% possuem ensino superior.
Outro aspeto relevante a ser destacado é a taxa de desemprego da região. Nesse contexto,
comparando os anos de 2020 e 2021, nota-se uma queda na percentagem de desemprego. Enquanto em
2020 a média anual de desempregados inscritos no centro de emprego foi 3.818, em 2021 a média anual
caiu para 3.540, o que representa uma diminuição de 7% na percentagem geral. Em ambos os casos, o
índice de mulheres desempregadas é superior ao de homens, quadro que se repete quando observados
os municípios individualmente. Por sua vez, no que tange a observação do desemprego por grupo etário,
percebe-se que o grupo dos indivíduos acima dos 55 anos são a maioria, contrapondo-se ao grupo dos
indivíduos com idade inferior aos 25 anos, que possui o menor número de representantes.
É importante destacar que essa taxa de desemprego apenas se refere aos casos em que há inscrição
no Instituto de Emprego e Formação Profissional, sendo que os demais casos não possuem dados
atualizados disponíveis. De igual modo, também não foi possível identificar a percentagem de
desempregados no grupo etário dos jovens (15 aos 29 anos) de forma individual, apesar disto, nota-se
um elevado número de desempregados com idade inferior a 25 anos e entre os 25 e 34 anos, estando os
NEETs abrangidos no grupo. Na tabela 3, pode visualizar-se esse aspeto.
Grupo etário
194
Bragança 912,8 142,5 228,8 165,8 179,9 195,8
Macedo de Cavaleiros 498,8 72,1 100,6 92,2 93,1 140,9
Miranda do Douro 167,2 21,5 33,4 31,9 37,5 42,8
Mirandela 809,1 109,6 174,1 139,2 159,9 226,3
Mogadouro 297,9 29,9 43,3 52,6 70,4 101,8
Vila Flor 247,9 24,6 38,3 43,6 65,5 76,0
Vimioso 132,3 19,2 22,3 18,2 28,8 43,9
Vinhais 259,6 21,8 37,0 39,0 59,7 102,2
Elaboração própria
195
Conclusões
A fim de compreender o contexto social da região das Terras de Trás-os-Montes, foram inquiridas 95
instituições ligadas à Economia Social e Solidária. Com base no estudo, tornou-se possível constatar
que muito embora haja necessidade e alguma pré-disposição das instituições para a implementação do
projeto socialNEET, ainda é necessária uma autêntica transformação de paradigma para acentuar a
importância dos jovens, e do incentivo aos jovens para que haja desenvolvimento social e económico.
Uma das limitações deste estudo foi a pouca disponibilidade de cooperação das instituições, visto que a
taxa de resposta foi apenas de aproximadamente 18%. Os resultados deste estudo apontam a necessidade
de estudar a perspetiva dos jovens NEET, sendo que aqui apenas foi avaliada apenas a perspetiva das
instituições.
Referências
CIRIEC. (2017). A Economia Social na União Europeia. Comité Económico Social Europeu, 1–30.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, (1976).
http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=4&tabela=leis
de Medeiros, C. B., Machado, L. C. R., Pereira, L. C. de A., Costa, Í. C. de A., & Gomez, C. P. (2017).
Inovação Social e Empreendedorismo Social: Uma Análise Sob a Perspectiva da Economia S
olidária. Gestão.Org, 15(1), 61–72. https://doi.org/10.21714/1679-18272017v15n1.p61-72
Manhica, H., Yacamán-Méndez, D., Sjöqvist, H., Lundin, A., Agardh, E., & Danielsson, A. K. (2022).
Trajectories of NEET (Not in Education, Employment, and Training) in emerging adulthood,
and later drug use disorder - a national cohort study. Drug and Alcohol Dependence, 233.
https://doi.org/10.1016/J.DRUGALCDEP.2022.109350
Meira, D. A. (2011). A lei de bases da economia social portuguesa: algumas reflexões críticas. xiv
jornadas ciriec, 1–22. www.ciriec-revistajuridica.es
Oliveira, E. M. (2019). responsabilidade social empresarial, empreendedorismo social e economia
solidária: similitudes, ambivalências e possíveis conexões. Revista Observatório, 5(5), 697–
750. https://doi.org/10.20873/uft.2447-4266.2019v5n5p697
Ramos, M. da C. P. (2011). Economia solidária, plural e ética, na promoção do emprego, da cidadania
e da coesão social. Laboreal, 7(1), 81–104. https://doi.org/10.4000/laboreal.8366
Rocca, A., Neagu, G., & Tosun, J. (2022). School-Work-Transition of NEETS: A Comparative Analysis
of European Countries. Youth and Society, 54, 130S-152S.
https://doi.org/10.1177/0044118X211051761
Social Neet. (n.d.). Social Neet. Retrieved July 11, 2022, from https://socialneet.eu/
Valiente Palma, L., & Pérez González, M. del C. (2021). Génesis de la Economía Social desde una
perspectiva histórica con especial referencia al marco teórico surgido en Francia. REVESCO.
Revista de Estudios Cooperativos, 139(139), e77447. https://doi.org/10.5209/reve.77447
Vieira, M. M., Pappámikail, L., & Ferreira, T. (2021). NEETs in Europe: from Plural (In)visibilities to
Public Policies. Journal of Applied Youth Studies, 4(2), 89–94. https://doi.org/10.1007/S43151-
021-00050-8
196
Artes da Expressão,
Multidisciplinaridade na
Linguagem Artística
197
Depois do azul. Variações intermináveis
Marius Raphaelius
[email protected]
Resumo. Depois do Azul é um peça musical inédita em três partes, podendo cada parte ser
apresentada independentemente. A presente proposta faz uso desta propriedade, referindo
somente o primeiro movimento: Variações Intermináveis, para piano, soprano (ou mezzo-
soprano) e barítono. As Variações Intermináveis incluem uma pequena letra num português
de variedade ambígua, ou miscígena, entre europeu e brasileiro. A letra é repetida em
variações. O sotaque brasileiro é necessário para realizar certas rimas. Em certas passagens,
as duas vozes interagem, em contraponto, trocando segmentos do texto, e contrastando
sotaques. Propõe-se a execução ao vivo das Variações Intermináveis, por músicos em
recrutamento. Alternativamente, poder-se-á apresentar uma gravação. Anexa-se a partitura
integral das Variações Intermináveis. O segundo e terceiros movimentos de Depois do
Azul, Interlúdio e Variações Sinfónicas, são instrumentais. A presente proposta refere-se
unicamente ao primeiro movimento, Variações Intermináveis, vocal, mas inclui-se alguma
informação sobre as restantes partes do ciclo, para qualquer efeito.
Palavras-Chave: música, piano, canto, variedades do português
Abstract. Depois do Azul [After the Blue] is an unpremiered music piece in three parts,
each of which can be presented independently. The current proposal makes use of such
property, by referring only to the first movement: Variações Intermináveis [Neverending
Variations], for piano, soprano (or mezzo-soprano) and baritone. Variações Intermináveis
features a short lyric in a Portuguese of ambiguous, or miscigenous, variety, between
European and Brazilian. The lines are repeated as variations. The Brazilian accent is
required to realize certain rhymes. On certain passages, the two voices interact, in
counterpoint, exchanging segments of the text, and contrasting accents. We propose a live
performance of Variações Intermináveis, by musicians being cast presently. Alternatively,
a recording may be produced. The complete score of the Variações Intermináveis is
annexed. The second and third movement of Depois do Azul, Interlúdio [Interlude] and
Variações Sinfónicas [Symphonic Variations], are instrumental. The current proposal
refers solely to the first movement, vocal, but we include some information on the the
remainder parts, for whatever purpose.
Keywords: music, piano, singing, Portuguese language varieties
Curriculum Vitae
Marius Raphaelius é um compositor amador português, com algumas obras gravadas ou apresentadas
publicamente.
Nasceu em Lisboa, nos anos 1960. A sua formação musical inicial teve lugar na prestigiada
Academia de Amadores de Música (piano e solfejo), nos anos 1970. Também frequentou a Yamaha
School of Music (piano), nos anos 2010. Contudo, especialmente enquanto compositor, Marius
Raphaelius é principalmente autodidata.
Nos anos 1980 Marius liderou os grupos de rock Power Phase e Son Corfu, atuando na área de
Lisboa. Vários concertos foram dados. Os Son Corfu ganharam um concurso, com a canção Lost (então
198
entitulada Lord Who). Contudo o grupo desmembrou-se. Os vários membros seguiram carreiras não
musicais. Marius tornou-se cientista de computadores até hoje.
Contudo, nunca parou de compor. Com a sua abordagem de música clássica, escrevendo as
partituras integrais (até para rock), acumulou um catálogo de centenas de obras.
Apesar de ter realizado algumas obras por comissão, e por especificação (pagas), o processo
criativo de Marius beneficia do melhor que tem o lado amador: liberdade de escolha. Em 1999, o seu
Quarteto de Cordas em Ré menor foi encomendado e estreado no Instituto Luso-Francês em Lisboa.
Infelizmente não circulou. Nos anos 2000, algumas colaborações internacionais através da internet,
principalmente Dialog (Feeling Low), atingiram o topo das tabelas.
Nos anos 2010, Marius dedicou mais tempo à sua prática de, e composição para, piano. Foi
também tempo de iniciar a organização do catálogo.
O objetivo de Marius enquanto compositor é tão simples de expressar como difícil de alcançar:
aproximar-se de Beethoven. O estilo de composição de Marius é eclético mas primariamente
influenciado pela música clássica, rock, e rock progressivo. Referências importantes: Bach, Beethoven,
Chico Buarque, Tom Jobim, Neal Morse, The Who, Yes.
http://marius-raphaelius.com
6 Depois do Azul
Peça musical em três partes, podendo cada parte ser apresentada isoladamente.
6.1 Variações Intermináveis
Para piano, soprano (ou mezzo-soprano), barítono. Duração: 3'50"
A pequena letra é num português de variedade ambígua, ou miscígena, entre europeu e brasileiro.
A letra é repetida em variações. O sotaque brasileiro é necessário para realizar certas rimas. Em certas
passagens, as duas vozes interagem, em contraponto, trocando segmentos do texto, e contrastando
sotaques, cf. compassos 113 e seguintes, na Figura 2.
Propõe-se a execução ao vivo deste movimento, com o compositor no piano e segunda voz
(barítono), e uma soprano ou mezzo-soprano a selecionar na primeira voz. Alternativamente, músicos
convidados (em vez do compositor).
Alternativamente, poder-se-á apresentar ou publicar uma gravação.
6.1.1 Letra
Eu não sei mais
O que me dá
O que me faz
Passar p'ra lá.
Todo meu ser
de Norte a Sul
Vai-se estender
Depois do azul.
6.1.2 Partitura
Páginas selecionadas nas Figuras 1 e 2. A partitura integral existe em PDF, e encontra-se anexada.
199
Figura 1: Primeira página da partitura das Variações Intermináveis de Depois do Azul. Partitura integral anexada.
Fonte: Elaboração própria
200
Figura 2: Excerto da parte vocal das Variações Intermináveis de Depois do Azul. Partitura integral anexada.
Fonte: Elaboração própria
201
6.2 Interlúdio. Antes da sinfonia
Para piano solo, ou cordas e harpa. É um tema independente. A versão para piano está completa
(Figura 3). O arranjo para cordas e harpa está em construção, incluindo um final alternativo incluindo
sopros antecipando um tema do terceiro movimento.
Figura 3: Excerto da primeira página da versão para piano do Interlúdio de Depois do Azul.
Fonte: Elaboração própria
202
6.3 Variações sinfónicas
Para piano, órgão elétrico, guitarra elétrica, baixo elétrico, bateria, cimbalão, sopros, cordas. Em
construção. Consiste em variações sobre os temas da primeira e segunda parte, e sobre novos temas, por
exemplo o representado na Figura 4.
203
A flor falante e dois balísticos
Amadinho da Silva, Mário Amado Alves, Maria João Sanches, Gabriela Alves
[email protected]
Resumo. A Flor Falante, e Balístico, são ciclos de poesia inéditos de Amadinho da Silva.
Apresenta-se uma pequena seleção. Encontra-se em preparação a ilustração e design
gráfico dos poemas.
Palavras-Chave: poesia em língua portuguesa
Abstract. A Flor Falante [The Talking Flower], and Balístico [Ballistic], are unpublished
cycles of poetry by Amadinho da Silva. A short selection is presented. Illustration and
graphical design is under way.
Keywords: Portuguese poetry
Amadinho da Silva
Amadinho da Silva é um poeta obscuro, provavelmente português. Publicou em Icarus: folha
obviamente volante de poesia, revista igualmente obscura dirigida por Mário Amado Alves nos anos
1990 (Alves, 1996), cf. Figuras 5 e 6. Alves retém até hoje parte do arquivo do poeta. Pouco ou nada
mais se sabe sobre o poeta.
Gabriela Alves
Nasceu em Setúbal no ano 2000. Estuda na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. É artista
gráfica e artesã principalmente amadora, mas já distribuiu trabalhos comercialmente.
204
Do arquivo de Amadinho da Silva constam os ciclos de poesia em língua portuguesa, inéditos,
intitulados A Flor Falante, e Balístico. Editou-se uma pequena seleção para apresentação (secções 3, 4).
Encontra-se em preparação a ilustração (desenho, pintura) e design gráfico (poster, brochura) dos
poemas (Figuras 1, 2, e Anexo).
A Flor Falante VI
Aproximamo-nos e
Afastamo-nos incrivelmente castos.
Afastamo-nos como a abelha se afasta da flor,
Ao fim do dia.
Caminho sobre pedras.
Livre e cego e surdo e mudo e livre.
205
Figura 2: Esboço de Gabriela Alves para a A Flor Falante e Balístico
Fonte: Elaboração própria
Do ciclo Balístico
Balístico
Vou a tua casa.
Serenamente.
Como sereno cai livre um míssil
Extinto o
Carburante
Sobre
Túlipas.
Balístico III
Deixou de ser viva
A alinhavada trajetória
Que descrevi no céu.
Dúbia vitória.
Penosa missiva.
Não morreu;
Deixou de ser viva.
Deixou de ser eu.
Formas de apresentação
Icarus 3
Número 3 da Icarus folha obviamente volante de poesia, dedicado exclusivamente a este trabalho.
Oito páginas, numeradas de 17 a 24 (continuando a convenção dos números anteriores).
Frontispício e costas a cores. Maquete em anexo.
206
Pequena tiragem. Exemplares-oferta disponíveis na conferência em número suficiente para todos
participantes.
Referências
Alves, M. A. (1996). Icarus folha obviamente volante de poesia, nr. 2, Abril-Junho 1996. Costa da
Caparica: Mário Amado Alves.
Anexo
207
Caminho sobre pedras.
Livre e cego e surdo e mudo e livre.
208
Figura 4: Estudos de Maria João Sanches para os Balísticos
Fonte: Elaboração própria
209
Fonte: Elaboração própria
210
ICARUS
folha ... poesia nr. 3. Outubro 2022
3
Explicação A Flor Falante
211
História(s), Memória(s),
Identidade(s)
212
Para se pensar o Brasil: Lima Barreto e a Rússia – considerações iniciais
Resumo. Este texto apresenta considerações preliminares acerca de uma proposta de pesquisa,
em nível de pós-doutoramento, no que tange ao tema “ ara se pensar o Brasil: Lima Barreto e a
ússia”. Aqui são destacadas três vertentes principais, nomeadamente, crítica social, concepção
literária e criação estética. A partir desse enfoque, procura-se investigar a importância que a
Rússia exerceu para o escritor brasileiro, tanto em termos de formação crítica quanto de
carpintaria literária. Assim, busca-se investigar se a identificação do autor fluminense com a
Rússia está presente em sua própria criação estética e nas diretrizes do seu pensamento sócio-
histórico-ideológico, de modo que se apresente como um possível ponto de partida importante em
suas reflexões a respeito do Brasil. Embora se focalize aspectos já mencionados ou discutidos por
alguns estudiosos e críticos da obra de Lima Barreto, esses ainda não foram objeto de um estudo
específico, conforme aqui se propõe. Uma das contribuições desta pesquisa relaciona-se ao
mapeamento da relação entre a produção do escritor e a história e a literatura russas em toda a sua
obra, pensando de modo particular na representatividade que a Rússia, bem como a sua literatura
e história, exerce para se compreender o Brasil, de ontem e de hoje, a partir do pensamento de
Lima Barreto. Para tanto, auxiliam como referencial crítico os estudos e as reflexões de R. J.
Oakley em Lima Barreto e o destino da literatura (2011), Boris Schnaiderman em Os escombros
e o mito (1997), Leonid Grossman em Dostoiévski artista (1967) e Francisco de Assis Barbosa
em A vida de Lima Barreto (2002).
213
.
1Apresentação
ste texto apresenta considerações iniciais sobre um propósito de pesquisa em elaboração. Trata-se de
tema relacionado a uma trajetória já mencionada em outros estudos,41 mas que no momento merece ser
trazido à divulgação, tendo em vista ampliar as possibilidades de se avançar, rever ou reorientar alguns
de seus pressupostos.
Embora já tenha sido enunciado em estudos anteriores,42 ainda não foi realizado um trabalho que
tematize particularmente a Rússia como referência para se pensar o Brasil sob o ponto de vista de Lima
Barreto (1881-1922), considerando também a literatura russa como referência fundamental não apenas
para a concepção literária do escritor fluminense, mas como elemento passível de intervir na carpintaria
literária de Barreto. Pode-se observar a pertinência deste tema nas afirmações de R. J. Oakley em Lima
Barreto e o destino da literatura (2011):
[...] em contos e romances [de Lima Barreto], quase todas as referências explícitas à
literatura russa filiam-se ao universo de Crime e castigo e de Recordações da casa
dos mortos. Em ‘O único assassinato de azuza’, ‘ m que vendeu sua alma’, ‘M goa
que rala’, para não falar do bvio exemplo de O cemitério dos vivos, as situações e
temas são todos extraídos daqueles dois romances, e não de quaisquer outras obras
dostoievskianas. (Oakley, 2011).
Maria Salete Magnoni, em “Lima Barreto dialoga com a concepção de arte de Leon Tolst i”
(2001), aponta que a concepção de arte barretiana alinha-se, em grande medida, aos preceitos de arte
defendidos pelo pensador russo. A autora expõe a inter-relação entre ambos os escritores, principalmente
no que se refere à arte como elo fraternal entre os homens. Entretanto, Magnoni não chega a focalizar
sobre outros aspectos representativos da relação entre as ideias de Tolstói e Barreto presentes em outros
momentos da obra do escritor carioca. Do mesmo modo não realiza, haja vista não ser objetivo de seu
texto, uma possível interação entre a produção barretiana e a Rússia como forma de se pensar em
problemas brasileiros.
2. Literatura e história
Um dos elementos para se entender a admiração de Barreto pelo universo da Rússia circunscreve-se ao
fato de que em sua biblioteca há mais de 10 títulos de autores russos, principalmente de literatura, além
de historiografia literária russa e de obras atinentes à política. Isto pode ser verificado na biblioteca
41
ORNELLAS, C. A. (2011). João Antônio, leitor de Lima Barreto. São Paulo: EDUSP/FAPESP.
42
PRADO, A. Lima Barreto: o crítico e a crise (livro, 1989); GOMIDE, B. Da estepe à caatinga: o romance russo no Brasil (1887-1936).
(Tese de doutorado, USP, 2004); FERREIRA, L. Um personagem chamado Lima Barreto (Dissertação de mestrado, UFRJ, 2007); MAGNONI,
S. Imprensa como instância de poder: uma leitura das Recordações do escrivão Isaías Caminha. (Tese de doutorado, USP, 2010), entre outros
títulos.
214
Limana, assim denominada pelo seu biógrafo, Francisco de Assis Barbosa, em A vida de Lima Barreto
(2002, 8a edição):
Barreto criticou intensamente os desvãos das classes dominantes que mantêm a qualquer custo a
opressão dos pobres, por meio da cobrança de impostos, com o objetivo de apenas favorecer o seu
próprio espaço urbano, além da reiterada discriminação a quem não pertence ao seu círculo de ação. Em
um dos vários momentos em que se torna possível verificar semelhantes críticas de Barreto, observa-se
a direta correlação entre seu modo de observar os fatos na Rússia para refletir sobre o seu próprio país:
43
Dimitri Sergeievich Merejkowsky (São Petersburgo 1865 – Paris 1941) foi escritor, pensador e crítico literário russo, sendo um dos mais
populares e destacados autores entre as décadas de 1910 e 1940.
44
Vera Zassúlitch (1849-1919) foi uma militante destacada do movimento populista e, mais tarde, do movimento socialdemocrata na Rússia.
Em 1878 atentou contra Trépov, governador de Petersburgo. O seu julgamento causou comoção nacional.
215
É este o tema do Recordações do Escrivão Isaías Caminha, cujos primeiros
capítulos são publicados na Floreal (Barbosa, 1981)
Tolstoi, no livro de que me venho servindo e a cujo título mais atrás aludi [O que é a
arte?], critica muito justamente semelhante opinião [arte destinada apenas ao prazer
estético], com as seguintes palavras:
[...]
‘Se dissermos que o fim de uma certa atividade humana é unicamente o prazer, e só
sobre ele fizermos repousar a nossa definição, será ela evidentemente falsa. É o que
se dá com a definição de Arte assim concebida. Com efeito; examinando-se as
questões de nutrição, por exemplo, ninguém se atreverá a afirmar que o prazer de
comer é a função principal da nutrição. Toda a gente compreende que a satisfação do
nosso paladar não pode servir de base à nossa definição de mérito dos nossos
alimentos’.
Há muitos que são agradáveis, digo agora eu, que não são nutritivos, antes são
prejudiciais à economia do nosso organismo; e há outros que não são lá muito
saborosos, mas que preenchem perfeitamente o fim da nutrição, que é o de conservar
a vida do nosso corpo.
Ver o fim, o destino de qualquer arte no prazer que ela nos proporciona, é imitar os
homens de uma moralidade primitiva, como os selvagens, que não veem na
alimentação outro alcance que não seja o da satisfação agradável que lhes proporciona
a ingestão de alimentos. (Barreto, 1956b)
Não se vê essa interação explícita aqui se tivesse sido concretizada para Barreto de modo didático,
ou seja, que ao ter contato com a obra de Tolstói tenha encontrado um caminho que passou a seguir.
Pensa-se muito mais sob a forma de um encontro de ideias e posicionamentos muito feliz. Assim,
considera-se que o escritor carioca já tinha seus pressupostos claros e o contato com a obra do autor
russo ofereceu algumas luzes que esclareceram a sua própria forma de pensar. Ressalta-se que essa é
apenas uma das possibilidades de interação entre o pensamento de Barreto com o ideário estético de
escritores russos, conforme demonstra a produção barretiana, pois semelhante viés também pode ser
216
localizado em relação a Dostoiévski, como pode ser constatado nas obras Recordações do escrivão
Isaías Caminha (1909) e Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919).
Há que se considerar também a importância de autores russos para a composição estética de
Barreto. Neste sentido, salientam-se dois elementos principais: temático e composicional. O primeiro
pode ser verificado na apreensão do espaço urbano por Barreto, tendo em vista a obra mais
recorrentemente citada na obra barretiana, Crime e castigo de Dostoiévski.
Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821-1881) foi um escritor que, em paralelo à escrita literária,
esteve sempre vinculado à produção jornalística. Outro aspecto a ser ressaltado relaciona-se ao fato de
ele ser considerado o primeiro grande escritor da metrópole. Além disso, percebe-se que a temática
dostoiévskiana da religiosidade versus o homem − seu trabalho de desvendar e apresentar diversas faces
e consequências desse conflito para a vida cotidiana e espiritual − de algum modo também se apresenta
nas obras de Barreto (Cf. Ornellas, 2011).
Tal afirmativa pode ser constatada, por exemplo, na focalização que o autor russo realiza, em
grande parte de sua produção, aos excluídos sociais, sejam eles pobres miseráveis ou membros da classe
burguesa decadente. A maneira como Dostoiévski realiza sua incursão na alma revela uma apreensão,
como poucos, da consciência humana. Destaca-se, assim, a presença de um humanismo a distinguir e
colocar em cena diversas e diferentes vozes que se refletem e refratam ao mesmo tempo, atestando a
volubilidade e fragilidade das opções de vida feitas pelo homem.
Dostoiévski se destaca na literatura mundial, entre outros aspectos, pela apreensão do espaço
urbano em correlação com a interioridade de seus personagens, intensificando a tensão sofrida por
personagens geralmente pertencentes à zona de exclusão. Não é diferente ao que ocorre em Crime e
castigo (1866) na qual o protagonista Raskólnikov vivencia intensamente uma relação adversa com a
cidade, tendo em vista seus tormentos íntimos, seja em razão de sua pobreza econômica ou da culpa
pelo crime que cometeu. Mobilização não muito diferente, em termos da sensação de desajuste ante o
espaço urbano, pode ser entrevista em Recordações do escrivão Isaías Caminha, de Barreto, como é
possível verificar nas citações a seguir.
Caminhava sem parar. Estava com uma terrível vontade de distrair-se de algum modo,
mas não sabia o que fazer e o que empreender. Uma sensação nova e insuperável o
dominava cada vez mais quase a cada minuto: era uma repulsa infinita, quase física,
persistente, raivosa, odiosa a tudo o que o encontrava e o cercava. Achava nojentos
todos os transeuntes com que cruzava – eram nojentos seus rostos, seu andar, seus
movimentos. Simplesmente cuspiria em alguém, morderia, parecia, se alguém
começasse a conversar com ele... (Dostoiévski, 2001)
As citações permitem depreender, para além de personagens oprimidos no espaço da cidade, dois
personagens a contemplarem, no movimento urbano, seres que transitam pela cidade sentindo-se sem
lugar. Embora as reações dos dois personagens sejam diferentes, Raskólnikov demonstra ódio ao
observar o movimento de pessoas enquanto Isaías Caminha sente a desolação dos derrotados, como ele
próprio se sentia, verifica-se o espaço urbano a refletir de modo inequívoco a representatividade dos
sentimentos do personagem. Essa inter-relação entre o humano e o espaço citadino caracteriza-se como
um dos recursos temáticos em comum entre os dois escritores. Além disso, outros aspectos relativos à
abordagem temática em semelhança entre os escritores brasileiro e russo contemplam também a vivência
em reclusão (Lima no hospício e Dostoiévski na prisão), o relevante enfoque a personagens da margem
217
social e a postura elitista das classes dominantes que usam de quaisquer meios para assegurarem uma
condição econômica e/ou socialmente superior em relação aos seus pares e aos subalternos.
Quanto às inter-relações entre o ideal de autores russos, lidos e citados por Barreto, para além da
abordagem temática, é interessante mencionar a respeito de elementos composicionais de escritores
russos na estética de Barreto. Dentre as possibilidades de enfoque, é possível depreender, inicialmente,
dois ângulos de abordagem: a relação literatura e jornalismo e a literatura como ideal de fraternidade.
A exemplo do que aconteceu na Europa e nas Américas, a literatura russa e o jornalismo apresentam
várias inter-relações. Segundo Diéz (1997), a autocracia do império czarista foi determinante para a
constituição do Realismo naquele país: “Especialmente sob as fortes coerções ditatoriais do império
czarista, essa vertente é compreendida como “o espelho da época”, por refletir os contrastes e conflitos
da realidade contemporânea, ou mesmo do passado, permanecendo atual até os anos 80 do século XIX”
(Diéz, 1997, tradução nossa).
Um dos maiores expoentes dessa fase de inter-relação entre jornalismo e literatura é justamente
Dostoiévski. A sua produção literária sempre esteve contígua à atividade jornalística, na qual
manifestava seus pontos de vista acerca de questões sociais, políticas e filosóficas, tendo publicado
alguns de seus romances sob a forma de folhetim. Assim como outros contemporâneos, “ele considerava
que o jornalismo era um veículo vivo de comunicação que facilitava localizar o homem e seu contexto
em um tempo histórico concreto. A única maneira de saber ‘onde se est historicamente’ deveria ser
buscada no jornalismo”. ara além disso, tendo em vista que, para ele, “a hist ria ‘falava’, não parou de
interrogar e interrogar-se sobre as questões vitais que afetavam a base dos problemas da Rússia, o
destino histórico de seu povo, bem como o papel que este representava no conjunto da história da
humanidade”. Martínez, 1997, tradução nossa .
Boris Schnaiderman declara que “o grande representante da ficção-documento, no sentido
elevado do termo, foi Dostoiévski”, patenteando a relação entre a sua literatura e a realidade hist rica
Schnaiderman, 1997 . Em viés semelhante, “Dostoiévski gostava de elaborar obras literárias baseadas
em fatos verdadeiros e concretos da realidade cotidiana, embora com a sua ampliação no sentido das
vastas apreciações filosóficas e das conclusões políticas. Tornou-se característico em sua obra o
emprego de dados do jornalismo de seu tempo” Grossman, 1967 , explicou o primeiro grande estudioso
de sua produção, Leonid Grossman. Entre muitos exemplos, o estudioso registra que o argumento básico
do romance Crime e Castigo foi retirado da vasta cobertura jornalística dada a um caso ocorrido na
primavera de 1865, quando Guerássim Tchistov, filho de comerciante, matou a machadadas duas
mulheres e roubou objetos e dinheiro, totalizando 11.260 rublos (Grossman, 1967).
Barreto, em “Amplius!”, pertencente à coletânea Hist rias e sonhos, publicado originalmente em
1916, questiona a relação entre os dois gêneros a partir de uma carta enviada por um leitor anônimo que,
entre outras coisas, questiona a presença de técnicas do jornalismo em Triste fim de Policarpo Quaresma:
A naturalidade com que o autor carioca apresenta a interação entre jornalismo e literatura é um
dos elementos que mais chamam a atenção. Enquanto para alguns escritores e críticos literários esse
hibridismo é considerado pejorativo, para Lima não é uma condição incomum, e muito menos negativa,
segundo a sua concepção criativa. Pode-se verificar uma aferição de consentimento entre o fato de que,
ao se atuar nesses dois segmentos de trabalho com a escrita, seja uma consequência esperada a inter-
relação entre ambos. Entende-se a posição de Barreto em ter como objetivo maior de sua escrita
contribuir para o bem-estar da humanidade, focalizando questões comprometidas em tornar os homens
seres melhores e que eles possam viver em paz diante das diversas diferenças culturais, sociais e raciais,
218
características intrínsecas de todas as sociedades. Essas afirmações podem ser localizadas em vários
momentos de sua obra quando trata do papel social da literatura e, sob seu ponto de vista, deve ser
condição prioritária de toda arte.
Por fim, Barreto, ainda no mesmo texto, afirma que sua principal preocupação é expressar-se da
forma mais inteligível possível para que atinja todos os leitores. Assim, aqueles temas que tantas
angústias lhe geraram até chegar à forma final de um texto devem ser apresentados de maneira clara e
objetiva para modificar a consciência dos homens diante de problemas fundamentais que os cercam.
Dessa maneira, ainda que não explicitado, apreende-se que o autor carioca parece conceber as técnicas
do jornalismo como elementos que contribuem, de fato, para que seu fazer literário seja eficiente e
auxilie adequadamente para melhorar a sociedade. Semelhante perspectiva permite atestar uma
vinculação explícita entre os pontos de vista do escritor russo e do autor brasileiro, agora segmentado
na composição estética.
4. À guisa de conclusão
Dificilmente se localiza um jornalismo e uma literatura atuantes e críticos como o faz Barreto – que
percorre a cidade, à margem dela, com detalhes de humanismo, assim como centenas de crônicas nas
quais prioriza a discussão sobre os rumos do Brasil – se ele não comungasse da concepção da arte como
liga para os sofrimentos de um povo, enfim, do homem. Desse modo, expuseram-se aqui, brevemente,
nuances do desmembramento da multiplicidade de vozes que compõem o diálogo que Barreto instaura
com a nação russa e as obras e os pensamentos dos autores russos.
Trata-se de um escritor engajado na atividade jornalística e na crítica à sociedade de seu tempo,
que utiliza o olhar e a memória histórica como registro do cotidiano de uma sociedade, de uma realidade,
vista sob o olhar de alguém que considerava entre suas predileções de pensamento e estética, a história
e a literatura russas. Essa dialogicidade, amplamente polifônica, ultrapassa em muito o ato de leitura,
que foi o primeiro contato estabelecido por Barreto com escritores russos.
A presente exposição de intenções de pesquisa demonstra ser viável uma abordagem do tema de
modo a promover novos subsídios para a fortuna crítica barretiana. Isto se realizará no que concerne a
somar aos estudos já realizados entre Barreto e autores russos uma perspectiva específica de analisar de
que forma seus referenciais e reflexões a respeito da literatura, de personalidades e da história russas
contribuem para se pensar o Brasil, tanto de sua época quanto da atualidade.
Referências
Barbosa, F. (1981). Lima Barreto, precursor do romance moderno. Boletim bibliográfico Biblioteca
Mário de Andrade, São Paulo, v.42, nº. 3.
Barbosa, F. (2002). A vida de Lima Barreto (1881-1922). (8a ed.) Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.
Barreto, L. (1956a). Bagatelas. São Paulo: Brasiliense.
Barreto, L. (1956b). O destino da literatura. In: Barreto, L. Impressões de leitura. São Paulo:
Brasiliense.
Barreto, L. (1956d). Amplius! In: Barreto, L. Histórias e sonhos. São Paulo: Brasiliense.
Barreto, L. (1956c). Recordações do escrivão Isaías Caminha. São Paulo: Brasiliense.
Broca, B. (1960). A vida literária no Brasil (1900). Rio de Janeiro: José Olympio.
Díez, T. (1997). Aspectos del realismo ruso; del realismo al naturalismo. In: González, F. (Org.)
Historia de las literaturas eslavas. Madrid: Cátedra.
Dostoevski, F. (2001). Crime e castigo. São Paulo: Editora 34.
Gomide, B. (2004). Da estepe à caatinga: o romance russo no Brasil (1887-1936). Tese de doutorado,
Universidade de Campinas, Campinas, Brasil.
González, F. P. (Coord.). (1997). Historia de las literaturas eslavas. Madrid: Ediciones Cátedra.
219
Grossman, L. (1967). Dostoiévski artista. Trad. Boris Schnaiderman. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira.
Magnoni, S. (2010). Imprensa como instância de poder: uma leitura das Recordações do escrivão Isaías
Caminha. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
Magnoni, S. (2001). Lima Barreto dialoga com a concepção de arte de Leon Tolstói. Revista Teresa,
São Paulo, n. 2.
Martínez, I. (1997). Dostoievski. In: GONZÁLEZ, F. História de las literaturas eslavas. Madrid:
Cátedra.
Martinsen, D. (1997). Literary journals in Imperial Russia. Cambridge: University Press.
Oakley, R. J. (2011). Lima Barreto e o destino da literatura. São Paulo: Edunesp.
Ornellas, C. (2011). João Antônio, leitor de Lima Barreto. São Paulo, EDUSP/FAPESP.
Schnaiderman, B. (1997). Os escombros e o mito: a cultura e o fim da União Soviética. São Paulo:
Companhia das Letras.
220
Algumas consequências da falta de acesso à educação, a partir de João
Antônio
Resumo: Neste texto são expostas inter-relações entre a falta de acesso à educação e a exclusão
social, considerando os posicionamentos em entrevistas e alguns recortes da obra literária do
escritor brasileiro João Antônio (1937-1996), autor cuja obra foi dedicada, em sua maior parte, a
focalizar diversas faces da marginalização social. Observa-se que o autor posiciona-se
atentamente quanto às consequências da falta de acesso à escola, que gera um grande contingente
de jovens em desajuste com a sociedade, haja vista as diversas carências com as quais são
obrigados a conviver, desde a fome, a violência, até a invisibilidade social. O resgate de parte de
enunciados em entrevistas e da obra de João Antônio auxilia nas reflexões a respeito de avanços
e retrocessos na sociedade brasileira, uma vez que, infelizmente, muito das condições vivenciadas
pelos seus personagens, ou mesmo aspectos por ele colocados em algumas de suas entrevistas,
ainda persiste nas primeiras décadas do século XXI. Ilustra essa afirmação, por exemplo, a
realidade de que em grandes capitais do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro, há o crescimento
e o convívio frequente com a violência. Muitas vezes, semelhantes situações revelam a
participação de jovens em atos ilegais ou até em crimes graves que, talvez, pudessem ser evitados
caso eles tivessem alcançado o direto a uma formação educacional hábil para lhes fornecer
condições de vida digna desde a infância. A fundamentação crítica desta abordagem relaciona-se
a pensadores como Antonio Candido (1989; 2003) e Ángel Rama (2015).
221
1. Apresentação
Como se trata de um direito humano universal o acesso à educação de qualidade – sendo este inclusive
um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas – ONU (Agenda
2030, 4º objetivo), considera-se que focalizar algumas das consequências que a negação desse direito
pode gerar a crianças e jovens, tendo em vista fragmentos da produção literária e de excertos de
entrevistas do escritor brasileiro João Antônio (1937-1996), constitui abordagem viável para se refletir
a respeito da persistência de determinadas situações adversas que permanecem ainda nas primeiras
décadas do século XXI. Deste modo, neste texto apresento algumas constatações sobre as consequências
da falta de acesso à educação, para crianças e jovens, segundo o ponto de vista de João Antônio.
Semelhante abordagem revela, entre outros elementos, como as periferias das grandes cidades
brasileiras, desde a década de 1960 a 1980, padecem não apenas com condições precárias de
infraestrutura como de alcançar uma população capacitada, no que tange à educação formal, para o
exercício pleno da cidadania. Esse resgate histórico de meados do século XX auxilia na contraposição
entre as realidades de ontem e de hoje, século XXI, em termos de retrocessos na garantia do Direito
Humano Universal de Acesso à Educação. A ausência desse direito provoca uma ininterrupta geração
de seres marginais invisíveis socialmente que habitam muitas cidades brasileiras. No presente enfoque,
especificamente São Paulo e Rio de Janeiro.
A literatura se configura como objeto de pertinência para se estudar diversos aspectos da sociedade, uma
vez que sua vinculação à realidade, embora em contexto ficcional, permite a apreensão de um tempo e
do imaginário social que o permeia. Semelhante perspectiva tem-se mostrado viável em diferentes
âmbitos da História da Educação, a exemplo de investigações sobre a historicidade de obras infantis e
sua relação com o âmbito escolar na formação de leitores, 45 determinadas vertentes educacionais
expostas em obras literárias que auxiliam em reflexões a respeito de métodos e técnicas pedagógicas no
contexto da educação brasileira, 46 o enfoque a determinadas produções cujo espaço-tempo fornece
subsídios sobre avanços e retrocessos na educação do país, 47 entre várias outras perspectivas. Justamente
nesse sentido se seleciona a produção e colocações realizadas em entrevistas de João Antônio, pois é
possível verificar, em semelhantes objetos de análise, elementos atinentes à discussão sobre o acesso à
educação no contexto brasileiro.
O escritor paulistano João Antônio (1937-1996) possui entre as características de sua produção o
enfoque preferencial à margem humana e social de grandes capitais brasileiras, principalmente São
Paulo e Rio de Janeiro. Desta maneira, na galeria de seus personagens há jogadores de sinuca,
prostitutas, menores abandonados, mendigos, trabalhadores subalternos, entre outros seres que não têm
representatividade na sociedade contemporânea. Em “ m banho incrível de humanidade” 1982 ,
Antonio Candido ressalta entre as particularidades desse escritor um humanismo latente, presente na
maior parte de suas narrativas. Isto porque, a partir da temática voltada para personagens da zona de
45
LIMA, Maria do Socorro Pereira. (2015). Infância, educação e criança: um estudo histórico-literário nas obras Serões da Mãe Preta e
Chove nos Campos de Cachoeira (1897-1920). [Tese de doutorado em Educação]. Universidade Federal do Pará, Belém.
46
ATAÍDE, Sâmara Rodrigues de. (2021). Diário de uma menina: escola, família e sociedade na educação feminina oitocentista na obra de
Helena Morley. [Tese de doutorado em Educação]. Universidade de Sorocaba, Sorocaba.
47
SANTANA, Jeová Silva. (2011) O internato como modelo educacional segundo a literatura: um estudo sob a perspectiva da teoria crítica.
[Tese Doutorado em Educação]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
222
exclusão, o escritor consegue imprimir neles aspectos peculiares dessa vida marginal, de tal modo que
permite evidenciá-los como pessoas de carne e osso.
Os seus contos exploram quase sempre o chamado submundo, o outro lado que
pagamos para não ver, ou para ver do palanque armado pelos distanciamentos estéticos.
Mas ele nos arrasta para o centro da arena, porque é onde se instala, sem desprezo nem
complacência, a fim de criar uma espécie de normalidade do socialmente anormal,
fazendo que os habitantes da sua noite deixem de ser excrescências e se tornem carne
da mesma massa de que é feita a nossa. O submundo é um mundo como os outros.
(Antônio, 1982)
Dentro desta perspectiva centrada na zona de exclusão social, 48 é possível verificar a presença
explícita e/ou velada da questão do acesso à educação como um entrave diretamente relacionado às
condições hostis vivenciadas por crianças e adolescentes presentes na obra de João Antônio. Observe-
se a afirmação da personagem da narrativa “Mariazinha Tiro a Esmo” 49 1975 a respeito da “escola” a
que tivera acesso:
– Tive escola, bicho. A tua acho que foi moleza, não? O padre subia o morro pra
ensinar catecismo. Cadê de aprender as lições de fé da Bíblia, se o meu negócio era
aprontar? Aprendi a ler um pouquinho, na Bíblia mesmo. O resto foi a vida. (Antônio,
1975).
Essa visão de aprendizado mal realizado e em condições precárias revela, em parte, a realidade
de vários personagens da obra do escritor e que, lamentavelmente, ainda se faz presente na
contemporaneidade brasileira. Embora se saiba de avanços em termos de acesso à educação, como a
obrigatoriedade do oferecimento do acesso ao ensino público e gratuito, bem como ações de incentivo,
tanto governamentais como de Organizações Não Governamentais (ONGs), não surpreende localizar
crianças e jovens em situação correlata a esses personagens. De alguma maneira, essa problemática
demonstra vínculo com alguns dos pressupostos de Ángel Rama, em A cidade das letras (2015), no que
condiz à diferenciação, no contexto latino-americano, entre a cidade letrada e a cidade real, esta que
sempre abriga a maior parte da população vulnerável em termos econômicos e sociais. Segundo Rama,
evidencia-se nesse movimento uma espécie de atualização de antigos costumes coloniais de sempre
distinguir, por meio das letras, as classes sociais, a fim de manter a concentração de poder circunscrita
a determinados e restritos grupos dominantes.
à infância
erspectiva similar, senão ainda mais grave que a de “Mariazinha”, e também relacionada à contingência
de uma segregação social e econômica presente na ambiência da cidade real de Rama, é localizada no
conto “ rio”, pertencente à coletânea Malagueta, Perus e Bacanaço (1963), no qual o protagonista, não
nomeado, é um menino negro de 10 anos, que percorre ruas e avenidas de São Paulo durante a
madrugada, em busca de cumprir uma tarefa designada pelo seu protetor Paraná. Este que é representado
48
Neste texto, delimita-se como exclusão social a falta de acesso a bens básicos para a vivência plena da cidadania, abrangendo desde o acesso
à alimentação e à moradia até o reconhecimento social em termos de educação, trabalho e posicionamento crítico.
49
Descrição da personagem, conforme a narrativa: “Branca, ainda assim, Mariazinha Tiro a Esmo, é uma peça. [...] Dissimulada em seu
trabalho, matreira trabalhando na boca do mocó, indo e vindo na baba do quiabo, enganando otários e pacatos, ela sobrevive. Só ou
acompanhada na marginalidade, vai beirando o crime na cidade que castiga [...] Tem quatorze anos e pouquinho, s .” Antônio, 1975: 5-6).
223
como um malandro, jogador de sinuca, que serve ao menino como “família”, pois o garoto não tem mais
ninguém, haja vista não ocorrer qualquer referência nesse sentido no contexto da narrativa.
Ao contr rio da primeira narrativa, em que “Mariazinha” menciona a questão do acesso à leitura,
em “ rio” não h qualquer alusão ao contexto escolar. elo contr rio, o que h são menções ao seu
aprendizado com Lúcia – menina da vizinhança, mais nova que ele, onde trabalhava como engraxate –
a qual lhe dizia sobre coisas desconhecidas, como navio, moça do trapézio e bichos. Assim, coisas
elementares ao universo infantil para o protagonista soava como extraordinárias, o que lhe fazia sonhar
com elas, seja dormindo ou acordado, embora não as conhecesse.
Dessa maneira, verifica-se nesse conto, em relação ao acesso à educação, algo completamente
distante do universo do personagem. O seu conhecimento de mundo limitava-se ao que lhe contava
Lúcia e, é claro, ao que Paraná lhe ensinava.
Como permite depreender a citação, sua formação está sob a tutela de um jogador de sinuca que
lhe ensina várias formas para sobreviver. Expõe-se a relação direta com o mundo do trabalho, nenhuma
referência à educação formal. As condições de sua vida poderiam ser melhores se tivesse família e não
dependesse da tutela de Paraná, mas ele se mostra grato e amoroso com o seu protetor, afinal, pensando-
se em termos de São Paulo, espaço em que transcorre a narrativa, ser menor abandonado pode levar a
contextos ainda mais adversos, inclusive de morte prematura pelas ruas da cidade. Neste sentido, no
mínimo, atesta-se a ausência do Estado como protetor de crianças em situação de rua, quiçá da
obrigatoriedade de prover o acesso à educação a todos, principalmente na infância. Vida e formação em
risco intermitente são a realidade para essa criança. Ainda mais alarmante é constatar que essa realidade
representada pelo autor paulistano na década de 1960 ainda pode ser observada pelas ruas da São Paulo
de 2022 – sendo que o agravamento do número de desempregados em decorrência da pandemia de
Covid-19 aumentou sensivelmente o número de famílias em situação de rua, inclusive, nas mesmas ruas
e avenidas percorridas pelo protagonista na narrativa de ficção. Mas os que se tornaram invisíveis em
decorrência da pandemia, nada têm de ficcional.
4. A voz e o pensamento
Extrapolando a esfera ficcional para alguns excertos de entrevistas, é possível notar que João Antônio
sempre demonstrou estar ciente das implicações que a ausência de educação provocava na sociedade
brasileira, assim como dos interesses hegemônicos que perpetuam essa exclusão social. Para além de
expressar essa questão em sua produção, ele também se posicionou de modo explícito em suas
entrevistas no que condiz à inter-relação entre miséria, falta de acesso à educação e o crescimento da
violência no Brasil. Em entrevista a Liana Moreira (1980), o autor assim se expressou:
Cerca de quatro anos depois, observa-se que, em uma retomada do tema em outra entrevista, João
Antônio voltou a apontar o acesso à educação como premissa fundamental para uma mudança
abrangente das condições de vida e da realidade de menores em situação de rua. Agora, ademais, ele
salienta de modo direto as consequências que podem advir do descumprimento desse dever por parte da
224
sociedade e do Estado, como pode ser observado no trecho a seguir, relativo a uma entrevista do escritor
a Edmílson Caminha Júnior (1984).
Uma das formas de atestar esse seu posicionamento sobre a correlação entre falta de acesso à
educação e o crescimento da violência urbana pode ser verificada no texto “Testemunho de idade de
Deus” 1975 , no qual o autor, ao focalizar em teor de denúncia as péssimas condições50 em que viviam
os moradores do conjunto habitacional Cidade de Deus, bairro da periferia do Rio de Janeiro, demonstra
como o poder público escamoteia as reais necessidades da população pobre – neste caso, oriunda de
comunidades que antes viviam em morros próximos à Zona Sul carioca. Assim, apesar de se prometer
escolas e creches quando da construção do conjunto habitacional, pouco de fato foi efetivado:
Quando se implantou Cidade de Deus, prometeu-se à população dos apartamentos, três escolas primárias,
uma creche e um jardim de infância. Nunca houve creche ou jardim de infância.
Segundo o plano inicial da COHAB, para cada gleba de casas, previam-se duas escolas primárias, um jardim
de infância, uma creche e um cinema com capacidade para 612 pessoas. Dessas previsões, as escolas estão
funcionando. Apenas.
Havia ainda promessa de um supermercado e um posto médico. O supermercado mantém portas abertas. O
posto médico, não. (Antônio, 1975)
Neste excerto é possível verificar como o acesso à cultura é negado à população de Cidade de
Deus. Creche e jardim de infância parecem ser algo inconcebível de ser ofertado a pessoas sem
condições econômicas, que são obrigadas a enfrentarem péssimas condições de higiene e infraestrutura
no referido conjunto habitacional. Mas, se assim é, por que foi prometido? Muito provavelmente porque
era necessário convencer sobre as melhores condições à população das franjas da Zona Sul para que
desocupasse o local onde residia. Em um movimento de especulação imobiliária, que visava tornar a
área antes ocupada por essas comunidades acessível a moradores de condomínios de alto padrão, fazia-
se necessário motivar, ou iludir, esses moradores. Travestir-se a realidade, sedimentada em falsas
promessas, é uma forma de garantir a segregação e manter os papéis sociais e o espaço urbano muito
bem delimitados – e nisto inclui-se a falta de acesso ao ensino infantil.
Em perspectiva complementar, é interessante verificar o posicionamento de João Antônio a
respeito da educação como elemento fundamental para o alcance de uma sociedade mais justa, na qual
se vivencie a liberdade em sua plenitude.
A grande revolução política que o mundo vai ter que enfrentar se dará através da
educação. As propostas de educação estão a exigir todo um novo comportamento
diante da vida. Eu sou contra todo e qualquer tipo de regime ditatorial, quer seja de
esquerda ou de direita. Acho que o homem tem que ter uma possibilidade de exposição
de todas as suas aspirações e de todas as suas liberações e o grande responsável por
50
Veja-se, a exemplo, o trecho do depoimento de um dos moradores de Cidade de Deus, conforme apresentado na narrativa de João Antônio: ‘O
ambiente aqui é bastante carregado. Eu fecho isto aqui e vou pra Copacabana trabalhar e não sei como é que vou encontrar as coisas na volta.
[...]. Não conheço ninguém e tenho que me virar lá em Copacabana, aqui não tenho nem a regalia de sair certas horas da noite e dar um giro,
refrescar a cabeça deste fedor de fossa entupida. [...] Este fedor é insuportável, não dá pra entender, a fossa arrebentou. Eu encho tudo aí fora de
creolina, porque tem bichinho, podridão, é isso aí. Tem dia que pra comer aqui é preciso fechar as portas e as janelas e encher todos os buracos
da casa de creolina. [...] Outra coisa. Até o gás aqui é sacrificado, só vem uma vez por mês e a gente precisa ficar em casa esperando, senão perde
a vez’. Antônio, 1975: 98-99).
225
isso seria o sistema educacional. Sem mexer nele nós não mudamos nada e nem
construiremos uma nova sociedade. (João Antônio, s.d.)
É possível verificar, a partir desta fala do escritor, uma perspectiva muito próxima ao ponto de
vista de Antonio Candido (2003), quando este crítico afirma que há uma evidente necessidade de se
pensar em formas de tornar a escola um espaço de convivência, de solidariedade e de consequente
interação social, de modo a promover o progresso no país. Ainda segundo Candido, somente o acesso à
educação não significa avanço em termos de progresso, entretanto, é justamente a partir dela que será
possível alcançar legítimas conquistas sociais e econômicas: “[...] a instrução por si s é incapaz das
grandes transformações do progresso; mas sem ela estas não se podem efetivar. Daí ser preciso reavaliar
e revalorizar a escola, a função do professor e a filosofia da educação”. andido, 2003 .
A breve exposição aqui apresentada permite verificar elementos para se atestar que na obra de João
Antônio fazem-se presentes jovens personagens em situação alheia ao acesso à educação, tanto nos anos
de 1970 com “Mariazinha Tiro a Esmo” 1975 , quanto nos anos de 1960 com “ rio” 1963 . oder-se-
ia argumentar que hoje, nas primeiras décadas do século XXI as personagens vistas neste texto não
existiriam, afinal, as condições de acesso ao ensino sofreram positivas modificações. Quem dera fosse
assim, porém, muito pelo contrário, ao se consultar fontes sobre o analfabetismo no Brasil, verifica-se
que esse cenário ainda persiste.
O Brasil tem 11,3 milhões de analfabetos, uma taxa de 6,8% de pessoas acima dos 15
anos que não sabem ler ou escrever. O país reduziu a analfabetização, mas não na
velocidade esperada: ainda não alcançou a meta do Plano Nacional de Educação para
2015, que era baixar o índice para 6,5%, a fim de erradicar o analfabetismo até 2024.
(Gazeta do Povo, 8 mar. 2019)
Dados não diferentes são localizados quando se focaliza a questão da violência urbana em
correlação ao analfabetismo. Segundo Francisco Filho, no artigo “Análise da relação da criminalidade
e baixo nível escolar” (2012) – ao analisar dados e índices sobre implicações entre pobreza, violência
urbana e nível de escolaridade na cidade de Campinas, estado de São Paulo, Brasil –, é necessário
diferenciar a falta de recursos econômicos da falta de acesso à educação, pois esta última fere o direito
à cidadania enquanto a primeira se circunscreve ao âmbito econômico.
[...] Poderíamos, sob o ponto de vista econômico, dizer que a pobreza é resultante da
falta de acesso aos bens de consumo de uma população economicamente inativa, não
pertencente aos quadros produtivos, excluídos do processo pela própria dinâmica
estabelecida pela economia. Esse conceito, no entanto, pode ser ampliado definindo a
pobreza como um estado de não acesso a outros valores gerados pela sociedade, dentre
eles a educação. A falta de acesso aos bens de consumo é uma situação efêmera,
muitas vezes ligada a momentos e situações históricas em constante evolução. A falta
de acesso ao conhecimento se revela um pouco mais sério, pois esta está no cerne de
todo o processo que vai do provimento para a subsistência do indivíduo ao próprio
sentido de cidadania que o transforma num cidadão. (Francisco Filho, 2012)
Na conclusão de sua análise, o autor salienta, entre outros resultados de sua pesquisa, a correlação
entre periferia, pobreza e baixa escolaridade na ocorrência de crimes contra a pessoa na cidade de
Campinas que, embora local, permite amplificar para o Brasil como um todo. Logo, trata-se da
constatação da ausência do Estado como responsável pela garantia da cidadania. Situação bem
representada no texto “Testemunho de idade de Deus” em relação à oferta de creche ou jardim de
infância, conforme foi visto.
226
baixos níveis de educação, num sinal claro aos gestores das nossas cidades de que é
preciso voltar o olhar para a formação do cidadão como a forma mais eficaz de
combate à violência urbana. (Francisco Filho, 2012)
A partir das colocações de Francisco Filho, e remetendo ao percurso aqui realizado, compreende-
se que a falta de acesso à educação de qualidade é um problema presente no Brasil desde as décadas de
1960 e 1970, conforme as datas de publicação das narrativas de João Antônio, e que persiste ainda na
atualidade. Além disso, quando o escritor, em entrevista, ressalta a iminência da escalada da violência
resultante de menores que dormem debaixo de marquises, ao desabrigo de casa e de cuidados,
depreende-se que seu posicionamento à época demonstra-se visionário, posto que o número de jovens à
mercê da prática da violência, muitas vezes por falta de condições dignas de vida e de formação, tornou-
se realidade.
E realidade latente ainda na segunda década do século XXI, tanto no Brasil quanto em outros
países à margem das grandes potências mundiais. Portanto, constata-se que, retomando a expressão de
Rama, a cidade letrada continua muito restrita e propensa à segregação.
Referências
Antônio, J. Testemunho de Cidade de Deus. In: ANTÔNIO, J. (1994). Casa de loucos. (4a ed.) Rio de
Janeiro: Rocco.
Antônio, J. (2020 [1963]) Frio. In: ANTÔNIO, J. Malagueta, Perus e Bacanaço. Civilização Brasileira.
Antônio, J. (1976). Testemunho de Cidade de Deus. In: ANTÔNIO, J. (1976). Casa de loucos. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira.
Caminha Jr., Edmílson. (8 dez. 1984). Corpo-a-corpo com a vida. Suplemento Literário de Minas Gerais.
Belo Horizonte, n. 949.
Candido, A. Um banho incrível de humanidade. Orelha. In: ANTÔNIO, J. (1982). Dedo-Duro. Rio de
Janeiro: Record.
Candido, A. Professor, escola e associações docentes. Pro-posições, Campinas, UNICAMP, v. 14, n. 2
(41), maio/agosto 2003.
Francisco Filho, L. L. (2012). Análise da relação da criminalidade e baixo nível escolar. Intellectus
Revista Acadêmica Digital – UniEduk. Jaguariúna-SP, Ano VIII, n. 22.
Taxa de analfabetismo no Brasil. Gazeta do Povo. Curitiba, 19 mar. 2019. Disponível em:
<https://infograficos.gazetadopovo.com.br/educacao/taxa-de-analfabetismo-no-brasil/>.
Acesso em: 05 jul. 2022.
227
A repercussão da Semana da Arte Moderna na imprensa brasileira
The repercussion of the Modern Art Week in the Brazilian print press
228
Keywords: Brazilian Literature, Modernism, The Modern Art Week, Brazilian Print Press,
critical reception.
Introdução
Nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro do ano de 1922, aconteceu na cidade de São Paulo, no Teatro
Municipal, a primeira manifestação coletiva de arte moderna, em que representantes da música, da
literatura e das artes plásticas expuseram seus trabalhos. Desde 1942, a cada década, o evento é
comemorado em várias cidades brasileiras, especialmente em São Paulo. Passado um século de sua
realização, a Semana continua figurando como um dos eventos artísiticos mais emblemáticos do país.
Seu centenário tem sido marcado por diversos eventos e publicações que discutem sua relevância, seus
desdobramentos e seu legado.
Antes mesmo do evento, em 1917, Anitta Malfatti já preanuncia as tendências que representariam
o movimento modernista. No dia 12 de dezembro, a pintora organizou uma amostra artística no centro
da cidade de São Paulo, na qual foram reunidos 53 trabalhos, seus e de outros artistas, elaborados durante
os anos de 1915 e 1916.
Não se sabe ao certo de quem foi a ideia do evento. Rezende aponta que os próprios participantes
não recordam dos detalhes desse momento e que a ideia inicial seria realizar o evento na livraria Jacinto
Silva, local de encontro de intelectuais. Porém, como as ideias para o evento foram mudando e tiveram
as pretensões de uma “manifestação”, o local ideal deveria ser o maior salão da cidade – o Teatro
Municipal, – que foi conseguido mediante a colaboração de pessoas de grande influência. Segundo
alguns registros, os Andrades e Graça Aranha aparecem como parte da frente no grupo de jovens. Em
busca de novos adeptos, Mario, Oswald e Armando Plamplona foram para o Rio de Janeiro, onde
obtiveram êxito e além do grupo de jovens conseguiram apoio do governo com parte dos custos com
despesas e com as hospedagens dos artistas que se deslocariam do Rio.
Nos jornais desse período, divulgou-se que Graça Aranha teve patrocínios da alta sociedade para
a realização do evento e que este consistiria em uma exposição de arte. O Jornal do Commercio, em sua
edição da tarde do dia 07 de fevereiro de 1922, discorreria que, no sábado, em São Paulo, iniciaria a
“Semana de Arte Moderna”, por iniciativa do Sr. Graça Aranha e sob o patrocínio de elementos de mais
alto relevo na sociedade paulista. O periódico Para Todos (1922, p.12) relata que a Semana de Arte
Moderna foi uma bela ideia de Graça Aranha, que encontrou, para realizá-la, o patrocínio dos nomes
mais eminentes da cultura do Estado. Comenta-se ainda que a Semana seria constituída por uma
exposição de pintura, escultura e arquitetura; de concertos, leitura de poemas e páginas literárias e de
várias conferências sobre a orientação do espírito brasileiro. O jornal Correio Paulistano (1922, p. 5),
por sua vez, expõe que Graça Aranha criou um comitê de patrocinadores: “A comissão que patrocina
esta iniciativa está assim organizada: Paulo Prado, Alfredo Pujol, Oscar Rodrigues Alves, Numa de
Oliveira, Alberto Penteado, René Thiollier, Antonio Prado Junior, José Carlos Macedo Soares, Martinho
rado, Armando enteado e Edgard onceição” O Imparcial, 1922, p.5 . A omissão de Patrocínio foi
acometida por Candido, com alicerce em Andrade (Correio Paulistano, 1922, p 3). O grupo foi
ridicularizado, sendo denominado de “Os 12 Apostolos”. ara a redação do jornal, houve duas pequenas
confusões no epíteto, pois os senhores não pregavam religião, apenas patrocinavam um grupo de artistas
que representavam a função de divertimento, o que era necessário à vida.
Com base nesse contexto, esse trabalho pretende fazer um levantamento da repercussão do evento
na imprensa brasileira contemporânea da Semana de Arte Moderna. Para tanto, propõe-se uma análise
acerca de publicações sobre o evento em importantes periódicos brasileiros do período, tais como O
Paiz, O Correio Paulistano e A Gazeta. Serão abordados diversos gêneros jornalísticos, como notícias,
crônicas, reportagens e apreciações críticas que fizeram a cobertura da organização e realização do
evento, bem como a forma como se deu a recepção do público participante. Interessa também averiguar
a repercussão posterior à realização da Semana, com o intuito de vislumbrar os desdobramentos de suas
propostas no cenário artístico brasileiro.
229
Em janeiro de 1922, iniciaram-se as publicações relacionadas ao evento, com especulações sobre as
atrações e os artistas envolvidos. Os jornais O Paiz (1 fev. 1922, p. 5) e O Correio Paulistano (29 jan.
1922, p. 5) publicaram que, por iniciativa de Graça Aranha, diversos intelectuais de São Paulo e do Rio
resolveram organizar uma semana da arte moderna, composta por exposições de pintura, escultura,
arquitetura, concertos de piano, música de câmera e conferências sobre a arte, literatura e filosofia. De
acordo com esses periódicos, o evento prometia alcançar uma ampla repercussão, sendo notado em todo
o país. Em outros jornais do período, não foram encontrados registros relacionados a expectativas ou
aníncios da Semana de Arte Moderna.
Os jornais o Correio Paulistano (2 fev. 1922, p. 3) e A Gazeta (6 fev. 1922, p. 3) relataram também
que os anúncios sobre o evento trouxeram uma mistura de curiosidade e especulações, chamando a
atenção de intelectuais e do público mundano, o que era de se esperar, pois seria a primeira vez que um
evento dessa natureza aconteceria no Brasil. Comentou-se ainda que o presidente do Estado e o prefeito
municipal prometeram sua presença na exposição.
or fim, foram apresentados os festivais que comporiam a programação da Semana: 1 “ estival
intura e da Esculptura”; 2 “ estival da Literatura e da oesia”; 3 “ estival da Música”. O jornal
Correio Paulistano (12 fev. 1922, p. 6) difundiu que a Semana de Arte Moderna continuava a despertar
entusiasmo e curiosidade nas rodas artísticas e sociais e que a primeira récita, que se realizaria no dia
seguinte seria o início de uma série de espetáculos que prometia ficar memorável. Menotti del Picchia,
sob o pseudônimo Helios publicou no Correio Paulistano (7 fev. 1922) que os futuristas iriam realizar
esplêndidas noitadas de arte e comentou que seria uma semana histórica para o país:
“A Semana da Arte Moderna, que constar de tres noitadas liter rias e musicaes e de uma grande
e complexa exposição de esculptura, pintura e architeetura, revelará o que S. Paulo possue de
mais culto, de mais sensacional em arte; realizar-se-á no theatro máximo da cidade, como disse,
sob os auspícios a ella comparecer nosso mundo oficial.
“S. aulo, no mundo do pensamento, como em todos os ramos da actividade humana, é ainda o
Estado que dá a nota e dieta o figurino ao paiz. E na sua terra miraculosa e fecunda que todas as
tentativas, as mais audazes, encontram apoio e florecem. Esse gesto de alliança entre o escól
social paulista e seu escól mental é o gesto mais bello para a affirmação da sua alta cultura e a
segurança absoluta do seu predomínio espiritual em todo o paiz” Correio Paulistano, 7 fev.
1922).
O jornal O Correio Paulistano (13 fev. 1922, p. 1), no dia da inauguração do evento, publica que durante
a noite realizar-se-ia o primeiro festival da Semana de Arte Moderna e que o vivo interesse que tinha
despertado o movimento dos “novos” certamente resultaria na participação de um enorme público no
Municipal. Por conseguinte, foi divulgada a programação do festival, bem como o horário dos eventos.
Após a realização da primeira noite de evento, a Revista Klaxon – Mensario de Arte Moderna (15 jul.
1922, p. 11), noticiou que Chopin foi caçoado na primeira noite do Sarau da Semana de Arte Moderna,
porém não apresenta maiores detalhes a respeito disso. Contradizendo a revista Klaxon, Rezende (2006,
p. 39) comenta que o primeiro dia do evento foi tranquilo e que não despertou o que era esperado:
“O primeiro dia transcorreu com calma. A longa e confusa exposição filosófica de Graça Aranha
não despertou, como era de esperar pela reverência ao acadêmico, nenhuma manifestação de
desagravo por parte do público, presente para vaiar os ‘futuristas’. Quanto à música de Villa-
Lobos, a reação foi até muito respeitosa uma vez que ali solava o virtuose Ernâni Braga e outros
intérpretes que a princípio garantiam a respeitabilidade da apresentação. Até mesmo uma peça
de Erik Satie, que continha uma citação paródica da ‘Marcha Fúnebre’ de Chopin (identificado
pelos modernos aos velhos cânones musicais), não chegou a despertar maiores celeumas, por
ter sido executada pelo conhecido pianista. É que, segundo distinção feita por José Miguel
Wsinik em O coro dos contrários, os virtuoses do piano, em especial os solistas Guiomar Novaes
e Ernâni, se tornaram os pólos de atração, ao contrário dos músicos de câmara, não
individualizados e apenas uma extensão do compositor que os selecionara e convidara. Os
230
solistas eram intérpretes já integrados ao gosto dominante, tanto que a própria Guiomar Novaes
se encarregou de enviar ao Estado de S. Paulo uma carta reprovando nos seus colegas ‘a pública
exibição de peças s tiras à música de hopin’.
ezende 2006, p.40 alega que “A confusão começou no segundo dia, quando Menotti del
icchia discorreu sobre as ideias do grupo e apresentou ao público os novos escritores”. A Semana de
Arte Moderna gerou muitas polêmicas, críticas e discussões. Senna (1926, p. 12) elucidou que Graça
Aranha ficou obcecado por Mário e pelos outros inovadores da estética indígena e por isso não viu o
ridículo da semana de Arte Moderna que eles fizeram na “capital” da inteligência brasileira. Maia 1927,
p. 2) expôs que em São Paulo ocorreu a célebre Semana de Arte Moderna, a qual alimentou durante
muitos dias a veia humorística dos cronistas, sendo objeto de constantes pilherias e irreverentes chacotas.
Ele ainda explicou que não era partidário da arte moderna e que só por ser agradável ao sr. Graça Aranha
foi que se prestou a auxiliá-lo na tarefa de proporcionar ao público paulista aquela reunião de riso e de
pilheria que foi. Braga (1929, p. 9) explana que Graça Aranha foi o causador do fracasso da Semana de
Arte Moderna. Em seu discurso inaugural, ele era seguido atentamente pelo público, que às vezes
manifestava um sorriso e alguns aplausos, até ele falar sobre Carlos Gomes, paulista de Campinas,
considerado o pai do Guarany. Teria sido nessa ocasião que surgiram as vaias, tremendas e formidáveis,
que exigiram, inclusive, a intervenção policial para conter os exaltados das galerias. Contudo, não foi
somente Graça Aranha que foi vaiado; Menotti, Mario, Ronald e Oswald também foram alvejados.
Para Mário de Andrade (1924, p. 24), a Semana de Arte Moderna, comparada com outros movimentos
literários anteriores, provocou uma revolução excepcional, que movimentou o cenário monótono da
cultura nacional, e apaixonou e enlouqueceu o público que pôde prestigiar suas manifestações:
“Disparatada, sem norma, contraproducente. onfusão e c os em que orientações quasi opostas,
em vez de convizinharem, libertas umas das outras, se confundiam numa barafunda de
estardalhaço. Oh! Semana sem juízo. Desorganizada, prematura. Irritante. Ninguem se entendia.
Cada qual pregava uma coisa. Uns pediam liberdade absoluta. Outros não a queriam mais
Catilinarias. O público vinha saber. Mas ninguém se lembrava de ensinar. Os discursos não
esclareciam coisa nenhuma. Nem podiam, porquê não havia tempo: os programas estavam
abarrotados de música. Noções vagas; entusiasmo sincero; ilusão engraçada, ingenua, moça,
mas duma ridiculez formidável. Muitos de nós poderiamos nos queixar do sacrificio que
faziamos, si o sacrificio não fosse geral. A Semana de Arte Moderna não representa nenhum
triunfo, como tambem não quer dizer nenhuma derrota. Foi uma demonstração que não foi.
Realisou-se. Cada um seguiu para seu lado, depois. Precipitada. Divertida. Inútil. A culpa ê do
idealismo brasileiro que mais uma vez manifestou a sua falta de espírito pratico. Maior defeito
da alma nacional”.
231
O evento foi um momento de expressão, seja por parte dos artistas em suas performances, seja
por parte do público ou até mesmo dos escritores de jornais. Salgado (1929, p.2) descreve que o Teatro
Municipal quase foi abaixo com aplausos e assobios, entre gritos rebeldes ou reacionários. Silveira
(1926, p.1) discorre que foi na Semana de Arte Moderna que surgiu o primeiro grito de independência
da literatura brasileira, e que à sombra da inteligência de Paulo Padro o modernismo estreou com muita
vaia, muito ovo podre e muita batata. Menotti Del Picchia (Helios. Correio Paulistano, 1922, p. 4) expõe
que Ronald de Carvalho foi o querido companheiro de vaia do Thabor da Semana de Arte Moderna, do
Municipal. Epaminondas (1924, p.8) dissera que Villa Lobos foi vaiado na Semana. Inojosa (1925, p.8)
comenta que havia sido realizada a Semana de Arte Moderna e que o público os vaiava, porém eles o
perdoavam. O jornal Diario Nacional (01 de agosto de 1928) exprime que veio a Semana de Arte
Moderna e foi vaiada. Freire (1922, p.7) comenta que um grupo criou a Semana de Arte Moderna, na
qual foram vaiados, e que a intenção do grupo não era impor as obras de seus artistas, pois delas nada
era conhecido e para ser imposto o público precisava ter esse conhecimento. Rato (1923, p. 24) alega
que:
“O incidente futurista no Brasil... Esse período terrivel que vem desde meiados de 1920 até a Semana de
Arte Moderna, não foi senão uma doença grave, gravíssima, que alguns espiritos moços brasileiros
soffreram. E que febres! delírios! Houve exageros? Houve”.
Senna (1922, p. 3) comenta que, na cidade de São Paulo, foi inaugurada a primeira semana de
arte moderna e a curiosidade do público paulista pela novidade artística e literária, inventada pelos
gênios drs. Ronald Carvalho, Graça Aranha e pintor Di Cavalcanti, havia sido enorme:
“ onsistia a chamada <Semana de Arte Moderna>, em mostrar ao público os trabalhos dos
artistas Di Cavalcanti, Malfatti, Lina Aita e a litteratura futurista dos nossos moços criticos,
romancistas, poetas. O público, entretanto, percebeu a <blague> e o poeta Ronald de Carvalho
falou às massas debaixo de uma saraivada de assobios, dos adeptos do futurismo da semana do
sr. Graça Aranha. E foi isso a estréa da grande exposição de Arte Moderna, segundo o noticiario
policial dos jornaes paulistas”.
Além das críticas, vaias e ovadas, a Semana de Arte Moderna também serviu de inspiração e
incentivo. Inojosa (1926, p.8) refere que no Brasil deram o primeiro brado em 1922, em São Paulo, na
Semana de Arte Moderna, que foi uma semente que se espalhou e que Marinetti a encontraria
frutificando. Salgado (1928, p.2) alegou que foi em São Paulo, na memorável Semana de Arte Moderna,
que aconteceu o grito de liberdade contra todos os preconceitos literários do passado. Vivalva (1925,
p.31) afirma que o dinamismo estético de Graça Aranha, num belo gesto evocativo e simbólico, procurou
a Capital paulista, para soltar o brado histórico da nova redenção. Ferro (1924, p. 1) registrou que Graça
Aranha soltou o primeiro grito de guerra no espetáculo inaugural da Semana de Arte Moderna. Apontou
ainda que Elysio de Carvalho e Paulo Prado acompanharam-no, rejuvenesceram com ele no combate
contra as velhas fórmulas, contra os preconceitos. Para ele, o discurso de Graça Aranha foi o toque de
reunir para todos os brasileiros novos, aqueles que desejavam uma literatura tão moderna como o Brasil.
Ele ainda ressalta que foi em S. Paulo, depois da Semana de Arte Moderna, que o movimento atingiu a
maré-cheia. Cesar (1927, p.7) aponta que essa força nova, representada por escritores provinciais, cheios
de exuberância, teve na Semana de Arte Moderna (1922) o seu centro de irradiação por todo o Brasil. O
jornal America Brasileira (1922, p. 26) redigiu que havia realizado em São Paulo, a Semana de Arte
Moderna, a qual foi coroada com maior êxito. De acordo com o jornal, o evento contou com numerosos
artistas moços do país, desejosos de contribuir para um movimento de renovação estética no Brasil, que
com sorte tornaria a arte mais livre e mais brasileira. Expressaram que figuras de mais alta representação
da sociedade paulista emprestaram o prestígio de seu concurso a essa promissora jornada. A exposição
de artes plásticas consistiu um dos mais legítimos sucessos da semana e o magnífico acolhimento, que
teve o evento e sua repercussão em todo o país é o sintoma da força nova que representa, vencendo os
preconceitos de um conservadorismo estéril e imitador.
A repercussão da Semana de Arte Moderna alcançou o Brasil de ponta de ponta. Picchia (1924,
p.3) relata que não houve nada mais interessante no campo literário nacional. O movimento modernista,
a batalha reformadora teve seu auge na Semana da Arte Moderna. Dois anos depois, a renovação literária
rebentou no Rio de Janeiro com estrondo, a reação modernista do Recife, chefiada pelo moço Joaquim
232
Inojosa triunfava em todo norte. Na capital federal, a modernidade foi descoberta quando ela já era uma
velharia no norte e no sul do Brasil. Salgado relembra que a notícia do movimento paulista, chegou ao
Rio Grande do Sul, ateando fogo da renovação no estado. Na Capital da República, vários grupos se
formaram, todos de acordo em um ponto de vista: destruir o que era imprestável e inexpressivo do
tempo, do meio e da raça. Em Belo Horizonte, rompeu uma juventude brilhantíssima, que agia com a
orientação mais ou menos semelhante às de Mário e de Oswald. No Rio Grande do Norte, Camara
Cascudo evangelizou, doutrinou, divulgou, sem cessar. E, no Recife, Joaquim Inojosa foi um dos
pioneiros da renovação.
Barroso assentou que quando Graça Aranha retornou para o Brasil não trouxe nada de novo para
a cultura do país, mas que ele trouxe o espírito combativo, o que era bastante. O publicista não participou
do movimento, mas observou-o bem e para ele não tinha finalidade, era como todos os iniciantes
momentos revolucionários, uma tentativa de destruição. Acabar com a melodia, com o soneto, com a
rima, com as censuras, com as regras, com a gramática, com o academicismo; enfim, era uma vibração
transbordante de vitalidade da nova geração. Ele relembra que exclamavam: “ hega de servilismo! A
arte deve ser original! A arte é uma manifestação de personalidade!” Barroso, 1928, p. 2 O redator
ainda afirma que como não possuíamos uma tradição literária, um passado influente; uma civilização
própria e nacionalidade organizada, os novos foram obrigados a guerrear com material estrangeiro, mas
que depois obras como Pau Brasil, Desvairismo, Verde Amarellismo e Anta surgiram como
documentações do início de uma nova época. O colunista alega que nossos olhos já são olhos de
brasileiros e não é só no ritmo do verso, no colorido puro de nossas imagens, na expansão livre de nossos
sentimentos, na procura exata de nossas expressões. ara Barroso 1929, p.2 : “ ada poema que
apparece, cada romance que surge, cada livro de pensamento que nasce marcam sadiamente o aspecto
actual da vida brasileira no milagre immenso da civilização americana”.
Salgado relatou que A Semana de Arte Moderna foi discutida como uma queda de gabinete de
um país parlamentar e que apareceram muitos nomes novos e todos se tornaram populares. Muitas
discussões aconteceram a respeito de arte, a ponto de essas polêmicas chegarem a interessar o grande
público. Elas dividiram os escritores em numerosos grupos e desses grupos nasceram muitas ideias, que
foram exportadas para todos os estados do Brasil:
“Tivemos, inicialmente, o ‘futurismo’, que foi uma espécie de ‘quebra do padrão’. A morte do
soneto, dos períodos rebuscados, dos discursos ramalhudos, dos deuses da Grécia e dos
philologos e acadêmicos preoccupou as nossas classes cultas como acontecimentos notáveis de
‘factos-diversos’.
Iniciaram-se as experiências ‘cubistas’, ‘dadaistas’, ‘surrealistas’, ‘simultaneistas’,
‘expressionistas’. m gosto accentuado para analyses e generalizações. ultura nova, sobre
novas bases. Sentimento mais profundo de humanidade, de nacionalidade, de raça. Início de
uma nova concepção do paiz: brasilidade com sentido novo. Curiosidades despertando. Senso
de descobertas. Anseios de independência, inquietudes, dias inauguraes ‘ au-Brasil’, ‘Língua
brasileira’; ‘verdamarellismo’; ‘movimento da anta’, ‘antropophagia’” Salgado, 1929, p.2 .
Salgado (1928, p.15) comenta que, depois da renovação estética que teve seu início com a Semana
de Arte Moderna, nós nos libertamos dos preconceitos da cultura clássica e com o futurismo
liquidaríamos definitivamente esses arcaísmos:
“- o soneto;
- a métrica de Castilho;
- a collocação de pronomes;
- o parnasianismo;
- a fhrase academica;
- a rhetorica;
- a construcção portugueza”.
Salgado (1928, p.2) relembrou que despertou com a sua geração em 1922, em São Paulo, na
Semana de Arte Moderna, onde ocorreu o grito de liberdade contra os preconceitos literários do passado,
o academicismo artificioso e a mecanização dos estilos. E que desde então eles fugiram das bibliotecas
233
para ingressar no seio do povo brasileiro; eles ofereceram a liberdade bárbara de amplos ritmos
selvagens, oriundos da própria vida social relacionada com as fatalidades geográficas e econômicas e
criaram um novo sentido de humanidade brasileira chegando a uma perfeita compreensão de uma
cultura, de nacionalidade livre.
4 Conclusões
Mário Graciotti registrou que Graça Aranha alegou que, na Academia Brasileira de Letras, o movimento
modernista produziu resultados significativos. Para o colunista, o Brasil havia deixado de ser colônia há
muito tempo e era preciso se fazer a independência espiritual, pois as obras brasileiras eram feitas sob a
influência dos outros povos, portanto, era preciso nacionalizar o momento e a obra. O redator afirma
que o país necessitava de uma geração forte, que soubesse desvencilhar-se das coisas nocivas importadas
e que constituísse um caráter, profundamente nacional, que precisavam de gente que tivesse a audácia
de escolher o que prestasse e que carecia de uma geração prática e artística, cuja cultura fosse eficiente.
Graciotti (1925, p.1 explana que: “ antemos o que é nosso: as florestas e rios; o povo e as tradições; o
presente e o futuro. Não nos esqueçamos, porém, de que na espiritualidade arte, que envolve nossos
trabalhos, é mister que exista o cunho nacional e pr tico”.
A Semana da Arte Moderna foi um evento grandioso e polêmico, que contou com diversos artistas
da literatura, música, pintura e arquitetura. Nomes como Graça Aranha, Oswald de Andrade, Di
Cavalcantti foram imprescindíveis para a realização do acontecimento. Tal episódio causou agitação na
imprensa brasileira, sendo pauta de discussão entre críticos e jornalistas antes mesmo de sua realização.
Os acontecimentos da semana foram objeto de polêmica mesmo após sua realização, que ocasionou em
uma mudança no cenário brasileiro artístico.
Referências
234
Picchia, Menotti del. Chronica social: semana de arte moderna (1922). Correio Paulistano. n. 21048.
São Paulo, 7 fev. p. 5.
Rato, Borba (1923). Da terra dos Bandeirantes. D. Quixote. n. 328. Rio de Janeiro, 22 ago..
Rezende, Neide (2006). A Semana de Arte Moderna. São Paulo: Ática.
Salgado, Plinio (1929). Literatura paulista. Correio Paulistano. n. 23457. São Paulo, 20 jan. p. 2.
Senna, Terra de (1922). Bellas Artes: Semana de Arte Moderna. D. Quixote. n. 251. Rio de Janeiro, 1
mar..
Vivalva, Mário (1925). A Cruzada do Espírito Moderno. Phoenix. n. 16(A). Rio –São Paulo, abr. p. 31.
235
Unidades(s), Diversidade(s),
Identidade(s)
236
Que museu queremos em Mogadouro? Participação ativa da comunidade
no processo
237
Introdução
Problemática e conceitos
238
com a comunidade. Entretanto novas declarações do ICOM acrescentaram o fator crítico e também o
criativo no desenvolvimento das comunidades assim como a proposta de assumir o museu enquanto
agente do desenvolvimento não só das comunidades onde se instala, mas integral da região (Camacho,
2016; Mairesse, Desvallées, & Deloche, 2009; Moreira, 2021; Nogueiro, 2009). Há um sentido épico
de missão com o bem comum, com o seu estudo e conservação para a fruição e educação coletiva. Não
estranha que apesar das contínuas revisões ainda se mantenha o conceito. Na verdade, é que, com
maiores ou menores aproximações, alguns dos propósitos anunciados ainda se percebem apenas numa
realidade imaginada.
As orientações do ICOM são seguidas na definição de museu que consta na lei quadro dos Museus
de Portugal (Lei n.º 47/2004, de 19 de Agosto, entrada em vigor em Setembro de 2004). Como destaca
Camacho (2016, p.72), a definição de museu, em Portugal, tem um “teor mais vincadamente social e
comprometido com o desenvolvimento da sociedade … completada com o «fomento da
democratização da cultura», em linha com a onstituição da epública ortuguesa”, este aspeto,
sublinha a autora, está omisso noutros territórios europeus que se afastam dos valores sociais do ICOM.
Interessa ainda destacar a operacionalização da relação entre os conceitos ‘social’ e ‘museu’,
pensada e sistematizada por Marc Maure (1996), e que assenta na: Consciencialização - da comunidade
em relação à existência e valor da sua própria cultura; Num sistema aberto e interativo - abrindo o espaço
à comunidade de modo a favorecer a participação desta; No diálogo entre sujeitos - o museu incentiva
a participação ativa dos membros da comunidade, cabendo ao museólogo o papel de moderador entre
os diferentes participantes.
É, pois, neste sentido que entendemos os parâmetros desejáveis ao desenvolvimento do programa
museológico do futuro museu de Mogadouro.
No capítulo VII da lei quadro dos museus, (Lei n.º 47/2004), podemos ler no artigo 86.º, o que se
entende por ‘programa museol gico’. Destacamos no presente texto as alíneas d e e que referem: “A
formulação das estratégias funcionais, designadamente nos domínios do estudo e investigação,
incorporação, documentação, conservação, exposição e educação” e “a identificação dos públicos”.
A formulação de estratégias funcionais para o programa museológico do museu de Mogadouro,
nos domínios do estudo e investigação, incorporação, exposição e educação decorre do sistema aberto
e interativo que inclui a comunidade e favorece a sua participação. É neste contexto que destacamos a
aplicação do inquérito à comunidade que se desenvolve no capítulo 3 do presente estudo.
Apesar destes princípios estarem expostos na lei quadro e de terem já passado dezoito anos desde
a sua publicação ainda estamos longe de uma aplicação generalizada de todos os seus âmbitos de
intervenção nos museus em Portugal. No entanto trata-se inquestionavelmente de um documento ainda
inovador, conforme refere Graça ilipe 2017, p.12 , a lei quadro dos museus de 2004 “é um instrumento
facilitador da construção da(s) política(s) museológica(s) e de valorização patrimonial no universo
multifacetado e multidimensional de realidades e processos museais em ortugal”. A mesma autora
refere ainda que não identifica premência numa revisão de fundo da Lei. A recorrente fraqueza que
identifica prende-se precisamente com a urgência da sua aplicabilidade e não com a desatualização da
lei. Em especial destaca a persistência da ausência de programas museológicos assumida ainda por
muitas instituições, refere que … h todo um trabalho a desenvolver nos domínios do planeamento
estratégico e da programação museológica, com inerentes mudanças do sistema político e administrativo
do país em relação à gestão patrimonial e aos museus”. ilipe, 2017, p.15 .
A recorrente fraqueza que a autora identifica julgamos combatê-la a partir do terreno e em
conjunto com a comunidade local - público alvo que assumimos como prioritário no programa
museológico em construção. A comunidade e o território são os alicerces em que fundamentamos a
operacionalização destas duas alíneas do programa museológico, conforme se justifica nos capítulos
seguintes.
Contextualização territorial
Enquadramento sociogeográfico.
O concelho de Mogadouro localiza-se no denominado Planalto Transmontano, com exceção da
Freguesia de Castro Vicente, situada no extremo Noroeste, separada pelo Rio Sabor. O Rio Douro define
239
a fronteira, em toda a sua passagem pela área geográfica de Mogadouro, com a província espanhola de
Castela-Leão. Mogadouro assume uma posição radial na região do Nordeste Transmontano, tendo como
vizinhos os municípios de Torre de Moncorvo, Vimioso, Alfândega da Fé, Macedo de Cavaleiros e
Miranda do Douro. O atual concelho foi formado aquando das reformas administrativas liberais, o
decreto de 06/11/1836 (Tomás & Valério, 2019, pp 284-286), anexa os antigos concelhos de Azinhoso,
Bemposta, Penas Roias e algumas freguesias que pertenciam a Moncorvo e Algoso, cedendo para Freixo
de Espada à Cinta a freguesia de Lagoaça. Por decreto de 24/10/1855 é integrada a Freguesia de Castro
Vicente, concelho extinto em 1836 e anexado a Alfandega da Fé (Tomás & Valério, 2019, pp 284-286).
Com uma área geográfica de 760,6 km2 e atualmente composto por 17 Freguesias e 4 Uniões de
Freguesia após a reorganização administrativa de 2013 (Tomás & Valério, 2019, pp 284-286).
O Município de Mogadouro, tal como os circunvizinhos, enfrenta uma realidade demográfica que
tem vindo a agravar-se, com um número decrescente da população. Os dados provisórios dos Censos de
2021, em relação aos Censos de 2011, indicam uma diminuição significativa da população num número
dos 1241 indivíduos, verificando-se um aumento ligeiro na população no grupo etário dos 65 anos e
mais (Censos, INE 2021). Esta realidade, não inerente apenas a Mogadouro, é particularmente gravosa
para as populações do interior, porque, embora o seu sector primário esteja em relativa estabilidade, não
se consegue fixar população no interior devido ao escasso tecido industrial, que é um dos principais
empregadores do nosso País. Assim, na falta de oportunidades de trabalho é normal o crescente êxodo
da população, aliado à redução do número de nascimentos. Não foi, no entanto, uma realidade intrínseca
em todos os períodos históricos. A crescente, embora lenta e esporádica, investigação histórica e
arqueológica, tem contribuído para uma mudança no paradigma interpretativo sobre a ocupação humana
neste nosso território.
Do vasto e diversificado património cultural material e imaterial patente neste território
destacamos os cerca de 15 monumentos megalíticos, ou mamoas, que marcam a paisagem do planalto e
os 25 povoados fortificados com ocupação desde da Idade do Ferro (consulta do documento interno -
Carta Municipal do Património Cultural), distribuídos de forma organizada sobre as Arribas do Douro
e nas margens do Rio Sabor e na área central. São relevantes também os inúmeros vestígios romanos
que indiciam uma economia baseada na oliveira, no vinho, na produção de linho e na exploração mineira
(Marcos, 1998). Existem aproximadamente 60 templos religiosos, entre igrejas paroquiais, conventuais,
capelas e ermidas (cf. documento interno do município - Carta Municipal do Património Cultural),
muitos destes templos ainda conservam no seu interior e na sua composição arquitetónica um relevante
testemunho das diferentes correntes artísticas, desde do românico no contexto medieval ao período
contemporâneo. Este património, expressão material de um povo, possui exemplares com proximidade
e influência dos grandes centros artísticos, não descurando a “inocente” produção popular, que expressa
as diversas influências artísticas na região.
propósito deste artigo não é descrever nem traçar a linha cronológica da ocupação humana neste
território. Nestas linhas, e de forma sucinta, procuramos destacar a significância de determinados
períodos históricos, como o domínio destas terras pelo Templários, ou depois pela família Távora, e a
chegada da Ordem Terceira Regular de São Francisco, que permitiram às comunidades locais, direta ou
indiretamente, com ou sem perceção, o contacto com contextos socioeconómicos externos. Destacamos
também a relevância das rotas comerciais, expressa no património civil, como pontes calçadas e
testemunhos toponímicos. E é na imperiosa função de conhecer, preservar e divulgar todo este
património cultural, (que é sempre uma inspiração, sublinhamos aqui o significado primordial de museu
– casa das musas), para a união entre todas as comunidades que lutam pela preservação e
desenvolvimento do seu território, que o futuro Museu de Mogadouro deve assumir um papel relevante.
Na década de 80 do século XX, deram-se os primeiros passos para a criação de um espaço museológico,
com o propósito de garantir a preservação da memória e do património cultural mogadourense, do qual
resultou a abertura da Sala Museu de Arqueologia do Município de Mogadouro.
A Sala Museu de Mogadouro, cujo o mentor foi Domingos Marcos, surge na necessidade de ser exposto
o espólio recolhido aquando das primeiras campanhas arqueológicas, promovidas pelo próprio, com a
colaboração de Francisco Sande Lemos e também de promover junto da comunidade mogadourense os
240
resultados das campanhas arqueológicas de Maria de Jesus Sanches. Foi Domingos Marcos quem apelou
à emergência de um espaço para expor todo o espólio exumado das escavações arqueológicas. A Sala
Museu de Arqueologia evitou que os conjuntos de peças provenientes de Pradinhos - Castro Vicente e
Salgueiral - Mogadouro, não se dispersassem.
O Município de Mogadouro, nos últimos anos, tem vindo a promover projetos de investigação e
valorização do Património Cultural existente na sua área geográfica. Destacamos o projeto de
“Investigação e Valorização do astelo dos Mouros de Vilarinho dos Galegos, Mogadouro, (Norte de
ortugal ”, sob direção científica de Ant nio Dinis Dinis & Gonçalves, 2014 . Este projeto teve
continuidade na fase seguinte, a fase de conservação e valorização. Com o propósito de alargar o seu
espectro geográfico, e com a sua integração numa rede inter-regional e transfronteiriça dos Castros, o
futuro Museu de Mogadouro irá assumir a posição de base para o desenvolvimento e ponto de partida
para rotas de temáticas diversas sobre o nosso Património Cultural.
O novo Museu de Mogadouro irá substituir a atual Sala Museu de Arqueologia, que com as novas
instalações poderá contribuir significativamente para uma maior dinamização cultural e,
consequentemente, para o aumento qualitativo da oferta do turismo cultural do concelho de Mogadouro
e mormente para uma maior aproximação da comunidade à sua “mem ria coletiva”, sendo esta o
elemento identitário e caracterizador do ser transmontano cidadão europeu.
No ano de 2002, foi doado ao Município de Mogadouro um prédio urbano, com os seus anexos,
para albergar as instalações de um novo museu, pela família, do já falecido Dr. Alves, um dos primeiros
farmacêuticos a instalar-se na Vila de Mogadouro. A intenção manifestada pelo antigo farmacêutico foi
respeitada e materializada com assinatura da escritura de doação no dia 13 de Setembro de 2002, pela
sua mulher, Teresa Manuela Gomes Coutinho, também ela farmacêutica, que legou ao Município de
Mogadouro o espólio da sua farmácia, para que, se assim o entendessem, fosse integrado no núcleo
expositivo, conforme foi lavrado na acta n.º 17 de 2002 da autarquia de Mogadouro.
A Zona Histórica de Mogadouro (ZHM) tem vindo muito lentamente a tornar-se atrativa, para
quem nela queira residir ou estabelecer o seu negócio. Com um elevado número de edifícios degradados
e desabitados esta realidade do parque edificado pode estar a contribuir para uma mudança lenta e pouco
potenciadora. O Património Cultural edificado existente é um dos polos mais relevantes da ZHM, pois
permite que se mantenha um fluxo turístico, com visitantes que procuram conhecer e vivenciar
experiências positivas, não obstante existirem focos de degradação e abandono. Como forte contributo
para interverter o processo de abandono da ZHM, torna-se necessário promover a revitalização do
edificado existente, habitacional (e aqui algumas das casas existentes poderiam ser convertidas para
habitação social) e funcional, na premissa do respeito pela área envolvente em simbiose com as
necessidades atuais de habitabilidade e normas de segurança seja qual for o fim a que se destina o espaço
reabilitado ou requalificado.
O edifício situa-se na em plena Zona Histórica, dentro da área non aedificandi, estabelecida pela
zona especial de proteção do Castelo de Mogadouro, Portaria de 15-11-1965, publicada no DG, II Série,
n.º 29, de 04-02-1966, pelo que, o projeto arquitetónico do Museu terá de respeitar a volumetria do
existente, num claro compromisso com o de respeito e de exemplo para os residentes da ZHM.
Considerando o espólio arqueológico existente e o enquadramento espacial da Casa Dr. Alves, o
futuro Museu de Mogadouro permite relacionar e perceber os processos de ocupação do território desde
a Pré-história até aos nossos dias. Em termos simbólicos, a centralidade do futuro edifício do museu,
localizado no que terá sido o espaço da génese de Mogadouro, permitirá no desenvolvimento do seu
discurso que discorre entre os aspetos da história, das tradições e da sua cultura, construir a narrativa
identitária, que a comunidade mogadourense considere mais relevante, respeitando a pluralidade de
opiniões expressas no inquérito a decorrer.
Neste sentido, pretende o Município de Mogadouro, que o Museu de Mogadouro tenha a missão
de promover o conhecimento e a reflexão sobre a nossa memória coletiva, com um natural enfoque sobre
o território geográfico do atual concelho de Mogadouro, privilegiando ações que visem a preservação,
a comunicação e expressão do Património Cultural das diferentes épocas e povos que contribuíram para
o nosso legado cultural comum.
Considerando a riqueza patrimonial arqueológica, de arte sacra, etnográfica e histórica do
concelho e da região, o Município de Mogadouro assumiu a posição de criar as condições necessárias à
integração do futuro espaço museológico na Rede Nacional de Museus, por forma a criar um espaço
241
contínuo de apoio a toda a região, contribuindo para a proximidade com a comunidade, o
desenvolvimento da oferta turística e a promoção de atividades culturais.
Metodologias
Conforme ficou descrita, a variedade natural e cultural, arqueológica e artística do território constitui a
base da narrativa expositiva do futuro museu de Mogadouro. Tendo em conta a descrição
sociogeográfica do concelho assumimos a comunidade local como o público-alvo prioritário no serviço
à sociedade que o programa museológico nesta fase define.
Das diversas abordagens metodológicas possíveis em ciências sociais, (Richardson, R., Peres, J.,
Wanderley, J., Correia, L., & Peres, M. 1985; Hesse-Biber, S.; Leavy, P. 2011), é a aplicação de um
inquérito à comunidade a que melhor se adapta no processo em construção do museu de Mogadouro
agora em desenvolvimento. Trata-se de uma ferramenta largamente aplicada em museus, no âmbito
nacional destacamos a obra de Semedo, A., Ganga, R., & Oliveira, C. (2018), que constituiu uma leitura
determinante para o presente estudo, pois está contextualizado igualmente no território norte do país e
explora alguns dos conceitos agora aplicados também em Mogadouro. A abordagem qualitativa dos
inquéritos permite-nos aproximar das expectativas, opiniões, motivações e construções de significado,
que queremos auscultar junto da comunidade. O inquérito é antecedido pelo obrigatório consentimento
informado que afeta o uso exclusivo dos dados ao estudo em curso, bem como, pelo registo de
identificação de dados sociogeográficos dos inquiridos.
A problemática assumida nos inquéritos assenta nos temas a integrar no discurso museológico do
futuro museu de Mogadouro. O inquérito foi escrito apenas em português pois tem como público-alvo
a comunidade local. O tempo estimado para o seu preenchimento varia entre os 10 e 15 minutos. As
questões do inquérito foram construídas a partir da análise da literatura e foram organizadas em torno a
quatro áreas temáticas: Práticas Culturais; Atores locais; Ocupação e organização do território;
Exploração do território. Os temas introduzem as quatro questões colocadas: 1. Qual a importância das
tradições locais no futuro Museu de Mogadouro? 2. Que importância atribui à presença dos atores locais
(coletivos e individuais) no futuro Museu de Mogadouro? 3. Que aspetos da ocupação e organização do
território considera que devem estar representados no futuro Museu de Mogadouro? 4. Que aspetos da
exploração do território considera que devem estar representados no futuro Museu de Mogadouro? Para
cada uma das questões foram definidas seis possíveis respostas, bem como foi deixada a possibilidade
de serem acrescentadas outras propostas além das descritas. Para a primeira questão relativa às práticas
culturais as propostas descritas são: Máscaras, Chocalhadas, Serra das Velhas; Música e dança
tradicional; Procissões e romarias religiosas; Recreações, teatro comunitário; Lendas; Gastronomia
tradicional. Para a segunda questão sobre os aspetos sociais as respostas sugeridas são: Família Távora;
Templários, (Ordem de Cristo), Mogadouro e Penas Roias; Judeus conversos (Cristãos Novos);
Trindade Coelho; Frades Franciscanos (TOR) e o Convento em Mogadouro; Santa Casa da
Misericórdia, Confrarias religiosas. Para a terceira questão relativa à ocupação humana do território são
feitas as seguintes propostas: Ocupação pré-histórica; Povoados fortificados, (castros); Ocupação
romana; Forais; Castelo, muralhas; Vias de comunicação. Por último, na quarta questão relativa à
exploração do território foram expostas propostas seguintes: Caça, pesca, recolha de espécies silvestres;
Práticas agrícolas tradicionais; Explorações mineiras; Práticas tradicionais de transformação de matérias
primas (tecelagem, olaria, saúde); Feiras e mercados; Contrabando. Todas as perguntas permitem
acrescentar temas não incluídos nas propostas do inquérito. No final das quatro perguntas uma caixa de
reflexão permite incluir qualquer proposta ou sugestão que não esteja contemplada em nenhuma das
áreas temáticas definidas. A escala em que podem ser avaliadas as propostas varia entre os parâmetros:
Nada importante; Pouco importante; Importante; Muito importante; Importantíssimo. Propositadamente
excluímos a hipótese não sei\não respondo, assim como foi propositado o uso do superlativo sintético
absoluto como limite máximo da escala. Tratando-se de um inquérito que pretende perceber a
implicação emocional da comunidade com a sua própria cultura julgamos desnecessária a hipótese
neutra e consideramos relevante a expansão do espectro no envolvimento emocional até ao superlativo.
242
Terminado o período de preenchimento do inquérito a análise das respostas permitirá reajustar as
narrativas propostas e definir, em conjunto com a comunidade, o discurso expositivo do futuro museu
de Mogadouro.
5. Conclusões\Reflexão final
O presente estudo tem por principal objetivo a divulgação da transparência do programa museológico
em curso sob o protocolo assinado em 2022 entre a Câmara Municipal de Mogadouro e o Instituto
Politécnico de Bragança. Porque a transparência do processo é determinante no compromisso social
com a comunidade e como base do princípio da participação que fundamenta um programa de
desenvolvimento social, que conforme ficou exposto está subjacente ao conceito de museu.
O inquérito “Que museu queremos em Mogadouro?” convoca a comunidade a refletir sobre o
valor da sua própria cultura, mas sobretudo a ser participante na construção do futuro Museu de
Mogadouro. O tratamento dos dados do inquérito, após o término do prazo determinado para permitir o
seu preenchimento, criará a base da narrativa do museu que será sempre um processo em construção.
Assumindo a transparência do processo como bandeira, cumpre-nos ainda referir o próximo passo
que consolidará no território o compromisso social que nos move na execução do programa museológico
em curso. Seguindo os princípios de atuação do desenvolvimento local, conforme refere Carmo (2014),
depois do princípio das necessidades sentidas e da participação, é o princípio da cooperação que se
assume como imperativo de eficácia nos projetos de desenvolvimento comunitário, a partir da
colaboração entre o sector público e o sector privado. A colaboração entre o sector público e o sector
privado e o Museu de Mogadouro pretende criar no território a necessária rede capaz de potenciar a
capacidade de resposta no estudo, conservação e divulgação do património cultural e natural de
Mogadouro. Existem já redes, desde logo entre o Município de Mogadouro e o Instituto Politécnico de
Bragança, mas também com a Direção Regional da Cultura Norte e com o Museu D. Diogo de Sousa.
Os museus vizinhos de Miranda do Douro, Torre de Moncorvo, Freixo de Espada à Cinta, Macedo de
Cavaleiros, Bragança, assim como do espaço transfronteiriço de Aliste, Zamora e Salamanca são
parceiros prioritários. Mas a colaboração com os agentes que operam no concelho é a primeira a ser
trabalhada. Assim, primeiro serão convocados os agentes de cultura, do turismo, hotelaria, restauração
e desporto de modo a abranger âmbitos tão diversos que nos permita incluir comissões fabriqueiras (que
zelam no terreno pela conservação do património religioso), bem como agentes de desenvolvimento
desportivo (que zelam no território pela boa conservação do ambiente), sem esquecer, obviamente, a
restauração e a hotelaria (que zelam pela boa conservação do património gastronómico e arquitetónico).
A prática da conservação do património, entendido como campo expandido, é já pois uma realidade
assumida coletivamente com a qual o museu comunga e colaboradora. Pretende-se que o futuro museu
de Mogadouro se venha a construir, conforme descreve Roser Masachs (2003), como um espaço comum
de carácter simbólico, quer a nível cognitivo quer emocional, assumindo-se como lugar idóneo para a
comunicação e o desenvolvimento das relações humanas. Cumprindo uma função social, propiciará a
comunicação entre diferentes elementos sociais estimulando a identidade cultural conjunta, gerando
experiências comuns, favorecendo a cooperação e comportando-se como agente de socialização,
beneficiando a construção de uma identidade coletiva de todos os cidadãos em torno ao conhecimento,
à valorização e à implicação ativa com o seu espaço.
Referências
Camacho, C. F. (2016). A dimensão social dos museus em sistemas de credenciação europeus. Revista
Património, 4, 70-76.
Carmo, H. (2014). Desenvolvimento comunitário [Projeto Acessibilidades]. Universidade Aberta
Dinis, A.P. & Gonçalves, E.C. (2014). Projeto de investigação e valorização do Castelo dos Mouros de
Vilarinho dos Galegos, Mogadouro: ponto de situação. In A. Dinis (Orgs), Atas de I Encontro
de Arqueologia de Mogadouro (pp. 51-78). Mogadouro: Município de Mogadouro.
243
Filipe, G. (2017). A implementação da Lei-Quadro dos Museus Portugueses. Boletim ICOM Portugal,
(10), 12-17.
Hesse-Biber, S.; Leavy, P. (2011). The practice of qualitative research, 2.ª ed. London. Sage
Publications.
Instituto Nacional de Estatística (2021). Dados provisórios Censos 2021. Acedido em 08-07-2022.
Disponivel em https://www.ine.pt/scripts/db_censos_2021.html
Lei-Quadro dos Museus Portugueses (2004), Lei n.º 47/2004, de 19 de agosto. Diário da República. 1.ª
série-A, n.º 195, pp. 5379-5394.
Mairesse, F., Desvallées, A., & Deloche, B. (2009). Conceptos fundamentales de la museología. Icofom
Studies Series (ISS), 38, 91-128.
Marcos, D. S. (1998). Catálogo dos Monumentos e Sítios Arqueológicos do Planalto Mirandês. Revista
Brigantia, Vol. XVIII – n.º 1/2, 27-111.
Masachs, R. (2003). Aprender arte en la ciudad, sensibilizar hacia el respeto y la valoración del
patrimonio urbano. In Masachs, R. C. (Coord.), Arte para todos: Miradas para enseñar y
aprender el patrimonio, (p. 103-136). Gijón: Trea.
Maure, M. (1995). La nouvelle muséologie–qu’est-ce-que c’est. Icofom Study Series (ISS), 25, 127-
132.
Moreira, F. (2021). Os museus enquanto instrumentos de progresso e de desenvolvimento. In Primo, J.
& Moutinho, M. (Ed.). Teoria e prática da Sociomuseologia. Lisboa. Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias (pp. 475, 489)
Município de Mogadouro (1992). Acta Número 17/02, da reunião de 09 de julho de 2022. Livro de Atas
das reuniões do executivo municipal. Mogadouro
Nogueiro, E. (2009). Museu Militar de Bragança: Fundação; Práticas Museológicas. Dissertação de
Mestrado em Museologia. Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Porto. Portugal. pp.
8 -75.
Richardson, R., Peres, J., Wanderley, J., Correia, L., & Peres, M. (1985). Pesquisa social: métodos e
técnicas. São Paulo. Atlas.
Semedo, A., Ganga, R., & Oliveira, C. (2018). Visitar Museus e Monumentos: Um estudo piloto de
fatores motivacionais. Porto. Faculdade de Letras. CITCEM – Centro de Investigação
Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória.
Tomás, A., Valério, N. (2019). Autarquias locais e divisões administrativas em Portugal 1836 – 2013.
Acedido em 08-07-2022. Disponível em: https://www.repository.utl.pt/handle/10400.5/19157
244
Relações Internacionais,
Ciência Política,
Administração
245
Sustentabilidade e marketing: estratégias de marketing aplicadas ao
marketing verde e perceções do consumidor
Abstract. Due to the importance of the sustainability theme nowadays, the present study
approaches the strategies and concepts associated with green marketing. Topics such as
segmentation, identifying sustainable market segments, marketing-mix management, and
communication challenges regarding the relationship between consumers' willingness to
pay more and sustainability are addressed. The present study aims to analyse the
perceptions and availability of consumers to purchase sustainable products and adopt the
inherent causes of sustainability. The study highlights the sociodemographic profile of
those who adopt sustainable practices in their daily lives. The analysis and treatment of the
primary data collected (n=74) focus on a univariate and multivariate descriptive analysis.
From the results obtained, and for the present sample, it is possible to conclude that there
is a high predisposition and positive attitude regarding the purchase of products that are
said to be environmentally friendly. Furthermore, on the one hand, gender influences the
degree of concern for the environment and the belief that our actions have an impact on
climate change, on the other hand, the level of education and age have no influence on
attitudes and beliefs towards the environment.
Keywords: Green marketing, Greenwashing, Sustainability.
246
Introdução
Nos dias de hoje os consumidores preocupam-se muito mais com a sustentabilidade ambiental do que
antes. De acordo com o relatório Healthy & Sustainable Living – A Global Consumer Insights Project
(GlobeScan, 2019), as questões relacionadas com o meio ambiente estão entre as principais
preocupações dos portugueses, apenas ficando atrás da preocupação em relação à pobreza extrema no
mundo. Os governos de todo mundo estão a fazer diversos programas para combater as alterações
climáticas. Em Portugal, temos o exemplo do Portugal 2030 cujas alterações climáticas são um dos
pontos tratados no programa.
A sustentabilidade ambiental tornou-se um tema central de debate na sociedade, quer a nível
nacional, quer a nível global. Assim sendo, as marcas têm vindo a adotar, cada vez mais, estratégias de
marketing verde. É difícil nomear uma marca de roupa que, neste momento, não tenha pelo menos uma
coleção posicionada no mercado como sendo sustentável, marcas de carros que não tenham uma gama
de veículos elétricos ou então grandes multinacionais que não tenham um programa de responsabilidade
social que não passe pela sustentabilidade ambiental. Em todos os setores de atividade conseguimos ver
sempre empresas que aplicam, de alguma forma, estratégias de marketing verde.
Estudos mostram que há uma lacuna entre a intenção das pessoas de viver de forma saudável e
sustentável e o seu comportamento efetivo (GlobeScan, 2019). O presente estudo pretende perceber este
fenómeno e contribuir com a adaptação dos conceitos de marketing ao marketing verde. Pretende-se
compreender e aprofundar este fenómeno, estudando a sensibilidade e disponibilidade do consumidor
para adquirir os nomeados produtos ecológicos ou verdes e adotar as causas da sustentabilidade, por
inerência. O estudo destaca o perfil sociodemográfico daqueles que adotam práticas sustentáveis no seu
quotidiano.
O artigo procede da seguinte forma. Em primeiro lugar, aprofunda o conhecimento sobre o tema
marketing verde e o marketing-mix. Em segundo lugar, apresentam-se os métodos implementados neste
estudo e esclarece-se o processo de recolha de dados, examinando e discutindo os resultados obtidos.
Por fim, são tiradas conclusões e implicações para futuras pesquisas.
Revisão de literatura
247
A segmentação de mercado divide um mercado em fatias bem definidas, sendo que um segmento
de mercado consiste num grupo de clientes que partilham um conjunto semelhante de necessidades e
desejos (Kotler & Keller, 2019). De acordo com Kotler e Keller (2019), podemos realizar a segmentação
do mercado de acordo com variáveis geográficas (países, cidades, distritos, bairros e outras unidades
geográficas), variáveis demográficas (idade, fase da vida, sexo, rendimentos, geração, cultura, entre
outros) e variáveis psicográficas, onde os consumidores são divididos em diversos grupos com base em
traços psicológicos/de personalidade, estilos de vida ou valores. Por fim, Kotler e Keller, (2019) ainda
apontam a segmentação comportamental como outra possibilidade. Na segmentação comportamental,
os consumidores são divididos em grupos segundo o seu conhecimento, atitude, uso ou reação a um
produto.
Vários estudos foram analisados de modo a definir diferentes segmentos no mercado em relação
à sustentabilidade. Em termos da segmentação demográfica não existe consenso em até que ponto existe
relação entre a idade, o sexo, a escolaridade e a atitude ou comportamentos em relação ao meio ambiente
(Do Paço et al., 2009). A preocupação de identificar e entender quem é o consumidor verde e quais são
as suas características teve início da década de 1970. Havia a crença de que o perfil do consumidor verde
seriam mulheres jovens, com rendimentos mais elevados, que viviam em áreas urbanas e que tinham
um nível de escolaridade mais elevado, no entanto nunca chegou a haver um consenso sobre este perfil,
visto que muitos outros estudos encontraram pouca relação com as características demográficas (Pivetta
et al., 2020).
Alguns autores propõem a segmentação dos consumidores sustentáveis em características
psicogr ficas. São estes: 1 “The uncommitted” que são indivíduos normalmente dos 18 aos 34 anos
cuja escolaridade é relativamente alta (ensino secundário e superior) com um rendimento entre os 500 e
1000 € e vivem em ambientes urbanos; 2 temos também o “The green activists” segmento composto
por indivíduos dos 25 aos 34 anos e dos 45 aos 54 anos, formado por pessoas com um alto nível de
escolaridade, trabalham normalmente em empregos mais qualificados e têm um nível de rendimento
mais elevado; 3 por fim, temos os “The undefined”, segmento composto por indivíduos com maior
idade e níveis de escolaridade menores do que outros segmentos (Do Paço et al., 2009). Outros autores
propõem uma segmentação similar. Kotler e Keller (2019) propõem a seguinte segmentação do mercado
da sustentabilidade: 1 “Genuine greens”, segmento composto por indivíduos com uma atitude de maior
ativismo; 2 “Not me greens”, segmento que expressa atitudes muito favoráveis à defesa da ecologia,
mas que, no entanto, não tem muita ação e atitudes; 3 “Go-with-the-flow greens”, que são um público
que pratica algumas pr ticas ambientais, mas apenas as mais f ceis. 4 “Dreams greens”, segmento que
se preocupa muito com o meio ambiente, mas parece não ter o conhecimento ou os recursos necessários
para agir; 5 “Business first greens”, este segmento entende que o meio ambiente não é uma
preocupação tão importante assim e as empresas estão a fazer a sua parte para ajudar; (6) por fim, os
“Mean Greens”, segmento que se diz informado sobre as questões ambientais, mas não expressa atitudes
ou comportamentos em defesa da ecologia.
Produto
Numa estratégia de produto verde o objetivo é desenvolver um produto que seja o menos prejudicial
possível para o meio ambiente (Sharma, 2021). De modo que uma empresa consiga criar uma oferta
sustentável é preciso inovação, que pode acontecer quer no design do produto, como na embalagem,
quer noutros processos de marketing (Sharma, 2021). Ao nível da embalagem é benéfico na ótica da
sustentabilidade que a embalagem excessiva seja removida, ou então que se use materiais recicláveis
(Solaiman et al., 2015). Alguns autores ainda avisam que um produto sustentável, é um produto que é
sustentável não apenas nos materiais pelo que é composto, mas sim pelo conjunto de muitas outras
variáveis, como por exemplo, o processo de produção e a embalagem (Mahmoud, 2018). Outros autores
propõem que se adote o conceito dos 5R (reparar, recondicionar, reutilizar, reciclar e remanufaturar)
(Abzari et al., 2013). Em suma, um produto verde tem de ser sustentável no seu processo produtivo, os
materiais devem ser recicláveis ou que causem o mínimo dano possível no meio ambiente, a embalagem
deve ser minimizada ao estritamente necessário de modo a reduzir o lixo e o desperdício e ,por fim, o
produto deve ser mantido em circulação no mercado o máximo de tempo possível até não dar mais para
248
reutilizar, reparar ou recondicionar acabando assim por reciclar o produto e aproveitar algumas partes
do mesmo para produzir outros produtos.
Comunicação
O objetivo da promoção no marketing verde é a mesma do marketing “tradicional”, ou seja, promover
e valorizar o produto, neste caso a promoção de produtos verdes (Sharma, 2021). Os rótulos verdes, ou
os certificados de sustentabilidade são uma mais-valia, principalmente para aqueles consumidores que
possuem uma inclinação para comprar produtos verdes, mas que ainda não tomaram a decisão (Sharma,
2021). Quando estamos a planear a estratégia de comunicação no âmbito do marketing verde temos de
ter cuidado para que os consumidores não entendam que a empresa está a fazer greenwashing, os
objetivos devem ser muito bem definidos (Solaiman et al., 2015). Os marketers têm tido um grande
problema na parte da comunicação verde visto que os consumidores não confiam numa empresa quando
esta diz ser sustentável (Solaiman et al., 2015). Uma boa forma de ultrapassar este problema passa por
usar rótulos verdes, pois os consumidores confiam mais nos rótulos de empresas ou organizações
externas do que na publicidade da própria marca.
Distribuição
Na distribuição, tornar a oferta mais sustentável passa por reduzir a pegada carbónica inerente ao
processo logístico (Solaiman et al., 2015). São atividades logísticas o processamento de pedidos, a
armazenagem, a gestão de stock e o transporte (Kotler & Keller, 2019). É proposto pelos autores que os
retalhistas têm parte da responsabilidade na verificação das mensagens das marcas que dizem que os
seus produtos são sustentáveis (Solaiman et al., 2015). De modo a diminuir o impacto da distribuição
no meio ambiente, existem algumas ações que se pode tomar, são estas: (1) desenvolver um método de
distribuição centralizada que crie vantagens para o meio ambiente, como por exemplo, o decréscimo do
número de veículos em circulação e a diminuição do número de remessas; (2) ter um conjunto de
políticas que permita diminuir a poluição dos veículos que transportam os produtos; (3) fortalecer a
consciência ambiental nas empresas e nas partes envolvidas do contrato de transporte (Abzari et al.,
2013). Outros autores ainda propõem (4) ao invés de se comercializar um produto importado para um
determinado país pode-se licenciá-lo para produção local, diminuindo assim as grandes distâncias que
os produtos fazem, acabando por haver um impacto positivo nas emissões de CO2 (Solaiman et al.,
2015). Em suma, a logística é a atividade da distribuição que causa mais impacto no meio ambiente e,
para conseguirmos reduzir o impacto que esta atividade tem no meio ambiente, temos de reduzir ao
máximo o número de veículos em circulação, temos de ter meios de transporte que sejam mais eficientes
e, por fim, devemos privilegiar a produção local de modo a reduzir a distância entre o produtor e o
distribuidor.
Preço
De acordo com o Healthy & Sustainable Living – A Global Consumer Insights Project (GlobeScan,
2019), 57% dos portugueses dizem estar dispostos a pagar mais por produtos amigos do ambiente, no
entanto, cerca de 75% dizem que as empresas não deveriam cobrar tanto por produtos sociais ou
ecologicamente responsáveis e 74% dizem que as empresas deveriam fornecer produtos mais acessíveis
de modo a facilitar uma vida mais saudável e sustentável. Ou seja, a maioria dos portugueses dizem
estar dispostos a pagar por um produto sustentável, mas não veem a prática das empresas estarem a
cobrar mais por produtos verdes com bons olhos.
Os produtos verdes têm sido comercializados no mercado com um preço superior aos produtos
“normais”, isto acontece devido aos custos acrescidos com a modificação dos processos produtivos ou
de reciclagem, mas também porque as empresas têm a perceção que os consumidores estão dispostos a
pagar mais por um produto verde (Solaiman et al., 2015). Existe uma discrepância entre o que os
consumidores dizem e aquelas que são de facto as ações do consumidor (Solaiman et al., 2015). Os
consumidores dizem estar dispostos a pagar mais por produtos verdes, mas as suas ações dizem o
contrário (Solaiman et al., 2015). A maioria dos consumidores só estará disposto a pagar um preço
premium se existir a perceção da existência de valor adicional no produto (Mahmoud, 2018). O facto do
produto ser verde é algo que acrescenta valor, mas esse não será o fator que vai ser determinante para a
compra do produto (Mahmoud, 2018). Um preço mais elevado cria barreiras em relação ao crescimento
249
dos produtos verdes e influencia a disposição do consumidor em pagar pelos produtos verdes
(Firdiansyah et al., 2021).
Em suma, é necessário ter cuidado quando estamos a definir o preço, pois os consumidores não
estão efetivamente dispostos a pagar mais por um produto cuja única característica diferenciadora seja
a sustentabilidade. De modo a cobrarmos um preço mais elevado devemos criar outras características
diferenciadoras, seja através do design, performance superior, funcionalidades, sabor entre outras
(Mahmoud, 2018).
Estudo empírico
Objetivos e metodologia
O presente estudo tem como objetivos perceber as atitudes do público-alvo em relação à
sustentabilidade, hábitos de compra e consumo de produtos sustentáveis. Procurando ir de encontro aos
objetivos delineados, utilizaram-se, na presente investigação, dois tipos de fontes: primárias e
secundárias. No que respeita às fontes primárias, para a recolha de dados foi usada a técnica amostral
por conveniência e utilizado o inquérito por questionário, aplicado on-line. A estrutura do questionário
é constituída por questões diversas incluindo: caracterização sociodemográfica, nível de preocupação e
opinião sobre o impacto da ação humana sobre o meio ambiente, hábitos e comportamentos de compra
de produtos sustentáveis. Para a análise do perfil sociodemográfico do inquirido são utilizadas três
variáveis (sexo, idade e habilitações literárias) que se incluem entre as mais tratadas em estudos
académicos similares.
Os dados obtidos foram analisados nos programas estatísticos Jamovi, a partir de métodos de
estatística univariada e multivariada. A Tabela 1 sintetiza os principais elementos metodológicos deste
estudo.
250
Ensino pós-secundário 3 4.1
Licenciatura 36 47.3
Pós-graduação/mestrado/doutoramento 15 20.3
Fonte: Elaboração própria.
elativamente à questão “Numa escala de 1 a 10, quão preocupado (a) está com a sustentabilidade
ambiental?”, onde 1 representa nada preocupado e 10 extremamente preocupado, o número de inquiridos
que deram respostas entre 7 e 10 representam maioria das respostas (78.5%), ou seja, a maioria dos
inquiridos estão preocupados com a sustentabilidade ambiental (Figura 1). A moda foi de 8.
15
10
5
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Fonte: Elaboração própria.
Quanto à questão “Numa escala de 1 a 10, que valor atribui ao impacto das suas ações nas
alterações climáticas?”, onde 1 representa nenhum e 10 elevado, 67.6% assinalou de 7 a 10,
considerando que as suas ações têm impacto na questão das alterações climáticas.
Em média, os inquiridos avaliam a preocupação com a composição química dos tecidos em 6,47.
A maioria dos inquiridos deu respostas entre o 7 e o 10 (52,7%) o que significa que a maioria dos
respondentes se preocupa bastante com a composição química dos produtos. Relativamente à
importância dada à produção nacional/local dos produtos que adquire, as respostas positivas (7-10)
representam a maioria das respostas (70.2%). A média das respostas é 7,18. Quanto à importância dada
à sustentabilidade ambiental de uma marca, as respostas positivas (7-10) representam a maioria das
respostas (71.6%). A média das respostas é 7.36.
Na Figura 2 apresenta-se a elevada predisposição e atitude positiva quanto à compra de produtos
ditos amigos do ambiente. Com efeitos, em ambas as questões, a maioria dos inquiridos respondeu sim,
ou seja, a maioria dos inquiridos acredita que as compras de artigos resultantes de técnicas de produção
251
sustentável fazem parte da solução e estes estão também dispostos a pagar mais por um produto amigo
do ambiente.
A partir da Tabela 4 podemos concluir, com um nível de significância de 5%, que as mulheres
estão mais preocupadas com a sustentabilidade ambiental e entendem que as suas ações têm um impacto
no meio ambiente. Quanto às outras questões, não podemos afirmar que sejam significativamente
influenciadas pelo sexo.
O Teste Kruskal-Wallis, uma versão não paramétrica do teste anova one-way, foi aplicado para
averiguar se a idade tem influência sobre as diferentes variáveis (Tabela 5).
252
O Teste de Kruskal-Wallis mostra não existirem diferenças significativas entre os quatro grupos
etários presentes na amostra inquirida. Apesar disso, os respondentes pertencentes à faixa etária 45-54
deram as pontuações médias mais elevadas em todas as variáveis.
Conclusões
Neste trabalho foram abordados temas como o que é o marketing verde, que neste caso se resume à
aplicação das estratégias do marketing-mix com um foco especial nas questões ambientais e as
dificuldades que existem aquando da formulação e implementação de uma estratégia de marketing
verde, nomeadamente a dificuldade que os consumidores têm em compreender os benefícios ambientais
dos produtos. Também com este trabalho de investigação foi possível perceber os benefícios que o
marketing verde proporciona às empresas, nomeadamente a melhoria da imagem de um produto ou
serviço e da marca corporativa, bem com um impacto positivo na performance do negócio. Foram
abordadas as questões do marketing verde nos 4 Ps do marketing (product, place, promotion, pricing).
No mix do produto foi analisada a questão da sustentabilidade em todos os processos inerentes ao
produto (materiais, embalagem, processo produtivo) e também a questão dos 5R que em reutilizar e
recondicionar o produto estendendo o seu tempo de vida o máximo possível. Foram sugeridos alguns
possíveis segmentos do consumo sustentável. Na comunicação foi referido que os consumidores não
confiam nas mensagens da marca em relação à sustentabilidade e que as empresas devem, por isso,
desenvolver formas de ultrapassar este problema. Uma possível solução são os eco-label como forma
de incutir credibilidade à marca e aos produtos verdes. No mix da distribuição foi visto que os maiores
problemas da sustentabilidade neste ponto são provenientes da logística, pelo que as empresas devem
encontrar forma de reduzir a pegada carbónica das atividades de logística (menos veículos em
circulação, fornecedores locais e veículos mais eficientes e amigos do ambiente). Por fim, na questão
do preço será de referir que a sustentabilidade não é um fator que, isoladamente, seja suficiente para se
justificar a prática do premium pricing.
Com os dados empíricos, apesar da limitação da amostra, reduzida e de conveniência, foi possível
aferir que, no geral, os inquiridos estão preocupados com o meio ambiente e a sustentabilidade
ambiental, entendem que as suas ações têm um impacto nas alterações climáticas, preocupam-se com a
composição química dos produtos, dão importância à produção nacional/local dos produtos que
compram e valorizam uma marca que seja ambientalmente sustentável. Em particular, na amostra
recolhida, é sugerido que as mulheres portuguesas têm uma preocupação maior com o meio ambiente,
entendendo, em maior grau, que as suas ações têm impacto nas alterações climáticas. O nível de
escolaridade não exerce nenhuma influência nas atitudes e crenças em relação ao meio ambiente, na
importância dada a variáveis relacionadas com o produto (composição química dos produtos, produção
nacional/local, sustentabilidade da marca), no estar disposto a pagar mais por produtos sustentáveis e
nem no valor que estão dispostos a pagar por um produto sustentável.
O presente artigo contribui para a teoria reforçando a literatura quanto à sugerida elevada
predisposição e atitude positiva em relação à compra de produtos ditos amigos do ambiente, apesar da
lacuna de valor-ação segundo a qual as pessoas não agem de acordo com as suas preocupações ou
intenções (Whitmarsh et al, 2011). No futuro será interessante comprovar a existência desta lacuna na
sociedade Portuguesa, percebendo as práticas e comportamentos efetivos do consumidor dito verde.
Comprova-se que os consumidores se preocupam mais do que nunca com as temáticas da
sustentabilidade e do ambiente, sendo esta uma das maiores preocupações atuais da humanidade
(GlobeScan, 2019). As marcas têm, por esta razão, adotado estratégias de marketing verde. Contudo as
intenções demonstradas face à saúde e sustentabilidade tendem a ser diferentes dos comportamentos
efetivos (Juvan & Dolnicar, 2014), pelo que no futuro as marcas devem integrar os movimentos de
sensibilização para comportamentos efetivos e não meras intenções.
Agradecimentos
253
Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto Refª UIDB/04470/2020. Agradece-se ao Centro de Investigação,
Desenvolvimento e Inovação em Turismo (CiTUR).
Referências
Abzari, M., Shad, F., Sharbiyani, A., & Morad, A. (2013). Studying the effect of green marketing mix
on market share increase. Advances in Environmental Biology, 7(10), 2981–2991.
Do Paço, A., Raposo, M., & Filho, W. (2009). Identifying the green consumer: A segmentation study.
Journal of Targeting, Measurement and Analysis for Marketing, 17(1), 17–25.
https://doi.org/10.1057/jt.2008.28
Firdiansyah, R., Mohamed, M., Yusliza, M. , Saputra, J., Muhammad, Z., & Bon, A. T. (2021). A review
of green marketing strategy literature: Mini-review approach. Proceedings of the International
Conference on Industrial Engineering and Operations Management, April 2022, 230–246.
GlobeScan (2019). Healthy & Sustainable Living – A Global Consumer Insights Project. Highlights
Report. https:// https://www.ethicalmarkets.com/healthy-sustainable-living-a-global-consumer-
insights-project.
Juvan, E. & Dolnicar, S. (2014). The attitude–behaviour gap in sustainable tourism. Annals of Tourism
Research, 48, 76-95. https://doi.org/10.1016/j.annals.2014.05.012
Kotler. P. & Keller, K.. (2019). Administração de marketing. Pearson Education.
Mahmoud, T. O. (2018). Impact of green marketing mix on purchase intention. International Journal of
Advanced and Applied Sciences, 5(2), 127–135. https://doi.org/10.21833/ijaas.2018.02.020
Pivetta, N., Scherer, F., Trindade, N., & Piveta, M. (2020). Comportamento do consumidor voltado para
a sustentabilidade: Elucidando o campo teórico e contribuindo para a agenda de pesquisa.
Pensamento & Realidade, 35(1), 15–32. https://doi.org/10.23925/2237-4418.2020v35i1p15-32
Sharma, A. . 2021 . onsumers’ purchase behaviour and green marketing: A synthesis, review and
agenda. International Journal of Consumer Studies, 45(6), 1217–1238.
https://doi.org/10.1111/ijcs.12722
Solaiman, M., Osman, A., & Halim, M. S. B. A. (2015). Green marketing: A marketing mix point of
view. International Journal of Business and Technopreneurship, 5(1), 87–98.
Xiao, Z., Wang, Y., Ji, X., & Cai, L. (2021). Greenwash, moral decoupling, and brand loyalty. Social
Behavior and Personality, 49(4). https://doi.org/10.2224/SBP.10038
Whitmarsh, L., Seyfang, G., O’Neill, S. 2011 . ublic engagement with carbon and climate change: To
what extent is the public ‘carbon capable’?. Global Environmental Change, 21(1), 56-65.
https://doi.org/10.1016/j.gloenvcha.2010.07.011
254
Planeamento e gestão de projetos: o caso do NERBA (Bragança)
Abstract. NERBA (Business Association of the District of Bragança) has established itself
as an institution that boosts the business structure of the region through the various projects
it develops with associated organizations and companies. With more than 25 years at the
service of companies in the region of Bragança, it has developed, throughout its existence,
several projects, working in different business areas and sectors of activity. This article
aims to carry out an analysis of the projects that NERBA has developed, as well as to
understand the evolution of some of the projects financed, within the scope of this
organization, perceiving the functioning of the planning process and the development of
applications for community funding. The methodology used consists of a case study, with
an eminently descriptive character, using document analysis. In this way, an analysis is
carried out on the results obtained from the candidacies in different areas, but which have
an important weighting on the development of the organization and, consequently, on the
growth of the region. Finally, it was also intended to analyze the evolution of financed
projects (which NERBA developed from 2013 to 2021), that revealed a decline in the value
of obtained financing, which has been decreasing over the years.
Keywords: NERBA, Projects, Applications, Entrepreneurship, Innovation.
255
Introdução
O presente artigo tem como objetivo avaliar a importância do desenvolvimento e projetos no NERBA
(Associação Empresarial do Distrito de Bragança), percecionando o funcionamento do processo de
planeamento e o desenvolvimento das candidaturas a financiamento comunitários. Sendo o NERBA
uma associação cuja missão é “promover o desenvolvimento das atividades econ micas do distrito de
Bragança nos domínios técnicos, económico, comercial, associativo e outros e, em especial, assegurar
aos seus associados uma crescente participação nas decisões e nos programas que com essas atividades
se relacionem” (NERBA, 2022), é uma entidade importante na região. Assim, ao longo deste trabalho
será feita uma análise a candidaturas que o NERBA realizou, com o intuito de compreender o seu
processo de elaboração e gestão dessas candidaturas, bem como a evolução dos projetos financiados
entre 2013 e 2021.
A justificação da escolha deste tema relaciona-se com a importância e o contributo que o NERBA
tem dado para as empresas da região, contribuindo, ao longo dos mais de 25 anos da sua existência, para
o desenvolvimento da estrutura empresarial da região.
Assim, o presente artigo encontra-se organizado em cinco secções distintas. Da primeira secção
consta o enquadramento teórico que contempla, essencialmente, o contexto dos financiamentos a
atribuir às organizações através dos acordos de parceria Portugal 2020 e Portugal 2030, com a menção
aos fundos estruturais e de investimento que lhes estão subjacentes, bem como dos valores já atribuídos
(no caso do acordo de parceria Portugal 2020) e a atribuir (no caso do acordo de parceria Portugal 2030).
Na terceira secção são abordadas as metodologias de gestão e de avaliação de projetos,
concretamente, com uma menção especial aos fatores de sucesso na gestão de projetos, sendo os mesmos
englobados em dois conjuntos de fatores, os primários e os secundários. Anda nesta secção é abordado
caso particular de elaboração de uma candidatura a um projeto no âmbito do Portugal 2020, justificando-
se esta escolha pelo facto do ponto fulcral da presente investigação se centrar em projetos enquadrados
nesta tipologia.
A quarta secção, dedicada à metodologia, refere-se aos objetivos do trabalho, bem como ao
percurso metodológico percorrido para que os objetivos definidos fossem atingidos. Neste caso, optou-
se por um estudo de caso, com caráter eminentemente descritivo, com recurso a análise de
documentação. As candidaturas foram selecionadas por conveniência.
A quinta secção comporta a caracterização da entidade sobre a qual recai o estudo e um breve
referencial ao seu histórico de candidaturas. Nesta secção é também realizada uma referência às
candidaturas POCI-02-0853-FEDER-040941 e POCH-03-5470-FSE-001332 (selecionadas por
conveniência) e respetivos resultados, bem como uma análise à evolução da globalidade dos projetos
cofinanciados, na organização, entre os anos 2013 e 2021.
Finalmente, da última secção constam as principais conclusões do presente trabalho de
investigação.
Enquadramento teórico
Portugal 2020
O Portugal 2020 foi o acordo de parceria que Portugal propôs à Comissão Europeia, adotando os
princípios de programação da Estratégia Europa 2020 e consagrando a política de desenvolvimento
económico, social, ambiental e territorial que estimulou o crescimento e a criação de emprego (Portugal
2020, 2022). Assim, este acordo contou com a atuação de cinco fundos europeus estruturais e de
investimento (FEEI), que foram:
• Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER);
• Fundo de Coesão (FC);
• Fundo Social Europeu (FSE);
• Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER);
• Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e Pescas (FEAMP).
Portugal recebeu no total uma quantia de vinte e cinco mil milhões de euros até 2020, tendo essa
quantia sido distribuída pelos Objetivos Temáticos com vista à estimulação do crescimento e da criação
256
de emprego, as intervenções necessárias para os concretizar e as realizações e resultados esperados com
estes financiamentos (Portugal 2020, 2022).
Portugal 2030
O Portugal 2030 seguirá o acordo de parceria estabelecido entre Portugal e a Comissão Europeia, através
do qual são estabelecidos os objetivos estratégicos a aplicar entre 2021 e 2027. Este programa assenta
em cinco objetivos estratégicos com vista a tornar a Europa mais inteligente, mais verde, mais conectada,
mais social e mais próxima dos cidadãos (Portugal 2030, 2022).
Este acordo conta com a atuação de cinco fundos estruturais e de investimento (FEEI), que são,
o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), o Fundo Social Europeu + (FSE +), o Fundo
de Coesão (FC), o Fundo de Transição Justa (FTJ) e o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das
Pescas e da Aquicultura (FEAMPA).
Assim, até 2027 Portugal receberá uma quantia total de vinte e quatro, cento e oitenta e dois
milhões de euros que serão aplicados em 12 programas, sendo quatro de âmbito temático (Demografia,
Qualificações e Inclusão, Inovação e Transição Digital, Ação Climática e Sustentabilidade e Mar), cinco
regionais que terão incidência nas NUTS II do Continente, dois nas Regiões Autónomas (Açores e
Madeira) e um de Assistência Técnica (Portugal 2030, 2022).
Os projetos financiados
Gestão de projetos
Ao longo dos anos, o conceito de sucesso em gestão de projetos tem vindo a sofrer mudanças. Segundo
Costa (2017, p.31), nos anos 1970:
“o sucesso de um projeto era focado na dimensão operacional, nas ferramentas e nas técnicas,
verificando-se que o foco principal no cliente era inexistente na maioria dos casos. Desde então
que a gestão de projetos começou a ganhar forma como um corpo de conhecimento em meados
do século XX, muitos processos, técnicas e ferramentas foram desenvolvidas”.
Assim, para entendermos melhor o que é um projeto, segundo Saldanha (2021, p.9):
“um projeto reúne um conjunto de características que envolvem pessoas, são autênticos, têm um
prazo, focam na mudança, apresentam resultados e objetivos definidos e necessitam de diversos
recursos. Então, um projeto é uma serie de atividades e tarefas que têm uma data de início e fim
definidas”.
Para que um projeto seja viável é necessário agregar vários recursos, podendo ser eles materiais,
financeiros, humanos que serão conduzidos para um determinado objetivo. Os projetos podem ter
impactos sociais, económicos ou ambientais. Cada projeto cria um produto, serviço ou resultado único
(Miguel, 2019).
Para Veiga (2019), a gestão dos projetos compreende a execução, a gestão e o resultado dos
mesmos, por isso esta procura equilibrar quatro componentes, sendo elas, o tempo, o custo, o objetivo e
o resultado. Por isso, a gestão de projetos é um processo que integra várias variáveis e ações
interdependentes, e a falta de uma delas numa certa área do projeto irá afetar as restantes áreas do
mesmo. A abrangência de um projeto expressa um conjunto de características que definem o tamanho
ou amplitude do projeto em termos de público-alvo, de pessoas envolvidas e na sua execução e extensão
da área de atuação.
Avaliação do sucesso de projetos
Para que um projeto seja cumprido com sucesso, é necessário que o seu objetivo seja também atingido
com sucesso, obedecendo a todas as restrições impostas e juntando a satisfação de todas as partes
intervenientes.
De acordo com Miguel (2019), os fatores de sucesso de um projeto podem ser divididos em dois
grupos, nomeadamente, os fatores primários de sucesso e os fatores secundários de sucesso, que serão
evidenciados na tabela seguinte (Tabela 1):
257
Tipos de fatores de sucesso de um Descrição
projeto
Cumprir o Prazo Definido
Fatores Primários de Sucesso Cumprir o Custo Orçamentado
Cumprir os Indicadores de Qualidade
Ser Bem aceite pelo cliente
Usar nome do cliente como referência em negócios
futuros
Proporcionar o alinhamento com a estratégia da
organização
Fornecer eficiência e eficácia às operações
Manter uma conduta ética
Fatores Secundários de Sucesso Manter uma boa reputação no mercado
Cliente atribuir mais trabalhos à organização
Manter boas relações com os movimentos populares
(como por exemplo, movimentos ambientalistas)
Fonte: Elaboração própria.
Ainda segundo o mesmo autor, os fatores primários são aqueles que são vistos através dos olhos
do cliente do projeto, ao contrário dos secundários que constituem normalmente benefícios internos. A
identificação dos fatores de sucesso primários e secundários constitui um importante suporte para o
gestor de projetos, no desenvolvimento de um plano de gestão dos riscos e na tomada de decisão sobre
quais os riscos valem a pena ou não ser aceites.
Elaboração de uma candidatura a um projeto Portugal 2020
De acordo com o Portugal 2020, as candidaturas são realizadas através da abertura de um aviso de
concurso para apresentação de candidaturas, sendo que esses avisos são publicitados através as páginas
web dos vários programas operacionais. Através desses avisos publicitados são definidos os requisitos
necessários para que a candidatura seja viável, ou seja, que reúna as condições para que seja aprovada.
Os Avisos de Concurso são compostos normalmente com os seguintes aspetos:
• Âmbito;
• Enquadramento;
• Objetivos;
• Natureza dos beneficiários;
• Critérios de elegibilidade dos beneficiários;
• Critérios de elegibilidade dos projetos;
• Tipologia de operações e modalidade de candidatura;
• Área geográfica de aplicação;
• Regras e limites à elegibilidade de despesas;
• Critérios de seleção das candidaturas;
• Taxas de financiamento das despesas elegíveis;
• Formas dos apoios;
• Processo de candidatura e documentos a apresentar;
• Procedimentos de análise e decisão das candidaturas;
• Aceitação da decisão;
• Dotação indicativa do fundo a conceder;
• Identificação dos indicadores de resultado a alcançar;
• Redução ou revogação por incumprimento das obrigações;
• Divulgação de resultados e pontos de contacto.
Assim, conhecido o teor do aviso, a entidade que pretenda apresentar uma candidatura, passará à
primeira fase, após o preenchimento de um formulário de candidatura. Desse formulário de candidatura,
deverá constar um conjunto de informações ajustadas ao enquadramento da entidade, bem como
informações financeiras e administrativas. Posto isto, as candidaturas são submetidas através do Balcão
2020, ponto de acesso digital para apresentação de candidaturas.
258
Cabe às Autoridades de Gestão dos respetivos programas operacionais, em conformidade com os
princípios de boa gestão, aprovar as candidaturas que sejam elegíveis e tenham mérito face à natureza
do Programa Operacional.
Metodologia
O presente estudo tem como objetivo realizar uma análise aos projetos que o NERBA tem desenvolvido,
como também perceber a evolução de alguns dos projetos financiados, no âmbito desta organização,
percecionando o funcionamento do processo de planeamento e o desenvolvimento das candidaturas a
financiamento comunitários.
De acordo com Yin (2003, p.17):
“O estudo de caso é apenas uma das muitas maneiras de se fazer pesquisa em ciências sociais.
Experimentos, levantamentos, pesquisas históricas e análise de informações em arquivos (como
em estudos de economia) são alguns exemplos de outras maneiras de se realizar pesquisa.”
E segundo Gil (2008, p.47) a pesquisa descritiva:
“Tem como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou
fenómeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis. São inúmeros os estudos que podem
ser classificados sob este título e uma de suas características mais significativas está na utilização
de técnicas padronizadas de coleta de dados.”
Nesse sentido, é elaborado um estudo de caso, com caráter eminentemente descritivo, com recurso
a análise de documentação (informação diversa facultada pela associação em estudo - NERBA). De
modo, a obter informações mais concretas sobre a elaboração destas candidaturas e o seu processo, foi
feita uma pesquisa na Internet (site Portugal 2020, Compete 2020, Balcão 2020) e requisitada à
associação toda a informação que pudesse descrever da melhor forma possível todo o processo de
candidaturas a projetos a fundos comunitários.
Posto isto, para a elaboração da evolução dos projetos financiados e posteriormente a análise dos
rácios financeiros, juntamente com a informação facultada pela associação sobre o seu processo de
elaboração de candidaturas foram também disponibilizadas informações financeiras (como Balanços,
Demonstrações de Resultados, Balancetes, Relatório de Contas, IES) de anos anteriores para assim ser
feita a respetiva análise, de modo a compreender a realidade desta associação e a sua evolução e relação
com os projetos que desenvolve.
Resultados
Caracterização da entidade
A 31 de janeiro de 1985 é constituído o Núcleo Empresarial do Distrito de Bragança (NERBA),
posteriormente em 1989 a entidade constitui-se como Associação Empresarial e a 7 de outubro de 1991,
por despacho do Primeiro-Ministro é reconhecido como Pessoa Coletiva de Utilidade Pública,
assumindo a sua completa autonomização.
Posteriormente, foi criada uma infraestrutura de apoio à atividade produtiva e ao associativismo,
surgindo a 30 de julho de 1993, o Centro Empresarial do Distrito de Bragança (CEB), que veio agregar
para além das instalações da Associação, 10 salas polivalentes, um auditório e um pavilhão de feiras e
exposições.
Assim, o NERBA é uma entidade privada, sem fins lucrativos de âmbito distrital, que tem como
objetivo a promoção do desenvolvimento das atividades económicas, no âmbito técnico, económico,
comercial, associativo e outros e também assegurar aos seus associados uma crescente participação nas
decisões e nos programas a que estas se relacionem. O seu âmbito de intervenção territorial insere-se na
região Norte e disponibiliza os seguintes serviços, nas seguintes áreas:
• Empreendedorismo;
• Eventos Empresariais;
• Financiamento Empresarial;
• Formação e Qualificação;
• Informação Empresarial;
259
• Mediação de conflitos;
• Consultoria;
• Tecnologia.
Candidatura POCI-02-0853-FEDER-040941
De acordo com o Aviso Nº 15/SI/2018, é identificado que o objetivo e prioridades visadas no âmbito
deste concurso é no sentido de visão da Europa para 2020, que apela “à liderança na tecnologia, inovação
e competitividade econ mica”.
Assim, em conformidade com o Programa Interface apresentado pelo Governo, pretende-se
“promover a cooperação entre instituições do ensino superior, empresas e outras entidades do sistema
nacional de inovação, de modo a transferir a tecnologia, a qualificação de recursos humanos e o
desenvolvimento de novas reas de competência, como a indústria 4.0”, procurando dar seguimento à
rápida evolução tecnológica, e permitir integrar as PME nos mercados internacionais.
Os promotores têm de ser “entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, de natureza
associativa e com competências específicas dirigidas às PME, nomeadamente associações empresariais,
câmaras de comércio e indústria, e como outras entidades empresariais do Sistema Nacional que se
proponham desenvolver projetos de investimento”.
Em termos geogr ficos, o Aviso “tem aplicação em todas as regiões N TS II do continente”. or
isso, para que seja permitido o acesso a este concurso, é necessário seguir os critérios mencionados em
cima, como também a elegibilidade das PME beneficiárias e dos projetos, previstos no Decreto-Lei n.º
159/2014, de 27 de outubro, assim como o promotor do projeto deve certificar-se a verificar que cada
empresa beneficiária cumpra com os critérios de elegibilidade.
O processo de seleção de candidaturas é baseado no indicador de Mérito do Projeto (MP), que é
explicado em seguida, na Equação 1:
MP=0,30A+0,20B+0,20C+0,30D [1]
Sendo:
A - Qualidade do Projeto
B - Impacto do projeto na competitividade das PME
C - Contributo do projeto para a economia
D - Contributo do projeto para a convergência regional
As pontuações de A, B, C e D estão sempre compreendidas entre 1 a 5, sendo que as respetivas
pontuações não podem ser inferiores a 3, 2, 2, 2 pontos, respetivamente, e o valor de MP tem de ser
igual ou superior a 3 e sempre arrendando às centésimas, de modo a respeitar as condições mínimas de
seleção.
260
De acordo, com o valor obtido no indicador de Mérito do Projeto as candidaturas são ordenadas
em ordem decrescente e por data de entrada da candidatura (dia/hora/minuto/segundo) e em
conformidade com o limite orçamental definido. Em caso de empate de candidaturas, o critério utilizado
para contornar esta situação parte da entidade promotora que apresenta maior representatividade de
mulheres nos órgãos de poder (direção, administração e de gestão).
O cofinanciamento do Fundo FEDER do referente Aviso foi de 18,5 milhões de euros, sendo que
a entidade promotora usufrui de uma taxa máxima de cofinanciamento de 85% (oitenta e cinco por
cento) sobre as despesas elegíveis, que serão concedidos sobre incentivo não reembolsável.
Cada entidade apenas pode submeter uma candidatura, sendo que será feita através de formulário
eletrónico no Balcão 2020, e posteriormente através do portal Portugal 2020 ou na Plataforma de Acesso
Simplificado (PAS) em que serão comunicados os resultados da candidatura submetida, pela Autoridade
de Gestão.
MP=0,3*3,60+0,2*3,10+0,2*3,90+0,3*5,00 [2]
Resultando, num valor de MP de 3,98 pontos, o que cumpre com o limite mínimo de 3 pontos, e
como o resultado até é bastante satisfatório podemos constatar que o projeto, segundo o parecer de
decisão da AG, “cumpre os critérios de elegibilidade quer do projeto, quer do promotor e empresas
beneficiárias, expressos no Regulamento Geral dos Fundos Estruturais e de Investimentos (FEEI), e no
Regulamento Especifico do Domínio da Competitividade e Internacionalização (RECI), bem como as
exigências definidas no Aviso nº 15/SI/2018”.
Relativamente à caraterização do financiamento para a candidatura proposta, a entidade
apresentou um custo total de financiamento elegível de 1.143.463,65€ um milhão, cento e quarenta e
três mil, quatrocentos e sessenta e três euros, sessenta e cinco cêntimos), subdividido em dois custos
totais sendo:
romotor = 168.963,65€
• ME = 974.500,00€
• Total = 168.963,65+974.500 =1.143.463,65€
Sendo que a taxa de cofinanciamento para os promotores é de 85% e para as PME elegíveis é de
50%, podemos constatar que o incentivo total foi de:
• Incentivo Total= 0,85*168.963,65 + 0,5*974.500 =630.869,10€
orrespondendo o valor de 630.869,10€ seiscentos e trinta, oitocentos e sessenta e nove euros,
dez cêntimos) proveniente do fundo FEDER, cuja sua aplicação abrangeu seis concelhos
nomeadamente:
• Bragança com um financiamento de 229,4 mil euros;
• Macedo de Cavaleiros de 114,7 mil euros;
• Miranda do Douro de 114,7 mil euros;
261
• Carrazeda de Ansiães de 57,35 mil euros;
• Mirandela de 57,35 mil euros;
• Murça de 57,35 mil euros de financiamento.
Candidatura POCH-03-5470-FSE-001332
De acordo com o Aviso nº POCH-70-2020-11, que tem como eixo priorit rio a “aprendizagem,
qualificação ao longo da vida e reforço da empregabilidade”, cujo seu objetivo é de “elevar o nível de
qualificação da população adulta e reforçar a orientação dos jovens que não se encontram em situação
de emprego nem a frequentar qualquer ação de educação ou de formação NEET ”, tendo como âmbito
geográfico de operação deste projeto, as regiões menos desenvolvidas, sendo Norte, Centro e Alentejo.
O período de abertura de candidaturas é divulgado no Diário da República e portal da ANQEP (Agência
Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional).
O critério de seleção de candidaturas tem como base o mérito do projeto submetido, sendo
avaliado numa escala percentual de 0 a 100 cada um dos critérios de seleção, sendo que os projetos que
reúnam uma classificação final inferior a 50% (cinquenta por cento) não serão financiados. Assim, a
escala de avaliação do mérito do projeto é a seguinte:
• Inexistente ou negativo (<50%);
• Médio (>=50% a <70%);
• Bom (>=70% a <90%);
• Elevado (>=90%).
Em caso de empate de candidaturas, e à semelhança do projeto anterior, os critérios de desempate
presentes no respetivo aviso são “a maior representatividade de mulheres nos rgãos de direção, de
administração e de gestão e a maior igualdade salarial entre mulheres e homens que desempenham as
mesmas funções ou idênticas, na entidade candidata”.
O processo de decisão é constituído por três fases, partindo da análise de admissibilidade, que
verifica as condições de elegibilidade dos beneficiários, em seguida é feita a avaliação do mérito do
projeto, seguindo os critérios de seleção aprovados pelo Comité de Acompanhamento do POCH
(Programa Operacional de Capital Humano) e por fim, é tomada a decisão do financiamento dos projetos
tendo em conta a elegibilidade dos projetos e as disponibilidades financeiras.
O cofinanciamento do Fundo Social Europeu (FSE) do referente Aviso foi de sessenta milhões
de euros, sendo que a taxa de cofinanciamento a aplicar é de 85% (oitenta e cinco por cento) sobre as
despesas elegíveis e os restantes 15% (quinze por cento) respeitam à contribuição pública nacional.
Cada entidade apenas pode submeter uma candidatura por Centro Qualifica, sendo que essa
candidatura será feita através de formulário eletrónico junto do Balcão 2020, seguindo os critérios
estabelecidos no artigo nº4 da Portaria n.º 232/2016, de 29 de agosto, e posteriormente poderá consultar
o resultado da sua candidatura através do portal Portugal 2020.
262
Para Para o Para Processo
Total Adultos Jovens Total
Formação Exterior RVCC Total
1 90%*(1) 10%*(1) (2) =90%*(1) (3) =40%*(2) 20%*(3) (4) =60%*(2) (5) =90%*(4)
Nota: (1) é o número de inscritos com que o beneficiário se compromete, no quadro dos escalões definidos.
Fonte: Elaboração própria com base no Aviso nº POCH-70-2020-11.
Sendo que o incumprimento ou superação das metas contratualizadas resultará em regras de corte
ou constituída uma reserva de eficiência e desempenho sobre as despesas elegíveis face ao
financiamento, de acordo com os critérios estabelecidos no aviso.
Assim, através da notificação de decisão sobre a presente candidatura, ao NERBA foi-lhe
atribuído um financiamento proveniente do undo Social Europeu SE de 191.190,40€ cento e
noventa e um mil, cento e noventa euros, quarenta cêntimos), tendo como meta contratualizada de 800
inscritos para 24 meses no Centro Qualifica.
O total desse montante é dividido pela rubrica de “ ornecimentos e Serviços Externos” conta 62
do SN de “Encargos com pessoal afeto ao rojeto” onta 63 do SN com o valor de 166.252,52€
(cento e sessenta e seis mil, duzentos e cinquenta e dois euros, cinquenta e dois cêntimos) e pela rubrica
“Custos Operacionais de Funcionamento” com o valor de 24.937,88€ vinte e quatro mil, novecentos e
trinta e sete euros, oitenta e oito cêntimos).
Ainda, sendo a taxa de cofinanciamento de 85% (oitenta e cinco por cento) sobre as despesas
elegíveis, a contribuição total do undo SE foi de 162.511,84€ cento e sessenta e dois mil, quinhentos
e onze euros, oitenta e quatro cêntimos) e 15% (quinze por cento) proveniente do Orçamento de Estado,
perfazendo um total de 28.678,56€ vinte e oito mil, seiscentos e setenta e oito euros, cinquenta e seis
euros), em Contribuição Pública Nacional.
700 000,00
600 000,00
Cofinanciamentos em valor
500 000,00
400 000,00
300 000,00
200 000,00
100 000,00
-
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
Anos
Assim, através da figura apresentada (Figura 1) podemos constatar que os projetos cofinanciados
do NERBA num período de 2013 a 2021, encontraram o seu ponto máximo no ano 2013, e o seu ponto
mínimo no ano 2015, e desde então tem tido picos de crescimento e de queda, sendo que a tendência
geral do gráfico é mais decrescente do que crescente.
Concluindo, a partir da tendência apresentada da Figura 1 podemos constatar que o valor dos
financiamentos tem vindo a diminuir ao longo dos anos.
263
Conclusões
O objetivo deste estudo era de realizar uma análise aos projetos que o NERBA tem desenvolvido, como
também perceber a evolução de alguns dos projetos financiados, no âmbito desta organização. Neste
sentido, procurou-se perceber como as candidaturas são elaboradas e como funciona o seu processo de
planeamento e gestão das mesmas.
Assim, pela análise feita no presente estudo foram possíveis retirar as seguintes conclusões:
• Primeiramente, pela candidatura POCI-02-0853-FEDER-040941 com a designação de “Inova
PME 2019-2020” concluiu-se que a associação teve um parecer favorável, das Autoridades de
Gestão tendo em consideração os critérios estabelecidos de acordo com o Aviso de Concurso
Nº15/SI/2018, no qual obteve uma nota de Mérito de Projeto de 3,98 pontos, sendo atribuído o
valor de 630.869,10€ proveniente do fundo EDE , correspondendo 168.963,65€ atribuído ao
NE BA e 974 500€ às ME. A sua aplicação abrangeu seis concelhos nomeadamente,
Bragança, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Carrazeda de Ansiães, Mirandela e
Murça.
• Em seguida, a candidatura POCH-03-5470-FSE-001332 com a designação de “ entros
Qualifica” também teve um parecer positivo pelas Autoridades de Gestão, cumprindo com todos
os requisitos de elegibilidade dispostos no Aviso nº POCH-70-2020-11, em que o projeto obteve
uma pontuação de 82,50 pontos, considerando o Mérito do Projeto como Bom. Sido concedido
um financiamento proveniente do undo Social Europeu no valor de 162.511,84€, e 28.678,56€
proveniente de Contribuição Pública Nacional.
• Através da Figura 1, podemos observar que a tendência de queda do gráfico traduz-se que o
valor dos financiamentos obtidos tem vindo a diminuir com o passar dos anos.
A única limitação na realização deste estudo, foi o facto de não ter obtido uma candidatura não
aprovada para termo de comparação, sendo que pelo material disponibilizado pela associação só tive
acesso a candidaturas aprovadas. Assim, o NERBA assume um papel importantíssimo na dinamização
da região o que tornou a elaboração deste estudo enriquecedor para entender melhor a associação e os
projetos que esta desenvolve.
Referências
264
Portaria n.º 232/2016, de 29 de agosto. (29 de 08 de 2016). Obtido de Diário da República n.º 165/2016,
Série I de 2016-08-29, páginas 3006 - 3014: https://dre.pt/dre/detalhe/portaria/232-2016-
75216372
Portugal 2020. (2022). Obtido de O que é o Portugal 2020: https://portugal2020.pt/portugal-2020/o-
que-e-o-portugal-2020/
Portugal 2030. (2022). Obtido de O que é o Portugal 2030: https://portugal2030.pt/portugal-2030/
Saldanha, Â. M. (2021). Planeamento e desenvolvimento de candidaturas a financiamentos
comunitários para aumentar o número de candidaturas aprovadas: O caso de uma Associação
de Municípios. Relatório de Projeto da Licenciatura em Gestão do Instituto Politécnico de
Bragança.
Veiga, W. E. (2019). Gestão de Projetos Especiais em uma Universidade Comunitária. Obtido de
Relatório de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo:
https://tede.pucsp.br/bitstream/handle/10131/1/Windsor%20Espenser%20Veiga.pdf
Yin, R. (2003). Estudo de caso: Planejamento e Métodos. 2ª Edição.
265
Proposta de implementação do Balanced Scorecard numa empresa do setor
têxtil
Resumo. O Balanced Scorecard é uma das ferramentas disponíveis para auxiliar na missão de
promover a competitividade e contribuir para a melhoria do desempenho organizacional. É neste
âmbito que se desenvolve este trabalho, que tem como objetivo elaborar uma proposta de BSC e
promover a sua implementação numa empresa portuguesa que opera no setor têxtil. Para lhe dar
resposta, a investigação segue uma metodologia qualitativa, suportada num estudo de caso e em
fontes de informação diversas, recolhida por observação, pela aplicação de entrevistas e conversas
informais, complementada com fontes de informação secundária, nomeadamente documentos
internos da empresa. Não obstante as dificuldades encontradas, decorrentes do reduzido
conhecimento da ferramenta por parte dos responsáveis da empresa, da falta de clarificação da
estratégia, da inexistência de comunicação interna e, fundamentalmente, de alguma resistência à
mudança, foi possível ultrapassar e diferentes fases e construir o mapa estratégico, apresentá-lo e
criar expectativas favoráveis relativamente à sua implementação.
Introdução
266
(Major & Vieira, 2017). Neste contexto, Kaplan e Norton (1992) desenvolvem e apresentam o Balanced
Scorecard (BSC) como uma ferramenta que, sem questionar os objetivos financeiros, passa a incluir
medidas não financeiras e a permitir relacionar informações estratégicas com objetivos organizacionais.
Inicialmente pensado e proposto para ser utilizado no seio de grandes organizações, as vantagens que
lhe foram sendo reconhecidas fizeram com que se fosse generalizando o seu uso. É neste âmbito que se
desenvolve esta investigação, com o objetivo de elaborar uma proposta de BSC para implementar numa
empresa do setor têxtil. Para lhe dar resposta o estudo desenvolve-se em dois capítulos, para além desta
introdução e respetivas conclusões. Um primeiro de revisão de literatura para pôr em evidência os
conceitos e a importância do BSC enquanto ferramenta de gestão estratégica diferenciadora e,
complementarmente, um segundo para oferecer uma proposta de implementação do BSC na empresa
que opera no âmbito do setor têxtil em Portugal.
Revisão de literatura
267
global (Quesado et al., 2018). Proporciona o realinhamento do plano com as metas estabelecidas
(Saraiva & Alves, 2017) oferecendo, pelo feedback, uma aprendizagem contínua (Quesado et al., 2018).
Reconhece-se-lhe uma certa flexibilidade para se adaptar às necessidades de cada organização
(Broccardo, 2010) e adotar ações corretivas (Kaplan & Norton, 1996c), redirecionando as relações
causa-efeito para que a estratégia não seja comprometido (Lueg & Vu, 2015) sem perder a consistência
(Quesado & Rodrigues, 2009), o que permite classificar o BSC como uma ferramenta capaz de garantir
uma execução bem sucedida (Balaji et al., 2018). O plano que o BSC estabelece contribui grandemente
para que os gestores obtenham uma visão articulada entre a estratégia e a avaliação do desempenho
(Atkinson & Epstein, 2000), pelo que o segredo para se alcançar melhorias contínuas depende
essencialmente da capacidade para medir o desempenho dos processos-chave dentro de uma
organização (Braam & Nijssen, 2004) e retirar os respetivos ensinamentos. E tanto assim que a sua
implementação está associada a maiores níveis de satisfação dos clientes, melhorarias no processo de
comunicação interna, maiores índices de produtividade, melhores resultados financeiros (Gomes &
Saraiva, 2019; Saraiva & Alves, 2016) e, comparativamente, proporciona informações mais úteis (Hu
et al., 2017) e permite alinhar interesses de gestores e acionistas (Panggabean & Jermias, 2020). Não
obstante isso, o processo de implementação tem associada alguma complexidade (Drew & Kaye, 2007),
pelas mudanças que impõe (Epstein & Manzoni, 1997), podendo gerar problemas de aceitação e
comunicação dentro de algumas organizações (Guzmán et al., 2016), alguma dificuldade em sequenciar
e relacionar alguns indicadores (Norreklit, 2000; Vieira & Callado, 2018), uma certa rigidez e
incapacidade para controlar as ações e resultados alcançados pela concorrência (Guzmán et al., 2016) e
uma excessiva preocupação com as exigências dos acionistas e clientes, deixando para segundo plano
os demais stakeholders.
Estudo de caso para proposta de implementação do BSC numa empresa do setor têxtil
268
garantam o seu sucesso e o crescimento sustent vel”, seguindo como visão “obter reconhecimento por
parte dos seus clientes, colaboradores e fornecedores”, por quem quer ser vista “como uma organização
de referência em inovação, estilo e qualidade e a melhor solução na indústria da confeção”. ara o efeito,
rege a sua conduta em valores como a “focalização no cliente; valorização dos colaboradores; inovação
e criatividade; bom senso e simplicidade dos processos; trabalho em equipa; e responsabilidade social e
ambiental”. Ao longo do processo de recolha de informação, fundamentalmente perguntando e
observando, foi-nos possível concluir que a empresa se encontra numa fase de maturidade, descrita
como um momento do ciclo onde as empresas procuram aumentar a sua capacidade produtiva com
recurso a investimentos que se traduzam em melhorias de processos e de capacidade de produção.
Considerando que nesta fase os principais indicadores são a rentabilidade do capital investido, dos
capitais próprios e o aumento da margem bruta e do valor económico agregado, e que a perspetiva
financeira surge no topo do BSC (Kaplan & Norton, 2001), traduzindo os resultados do comportamento
e da performance integrada das restantes perspetivas (Dhaifallah et al., 2018; Norreklit, 2000; Silva,
2017), com o propósito de ajudar a clarificar como a empresa está (Lencioni, 2002; Niven, 2014),
iniciamos pela análise económico-financeira, para o que selecionamos um conjunto de indicadores
(Tabela 1) e, para lhe dar maior alcance, confrontámos, dentro do possível, com a média do setor,
recorrendo à informação disponível na central de balanço do Banco de Portugal (BdP, 2021).
269
Formação contínua dos colaboradores
Elevado Know-how e experiência no setor
Preocupação ambiental
Inovação ao nível de equipamentos e processos
Boas relações comerciais com os fornecedores
Oportunidades Ameaças
Crescimento da procura Desindustrialização da Europa
Redução do período entre o design e o consumidor Clusters emergentes
final Concorrência de produtos fabricados em mercados
Crescimento da procura de produtos Made in desregulamentados
Portugal Inexistência de protecionismo à indústria europeia
Dimensão dos mercados Aumento dos custos dos fatores de produção
onte: Elaboração pr pria.
Para se alcançar uma compreensão completa e perceber os fatores macro ambientais para o setor
têxtil (Nunes & Peng, 2007), foi também desenvolvida uma análise PESTEL – Political, Economic,
Social, Technological, Environmental, and Legal (Tabela 3).
270
FINANCEIRA
Resultados
CLIENTES
Réplica para o mercado
PROCESSOS INTERNOS
Transformar intangíveis
APRENDIZAGEM E CRESCIMENTO
Investir em intangíveis
(Pessoas/ Tecnologia/ Inovação)
Uma vez definida a estratégia, aspeto central do BSC, devem ser identificados os fatores críticos
de sucesso, elementos determinantes para a realização dos objetivos estratégicos para cada uma das
perspetivas. A informação recolhida permitiu identificar os fatores críticos que se sistematizam na
Figura 2.
Prosseguiu-se com a definição dos objetivos estratégicos e indicadores. A definição dos objetivos
estratégicos fez-se relacionando os resultados das diferentes análises (Tabelas 1, 2 e 3) com o que seria
suposto a empresa alcançar em cada perspetiva, enquanto a seleção dos indicadores seguiu critérios de
exequibilidade, compreensão das relações de causa e efeito e trade-off entre custo e benefício (Simons,
271
2014) e no conhecimento passado, com base nas entrevistas. Com base numa visão e dimensão
transversal a toda a organização e tomando por base os resultados e o que a teoria preconiza para cada
uma das perspetivas (Kaplan & Norton, 1996c, 2004a), foi selecionado um conjunto de objetivos a
aplicar e indicadores a utilizar para o respetivo feedback e acompanhamento (Tabela 4).
O acompanhamento e monitorização, com base nos indicadores, deverá permitir definir metas
realistas e alcançáveis (Kaplan & Norton, 2000). Tomando para base a estratégia da empresa ABC e a
informação recolhida nas entrevistas, fundamentalmente com o apoio do gestor, foi possível definir, por
objetivo, indicadores e metas a alcançar (Tabela 5).
272
Finalmente, e como ponto prévio para a construção do ME, identificam-se as iniciativas e ações
a desenvolver com capacidade para influenciar e exercer impacto relevante (Tabela 6).
Perspetivas Iniciativas
Identificar novas oportunidades de negócio
Financeira Aumentar receitas com penetração em novos mercados
Aumentar a taxa de investimento
Eliminar equipamentos obsoletos e substituir por novos mais
produtivos
Reduzir custos financeiros
Estabelecer relações com fornecedores
Reduzir prazos médios de recebimentos
Renegociar condições de pagamento a fornecedores
Angariar novos clientes
Clientes Prolongar a relação com o cliente
Desenvolver procedimentos para aumentar o nível de resposta dos
pedidos
Desenvolver política de fidelização de clientes
Melhorar procedimentos internos
Aumentar visitas a clientes
Incentivar clientes a visitar a empresa
Intensificar os sistemas de controlo de qualidade
Aumentar a eficiência da produção
Processos Internos Inovação de produtos
Melhorar a qualidade dos serviços
Reduzir produtos com defeito
Rentabilizar o tempo de trabalho
Promover o trabalho em equipa
Aprendizagem e Desenvolver um sistema de avaliação de sugestões de colaboradores
Crescimento Desenvolver planos de formação para todos os colaboradores
Eliminar fatores de desmotivação
Criar incentivos para a retenção de colaboradores
onte: Elaboração pr pria.
273
Reconhecimento por parte dos nossos clientes , colaboradores e fornecedores como uma organização de referência em inovação,
Visão
estilo e qualidade, que se apresenta como a melhor solução na indústria da confeção.
Adicionar valor ao produto com qualidade e constante aperfeiçoamento, através de meios inovadores, por forma a garantir o sucesso
Missão
dos nossos clientes e o crescimento sustentável da organização.
Conclusões
ecordamos que este artigo foi desenvolvido com o objetivo de elaborar uma proposta de BS e
promover a sua implementação numa empresa portuguesa que opera no setor têxtil. O trabalho realizado
permitiu concluir que, de entre as ferramentas disponíveis para a medição e avaliação de desempenho,
o BS se destaca pela sua capacidade de adaptação e aptidão para proporcionar uma avaliação da
performance organizacional com recurso a indicadores de natureza diversa, integrados e projetados no
médio e longo prazo a partir de diferentes perspetivas. aracterística que lhe confere capacidade para
permitir às organizações perceberem quem eram, o que são agora e auxiliar na definição do caminho a
percorrer para evoluírem para onde querem estar no futuro. onclui-se, assim, que o BS é um modelo
de gestão empresarial interativo, com um papel central na implementação da estratégia organizacional
e no re alinhamento do planeamento estratégico com as ações operacionais. roporciona,
comparativamente aos seus antecessores, informações mais úteis, satisfazendo interesses para além dos
acionistas, e apresenta resultados que classificam a sua implementação como experiências de sucesso.
No contexto da empresa ABC foi possível concluir que, objetivamente, apenas se avalia e valoriza
os ativos tangíveis, que refletem a performance da empresa no passado e sem qualquer capacidade para
274
refletir o valor criado pelos ativos intangíveis, pelo que a informação de suporte ao processo de tomada
de decisão é limitada. Ainda que o desconhecimento acerca do BSC e das suas potencialidades seja
significativo, o que pode representar uma dificuldade para a sua implementação, à medida que a nossa
investigação foi avançando fomos percebendo que os colaboradores davam sinais de querer
compreendê-lo e reconhecer-lhe vantagens. Constatou-se que a missão visão não eram do conhecimento
dos colaboradores e que a estratégia não está ainda bem delineada, o que pode comprometer os objetivos
do BSC e representar uma dificuldade inicial de implementação. Porém, considerando que a empresa
ABC demonstrou preocupação com a qualidade, a competência, a satisfação dos clientes, a eficiência
na utilização dos recursos ou o desenvolvimento organizacional, acredita-se estarem reunidas as
condições essenciais para a sua implementação.
Estas conclusões devem, porém, ser interpretadas no âmbito de um conjunto de limitações que
marcaram o desenvolvimento do trabalho. Por um lado, as que decorrem da própria metodologia e
método de investigação e, por outro, o facto de estarmos em presença de uma proposta desenvolvida
num contexto difícil, pelo desconhecimento que encontrámos na empresa, e ainda não testada. Deve,
por isso, ser entendida como um ensaio teórico que precisa ser implementado, analisado e discutido e,
eventualmente, utilizado para a elaboração de outras propostas para outras empresas do mesmo setor.
Referências
Aguiar, A., Frezatti, F., & Guerreiro, R. (2007). Diferenciações entre a contabilidade financeira e a
contabilidade gerencial: Uma pesquisa empírica a partir de pesquisadores de vários países.
Revista Contabilidade & Finanças, 18(44), 9-22. https://doi.org/10.1590/S1519-
70772007000200002.
Atkinson, A., & Epstein, M. (2000). Measure for measure. CMA Management, 74(7), 23-28.
Balaji, M., Dinesh, S., & Parthiban, V. (2018). Applying balanced scorecards to supply chain
performance. Industrial & Systems Engineering at Work Magazine, 50(11), 42-47.
BdP (2021). Banco de Portugal. Retrieved from https://www.bportugal.pt/QS/qsweb/Dashboards.
Braam, G., & Nijssen, E. (2004). Performance effects of using the balanced scorecard: A note on the
dutch experience. Long Range Planning, 37(4), 335-349.
https://doi.org/10.1016/j.lrp.2004.04.007.
Broccardo, L. (2010). An empirical study of the balanced scorecard as a flexible strategic management and
reporting tool. Economia Aziendale Online, 1(2), 81-91.
Caldeira, J. (2010). Dashboards. Almedina.
Chow, C., Haddad, K., & Williamson, J. (1997). Applying the balanced scorecard to small companies.
Management Accounting, 79(2), 21-27.
Dhaifallah, B., Auzair, S., & Maelah, . 2018 . The moderating role of employees’ professionalism on
BSC usage and organizational performance relationship. Asian Journal of Accounting and
Governance, 10(1), 135-143.
Drew, S., & Kaye, R. (2007). Engaging boards in corporate direction-setting. European Management
Journal, 25(5), 359-369. https://doi.org/10.1016/j.emj.2007.07.006
Epstein, M., & Manzoni, J. (1997). The balanced scorecard and tableau de bord : A global perspective
on translating strategy into action. European Management Journal, 1-20.
Ferreira, M., Serra, F., Torres, M., & Torres, A. (2010). Gestão estratégica: Conceitos e práticas. Lidel.
Gomes, J. (2019). O balanced scorecard como ferramenta de gestão estratégica: Uma proposta de
aplicação. Universidade do Minho.
Gupta, G., & Salter, S. (2018). The balanced scorecard beyond adoption. Journal of International
Accounting Research, 17(3), 115-134.
Gurel, E., & Tat, M. (2017). SWOT analysis: A theorical review. The Journal of International Social
Research, 10(51), 994-1006.
275
Guzmán, B., Quesado, P., & Rodrigues, L. (2016). Aspectos críticos del cuadro de mando integral: Un
análisis bibliográfico. Revista Eletrônica de Estratégia & Negócios, 9(3), 249-276.
Hu, B., Wildburger, U., & Strohhecker, J. (2017). Strategy map concepts in a balanced scorecard cockpit
improve performance. European Journal of Operational Research, 258(2), 664-676.
Kaplan, R., & Norton, D. (2008). Mastering the management system. Harvard Business Review, 86(1),
62-77.
Kaplan, R., & Norton, D. (2004). Measuring the Strategic Readiness of Intangible Assets. Harvard
Business Review, 82(2).
Kaplan, R., & Norton, D. (2004a). Strategy maps: Converting intangible assets into tangible outcomes.
Harvard Business Scholl Press.
Kaplan, R., & Norton, D. (2001). Organização orientada para a estratégia: The strategy-focused
organization. Alta Books.
Kaplan, R., & Norton, D. (2001a). The strategy-focused organization: How balanced scorecard
companies thrive in the new business environment. Harvard Business School Press.
Kaplan, R., & Norton, D. (2000). Having trouble with your strategy? Then map it. Harvard Business
Review, 78(5), 167-176.
Kaplan, R., & Norton, D. (1996a). Linking the balanced scorecard to strategy. California Management
Review, 39(1), 53-79. https://doi.org/10.2307/41165876.
Kaplan, R., & Norton, D. (1996b). The balanced scorecard: Translating strategy into action. Harvard
Business School Press.
Kaplan, R., & Norton, D. (1996c). Using the balanced scorecard as a strategic management system.
Harvard Business Review, 150-160.
Kaplan, R., & Norton, D. (1992). The balanced scorecard: Measures that drive performance. Harvard
Business Review, 71-79.
Kumru, M. (2012). A balanced scorecard-based composite measuring approach to assessing the
performance of a media outlet. The Service Industries Journal, 32(5), 821-843.
https://doi.org/10.1080/02642069.2010.531264.
Lencioni, P. (2002). Make your values mean something. Harvard Business Review, 80(7), 113-117.
Lueg, R., & Vu, L. (2015). Success factors in balanced scorecard implementations: A literature review.
Management Revue, 26(4), 306-327.
Major, M., & Vieira, R. (2017). Contabilidade e controlo de gestão: Teoria, metodologia e prática.
Escolar Editora.
Niven, P. (2014). Balanced scorecard evolution: A dynamic approach to strategy execution. John Wiley
& Sons, Inc.
Norreklit, H. (2000). The balance on the balanced scorecard: A critical analysis of some of its
assumptions. Management Accouting Research, 11(1), 65-88.
Nunes, M., & Peng, G. (2007). Using PEST analysis as a tool for refining and focusing contexts for
information systems research. Business and Management Studies, 229-236.
Panggabean, T., & Jermias, J. (2020). Mitigating Agency Problems Using the Balanced Scorecard.
Journal of Theoretical Accounting Research, 15(2), 72-91.
Quesado, P., Guzmán, B. & Rodrigues, L. (2018). Advantages and contributions in the Balanced
Scorecard implementation. Intangible Capital, 14(1), 186-201.
Quesado, P., & Rodrigues, L. (2009). Factores Determinantes Na Implementação Do Balanced
Scorecard Em Portugal. Revista Universo Contábil, 5(4). https://doi.org/10.4270/ruc.2009433.
Russo, J. (2009). Balanced scorecard para PME e pequenas e médias instituições. Lidel.
Saraiva, H. & Alves, M. (2017). A evolução do balanced scorecard – uma comparação com outros
sistemas, Holos, 4(1), 185-200.
276
Saraiva, H. & Alves, M. (2016). The use of the balanced scorecard in Portugal: evolution and effects on
management changes in portuguese large companies, Tékhne – Review of Applied Management
Studies, 13(1), 82-94.
Silva, E. (2017). O balanced scorecard (BSC) e os indicadores de gestão, Porto: Vida Económica.
Simons, R. (2014). Performance measurement and control systems for implementing strategy (1ª ed.),
Harlow: Pearson Education Limited.
Vieira, L. & Callado, A. (2018). Relações causa efeito entre indicadores de desempenho: uma análise a
partir dos pressupostos do Balanced Scorecard, In XVIII USP Internacional Conference in
Accounting – moving accounting forward, 25-27 de julho, Cidade Universitária - São Paulo.
Wiersma, E. (2009). For which purposes do managers use balanced scorecards?. An empirical study.
Management Accounting Research, 20(4), 239-251. https://doi.org/10.1016/j.mar.2009.06.001.
Yin, R. (2014). Case study research design and methods. Sage Publications.
277
Development: origin and trajectory of a concept51
Susete Albino[0000-0001-5765-1857]
[email protected]
CHAM, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal.
Resumo. A noção de desenvolvimento é apontada como multidimensional do ponto de vista
conceptual e como pluridisciplinar em termos de análise. Comummente utilizada, mas raramente
definida, não possui um sentido genericamente aceite, tendo, nas últimas décadas, fomentado
discussões e confusões nas diversas áreas das ciências sociais e das práticas instituídas. A
complexidade linguística e as polémicas que envolvem o termo impõem, assim, a observação da
sua origem e dos principais traços do seu percurso. Este artigo propõe uma reflexão sobre o
surgimento do conceito e sobre as aceções que foi adquirindo, em particular no seio das
organizações internacionais e no quadro da cooperação internacional para o desenvolvimento.
Fruto da revisão da literatura, o texto tem como suporte teórico o trabalho de autores como
François Perroux, Gilbert Rist, Rogério Amaro e Serge Latouche e evidencia a forte disseminação
semântica do termo e o seu uso indiscriminado, impossibilitando, desta feita, a apresentação de
uma definição consensual e legitimando ações e práticas do desenvolvimento muitas vezes
contraditórias.
5151
Este texto apresenta parte dos resultados da tese de doutoramento da autora: Albino, S. (2020), Políticas educativas, cooperação e
desenvolvimento em Timor-Leste (2002-2015). Tese de doutoramento não publicada. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), Lisboa, Portugal.
278
Na sua essência, o termo obedecia às regras de Durkheim. Empregue primeiramente na linguagem
corrente, aduzia um significado idêntico, concreto, inequívoco e consensual quer se utilizasse, por
exemplo, para designar o desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento de um cálculo ou, ainda, o
desenvolvimento embrionário. A expansão semântica sobreveio com a sua recuperação pelo naturalista
Charles Darwin, em 1859, para a linguagem científica, com o objetivo de ilustrar a evolução das
espécies. Não obstante, esta renovação não colocou em causa a inteligibilidade da palavra, pois
designava uma evolução natural e biológica, caracterizada por mudanças ininterruptas e irreversíveis, e
representava uma continuidade com vista a atingir um determinado fim.
Tal como se instituiu nos contextos considerados até ao momento, o desenvolvimento não
incorpora ambiguidades e não transgride as regras de delineação de uma definição supracitadas. Poder-
se-á, aliás, afirmar que a lógica que acompanha a sua passagem da linguagem corrente para a linguagem
científica é inteiramente percetível. Porém, vários autores têm vindo a apresentar o termo
desenvolvimento como uma noção que está na moda, servindo para tudo, mas onde somente imperam
sentidos imprecisos, prevalecendo a necessidade de se observar o que está na génese da sua
ambiguidade. De entre eles, destacam-se Pörsken (1988), Latouche (1995; 2001; 2004), Tremblay
(1999), Azoulay (2002), Rist (2013), Cartier-Bresson, Destremau, & Lautier (2009), Esteva (2010) &
Madaule (2012).
As leituras efetuadas mencionam a presença de uma certa concordância no que concerne ao momento
histórico que determinou o surgimento de uma nova aceção para o termo. A ocasião em questão
inscreve-se no contexto do pós-guerra (Segunda Guerra Mundial), marcado por uma forte instabilidade
política e por um mundo dividido em dois blocos, e precisa o Ponto IV do discurso de tomada de posse
do Presidente norte-americano Harry Truman como momento de viragem:
• … ourth, we must embark on a bold new program for making the benefits of our scientific advances and
industrial progress available for the improvement and growth of underdeveloped areas. More than half the people
of the world are living in conditions approaching misery. Their food is inadequate. They are victims of disease.
Their economic life is primitive and stagnant. Their poverty is a handicap and a threat both to them and more
prosperous areas. For the first time in history, humanity possesses the knowledge and skill to relieve the suffering
of these people. (...) I believe that we should make available to peace-loving peoples the benefits of our store of
technical knowledge in order to help them realize their aspirations for a better life. And, in cooperation with other
nations, we should foster capital investment in areas needing development. … . Truman, 1949
279
pl stico” e que caracteriza como noções que têm origem na linguagem corrente, onde apresentam um
sentido claro e preciso, que integram, posteriormente, a linguagem científica, antes de serem
incorporadas na linguagem dos tecnocratas, onde adquirem um significado tão vasto que faz com que
não expressem nada para além daquilo que o locutor que as emprega quer que estas representem.
Em 1962, U Than, Secretário-Geral das Nações Unidas, identificou o desenvolvimento como resultado
do crescimento e da mudança. O primeiro de cariz claramente económico e o segundo de índole social
e cultural. Esta perspetiva estabeleceu-se ao longo da década de 1970 e incorporava características
quantitativas e qualitativas. Irrefutável e consensual no contexto político internacional, surgiu,
igualmente, a aceção atribuída ao direito ao desenvolvimento, que constitui o artigo 1.º da Declaração
sobre o Direito ao Desenvolvimento, da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de
1986. Esta aponta o direito ao desenvolvimento como um direito humano inalienável, em virtude do
qual “every human person and all peoples are entitled to participate in, contribute to, and enjoy
economic, social, cultural and political development, in which all human rights and fundamental
freedoms can be fully realized” ON , 1986 .
O mesmo se verifica com as definições (i) do Relatório da Comissão Sul, em 1990, que
mencionava o desenvolvimento como um processo viragem.
which enables human beings to realize their potential, build self-confidence and lead lives of dignity and fulfilment.
It is a process, which frees people from political, economic, or social oppression. Through development, political
independence acquires its true significance. And it is a process of growth, a movement essentially springing from
within the society that is developing. (The South Commission, 1990, p.10)
e (ii) do PNUD no Human Development Report de 1991, que firmou que o objetivo básico do
“desenvolvimento humano”
is to enlarge the range of people’s choices to make development more democratic and participatory. These choices
should include access to income and employment opportunities, education and health, and a clean and safe physical
environment. Each individual should have the opportunity to participate fully in community decisions and to enjoy
human, economic and political freedoms. (UNDP, 1991, p.1)
280
rendent la nation apte à faire croître, cumulativement et durablement son produit réel global” 1964,
p.155 e o crescimento como “l’augmentation soutenue pendant une ou plusieurs périodes longues d’un
indicateur de dimension: pour une nation, le produit global net en termes réels” 1964, p.155 . A seu
ver, o desenvolvimento presumia “crescimento econ mico”, mas o primeiro não se reduzia ao segundo,
pois incorporava outras dimensões.
Seguindo esta linha de reflexão, Legouté (1992) advertiu para o facto de o crescimento ser
mensurável, logo quantitativo, enquanto o desenvolvimento preconiza aspetos que extrapolam o campo
da an lise econ mica, pois implica “une hausse du bien-être social, des changements dans les structures
(la qualification de la main-d’œuvre s’accroit, l’organisation de la production se complexifie et
finalement une mutation de la société toute entière” citado por Latouche, 2001, pp.15-16). Perdura,
portanto, a ideia de que o desenvolvimento pressupõe o crescimento, mas que o crescimento pode
ocorrer sem, no entanto, haver desenvolvimento.
No final dos anos 90 do século XX, com os trabalhos do economista indiano Amartya Sen, galardoado
com o Nobel da Economia em 1998, o desenvolvimento ganhou novos contornos e assistiu-se à eclosão
do indicador de desenvolvimento humano, que passou a ser reconhecido como o instrumento
indiscutível e infalível de mensuração do desenvolvimento de um país. Para além de indicadores
económicos, incorporou indicadores relativos ao bem-estar das populações e às suas respetivas
condições sociais (saúde e educação) (Madaule, 2012).
Mais recentemente, o economista Christian Comeliau (2016) destacou a necessidade de o
desenvolvimento ser entendido como o “progresso geral das sociedades”, concebido e elaborado de
acordo com “une approche très globale, parce qu’il concerne par définition l’ensemble des composantes
interdépendantes de ce qui constitue la “condition humaine” des collectivités concernées” (p.86).
Afastando a análise do âmbito económico, constata-se que, nas últimas décadas, se tem procurado
distanciar a noção deste campo, assistindo-se a uma proliferação de aceções e versões que a tornam mais
hermética. Segundo Amaro (2003), a complexidade provém do contributo de outras áreas disciplinares
das iências Sociais e das “experiências de v rias pr ticas”. De entre as expressões que emergiram, o
autor destaca o desenvolvimento sustentável, o desenvolvimento local, o desenvolvimento participativo,
o desenvolvimento humano, o desenvolvimento social e o desenvolvimento integrado. A seleção destas
em detrimento de outras firma-se em dois critérios que considera basilares: a fundamentação científica
e o reconhecimento institucional internacional.
Não tendo a pretensão de, aqui, se efetuar uma análise destes termos, sublinha-se apenas que
Amaro 2003 advoga que o conceito se encontra no centro de um processo de atualização, que “o
liberta, nas suas novas formulações, das responsabilidades históricas e das conotações negativas que lhe
foram provocadas pelo fundamentalismo economicista dos primeiros 30 anos” p.65 . Estas novas
adjetivações são, aliás, entendidas como renovadoras do seu interesse científico e da sua eficácia para a
ação.
Muito distintas das observadas encontram-se as perspetivas de Gilbert Rist e de Serge Latouche.
Para Rist (2013), a noção de desenvolvimento não passa da construção de uma crença ocidental e tanto
é empregue para designar estados como processos. O autor fundamenta a sua afirmação retomando as
definições (i) do dicionário francês Petit Robert, de 1987, cujas aceções remetem para sentidos próximos
de crescimento, progresso, expansão, extensão, bem-estar, mas igualmente para a utilização da palavra
para descrever países cuja economia ainda não atingiu o nível dos países da América do Norte ou da
Europa Ocidental; (ii) do Relatório da Comissão Sul de 1990, e (iii) no Human Development Report de
1991, do PNUD. Na sua ótica, nenhuma delas corresponde a uma efetiva definição, uma vez que, do
ponto de vista metodológico, estão longe de cumprir o conjunto das condições inerentes à delineação de
uma definição determinadas por Durkheim. Elas ancoram-se em pressupostos que norteiam o
evolucionismo social, o individualismo ou ainda o economicismo e tanto apresentam um carácter
normativo como instrumental. Nenhuma possibilita a apreensão do que é o desenvolvimento e nenhuma
facilita a identificação de locais onde este sucede (ou não). A ambiguidade que envolve as aceções,
assim como o facto de considerar que as mesmas se sustentam na forma como um indivíduo ou um
281
conjunto de indivíduos percecionam as condições ideais da existência social levam Rist (2013) a
designá-las de pseudo-definições.
No entanto, o autor admite a premência de se explanar o conceito e de identificar o que distingue
um “país desenvolvido” de um “país em desenvolvimento”. ara isso, defende a conceção de uma
definição que descreva o conjunto dos mecanismos que determinam as mudanças sociais nas sociedades
contemporâneas, segundo uma lógica específica e geradora de novas estruturas. Com vista a suprir a
lacuna enunciada, propõe que seja observado como
un ensemble de pratiques parfois contradictoires en apparence qui, pour assurer la reproduction sociale, obligent à
transformer et à détruire, de façon généralisée, le milieu naturel et les rapports sociaux en vue d’une production
croissante de marchandises (biens et services destinés, à travers l’échange, à la demande solvable. (Rist, 2013,
pp.40-48)
Conclusões
282
Assim, recuperando as palavras de Azoulay 2002 , “seules les pratiques du développement,
elles-mêmes contradictoires, peuvent permettre sur le long terme, d’appréhender la signification qu’il
convient d’accorder sur un territoire au concept” pp.28-29).
Referências
283
Reputação corporativa: um olhar interno sobre a Câmara Municipal de
Santa Cruz
Keywords: Corporate Reputation, Chamber, internal users, Ideal Institution, Current Institution.
Introdução
284
a colaboração e contribuição e envolvimento de todos os intervenientes na organização, em
especialmente os colaboradores/empregados/trabalhadores/funcionários, isto é, todas os stakeholders
internos.
Por outro lado, a preocupação de uma atuação preventiva antecipando os procedimentos e as
condutas que põe em causa o bom nome da instituição, através de mecanismos racionais de controlo e
prestação de contas, promover parcerias públicas e privadas na perspectiva da implementação de uma
zona económica em especial em Santa Cruz com vocação para ajudar na internacionalização da
economia do país, tendo em atenção a proximidade de Santa Cruz a costa Oeste da zona continental.
Tudo isto é possível, mas urge a necessidade de um trabalho e um esforço árduo internamente, no
sentido de poder fazer com que cada colaborador também percebesse o seu papel e a sua contribuição
para a concretização do objetivo da referida instituição, bem como alinhar aquilo que é a visão da direção
do top aos restantes elementos da instituição.
Davies, Chun, e Kamins (2010), apresentaram que uma grande influência na visão dos clientes
sobre a reputação corporativa veio de sua qualidade de interação com os funcionários, aconselharam
que fazer a gestão de reputação especialmente para a organização de serviços, deve e concentrar em
melhorar a visão do funcionário sobre a empresa, o que, por sua vez, requer uma compreensão de seus
antecedentes e de como a visão do funcionário pode ser implementado pela gestão.
Ora, Helm (2011), defendeu que os funcionários desempenham um papel muito importante na
gestão da reputação. Os funcionários contribuem para a formação de reputação por meio de suas
interações com outras partes interessadas (Helm, 2007, 2011). Assim ter uma boa reputação entre os
funcionários é um aspeto importante de uma forte reputação (Davies et al., 2010). Isto porque a maior
vantagem sobre reputação muitas vezes pode ser alcançada por meio dos funcionários, (Fombrun,
Gardberg & Barnett, 2000). Particularmente quando moldam as perceções de outras partes interessadas
sobre as empresas (Helm, 2011).
Diante deste cenário, pretende com este artigo fazer uma análise de um olhar interno da Câmara
no sentido de poder avaliar e/ou analisar as perceções internas relativamente as práticas de reputação
corporativa, em concreto a identidade corporativa da Câmara Municipal de Santa Cruz, bem como fazer
uma análise SWOT a referida instituição. Para que isso fosse possível, foi aplicado um inquérito por
questionário a 145 colaboradores internos, desde a equipa de gestão, diretores, coordenadores dos
gabinetes, delegados municipais, pessoal de apoio operacional, pessoal da área de finanças, e com
recurso a duas entrevistas ao Sr. Presidente da Câmara e da Vereadora.
O presente artigo encontra-se estruturada em três partes: na primeira, trata-se a questão da
reputação corporativa uma análise interna, análise SWOT da Câmara Municipal, seguidamente
apresentam-se a metodologia e uma análise descritiva dos resultados, e por último apresentam-se
algumas reflexões finais sobre o tema do presente artigo.
285
Análise SWOT da Câmara Municipal de Santa Cruz
Câmara Municipal
O corpo administrativo do concelho de Santa Cruz, é uma Câmara Municipal (Decreto 108/71, de 29
de Março, Diário do Governo n.o 74/1971, Série I de 1971-03-29, 1971). A sede da Câmara Municipal
de Santa Cruz está localizada, em Achada Fátima, no centro da cidade de Pedra Badejo, ilha de Santiago.
Ainda a Câmara conta com mais três regiões administrativas, uma região no Norte (situada na localidade
de Cancelo), Sul (situada na localidade de Achada Fazenda), e recentemente criada a região Centro
situada no centro da Cidade de Pedra Badejo, com o intuito de aproximar os serviços da Câmara
Municipal às comunidades locais.
Para a área das finanças, património, e Fiscalidade municipais: uma Direção Administrativa e
Financeira, Divisão Fiscal e Patrimonial, Divisão dos Recursos Humanos, Divisão de comércio e
aquisição pública, na área de Segurança e Proteção Civil, constituída por Proteção Civil e Bombeiro
Municipal, na área de Ambiente e Saneamento: direção de ambiente e Saneamento, divisão de saúde
pública, para a Direção de Planeamento Técnico, ordenamento do Território e obras, por um Gabinete
de planeamento Técnico Municipal, divisão de urbanismo, divisão de obras municipais, seção de
fiscalização, seção/núcleos Urbanos nas Delegações Municipais Norte e Sul, para a área da Juventude,
Cultura, Desporto e Empreendedorismo: por Direção da Juventude, Cultura e Desporto, Gabinete do
empreendedorismo, Gabinete de Desenvolvimento Local: Serviços de planificação do Desenvolvimento
Local, área de Promoção Social, Família e Género, Direção de Promoção Social.
Relativamente a uma análise interna da Câmara Municipal de Santa Cruz, no sentido de identificar
as forças e as fraquezas, as ameaças e as oportunidades, bem como traçar algumas estratégias com vista
ao reforço e aproveitamentos das oportunidades e consequentemente redução das ameaças. (Ver Tabela
1).
286
✓ Colaboradores com algum grau de dificuldade
em lidar com as novas ferramentas de
tecnologias de informação e comunicação.
Análise Externa
Oportunidades Ameaças
✓ Localização geográfica privilegiada e ✓ Situação económica e política atual;
estratégico da Câmara com proximidade de ✓ Seca consecutivas, e efeitos nefasto da
vários municípios de Santiago Norte e com pandemia fazendo com que impede a Câmara
a Cidade da Praia; de implementar projetos importantes e
✓ Possibilidades de estabelecer fortes estruturantes para o município;
parceria com as empresas estatais, privados ✓ Aumento desenfreada da taxa de desemprego
e associativos, tanto ao nível nacional e sobretudo nas mulheres e na camada juvenil e
internacional em várias facetas; nas pessoas que trabalham diretamente no setor
✓ A realização de projetos estruturantes para do turismo, e restauração;
o município; ✓ Conjuntura atual económica e financeira, que
✓ Dinâmicas e oportunidades em vários afeta todos os setores de economia, e sobre
setores de economia de Santa Cruz; tudo agravar ainda mais a situação de pobreza
✓ ter um município jovem e em franco no município.
crescimento e com oportunidades de ✓ Mudanças climáticas.
investimentos em vários setores da
economia do país;
✓ População, muito jovem permitindo assim
a implementação de vários programas de
investimentos e de outras regiões.
Fonte: Elaboração própria.
Após fazer-se uma análise SWOT à Câmara Municipal de Santa Cruz, procedeu-se alguns
sugestões/estratégias e ações para minimizar e superar as fraquezas e ameaças. Neste sentido a Câmara
deverá aproveitar da experiência multidisciplinar da equipa de gestão, e não só para estabelecer uma
relação de confiança e de proximidade com todos os colaboradores da instituição.
Por outro lado, recomenda a Câmara a investir na experiência dos funcionários, promovendo
ações de formações em diversos setores chaves do atendimento ao público, por exemplo uma aposta
forte na formação e capacitação dos seus funcionários, para que este estejam preparados para lidar com
questões externas da organização, bem como investir em soluções de gestão de recursos humanos para
incentivar o desenvolvimento pessoal e profissional dos utentes, implementar a prática da avaliação de
desempenho baseada em competências.
Recomenda fortemente a uma aposta na sintonia e unificação de comunicação interna, entre a
direção do topo e a todos os colaboradores da instituição, reforçando o sistema de comunicação interna,
envolver e motivar toda os colaboradores, no sentido de que este possam transmitir uma boa imagem da
instituição.
Apetrechar as delegações municipais com ferramentas técnicas e humanos, capazes de representar
a região, e reforçar o sistema de comunicação entre eles. A conscientização da liderança do topo e equipa
de gestão e todos os colaboradores sobre a importância que cada um individualmente ou em grupo
contribuem para uma boa ou má reputação da instituição.
Metodologia da investigação
287
as questões das práticas de reputação corporativa e se essas visões refletem nas visões dos seu utentes
internos, bem como para facilitar a construção da análise SWOT.
Objetivos do estudo
Constitui-se como objetivo do presente trabalho fazer uma análise de um olhar interno da Câmara no
sentido de poder avaliar e/ou analisar as perceções internas, relativamente às práticas de reputação
corporativa, em concreto a identidade corporativa da Câmara Municipal de Santa Cruz, bem como fazer
uma análise SWOT a referida instituição.
Definição da amostra
A amostra é constituída por todos os colaboradores internos da Câmara. Foram aplicados um total global
de 145 questionários aos utentes, utilizando o processo de amostragem probabilístico. Apenas foram
recolhidos os questionários juntos dos utentes que decidiram participar no estudo. E recorreu-se a duas
entrevistas.
288
Tabela 8: Alpha de Cronbach.
Para o tratamento estatístico dos dados recolhidos e para a produção de estatísticas descritivas
(medidas de tendência central e de dispersão), foi preciso inverter alguns itens que compõe a escala
ECC, como agressiva, arrogante, egoísta, centrada nela própria, autoritária, controladora, masculina,
dura, agreste.
Para a análise da relação existente entre as variáveis/Dimensões da Escala de Caráter Corporativa,
levou-se em conta a correlações de Pearson, em que este mede a intensidade e a direção da associação
entre duas variáveis. Este coeficiente varia entre -1 e +1, sendo que considera correlações são fracas
quando o valor é inferior a 0,25; moderadas entre 0,25 e 0,5; são forte entre 0,5 e 0, 75; e a correlação é
muito forte quando é superior a 0,75 (Marôco 2021). E recorreu-se a uma análise de duas entrevistas
semi-estrutural.
Caraterização da amostra
A amostra do presente estudo é constituída por cerca de 145 utentes internos, dentre os quais 48,3% são
colaboradores internos (n=70), 22,8% estão afetos a apoios operacionais (n=33), 11% são coordenadores
do gabinete (n=10), menos de 10%, 6,9% são diretores do gabinete (n=10), 5,5% são pessoal afeto a
fiscalização (n=8), 4,1% são equipa de gestão e vereadores (n=6), e 1,4% são delegados municipais
(n=2) (Tabela 3).
A amostra é constituída maioritariamente por homens, cerca de 54,48% (n=79), e 45,5% são
mulheres (n=66). Quanto ao estado civil, 77,93% dos inquiridos são solteiros (n=113), 17,24% são
casado (n=25), e menos de 10% dos inquiridos, 4,14% vivem em união de facto (n=6), 0,69% são
divorciados (n=1). Relativamente a variável idade dos inquiridos é possível verificar uma maior
concentração da idade nas faixas etárias dos 34 a 40 anos, cerca de 41,38% dos inquiridos (n=60), segue-
lhe a faixa etária dos 28 a 33 anos com 26,21% (n=38), a seguir a faixa etária dos 41 a 72 anos, cerca de
21,38% (n=31), e por fim a faixa etária dos 18 aos 27 anos cerca de 11,03% (n=16).
Relativamente a origem dos inquiridos internos é possível verificar que, dos 145 respondentes
cerca de 51,74% são de origem urbana (n=75), e 48,27% são de origem rural (n=70), e em relação ao
município de origem é possível verificar que cerca de 99,31% dos inquiridos internos residem no
município de Santa Cruz (n=144), e apenas 0,69% residem noutros municípios (n=0,69), vizinhos que
fazem ligação com o município de Santa Cruz. O que se pode concluir que dos 145 utentes inquiridos a
maioria são expressivamente de origem urbano e vivem no município de Santa Cruz, o que acaba por
reforçar ainda mais a proximidade dos utentes internos na comunidade/ambiente de localização da
Câmara.
Já quanto ao nível de escolaridade dos utentes internos da Câmara, é possível verificar que 44,83%
dos inquiridos possuem uma formação superior (n=65), 28,28% o ensino formação profissional (n=41),
15,17% possuem o ensino secundário completo 12.ºano (n=22), 6,21% possuem o ensino básico
completo 1º (n=9), 4,83% possuem o 1.º ciclo (n=7), e 0,68% não possuem um nível de escolaridade
(n=1). Quanto ao variável nível de rendimento mensal bruto dos inquiridos é possível concluir que,
46,90% possuem um rendimento mensal bruto numa escala de 13.001 a 30.000$ escudos cabo verdianos
(n=68), 23,44% possuem rendimento de 50.001$ a 100.000$ (n=34), 18,62% de 30.001$ a 50.000$
(n=27), 6,90% possuem mais de 100.001$ (n=10), e 4,1% possuem rendimento de até 13.000$ (n=6)
(Tabela 3).
289
Tabela 9: Caraterização do perfil dos utentes Internos da CMSCZ.
Utentes Internos
Total
Variáveis AOP CI CG DG DM EGV PAF
N % n % n % n % n % n % n % n %
Idade (anos) 33 100% 70 100% 16 100% 10 100% 2 100% 6 100% 8 100% 145 100%
18 – 27 3 9,09% 9 12,86 3 18,75% - - - -% - - 1 12,5% 16 11,03%
28 – 33 10 30,30% 22 31,43% 1 6,25% 2 20% - - 3 50% - - 38 26,21%
34 – 40 13 39,40% 29 41,43% 7 43,75% 2 20% 1 50% 2 33,33% 6 75% 60 41,38%
41 – 72 7 21,21% 10 14,28% 5 31,25% 6 60% 1 50% 1 16,67 1 12,5% 31 21,38%
Sexo 33 100% 70 100% 16 100% 10 100% 2 100% 6 100% 8 100% 145 100%
Masculino 14 42,42% 35 50% 11 68,75% 7 70% 2 100% 4 66,67% 6 75% 79 54,48%
Feminino 19 57,58% 35 50% 5 31,25% 3 30% - - 2 33,33% 2 25% 66 45,52%
Estado Civil 33 100% 70 100% 16 100% 10 100% 2 100% 6 100% 8 100% 145 100%
Solteiro(a) 26 78,79% 59 84,28% 6 37,5% 8 80% 2 100% 6 100% 6 75% 113 77,93%
Casado(a) 4 12,12% 11 18,64% 8 50% 1 10% - - - - 1 0,25% 25 17,24%
Divorciado(a) - - - - - - 1 10% - - - - - - 1 0,69%
União de facto 3 9,09% - - 2 12,5% - - - - - - 1 0,25% 6 4,14%
Origem 33 100% 70 100% 16 100% 10 100% 2 100% 6 100% 8 100% 145 100%
Rural 14 42,42% 39 55,71% 6 37,5% 2 20% 1 50% 2 33,33% 6 75% 70 51,74%
Urbano 19 57,58% 31 44,29% 10 62,5% 8 80% 1 50% 4 66,67% 2 25% 75 48,27%
Município
33 100% 70 100% 16 100% 10 100% 2 100% 6 100% 8 100% 145 100%
onde reside
Santa Cruz 33 100% 70 100% 16 100% 9 90% 2 100% 6 100% 8 100% 144 99,31%
Outra - - - - - - 1 10% - - - - - - 1 0,69%
Habilitações
33 100% 70 100% 16 100% 10 100% 2 100% 6 100% 8 100% 145 100%
Literárias
S/Escolaridade 1 3,03% - - - - - - - - - - - - 1 0,68%
Ens. B. 1º
2 6,06% 4 5,71% - - - - - - - - 1 12,5% 7 4,83%
ciclo
Ens.B. 2º ciclo 2 6,06% 6 8,57% - - - - - - - - 1 12,5% 9 6,21%
Ens.S. 12ºano 10 30,30% 8 11,43% 1 6,25% - - 1 50% - - 2 25% 22 15,17%
E. F. P 10 30,30% 24 34,29% 3 18,75% - - 1 50% - - 3 37,5% 41 28,28%
Ens. Superior 8 24,24% 28 40% 12 17,14% 10 100% - 100% 6 100% 1 12,5% 65 44,83%
Rend. Mensal
33 100% 70 100% 16 100% 10 100% 2 100% 6 100% 8 100% 145 100%
Bruto
Até 13.000$ 2 6,06% 4 5,71% - - - - - - - - - - 6 4,14%
13.001-
23 69,70% 35 50% 3 18,75% - - - - - - 7 87,5% 68 46,90%
30.000$
30.001-
6 18,18% 17 24,29% 2 12,5% 1 10% - - - - 1 12,5% 27 18,62%
50.000$
50.001-
2 6,06% 13 18,57% 11 68,75% 4 40% 2 100% 2 40% - - 34 23,44%
100.000$
100.001 ou
- - 1 1,43% - - 5 50% - - 4 60% - - 10 6,90%
mais
Nota: AOP, pessoal afeto a apoio operacionais; CI, colaborador internos; CG, coordenador de gabinete; DG, diretor gabinete; DM, delegado
municipal; EGV, equipa de gestão, vereadores; PAF, pessoal afeto a fiscalização, EFP, ensino formação profissional; n, frequência absoluta;
%, frequência relativa.
Fonte: Elaboração própria.
290
Não
2%
Talvez
10%
Sim
88%
291
Tabela 11: Análise descritiva da reputação da CMSCZ-Uma Instituição Ideal (cont.).
Itens/Facetas/Dimensões 1-DT(n;%) 2-D(n;%) 3-ND/NC(n;%) 4-C (n; %) 5-CT(n;%) µ σ
Faceta Aventureira 3,89 0,734
Imaginativa (n=145) 3(2,1%) 11(7,6%) 32(22,1%) 64(44,1%) 35(24,1%) 3,81 0,960
Atual (n=145) 2(1,4%) 5(3,4%) 18(12,4%) 70(48,3%) 50(34,5%) 4,11 0,851
Excitante (n=145) 7(4,8%) 19(13,1%) 46(31,7%) 43(29,7%) 30(20,7%) 3,48 1,106
Inovadora (n=145) 1(0,7%) 4(2,8%) 16(11,0%) 69(47,9%) 55(37,9%) 4,19 0,715
Faceta Ousada 3,89 0,823
Extrovertida (n=145) 3(2,1%) 11(7,6%) 34(23,4%) 66(45,5%) 31(21,4%) 3,77 0,943
Ousada (n=145) 2(1,4%) 9(6,2%) 21(14,5%) 65(44,8%) 48(33,1%) 4,02 0,924
Dimensão Competência 4,02 0,622
Faceta Responsável 4,20 0,702
Fiável (n=145) 2(1,4%) 4(2,8%) 18(12,4%) 72(49,4%) 49(33,8%) 4,12 0,829
Segura (n=145) 1(0,7%) 7(4,8%) 20(13,8%) 69(47,6%) 48(33,1%) 4,08 0,851
Trabalhadora (n=145) 2(1,4%) 9(6,2%) 59(40,7%) 75(51,7%) 4,43 0,674
Faceta Líder 4,02 0,760
Ambiciosa (n=145) 2(1,4%) 9(6,2%) 17(11,7%) 64(44,1%) 53(36,6%) 4,08 0,924
Orientada para o sucesso (n=145) 1(0,7%) 6(4,1%) 14(9,7%) 72(49,7%) 52(35,6%) 4,16 0,814
Dominante (n=145) 4(2,8%) 9(6,2%) 32(22,1%) 64(44,1%) 36(24,8%) 3,82 0,969
Faceta Tecnocrata 3,84 0,743
Técnica (n=145) 3(2,1%) 5(3,4%) 17(11,7%) 80(55,2%) 40(27,6%) 4,03 0,849
Empresarial (n=145) 5(3,4%) 17(11,7%) 26(17,9%) 70(48,3%) 27(18,6%) 3,67 0,102
Com estilo (n=145) 3(2,1%) 4(2,8%) 20(13,8%) 67(46,2%) 51(35,2%) 4,10 0,884
Com prestígio (n=145) 1(0,7%) 3(2,1%) 22(15,2%) 67(46,2%) 52(35,9%) 4,14 0,799
292
Centrada nela própria (n=145) 25(17,2%) 45(31,0%) 29(20,0%) 27(18,6%) 19(13,1%) 2,79 1,296
Fácil de lidar (n=145) 6(4,10%) 15(10,3%) 30(20,7%) 59(40,7%) 35(24,1%) 3,70 1,074
No que respeita a reputação corporativa da Câmara Municipal de Santa Cruz, como uma
Instituição Atual é possível verificar que é positiva tendo em conta que, quase todas as facetas obtiveram
um valor da média superior a 3 pontos. As facetas que apresentaram o melhor valor foram: Faceta
Moderna, 4,10 pontos (um desvio padrão de 0,649); Faceta Responsável 4,08 pontos (um desvio padrão
de 0,649); Faceta Egoísta 4,03 pontos (um desvio padrão de 0,912- esta faceta inclui alguns itens
invertidos); Faceta Empática 3,97 pontos (um desvio padrão de 0,697) (Tabela 5).
Tabela 13: Análise de reputação corporativa da CMSCZ- Uma Instituição Atual (n=145).
293
Tabela 14: Análise da correlação da reputação na Instituição Ideal e Instituição Atual (n=145).
µ Σ Global Ideal Global Atual
Reputação na
3,621 0,485 r 1 0,748
Instituição Ideal
p-value 0,001
Reputação na
3,596 0,445 r 0,748 1
Instituição Atual
p-value 0,001
Nota: µ, média; σ, desvio padrão; n, amostra; r, correlação de earson.
Fonte: Elaboração própria.
Conclusões
Com a realização deste artigo, que pretendia fazer uma análise de um olhar interno na Câmara Municipal
de Santa Cruz, no sentido de poder avaliar e/ou analisar as percepções internas relativamente ás práticas
de reputação corporativa, em concretamente abordar sobre a questão da identidade corporativa, bem
como fazer uma análise SWOT, com recurso a aplicação de um inquérito por questionário a 145 utentes
internos, e com auxilio de duas entrevistas realizadas aos responsáveis pela gestão, liderança da própria
instituição.
Quanto ao fator de gestão de reputação é positiva na perspetiva dos utentes internos inquiridos
com base na análise descritivas dos dados, tanto para uma Instituição Ideal e para a Instituição Atual.
Quanto a questão da lealdade dos utentes internos dada através da variável recomendaria os
serviços da Câmara para outras pessoas, amigos e familiares, obteve uma taxa de recomendação de 88%
(n=128). Quanto ao nível dos utentes inquiridos a maioria são constituídas por homens, e a faixa etária
com maior expressão é de 34 a 40 anos (n=60).
Quanto as 14 facetas da dimensão para uma Instituição Atual a faceta moderna obteve a melhor
média medida numa escala do tipo Likert de 5 pontos (4,10 pontos, desvio padrão de 0,649).
Relativamente as entrevistas podem concluir de que a Câmara dispõe de um departamento de
comunicação e imagem, e possuem diretrizes interna de comunicação entre a liderança de topo até a
base dos pessoais de apoios operacionais.
A visão da liderança sobre a questão de reputação num conceito não técnico como é algo de bom,
que através do qual consegue fidelizar uma pessoa com o outro. Falar da reputação é falar de aceitação,
de confiança, de respeito, de interesse a um certo ponto e sobretudo ao falar de confiança. É aquilo que
acaba por ligar duas partes neste caso no relacionamento interpessoal, e como também relacionamento
entre uma instituição e suas respetivas partes interessadas, e que acaba por traduzir num bom
desempenho da instituição.
Claro que falar da reputação ao nível da Câmara é claro que ela acaba por contribuir para um bom
desempenho, tanto ao nível de melhorias de condições de vida, na melhoria no desenvolvimento do
município e das suas localidades, de uma forma transversal, em vários domínios, e é uma das formas
onde o público avalia a Câmara de fora para dentro, passando ao domínio de vários serviços e setores
de atuação da Câmara Municipal de Santa Cruz, isto é a reputação ao nível setorial. E depende sobretudo
daquilo que a Câmara deseja, dos objetivos e metas a alcançarem em um determinado período.
A Câmara como sendo uma Instituição Pública, tem os seus princípios e valores e um grande
desafio e preocupação é Santa Cruz em primeiro lugar. E tendo Santa Cruz em primeiro lugar a
preocupação da Câmara é contribuir para o desenvolvimento e crescimento do município e garantir que
cada munícipe possui o seu rendimento. A Câmara trabalha com todos os tipos de utentes quer interno
e ou externo, de diversas localidades do município e não só.
Foi possível concluir que os utentes da Câmara municipal de Santa Cruz, avaliaram de forma
positiva a reputação interna da Câmara.
Referências
294
Argenti, P. A., & Druckenmiller, B. (2004). Reputation and the Corporate Brand. Corporate Reputation
Review, 6(4), 368–374. Acedido em: 4 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1057/palgrave.crr.1540005.
Balmer, JMT., & Gray, E. R. (2003). Corporate brands: What are they? What of them? European
Journal of Marketing, 37(7/8), 972–997. Acedido em: 4 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1108/03090560310477627.
Burke, PF., Dowling, G., & Wei, E. (2018). The relative impact of corporate reputation on consumer
choice: Beyond a halo effect. Journal of Marketing Management, 34(13–14), 1227–1257.
Acedido em: 4 julho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1080/0267257X.2018.1546765.
Chun, R. (2005). Corporate reputation: Meaning and measurement. International Journal of
Management Reviews, 7(2), 91–109. Acedido em: 4 julho 2022: Disponível em:
https://doi.org/10.1111/j.1468-2370.2005.00109.x.
Davies, G., Chun, R., & Kamins, M. A. (2010). Reputation gaps and the performance of service
organizations. Strategic Management Journal, 31(5), 530–546. Acedido em: 4 julho 2022.
Disponível em: https://doi.org/10.1002/smj.825.
Decreto 108/71, de 29 de março. (1971). Diário do Governo n.º 74 (Série I), 421-421. Lisboa, Portugal:
Ministério do Ultramar-Inspeção Superior de Administração Ultramarina. Acedido em: 2 julho
2022. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto/108-1971-445771.
Fombrun, C. J., Gardberg, N. A., & Sever, J. M. (2000). The Reputation QuotientSM: A multi-
stakeholder measure of corporate reputation. Journal of Brand Management, 7(4), 241–255.
Acedido em: Disponível em: https://doi.org/10.1057/bm.2000.10.
Gray, E., & Balmer, J. (1998). Managing Corporate Image and Corporate Reputation. Long Range
Planning, 31. Acedido em: 4 julho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0024-
6301(98)00074-0.
Hall, R. (1992). The strategic analysis of intangible resources. Strategic Management Journal, 13(2),
135–144. Acedido em: 4 julho 2022: Disponível em: https://doi.org/10.1002/smj.4250130205.
Helm, S. (2007). The Role of Corporate Reputation in Determining Investor Satisfaction and Loyalty.
Corporate Reputation Review, 10(1), 22–37. Acedido em: 4 julho 2022: Disponível em:
https://doi.org/10.1057/palgrave.crr.1550036.
Helm, S. 2011 . Employees’ awareness of their impact on corporate reputation. Journal of Business
Research, 64(7), 657–663. Acedido em: 4 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2010.09.001.
Marôco, J. (2021). Análise Estatística com o SPSS Statistics.: 8a edição. ReportNumber, Lda.
Roberts, PW., & Dowling, G. R. (2002). Corporate reputation and sustained superior financial
performance: Reputation and Persistent Profitability. Strategic Management Journal, 23(12),
1077–1093. Acedido em: 4 julho 2022. Disponível: https://doi.org/10.1002/smj.274.
Roper, S., & Davies, G. (2007). The Corporate Brand: Dealing with Multiple Stakeholders. Journal of
Marketing Management, 23(1–2), 75–90. Acedido em: 4 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1362/026725707X178567.
295
Aplicação da Escala de Carácter Corporativo à Câmara Municipal de
Santa Cruz-Cabo Verde
296
Introdução
A reputação corporativa constitui-se hoje, um tema muito presente na gestão das organizações, quer de
interesse público ou privado, sendo ela considerada como um dos grandes desafios para a gestão
estratégica nas organizações, sobretudo, a preocupação no que tange a construção da sua identidade e
de sua imagem corporativa na mente dos seus stakeholders (público-alvo). Com a constantes evoluções,
do mercado em que os clientes/utentes estão cada vez mais exigente e o mercado cada vez mais
competitivo, torna-se necessário que a instituição esteja à altura dos desafios presente no sentido de
poder corresponder atempadamente as expetativas e aos anseios dos seus públicos. Sendo assim, a
reputação pode ser entendida como a perceção que diferentes stakeholders possuem de uma organização,
pode assim, dizer que se trata de uma área atual e pertinente que contribui para o desenvolvimento e
crescimento das organizações. Davies (2017) define a reputação como sendo uma análise da perspetiva
interna, que tem haver com a identidade da organização, e a perspetiva externa, que tem haver com a
imagem corporativa. Ainda o mesmo autor, considera a reputação como sendo a perceção mental que
os utentes possuem e avaliam determinada instituição.
As preocupações visando uma melhor administração pública/serviços públicos não são de hoje,
mas também não é menos verdade que os serviços públicos vivem, atualmente uma verdadeira
encruzilhada, tal é o tamanho dos desafios da prestação sempre crescente de serviços a um número cada
vez maior de utentes, cujas expetativas aumentam cada dia que passa. Desafios nos domínios da
formação, motivação e mudanças de atitudes dos recursos humanos do setor público, da reputação, da
governança integrada, do combate a burocracia, da imagem e da identidade organizacional, entre outros
ainda com o desafio no domínio da inovação enquanto elemento vital para a prestações de serviços com
melhor qualidade.
Neste sentido, pretende-se com o presente artigo analisar a reputação e o perfil dos utentes da
Câmara Municipal de Santa Cruz, ilha de Santiago Cabo Verde, de acordo com a perceção dos seus
utentes, bem como caraterizar o perfil sociodemográfico e profissional dos utentes, identificar os itens
mais importantes para os utentes para cada dimensão da Escala de Caráter Corporativa, numa instituição
ideal, e por fim verificar até que ponto os dados sociodemográficos e profissional influenciam ou não
na reputação da Câmara Municipal de Santa Cruz, numa Instituição Ideal.
Assim, o artigo encontra-se estruturada em três partes: na primeira, trata-se a questão da reputação
corporativa e conceitos associados à reputação, identificação de alguns pontos sobre o município de
Santa Cruz, e da Câmara Municipal, seguidamente apresentam-se a metodologia e uma análise descritiva
e inferencial dos resultados, e por último apresentam-se algumas reflexões finais sobre o tema do
presente artigo.
Reputação corporativa
A reputação corporativa não é um tema nova, mas vem convergindo ao longo dos últimos anos (Balmer,
1998; Cornell & Shapiro, 1987; Shapiro, 1983; Weigelt & Camerer, 1988), dada a sua importância e
atualidade, esta conversão tem afetado muito as práticas do marketing ao redor do mundo e não só. Uma
vez que ela exige uma gestão permanente e que traz grandes benefícios às organizações, ajudando-os a
mitigar os efeitos de eventuais crises, em que as perceções das populações interessadas são colocadas à
prova. Não obstante começou a ganhar os interesses no mundo empresarial, e nas disciplinas de
marketing e estratégia nos meados dos anos 90, por iniciativas de vários investigadores, e de várias
escolas de pensamento, apesar de que o tema já existia a muito tempo. No entanto, não existe ainda um
consenso sobre a definição concreta e única da reputação corporativa, pelo que foram vários os conceitos
surgindo relativamente de diversas áreas e de diversos setores, Carreras, Alloza e Carreras (2013).
Segundo Dowling (2016) a reputação é a expetativa e/ou a perceção do público em geral sobre
uma determinada organizações/instituições/empresas, sobre os seus produtos e serviços e entre outros
aspetos da organização. Da mesma forma que, Roper e Davies (2007) defendeu que a reputação
corporativa é a perceção mental de múltiplas partes interessadas, isto é, interesses de vários stakeholders,
em que o mais importante são os clientes/utentes, numa perspetiva externa e os
colaboradores/funcionários, numa perspetiva interna das organizações. Ainda Davies e Chun (2003)
297
enfatizaram que a reputação pode ser a perceção mental que um individuo detém de uma organização e
essa perceção pode ser avaliada de duas perspetivas: interna que englobam a questão da identidade
corporativa, e a parte externa que abrangem a imagem corporativa. Já Van der Merwe e Puth (2014), a
reputação corporativa é a avaliação centrada e coletiva que todos os stakeholders, fazem sobre a
confiabilidade de uma organização, do seu caráter, e que influência sua decisão de confiar e apoiar.
Contudo é de referir que há vários conceitos e fenómenos sobre a reputação, porém existem alguns
aspetos semelhantes na maioria destes conceitos, que é o de avaliar, perceber, relacionar, isto é, os
utentes para avaliar uma determinada organização torna-se necessário que ela possuem já alguma
experiência, relação com a organização no sentido de que a sua avaliação não acaba por ser apenas uma
mera avaliação. Por isso que Weigelt e Camerer (1988) consideraram a reputação como sendo, um
conjunto de atributos atribuídos a uma empresa, inferidos dos comportamentos anterior da organização.
Como a reputação é considerada como o reflexo de uma organização ao longo do tempo,
conforme vista dos olhos de seus stakeholders e expressos por meio de seus pensamentos e palavras
(Saxton, 1998). Deste modo, as organizações são constituídas de várias partes interessadas, como
funcionários, fornecedores, clientes/utentes, acionistas, etc, e assim por diante é claro que as expetativas,
e perceções em relação a empresa são diferentes e muitas vezes contraditórias (Szwajca, 2017). Por isso
é fulcral que as organizações do setor público/privado comecem a adotar estratégias de medir e ou
avaliar a sua reputação.
Neste sentido, a reputação corporativa não anda por si só, por isso é necessário elencar aqui alguns
elementos importantes associado ao conceito de reputação como a marca, imagem, identidade,
comunicação, feedback, e vantagem competitiva (Ver Figura 1). Sendo a reputação considerada como
um dos ativos estratégicos e mais importantes que uma organização poderá ter pelo fato de ser
considerada como um impulsionador de uma vantagem competitiva, (Barney, 1991; Boyd, Bergh, &
Ketchen, 2010; Ponzi, Fombrun & Gardeberg, 2011; Roberts & Dowling, 2002; Shamma, 2012).
A imagem e identidade corporativa, contribui diretamente para a formação da reputação nas
organizações, já a marca como uma identificação única que pertence a uma única ou várias
personalidades. De maneira que as empresas estão entrelaçadas com as várias formas que desempenham
funções ativas que formam um pacto de marca corporativa (Balmer, 2012). Segundo este autor, a marca
corporativa não se trata apenas da atratividade da imagem, mas da representação concisa da organização
na mente do público-alvo.
Com tudo, a imagem corporativa diz respeito a imagem mental imediata que um individuo detêm
da organização, e pode afetar materialmente o sentido de que os indivíduos associados com uma
organização e é provável que tenha impacto no comportamento (Balmer, Powell & Greyser, 2011;
Karaosmanoğlu, & Banuelmadg, 2011).
298
A imagem corporativa representam soma das perceções, impressões, crenças, emoções, referentes
a instituição por partes de seus públicos externos, sendo positiva quando esses públicos tem um conjunto
de opiniões favoráveis a seu respeito (Cian & Cervai, 2014; Golgeli, 2014). Já a comunicação
corporativa representa o processo por meio do qual os stakeholders percebem a identidade da empresa,
ou seja, por meio da comunicação corporativa é estabelecida a relação entre a identidade da organização
e sua imagem e reputação. A sustentação da vantagem competitiva da corporação está associada á
inseparabilidade entre identidade corporativa, comunicação corporativa, imagem corporativa e
reputação corporativa, e feedback. (Ver Figura 1).
Para analisar a perceção da reputação corporativa da Câmara Municipal de Santa Cruz, as
perspetivas dos utentes recorreu-se a Escala de Caráter Corporativa (ECC)52, constituída por 7
dimensões, 14 facetas e 49 itens ou adjetivos que compõe a escala (Davies, Chun, Silva & Roper, 2001,
2004; Davies & Chun, 2003). A escala tem por base a metáfora da personificação, que permite mensurar
em simultâneo a parte interna e externa da organização. uma escala com 7 dimensões: Concordância;
Empreendedorismo; Competência; Elegância; Severidade; Informalidade e Machismo, e 14 Facetas
(Tabela 1).
52
Escala de Caráter Corporativa desenvolvida, por Davies, Chun e Rosa (2001; 2004).
299
Salvador do Mundo, Sudoeste com o município de São Lourenço dos Órgãos, e a Sul com o município
de São Domingos, encerra a sua fronteira pela orla marítima na zona este (PEMDS53, 2021).
Com base nos dados do INECV54, (2019), o município, ainda conta com uma população residente
de 26.009 habitantes, sendo 13.089 são mulheres e 12.920 são homens, distribuídas em 24 localidades
deste município, empreendendo as zonas do meio rural e urbano, sendo as mais populosas as da Cidade
de Pedra Badejo, Achada Fazenda e Cancelo. O município de Santa Cruz é subdividido em três zonas
administrativas: Zona Centro, Zona Sul e Zona Norte. Em cada Zona Administrativa existe uma
sede/Delegação Municipal. A população do município de Santa Cruz, representa cerca de 9,4% do total
da população de Cabo Verde durante o ano de 2019.
A sede do município é a cidade de Pedra Badejo, que alberga a administração do concelho e a
maioria dos serviços públicos principais. As atividades económicas deste município centraliza-se muito
no setor primário, a agricultura, pesca, e pecuária, e com forte predominância para o setor dos comércios,
com uma vantagem para a sua localização que faz ligação entre todos os municípios do norte e sul da
ilha, e ser um pólo importante do comércio na ilha de Santiago. No setor do turismo apresenta condições
naturais que poderão ser potencializadas para o desenvolvimento do concelho, nomeadamente as
paisagens exóticas, a sua riqueza natural, a música, o turismo religioso, de montanha, e o enoturismo.
De um modo global o município tem dados alguns passos importantes, para o desenvolvimento e
crescimento do mesmo.
Metodologia
Para a realização deste artigo foi utilizada o método quantitativo exploratório, utilizando técnicas de
pesquisas de dados primários com recurso à aplicação de 826 inquérito por questionário. Foi realizada
uma pesquisa documental sobre os tópicos relacionados a reputação corporativa, no sentido de justificar
e fundamentar o tema.
O objetivo geral do presente estudo assenta em analisar a reputação e o perfil dos utentes da
Câmara Municipal de Santa Cruz, da ilha de Santiago, Cabo Verde, de acordo com a perceção dos seus
utentes, no período 2020/2021 para uma Instituição Ideal, bem como caraterizar o perfil
sociodemográfico e profissional dos utentes da Câmara, identificar os atributos de reputação mais
importantes nas dimensões da Escala de Caráter Corporativa para os utentes, bem como averiguar até
que ponto os dados sociodemográficos e profissional podem influenciar ou não a reputação da Câmara
em estudo. Para tal, optou-se por produzir uma análise descritiva exploratória, nomeadamente, recorreu-
se à produção de frequências absolutas e relativas e medidas de tendência central e de dispersão.
53
Plano Estratégico Municipal de Desenvolvimento Sustentável do Município.
54
Instituto Nacional de Estatística de Cabo Verde.
300
Apresentação análise dos dados
Relativamente a variável idade dos inquiridos, os resultados mostram que num total dos 826
inquiridos, o grupo etário dos 18 aos 27 anos é o mais representado, correspondente a 28,57% da
totalidade dos respondentes (n=236), segue-lhe o grupo etário dos 28 aos 33 anos, com 25,06% (n=207),
e o grupo etário dos 41 aos 72 anos, com 24,34% (n=201), e por último o grupo etário dos 34 aos 40
anos, com 22,03% (n=182). Ainda nesta variável pode verificar que relativamente a idade num total dos
145 utentes internos, mostram uma maior concentração das idades no grupo etários dos 34 aos 40 anos,
com cerca de 41,38% (n=60), e para os utentes externos, num total dos 681 inquiridos, os dados mostra
uma maior concentração das idades no grupo etários dos 18 aos 27 anos. Com base nisso, conclui que a
maioria dos utentes da Câmara no período 2020/2021 são jovens (Tabela 3).
No que se refere ao estado civil, pode verificar que, num total dos 826 inquiridos, cerca de 81,11%
são solteiros (n=670), e 13,66% são casados (n=118), e 4,61% dos inquiridos possuem estado civil
outros (n=38). (Ver Tabela 4).
301
Tabela 18: Estado civil dos inquiridos.
No que diz respeito à origem dos inqueridos, os resultados evidenciaram que num total dos 826
inquiridos, 66,59% são de origem rural (n=550), e 33,41% são de origem urbana (n=276). Teoricamente
o município de Santa Cruz, é constituída por 24 localidades em que a maioria se concentram no meio
rural, e tendo estes resultados acabaram por provar de que uma grande procura dos utentes no período
2020/2021 são de origem rural, apesar de já existirem regiões administrativas, norte, centro e sul (Tabela
5).
No que tange a variável município de origem, é possível verificar que num total dos 826
inquiridos, pode concluir que 97,34% residem no município de Santa Cruz (n=804), e 2,66% dos
respondentes residem noutros municípios (n=22). Isto deve se ao fato de o presente estudo inserir sobre
a análise da reputação da Câmara local, de acordo com a perceção dos seus utentes, e concluir que quase
todos os utentes que procuram pelos serviços da Câmara no período de 2020/2021 são de Santa Cruz
(Tabela 6).
Relativamente ao nível de escolaridade dos inqueridos, é possível verificar que num total de 826
inqueridos, cerca de 29,30% dos inquiridos possuem o ensino superior, 26,76% possuem o ensino básico
completo (isto é, o 1º e 2º ciclo), e menos de 20% dos inquiridos possuem o ensino de formação
profissional (19,98%), ensino secundário completo 12.º ano (18,52%), e 6,05% dos inquiridos não
possuem um nível de escolaridade. É de se notar que cerca de 44,83% dos utentes internos possuem o
302
ensino superior (n=65), 28,29% o ensino formação profissional (n=41), e cerca de 30,10% dos utentes
externos possuem o ensino básico completo (n=205), e 25,99% o ensino superior (n=177). De concluir
que os utentes tanto ao nível interno e externo possuem um certo grau de nível de escolaridade, o que
lhes permitem ler e escrever (Tabela 7).
Quanto a variável situação profissional dos inqueridos, conclui se que num total dos 826
inquiridos, 43,34% trabalham por conta de outrem (n=358), 23,5% são desempregados (n=194), 22,6%
trabalham por conta própria (n=187), e menos de 10 % dos inquiridos possuem outras situações de
estudantes, reformados (Ver Tabela 8).
Relativamente a variável rendimento bruto mensal dos inquiridos, é possível verificar que dos
826 inquiridos, 31,48% encontram-se desempregados e não possui um rendimento (n=260), 25,66%
auferem um salário numa escala de 13.001$ a 30.000$, e menos de 20% dos inquiridos, 16,46 auferem
um salário de 50.001$ ou mais, 15,01% até 13.000$, e 11,38% de 30.001$ a 50.000$ (Tabela 9)
303
50.001 ou mais 44 30,34 92 13,51 136 16,46
Total 145 100% 681 100% 826 100%
Nota: n, amostra; % frequência relativa/Percentagem.
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 24: Análise da descritiva da Dimensão Concordância e respetivas facetas e itens da ECC.
Discordo Discordo Neutro Concordo Concordo
Dimensões/Facetas/Itens Totalmente n; % n; % n; % Totalmente µ 𝝈
n; % n; %
Dimensão Concordância 4,21 0,637
Faceta Calorosa
4,19 0,594
(n=826)
Amigável
1 0,1% 11 1,3% 38 4,6% 406 49,2% 370 44,8% 4,37 0,648
(n=826)
Agradável
11 1,3% 14 1,7% 42 5,1% 453 54,8% 306 37,0% 4,25 0,741
(n=826)
Aberta
9 1,1% 19 2,3% 49 5,9% 518 62,7% 231 28,0% 4,14 0,714
(n=826)
Direta
21 2,5% 24 2,9% 93 11,3% 487 59,0% 201 24,3% 4,00 0,838
(n=826)
Faceta Empática
4,22 0,702
(n=826)
Interessada
10 1,2% 17 2,1% 61 7,4% 448 54,2% 290 35,1% 4,20 0,760
(n=826)
Tranquilizadora
11 1,3% 16 1,9% 58 7,0% 438 53,0% 303 36,7% 4,22 0,767
(n=826)
Disponível para ajudar
11 1,3% 12 1,5% 40 4,8% 428 51,8% 335 40,6% 4,29 0,741
(n=826)
Concordante 12 1,5% 16 1,9% 79 9,6% 440 53,3% 279 33,8% 4,16 0,785
304
(n=826)
Faceta Íntegra
4,24 0,698
(n=826)
Honesta
9 1,1% 19 2,3% 68 8,2% 379 45,9% 351 42,5% 4,26 0,793
(n=826)
Sincera
15 1,8% 19 2,3% 62 7,5% 424 52,3% 306 37,0% 4,19 0,815
(n=826)
De confiança
15 1,8% 15 1,8% 54 6,5% 415 50,2% 327 39,6% 4,24 0,800
(n=826)
Socialmente responsável
11 1,3% 13 1,6% 44 5,3% 442 53,5% 316 38,3% 4,26 0,744
(n=826)
Nota: µ, média; σ, desvio-padrão; n, amostra.
Fonte: Elaboração própria.
Os resultados apresentam se as perceções dos utentes da Câmara como sendo uma instituição
ideal, representada por médias e desvio padrão da pontuação da dimensão empreendedorismo e as
respetivas facetas: moderna, aventureira e ousada. As três facetas apresentam valores superior a 3
pontos, o que significa que os utentes consideram a Câmara como sendo empreendedora, e um aspeto
positivo em relação a dimensão empreendedorismo, pois registou se uma média de 4,07 pontos, (desvio
padrão de 0,609). Os atributos de reputação mais importante nesta dimensão são inovadora 4,30 pontos
(desvio padrão de 0,715), jovem 4,23 pontos (desvio padrão de 0,741). Conclui-se que os utentes
consideraram a Câmara como sendo jovem, inovadora (Tabela 11).
Tabela 25: Análise da descritiva da Dimensão Empreendedorismo e respetivas facetas e itens da ECC.
Discordo Discordo Neutro Concordo Concordo
Totalment n; % n; % n; % Totalmente
Dimensões/Facetas/Itens µ Σ
e n; %
n; %
Dimensão
4,07 0,609
Empreendedorismo
Faceta Moderna
4,16 0,645
(n=826)
Fixe
11 1,3% 17 2,1% 65 7,9% 481 58,2% 252 30,5% 4,15 0,752
(n=826)
Na moda
10 1,2% 23 2,8% 112 13,6% 413 50% 268 32,4% 4,10 0,820
(n=826)
Jovem
10 1,2% 14 1,7% 52 6,3% 453 54,8% 297 36,0% 4,23 0,741
(n=826)
Faceta Aventureira
3,99 0,646
(n=826)
Imaginativa
18 2,2% 31 3,8% 130 15,7% 453 54,8% 194 23,5% 3,94 0,858
(n=826)
Atual
10 1,2% 16 1,9% 46 5,6% 503 60,9% 251 30,4% 4,17 0,719
(n=826)
Excitante
47 5,7% 96 11,6% 186 22,5% 339 41,0% 158 19,1% 3,56 1,097
(n=826)
Inovadora
9 1,1% 10 1,2% 41 5,0% 434 52,5% 332 40,2% 4,30 0,715
(n=826)
Faceta Ousada
4,06 0,718
(n=826)
Extrovertida
22 2,7% 36 4,4% 119 14,4% 469 56,8% 180 21,8% 3,91 0,877
(n=826)
Ousada
11 1,3% 25 3,0% 67 8,1% 396 47,9% 327 39,6% 4,21 0,820
(n=826)
Nota: µ, média; σ, desvio-padrão; n, amostra; % frequência relativa/Percentagem.
305
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 26: Análise da descritiva da Dimensão Competência e respetivas facetas e itens da ECC.
Discordo Discordo Neutro Concordo Concordo
Dimensões/Facetas/Itens Totalmente n; % n; % n; % Totalmente µ 𝝈
n; % n; %
Dimensão Competência 4,13 0,591
Faceta Responsável
4,29 0,645
(n=826)
Fiável
8 1,0% 18 2,2% 53 6,4% 423 51,2% 324 39,2% 4,26 0,752
(n=826)
Segura
13 1,6% 15 1,8% 58 7,0% 475 57,5% 265 32,1% 4,17 0,760
(n=826)
Trabalhadora
6 0,7% 10 1,2% 31 3,8% 337 40,8% 442 53,5% 4,45 0,695
(n=826)
Faceta líder
4,14 0,681
(n=826)
Ambiciosa
15 1,8% 25 3,0% 62 7,5% 453 54,8% 271 32,8% 4,14 0,818
(n=826)
Orientada para o sucesso
10 1,2% 18 2,2% 40 4,8% 478 57,9% 280 33,9% 4,21 0,735
(n=826)
Dominante
19 2,3% 20 2,4% 96 11,6% 446 54,0% 245 29,7% 4,06 0,845
(n=826)
Faceta Tecnocrata
3,98 0,749
(n=826)
Técnica
11 1,3% 18 2,2% 95 11,5% 460 55,7% 242 29,3% 4,09 0,779
(n=826)
Empresarial
28 3,4% 57 6,9% 111 13,4% 420 50,8% 210 25,4% 3,79 0,911
(n=826)
Nota: µ, média; σ, desvio-padrão; n, amostra; % frequência relativa/Percentagem.
Fonte: Elaboração própria.
No que se diz respeito a dimensão elegância, os inquiridos consideraram a Câmara como sendo
elegante, pois a média desta dimensão é de 3,59 pontos (desvio padrão de 0,548). Os atributos mais
importantes para os utentes nesta dimensão são: com prestígio 4,24 pontos (desvio padrão de 0,708),
com estilo 4,20 pontos (desvio padrão de 0,735), elegante 4,20 pontos (desvio padrão de 0,763). Desta
feita os utentes consideram a Câmara elegante, com estilo, e com prestígio numa instituição ideal
(Tabela 13).
Tabela 27: Análise da descritiva da Dimensão Elegância e respetivas facetas e itens da ECC.
Discordo Discordo Neutro Concordo Concordo
Dimensões/Facetas/Itens Totalmente n; % n; % n; % Totalmente µ 𝝈
n; % n; %
Dimensão Elegância 3,59 0,548
Faceta Elegante
4,10 0,675
(n=826)
Charmosa
20 2,4% 27 3,3% 149 18,0% 440 53,3% 190 23,0% 3,91 0,867
(n=826)
306
Com estilo
12 1,5% 10 1,2% 56 6,8% 474 57,4% 274 33,2% 4,20 0,735
(n=826)
Elegante
10 1,2% 18 2,2% 61 7,4% 448 54,2% 289 35,0% 4,20 0,763
(n=826)
Faceta Prestigiada
3,99 0,718
(n=826)
Com prestígio
7 0,8% 10 1,2% 59 7,1% 449 54,4% 301 36,4% 4,24 0,708
(n=826)
Exclusiva
42 5,1% 96 11,6% 108 13,1% 384 46,5% 196 23,7% 3,72 1,102
(n=826)
Refinada
14 1,7% 28 3,4% 111 13,4% 466 56,4% 207 25,1% 4,00 0,821
(n=826)
Faceta Snob
2,64 0,829
(n=826)
Snob
325 39,3% 285 34,5% 133 16,1% 48 5,8% 35 4,2% 2,01 1,081
(n=826)
Elitista
76 9,2% 181 21,9% 140 16,9% 291 35,2% 138 16,7% 3,28 1,237
(n=826)
Nota: µ, média; σ, desvio-padrão; n, amostra; % frequência relativa/Percentagem.
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 28: Análise da descritiva da Dimensão Severidade e respetivas facetas e itens da ECC.
Discordo Discordo Neutro Concordo Concordo
Dimensões/Facetas/Itens Totalmente n; % n; % n; % Totalmente µ 𝝈
n; % n; %
Dimensão Severidade 3,54 0,584
Faceta Egoísta
4,20 0,762
(n=826)
Arrogante
21 2,5% 27 3,3% 79 9,6% 351 42,5% 348 42,1% 4,18 0,919
(n=826)
Agressiva
23 2,8% 28 3,4% 68 8,2% 358 43,3% 349 42,3% 4,19 0,925
(n=826)
Egoísta
11 1,3% 17 2,10% 89 10,8% 354 42,9% 355 43,0% 4,24 0,826
(n=826)
Faceta Dominadora
2,88 0,653
(n=826)
Centrada nela própria
167 20,2% 364 44,1% 153 18,5% 90 10,9% 52 6,3% 2,39 1,113
(n=826)
Autoritária
25 3,0% 55 6,7% 110 13,3% 291 35,2% 345 41,8% 4,06 1,043
(n=826)
Controladora
155 18,8% 441 53,4% 160 19,4% 45 5,4% 25 3,0% 3,68 1,159
(n=826)
Nota: µ, média; σ, desvio-padrão; n, amostra; % frequência relativa/Percentagem.
Fonte: Elaboração própria.
Quanto a dimensão informalidade, 3,23 pontos (desvio padrão de 0,640), e dimensão machismo,
3,58 pontos (desvio padrão de 0,807), é possível verificar que todas as dimensões possuem valores
superiores a 3 pontos o que significa que os utentes concordaram que a Câmara Municipal consideradas
uma instituição informal, e machista. (esta dimensão possui itens invertidos) (Tabela 15).
307
Tabela 29: Análise da descritiva da Dimensão Informalidade e respetivas facetas e itens da ECC.
Discordo Discordo Neutro Concordo Concordo
Dimensões/Facetas/Itens Totalmente n; % n; % n; % Totalmente µ 𝝈
n; % n; %
Dimensão Informalidade 3,23 0,640
Despretensiosa
272 32,9% 308 37,3% 185 22,4% 40 4,80% 21 2,50% 2,07 0,986
(n=826)
Simples
20 2,4% 30 3,6% 107 13,0% 486 58,8% 183 22,2% 3,95 0,844
(n=826)
Fácil de lidar
46 5,6% 121 14,6% 91 11,0% 363 43,9% 205 24,8% 3,68 1,159
(n=826)
Dimensão Machismo
3,58 0,807
(n=826)
Masculino
31 3,8% 40 4,8% 208 25,2% 289 35,0% 258 31,2% 3,85 1,037
(n=826)
Dura
79 9,6% 172 20,8% 167 20,2% 231 28,0% 177 21,4% 3,31 1,278
(n=826)
Agreste
39 4,7% 114 13,8% 193 23,4% 273 33,1% 207 25,1% 3,60 1,141
(n=826)
Nota: µ, média; σ, desvio-padrão; n, amostra; % frequência relativa/Percentagem.
Fonte: Elaboração própria.
Conclusões
O presente artigo permitiu a visualização sobre a importância da reputação num mercado em constante
movimentos e evoluções, acabam por atrair diversos curiosos e investigadores para a área de reputação.
Com a realização do presente estudo que pretendia analisar a perceção da reputação dos utentes da
Câmara Municipal de Santa Cruz, no período 2020/2021, caraterizar o perfil sociodemográfica e
profissional e o de identificar os atributos mais importantes para os utentes numa Instituição Ideal, e
averiguar até que ponto os dados sociodemográficos e profissional pode influenciar ou não a reputação
da CMSCZ.
Quanto ao perfil dos utentes conclui-se que os utentes que procuraram os serviços da Câmara, no
período 2020/2021, são constituídas maioritariamente por sexo feminino, com idade compreendidas
entre os 18 a 35 anos, são de origem rural, residem no Concelho de Santa Cruz, e possuiu um certo
nível de escolaridade, que lhe permite ler escrever; Quanto ao nível de rendimento uma boa parte dos
utentes auferem um salário mensal bruto compreendido entre os 13.000$ a 30.000$, para os que
trabalham por conta de outrem, e para os que trabalham por conta própria a maioria possuem um salário
de até 13.000$.
Pode concluir-se que a reputação corporativa da Câmara é positiva, os atributos de reputação
consideradas mais importantes para os utentes foram: amigável, disponível para ajudar, socialmente
responsável, na Dimensão Concordância com pontuações de médias superior a 4 pontos; Inovadora e
jovem, na Dimensão Empreendedorismo; Trabalhador e fiável, na Dimensão Competência; Com
prestigio, elegante e com estilo, na Dimensão Elegância; Dominadora e egoísta, na Dimensão
Severidade (esta dimensão possuem itens invertidos), significa que os utentes não consideraram a
Câmara como egoísta apesar de ter uma pontuação para a média superior a 3 pontos; Simples, na
dimensão informalidade; Machismo, na Dimensão Machismo (esta dimensão possuem itens invertidos).
Pelos resultados obtidos pode dizer-se que a reputação é tão importante, neste sentido agregar
valores aos utentes e cuidar da reputação tem sido uma fonte de vantagem competitiva importante para
as empresas que vivem num cenário acirrado de competição/concorrência promovida pela globalização,
pelo que as organizações são pressionadas a criar políticas de diferenciação relacionados á suas ações e
ao seu comportamento junto dos seus stakeholders.
308
Referências
Balmer, JM. (1998). Corporate Identity and the Advent of Corporate Marketing. Journal of Marketing
Management, 14(8), 963–996. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1362/026725798784867536.
Balmer, J. M. (2012). Corporate Brand Management Imperatives: Custodianship, Credibility, and
Calibration. California Management Review, 54(3), 6–33. Acedido em: 2 julho 2022.
Disponível em: https://doi.org/10.1525/cmr.2012.54.3.6.
Balmer, JM., Powell, SM., & Greyser, SA. (2011). Explicating Ethical Corporate Marketing. Insights
from the BP Deepwater Horizon Catastrophe: The Ethical Brand that Exploded and then
Imploded. Journal of Business Ethics, 102(1), 1–14. Acedido em 2 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1007/s10551-011-0902-1.
Barney, J. (1991). Firm Resources and Sustained Competitive Advantage. Journal of Management,
17(1), 99–120. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1177/014920639101700108.
Boyd, BK., Bergh, DD., & Ketchen Jr, DJ. (2010). Reconsidering the Reputation—Performance
Relationship: A Resource-Based View. Journal of Management, 36(3), 588–609. Acedido em
2 julho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0149206308328507.
Carreras, E., Alloza, Á., & Carreras, A. (2013). Reputación corporativa. Madrid. LID Editorial
Empresarial.
Cian, L., & Cervai, S. (2014). Under the reputation umbrella: An integrative and multidisciplinary
review for corporate image, projected image, construed image, organizational identity, and
organizational culture. Corporate Communications: An International Journal, 19(2), 182–199.
Acedido em 2 julho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1108/CCIJ-10-2011-0055.
Cornell, B., & Shapiro, AC. (1987). Corporate Stakeholders and Corporate Finance. Financial
Management, 16(1), 5-14. Acedido em 2 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.2307/3665543.
Davies, G. (2017). Congratulations to Corporate Reputation Review. Corporate Reputation Review,
20(3–4), 173–174. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1057/s41299-
017-0030-7.
Davies, G., & Chun, R. (2003). The Use of Metaphor in the Exploration of the Brand Concept. Journal
of Marketing Management, 19(1–2), 45–71. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1080/0267257X.2003.9728201.
Davies, G., Chun, R., da Silva, RV., & Roper, S. (2001). The Personification Metaphor as a
Measurement Approach for Corporate Reputation. Corporate Reputation Review, 4(2), 113–
127. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1057/palgrave.crr.1540137.
Davies, G., Chun, R., da Silva, RV., & Roper, S. (2004). A Corporate Character Scale to Assess
Employee and Customer Views of Organization Reputation. Corporate Reputation Review,
7(2), 125–146. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1057/palgrave.crr.1540216.
Decreto Nº 108/71, 29 de março. (1971). Diário do Governo ,74 (Série I), 421-421. Lisboa, Portugal:
Ministério do Ultramar-Inspeção Superior de Administração Ultramarina. Acedido em: 02 julho
de 2022. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto/108-1971-445771.
Dowling, GR. (2016). Defining and Measuring Corporate Reputations: Corporate Reputations.
European Management Review, 13(3), 207–223. Acedido em 29 junho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1111/emre.12081.
Golgeli, K. (2014). Corporate Reputation Management: The Sample of Erciyes University. Procedia -
Social and Behavioral Sciences, 122, 312–318. Acedido em: 29 junho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2014.01.1346.
309
INECV, (2019). Instituto Nacional de Estatística de Cabo Verde. www.ine.cv. acedido em dezembro
2021.
Karaosmanoğlu, E., Baş, ABE, & Zhang, JK. (2011). The role of other customer effect in corporate
marketing: Its impact on corporate image and consumer‐company identification. European
Journal of Marketing, 45(9/10), 1416–1445. Acedido em 29 junho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1108/03090561111151835.
PEMDS (2021). Plano Estratégico Municipal de Desenvolvimento Sustentável do Município. Acedido
em 2 julho 2022.
Ponzi, LJ, Fombrun, CJ, & Gardberg, NA. (2011). RepTrakTM Pulse: Conceptualizing and Validating a
Short-Form Measure of Corporate Reputation. Corporate Reputation Review, 14(1), 15–35.
Acedido em 29 junho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1057/crr.2011.5.
Roberts, PW, & Dowling, GR. (2002). Corporate reputation and sustained superior financial
performance: Reputation and Persistent Profitability. Strategic Management Journal, 23(12),
1077–1093. Acedido em 29 junho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1002/smj.274.
Roper, S., & Davies, G. (2007). The Corporate Brand: Dealing with Multiple Stakeholders. Journal of
Marketing Management, 23(1–2), 75–90. Acedido em 29 junho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1362/026725707X178567.
Saxton, MK. (1998). Where do Reputations Come From? Corporate Reputation Review, 1(4), 393–399.
Acedido em 29 junho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1057/palgrave.crr.1540060.
Semedo, ASM. (2022). Reputação corporativa da Câmara Municipal de Santa Cruz: As perspetivas
dos seus utentes. Dissertação de Mestrado, Instituto Politécnico de Bragança, Bragança,
Portugal. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em:
https://bibliotecadigital.ipb.pt/handle/10198/25040.
Shamma, H M. (2012). Toward a Comprehensive Understanding of Corporate Reputation: Concept,
Measurement and Implications. International Journal of Business and Management, 7(16), 151.
Acedido em 29 junho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.5539/ijbm.v7n16p151.
Shapiro, C. (1983). Premiums for High Quality Products as Returns to Reputations. The Quarterly
Journal of Economics, 98(4), 659-679. Acedido em 29 junho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.2307/1881782.
Szwajca, D. (2017). The importance of reputation of a country in the process of building its competitive
advantage on the global market. Scientific Journal of Bielsko-Biala School of Finance and law.
Bielsko-Biala, Pl, 21 (1), 99–114. Acedido em 29 junho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.19192/wsfip.sj1.2017.7.
Van der Merwe, A., & Puth, G. (2014). Towards a Conceptual Model of the Relationship between
Corporate Trust and Corporate Reputation. Corporate Reputation Review, 17(2), 138–156.
Acedido em 29 junho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1057/crr.2014.4.
Weigelt, K., & Camerer, C. (1988). Reputation and corporate strategy: A review of recent theory and
applications. Strategic Management Journal, 9(5), 443–454. Acedido em 29 junho 2022:
Disponível em: https://doi.org/10.1002/smj.4250090505.
310
A perceção dos utentes sobre a reputação corporativa da Câmara
Municipal de Santa Cruz, Cabo Verde
Resumo. A Câmara Municipal de Santa Cruz, trata-se de uma instituição pública que se
baseia no cumprimento da missão de servir com qualidade o município e os munícipes nos
vários domínios de intervenção objeto das autarquias locais, cobrindo os mais variados
domínios nomeadamente, económico, social e cultural, articuladora, facilitadora e
promotora de ambiente favorável a instalação de fatores propiciadoras do desenvolvimento
e bem-estar da população. Neste contexto o presente artigo tem como objetivo analisar a
reputação da Câmara Municipal de Santa Cruz (CMSCZ), na perspetiva dos seus
colaboradores, e verificar se a mesma se encontra próxima daquilo que os utentes
consideram ser uma Instituição Ideal ou se pelo contrário deve mudar a sua forma de
atuação. Para dar resposta ao objetivo do estudo recolheu-se um total de 826 questionários,
entre o período de 2020/2021. Para se fazer uma análise holística da reputação da CMSCZ,
recorreu à aplicação da Escala de Caráter Corporativo desenvolvida por Davies, Chun,
Silva e Roper (2001; 2004). Assim os resultados encontrados mostraram que a Reputação
da CMSCZ, é positiva tendo considerada a Câmara como uma Instituição Ideal e Instituição
Atual. Verificaram-se diferenças por utente relativamente às dimensões da Instituição Ideal
uma relação entre a “ eputação da Instituição Ideal” e a “ eputação da Instituição Atual.
Abstract. The Municipality of Santa Cruz, is a public institution that is based on the
fulfillment of the mission of serving with quality the municipality and citizens in the
various areas of intervention object of local authorities, covering the most varied areas,
namely, economic, social, and cultural, articulator, facilitator and promoter of favorable
environment the installation of factors conducive to the development and well-being of the
population. In this context, this article aims to analyze the reputation of the Municipality
of Santa Cruz (CMSCZ), from an internal and external perspective, and to verify whether
it is close to what users consider to be an Ideal Institution or whether, on the contrary, it
should change its way of acting. To support the objective of the study, a total of 826
questionnaires were collected between the period 2020/2021. To make a holistic analysis
of CMSCZ reputation, the application of the Corporate Character Scale developed by
Davies, Chun, Silva and Roper (2001; 2004) was used. Thus, the results showed that the
reputation of CMSCZ is positive and considered the Municipality as an Ideal Institution
and Current Institution. There were differences per user in relation to the dimensions of the
Ideal Institution a relationship between the "Reputation of the Ideal Institution" and the
"Reputation of the Current Institution".
311
Introdução
Numa instituição pública como a Câmara Municipal de Santa Cruz que ambiciona albergar um centro
internacional de negócios, a industrialização do município e que coloca em primeiro plano a missão de
promover uma boa governação e gestão de proximidade face aos munícipes com o propósito de uma
boa gestão da generalidade dos recursos, com particular destaque para o tempo, impõe a utilização dos
critérios de eficiência, eficácia, e efetividade, criando condições facilitadoras para uma boa comunicação
interna que favoreça a criatividade, que deve estar presente na organização da Câmara Municipal e na
gestão dos seus recursos humanos, e em especial a gestão dos recursos intangíveis da organização em
especificamente a gestão de sua reputação corporativa, por meio dos seus utentes internos e externos,
nacionais e internacionais.
Sendo a Câmara uma instituição pública, por sua vez, o objetivo principal não é a maximização
do seu lucro, mas sim o de criar condições para garantir o bem-estar social a todos os munícipes e
cidadãos. É o reflexo de um município que inclui na sua agenda o desenvolvimento integrado de todos
os setores com potencial de indicadores de competitividade.
Atualmente a gestão da reputação tem ganhado destaque não só no mundo académico, como
também ao nível do setor empresarial com mais enfoque para o setor privado. Poucos estudos que
retratam sobre a questão da reputação no setor público.
No mundo de hoje, onde ideias gradativamente substituem elementos físicos na geração do valor
económico, a competição pela reputação torna-se uma força significativa impulsionando a economia.
No entanto, as empresas de prestação de serviços, uma das únicas garantias a ser oferecida é a própria
reputação (Davies, 2017). Para Dowling (2001) a reputação representa um dos principais ativos de uma
empresa, ela demora a ser construída, mas quando consolidada, constitui-se em vantagem competitiva
para a empresa em relação aos seus concorrentes. O mesmo autor argumenta que a reputação corporativa
é um construto baseado em valores decorrentes das perceções dos diferentes públicos (Stakeholders)
que se relacionam com a empresa.
Davies, Chun e Silva (2001), definem a reputação como um termo coletivo que se refere às visões
de todos stakeholders sobre a reputação corporativa, incluindo identidade e imagem, onde a identidade
representa a perceção dos empregados da empresa e a imagem, a perceção dos agentes externos à
empresa. Neste sentido, constitui-se como o objetivo deste trabalho analisar a reputação da Câmara
Municipal de Santa Cruz (CMSCZ), numa perspetiva interna e externa, e verificar se a mesma se
encontra próxima daquilo que os utentes consideram ser uma Instituição Ideal ou se pelo contrário deve
mudar a sua forma de atuação.
A metodologia usada constitui-se numa abordagem quantitativa exploratória, com a aplicação de
um inquérito por questionário a 826 utentes, no período de 2020/2021. Para tal, recorreu à aplicação da
Escala de Caráter Corporativo desenvolvida por Davies et al. (2001, 2004), Davies e Chun (2003). Esta
escala é composta por 7 dimensões, 14 facetas e 49 itens. O universo de pesquisa constitui-se por 826
utentes, tendo assumido um erro amostral de 3,4% e um nível de significância de 5%.
Para dar resposta ao objetivo do estudo serão realizadas análise descritiva exploratória (medidas
de dispersão e de tendência central), e análise inferencial. O artigo encontra-se estruturada em três
partes: na primeira, faz-se um enquadramento teórico- alguns aspetos sobre a reputação corporativa,
seguidamente apresentam-se a metodologia do estudo, e uma análise descritiva e inferencial dos dados,
e por último apresentam-se uma conclusão final sobre o tema do presente artigo.
Enquadramento teórico
A economia de reputação é amplificada por uma sociedade altamente conectada, onde a credibilidade e
a confiança estão sempre sob escrutínio graças à grande quantidade de informações disponíveis sobre a
internet e a conversação constante facilitada pelas redes sociais, Feldman (2014), Ponzi, Fombrun, e
Newburry (2011). Na sociedade em constantes movimentos, os stakeholders são mais poderosos graças
a acesso às informações que todo o cidadão possui.
A reputação são as perceções nas mentes daqueles que observam a organização, representa a rede
afetiva ou reação emocional boa, ou ruim, fraca ou forte dos clientes, investidores, funcionários e o
312
público em geral em nome da empresa/organizações, (Haywood & Haywood, 2005). Pois, a reputação
pode ser considerada como uma síntese de opiniões, perceções e atitudes de uma organização, que se
constrói ao longo do tempo e que se concentra no que faz e como se comporta, (Balmer, 1998). Pois, a
reputação é um conceito relacionada á imagem, mas que remete a valor julgamentos entre o público
sobre as qualidades de uma organização, formados por um longo período, no que diz respeito à sua
consistência, e confiabilidade.
Argenti e Druckenmiller, (2004), consideram que a reputação reflete a representação coletiva de
imagens de vários constituintes de uma empresa, e seu desempenho e como constituintes perceberam
seu comportamento. Por isso, a reputação de uma empresa reflete as impressões das partes interessadas
sobre a disposição da empresa comportar-se de determinada maneira, incorporando informações sobre
como uma empresa se compara com os seus concorrentes, (Basdeo, Smith, Grimm, Rindova & Derfus,
2006). A reputação é um julgamento global, temporalmente estável e avaliativo sobre uma empresa em
que é compartilhada por várias constituintes (Highhouse, Broadfoot, Yugp, & Devendorf, 2009).
Pois, Burke, Dowling e Wei (2018), acreditaram que a boa reputação corporativa atua como um
sinal de qualidade e vínculo de desempenho para as partes interessadas internas como colaboradores e
partes externas interessadas como os clientes/utentes, justificando que a empresa espera corresponder á
sua reputação, eles geralmente esforçam para manter ou melhorar as avaliações das partes interessadas.
Isto é, uma representação do passado das ações e dos resultados de uma organização que representam a
sua capacidade em criar valor para os seus vários stakeholders.
Ela define a posição relativa de uma organização, tanto internamente como externamente, para
com os seus stakeholders, tanto no seu ambiente competitivo como institucional (Fombrun & Van Riel,
1997).
Sendo ela um conjunto de imagens agregadas na mente dos stakeholders, a representação coletiva
das ações passadas de uma empresa e dos resultados que descrevem a sua habilidade em entregar valor
para seus variados stakeholders.
Pode assim dizer que a reputação é o que as pessoas pensam e sentem sobre uma organização,
com base em informações (ou desinformações) que elas tenham tido sobre seus produtos, serviços,
empregados, iniciativas sociais, desempenho passado ou perspetivas futuras, isto é, a soma das opiniões
e disposições de todos os stakeholders sobre determinada empresa e isto comprovadamente, tem um
valor que faz da reputação um ativo económico importante para a organização no seu todo. Gotsi e
Wilson (2001), na mesma linha afirmaram que a reputação é a avaliação de uma empresa ao longo do
tempo. Essa avaliação é baseada nas experiências direta do stakeholder com a empresa, qualquer outra
forma de comunicação e simbolismo que forneça informações sobre as ações da empresa e/ou uma
comparação com as ações de outros principais rivais.
A reputação é valiosa porque reduz a incerteza das partes interessadas e preocupações Fombrun,
Gardberg e Sever, (2000), aumentando a confiança na qualidade, valor e diferenciação do produto e
serviços. Ora, uma reputação positiva é um recurso estratégico para construir credibilidade e apoios
entre diferentes partes interessadas (internas, externas).
A reputação atualmente tem bastante relevância mesmo para as instituições do setor público, que
por sua vez, os objetivos diferem daquilo que é a instituição privada, todavia muitas organizações tem
adotado os princípios de gestão do setor privado para o setor público. Por isso que analisar a reputação
tornou-se mais importante hoje, do que nunca, devido ao aumento da conscientização do público sobre
ações e questões corporativas, maior exigência, de transparência, maior expetativas de vários grupos de
partes interessadas, boca a boca, comunicação online, pessoal do cliente, experiências com os produtos
e serviços de uma organização, efeitos de influência de formadores de opinião, crescimento do interesse
de grupos e maior atenção da comunicação social, estes contribuíram para a importância de avaliar e
ativamente gerir a reputação de uma empresa, Shamma (2012). Além disso, a era digital permite um
aceso maior e mais rápido às informações, o que acelera e amplia de forma acentuada os riscos relativos
à reputação, e desencadeia a necessidade de agilizar sua gestão.
Um outro fator importante sobre a reputação é que muitos autores nos seus estudos enfatizaram o
conceito de imagem corporativa, identidade, marca, comunicação, associando-os aos conceitos de
reputação corporativa (Chun, Davies, Silva & Roper, 2005).
Para já estes elementos constituem um elementos-chave para a formação de reputação na mente
dos utentes internos e externos, por sua vez, a imagem corporativa, representa um fator significativo
313
para a sobrevivência da empresa, o que demonstra uma relação positiva entre as perspetivas do
cliente/consumidor sobre a organização e o comportamento da organização, a imagem é uma perceção
pessoal que pode ser diferente de cada pessoa (Dokmaipum, Khantanapha, & Piriyakul, 2019). Este
mesmo autores defenderam que a imagem corporativa pode ser definida como o que os indivíduos ou
consumidores percebem sobre a organização por meio da comunicação social ou das suas experiências
diretas ou indiretas, como a boca a boca de conhecidos tornando-se um sentido, atitude, imagem.
Já para Balmer (2005), refere que a imagem e a reputação são construídas, ou seja, por meio da
comunicação corporativa é estabelecida a relação entre a identidade da organização e sua imagem e
reputação. Pérez e del Bosque (2014) consideram que a imagem corporativa é a perceção derivada de
soma de informações, impressões, expetativas, crenças e sentimentos que um ou vários indivíduos
acumulou sobre uma referida instituição. Há várias perspetivas sobre a imagem corporativa, identidade
corporativa, mas existem certas definições chaves que se repetem como a experiência, perceção e
impressão.
Por isso que Davies (2017), explanou que a chave para a reputação nas organizações,
especialmente no setor dos serviços são as pessoas, o líder que pode definir quem é o que a empresa é,
e a equipa de linha de frente é que comunica, e informar a realidade aos clientes, muitas das vezes por
um meio de um processo evocativamente rotulado como contágio emocional.
Por isso é objetivos deste artigo analisar a perceção da reputação corporativa da Câmara
Municipal de Santa Cruz, a partir da identidade corporativa (perspetivas internas), e da imagem
corporativa (perspetivas externas), dos utentes da Câmara, com base na Escala de Caráter Corporativo,
(Davies & Chun, 2003).
Metodologia da investigação
Abordagem da investigação
Para a elaboração do referencial teórico recorreu-se a pesquisa documental e bibliográfica. Para a
pesquisa de campo a metodologia utilizada será a avaliação quantitativa, com recurso a aplicação de um
inquérito por questionário, para os utentes internos (colaboradores, e equipa de gestão da Câmara
municipal), e utentes externos. O presente estudo incidiu-se sobre a Câmara Municipal de Santa Cruz,
ilha de Santiago, Cabo Verde. A Câmara Municipal trata-se de uma organização pública, constituída em
29 de março de 1971, pelo decreto Nº108/71, de 29 de março). Fica localizada, em Achada Fátima na
Cidade de Pedra Badejo ilha de Santiago, no município de Santa Cruz, que também foi constituída em
29 de março de 1971 (Decreto 108/71, de 29 de Março, Diário do Governo n. o 74/1971, Série I de 1971-
03-29, 1971).
A Câmara é constituída por: Gabinete do Presidente; Gabinete de Apoio a Vereadores; Gabinete
de comunicação e imagem e cooperação descentralizada; Gabinete de Auditoria Interna e Apoio
jurídico; Gabinete de Migrações; Gabinete de proteção civil. Ainda conta com o apoio dos serviços
decentralizados nas 3 regiões administrativas do concelho, uma delegação no Norte, Sul e Centro.
A Câmara Municipal de Santa Cruz fundamenta a sua gestão nos princípios de transparência na
gestão da coisa pública em obediência aos princípios da legalidade e prestação de contas, atento aos
preceitos constitucionais e legais, tendo em conta o princípio de objetividade e imparcialidade no
tratamento de todas as questões que incluem a afetação e utilização dos recursos públicos.
Para realização da pesquisa recolheu-se os dados de todos os utentes no período de 2020/2021
que procuraram os serviços da Câmara.
Objetivos do estudo e hipóteses de investigação
Para a realização do presente trabalho, os objetivos foram traçados com base na definição de Chun,
2005, que define a reputação como sendo um construto umbrela, referindo-se as impressões cumulativas
dos stakeholders internos e externos, sendo que a perspetiva interna equivale a identidade e a externa à
imagem. Assim sendo, e tendo em conta que o modo de mensuração da reputação depende de como esta
é definida (Davies et al., 2004), selecionou-se a Escala de Caráter Corporativa desenvolvida por Davies
et al. (2001, 2004), Davies e Chun (2003), como instrumento de análise da reputação corporativa da
Câmara Municipal de Santa Cruz, numa perspetiva interna e externa, com a perceção dos seus utentes.
Esta escala além de possibilitar a mensuração simultânea das perspetivas (interna e externa) dos
314
stakeholders acerca de uma organização, ainda permite explorar as ligações entre a reputação e outras
variáveis (Davies et al., 2004).
Deste modo constitui-se como objetivo geral deste trabalho analisar a reputação da Câmara
Municipal de Santa Cruz de acordo com a perceção dos seus utentes. E para dar resposta ao objetivo
preconizado deste estudo, foram traçadas as seguintes hipóteses de investigação:
315
Tabela 30: Escala de Caráter Corporativa (dimensão, facetas e itens).
Dimensão Faceta Item
Concordância
Calorosa Amigável; Agradável; Aberta, direta.
Empática Interessada; Tranquilizadora; Disponível para ajudar; Concordante.
Íntegra Honesta; Sincera; De confiança; Socialmente responsável.
Empreendedorismo
Moderna Fixe; Na moda; Jovem.
Aventureira Imaginativa; Atual; Excitante; Inovadora.
Ousada Extrovertida; Ousada.
Competência
Responsável Fiável; Segura; Trabalhadora.
Líder Ambiciosa; Orientada para o sucesso; Dominante.
Tecnocrata Técnica; Empresarial.
Elegância
Elegante Charmosa; Com estilo; Elegante.
Prestigiada Com prestígio; Exclusiva; Refinada.
Snob Snob; Elitista.
Severidade
Egoísta Arrogante; Agressiva; Egoísta.
Dominadora Centrada nela própria; Autoritária; Controladora.
Informalidade - Despretensiosa; Simples; Fácil de lidar.
Machismo - Masculina; Dura; Agreste.
Fonte: Adaptado de Davies et al. (2004), Davies e Chun (2003), Semedo (2022).
Análise da consistência interna do instrumento de recolha de dados
Para avaliar a fiabilidade e consistência interna do instrumento de recolha de dados foi aplicado o
coeficiente de Alpha de Cronbach. Pestana e Gageiro (2014), define o Alpha de Cronbach como uma
das medidas mais usadas para a verificação da consistência interna de um grupo de variáveis em estudo.
Este coeficiente varia entre 0 e 1, sendo que para um valor de Alpha inferior a 0,6 valores, a consistência
interna é considerada “Inadmissível”; um valor de Alpha entre 0,6 e 0,7 é considerada “fraca”; um valor
de Alpha de 0,7 a 0,8 valores, a consistência interna é considerada “ azo vel”; um valor de Alpha de
0,8 a 0,9 valores, a consistência interna é considerada “Boa”, e quando o valor do Alpha é superior a 0,9
valores a consistência interna é considerada “Muito Boa”.
Neste trabalho os resultados apresentados estão acima dos valores aceitáveis (Tabela 2), sendo os
49 itens, e 14 facetas numa instituição ideal e atual apresentaram o melhor valor, e as 7 Dimensões da
ECC, numa Instituição Ideal e Atual apresentaram uma consistência interna razoável.
Alpha de Cronbach
49 Itens 14 Facetas 7 Dimensões
Instituição Ideal (n=826) 0,953 0,917 0,739
Instituição Atual (n=826) 0,963 0,926 0,751
316
agressiva, arrogante, egoísta, centrada nela própria, autoritária, controladora, masculina, dura, agreste.
E para dar resposta as hipóteses inicialmente apresentadas vai recorrer-se sobre uma análise inferencial,
pelo que vai ter sempre em atenção a não violação dos pressupostos para aplicação dos testes
paramétricos, nomeadamente o t-Student, com o intuito de analisar se existem diferenças entre médias
de duas amostras independentes relativamente às variáveis em análise.
E para a análise da relação existente entre as variáveis, levou-se em conta a correlações de
Pearson, em que este mede a intensidade e a direção da associação entre duas variáveis. Este coeficiente
varia entre -1 e +1, sendo que considera correlações são fracas quando o valor é inferior a 0,25;
moderadas entre 0,25 e 0,5; são forte entre 0,5 e 0, 75; e a correlação é muito forte quando é superior a
0,75 (Marôco 2021).
Para se proceder à aplicação dos testes paramétricos é necessário verificar os pressupostos, que
são, para duas amostras independentes, existe a necessidade da dimensão da amostra, por amostra
independente, ser superior ou igual a 30 elementos ou verificar se a distribuição da média amostral segue
a normalidade, recorrendo-se ao teste de Kolmogorov-Smirnov casos n ≥30 ou Shapiro-Wilk (casos
n<30), assim como verificar se as variâncias são homogéneas para amostras independentes, utilizando
o teste Levene (Marôco, 2021). Para a análise da associação de variáveis qualitativas vai aplicar-se o
teste de Independência do xi quadrado, tendo sempre a presente a não violão do pressuposto de que no
máximo só se podem ter 20% de células com valor esperado menor do que 5 casos. Durante toda a
análise, e para decidir sobre a corroboração das hipóteses de investigação, vai assumir um nível de
significância de 5%. E para a validação das hipóteses de investigação vai assumir-se que as mesmas são
validadas parcialmente quando apenas registem estatísticas significativas na maioria das análises
efetuadas em cada hipótese de investigação.
317
Analise descritiva exploratória: Dimensões vs. facetas
Neste ponto apresenta-se as estatísticas descritivas para a perceção da reputação corporativa da Câmara
Municipal de Santa Cruz- numa Instituição Atual, de acordo com os utentes inquiridos (interno e
externo), usando a Escala de Caráter Corporativa, constituída por 7 dimensão, 14 facetas e 49 itens,
usando uma escala do tipo Likert de 5 pontos.
De acordo com os dados apresentados é possível verificar que quanto os utentes inquiridos
consideraram a reputação corporativa da Câmara muito positivo apresentando valores superior a 3
pontos, e em alguns itens com pontuações superioras a 4 pontos (Tabela 3).
Isto demonstra que os utentes avaliaram positivamente a reputação da Câmara, mas ainda a muito
trabalhos e desafios por fazer.
318
Tabela 3: Análise descritiva da reputação da CMSCZ- Numa Instituição Atual.
Socialmente
14(1,7%) 16(1,9%) 61(7,4%) 487(59,0%) 248(30,0%) 4,14 0,766
responsável(n=826)
Dimensão
3,99 0,623
Empreendedorismo
319
Tabela 3: Análise descritiva da reputação da CMSCZ- Numa Instituição Atual (cont.)
Orientada para o
13(1,6%) 16(1,9%) 55(6,7%) 519(62,8%) 223(27,0%) 4,12 0,737
sucesso(n=826)
*Centrada nela
134(16,2%) 412(49,9%) 166(20,1%) 73(8,8%) 41(5,0%) 2,36 1,016
própria(n=826)
320
Tabela 3: Análise descritiva da reputação da CMSCZ- Numa Instituição Atual (cont.)
Reputação da Câmara Municipal de Santa Cruz: uma análise correlacional numa Instituição Atual
Para analisar as relações entre as variáveis do estudo, utilizou-se a correlação de Pearson, cujos
resultados apresentados demonstram que existem uma correlação muito forte com as Dimensões da ECC
e Reputação Corporativa Atual (RCA); muito forte entre as dimensões: Concordância (r=0,917);
Empreendedorismo (r=0,920); Competência (r=0,929); Elegância (r=0,918); forte entre dimensão
Informalidade (r=0,639), e fraca entre a Dimensão Severidade (r=-0,025), e Dimensão Machismo
(r=0,002) (Tabela 4).
321
Instituição Ideal
Dimensões µ σ Teste t-Student
valor p-value
Dimensão Concordância 4,21 0,637 -2,662 0,008
Dimensão Empreendedorismo 4,07 0,609 -2,670 0,008
Dimensão Competência 4,13 0,591 -2,436 0,016
Dimensão Elegância 3,58 0,548 -2,290 0,023
Dimensão Severidade 3,54 0,584 1,616 0,106
Dimensão Informalidade 3,23 0,640 0,582 0,561
Dimensão Machismo 3,58 0,807 -1,840 0,067
Nota: µ, média, σ, desvio padrão.
Fonte: Elaboração própria.
Para a hipótese de investigação HI2: Existem diferenças por utentes relativamente as dimensões
da ECC, numa Instituição Atual. Com base nos resultados apresentados pela estatística do teste, é
possível concluir que existem evidencias estatísticas para confirmar que existem diferenças estatísticas
por utente (interno/externo), relativamente às dimensões Elegância (p-value=0,45) e Severidade (p-
value=0,015). Neste caso a hipótese não é validada (Tabela 6).
Instituição Atual
Dimensões µ σ Teste t-Student
valor p-value
Dimensão Concordância 4,05 0,671 -1,701 0,091
Dimensão Empreendedorismo 3,99 0,623 -1,711 0,089
Dimensão Competência 4,04 0,62 -1,659 0,099
Dimensão Elegância 3,58 0,552 -2,021 0,045
Dimensão Severidade 3,40 0,623 2,426 0,015
Dimensão Informalidade 3,37 0,642 0,167 0,868
Dimensão Machismo 3,46 0,777 -0,509 0,611
Nota: µ, média, σ, desvio padrão.
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 7: Teste t-Student para a hipótese de investigação 3- Instituição Ideal e Instituição Atual.
322
Teste t-Student
ECC n µ σ
Valor p-value
Escala de Reputação
826 3,70 0,470 -2,399 0,017*
Corporativa Instituição Ideal
Escala de Reputação
826 3,66 3,660 -2,120 0,035*
Corporativa Instituição Atual
Nota: n, amostra, µ, média, σ, desvio padrão.
Fonte: Elaboração própria.
Para a hipótese: HI4: Existe uma associação entre a lealdade e a imagem e identidade
corporativa. Os resultados, pelos cruzamentos das variáveis (Recomendaria a Câmara Municipal de
Santa Cruz para um amigo, familiar ou colega de trabalho e ou pessoas (lealdade), e a variável
“Tipologias dos utentes” Imagem e Identidade orporativa , conclui-se que num total dos 826
respondentes (n=826), 83,8% responderam que sim (n=692), 13,6% responderam talvez (n=112), e 2,7%
dos inquiridos não recomendariam representando cerca de 22 utentes (n=22).
Dos que recomendaria os serviços da Câmara para outras pessoas, cerca de 68,4% são
considerados Utentes Externos, e 15,4 % são Utentes Internos. De salientar que o nível de aceitação dos
serviços da Câmara no meio dos seus públicos (utentes internos e externos), é positiva pelo que para
analisar a relação de independência entre as vari veis “Lealdade “-dada pela vari vel “ ecomendaria a
âmara de Santa ruz a um familiar e amigo”, e “Tipologias dos utentes” ambas classificadas de
variáveis qualitativas nominas, recorreu-se ao teste estatístico de independência do Qui-Quadrado (2).
O resultado apresenta um p-value de 0,319, pelo que não existe uma associação entre as variáveis, e não
se validade a hipótese de investigação. Verifica-se também que, existem mais casos, do que esperado
dos utentes externos que recomendaria a Câmara Municipal de Santa Cruz para amigos, familiares e
outras pessoas.
Relativamente a hipótese de investigação HI5: Existem diferenças entre os diferentes grupos de
utentes relativamente ao item “Amigável” na Instituição Ideal. De acordo com os resultados é possível
concluir que há evidencias estatísticas suficientes para afirmar que existem diferenças entre os diferentes
grupos de utentes interno/externo , por item “Amig vel”, numa Instituição Ideal p-value=0,019). Neste
sentido, valida-se a hipótese de investigação.
Para a hipótese de investigação HI6: Existem diferenças entre os diferentes grupos de utentes
(interno, externo) relativamente ao item “Amigável” na Instituição Atual. Conforme os resultados
apresentados não se valida a hipótese HI6, pelo que se conclui que não existem diferenças entre os
diferentes grupos de utentes internos/externos relativamente ao item “Amig vel”, considerando a
Câmara como uma Instituição Atual (p-value= 0,279) (Tabela 8).
Tabela 8: Teste t-Student para a hipótese de investigação 5- Instituição Ideal e Instituição Atual.
Teste t-Student
Item n µ σ
valor p-value
Amigável/Instituição
826 4,37 0,648 -2,369 0,019*
Ideal
Amigável/Instituição
826 4,04 0,759 -1,085 0,279
Atual
Nota: n, amostra, µ, média, σ, desvio padrão.
Fonte: Elaboração própria.
Para hipótese de investigação HI7: Existe uma associação entre as variáveis “De Confiança” e
“Recomendaria a Câmara Municipal para um amigo, familiar e outros” - Numa Instituição Ideal. Do
cruzamento entre as duas variáveis é possível verificar que num total de 826 utentes (internos/externos),
cerca de 692 que recomendariam a Câmara para outras pessoas, 48,8% consideraram a Câmara como
323
uma instituição ideal e de confiança (n=338), e 43,9% concordaram totalmente (n=304). Com isso é
visível aos olhos dos utentes sobre o grau de confiança em relação ao seu público. Para a confirmar esta
hipótese recorreu-se ao teste de Independência do Qui-Quadrado (2), em que os resultados obtidos da
aplicação foi de um p-value=0,001, mostraram a existência de uma associação entre as variáveis, pelo
que se valida a hipótese de investigação 7. Ainda, observa-se que existem mais casos, do que esperado
dos utentes que manifestaram opinião de que a âmara é “De onfiança” numa Instituição Ideal (Tabela
10).
Quanto a hipótese de investigação HI8: Existem uma associação entre o item “De Confiança”
e a Variável “Recomendaria a Câmara Municipal de Santa Cruz, para um amigo, familiar e outras”
- Numa Instituição Atual. Pode ver que sobre o cruzamento entre as duas variáveis, num total de 692
inquiridos que manifestaram a sua opinião, e que recomendaria a Câmara, 61,3% concordaram que q
âmara é “De onfiança” n=424 , 30,6% concordaram totalmente (n=212). Para analisar a relação
entre as duas variáveis recorreu-se a aplicação do teste estatístico do Qui-Quadrado (2). Neste sentido,
os resultados obtidos apresentam a existência de uma associação entre as duas variáveis, pelo que se
valida a hipótese de investigação HI8 (p-value=0,001).
Quanto a hipótese de investigação HI9: Existe uma relação entre a “Reputação Corporativa da
Instituição Ideal”, e “Reputação Corporativa da Instituição Ideal”. Para analisar a relação entre estas
duas variáveis recorreu-se a matriz de correlação, calculada a partir do Coeficiente de Correlação de
Pearson. Neste sentido, todos os coeficientes de correlação apresentam valores positivos. A Reputação
Corporativa numa Instituição Ideal apresenta correlações positivas e estatisticamente significativas a
1% com a Reputação Corporativa numa Instituição Atual (r=0,676, e p-value=0,001<0,05), logo
confirma-se a hipótese de investigação.
Conforme os resultados apresentados é possível verificar que o resumo e os resultados para cada
uma das hipóteses de investigação inicialmente traçadas no presente artigo (Tabela 9).
HI1: Existem diferenças por utente relativamente às dimensões da Instituição Ideal. Validada
parcialmente.
HI2: Existem diferenças por utente relativamente às dimensões da Instituição Atual. Não validada.
HI4: Existe uma associação entre a lealdade e a imagem e identidade Corporativa. Não validada.
HI7: Existe uma associação entre as vari veis, “De confiança”, e “Recomendar a
Validada.
Câmara Municipal de Santa Cruz, a um amigo, familiar e outros na Instituição Ideal”.
HI8: Existem uma associação entre as vari veis “De confiança”, e “ ecomendar a
Validada.
âmara Municipal de Santa ruz, a um amigo, familiar e outros na Instituição Atual”.
324
Conclusões
Este artigo que inicialmente procurou analisar a reputação corporativa da Câmara Municipal de Santa
Cruz, de acordo com a perceção dos seus utentes, numa perspetiva interna e externa, e verificar se a
mesma se encontra próxima daquilo que os utentes consideram ser uma Instituição Ideal ou se pelo
contrário deve mudar a sua forma de atuação. No sentido de dar resposta ao objetivo inicialmente
traçado, foi preciso recorrer a uma Escala de Caráter Corporativo constituída por 7 dimensões, 14 facetas
e 49 itens. Desta feita, o estudo incidiu-se sobre um total de 826 inquiridos em que 681 são considerados
Utentes Externos, e 145 são utentes internos, em que do total dos inquiridos a maioria são do sexo
feminino, com idades entre os 18 a 35 anos, com um nível de escolaridade satisfatória, e trabalham uma
maioria por conta de outrem, auferindo um salário de mais ou menos entre os 13.000$ escudos cabo-
verdianos a 35.000$ escudos cabo-verdianos.
Da análise descritiva feita e para as dimensões/facetas/itens da Escala de Caráter Corporativa para
uma Instituição Atual, conclui-se que no que toca aos itens mais associados às personalidades da Câmara
como uma Instituição Atual são os seguintes: trabalhadora, na moda, disponível para ajudar, jovem,
inovadora, socialmente responsável, agradável, orientada para o sucesso, com prestigio, aberta, de
confiança, atual, inovadora, ambiciosa, elegante, e no que diz respeito às dimensões todas obtiveram
uma média superior a 3 pontos, mas as mais pontuadas (considerando neste caso valor superior a 4
pontos), pelos utentes numa Instituição Ideal São: as Dimensões Concordância (µ=4,21 pontos),
Competência (µ=4,13 pontos), Empreendedorismo (µ=4,07 pontos), e para a Instituição Atual as
dimensões são: Concordância (µ=4,05 pontos), Competência (µ=4,04 pontos). Por isso todas as
dimensões remetem para uma reputação corporativa favoráveis e contribuem para a satisfação dos
diversos stakeholders (Davies et al., 2004). O que confirma uma reputação corporativa positiva tanto
numa Instituição Atual e numa Instituição Ideal. Quando uma instituição é percebida como agradável,
inovadora, disponível para ajudar, e age com honestidade, sinceridade e responsabilidade (Chun, 2005;
Davies et al., 2004; Roper & Davies, 2007), é mais provável que os públicos se envolvam com a
organização.
Conclui-se também que existem diferenças parcialmente relativamente às dimensões da ECC,
numa instituição ideal e numa Instituição Atual isto, não se verifica. Confirma-se também a existência
de diferenças relativamente à ECC, por imagem e por identidade corporativa, tanto numa Instituição
Ideal e Atual, isto confirma-se também ao nível de literatura, que a reputação corporativa é baseada nas
perceções, avaliações, relações de diferentes público-alvo da instituição, em que o mais importante são
os colaboradores numa perspetiva interna e numa perspetiva externa o mais importante são os clientes
e neste caso em concreto os utentes da Câmara.
Visto que a Câmara lida diariamente com mais de dezenas de pessoas de diferentes localidades,
e de diferentes interesses da Câmara, por isso que cada um individualmente, possuem uma visão, e uma
experiência a respeito desta instituição, por isso que existe uma diferença por utentes interno e externo
relativamente a imagem e a identidade da Câmara Municipal de Santa Cruz. A reputação é muito
relacionada a questão da lealdade e da confiança, neste estudo foi possível verificar que cerca de 82%
dos inquiridos, isto é, cerca de 661 pessoas, recomendariam os serviços da Câmara para um amigo,
familiar e/ou outra pessoa, fazendo o cruzamento desta questão ao item “De onfiança” da E , pode
verificar que existe uma associação positiva entre as duas variáveis o que corrobora a questão da Câmara
como sendo uma instituição confiável.
Pode aferir-se que existem uma relação positiva muito forte entre a Reputação Corporativa da
Câmara Municipal de Santa Cruz idealizada como uma Instituição Ideal e a Reputação Corporativa Da
Câmara Municipal de Santa Cruz, como uma Instituição Atual. Isto deve se ao fato de que não existe
uma Instituição Ideal sem o apoio, colaboração e envolvimento de todas as partes interessadas. Por isso
a Câmara apesar de ter considerada uma instituição de confiança e uma reputação corporativa positiva,
por outro lado possui grandes desafios que é o de alinhar a perceção da sua identidade com as
expetativas dos stakeholders e o de manter essa confiança, e manter a reputação positiva e trabalhar
afincadamente para a conquista de uma reputação corporativa de excelência, o que lhe garante uma
vantagem competitiva em relação a outras Câmaras ou instituição, podendo ganhar /conquistar projetos
e financiamentos internacionais, atrair os investidores externos para o país, em concreto para o
município, e acrescentarem valor à atividade organizacional.
325
Agradecimento
Os autores agradecem à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT, Portugal) pelo apoio financeiro
à UNIAG (UIDB/04752/2020) através de fundos nacionais FCT/MCTES.
Referências
Argenti, PA., & Druckenmiller, B. (2004). Reputation and the Corporate Brand. Corporate Reputation Review,
6(4), 368–374. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1057/palgrave.crr.1540005.
Balmer, JMT. (1998). Corporate Identity and the Advent of Corporate Marketing. Journal of Marketing
Management, 14(8), 963–996. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1362/026725798784867536.
Balmer, JMT. (2005). Corporate brand cultures and communities. Brand Culture. Routledge.
Basdeo, DK., Smith, KG., Grimm, C M., Rindova, VP., & Derfus, PJ. (2006). The impact of market actions on
firm reputation. Strategic Management Journal, 27(12), 1205–1219. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível
em: https://doi.org/10.1002/smj.556.
Burke, PF., Dowling, G., & Wei, E. (2018). The relative impact of corporate reputation on consumer choice:
Beyond a halo effect. Journal of Marketing Management, 34(13–14), 1227–1257. Acedido em: 2 julho
2022. Disponível em: https://doi.org/10.1080/0267257X.2018.1546765.
Chun, R. (2005). Corporate reputation: Meaning and measurement. International Journal of Management Reviews,
7(2), 91–109. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1111/j.1468-
2370.2005.00109.x.
Chun, R, Da Silva, R, & Davies, G. (2005). Corporate Reputation and Competitiveness. Acedido em: 2 julho 2022.
Disponível em: https://doi.org/10.4324/9780203218112.
Davies, G. (2017). Congratulations to Corporate Reputation Review. Corporate Reputation Review, 20(3–4), 173–
174. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1057/s41299-017-0030-7.
Davies, G, & Chun, R. (2003). The Use of Metaphor in the Exploration of the Brand Concept. Journal of Marketing
Management, 19(1–2), 45–71. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1080/0267257X.2003.9728201.
Davies, G., Chun, R., da Silva, RV, & Roper, S. (2001). The Personification Metaphor as a Measurement Approach
for Corporate Reputation. Corporate Reputation Review, 4(2), 113–127. Acedido em: 2 julho 2022.
Disponível em: https://doi.org/10.1057/palgrave.crr.1540137.
Davies, G, Chun, R, da Silva, RV, & Roper, S. (2004). A Corporate Character Scale to Assess Employee and
Customer Views of Organization Reputation. Corporate Reputation Review, 7(2), 125–146. Acedido em:
2 julho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1057/palgrave.crr.1540216.
Decreto 108/71, de 29 de março. (1971). Diário do Governo n.o 74 (Série I), 421-421. Lisboa, Portugal: Ministério
do Ultramar-Inspeção Superior de Administração Ultramarina. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em:
https://dre.pt/dre/detalhe/decreto/108-1971-445771.
Dokmaipum, S, Khantanapha, N, & Piriyakul, R. (2019). Corporate Image Management of Retail Business
(Downstream). Open Journal of Business and Management, 7(2), 892–907. Acedido em: 2 julho 2022.
Disponível em: https://doi.org/10.4236/ojbm.2019.72061.
Dowling, GR. (2001). Creating corporate reputations: Identity, image, and performance. Oxford University Press.
Dowling, GR. (2016). Winning the Reputation Game: Creating Stakeholder Value and Competitive Advantage.
The MIT Press.
Feldman, M. (2014). The character of innovative places: Entrepreneurial strategy, economic development, and
prosperity | SpringerLink. Acedido em: 6 julho 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s11187-014-
9574-4.
Fombrun, CJ, Gardberg, NA., & Sever, JM. (2000). The Reputation Quotient SM: A multi-stakeholder measure
of corporate reputation. Journal of Brand Management, 7(4), 241–255. Acedido em: 2 julho 2022.
Disponível em: https://doi.org/10.1057/bm.2000.10.
Fombrun, C, & Van Riel, C. (1997). The reputational landscape. Corporate reputation review, 1–16.
326
Gotsi, M, & Wilson, AM. (2001). Corporate reputation: Seeking a definition. Corporate Communications: An
International Journal, 6(1), 24–30. Acedido em: 2 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1108/13563280110381189.
Haywood, R, & Haywood, R. (2005). Corporate reputation, the brand & the bottom line: Powerful proven
communication strategies for maximizing value (3rd ed). Kogan Page.
Highhouse, S, Broadfoot, A, Yugo, JE, & Devendorf, SA. (2009). Examining corporate reputation judgments with
generalizability theory. Journal of Applied Psychology, 94(3), 782–789. Acedido em: 2 julho 2022.
Disponível em: https://doi.org/10.1037/a0013934.
Marôco, J. (2021). Análise Estatística com o SPSS Statistics: 7ª edição. ReporterNumber, Lda.
Pérez, A, & del Bosque, IR. (2014). Organizational and Corporate Identity Revisited: Toward a Comprehensive
Understanding of Identity in Business. Corporate Reputation Review, 17(1), 3–27. Acedido em 2 julho
2022. Disponível em: https://doi.org/10.1057/crr.2013.22.
Ponzi, LJ., Fombrun, C.J, & Gardberg, NA. (2011). RepTrakTM Pulse: Conceptualizing and Validating a Short-
Form Measure of Corporate Reputation. Corporate Reputation Review, 14(1), 15–35. Acedido em: 2 julho
2022. Disponível em: https://doi.org/10.1057/crr.2011.5.
Pestana, M, & Gageiro, J. (2014). Análise de dados para ciências sociais-A complementaridade do SPSS, 6º edição.
Edições Sílabo, Lisboa.
Roper, S., & Davies, G. (2007). The Corporate Brand: Dealing with Multiple Stakeholders. Journal of Marketing
Management, 23(1–2), 75–90. Acedido em 02 julho 2022. Disponível em:
https://doi.org/10.1362/026725707X178567.
Semedo, A. S. M. (2022). Reputação corporativa da câmara municipal de Santa Cruz: As perspetivas dos seus
utentes. Dissertação de Mestrado, Instituto Politécnico de Bragança, Bragança, Portugal. Acedido em: 29
junho 2022. Disponível em: https://bibliotecadigital.ipb.pt/handle/10198/25040.
Shamma, HM. (2012). Toward a Comprehensive Understanding of Corporate Reputation: Concept, Measurement
and Implications. International Journal of Business and Management, 7(16), p151. Acedido em: 29 junho
2022. Disponível em: https://doi.org/10.5539/ijbm.v7n16p151.
327
Perfil dos visitantes das áreas protegidas Portuguesas: Contributos da
análise de dados
Introdução
A crescente competição entre diferentes destinos turísticos impõe identificar e conhecer o perfil
sociodemográfico de visitantes com vista à definição de estratégias de segmentação bem-sucedidas,
compondo e melhorando a oferta do destino turístico em função das características e preferências dos
seus públicos-alvo. Além disso, investigações recentes sugerem que a utilização de parques naturais e
turismo de natureza melhora a saúde e aumenta a felicidade dos indivíduos (Buckley, 2020; Slater et al.,
2020). Em Portugal, a importância dos valores naturais e culturais das APP fazem destes territórios um
recurso turístico muito importante. A observação e leitura de dados sobre a evolução dos visitantes da
Rede Nacional das APP (ICNF, 2019), no período entre 2014 e 2017, permite-nos verificar que, na
328
maioria das APP, a evolução do número de visitantes apresenta um crescimento dinâmico, o que revela
o interesse dos visitantes pelas APP.
A literatura tem discutido os motivos de visita a AP, mostrando que os visitantes visitam um
parque natural por diversos fatores como seja a excursão de desafio, a viagem social, o tour pela natureza
e o passeio de fuga à rotina (Kamri & Radam, 2013). Em Portugal, num estudo realizado por Carneiro
et al. (2006), foi elencado um conjunto de motivações como seja descansar, aprender/alargar os
conhecimentos, ver um local específico, conhecer pessoas novas, contactar residentes locais, entre
outras. Nos resultados, pode observar-se que as principais motivações da visita são oportunidades de
descanso/tranquilidade e de ter novas experiências (Gerês) e visitar um local específico da área protegida
(Sintra). Esta pesquisa mostra, ainda, que as motivações têm uma importante influência na decisão de
visitar AP em detrimento de outros destinos e revela que as motivações para visitar diferentes áreas
protegidas podem ser diferentes.
O presente estudo pretende acrescentar conhecimento sobre a identificação e caracterização do
perfil dos visitantes de AP, baseado em variáveis sociodemográficas e motivações de visita. O estudo
destaca ainda o perfil sociodemográfico de visitantes versus não visitantes de APP.
O artigo procede da seguinte forma. Em primeiro lugar, aprofunda o conhecimento sobre turismo
e motivações dos visitantes no contexto das AP. Em segundo lugar, apresenta os métodos
implementados neste estudo e esclarece o processo de recolha de dados, examinando e discutindo os
resultados obtidos. Por fim, são tiradas conclusões e implicações para futuras pesquisas.
Revisão de literatura
Turismo em AP
As AP são territórios cuja principal função é a conservação do ambiente. Nestes, o turismo sustentável
advoga que deve proporcionar-se uma experiência de viagem de boa qualidade para os visitantes, desde
que não se prejudiquem os recursos naturais que atraem estes visitantes (Konu & Kajala, 2012). Os
destinos sustentáveis e autossustentados são vistos como um produto de mercados responsáveis e
cidadãos responsivos (Buhalis & Costa, 2006). De facto, estes espaços protegidos possuem um conjunto
de recursos que os potenciam para o desenvolvimento do turismo sustentável e educação ambiental
contribuindo, desta forma, com benefícios sociais e económicos para o desenvolvimento sustentável das
regiões (Castro, 2014).
O turismo e a procura pelas AP, nas últimas décadas, tem notado um aumento significativo do
número de visitantes (Buckley & Sommers, 2000; Carneiro et al., 2006; Konu & Kajala, 2012; Mangano,
2006; Marques et al., 2010; Ruiz, 2008; Ulate, 2009). Este incremento de visitantes deve-se, entre outros
fatores, à expansão global do turismo, ao desenvolvimento dos transportes, ao crescente interesse dos
visitantes em conhecer o património natural e cultural, ao favorecimento político daí advindo, mas
também à necessidade de compensar a vida urbana intensa e a maior perceção pela problemática
ambiental e importância da atividade física (Guerrero, 2001; Silva & Umbelino, 2017; UNEP, 2005).
Acresce que, no séc. XXI, o turismo se tornou um dos setores económicos mais dinâmicos e de
maior e mais rápido crescimento a nível mundial, sendo considerado um motor decisivo na criação de
emprego e desenvolvimento económico local e regional. Em 2019, de acordo com o The World Tourism
Council Travel and Tourism Economic Report (2022), em termos mundiais, este setor representava
cerca de 330 milhões de empregos (perdendo 62 milhões em 2020) e 10,3% do GDP e empregos globais.
Nos anos seguintes, este panorama sofreu alguns revezes quando as respostas globais para controlar a
disseminação da pandemia da COVID-19 incluíram encerramentos parciais ou completos de fronteiras,
restrições de viagem, confinamento doméstico e imposições de distanciamento social. Com milhões de
pessoas no desemprego, a incerteza sobre a recuperação económica, os receios globais de continuação
da COVID-19 e das suas vagas futuras, a indústria do turismo esteve entre as primeiras indústrias
afetadas e estará entre as últimas indústrias a recuperar (Davahli et al., 2020). Esta pandemia atingiu
gravemente a indústria do turismo e da hotelaria internacional com um declínio de 74% das chegadas
de turistas internacionais em 2020 em comparação com 2019 (UNWTO, 2021). Ainda durante a
persistente pandemia da COVID-19, a indústria do turismo tem-se focado nos mercados domésticos,
com um decréscimo de 47,4% em 2020 e um aumento de 31,4% em 2021, na despesa do visitante
329
doméstico (WTTC, 2022) e em mercados próximos para assegurar uma recuperação gradual, usando o
marketing de recuperação (Volgger et al., 2021). Uma das consequências da crise pandémica da
COVID-19 tem sido o desenvolvimento do turismo de proximidade em espaços exteriores com gestores
de parques naturais protegidos a pensar e a ajustar a experiência dos seus turistas domésticos (Lebrun et
al., 2021). A pandemia evidenciou a interligação de pessoas e ecossistemas e as complexas
interdependências entre os princípios de sustentabilidade que devem ser considerados para uma maior
resiliência e sustentabilidade das AP (Smith et al., 2021).
É, agora, mais premente que nunca proceder à revitalização e reativação destes espaços naturais
atraindo e educando públicos que experienciando viagens de qualidade e bem-estar, preservem os
recursos naturais, gerando benefícios sociais e económicos, especialmente necessários em territórios de
baixa densidade populacional.
6.5 Perfil e motivações dos visitantes de AP
Os parques naturais e outras AP são destinos populares para pessoas que querem disfrutar de atividades
de lazer, viagens e ecoturismo baseadas na natureza (Konu & Kajala, 2012). Nestes, os visitantes podem
consumir elementos intangíveis, itinerários, paisagens e elementos tangíveis, nomeadamente o
artesanato local, gastronomia, museus, centros de interpretação e educação ambiental ou postos de
informação (Donaire & Gordi, 2003; Mangano, 2006).
É essencial entender a natureza dos visitantes de uma AP, a fim de: minimizar o impacto nos
recursos, advindo do aumento da visitação às AP; desenvolver programas de educação e relações
públicas eficazes gerindo, de forma eficiente, o risco; e criar estratégias efetivas de marketing (Konu &
Kajala, 2012; McCabe, 2010).
As motivações dos visitantes podem contribuir para a formação da imagem, preferências e seleção
dos destinos turísticos a visitar pelo que é tão importante identificar as motivações dos potenciais
visitantes das AP, quanto é desenvolver produtos turísticos capazes de satisfazer essas motivações
(Carneiro et al., 2006). De referir que, no turismo, a literatura refere-se às motivações como push factors,
sendo estes os aspetos sociopsicológicos de um indivíduo que provocam nele o desejo de viajar (Dann,
1977; Uysal & Hagan, 1993, citados por Carneiro et al., 2006) e influenciam o seu comportamento
enquanto visitante (Carrascosa-López et al., 2021).
Como motivações, alguns visitantes associam à visita a parques naturais o desenvolvimento de
capacidades e o desafiar a natureza, o sentimento de liberdade e o convívio com amigos e família com
interesses comuns (Kamri & Radam, 2013). Outros estudos indicam como motivações o querer estar
junto da família, alargar conhecimento, descansar, o desejo de novidade, de conhecer pessoas e visitar
amigos (Carneiro et al., 2006). Carrascosa-López et al. (2021) sugerem a existência de oito dimensões
motivacionais no ecoturismo: autodesenvolvimento, relacionado com a procura pelo crescimento
pessoal; relações interpessoais, relacionadas com o fortalecimento das relações com familiares e amigos;
fuga, relacionada com a fuga à rotina; construindo relacionamentos pessoais, relacionado a visitantes se
sentindo motivados a conhecer novas pessoas; função de defesa do ego; relacionada com o
acompanhamento de eventos atuais e discussão social; natureza, relacionado com observar, apreciar e
aprender com a natureza; recompensas, relacionadas com a exploração do desconhecido e do novo; e
diversão. Marques et al. (2010) acrescentam sete dimensões motivacionais presentes em AP,
nomeadamente: participação em eventos tradicionais, disfrutar da natureza, desporto, influência social,
realização pessoal, proximidade e conveniência e participação em eventos planeados. Finalmente, a
lealdade e comportamento de recompra, em parques naturais, são motivadas na qualidade dos serviços,
identificação do visitante com o espaço e estratégias de marketing aí desenvolvidas (Kamri & Radam,
2013). Em face do exposto é possível testar algumas hipóteses:
H1: Existem diferenças nas variáveis sociodemográficas entre visitantes e não visitantes de AP;
H2: As motivações de visita são influenciadas pelo sexo;
H3: As motivações de visita são influenciadas pela idade.
Estudo empírico
330
Objetivos e metodologia
O presente estudo tem como objetivos desenhar o perfil dos visitantes das APP em termos
sociodemográficos e de principais motivações de visita. Procurando ir de encontro aos objetivos
delineados, utilizaram-se, na presente investigação, dois tipos de fontes: primárias e secundárias. No
que respeita às fontes primárias, para a recolha de dados foi usada a técnica amostral por conveniência
e utilizado o inquérito por questionário, aplicado on-line (em redes sociais e dirigido a listas de
distribuição de e-mails institucionais). Foi distribuído numa plataforma eletrónica (Lime Survey) e foi
realizado um pré-teste junto de 18 indivíduos que sugeriram alterações ligeiras. A estrutura do
questionário, daí resultante, é constituída por três grupos: caracterização sociodemográfica;
conhecimento sobre parques naturais, em geral (experiência de visita, fontes de conhecimento,
motivações de visita) e perceções sobre um parque, em particular. Para a análise do perfil
sociodemográfico do potencial visitante são utilizadas seis variáveis (sexo, idade, habilitações literárias,
situação profissional, residência e rendimento) que se incluem entre as mais tratadas em estudos
académicos similares.
Os dados obtidos foram analisados nos programas estatísticos Jamovi, a partir de métodos de
estatística univariada e multivariada. A Tabela 1 sintetiza os principais elementos metodológicos deste
estudo.
331
Menos de 665 euros 22 5.6
Entre 665 e 1000 76 19.2
Entre 1001 e 2000 154 39.0
Entre 2001 e 3500 111 28.1
Mais de 3500 euros 32 8.1
Fonte: Elaboração própria.
Os inquiridos são maioritariamente do sexo feminino (66.8%), têm um nível de ensino elevado
sendo que Pós-graduação/MBA/Mestrado/Doutoramento foi a resposta com maior frequência tendo 191
respostas, o que equivale a 48.4% de todos os respondentes. Em termos de emprego a maioria trabalha
por conta de outrem (74.9%) sendo que ainda existe uma percentagem razoável de estudantes (11.1%).
Na amostra 23 inquiridos escolheram a opção Outra situação, sendo algumas dessas situações bolseiros
de investigação ou estudantes em gap year.
Podemos afirmar ainda que a grande maioria dos inquiridos são da zona norte (litoral, Interior,
Porto) (93.5%). A nível de rendimentos (rendimento mensal líquido do agregado familiar) existem
apenas 22 inquiridos com rendimento inferior a 665 euros o que era de esperar visto que a maioria dos
respondentes têm níveis de ensino elevados, com a maior parte dos respondentes a ganhar entre 1001 e
2000 euros (39%), havendo ainda 36.2% dos respondentes a ganhar mais de 2000 euros, uma
percentagem maior do que a dos inquiridos que ganham 1000 euros ou menos que é de 24.8%. De
seguida, procede-se à análise descritiva das diversas questões relevantes para o presente estudo.
elativamente à questão “Quais os parques naturais que conhece?”, foi objetivo aferir a
notoriedade das diferentes AP, aqui nomeadas parques naturais, para efeitos de entendimento comum.
É possível concluir que o parque mais presente na mente dos inquiridos, com notoriedade top of
mind, é o Parque Natural de Montesinho que obteve 37.9% (146) das respostas em primeiro lugar
(Peneda-Gerês obteve 135 respostas em primeira menção). No que respeita à notoriedade espontânea
(percentagem de indivíduos que recordam espontaneamente o nome da marca, em primeiro, segundo e
terceiro lugar), os parques com maior notoriedade espontânea (Tabela 3) são o Parque Nacional da
Peneda-Gerês (63.5%), o Parque Natural de Montesinho que apesar de ser o parque com notoriedade
top of mind não foi o que obteve mais frequência de respostas em segundo e terceiro lugar (59.5%) e o
Parque Natural da Serra da Estrela (24.3%).
Na questão “J visitou algum parque natural?”, a quase totalidade dos inquiridos (91%) já visitou
um parque natural pelo menos uma vez, evidenciando-se a qualidade da amostra obtida consubstanciada
na experiência de visita.
A distribuição das características sociodemográficas dos visitantes e não visitantes é apresentada
na Tabela 4.
332
Tabela 4: Relação entre a visita aos parques naturais e as variáveis sociodemográfico
Visitantes Não visitantes
(%) (%) Qui-Quadrado
Sexo
Feminino 67.9 55.9
2,01
Masculino 32.1 44.1
Idade
Menos de 30 anos 11.6 47.1
30-39 17.5 5.9
40-49 43.5 29.4 31.9**
50-59 19.9 14.7
60 ou mais anos 7.5 2.9
Habilitações Literárias
Até ao 9.º ano 1.9 8.8
Ensino secundário (12º ano) 13.6 50.0
40.9**
Ensino superior (Bacharelato/Licenciatura) 32.7 29.4
Pós-graduação/MBA/Mestrado/Doutoramento 51.8 11.8
Situação Profissional
Estudante 8.5 38.2
Trabalhador/a por conta de outrem 77.9 44.1
30.1**
Trabalhador/a por conta própria/patrão/empregador 7.6 11.8
Outra situação 5.9 5.9
Zona Geográfica
Grande Porto 6.1 5.9
Interior Norte 61.8 73.5
2.18
Litoral Norte 25.5 14.7
Grande Lisboa/ Litoral centro/ Sul e ilhas 6.6 5.9
Rendimento
Menos de 665 euros 4.2 20.6
Entre 665 e 1000 17.7 35.3
28.7**
Entre 1001 e 2000 41.3 14.7
Entre 2001 e 3500 28.0 29.4
Mais de 3500 euros 8.9 0
**- valor-p<1%
Fonte: Elaboração própria.
Da análise dos resultados, destacam-se os pontos seguintes, alguns dos quais evidenciando
diferenças significativas entre visitantes e não visitantes:
• Um total de 67.9% dos visitantes são do sexo feminino. Essa percentagem é semelhante
dentro do grupo dos não visitantes;
• A distribuição etária dos visitantes mostra um perfil de adulto maioritário entre os 40 e 49
anos. Os não visitantes apresentam um perfil mais jovem, onde a maior parte tem menos de
30 anos;
• Esta amostra apresenta um alto nível educacional, sendo mais elevado no grupo de visitantes;
a maioria dos não visitantes tem no máximo o ensino secundário (12.º ano);
• Mais de 75% dos visitantes estão empregados por conta de outrem e apenas 8.5% são
estudantes; o grupo de não visitantes inclui uma proporção maior de estudantes;
• Não há diferenças significativas relativamente à zona geográfica de residência;
333
• Aproximadamente 79% dos visitantes têm um rendimento familiar líquido de mais de 1000
euros; os respondentes com menos rendimento são os que menos visitam parques naturais.
Assim, a hipóteses H1 é suportada para as seguintes variáveis idade, habilitações literárias,
situação profissional e rendimento. De notar que o perfil sociodemográfico dos visitantes das AP deste
estudo é semelhante ao perfil dos visitantes traçado em Marques et al. (2010).
Analisando as respostas dos inquiridos à pergunta “ omo teve conhecimento desse s parque s ?”
nota-se que a maioria dos inquiridos teve conhecimento do parque (Tabela 4) através de amigos e família
(word of mouth), com 64.8% de respostas, sendo que respostas como através da televisão/rádio/imprensa
e internet/website e redes sociais tiveram também uma grande influência.
A fonte de conhecimento com menos respostas foi a do posto de turismo com apenas 10.1%,
antevendo que a presença destas infraestruturas deve melhorar do ponto de vista da comunicação. Os
profissionais de marketing turístico devem encorajar o uso de publicidade above the line (TV, rádio,
outdoors e imprensa), em canais generalistas ou segmentados. Destaca-se a presença digital onde os
reviews, comentários e testemunhos particulares e independentes assumem importância primordial pelo
que devem ser monitorizados e dinamizados. Cada vez mais o cliente sabe o que quer, cada vez mais o
cliente exige mais e toda a oferta turística deve ter noção que a opinião de outros turistas que publicam
as suas experiências em avaliações online, fornece informações de uma fonte que é percebida como
mais independente e confiável do que as informações da empresa (De Pelsmacker et al., 2018). De
considerar ainda que 35 respondentes afirmaram ter conhecido o parque por outras fontes sendo que
dentro dessas 35 outras fontes a resposta mais frequente foi Escola com 13.5%.
Através dos dados obtidos na pergunta “O que mais gostou de ver nesses parques?” a nuvem de
palavras (Figura 1) ilustra uma lista de palavras visualmente hierarquizadas de modo a representar a
frequência de resposta. À semelhança de estudos similares (e. g. Lopes et al., 2021), destacam-se as
palavras natureza, fauna, flora e ar puro.
334
Na presente amostra, a resposta com maior frequência foi a dos inquiridos que visitam os parques
no máximo uma vez por ano (45.2%). Ainda assim 109 respondentes afirmam visitar duas ou três vezes
por ano (30.2%) e 89 dizem visitar parques naturais mais de três vezes por ano (24.7%).
No que respeita às motivações para visitar uma qualquer AP (Tabela 5), a pergunta correspondeu
a uma escala de Likert (de 1 a 5) onde valores inferiores a três mostram que os inquiridos não dão
importância à variável em questão, o valor três mostra que dão alguma importância e valores superiores
a três dizem-nos que os inquiridos dão muita importância à variável em questão. Por um lado, é possível
aferir que as opções conhecer pessoas novas e contactar com os residentes locais são as menos
valorizadas tendo as médias mais baixas de 2.55 e 2.94, respetivamente e a maior percentagem de
respostas inferiores a três com 52.6 e 33.5, respetivamente. Outras opções com bastante importância
para os inquiridos são as de descansar, aprender/alargar conhecimentos com médias de 3.93 e 3.85. Por
outro lado, as opções ter paz e calma/estar longe das multidões e mudar para um ambiente diferente/ter
experiências novas são as mais valorizadas com médias de 4.16 e 4.08 e percentagem de respostas acima
de três de 77.8 e 74.8, respetivamente.
Através dos desvios padrões podemos ainda concluir que a resposta onde existiu mais
unanimidade foi a Mudar para um ambiente diferente/Ter experiências novas enquanto a resposta evitar
responsabilidades/descansar a mente foi onde se notou maior dispersão nas respostas.
Assim podemos concluir que as principais razões de as pessoas visitarem parques naturais são
descansar e relaxar, onde conhecer pessoas novas e/ou residentes locais não interessa à maioria.
Os testes de hipóteses não paramétricos são utilizados para estudar o ajustamento de certas
funções aos dados, apurar a independência e comparar duas ou mais distribuições (Oliveira, 2004).
De seguida utiliza-se o teste Mann-Whitney U, uma versão não paramétrica do independente
samples t-teste, para averiguar se as motivações são influenciadas pelo sexo.
335
Fonte: Elaboração própria.
A partir da Tabela 6 podemos concluir, com um nível de significância de 5%, que as motivações
descansar, aprender/alargar conhecimentos, evitar responsabilidades/descansar a mente, mudar para um
ambiente diferente/ter experiências novas e ter paz e calma/estar longe das multidões são
significativamente mais valorizadas pelas respondentes do sexo feminino do que para os respondentes
do sexo masculino uma vez que têm um valor P inferior a 5%. Quanto às outras motivações não podemos
afirmar que sejam significativamente influenciadas pelo sexo dos respondentes.
Assim os respondentes do sexo feminino dão mais importância a evitar responsabilidades, mas
também a ter experiências novas. Já as variáveis relacionadas com socialização e conhecer pessoas não
têm diferenças significativas na importância dada pelos dois géneros.
O Teste Kruskal-Wallis, uma versão não paramétrica do teste anova one-way, foi aplicado para
averiguar se a idade tem influência nos motivos de visita aos parques naturais (Tabela 7).
Conclusões
O turismo e a hotelaria foram dos setores que mais sofreram com a pandemia COVID-19, com um
impacto devastador. Em tempos de reconstrução da economia, o marketing turístico terá um papel
relevante na identificação e satisfação de necessidades renovadas aos termos do novo normal. As
entidades de distribuição e gestão de destinos turísticos beneficiam com este estudo na medida em que
a segmentação, a conceção de produtos turísticos e serviços periféricos e as estratégias de comunicação
poderão ser mais assertivas. Este estudo sugere que os visitantes de parques naturais têm entre 40 e 59
anos, apresentam um elevado nível educacional, trabalham por conta de outrem e têm um rendimento
familiar líquido de mais de 1000 euros. Os motivos mais valorizados na visita às AP são ter paz e
calma/estar longe das multidões e mudar para um ambiente diferente/ter experiências novas.
Mais, este estudo oferece evidência estatística que as motivações descansar, aprender/alargar
conhecimentos, evitar responsabilidades/descansar a mente, mudar para um ambiente diferente/ter
experiências novas e ter paz e calma/estar longe das multidões são mais valorizadas pelo sexo feminino.
Mostra ainda que a idade tem influência nos motivos descansar, contactar residentes locais e ver um
336
local específico. Em relação a estes motivos, estes são menos valorizados pelos inquiridos do grupo
mais jovem e mais valorizados pelos inquiridos da classe etária 50-59 anos.
Este estudo procura ilustrar como o conhecimento do perfil de visitantes pode ser usado no
desenvolvimento de estratégias que melhorarão as experiências dos visitantes, respeitando a
sustentabilidade do território. Contudo, a literatura sugere que as motivações que levam as pessoas a
visitar áreas protegidas não são homogéneas, ou seja, os motivos que levam as pessoas a visitar
diferentes AP podem ser diferentes e, como tal, parece ser relevante que se identifiquem as principais
atrações de cada área protegida e as motivações que cada área tem capacidade de satisfazer (Carneiro et
al., 2006). Com efeito, é com base na especificidade de cada área em termos de atrações turísticas e nas
motivações que cada área tem capacidade de satisfazer, que deve ser criada a política de
desenvolvimento turístico e de promoção para essa área (Carneiro et al., 2006).
Como limitações, os autores do presente estudo partilham da opinião de outros entendendo que
considerar que as motivações que dão origem à visita das diversas AP são idênticas, revela-se ser um
princípio enganador (Carneiro et al., 2006). Pelo exposto, será crucial especificar e perceber as
motivações de cada AP em concreto. A maior limitação deste estudo diz respeito ao facto da amostra
recolhida foi de conveniência, incluiu maior peso do sexo feminino e indivíduos com elevada
escolaridade, não existindo obviamente representatividade da população portuguesa.
Agradecimentos
Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto Refª UIDB/04470/2020. Agradece-se ao Centro de Investigação,
Desenvolvimento e Inovação em Turismo (CiTUR).
Referências
Buckley, R. (2020). Nature tourism and mental health: parks, happiness, and causation. Journal of
Sustainable Tourism, 28(9), 1409–1424. https://doi.org/10.1080/09669582.2020.1742725
Buckley, R., & Sommers, M. (2000). Tourism and protected areas: Partnerships in principle and
practice. CRC for Sustainable Tourism.
Buhalis, D., & Costa, C. (2006). Tourism management dynamics: trends, management and tools.
Routledge.
Carneiro, M. J., Costa, C., & Crompton, J. (2006). A escolha do destino turístico a visitar–motivos da
visita a áreas protegidas. Revista Turismo & Desenvolvimento, 6, 109–123.
Carrascosa-López, C., Carvache-Franco, M., Mondéjar-Jiménez, J., & Carvache-Franco, W. (2021).
Understanding motivations and segmentation in ecotourism destinations. Application to natural
parks in Spanish Mediterranean area. Sustainability, 13(9), 4802.
Castro, J. P. R. (2014). Turismo sustentável e educação ambiental nos parques naturais de montesinho
e douro internacional. Universidade de Aveiro (Portugal).
Davahli, M. R., Karwowski, W., Sonmez, S., & Apostolopoulos, Y. (2020). The hospitality industry in
the face of the COVID-19 pandemic: Current topics and research methods. International Journal
of Environmental Research and Public Health, 17(20), 1–22.
https://doi.org/10.3390/IJERPH17207366
De Pelsmacker, P., van Tilburg, S., & Holthof, C. (2018). Digital marketing strategies, online reviews
and hotel performance. International Journal of Hospitality Management, 72, 47–55.
https://doi.org/10.1016/J.IJHM.2018.01.003
Donaire, J. A., & Gordi, J. (2003). Bosque y turismo. Boletín de La Asociación de Geógrafos Españoles.
Guerrero, T. V. (2001). Los espacios naturales protegidos como recurso turístico: metodología para el
estudio del Parque Nacional de Sierra Nevada. Estudios Turísticos, 147, 57–84.
ICNF. (2019). Instituto da Conservação da Natureza e Florestas - Parque Natural Regional do Vale do
Tua. http://www.icnf.pt/portal/ap/amb-reg-loc/pnrv-tua
337
Kamri, T., & adam, A. 2013 . Visitors’ visiting motivation: Bako national park, Sarawak. rocedia-
Social and Behavioral Sciences, 101, 495–505.
Konu, H., & Kajala, L. (2012). Segmenting protected area visitors based on their motivations. Age, 15,
25.
Lebrun, A.-M., Su, C.-J., & Bouchet, P. (2021). A More Sustainable Management of Domestic Tourists
in Protected Natural Parks: A New Trend in Sport Tourism after the Covid-19 Pandemic?
Sustainability, 13(14), 7750. https://doi.org/10.3390/su13147750
Lopes, L., Nobre, J., & Castro, J. P. R. (2021). Perfil e segmentação de potenciais visitantes do Parque
Natural Regional do Vale do Tua. INTERNATIONAL TOURISM CONGRESS 2021.
Mangano, S. (2006). El turismo en los espacios naturales protegidos. Análisis de los objetos de consumo
turístico y del comportamiento de los turistas en los parques naturales de Liguria. Universitat de
Girona.
Marques, C., Reis, E., & Menezes, J. (2010). Profiling the segments of visitors to Portuguese protected
areas. Journal of Sustainable Tourism, 18(8), 971–996.
McCabe, S. (2010). Marketing communications in tourism and hospitality: concepts, strategies and
cases. Routledge.
Oliveira, T. P. C. A. (2004). Estatística Aplicada. Universidade Aberta.
Ruiz, D. (2008). Competitividad sostenible de los espacios naturales protegidos como destinos
turísticos: un análisis comparativo de los parques naturales Sierra de Aracena y Picos de Aroche
y Sierras de Cazorla, Segura y Las Villas. Universidad de huelva.
Silva, F., & Umbelino, J. (2017). Planeamento e desenvolvimento turístico. Lidel.
Slater, S. J., Christiana, R. W., & Gustat, J. (2020). Recommendations for Keeping Parks and Green
Space Accessible for Mental and Physical Health During COVID-19 and Other Pandemics.
Preventing Chronic Disease, 17, 200204. https://doi.org/10.5888/pcd17.200204
Smith, M. K. S., Smit, I. P. J., Swemmer, L. K., Mokhatla, M. M., Freitag, S., Roux, D. J., & Dziba, L.
(2021). Sustainability of protected areas: Vulnerabilities and opportunities as revealed by
COVID-19 in a national park management agency. Biological Conservation, 255, 108985.
https://doi.org/10.1016/j.biocon.2021.108985
Ulate, G. V. (2009). Turismo y espacios naturales protegidos en Costa Rica: enfrentamiento o
concertación. Revista de Ciencias Sociales, 123–124.
UNEP, U. N. E. P. (2005). Forging links between protected areas and the tourism sector: How tourism
can benefit conservation. UNEP/Earthprint.
UNWTO. (2021). Worst year in tourism history with 1 billion fewer international arrivals. UNWTO.
Volgger, M., Taplin, R., & Aebli, A. (2021). Recovery of domestic tourism during the COVID-19
pandemic: An experimental comparison of interventions. Journal of Hospitality and Tourism
Management, 48, 428–440.
World Travel and Tourism Council. (2022, Maio 12). World Travel & Tourism Council
(WTTC). https://wttc.org/
338
Políticas públicas e o ecossistema de inovação em Curitiba. O caso do Vale
do Pinhão
Public policies and the innovation ecosystem in Curitiba. The case of Vale
do Pinhão
339
Introdução
Diante das constantes mudanças econômicas, sociais, políticas e tecnológicas, as organizações públicas
e privadas deparam-se com o desafio de fomentar práticas inovadoras. Neste ínterim, demanda especial
cautela do setor público para fomentar, facilitar, incentivar e ampliar tais ações, pois as políticas públicas
repercutem na economia e explicitam as inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade
(Souza, 2006).
A inovação nas suas variadas dimensões tem sido entendida como um elemento fundamental na
definição de políticas de desenvolvimento dos territórios, independente de sua localização geográfica
(Tigre, 2014).
Nesse contexto, diversos estudos e definições conceituais foram concebidos a fim de compreender
e caracterizar os processos inovativos. Um dos conceitos adotados com maior destaque foi apresentado
pelo Manual de Oslo, o qual define inovação como um produto ou processo novo ou melhorado (ou uma
combinação deles), que difere significativamente dos produtos ou processos anteriores da unidade e
colocado à disposição dos usuários potenciais (produto) ou posto em uso pela unidade (OECD, 2018,
p.20, tradução livre).
Desta forma, as políticas públicas de incentivo à inovação contribuem para: diminuir as
desigualdades regionais, implementar o desenvolvimento e determinar o nível de evolução de uma
nação.
A evolução dos processos de inovação tem proporcionado implicações significativas para todos
os que valorizam as dinâmicas territoriais e ao colocar a inovação na base do desenvolvimento local,
além de atribuir uma configuração mais sistêmica, adiciona um desafio maior às pesquisas. As medidas
de incentivo visam desenvolver um sistema de inovação com envolvimento de vários atores, o que
comprova a necessidade da descentralização (Baleiras, 2001).
O grau de descentralização afeta a capacidade de conceber e implementar a inovação e a ausência
de estruturas administrativas regionais foi identificada pela Comissão Europeia como um
constrangimento para a realização de uma inovação regional eficaz (Rodríguez-Pose & Di-Cataldo,
2014).
O debate sobre políticas de inovação no nível municipal de governo é de extrema relevância,
considerando as vantagens de um sistema integrado e descentralizado, como a aproximação das decisões
às necessidades dos cidadãos (Teles, 2021).
A problemática do artigo se consubstancia entre a autonomia do município, como ente federativo
autônomo (Brasil, 1988) para identificar as políticas públicas destinadas ao fomento da inovação. No
entanto, a discussão pretendida não está limitada ao mero plano jurídico, mas sim, na dimensão político-
administrativa.
No entanto, é essencial que a política formulada seja baseada no conhecimento, levando em
consideração a realidade local do município que está inserido, assegurando desta forma, uma maior
assertividade nas medidas propostas e nos resultados a serem obtidos, os quais deverão estar voltados
para o desenvolvimento local (Martin & Spano, 2019).
Diante desta contextualização o estudo busca responder a seguinte questão norteadora: Quais as
políticas públicas de incentivo à inovação adotadas em Curitiba e de que forma estas são concretizadas?
A relevância do tema está fundada na necessidade da atenção dos governos locais para a
incrementação de incentivos ao desenvolvimento mediante a elaboração de políticas públicas voltadas
à inovação, e, também, contribuir para o avanço do conhecimento, fomentando uma sociedade
conectada, inteligente, sustentável e inclusiva.
Do ponto de vista empírico o estudo dos modelos de fomento à inovação, como as desonerações
tributárias e a criação de um ambiente propício para as conexões entre os setores econômico, científico
e administração pública podem aperfeiçoar o desenvolvimento e a inovação.
O estudo possui o diferencial de efetuar uma análise das políticas municipais de Curitiba
destinadas a fomentar o desenvolvimento e a inovação, especificamente com a criação do Vale do
Pinhão.
Cabe destaque ainda, que a carência de estudos sobre a participação dos municípios ou da
existência de políticas públicas a nível municipal que visem incentivar o desenvolvimento e a inovação
está no bojo do presente estudo (Balaguer-Coll et al., 2020).
340
A partir do problema exposto, o estudo tem por objetivo geral analisar as políticas públicas dos
principais instrumentos de incentivos.
Na metodologia, o estudo apresenta caráter científico, na medida que a pesquisa acadêmica de
natureza aplicada (Gil, 2008) e utiliza uma abordagem qualitativa (Godoy, 1995). Para alcançar os
objetivos propostos, aplicará métodos exploratório e descritivo. Fazendo uso, ainda, de uma pesquisa
documental e bibliográfica (Fachin, 2005; Lima & Mioto, 2007), além do estudo de caso, culminado
com a apresentação dos resultados encontrados.
O estudo aqui proposto está estruturado em duas partes, além das conclusões e deste ponto
introdutório no qual se evidência a delimitação do tema, a exploração do problema com a apresentação
da questão norteadora da pesquisa, seguida dos objetivos traçados, da justificativa para o estudo e a
metodologia utilizada.
Revisão da literatura
Políticas públicas
A existência das políticas públicas está diretamente vinculada à própria existência da sociedade. Trata-
se de uma espécie de mecanismo governamental que tem por função resolver problemas e satisfazer
necessidades de determinada faixa populacional.
As políticas públicas são o “que os governos escolhem fazer ou não fazer” e estão relacionadas à
organização de prestação de serviço público, à regulação de comportamento, à distribuição de benefícios
e à arrecadação de tributos. Assim é determinante, seja como fonte basilar de sua estrutura ou limitadora
de seu poder (Dye, 2011).
As políticas públicas estão relacionadas com o modelo de intervenção do Estado. Para Barbosa
(2016, p.25), políticas públicas são “conjuntos de ações desenvolvidas pelos governos nacionais,
estaduais ou municipais), que visam assegurar determinado direito de cidadania, de maneira geral ou
para um grupo específico”. Essas políticas buscam alcançar o bem-estar da sociedade em consonância
com o interesse público.
O desenvolvimento impõe e ao mesmo tempo possibilita a implementação de novas políticas
públicas, por meio de diferentes arranjos, seja para o atendimento de direitos ou para a organização das
formas econômicas e sociais que articulam iniciativas dirigidas e coordenadas pelo Poder Público
(Bucci, 2021).
A inovação no campo das políticas públicas está relacionada à renovação das características e
instrumentos no desenvolvimento dessas políticas, tais como objetivos, instrumentos, recursos, alianças
e instituições. Os atores envolvidos nesse cenário devem ser capazes de fornecer justificativas de que a
inovação é necessária para buscar o bem comum e a introdução das mudanças que a sociedade moderna
exige. Para tanto, devem apresentar resultados tangíveis para demonstrar que os recursos públicos
fornecidos para a inovação estão sendo bem aplicados (Duijn, 2016).
O fundamental é que a atuação do governo seja de liderança a ser seguida pelas empresas privadas,
em uma abordagem protagonista e com a valorização do fazer em detrimento da terceirização,
fomentando caminhos inovadores. Fazendo isso, o governo consegue desenvolver expertise gerando um
dinamismo que muitas vezes é acusado de não ter (Mazzucato, 2021).
Isso faz todo sentido à medida que somente o Estado tem a capacidade de impulsionar a
transformação na escala necessária para atender os anseios sociais e estruturar relações entre os diversos
atores econômicos com a sociedade civil.
É fato que a inovação não é o principal papel do Estado, porém a demonstração de um caráter
potencialmente inovador e dinâmico alinhado a sua capacidade de desempenhar um papel empreendedor
na sociedade é uma forma eficiente de defender sua existência, tamanho e a sua organização (Mazzucato,
2014).
Neste contexto, a governança pública associada à mudança na gestão, que passa a ser orientada
para as formas de interação nas relações de poder entre o Estado, seus níveis de governo e a sociedade,
com especial atenção aos processos de cooperação e de interação, bem como aos mecanismos que
estimulam as relações entre os diversos atores envolvidos tem assumido grande importância no esforço
para construção de um ambiente sustentável para todos (Vicente & Scheffer, 2013).
341
A descentralização, em nível municipal, assume um importante papel frente ao desenvolvimento
da inovação, tendo a justificativa de que está centrada no fato de que as economias locais competitivas
não só produzem mais renda, como também, são propensas a crescer mais rapidamente (Zhang, 2010).
Na perspetiva de Bittencourt 2014, p.98 “...o desenvolvimento local não se refere ao territ rio
como um lugar com poucos recursos numa dada dimensão geográfica, mas um corpo em movimento no
espaço e no tempo, que se alimenta de múltiplos genes que contribuem ou não a uma determinada
dinâmica, coesão, consciência e poder”.
Todavia, para o desenvolvimento dos municípios, não bastam apenas os investimentos em
infraestrutura, melhoria dos serviços públicos, a redução de custos para negócios, a simplificação da
legislação e a criação de incentivos. Se faz necessário a interação de um sistema de políticas públicas
com foco na inovação e a forma como podem interagir para que seus efeitos sejam percebidos
(Mazzucato, 2014).
Inovação
O conceito de inovação foi inicialmente introduzido na literatura por Schumpeter (1934), que a entendia
como uma nova combinação de conhecimento e competências preexistentes. No entanto, o conceito
evoluiu ao longo do tempo e ganhou outras perspectivas, sem, contudo, deixar o viés de indutor do
desenvolvimento econômico.
Embora o conceito de inovação seja inerentemente subjetivo e contempla um processo
especificamente incerto (Reale, 2021), é importante lembrar que a inovação não é meramente
criatividade ou ideias brilhantes, ela envolve um processo de transformação de uma ideia em aplicação
prática e comercial, na forma de um produto ou serviço, que adicione valor, atenda a uma demanda
(existente ou potencial). Assim, para que esse processo de transformação se realize são necessárias uma
base organizacional e uma boa gestão (Figueiredo, 2015).
A questão da inovação é central no capitalismo moderno, estabelecendo nova forma de
competição entre as organizações empresariais pelo mundo. Partindo da teoria Schumpeteriana de
desenvolvimento econômico, atualmente o Manual de Oslo, estabelece parâmetros para compreender e
identificar essas inovações.
As estratégias nacionais de inovação são necessárias. Isso porque há uma crescente necessidade
de os países obterem ganhos de produtividade e competirem no mercado global à base de produtos com
maior valor agregado e grau de novidade. Ao mesmo tempo, forças de mercado, por si só, não garantem
a implementação de inovações em nível das empresas (Tigre, 2014).
Por isso, se faz necessário especial atenção à dimensão institucional e organizacional dos sistemas
de inovação, incluindo o desenvolvimento de competências e o desempenho organizacional,
constituindo um processo social e complexo (Lundvall & Borrás, 2005).
É consenso crescente entre profissionais, formuladores de políticas e a comunidade de pesquisa
de que as inovações tecnológicas por si só não são capazes de superar os desafios sociais e econômicos
que as sociedades modernas estão enfrentando (Domanski et al., 2020).
A atuação do Estado deve ser organizada e eficiente, de forma a impulsionar e encorajar o setor
privado para trabalhar junto ao setor público, investindo em soluções, adotando uma visão de longo
prazo e governando o processo para garantir que estamos agindo no interesse público (Mazzucato,
2021).
O Estado não precisa ser limitado na sua atuação quando se está diante da necessidade de uma
recuperação pós-pandemia e o aproveitamento da força do empreendedorismo e da inovação da
iniciativa privada devem ser otimizadas (Mazzucato, 2021).
As intervenções propostas pelo Estado podem assumir diferentes formatos, como, por exemplo,
o financiamento de universidades e institutos de investigação, subvencionar a investigação em empresas
privadas, inclusive regulamentando os direitos de propriedade intelectual (Fagerberg, 2016).
As conexões entre setores da economia, da ciência e Estado possibilitam a formação de redes
políticas heterogêneas e diferenciadas que fatalmente se transformarão em propulsores do
desenvolvimento (Reale, 2021).
342
2.3 Renúncia fiscal
Os incentivos fiscais são mecanismos para o desenvolvimento da inovação e estímulo a P&D, com
capacidade de transformar as ferramentas de políticas públicas para direcionar apoio para determinados
segmentos empresariais, pois, a redução de carga tributária, dependendo do montante que representam,
faz com que os governos ajudam a co-financiar a P&D privada (Larédo et al., 2016).
De acordo com Buffon e Jacob (2015), os incentivos fiscais, dentro da política da extrafiscalidade,
são mecanismos do sistema tributário para estimular condutas relacionadas com os objetos, deixando de
ser meros instrumentos para arrecadar tributos para custear as despesas do Estado.
Os incentivos fiscais, quando utilizados de forma conectada com a realidade que se deseja alterar,
podem atingir outros objetivos de natureza política, como o apoio de pequenas empresas, o
fortalecimento das ligações indústria-ciência e a promoção de P&D em certas áreas temáticas (Larédo
et al., 2016).
Há, também, a compreensão de que a concessão de subsídios deve ser equacionada no montante
necessário para aumentar a P&D, sem criar favorecimentos fora de contexto e distorções na economia
(Menezes Filho et al., 2014).
É importante observar que os incentivos fiscais aplicados devem estar de acordo com uma política
estadual e nacional, desestimulando guerras fiscais, pois o objetivo é incentivar a competição e a
concorrência, estimulando a inovação e o desenvolvimento (Zhang, 2010).
Curitiba ganhou fama internacional por suas soluções urbanísticas, transporte público, suas áreas verdes
e pela qualidade de vida proporcionada aos seus habitantes, o que lhe rendeu o reconhecimento entre as
comunidades mais inteligentes e inovadoras do mundo (Intelligentcommunity, 2022).
Para promover ações neste sentido, a Prefeitura de Curitiba, por meio da Agência Curitiba de
Desenvolvimento S/A, entidade de economia mista fundada em 2007 e que tem como finalidade o
fomento da atividade econômica no município, criou o projeto do “Vale do inhão” uritiba, 2022 .
Um movimento sólido e espontâneo com foco em inovação que se espalhou pela cidade com
ações públicas e privadas, de tecnologia, smart city, mobilidade, startups, economia criativa e
empreendedorismo.
Fato interessante é que o Vale do Pinhão não tem uma sede e não é um programa e nem pertence
à Prefeitura. Partiu de uma iniciativa do atual prefeito Rafael Greca, com escopo de oferecer à cidade
uma marca que conectasse as ações do ecossistema de inovação existente com a cidade de Curitiba, com
inspiração no exemplo do Vale do Silício, na Califórnia e homenageou o fruto da terra que é o pinhão,
fruto da araucária, árvore símbolo da cidade.
O ecossistema do Vale do Pinhão está orientado atualmente sob a perspectiva de cinco pilares
principais, quais sejam:
343
Figura 1: Pilares do Vale do Pinhão.
Fonte: Adaptado de Curitiba, 2022.
344
incentivo fiscal, previsto na Lei Complementar n.º 64/2007 e regulamentada pelo Decreto n.º
310/2008 alterados pela Lei Complementar n.º 87/2012), institui um regime diferenciado de tributação
do ISS – Imposto Sobre Serviços.
Depois de um período praticamente inativo, este programa foi reativado em 2018 com uma nova
gestão e desde lá, já entraram cerca de 30 (trinta) empresas e sendo disponibilizados aproximadamente
R$ 200.000.000,00 em subvenções. O programa mostra sua importância na medida que, para cada um
real aplicado em incentivo, as empresas beneficiárias investiram outros três reais na formação de
talentos, na geração de empregos qualificados, na aquisição equipamentos e na criação de competências
para o desenvolvimento de produtos inovadores.
Desta forma é um atrativo importante para economia regional com foco no ecossistema de
inovação e desenvolvimento. Portanto, é uma política de fomento ativa da Prefeitura de Curitiba, onde
há aporte direto (indireto porque diminui alíquota), mas é diretamente no caixa das empresas.
Outro fator importante do programa é que inicialmente estava delimitado a algumas regiões da
cidade, ou seja, havia um requisito geográfico para que a empresa pudesse ter sua candidatura aceita
pelo programa. Porém, em 2012, a Prefeitura de Curitiba, percebeu que o fator geográfico estava sendo
um impeditivo para que as empresas se instalassem e desenvolvessem, porque o preço da terra havia
sofrido uma grande valorização e a dificuldade de encontrar áreas apropriadas também se tornou uma
dificuldade maior, daí então, ocorreu a expansão do Programa Curitiba Technoparque para toda a cidade,
bastando as empresas estarem instaladas no perímetro urbano para se utilizarem do benefício.
Além de permear todos os demais pilares, o pilar da Tecnologia possibilita o desenvolvimento de
diversos aplicativos, disponíveis nas plataformas Android e IOS, sobre serviços prestados pela
Prefeitura Municipal de Curitiba e disponibilizados para facilitar a vida dos cidadãos, como o nota
curitibana, app curitiba 156, curitiba app e saúde-já.
Por último, aparece o pilar da Integração e Articulação, base do ecossistema de inovação de
Curitiba, as conexões entre universidades, entidades de classe, órgãos públicos, iniciativa privada e
sobretudo as empresas com foco em inovação, são razão para desenvolvimento e o sucesso. Cabendo
destaque neste eixo o Paiol Digital, que seguindo tendências mundiais de palestras no formato TED e
TEDx, apresenta conteúdo diversificado ao público, além de fomentar ações de networking voltadas ao
desenvolvimento da cidade.
O Vale do Pinhão, ecossistema este que envolve toda a cidade, está constituído numa visão de
tríplice hélice, ligando a academia, o setor empresarial e o setor público, reunidos em volta dos temas
da ciência, tecnologia, inovação e empreendedorismo.
Todas essas ações desenvolvidas sob a égide do ecossistema de inovação, tem proporcionado à
Curitiba figurar com destaque, pelo Brasil e pelo mundo, como uma cidade inovadora, empreendedora
e inteligente (Urban Systems, 2018; Intelligentcommunity, 2022).
Atualmente, Curitiba tem cerca de 459 startups, de acordo com último censo feito pelo Sebrae
Paraná, o que representa quase 1/3 de todos estes negócios existentes no estado do Paraná (Sebrae,
2022).
Enfim, todo o esforço empreendido pelos diversos atores integrantes do ecossistema
implementado na cidade tem gerado efeitos positivos com a criação de empregos, facilitando a vida dos
empreendedores e transformando a vida das pessoas mais carentes.
Conclusões
345
A vigilância, porém, faz-se necessária para que não sejam demandados esforços e recursos
desnecessários, e, para isso, o respeito as características locais e o acompanhamento de perto dos
programas são essenciais.
O Vale do Pinhão criado com o propósito de fortalecer e potencializar o ambiente de inovação
por meio do empreendedorismo, economia criativa e tecnologia para transformar Curitiba em uma
cidade cada vez mais inteligente consiste em um campo fértil e o acompanhamento de suas ações devem
fazer parte de futuras reflexões, principalmente nos desdobramentos e o aperfeiçoamento da gestão
municipal com o empreendedorismo.
Em suma, tendo em vista seu caráter multidisciplinar e de elevado grau de inovação, o projeto
Vale do Pinhão é uma oportunidade singular para promover o encontro e a cooperação entre o setor
público, setor privado e a comunidade científica, na melhoria da mobilidade urbana, empreendedorismo
e inovação, visando a almejada condição de “cidade inteligente”.
Referências
Balaguer-Coll, M., T., Narbón-Perpiñá, I., Peiró-Palomino, J., & Tortosa-Ausina, E., (2020). Qualidade
do governo e crescimento econômico em nível municipal: evidências da Espanha. Journal of
Regional Science. 62(1), 96-124.
Baleiras, R. (2001). Governação Subnacional: legitimidade econômica e descentralização da despesa
pública. In Costa, J., S. & Nikamp, P., (Coords.), Compêndio de economia regional (pp. 723-
760) Cascais. Princípia.
Barbosa, S. (2016). Políticas públicas de apoio à inovação. Curitiba. Appris.
Bittencourt, B. (2014). Políticas de desenvolvimento local sustentável e o terceiro setor: estudo de caso
na região de Aveiro. Tese de doutorado. Universidade de Lisboa. Lisboa. Portugal.
Brasil (1988). Constituição da República Federativa Acedido em 24 Jun 2022. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm..
Bucci, M. P. D. (2021). Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. 2ª Ed. São Paulo.
Saraiva.
Buffon, M., & Jacob, L. (2015). Os incentivos fiscais no ramo tecnológico como instrumento do
desenvolvimento nacional. Direito e Desenvolvimento, 6(12), 121-144.
Curitiba (2022). Agência Curitiba de Desenvolvimento e Inovação. Acedido em 24 Jun 2022.
Disponível em: http://www.agenciacuritiba.com.br/
Domanski, D., Howaldt, J., & Kaletka, C. (2020). A comprehensive concept of social innovation and its
implications for the local context – on the growing importance of social innovation ecosystems
and infrastructures. European Planning Studies, 28(3), 454-474.
Duijn, M. (2016). The value of reflection on the evolving individual and collective practice of public
policy innovation in water management: An Action Science approach. Journal of Cleaner
Production, 171, 34-44.
Dye, T. (2011). Understanding public policy. 13ª Ed. USA: Pearson Education.
Fachin, O. (2005). Fundamentos de metodologia. 5ª ed. São Paulo. Saraiva.
Fagerberg, J. (2016). Innovation Policy: Rationales, Lessons and Challenges. Journal of Economic
Surveys, 31(2), 497-512.
Figueiredo, P. N. (2015). Gestão da inovação: conceitos, métricas e experiências de empresas no Brasil.
2ª Ed. Rio de Janeiro. LTC.
Gil, A. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo, SP: Atlas.
Godoy, A. (1995). Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. RAE - Revista de
Administração de Empresas, 35(2), 57-63.
Intelligentcommunity (2022). Fórum da Comunidade Inteligente. Acedido em 24 Jun 2022. Disponível
em:
346
https://www.intelligentcommunity.org/the_intelligent_community_forum_names_the_global_t
op7_intelligent_communities_of_2022.
Larédo, P., Köhler, C., & Rammer, C. (2016). The impact of fiscal incentives for R & D. In Edler, J.,
Cunningham, P., Gök, A. & Shapira, P., (Eds.), Handbook of Innovation Policy Impact. Elgar.
https://EconPapers.repec.org/RePEc:elg:eebook:16121
Lima, T., & Mioto, R. (2007). Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico:
a pesquisa bibliográfica. Revista Katálysis, 10. https://doi.org/10.1590/S1414-
49802007000300004
Lundvall, B. Å., & Borrás, S. (2005). Science, Technology, and Innovation Policy. In Fagerberg, J.;
Mowery, D. C.; Nelson, R. R. (Eds.). The Oxford Handbook of Innovation. Oxford/New York:
Oxford University Press. (pp. 599-631).
Martin, J., & Spano, A. (2019). A Innovation in Local Government: a framework for analysis.
International Public Management Review, 19(1), 39-51.
Mazzucato, M. (2014). O Estado Empreendedor. São Paulo: Companhia das Letras.
Mazzucato, M. (2021). Mission Economy: A moonshot Guide to Chanping Capitalism. Pinguim. Reino
Unido.
Menezes Filho, N., Komatsu, B., Lucchesi, A., & Ferrario, M. (2014). Políticas de Inovação no Brasil.
Policy paper, 11. Insper. São Paulo.
OECD (2018). Manual de Oslo, 4ª ed. Paris.
Reale, F. (2021). Mission-oriented innovation policy and the challenge of urgency: lessons from
COVID-19 and beyond. Technovation, 107 (C).
https://EconPapers.repec.org/RePEc:eee:techno:v:107:y:2021:i:c:s0166497221000870
Rodríguez-Pose, A., & Di-Cataldo, M. (2014). Quality of government and innovative performance in
the regions of Europe. Papers in Evolutionary Economic Geography (PEEG). Universidade de
Utrecht. https://EconPapers.repec.org/RePEc:egu:wpaper:1406
Schumpeter, J. A. (1934). A teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros,
capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria Sílvia Possas. São Paulo. Abril
Cultural.
Sebrae (2022). Mapeamento StartupPR 2020/2021. Acedido em 23 Jun 2022. Disponível em:
https://www.sebraepr.com.br/startup-mapeamento/.
Souza, C. (2006). Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias. (16), 20-45.
Teles, F. (2021). Descentralização e poder local em Portugal. Fundação Francisco Manuel dos Santos,
Lisboa.
Tigre, P. B. (2014). Gestão da inovação: A economia da tecnologia no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Elsevier.
Urban Systems (2018). Ranking Urban Systems. Acedido em 26 jun 2022. Disponível em:
https://www.abdi.com.br/postagem/curitiba-e-considerada-a-cidade-mais-inteligente-do-brasil.
Vicente, E. F. R., & de Oliveira Scheffer, E. (2013). Governança e Internet: um estudo de caso sobre a
divulgação de dados da Administração Pública sob a ótica dos princípios da governança pública.
Universitas Gestão e TI, 3(2), 69-78.
Zhang, M. (2010). Competitiveness and Growth in Brazilian Cities: local policies and actions for
innovation. In Zhang, M. (ed.). World Bank Publications. Washington, D.C. (pp. 55-92).
347
Aulas partilhadas entre Portugal e Brasil no MGO – Projeto COIL
348
Introdução
A pandemia causada pela Covid-19 conduziu a uma necessidade de adaptação e a uma resposta célere
por parte das organizações e das pessoas. Algumas empresas encerraram a sua atividade de forma
temporária e outras de forma permanente. Muitas empresas viram-se obrigadas a modificar a sua forma
de atuação, tanto em termos dos processos (por exemplo, a través de um contacto reduzido com os seus
clientes e fornecedores), como em termos de produtos e de serviços (mudança nos produtos ou serviços
que produziam e/ou vendiam), em parte porque também as necessidades das pessoas passaram a ser
diferentes. Este processo veio também acelerar a digitalização.
As escolas não foram exceção a este processo, tendo também de se adaptar, de forma célere, a
uma nova forma de estar e de ensinar. Por outro lado, já se encontrando a ser implementadas,
anteriormente, metodologias de ensino online, com a obrigatoriedade do ensino não presencial durante
alguns meses da pandemia, essas metodologias tiveram a oportunidade de se desenvolver. Este sistema
criou uma maior permeabilidade e abertura ao ensino online pois, uma vez em regime obrigatório, as
instituições de ensino, docentes e estudantes sentiram a necessidade de se adaptar a esta nova realidade
e a desenvolver competências que permitissem uma progressão no processo de ensino e aprendizagem.
Assim, e percecionando a experiência do ensino online como uma oportunidade, diversas
instituições de ensino foram mais além nas suas práticas, tanto durante o ensino online obrigatório, como
após o regresso ao ensino presencial.
Um exemplo de um caso de sucesso, conseguido através da implementação da metodologia
Collaborative Online International Learning (COIL), foi a partilha da lecionação entre a unidade
curricular de Gestão da Inovação e Empreendedorismo, lecionada ao Mestrado em Gestão das
Organizações na ESTiG, em Bragança (Portugal) e a disciplina de Tópicos Avançados em Estratégia,
Empreendedorismo e Inovação, na Pós Graduação em Administração (Curso de Mestrado e Doutorado),
na Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Económicas (FACE) da Universidade
Federal de Goiás (Brasil), caso que se descreve no presente artigo.
O projeto COIL consiste numa metodologia de ensino que promove a colaboração entre estudantes e
docentes de diferentes países e, como tal, promove experiências culturais distintas, através da utilização
de ferramentas online de comunicação.
Esta metodologia permite, entre outros aspetos, a lecionação e partilha de aulas, assim como a
troca de experiências, envolvendo grupos de estudantes diferentes, mas convergindo sempre para um
mesmo objetivo comum, que é a troca e a facilitação da aprendizagem e, consequentemente, da
transferência do conhecimento.
Esta é uma abordagem pedagógica inovadora, realizada de forma online, que oferece a
possibilidade de interação entre estudantes que se encontram remotamente em países diferentes, mas
que num dado momento, se encontram presentes numa mesma sala de aula, de forma virtual.
O desenvolvimento desta metodologia foi liderado pelo SUNY COIL CENTER da State
University of New York, no ano de 2006. No seu seguimento, foram desenvolvidos e implementados
programas que pretendiam promover o contacto e a aproximação de docentes e de estudantes, de
instituições parceiras internacionais da State University of New York, através de ambientes de
aprendizagem online partilhados. Através do modelo COIL, os estudantes de diferentes instituições e
países matriculam-se em cursos com unidades curriculares compartilhadas, com docentes de cada uma
das instituições. Estes docentes, por sua vez, trabalham em co-docência, gerindo os cursos, ou unidades
curriculares e ensinando colaborativamente.
A figura seguinte (Figura 1) ilustra a forma como esta metodologia é desenvolvida entre duas
instituições, cursos e unidades curriculares distintas.
349
Língua C Planeamento e design da Língua Z
unidade curricular
Unidade curricular Unidade curricular
(igual ou diferente) (igual ou diferente)
350
Aplicação da metodologia COIL na unidade curricular de Gestão da Inovação e
Empreendedorismo
351
Nos restantes conteúdos da unidade curricular não foi possível realizar a partilha de aulas, uma
vez que os conteúdos divergiam entre si. A tabela seguinte (Tabela 2), refere-se aos conteúdos que foram
excluídos da partilha de aulas, por não haver coincidência entre os mesmos.
Tabela 3: Planificação de aula do dia 9 de março de 2022. A inovação empresarial como vetor estratégico.
Descrição Roteiro da aula Tempo
352
Estrutura vs. inovação.
Tópicos específicos da
Estratégias alternativas face à inovação. ----
aula
Programa ALI (Agentes Locais de Inovação) /Sebrae.
Estrutura vs. inovação.
Adhocracia (Mintzberg, 1996).
Conteúdos 40 minutos
Estrutura em trevo (Handy, 1992).
Estrutura de geometria variável (Morcillo, 1991).
Atividade prática Atividade em grupo sobre a dimensão das organizações e a inovação. 20 minutos + 10 minutos debate
Estratégias alternativas face à inovação.
Estratégia ofensiva.
Estratégia defensiva.
Conteúdos Estratégia de imitação. 40 minutos
Estratégia independente.
Estratégia tradicional.
Estratégia oportunista.
Intervalo ---- 10 minutos
Apresentação do caso da
Empresa Natura (vídeo e apresentação). 15 minutos
empresa
Organização convidada SEBRAE 30 minutos
Espaço para dúvidas e
Espaço para dúvidas e reflexão. 15 minutos
reflexão
Fonte: Elaboração própria.
De entre os casos práticos apresentados em cada aula, tal como anteriormente mencionado,
procurou-se dar a conhecer aos estudantes a realidade empresarial, com especial destaque para alguns
setores de atividade, a realidade da estrutura empresarial de cada um dos países, bem como uma
perspetiva do perfil dos empresários.
Desta forma, na tabela seguinte (Tabela 4) encontram-se os casos práticos abordados ao longo
das aulas, através da explicação por parte dos docentes que lecionaram a disciplina e da apresentação de
vídeos de curta duração, disponíveis na plataforma Youtube.
Relativamente aos convidados que intervieram em cada uma das aulas, foram também
considerados exemplos de organizações, empresas, marcas ou pessoas que pudessem mostrar a realidade
do país e/ou da região, tendo marcado presença os seguintes convidados que constam da tabela 5.
353
grupos de trabalho formados durante as aulas, tinham sido integrados, exclusivamente, pelos estudantes
de uma ou de outra instituição, estando os estudantes do IPB em sala de aula e os estudantes da UFG
ligados através da plataforma Zoom. Embora em todas as atividades tivesse havido um debate entre
ambos os estudantes, e sido enviados os resultados das atividades realizadas, até então, os grupos de
trabalho não tinham tido um caráter misto, isto é, entre estudantes de ambas as instituições.
Para que tal fosse possível, em cada grupo de estudantes em sala de aula teria de haver pelo menos
um estudante com um computador ou smartphone, situação que se encontrava assegurada, para que
pudesse ser estabelecida a ligação. Os grupos de estudantes do IPB foram formados por conveniência,
isto é, pela proximidade com que se encontravam sentados na sala de aula, enquanto os estudantes da
UFG, uma vez que se encontravam online, foram distribuídos de forma aleatória.
Tendo sido formados oito grupos mistos no total, o contacto foi estabelecido através da plataforma
Meet, que possibilitou que os estudantes se conhecessem, trocassem ideias e realizassem a tarefa
solicitada pelos dois docentes. Uma vez mais, no final da atividade, os resultados da mesma foram
partilhados com a globalidade da turma do MGO através da plataforma Virtual.IPB e com os estudantes
da Pós-Graduação em Administração (Curso de Mestrado e Doutorado), através de correio eletrónico.
Conclusões
354
que resultou da colaboração entre docentes e estudantes evidenciou que são mais os aspetos em comum
do que os que os diferenciam, fazendo com que a implementação da metodologia tivesse externalidades
positivas. Essas externalidades positivas materializam-se na dinâmica imprimida às aulas, na partilha de
duas realidades empresariais e culturais distintas e na possibilidade de os estudantes aprenderem mais
do que o que se encontra nos conteúdos da unidade curricular.
Referências
355
O papel da digitalização na gestão de estruturas residenciais para idosos
356
contribute to the understanding of the effects of Covid-19 on the management of nursing homes
and well-being of the elderly. However, it is an emerging field of research that connects
innovation, management, older people and digital, making it a potential research area. It promotes
a contribution both at the level of coordination of research networks between countries, authors
and affiliated universities, as well as boosting the debate around the scientific community and
community at large, contributing to both the design of public policies that promote the well-being
of the older people and contributing with tools for managers.
Introdução
A Organização Mundial da Saúde (OMS), definiu O COVID-19 como sendo a doença provocada pelo
novo coronavírus SARS-COV-2, que pode causar infeção respiratória grave como a pneumonia (OMS,
2019). Este vírus foi identificado pela primeira vez em seres humanos, no final de 2019, na cidade
chinesa de Wuhan, província de Hube.
Este virus é responsável por mais de 68.746.020 casos confirmados no total e 803.060.000 mortes
no mundo inteiro até a data de 23 de junho de 2022 (ourworldindata.org, 2022). Em Portugal, foram
igualmente confirmados 501.179.940 milhões de casos positivos e 2.357.120 mortes
(ourworldindata.org, 2022).
Em março de 2020 foi declarado o estado de emergência, no qual uma das medidas impostas que
mais impactou a população idosa foi o confinamento obrigatório aplicado especificamente nas
Estruturas Residenciais Para Idosos (ERPI). Esta medida foi agravada com a limitação de visitas,
tornando esta classe mais vulnerável e ainda mais isolada. No caso de casos confirmados em
determinada ERPI, o utente visado era isolado durante 14 dias sem qualquer contacto com o exterior,
limitando este contacto apenas ao extremamente necessário pelos colaboradores, devidamente
equipados.
Uma das formas de tentar minimizar o isolamento da população idosa por parte dos gestores das
ERPI, foi o recurso às novas tecnologias. No entanto, dada a dificuldade da sua utilização por parte dos
idosos e a falta de formação específica por parte dos respetivos colaboradores, este processo tornou-se
num grande desafio.
A novidade deste artigo é fomentar um debate em torno desta temática, aberto à comunidade
científica e à comunidade em geral, por forma a torná-lo numa ferramenta para auxiliar os gestores das
ERPI e decisores políticos com medidas reais, concretas e eficazes no combate ao isolamento dos idosos.
Desta forma, pretende-se identificar orientações que possam ajudar a prevenir a forma como se gere o
isolamento, bem como a deterioração do estado de saúde geral dos idosos (por exemplo: saúde mental,
depressão, ansiedade), em futuros contextos pandémicos ou similares.
Este estudo apresenta os seguintes três objetivos; (1) identificar as lacunas de conhecimento
associadas à digitalização nas ERPI, especificamente em relação ao impacto respetivo no bem-estar dos
idosos, durante a pandemia Covid-19; (2) identificar tendências; e (3) definir um conjunto de linhas de
investigação futura para fatores que possam auxiliar os decisores políticos e os gestores das ERPI a
potenciarem a digitalização como uma ferramenta de desenvolvimento humano e bem-estar. Para tal,
foi realizada uma revisão de literatura, utilizando algumas técnicas sistemáticas que resultaram em
descobertas mais robustas e transparentes. Para responder a estes objetivos, realizou-se uma análise
bibliométrica com recurso aos softwares RStudio (R-Bibliometrix).
O artigo está organizado em cinco secções. Após esta introdução, é apresentado um estado da arte
sobre o papel da digitalização no bem-estar dos idosos, assim como o papel dos gestores das E I’s
para a literacia das novas tecnologias nos idosos. A terceira secção relata a metodologia, a quarta
descreve os resultados obtidos e, finalmente, na quinta secção são apresentadas as conclusões, limitações
e sugestões de investigação futura.
357
Revisão de literatura
358
Métodos
Análise bibliométrica
A análise bibliométrica com recurso à ferramenta R-bibliometrix usou a base dos 149 artigos
selecionados com base nos filtros definidos no ponto anterior, o que permitiu desenvolver uma
abordagem bastante abrangente por temáticas, anos, fontes, autores, citações (autores e artigos), países
com maior produção científica, palavras-chave mais frequentes, distribuição geográfica, conexões de
investigação, e análise de evolução de tendências sobre as temáticas dominantes sobre os temas em
estudo.
Revisão de literatura
A seleção dos artigos para a revisão de literatura partiu da base dos 149 artigos selecionados, definindo-
se três critérios específicos para filtrar os artigos que melhor respondem aos objetivos que o presente
estudo pretende alcançar. Na primeira etapa, foi aplicado o primeiro critério específico - o número total
de citações – tendo-se hierarquizado os 149 artigos por ordem decrescente de número de citações. Foram
selecionados aqueles que apresentavam um número ≥ a 5 citações. Com a aplicação deste critério
obtiveram-se 41 artigos. Na segunda etapa, aos 41 artigos foram aplicados dois critérios específicos
combinados entre si: i) análise de título e ii) análise de resumos. Desta forma, foi possível selecionar os
artigos para posteriormente se efetuar uma análise mais aprofundada, seja pelo interesse dos temas
abordados, das metodologias aplicadas ou dos objetivos de análise de cada artigo, que culminou na
seleção de 20 artigos para uma análise detalhada, isto é, utilizados para a revisão de literatura.
Síntese de dados
359
Com a aplicação da estrutura concetual definida na etapa 1, que permitiu sistematizar o
processo de pesquisa, organizar os artigos e aplicar filtros de seleção e análise, foi possível obter
informação bibliométrica relevante numa ótica de contextualização, evolução e tendências. Por
outro lado, a revisão de literatura permitiu extrair informação detalhada sobre os trabalhos de
investigação mais relevantes para a presente análise e linhas de investigação futura, conforme
síntese de resultados de pesquisa apresentados na figura 2.
360
Figura 2. Síntese do processo de pesquisa
Fonte: os autores.
Risco de enviesamento
A pesquisa foi limitada às bases de dados SCOPUS (SCO) e Thomson Reuters Web of Science (WoS),
considerando palavras-chave específicas, o que pode ter aumentado o risco de faltarem estudos. Não
foram incluídos estudos publicados noutras línguas para além do inglês, o que pode ter distorcido os
resultados. No entanto, foram considerados estudos de todas as localizações geográficas, atenuando-se
desta forma possíveis enviesamentos por questões de localização.
Resultados
361
2022
2021
2020
0 20 40 60 80 100
N.º de artigos
Fonte: os autores
Autores Artigos
TODD C 3
ALSALAMAH S 2
ASHRAF M 2
BALASUBRAMANIAN M 2
BASTANI M 2
BASTANI P 2
BEBER B 2
BOIVIN J 2
BOULTON E 2
BRANDAO L 2
Fonte: os autores
Ocorrência de palavras-chave
A ocorrência de palavras-chave é outra das análises efetuadas, a fim de verificar quais as palavras-chave
mais frequentes nos 149 artigos sob análise (tabela 2), bem como para validar as palavras-chave
selecionadas para a presente pesquisa. Sem surpresas, o grande destaque vai para a palavra Covid-19,
não podendo deixar de realçar as palavras “Older” e “digital”, que no seu conjunto, evidenciam a
adequação para as opções de pesquisa neste artigo. Estes resultados também podem ser corroborados
pela visualização da nuvem de palavras (gráfico 2).
362
Palavra Ocorrência
covid-19 81
Technology 15
Loneliness 13
older adults 13
older people 13
digital health 12
digital divide 11
mental health 11
Digital 10
Pandemic 10
Fonte: os autores
Fonte: os autores
Impacto dos países pelo número de citações obtidas pelos artigos publicados
Numa análise sobre os países que se evidenciam como sendo os mais citados nos vários trabalhos de
investigação, verifica-se um claro destaque para os Estados Unidos com 174 citações, Reino Unido com
150 citações e Itália com 109 citações (ver gráfico 3). Dadas as circunstâncias vividas estes números
são também o reflexo dos níveis de incidência e destaque do número de casos da Covid-19.
363
Gráfico 3. Países com maior número de citações
Fonte: os autores
Fonte: os autores
Em relação às redes que se estabelecem entre países, ao nível da investigação da temática em análise,
verificam-se 2 grandes grupos de colaboração em rede. Do primeiro grupo faz parte o cluster vermelho,
azul e laranja (ver gráfico 5). Do segundo grupo faz parte o cluster representado a verde e a roxo.
364
Verifica-se que no primeiro grupo, no cluster representado a vermelho, o Reino Unido é
dominante, no qual apresenta uma forte rede de colaboração com a China e com menor densidade com
a Nigéria. Por sua vez a China, apresenta uma forte colaboração com a Alemanha, Japão e Austrália.
O cluster, representado no gráfico 5 pela cor azul, evidencia a rede de colaboração com os Estados
Unidos da América com o Canadá por outro lado, e com a Coreia e Israel por outro.
O segundo grupo salienta as ligações que se estabelecem entre Itália, Dinamarca e Bélgica e ainda
a colaboração entre Portugal e Espanha.
Através da análise detalhada dos artigos é possível concluir que estas colaborações também
retratam diferentes caminhos de investigação.
Fonte: os autores
365
Gráfico 6 - Evolução de tendências temáticas no período 2020-2022
Fonte: os autores
Palavra-chave Resultados
adicionada SCO WoS
Gestão 10 14
Liderança 3 3
Empreendedorismo 1 1
Fonte: os autores
Conclusões
Com este artigo identificaram-se as lacunas de conhecimento associadas à literacia digital nos idosos e
o papel dos gestores das ERPI. Salienta-se a importância do papel dos gestores enquanto
impulsionadores da introdução das novas tecnologias nas E I’s, assim como os principais motores de
desenvolvimento dos seus recursos humanos. Com o Covid-19 foi notória a adaptação até dos mais
resistentes á mudança. Também se destaca através da revisão de literatura efetuada que a digitalização
nas ERPI em particular o impacto das mesmas no bem-estar dos idosos, durante a pandemia Covid-19,
366
foi um tema com crescente interesse de investigação. De facto, verifica-se que as novas tecnologias
vieram minimizar os problemas de isolamento social, quando estas se aplicaram em contexto de E I’s.
Através da bibliometria identificaram-se tendências. Destaca-se o papel do Reino Unido, com o
maior número de publicações e os Estados Unidos, sendo o país mais citado. Permitiu-nos também
identificar as tendências de evolução do estudo das temáticas de 2019 para 2022. Verifica-se que o
Covid-19 continua a ser uma temática de estudo e as tecnologias passaram a estar associadas e
divergiram para duas temáticas: a solidão e os idosos. Estas tendências vêm reforçar a importância do
nosso estudo.
Ao agregar a literatura científica conhecida sobre este tema e os dados da bibliometria, será
possível orientar a investigação futura para questões que possam ajudar os decisores políticos e os
gestores das ERPI a potenciarem a digitalização como uma ferramenta de desenvolvimento humano e
bem-estar.
Este artigo tem implicações teóricas e práticas. Por um lado, contribui para o enriquecimento da
literatura científica na área da digitalização na era Covid-19, aplicada aos idosos nas E I’s. or outro
lado, permite perceber as tendências de investigação futura, no sentido de ajudar quer os gestores das
E I’s a tomarem decisões assertivas e promoverem um bem-estar saudável para os idosos; quer para
os decisores políticos, contribuindo para a formulação de políticas públicas para um envelhecimento
ativo e saudável, tão preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em investigações futuras recomenda-se o estudo da literacia digital nos idosos em contexto
prático, assim como avaliar o impacto da mesma através do ponto de vista dos gestores, colaboradores
e/ou outros Stakeholders.
Referências
367
Baril, Chantal, Gascon, Viviane, & Christel Brouillette (2014). Impact of technological innovation on a
nursing home performance and on the medication-use process safety. Journal of Medical
Systems, 38 (22), 1-12.
Palmer, J., Meterko, M., Zhao, S., Berlowitz,D., Mobley, E., & Hartmann, C. (2013). Nursing home
employee perceptions of culture change. Research in Gerontological Nursing, 6(3), 152- 160.
Andre Rhys, A, Boyne, J.A., & Walker, R. M. (2006). Strategy content and organizational performance:
An empirical analysis. Public Administration Review, 52-62.
Boyne, G., A. (2003). Sources of public service improvement: A critical review and research agenda.
Journal of Public Administration Research and Theory, 13 (3), 367-394.
Brewer, G., A. (2006). All measures of performance are subjective: More evidence on us federal
agencies. In Public service performance: Perspectives on measurement and management, ed.
George A. Boyne, Kenneth J. Meier, Laurence J. O’Toole, Jr., and ichard M. Walker, 35-54.
Cambridge, MA: Cambridge University Press.
Moynihan, D., M. & Pandey, S. (2005). Testing how management matters in an era of government by
performance management. Journal of Public Administration Research and Theory, 15(3), 421-
439.
Nicholson- rotty, S., & O’Toole, L. J. Jr. 2004 . ublic management and organizational performance:
The case of law enforcement agencies. Journal of Public Administration Research and Theory,
14 (1), 1- 18.
O'Toole, L. J., Jr., & Meier, K. J. (2011). Public Management: Organizations, Governance, and
Performance. Cambridge: Cambridge University Press
Selden, S. C., & Sowa, J.E (2004). Testing a multi-dimensional model of organizational performance:
Prospects and problems. The Journal of Public Administration Research and Theory, 14 (3),
395-416.
Osipova, I.M., & Naumova, T.A. (2020). Analysis of the relationship between the level of digitalization
and the level of quality of life: A regional aspect. IOP Conf. Ser. Earth Environ. Sci. 421,
032048.
Fors, A.C. (2010). The beauty of the beast: The matter of meaning in digitalization. AI Soc., 25, 27–33
Kryzhanovskij, O. A., Baburina, N. A., & Ljovkina, A. O. (2021). How to make digitalization better
serve an increasing quality of life?. Sustainability, 13(2), 611.
Herron R.V., Newall N.E.G., Lawrence B.S., Ramsey D., Waddell C.M., & Dauphinais J. (2021).
Conversations in Times of Isolation: Exploring Rural-Dwelling Older Adults’ Experiences of
Isolation and Loneliness during the COVID-19 Pandemic in Manitoba, Canada. International
Journal of Environmental Research and Public Health, 18(6), 3028.
Ihm, J., & Hsieh, Y. P. (2015). The implications of information and communication technology use for
the social well-being of older adults. Information, Communication & Society, 18(10), 1123-
1138.
Hülür, G., & Macdonald, B. (2020). Rethinking social relationships in old age: Digitalization and the
social lives of older adults. American Psychologist, 75(4), 554.
Macdonald, B., & Hülür, G. (2020). Digitalization and the social lives of older adults: Protocol for a
microlongitudinal study. JMIR Research Protocols, 9(10), e20306.
Petretto D.R., Pili R. (2020). Ageing and COVID-19: What Is the Role for Elderly People? Geriatrics,
5(2), 25.
Parfenova, O. A., & Petukhova, I. S. (2022). COVID-19 Pandemic Impact on Older People in Urban
and Rural Contexts. Sociological Studies, 5(5), 71-80.
Albort-Morant, G., & Ribeiro-Soriano, D. (2015). A bibliometric analysis of international impact of
business incubators. Journal of Business Research, 69
368
Agricultura, Turismo e
Ambiente
369
Revisão sistemática de ensaios clínicos: Exploração da qualidade de sono
em bombeiros
S. Alves1,2 [ORCID], F. Esteves3,4,5 [ORCID], S. Costa3,4,6 [ORCID], K. Slezakova7 [ORCID], J. Vaz 1,8 [ORCID], M. C.
Pereira7 [ORCID], J. P. Teixeira3,4,6 [ORCID] S. Morais10 [ORCID], A. Fernandes1,9 [ORCID]
Resumo: A qualidade do sono é crucial para manutenção do equilíbrio da saúde e bem-estar das
populações, sendo o principal responsável pela reparação do estado físico e mental dos
indivíduos. Quando os níveis de qualidade ou quantidade de sono não são atingidos, estes podem
levar à ocorrência de alterações na capacidade funcional, afetando a aptidão para a realização de
atividades de vida diárias e ocupacionais. As perturbações do sono têm sido estudadas nas últimas
décadas, em diferentes áreas profissionais, incluindo os profissionais de combate a incêndios. No
entanto, não basta compreender o seu impacto se não forem apresentadas soluções para resolver
os problemas encontrados. A presente revisão sistemática observou os principais ensaios clínicos
registados, realizados sobre o sono em bombeiros. O principal foco foi o de compreender que
estudos foram efetuados pela comunidade científica relativos à saúde e qualidade de sono dos
profissionais e a sua evolução ao longo do tempo. Percebeu-se de que forma o desenvolvimento
de pesquisa nesta área se tem vindo a desenvolver e quais os seus potenciais fatores promotores
e marcos temporais. A lacuna de conhecimento é ainda notória, sendo de relevante interesse
continuar a investigar, no sentido de produzir mais e melhores condições de saúde às populações.
370
faced. The present systematic review the main results of registered clinical trials realized to study
sleep on firefighters. The main focus was to understand what studies the scientific community
have been realizing on health and sleep quality of fire professionals and its evolution throughout
the time, development flow and chronological marks. The knowledge gap is still a reality and
points to the need for continued research in this area in order to produce more and better health
conditions to populations
Introduction:
Quality of sleep is a complex health concept involving multiple and distinct characteristics, some of
them typified according to the individual. Genetics, physical and psychological conditions, family, and
social environment are some of the factors which can influence sleep quality (James et al., 2017).
Considered as essential for one´s health, contentment, and functional capacity, it can affect work and
daily activities’ routine (Magee et al., 2011). Research made on the impact of unfulfilled sleep
requirements on health reported lack of sleep as a main factor for tiredness, headaches, memory loss
and concentration deficiency, inadequate physical performance as well as mental and emotional
concerns (James et al., 2017; Saksvik et al., 2011).
Research have shown that poor quality of sleep is mainly related to occupational factors, such as
shift work and stress (Barger et al., 2009).
With repeated shift rotation, and long-term shortage of rest and sleep restriction, occurs the
deterioration of mental activity, inability to handle complex mental tasks, exhaustion, and diminished
performance and problem solving, which represents a risk factor for workplace injuries (Chang & Li,
2019; Chang & Peng, 2021)
Firefighting is one of the professions requested to work on shifts, sometimes reaching until 24hour
periods (Carey et al., 2011; de Barros et al., 2013). When “on duty” these professionals tend to rest in a
different environment, usually prompt to abrupt awakenings, due to unpredictable emergency requests
(Carey et al., 2011; de Barros et al., 2013). The number of calls and appeals will then influence
firefighters’ sleep quality (Jeong et al., 2019). However, poor quality of sleep in this population is also
related to multiple occupational factors, such as musculoskeletal disorders, stress, and even body mass
index (Abbasi et al., 2018). As so, sleep health concerns are very commonly found in firefighters (Barger
et al., 2015), which may possibly suffer from undiagnosed pathologies, such as insomnia, restless legs
and shift work disorders (Savall et al., 2021).
onsequently, disrupted sleep could possibly compromise firefighters and communities’ health
and safety, and affect services (Billings & Focht, 2016) by diminishing their ability to process speed,
task assessment and reaction time, reducing short-term visual memory, psychomotor speed, and visual-
motor coordination (Stout et al., 2021).
The importance of occupational health and its relation to sleep quality is expanding globally and
its impact on health has become a focus both for researchers and employers.
Our work aims to explore the existing registered clinical trials on Firefighter´s quality of sleep in
order to understand sleep interventional programs and studies that enhance firefighters’ health, its
evolution throughout the time and its importance for occupational-related structures and general
population.
Eligibility criteria:
•
371
The present systematic review of clinical trials was elaborated following the PRISMA-S extension
(Rethlefsen et al., 2021) and the flow diagram of PRISMA – Preferred Reporting Items for Systematic
reviews and Meta-Analyzes (Page et al., 2021) as a guide for research, once these provide more
substantial instructions during the information retrieval process, for distinct types of data source and
search methods (Rethlefsen et al., 2021). Design and methods used comply with Centre for Reviews and
Dissemination (CRD) Guidance for undertaking reviews in healthcare.
The inclusion criteria were original studies, registered at ClinicalTrials.gov and ICTRP,
investigating programs and clinical trials, proposed to improve the quality of sleep on firefighters, with
no timeline or language limitations. As per Table 1, which provides information regarding the eligibility
criteria, developed following PICOS methodology (Page et al., 2021), papers included focus on
irefighters as participants, with no individual characteristics’ constraints and studies’ interventions
aimed to enhance quality of sleep and overall health of firefighters, compared to usual care or no
intervention. Trials still on recruiting stage or not yet finished, and therefore with no results, were
accepted for protocol and prospective outcomes analysis. No other specific restrictions for the selection
of the studies were applied.
Table 1: Population, Intervention, Comparison, Outcome, Study design (PICOS) criteria for eligibility
Exclusion criteria
The exclusion criteria of this study were unregistered clinical trials, studies which interventions targeted
other professionals or organizations apart from firefighting departments.
372
Figure 1: PRISMA flow diagram of retrieval of registered clinical trials
(n=3)
(n=6)
373
Table 2: Study parameters extracted for data analysis
From the research conducted between first registration date and June 2022, a total of 11 registered
clinical trials were retrieved from the database ClinicalTrials.gov and ICTRP. Following rejecting 2
duplicates, 9 studies were assessed for eligibility. After analysis of full-text and study sample and phase,
6 met the eligibility criteria and were included in the review (Fig. 1). Regarding the progress phase of
each trial, 3 of these were completed, being the remaining either during recruitment stage, in a primary
phase, meaning not recruiting, or during final evaluations to establish primary outcome measures Linked
publications were found for 2 of the 3 completed trials, and one has reported results at ClinicalTrials.gov.
Ongoing active studies were started in 2021, aiming to analyze 2400 participants by completion time.
The population in the 6 studies included a total of 4264 individuals, being the large majority of
participants from USA (4244 individuals) (Fig. 2).
2467
1189
620
100
20
1
2011 Iran 2012 USA 2013 USA 2021 USA
Country
374
Table 1 Characteristics of the studies included in the review
Registration Sample
Study Study ID Location Study phase Gender Study design Intervention Goal
year size
To evaluate
whether firefighters
Behavioral:
participating in the Sleep
2020P002448 All gender – Randomized, Sleep Health
Barger, L. & Health and Education Program
NCT04519177 USA 2021 Ongoing 2400 % not open label Education
Sullivan, S. (SHEP) intervention will have
specified intervention Program
improved health and safety
(SHEP)
outcomes as compared to the
control group.
Behavioral: To investigate the feasibility,
Cognitive acceptability, and preliminary
Green, K. & All gender – Randomized, Behavioral efficacy of an adapted
1684868-2
Christopher, USA 2021 Ongoing 23 no % open label Therapy for Cognitive Behavioral Therapy
NCT05087121
M. specified intervention Insomnia - Insomnia (CBT-I)
for Firefighter intervention to improve sleep
s (CBT-I-F) in a firefighter population.
To understand the nature,
scope, etiology and
Behavioral: consequences
EMW-2010- All gender – Randomized,
Web-based of firefighter fatigue and
Czeisler, C. FP-00521 USA 2012 Completed 620 % not open label
sleep health develop an intervention to
NCT01672502 specified intervention
education improve the alertness,
performance, health, and
safety of firefighters
Behavioral: A firefighter workplace-based
All genders Randomized, Sleep Sleep health program can
Czeiler, C. & NCT01988129
USA 2013 Completed 1189 Woman: 16 open label disorders reduce injuries and work loss
Lockey, S. 2009-P-000697
Men: 1173 intervention education and due to occupational
screening disabilities.
375
Procedure:
Sleep To evaluate the effects of sleep
Restriction deprivation and circadian
NCT04955431 All gender – Randomized
and exposure rhythm disruption on the
Quindry, J. IRB# is 83-21 USA 2021 Ongoing 12 % not Cross-over
to controlled inflammatory response to
specified intervention
wood woodsmoke associated
Smoke particulate matter exposure
inhalation
Zolpidem is sufficient at
Double
improving all components of
Blind, Procedure:
PSQI (Subjective sleep
IRCT20110607 Only male Randomized, Administratio
Esfahani A. Iran 2011 Completed 20 quality, Sleep latency, Sleep
6724N1 participants Placebo- n of Zolpidem
duration, Habitual sleep
Controlled and placebo
efficiency, Sleep disturbances
Crossover
and Daytime dysfunction
376
Most clinical studies (83%) intended to develop interventional programs, mainly through the
application of sleep education programs following randomized and open labelled studies. One single
double-blind, randomized, placebo-controlled crossover clinical trial was found, aiming for a different
typology of intervention.
To the best of our knowledge, this is the first systematic review to assess registered Clinical Trials
which main objective is to develop health programs or interventions, to improve sleep conditions and
habits of firefighters and, as a result, improve general health and conditions for a better performance. It
is not fully recommended to limit trial research to such specific databases, as ClinicalTrial.gov and/or
ICTRP, mainly because many trials are not being registered properly or jumping this phase entirely and
not being recorded. Until studies are being reliably documented through specific archives, researchers
must acknowledge and require to bibliographic databases (Glanville et al., 2014). As so, and in order to
construct better evidence and scientific discussion, research through PubMed database was developed,
following the same search strategy utilized for the identified clinical trials. It was observed that scientific
investigation on firefighters’ sleep is consistently growing since the very first registered study, which
reports to 1994 ig. 3 . hronologically, publications regarding firefighters’ health conditions,
substantially expand from 2011, date that corresponds to 10 years post the World Trade Center disaster
(WTC). Further research indicates that, from this mark to recent days, longitudinal studies, located in
SA, start to visibly develop, focusing on firefighter’s’ occupational health and exposure disease risk,
resulting in more than 40 studies. WTC related exposure disease findings may explain the reason why
most of the registered clinical trials found are realized in USA, while other countries do not invest as
much in this matter. The past year of 2021, it is possible to notice another boost of research. This time
extended to European countries, for example Spain, Poland and Germany, and other countries like
Turkey and Cyprus, as during the pandemic time, the world did become more aware of the occupational
challenges the health system face (Godeau et al., 2021). This scenario could be the origin of more
investigations, as firefighters were applauded and recognized as essential for public safety and have
continued to work regardless of the challenges of COVID-19 (Graham et al., 2021).
Source: Pubmed.gov
All linical Trials’ participants had the same type of characteristics and performed similar
functions. Nevertheless, cultural differences could be found, as per the study of Stefani´s (2011), whose
population did not included women. This could potentially lead to a conceptual and methodological
gender bias with partially invalid results that affects women’s health (Teresa Ruiz-Cantero et al., 2007).
As so, more wide-ranging research, extended to other countries and involving more participants, is
needed. It would be as important to understand the work and social specifications of gender groups, to
target the source differences of sleep disturbances and apply accurate educational and interventional
programs. The type of methodology used by researchers differs, however completed reviewed studies
found a connection between “sleep disorders”, “shift work” and “occupational health problems” and
developed programs which can help to mitigate such concerns. To emphasize that only 3 studies are
completed, but some results are not published, inhibiting construction of more concrete conclusions
regarding their outcomes.
377
General findings refer as major obstacle that, apart from having literature supporting the thesis
that bad quality of sleep has a negative impact on firefighter performance and wellbeing, firefighting
departments do not take any measures to minimize this question. Every department is unique, with
specific chains, as so requires a distinctive and specific approach (Frost et al., 2021). Following this
premise, recent studies alarms for the necessity of future studies to highlight the importance of
occupational health and how are their conditions of work impacting firefighters sleep and overall health
following a longitudinal methodology (Frost et al., 2021).
Facts prove that both scientific and general population are more conscious regarding the
dangerous tasks and hazards firefighters face (Barger et al., 2015) and most studies do highlight the
necessity to improve their occupational health. However growing, the knowledge gap is still a reality
and points to the need for continued research in this area, specially given the life and death decisions
firefighters face every day.
Conclusion:
The present study adds to the understanding of sleep and its influence in occupational health and general
well-being. The analyzed ClinicaTrials allowed for a better awareness relatively to the low conditions
of rest and absence of sleep hygiene habits of firefighters, reveling a substantial number of professionals
suffering from sleep conditions and not being diagnosed and properly assessed. Although scientific
evidence has shown that bad conditions of sleep leverage to serious health problems, the number of
clinical trials highlights the necessity of more research to be put into plan. Adverse work-related
circumstances can be particularly severe for firefighters, who placed in a dangerous situation need to be
on full mental and physical capacity for immediate response, to properly execute actions and implement
strategies.
It would be also important for further studies to go beyond surveys and assumptions and actually
implement action plans, whether educational or interventional, and evaluate if such measures do cause
positive impact on firefighters’ quality of sleep and consequently improvements on performance, skills
capability of work and life enhancements in general.
Appreciations:
We would like to appreciate FCT for the opportunity of being part of a major project investigation
intitled “Bio irEx: m painel de bio marcadores para a vigilância da saúde e da segurança do bombeiro
under the registration number PCIF/SSO/0017/2018. It is within this project that we are able to develop
new and innovative research, which ultimately will increase communities’ safety and health.
Bibliography:
Abbasi, M., Rajabi, M., Yazdi, Z., & Shafikhani, A. A. (2018). Factors affecting sleep quality in
firefighters. Sleep and Hypnosis, 20(4), 283–289.
https://doi.org/10.5350/SLEEP.HYPN.2018.20.0163
Barger, L. K., Lockley, S. W., Rajaratnam, S. M. W., & Landrigan, C. P. (2009). Neurobehavioral,
Health, and Safety Consequences Associated With Shift Work in Safety-Sensitive
Professions.
Barger, L. K., ajaratnam, S. M. W., Wang, W., O’Brien, . S., Sullivan, J. ., Qadri, S., Lockley,
S. W., & Czeisler, C. A. (2015). Common Sleep Disorders Increase Risk of Motor Vehicle
Crashes and Adverse Health Outcomes in Firefighters. Journal of Clinical Sleep
Medicine : JCSM : Official Publication of the American Academy of Sleep Medicine,
11(3), 233. https://doi.org/10.5664/JCSM.4534
378
Billings, J., & Focht, W. (2016). Firefighter shift schedules affect sleep quality. Journal of
Occupational and Environmental Medicine, 58(3), 294–298.
https://doi.org/10.1097/JOM.0000000000000624
Carey, M. G., Al-Zaiti, S. S., Dean, G. E., Sessanna, L., & Finnell, D. S. (2011). Sleep problems,
depression, substance use, social bonding, and quality of life in professional firefighters.
Journal of Occupational and Environmental Medicine, 53(8), 928–933.
https://doi.org/10.1097/JOM.0B013E318225898F
Chang, W. P., & Li, H. bin. (2019). Differences in workday sleep fragmentation, rest-activity
cycle, sleep quality, and activity level among nurses working different shifts.
Https://Doi.Org/10.1080/07420528.2019.1681441, 36(12), 1761–1771.
https://doi.org/10.1080/07420528.2019.1681441
Chang, W. P., & Peng, Y. X. (2021). Meta-analysis of differences in sleep quality based on
actigraphs between day and night shift workers and the moderating effect of age. Journal
of Occupational Health, 63(1), e12262. https://doi.org/10.1002/1348-9585.12262
imolai, N. 2007 . 2124 anadian amily hysician • Le Médecin de famille canadien Vol 53:
december • décembre 2007 Zopiclone Is it a pharmacologic agent for abuse? Can Fam
Physician, 53, 2124–2129.
de Barros, V. V., Fernandes Martins, L., Saitz, R., Rocha Bastos, R., & Mota Ronzani, T. (2013).
Mental health conditions, individual and job characteristics and sleep disturbances among
firefighters. Journal of Health Psychology, 18(3), 350–358.
https://doi.org/10.1177/1359105312443402
Frost, C., Toczko, M., Merrigan, J. J., & Martin, J. R. (2021). The effects of sleep on firefighter
occupational performance and health: A systematic review and call for action. Sleep
Epidemiology, 1, 100014. https://doi.org/10.1016/J.SLEEPE.2021.100014
Gentile, G., Lapeyre-Mestre, M., & Micallef, J. (2020). Combatting the misuse of benzodiazepines
and related Z drugs in French general practice: a clinical review. BJGP Open, 4(1).
https://doi.org/10.3399/BJGPOPEN20X101014
Glanville, J. M., Duffy, S., Mccool, R., & Varley, D. (n.d.). Searching ClinicalTrials.gov and the
International Clinical Trials Registry Platform to inform systematic reviews: what are the
optimal search approaches?*. https://doi.org/10.3163/1536-5050.102.3.007
Godeau, D., Petit, A., Richard, I., Roquelaure, Y., & Descatha, A. (2021). Return-to-work,
disabilities and occupational health in the age of COVID-19. Scandinavian Journal of
Work, Environment & Health, 47(5), 408–409. https://doi.org/10.5271/SJWEH.3960
Graham, E. L., Khaja, S., Caban-Martinez, A. J., & Smith, D. L. (2021). Firefighters and COVID-
19: An Occupational Health Perspective. Journal of Occupational and Environmental
Medicine, 63(8), e556–e563. https://doi.org/10.1097/JOM.0000000000002297
Home - ClinicalTrials.gov. (n.d.). Retrieved May 10, 2022, from https://clinicaltrials.gov/ct2/home
James, S. M., Honn, K. A., Gaddameedhi, S., & van Dongen, H. P. A. (2017). Shift Work:
Disrupted Circadian Rhythms and Sleep—Implications for Health and Well-being.
Current Sleep Medicine Reports, 3(2), 104–112. https://doi.org/10.1007/S40675-017-
0071-6
Jeong, K. S., Ahn, Y. S., Jang, T. W., Lim, G., Kim, H. D., Cho, S. W., & Sim, C. S. (2019). Sleep
Assessment During Shift Work in Korean Firefighters: A Cross-Sectional Study. Safety
and Health at Work, 10(3), 254–259. https://doi.org/10.1016/J.SHAW.2019.05.003
Lim, D.-K., Baek, K.-O., Chung, I.-S., & Lee, M.-Y. (2014). Factors Related to Sleep Disorders
among Male Firefighters. 26, 1–8. https://doi.org/10.1186/2052-4374-26-11
Magee, C. A., Caputi, P., & Iverson, D. C. (2011). Relationships between self-rated health, quality
of life and sleep duration in middle aged and elderly Australians. Sleep Medicine, 12(4),
346–350. https://doi.org/10.1016/J.SLEEP.2010.09.013
379
NICE calls for healthcare professionals to use shared decision making best practice to highlight
the risks of medicines associated with dependence | News and features | News | NICE.
(n.d.). Retrieved March 25, 2022, from https://www.nice.org.uk/news/nice-safe-
prescribing-and-withdrawal-management-of-medicines-associated-with-dependence-or-
withdrawal-symptoms
Page, M. J., McKenzie, J. E., Bossuyt, P. M., Boutron, I., Hoffmann, T. C., Mulrow, C. D.,
Shamseer, L., Tetzlaff, J. M., Akl, E. A., Brennan, S. E., Chou, R., Glanville, J., Grimshaw,
J. M., Hróbjartsson, A., Lalu, M. M., Li, T., Loder, E. W., Mayo-Wilson, E., McDonald,
S., … Moher, D. 2021 . The ISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting
systematic reviews. BMJ, 372. https://doi.org/10.1136/BMJ.N71
Rethlefsen, M. L., Kirtley, S., Waffenschmidt, S., Ayala, A. P., Moher, D., Page, M. J., Koffel, J.
B., Blunt, H., Brigham, T., Chang, S., Clark, J., Conway, A., Couban, R., de Kock, S.,
arrah, K., ehrmann, ., oster, M., owler, S. A., Glanville, J., … Young, S. (2021).
PRISMA-S: an extension to the PRISMA statement for reporting literature searches in
systematic reviews. Journal of the Medical Library Association, 109(2), 174–200–174–
200. https://doi.org/10.5195/JMLA.2021.962
Saksvik, I. B., Bjorvatn, B., Hetland, H., Sandal, G. M., & Pallesen, S. (2011). Individual
differences in tolerance to shift work – A systematic review. Sleep Medicine Reviews,
15(4), 221–235. https://doi.org/10.1016/J.SMRV.2010.07.002
Savall, A., Marcoux, P., Charles, R., Trombert, B., Roche, F., & Berger, M. (2021). Sleep quality
and sleep disturbances among volunteer and professional French firefighters: FIRESLEEP
study. Sleep Medicine, 80, 228–235. https://doi.org/10.1016/J.SLEEP.2021.01.041
Stout, J. W., Beidel, D. C., Brush, D., & Bowers, C. (2021). Sleep disturbance and cognitive
functioning among firefighters. Journal of Health Psychology, 26(12), 2248–2259.
https://doi.org/10.1177/1359105320909861
Sullivan, J. ., onor, ;, O’brien, S., Barger, L. K., ajaratnam, S. M. W., zeisler, . A., &
Lockley, S. W. (2017). A Sleep Health Program for. SLEEP, 40(1).
https://doi.org/10.1093/sleep/zsw001
Teresa Ruiz-Cantero, M., Vives-Cases, C., Artazcoz, L., Delgado, A., del Mar García Calvente,
M., Miqueo, C., Montero, I., Ortiz, R., Ronda, E., Ruiz, I., & Valls, C. (2007). A
framework to analyse gender bias in epidemiological research. J Epidemiol Community
Health, 61, 46–53. https://doi.org/10.1136/jech.2007.062034
WHO | World Health Organization. (n.d.). Retrieved May 10, 2022, from https://www.who.int/
380
Relação entre sustentabilidade dos edifícios e marketing imobiliário -
Portugal versus Brasil
381
Introdução
Perante uma sociedade cada vez mais consciente ambientalmente, a sustentabilidade dos edifícios surge
como um tema bastante atual, podendo tornar-se um elemento de diferenciação na comercialização dos
mesmos, que se dá através do marketing imobiliário.
A sustentabilidade tem como base três pilares: o ambiental, que assenta na preservação dos
recursos naturais, promoção de ações que diminuem os impactos ambientais e no incentivo do consumo
responsável; o econômico, que está relacionado com a geração de empregos, e o social, que assenta no
respeito pela diversidade cultural e igualdade de oportunidades, na inclusão e na luta contra qualquer
tipo de exploração (Marques et al., 2017).
Em relação ao marketing sustentável, o seu principal foco consiste na aplicação de uma cultura
sustentável, que tem ganhado espaço conforme as pessoas procuram se adequar às práticas sustentáveis
e à preocupação com o futuro do meio ambiente. Ainda, é uma tendência que faz as organizações
modificarem suas identidades, de forma que haja mais adesão de pessoas que se preocupam com
questões ambientais (Celestino, 2016).
Quanto à valorização das empresas ligadas à construção civil, os aspectos sustentáveis estão
principalmente relacionados com os seguintes elementos: água, energia, materiais, ventilação e
iluminação. Estes são destaque na divulgação dos edifícios, desde o projeto à venda ou aluguel.
Ultimamente têm surgido certificações ligadas aos aspectos sustentáveis em edifícios que cumprem
critérios específicos, como a Certificação Energética, o selo LEED, BREEAM, entre outros.
O presente trabalho tem como principal objetivo verificar qual a relação entre a sustentabilidade
e o marketing imobiliário, no processo de venda/compra de uma habitação. Pretendem-se identificar
quais as medidas sustentáveis que são mais praticadas e divulgadas pelas empresas, e conhecer o seu
grau de importância, na perspectiva da empresa e do cliente. Para tal fim, realizou-se uma pesquisa
bibliográfica seguida de um inquérito, através da aplicação de questionários a empresas ligadas ao setor
do mercado imobiliário na região de Trás-os-Montes, em Portugal, e na região Sul do Brasil. As
respostas aos questionários permitiram obter conclusões quanto ao objetivo proposto, no Brasil e em
Portugal, deixando evidente a importância de divulgar e incentivar ainda mais os empreendimentos
sustentáveis e a utilização de ferramentas que certifiquem os edifícios.
O marketing tem como objetivo dar visibilidade às empresas e marcas, seus produtos e serviços, fazendo
com que fiquem na mente do público-alvo, para que este dê prioridade a essa marca quando a
necessidade surgir.
Dentre todos os produtos e serviços que investem em marketing e precisam de estratégias para
cativar clientes, estão os produtos imobiliários, que englobam principalmente empreendimentos
residenciais, comerciais, industriais e escritórios (Musolas, 1995b, Gil, 2013). De acordo com Fernandes
(2006), é necessário identificar os clientes, conhecer as suas necessidades, desejos e expectativas, para
que os edifícios sejam construídos orientados a eles. Para isso, o marketing deve ter início em pesquisas
de mercado, estratégias de segmentação e posicionamento, abrangendo posteriormente atividades de
planejamento e desenvolvimento de produtos e serviços, determinação do preço, definição da promoção,
continuando a sua atuação após a venda, tendo como objetivo final satisfazer as necessidades dos
clientes, estabelecendo com eles relações de valor. Considerado um dos setores com maior capacidade
de propulsão da economia, o mercado imobiliário também é responsável pela geração de empregos, pois
é em razão da prática imobiliária que inúmeros profissionais, como avaliadores de imóveis, investidores,
promotores, projetistas e vendedores, atingem as suas metas econômicas. Deve-se salientar que a
necessidade de moradia fez com que o mercado imobiliário mundial crescesse consideravelmente nos
últimos anos (Gabrielli, 2016).
Paralelo a isso, um conceito que cresce ao longo dos anos é a sustentabilidade. Este é um termo
que, segundo o BCSD (Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável), pode ser definido
como a capacidade de satisfazer as necessidades do presente, sem comprometer as gerações futuras, nas
dimensões ambiental, social e econômica. Ao contrário do que geralmente remete o termo, a
382
sustentabilidade vai muito além da proteção do meio ambiente. Ela está relacionada com a economia
quando, por exemplo, há geração de empregos dignos, com a sociedade quando se refere ao respeito
pela diversidade cultural e igualdade de oportunidades, e também com o ambiente quando se preservam
recursos naturais, promovem ações que diminuem os impactos nos recursos fundamentais para a vida e
incentivam à produção e o consumo responsável. No mundo todo já há mais de 600 ferramentas que
avaliam diversos aspectos da sustentabilidade, o que faz com que este conceito ganhe cada vez mais
importância nos estudos de mercado (Marques et al., 2017). De acordo com Bragança (2011), para
promover construções de desempenho elevado, é preciso mudar cada vez mais a forma como se planeja,
projeta, constrói, opera, mantém e reabilita o edifício. Para isso, as equipes de projeto devem ter
competências eco eficientes e deve-se prezar pela saúde dos trabalhadores nas obras e posteriormente a
saúde dos utilizadores em qualquer fase da sua vida. Uma forma de reconhecimento das soluções
sustentáveis é a certificação dos edifícios. Dentre todas as vantagens dos métodos de avaliação, é
importante citar que uma delas é a capacidade de orientar construtores, projetistas e empreendedores no
processo de construção das edificações sustentáveis (Callefi, 2016). Há diversos tipos de certificação
que um edifício pode ter, entre eles destacam-se: a CE (Certificação Energética), LEED (Leadership in
Energy and Environmental Design), BREEAM (Building Research Establishment Environmental
Assessment Method), SBTool (Sustainable Building Tool), Passivhaus, LiderA e Selo Casa Azul, cada
qual com suas respectivas ferramentas de avaliação.
Agregado à sustentabilidade, surgiu no ano de 1990, o marketing sustent vel. “O marketing da
sustentabilidade visa suprir uma série de requisitos para o desenvolvimento econômico, o incentivo à
preservação ambiental e a busca pelos interesses coletivos a partir do empenho empresarial” Marques
et al., 2017), além de diferenciar as marcas pela sua conduta ecologicamente correta e de cobrir
indicadores sociais como patrocínio, ética corporativa, solidariedade, filantropia, entre outros (Simões,
2009; Feio, 2016). A questão ambiental tornou-se grande influenciadora na criação de estratégias de
marketing no desenvolvimento das entidades, pois a mesma se tornou tendência e gerou um padrão de
consumo, por isso ela é uma grande oportunidade de negócio. Alguns dados que o BCSD apresentou
em 2019 mostram que 73% da população consumidora já está disposta a pagar um valor maior em
produtos sustent veis, pois “h cada vez mais consumidores com reforçada consciência cívica, social e
ecológica, e estes compram a mudança a que querem ver no mundo” B SD, 2019 .
Metodologia
Com base na pesquisa teórica realizada, foi elaborado um questionário cujas respostas obtidas são
primordiais para atingir os objetivos do presente trabalho. As perguntas que foram definidas podem ser
observadas nas tabelas 1 e 2.
383
15) Qual a visão da empresa sobre a construção sustentável no país?
16) Qual a opinião da empresa sobre a certificação de edifícios?
Fonte: Elaboração própria
As duas primeiras perguntas (tabela 1) permitiram caracterizar as empresas que responderam ao
questionário, quanto ao ramo de atuação e sua dimensão. As perguntas seguintes permitiram tirar
conclusões quanto à praticabilidade de construções sustentáveis pelas empresas e o tipo de certificações
mais utilizadas e valorizadas.
384
Discussão dos Resultados
As respostas aos questionários (32 respostas, repartidas de igual modo pelas duas regiões), permitiram
concluir que a participação portuguesa foi dividida entre empresas de engenharia civil/arquitetura e
imobiliárias, todas de pequeno porte. Relativamente a brasileira, a maior participação foi de empresas
de engenharia civil/arquitetura, quase todas de pequeno porte, à exceção de uma empresa de grande
porte.
Em relação aos empreendimentos certificados (Gráfico 1), 100% dos inquiridos portugueses já
empreenderam/venderam edifícios com algum tipo de certificação. Tal deve-se ao fato de a Certificação
Energética ser obrigatória em Portugal, havendo uma preocupação com esse aspecto em todo o território.
m exemplo disso é um dos coment rios de uma empresa no question rio: “O cliente tem o direito ao
conhecimento sobre o estado do im vel quanto à questão acústica e/ou térmica”. J os dados brasileiros
mostraram que somente uma empresa empreendeu edifícios com certificação sustentável, o Selo Casa
Azul. No Brasil, o conceito de sustentabilidade nas construções não está ainda bem difundido,
principalmente em regiões do interior. O Selo Casa Azul tende a ser o selo mais conhecido no país por
estar presente em alguns financiamentos bancários.
Gráfico 1: espostas para a pergunta ‘Sua empresa projeta/vende edifícios que tenham alguma certificação?’
Referente à questão sobre o interesse dos clientes quanto à classificação energética dos edifícios
(Gráfico 2), foi observado que em 100% das respostas portuguesas houve demonstração de interesse na
classe energética do edifício. Já no Brasil, a maior parte dos clientes não se importa com a mesma. Isto
deve-se ao fato da certificação energética não ser comum no país. Em relação às outras certificações,
nos dois países a maioria da população não demonstrou interesse por elas (Gráfico 3), o que significa
que, pelo menos nas regiões estudadas, não há conhecimento sobre o assunto por parte da população em
geral ou interesse em pagar por algo do gênero.
Gráfico 2: espostas para a pergunta ‘Os clientes dão importância à classe energética?’
385
Gr fico 3: espostas para a pergunta ‘Os clientes demonstram interesse em outros tipos de certificação?’
Gr fico 4: espostas para a pergunta ‘A sua empresa j empreendeu/vendeu alguma construção sustent vel?’
Em relação ao marketing sustentável (Gráfico 5), a maioria das empresas portuguesas aposta nesta
estratégia e a maioria das empresas brasileiras não. Isso pode acontecer por não haver um conhecimento
claro sobre o conceito de marketing sustentável. Quando questionadas sobre a forma que utilizam para
fazer a publicidade dos seus produtos, as empresas tiveram respostas muito parecidas entre elas,
inclusive entre os dois países. Os meios utilizados citados foram: Internet através de sites e Facebook,
placas de informação em obras, jornais, rádios e contato direto com o cliente. Confirmando a pesquisa
teórica, a publicidade faz-se atualmente quase que exclusivamente de forma virtual, na medida em que
as informações têm um alcance maior e mais rápido. A divulgação dos produtos através de jornais e
rádios foi citada apenas por inquiridos portugueses, que justificaram a utilização destes meios como
forma de atingir os idosos, que representam um número considerável da população que investe em
construção na região estudada.
386
Gr fico 5: espostas para a pergunta ‘Sua empresa aposta no marketing sustent vel?’
Outra questão que gerou divergência entre os dois países refere-se à procura por construções
sustentáveis por parte dos clientes (Gráfico 6). Em Portugal, a maioria dos clientes procuram
construir/comprar edifícios sustentáveis, ao contrário dos clientes do Brasil, que apenas consideram esse
tipo de obra quando a empresa a oferece, mas não procuram por conta própria. Em ambos os países, os
clientes não estão dispostos a pagar mais por edifícios sustentáveis (Gráfico 7), o que confirma que o
preço é o fator decisivo na hora das negociações. Também, mostra que nem sempre é feito um estudo
para os clientes de quanto eles economizarão ao longo do tempo de vida do edifício se investirem um
valor maior na hora da compra.
Gr fico 6: espostas para a pergunta ‘Os clientes procuram por construções sustent veis?’
Gráfico 7: espostas para a pergunta ‘Os clientes estão dispostos a pagar um valor maior por construções
sustent veis?’
A partir das respostas à pergunta 8 do questionário, foi possível criar uma tabela (tabela 3) com o
grau de importância dado para cada critério, pela empresa e clientes. Conforme pode ser observado na
tabela, todos os critérios que as empresas consideram mais relevantes na abordagem com o cliente
também são os que os clientes mais consideram na hora da compra, como a eficiência energética, a
iluminação natural, a ventilação natural, o conforto térmico e acústico, a qualidade do acabamento, o
preço, a localização, a inovação, os equipamentos de aquecimento e arrefecimento, a exposição solar, a
acessibilidade, o estacionamento, o prestígio social/vizinhança, os gastos com manutenção/utilização e
387
a qualidade das caixilharias. As variáveis em que houve unanimidade, ou somente uma atribuição
discrepante, foram a eficiência energética, o preço e a localização.
No Brasil, também há uma grande semelhança entre a importância que a empresa e os clientes
dão aos critérios já mencionados. Percebe-se que os aspectos considerados mais relevantes pelos
inquiridos são: reaproveitamento de água, iluminação natural, ventilação natural, conforto térmico e
acústico, qualidade do acabamento, preço, localização, inovação, exposição solar, acessibilidade,
estacionamento, qualidade dos materiais, prestígio social/vizinhança e gastos com
manutenção/utilização. Houve unanimidade, ou apenas uma atribuição diferente, nos seguintes:
estacionamento, preço e localização.
Dos dois países resultaram dados semelhantes, mostrando que o preço e localização são fatores
decisivos para a negociação. Novamente, Portugal chama a atenção com o requisito Eficiência
Energética. Já no Brasil, há também uma preocupação com a segurança dos moradores e seus
automóveis.
Tabela 3: Importância dos critérios para as empresas portuguesas
Grau de importância Grau de importância
dado pela empresa dado pelos clientes
Critérios para cativar clientes quando compram?
(1 a 5) (1 a 5)
Brasil Portugal Brasil Portugal
Eficiência energética 4 (50%) 5 (100%) 4 (66,7%) 5 (100%)
Reaproveitamento de água 5 (55,6%) 2 (62,5%) 4 (77,8%) 3 (56,5%)
Uso de materiais de baixo
impacto ambiental (tinta a base
de água, madeira de 3 (44,4%) 2 (37,5%) 3 (61,1%) 3 (37,5%)
reaproveitamento, materiais
reciclados, etc)
Iluminação natural 5 (72,2%) 5 (62,5%) 5 (77,8%) 5 (56,3%)
Uso de energia solar 4 (55,6%) 4 (50%) 4 (61,1%) 4 (68,8%)
Ventilação natural 5 (77,8%) 5 (50%) 5 (83,3%) 5 (68,8%)
Conforto térmico 5 (72,2%) 5 (75%) 5 (100%) 5 (100%)
Conforto acústico 5 (77,8%) 5 (68,8%) 5 (100%) 5 (100%)
Redução e/ou reciclagem de
Resíduos de Construção e 3 (61,1%) 4 (37,5%) 3 (55,6%) 3 (37,5%)
Demolição
Redução do consumo de água 2 (31,3%) 1 (37,5%)
3 (50%) 3 (44,4%)
e energia no canteiro de obras 4 (31,3%) 2 (37,5%)
Espaço verde 4 (55,6%) 4 (50%) 4 (66,7%) 4 (81,3%)
Qualidade do acabamento 5 (83,3%) 5 (81,3%) 5 (100%) 5 (87,5%)
Preço 5 (100%) 5 (100%) 5 (94,4%) 5 (100%)
Localização 5 (100%) 5 (93,8%) 5 (94,4%) 5 (93,8%)
Inovação 5 (66,7%) 5 (62,5%) 5 (50%) 5 (50%)
Equipamentos para
4 (72,2%) 5 (87,5%) 4 (50%) 5 (100%)
aquecimento
Equipamentos para
4 (77,8%) 5 (75%) 4 (55,6%) 5 (87,5%)
arrefecimento
Exposição solar 5 (61,1%) 5 (56,3%) 5 (88,9%) 5 (87,5%)
Acessibilidade 5 (66,7%) 5 (62,5%) 5 (88,9%) 5 (62,5%)
5 (50%)
Estacionamento 5 (94,4%) 5 (94,4%) 5 (81,3%)
4 (50%)
Qualidade dos materiais 5 (77,8%) 4 (50%) 5 (88,9%) 4 (62,5%)
5 (50%)
Prestígio social/ Vizinhança 4 (50%) 5 (55,6%) 5 (81,3%)
4 (50%)
Gastos com
4 (50%) 5 (62,5%) 5 (83,3%) 5 (87,5%)
manutenção/utilização
Qualidade das caixilharias 4 (77,8%) 5 (81,3%) 4 (50%) 4 (75%)
Fonte: Elaboração própria
388
Quando questionados sobre a visão da construção sustentável no seu país, os portugueses a
relacionam com a valorização econômica, o ambiente e o futuro da construção. Foi possível identificar
que, apesar de haver um grande número de construções com soluções sustentáveis no país, ainda há
aspectos a serem melhorados em relação a esse assunto, tanto por parte das empresas, como a melhoria
de sistemas de isolamento, quanto por parte dos clientes que muitas vezes desprezam as preocupações
ambientais. Já no Brasil, ficou evidente que existem construções sustentáveis, mas poucas. O conceito
da sustentabilidade está chegando aos poucos nas regiões do interior. A maioria dos profissionais
afirmou que veem as obras sustentáveis como o futuro da construção civil, porém o processo é lento e
apresenta alguns obstáculos, como a falta de incentivos, de conhecimentos técnicos e mão de obra
especializada, e o preconceito em relação a certos materiais sustentáveis, o que acontece devido ao
pensamento conservador nessas regiões.
As opiniões portuguesas sobre a certificação dos edifícios foram, em sua maioria, positivas,
principalmente a energética. Pode-se destacar que as empresas consideram importante estas
certificações como medidas que ajudam a preservar o meio ambiente, para além de fornecerem
informações aos futuros utilizadores dos edifícios. Deve-se realçar que as certificações, na sua
generalidade aumentam o custo final das obras, devido ao uso de materiais e sistemas mais caros. No
Brasil, há um grande número de empresas que não recorrerem às certificações sustentáveis, nem
possuem conhecimento sobre as mesmas. Apesar disso, felizmente, muitas delas veem a importância
que as certificações têm, principalmente a sua contribuição para a diminuição dos impactos ambientais
da construção civil e a sua valorização econômica.
De modo geral, foi possível concluir também, que as questões ambientais são mais valorizadas
na compra de imóveis, ao contrário dos aluguéis, onde o preço e localização assumem maior
importância. Foi possível concluir também que a maioria dos clientes não possui conhecimento sobre
as práticas sustentáveis, o que poderia ser melhorado com o auxílio do marketing imobiliário dando
ênfase nas características sustentáveis na publicidade dos edifícios.
Conclusões
O marketing é o processo dentro de uma empresa que identifica as necessidades dos clientes e que
desenvolve produtos para ir de encontro a essas necessidades, satisfazendo-os. A sustentabilidade dos
edifícios é um tema atualmente incontornável perante as necessidades de proteção do meio ambiente.
Cada vez mais, empresas e clientes do ramo imobiliário estão sensibilizados para esta temática, e várias
estratégias de sustentabilidade começam a ser requisitos essenciais do produto habitacional. Pretendeu-
se com este estudo analisar em que medida é que as estratégias de sustentabilidade se relacionam com
o marketing imobiliário. Para isso procedeu-se à aplicação de questionários, a empresas responsáveis
pelo projeto e promoção de edifícios habitacionais, na região de Trás-os-Montes, em Portugal, e na
região Sul do Brasil.
Foi possível concluir que, em Portugal, alguns requisitos ambientais são frequentemente adotados
nos edifícios, principalmente os relacionados com a eficiência energética. Tal deve-se à obrigatoriedade
da certificação energética (sendo inclusive obrigatória a sua referência na publicidade do imóvel). Mas
para além da eficiência energética, outras estratégias sustentáveis podem ser consideradas nos edifícios
e existem outras certificações voluntárias que as ponderam (LEED, BREEAM, SBTool, Passivhaus,
LIDERA e Casa Azul). Ficou nítido com o presente estudo que a obrigatoriedade da certificação
energética está diretamente relacionada com o interesse e a sensibilidade das empresas e clientes para a
adoção ou valorização de práticas mais sustentáveis. Neste sentido a classe energética constante no
certificado energético, em Portugal, passou a ser tão valorizada como a localização ou o preço do imóvel.
Ao contrário, no Brasil, os clientes estão pouco sensibilizados para esta temática, sendo o preço o fator
condicionante para a compra. Tal fato ocorre principalmente pelos seguintes motivos: ausência da
obrigatoriedade da certificação energética dos edifícios; pouca divulgação dos conceitos de
sustentabilidade na construção; carência de disciplinas ligadas à temática nos cursos de engenharia civil
e arquitetura; e difícil acesso a empreendimentos sustentáveis por pessoas de classe média e baixa. Não
pode, no entanto, deixar de se referir que as empresas brasileiras, que responderam ao questionário,
manifestaram interesse em construírem, no futuro, construções sustentáveis. E também que, geralmente
389
em regiões mais interiores dos países, essas práticas sejam menos correntes, como as regiões alvo do
presente estudo.
Pode, portanto, concluir-se que as questões da sustentabilidade estão diretamente relacionadas
com o marketing imobiliário, agregando valor ao imóvel, no entanto, essa relação é condicionada pelo
modo como as práticas de sustentabilidade estão a ser implementadas na região em causa.
Referências
BCSD. (2019). As marcas e a sustentabilidade. Acedido em: 30 abr. 2020. Disponível em:
https://www.bcsdportugal.org/noticias/as-marcas-e-a-sustentabilidade.
Bragança, L. et al. (2011). Construção sustentável: O novo paradigma do setor da construção. Paredes
divisórias: Passado, presente e futuro, P.B. Lourenço et al. (eds.), pp. 67-82. Guimarães:
Universidade do Minho.
Callefi, M. H. B. M. et al. (2016). Avaliação da sustentabilidade de edificações através dos critérios
obrigatórios do Selo Casa Azul – estudo de caso em um edifício residencial na cidade de
Maringá/PR. Simpósio de Engenharia de Produção. Acedido em: 18 mai. 2020. Disponível em:
https://pdfs.semanticscholar.org/b3f6/477a0092a895bf042ad113cead4d0252ca1d.pdf.
Feio, C. S. L. (2016). Marketing Sustentável: As práticas de marketing da EDP e a gestão da sua
reputação empresarial a nível nacional e internacional. Dissertação de mestrado, Instituto
Universitário de Lisboa, Lisboa, Portugal.
Fernandes, S. M. A. (2006). Melhoria da qualidade da habitação como estratégia de marketing.
Dissertação de mestrado, Universidade do Minho, Guimarães, Portugal.
Gabrielli, T. F. (2016). Marketing Imobiliário: A arquitetura imobiliária como um produto de mercado.
Tecnológica, 1(4): 143-159.
Gil, L. M. R. (2013). Marketing imobiliário. Dissertação de Mestrado, Universidade Lusíada de Lisboa,
Lisboa, Portugal.
Marques, S. B. et al. (2017). Estratégias do Marketing da Sustentabilidade em Edificações. II ENRUCS,
Lisboa, Portugal.
Musolas, A. E. (1995a). Métodos y técnicas de investigación. Bilbao: Editorial CISS, S.A.
Musolas, A. E. (1995b). Métodos y técnicas de comercialización. Bilbao: Editorial CISS, S.A.
Simões, F. T. H. (2009). Sustentabilidade no mercado imobiliário: o marketing verde na construção
civil. Monografia em Especialização em Marketing, Universidade Candido Mendes, Rio de
Janeiro. 42 pp.
390
Análise do desempenho económico-financeiro das empresas familiares
versus empresas não familiares da Região do Alto Douro Vinhateiro
Sandra Cristina Ferro Geraldes 1, Ana Paula Monte 2[0000-0001-9936-0142], António Borges
Fernandes 2[0000-0002-6526-9903],
[email protected], [email protected], [email protected]
1
Instituto Politécnico de Bragança, Portugal.
2
UNIAG; Instituto Politécnico de Bragança, Portugal.
Resumo. Definiu-se como questão de investigação: a empresa familiar situada no Alto Douro
Vinhateiro, cuja atividade principal é a viticultura e a produção de vinhos generosos, apresenta
um desempenho económico e financeiro superior ao da empresa não familiar? Que fatores
explicam esse desempenho? Recorrendo ao modelo de regressão linear, utilizando dados
económico-financeiros obtidos na base de dados SABI (Sistema Ibérico de Análise de Balanços),
no período de 2012 a 2017, e dados não financeiros, procurou-se determinar o poder explicativo
das variáveis financeiras e não financeiras no desempenho económico-financeiro das empresas
familiares e empresas não familiares. Foi utilizado um questionário para obter as informações não
financeiras das empresas pesquisadas. Concluiu-se, através da análise do desempenho
económico-financeiro, que as empresas familiares RADV, tendem em média, a apresentar melhor
desempenho económico comparativamente às não familiares, corroborando as previsões iniciais.
Introdução
A empresa familiar (EF), como a própria expressão induz, é aquela empresa que tem uma história de
existência ligada a uma família (Agostini, 2001). A Região do Alto Douro Vinhateiro (RADV), onde
prevalece o deslumbre das encostas do Douro repletas de hectares de vinhas centenárias, tem inúmeras
empresas de cariz familiar, que garantem a sua notoriedade e refletem os seus contributos na economia
e na coesão social e territorial.
391
Partindo da questão inicial: as EF localizadas na RADV, que exercem como atividade principal a
viticultura e a produção de vinhos licorosos, ostentam um desempenho económico-financeiro superior
às empresas não familiares (EnF)? Que fatores explicam este desempenho? Deste modo, este trabalho
tem como objetivo principal analisar o desempenho económico-financeiro das EF e EnF da RADV, se
as EF do setor vitivinícola desta região têm melhor desempenho que as EnF e que fatores explicam esse
desempenho.
Segundo Cunha, Rego, Cunha e Fernandes (2017), em Portugal, mais de 70% das empresas são
de cariz familiar, ou seja, mais de metade das organizações do nosso país são EF, daí a importância do
seu estudo. Cunha et al. (2017) estimam que os negócios de família são responsáveis por mais de 70%
do produto interno bruto (PIB) global e 60% destas empresas reportaram crescimentos superiores a 5%
em 2013. Nas economias emergentes, de natureza mais liberal, as EF são responsáveis por grande parte
do emprego (Cunha et al., 2017). Neste sentido, a principal motivação que levou à escolha deste tema
prende-se com os seguintes aspetos: a importância das EF no tecido empresarial português; o reduzido
número de estudos sobre os determinantes do crescimento das EF portuguesas regionais por sector de
atividade; e o facto de as EF serem um grupo de análise extremamente estimulante devido às próprias
especificidades.
Assim, o presente trabalho poderá ser útil para investidores, stakeholders e shareholders,
estudantes e docentes, assim como para as próprias EF, na medida que poderá contribuir para o
conhecimento dos fatores determinantes do seu desempenho e crescimento. A justificação de elencar
apenas as empresas sediadas na RADV prende-se com o facto de se tratar de uma região onde prevalece
um elevado número de EF. Esta concentração de EF justifica-se, fundamentalmente, pelas características
do sector de atividade primário que desenvolvem onde requer elevados investimentos em ativos, sendo
o principal objetivo comum enfrentar os desafios e avalizar a continuidade.
No estudo empírico procedeu-se à análise comparativa dos dados financeiros, obtidos pela base
de dados SABI (Sistema de Análise de Balanços Ibéricos), com a Ref.ª UID/GES/4752/2019, para o
período de 2012 a 2017. Utilizou-se ainda o inquérito por questionário para obter as informações não
financeiras das empresas em análise permitindo fazer a separação das empresas ditas familiares e não
familiares pertencentes apenas aos códigos de atividade económica (CAE Rev. 3): 01210 – Viticultura
e 11021 – Produção de vinhos comuns e licorosos. Esta comparação permitirá verificar os
comportamentos das duas amostras, apurando as diferenças, vantagens e desvantagens, entre ser ou não
ser uma EF. Todos os dados recolhidos foram codificados, agrupados e introduzidos numa base de dados
analisados por intermédio do software IBM SPSS Statistics versão 24, para se proceder ao tratamento
estatístico, adequado aos objetivos e às hipóteses da investigação.
Enquadramento Teórico
Ao longo dos anos, vários autores (v.g. Berg, 2002; Cunha et al., 2017; Sharma, 2004; Ussman, 2004;
Xavier, 2017) procuraram definir o conceito de empresa familiar (EF). Por conseguinte existe um vasto
leque de definições de EF. Infindos esforços foram feitos para articular definições conceituais e
operacionais de EF (Sharma, 2004). Importa reiterar que as EF são muito distintas entre si, pelo que, as
generalizações devem ser encaradas de modo cauteloso.
omo refere ssman 2004, p. 17 “est longe de ser encontrada uma definição única de E ”, o
conceito em si não é universal, “ … é possível encontrar tantas definições quantas as obras que se
consultem sobre o tema j que cada investigador, propõe a sua pr pria definição” ssman, 2004, p.
17). A comparação das EF com as empresas não familiares (EnF) não deve fazer esquecer que, numa
empresa específica, podem-se encontrar traços de ambos os tipos (Cunha et al., 2017). Segundo Xavier
(2017), no âmbito do direito comercial não existe uma definição de EF, trata-se de uma organização de
meios produtivos, sendo relevante identificar o titular jurídico da empresa, que pode ser uma sociedade
e, indiretamente, a pessoa singular que detém a totalidade ou a maioria das participações no seu capital.
Durante muito tempo o tema EF não foi considerado um tópico de investigação relevante, até que
vários investigadores se aperceberam que este era um tipo de empresas com um contributo considerável
para a economia mundial (Berg, 2002). Uma EF tem a particularidade de permitir, aos colaboradores da
família, trabalharem para si e para os seus, em vez de trabalharem para terceiros. Permite gerar riqueza
e oportunidades para a família, encontrando-se os colaboradores protegidos das decisões de um qualquer
392
patrão que encara o negócio como um mero modo de vida, destituído de emoção e sem laços de sangue
(Cunha et al., 2017).
Deste modo, a importância deste tipo de empresas aumentou significativamente na literatura,
substancialmente, na última década, sendo o crescimento e a sucessão das EF reconhecidos como os
principais desafios com que se deparam estas empresas (Martí, Menéndez-Requejo, & Rottke, 2013).
Dados divulgados pela Associação de EF dão conta de que, a faturação anual global dos associados se
cifra em mais de uma dezena de milhares de milhões de euros, e que as EF representam 60% do emprego
e 50% do PIB nacional (Cunha et al., 2017).
393
fundadoras, levado a cabo por Block, Jaskiewicz e Miller (2011) utilizaram a estrutura do endividamento
como variável independente.
O indicador da rotação do ativo mede o nível de vendas gerado pelo investimento realizado pela
empresa e, na prática, representa o número de unidades monetárias vendidas por cada unidade monetária
investida (Fernandes, Vieira, Neiva, & Peguinho, 2016). De acordo com Gama (2012), estamos perante
um indicador de atividade que mede o grau de eficácia da empresa, na utilização dos seus recursos sendo
uma métrica, que também pode ser utilizada pela análise financeira, para medir o desempenho
económico-financeiro na perspetiva contabilística e financeira.
O Valor Acrescentado Bruto (VAB), segundo Fortuna e Maciel (2018), pode entender-se como a
diferença entre os valores de produção de uma entidade e o valor dos seus consumos intermédios totais.
Alves (2010) faz referência não só ao VAB, mas também descreve o conceito de Valor Acrescentado
Líquido (VAL), ou seja, compreende-se que o VAB é o valor antes de se deduzir as depreciações (ativos
tangíveis) e amortizações (ativos intangíveis) e o VAL como o valor depois de deduzidas as
depreciações e amortizações. As decisões envoltas sobre o financiamento, investimento e distribuição
de resultados obtidos são pilares importantes na continuidade e sobrevivência de uma empresa (Gozer,
Gimenes, Campos, Pricila, & Junior, 2006). Trata-se de um rácio entre o capital próprio total sobre o
ativo total de uma empresa (Neves, 2000a). Segundo Olival (2011), o rácio de autonomia financeira
permite compreender o grau de possibilidade que uma empresa detém sobre financiar os seus ativos
através do recurso ao capital próprio da empresa. “ … quanto maior o valor deste r cio, na perspetiva
dos credores da empresa, maior será a estabilidade, independência e solidez financeira da empresa, pois
indica uma reduzida dependência da empresa a capitais alheios” Olival, 2011, p. 17 .
Saksonova (2013), no seu estudo sobre abordagens para melhorar a gestão da estrutura de ativos,
concluiu que é importante garantir a qualidade e a lucratividade dos ativos em resposta ao ambiente em
mudança, sendo que os principais problemas das empresas passam pela necessidade de otimizar
dinamicamente a estrutura de ativos e passivos, de modo a garantir a rentabilidade das empresas a
minimizar os riscos.
O indicador liquidez geral é um indicador que os analistas de crédito utilizam regularmente, uma
vez que é usado para medir a capacidade que uma empresa tem de honrar com as suas obrigações de
curto prazo (Neves, 2000a). Zagd e Melld (2005) descrevem a liquidez geral como um rácio muito
importante no decorrer da atividade da empresa pois, de um modo geral, a liquidez representa a
disponibilidade de meios para realizar pagamentos ou saldar créditos de curto prazo. A fórmula consiste
no rácio entre o somatório do ativo corrente sobre o somatório do passivo corrente (Xavier et al., 2020).
Segundo Santos (2014), os gastos financeiros de financiamento, também designados de alavancagem
financeira, determinam a capacidade da empresa contrair dívidas recorrendo a capitais alheios, onde a
empresa consegue gerar rendimentos suficientes para cobrir com os juros de financiamento, sendo o
restante valor considerado como alavancagem. Assim, entende-se por alavancagem financeira a
diferença entre o montante das despesas financeiras com os juros e a ROA (Santos, 2014).
394
desenvolvimento da identidade dos membros da próxima geração de uma EF (Wielsma & Brunninge,
2019).
Nas EF, a família e o negócio são tão enovelados que as emoções são inevitáveis.
Consequentemente, as EF são frequentemente aconselhadas a nomear conselheiros externos (Sharma et
al., 1997). Este modelo de CG aplica-se quer às EF quer às EnF. A realidade prática da CG é de grande
diversidade entre os países (Becht & Bolton, 2007). Anderson e Reeb (2003) constataram que a
concentração de propriedade melhora a governança e o desempenho, para as EF. Becht e Bolton (2007)
afirmam que o desempenho económico-financeiro é impulsionado pela boa governança. Assim sendo,
o contributo da CG é fulcral para o desempenho económico-financeiro das empresas, uma vez que é
considerado o epicentro do conflito gerado entre as expectativas do stakeholders e os conflitos de
interesses dos shareholders, sendo que, cada um desses indivíduos e organizações são fundamentais para
o desempenho económico-financeiro da empresa (Becht & Bolton, 2007). Anderson e Reeb (2003)
referem a existência de um desempenho diferencial nas EF com base no CEO, ou no diretor executivo
da empresa. Especificamente descobriram que os CEO, que são membros da família (fundadores ou
descendentes dos fundadores) apresentam uma relação positiva com as medidas de rendibilidade
contabilísticas (tais como: EBITDA ou EBIT). Concluíram ainda que, quando os membros da família
conseguem assegurar a posição de CEO, o custo da dívida de financiamento é superior às EF com CEO
externo. Outros estudos (v. g. Zybura, Zybura, Ahrens & Woywode, 2020; Block et al., 2011; Massis et
al., 2013; Luan, Chen, Huang, & Wang, 2018; Weng & Chi, 2019; Waldkirch, 2020; Mazzi, 2011;
Tiscini & Raoli, 2013) também estudaram o CEO como variável significativa para o desempenho das
empresas e concluíram que a existência de um CEO interno, na empresa, exerce influência positiva no
desempenho da mesma. No estudo efetuado à influência do desempenho económico-financeiro nas
inovações tecnológicas de empresas brasileiras de capital aberto da construção civil por Silva et al.
(2013), utilizaram, como variáveis de desempenho económico-financeiro, a liquidez geral, o tamanho
da empresa (dimensão). Fan e Leung (2020), Hamid, Abdullah e Kamaruzzaman (2015), Porfírio,
Felício e Carrilho (2020), Fitó et al. (2013), Massis et al. (2013), Luan et al. (2018), entre outros autores,
utilizaram a dimensão como variável com influência no desempenho das empresas. O desempenho
económico-financeiro também é considerado como um dos objetivos das microempresas, para o qual
uma combinação de atividades de planeamento e controlo deve ser direcionada, não apenas para gestão
os recursos económicos necessários, mas também para garantir que esses recursos gerem os retornos
esperados no investimento (Urquidy et al., 2018).
Metodologia
Após a revisão de literatura, onde foram abordadas características das empresas e os determinantes de
desenvolvimento e crescimento das mesmas, segue-se a metodologia do presente trabalho onde é
apresentado o objetivo do trabalho, hipóteses de investigação e as respetivas variáveis utilizadas na
aplicação empírica do estudo. Considerando a revisão de literatura, verifica-se que existem muitas
definições e algumas dificuldades em definir o que é efetivamente uma EF e o que diferencia das EnF.
Ussman (2004) define como EF, as empresas que possuam algumas das variáveis mais utilizadas, tendo
em conta uma certa concordância nas dimensões utilizadas: Propriedade ou controlo – capital social
maioritariamente detido pela família ou a família detém a maioria de direitos de ações de voto (Ussman,
2004); Governação – a família terá de estar presente no conselho de administração (Fernandes &
Ussman, 2013); Envolvimento familiar – alguns membros da família estão empregados na empresa. Mas
para fins de estudo serão considerados membros da EF, os familiares parentes em linha reta e linha
colateral, bem como os membros com relação conjugal com algum membro da família proprietária da
EF, visivelmente identificado no pacto social (Ussman, 2004).
395
económico-financeiro das empresas (também designados de estudos da performance), que consideram
quer variáveis económico-financeiras como não financeiras relacionadas com a gestão das empresas e
o contexto sócio-económico (Correia, 2013). A partir da pergunta de partida formulada, foram
elaboradas as hipóteses de investigação sobre cada uma das variáveis independentes não financeiras.
Essas hipóteses estão apresentadas na Erro! A origem da referência não foi encontrada..
396
Figura 5 – Modelo teórico
Após uma análise aos vários estudos existentes, como por exemplo Correia (2003) e para testar
as hipóteses do modelo teórico estimaram-se os seguintes modelos que melhor se adequa, tendo como
base o modelo econométrico. O modelo de regressão da investigação tem a especificação genérica,
conforme Maroco (2018). Uma vez que se tem diferentes variáveis de desempenho (variável
dependente), que podem estar correlacionadas, gerou-se quatro modelos base em função de cada uma
das variáveis em análise: fórmula (1) relativa ao ROA; fórmula (2) relativa ao ROE; fórmula (3) relativa
ao FCF; e a fórmula (4) relativa ao EVA® .
𝑅𝑂𝐴𝑖,𝑡 = 𝛽0 + 𝛽1 EENC𝑖,𝑡 + 𝛽2 RA𝑖,𝑡 + 𝛽3 VAB𝑖,𝑡 + 𝛽4 AF𝑖,𝑡 + 𝛽5 EANC𝑖,𝑡 + 𝛽6 LG𝑖,𝑡 + 𝛽7 GFF𝑖,𝑡 + 𝛽8 𝑑𝑢𝑚𝑚𝑦𝑖,𝑡 (1)
𝑅𝑂𝐸𝑖,𝑡 = 𝛽0 + 𝛽1 EENC𝑖,𝑡 + 𝛽2 RA𝑖,𝑡 + 𝛽3 VAB𝑖,𝑡 + 𝛽4 AF𝑖,𝑡 + 𝛽5 EANC𝑖,𝑡 + 𝛽6 LG𝑖,𝑡 + 𝛽7 GFF𝑖,𝑡 + 𝛽8 𝑑𝑢𝑚𝑚𝑦𝑖,𝑡 (2)
𝐹𝐶𝐹𝑖,𝑡 = 𝛽0 + 𝛽1 EENC𝑖,𝑡 + 𝛽2 RA𝑖,𝑡 + 𝛽3 VAB𝑖,𝑡 + 𝛽4 AF𝑖,𝑡 + 𝛽5 EANC𝑖,𝑡 + 𝛽6 LG𝑖,𝑡 + 𝛽7 GFF𝑖,𝑡 + 𝛽8 𝑑𝑢𝑚𝑚𝑦𝑖,𝑡 (3)
𝐸𝑉𝐴®𝑖,𝑡 = 𝛽0 + 𝛽1 EENC𝑖,𝑡 + 𝛽2 RA𝑖,𝑡 + 𝛽3 VAB𝑖,𝑡 + 𝛽4 AF𝑖,𝑡 + 𝛽5 EANC𝑖,𝑡 + 𝛽6 LG𝑖,𝑡 + 𝛽7 GFF𝑖,𝑡 + 𝛽8 𝑑𝑢𝑚𝑚𝑦𝑖,𝑡 (4)
Onde:
ROAi,t – endibilidade do ativo, para a empresa i i=1,…, n , no momento t t=1,…,5 ;
ROEi,t – endibilidade do capital pr prio, para a empresa i i=1,…, n , no momento t t=1,…,5 ;
FCF i,t – ree cash flow, para a empresa i i=1,…, n , no momento t t=1,…,5 ;
EVA® i,t – Economic value added®, para a empresa i i=1,…, n , no momento t t=1,…,5 ;
EENC i,t – Estrutura do endividamento não corrente, para a empresa i i=1,…, n , no momento t
t=1,…,5 ;
RA i,t – otação do ativo, para a empresa i i=1,…, n , no momento t t=1,…,5 ;
VAB i,t – Valor acrescentado bruto, para a empresa i i=1,…, n , no momento t t=1,…,5 ;
AF i,t – Autonomia financeira, para a empresa i i=1,…, n , no momento t t=1,…,5 ;
EANC i,t – Estrutura do ativo não corrente, para a empresa i i=1,…, n , no momento t t=1,…,5 ;
LG i,t – Liquidez geral, para a empresa i i=1,…, n , no momento t t=1,…,5 ;
GFF i,t – Gastos financeiros de financiamento, para a empresa i i=1,…, n , no momento t t=1,…,5 ;
397
Dummy i,t - variáveis explicativas não financeiras (tipo de empresa, profissionalização da gestão,
sucessão de gerações, modelo de orporate Governance, EO e dimensão , para a empresa i i=1,…,
n , no momento t t=1,…,5 .
Resultados
Neste capítulo serão apresentados os resultados empíricos que dizem respeito ao tratamento da amostra
de 148 empresas ativas, consideradas, segundo os critérios apresentados anteriormente como EF e EnF.
Nesta região imperam as EF, com um peso de 77,7%. O setor predominante é o da viticultura, com
56,8% da amostra. O Distrito com maior peso é o de Vila Real, representando 52,7%, seguindo-se o de
Viseu com quase 38%. Em relação ao concelho, em primeiro lugar está S. João da Pesqueira com 17,6%,
com menos 1,4% segue-se o concelho de Peso da Régua e Alijó vem logo a seguir com 14,2% da amostra
em estudo. Não descorando o concelho de Sabrosa que tem uma percentagem de 10,8%, os restantes
concelhos têm uma supremacia abaixo de 10%. Foram retirados os outliers55 da amostra relativos às
variáveis dependentes ROA, ROE, EVA® e FCF por ano. De modo a eliminar-se os efeitos da
magnitude da escala de medida sobre os erros, foi necessário estandardizar os valores de forma que a
média se mantenha em zero e o desvio-padrão seja unitário.
55
Segundo Maroco (2018), outliers são observações extremas, não caraterísticas, que apresentam resíduos que são consideravelmente
superiores, em valor absoluto, aos resíduos das outras observações. Os efeitos dos outliers podem ser moderados ou extremos, o local onde se
encontra o outliers determina a severidade da sua influência sobre a estimação dos coeficientes de regressão.
398
Análise descritiva
Segue-se a análise descritiva dos dados que compreende a descrição estatística das variáveis e
indicadores de desempenho financeiro, apresentada na Tabela 32.
Tabela 32 – Estatísticas descritivas das variáveis explicativas globais no período entre 2012 e 2017
Média Média
Desvio
N Mínimo Máximo Média CAE CAE
Padrão
01210 11021
ROA (%) 758 -54 79 1,98 7,798 0,58 3,52
ROE (%) 758 -3620 11161 9,27 463,708 1,25 7,01
FCF (euros) 758 -348994,63 2994950,4 159914,51 348195,1003 -21800 62066,67
EVA® (euros) 750 -1278053,1 1948549,3 -3349,64 192512,798 -65994,997 -139515,21
EENC 750 0 1 0,4077 0,35368 0,491 0,3681
RA 758 0 5,58 0,3609 0,37202 0,1759 0,3942
VAB (euros) 704 -91543,88 2857988,4 33486,43 109938,15 16745,83 42796,67
AF 758 0 1 0,4485 0,24849 0,4192 0,5002
EANC 758 0 0,98 0,4773 0,26329 0,5717 0,4545
LG 745 0,07 399,19 5,9885 18,07479 1,1096 1,7305
GFF (euros) 758 0 687753,17 31044,96 78854,35 13016,67 53600
Nº empregados 704 1 76 9,34 10,219 4 10
RLE (euros) 758 -1538968,9 2406196,5 40336,518 234261,4 -6150 85483,33
CP (euros) 758 0,01 23061914 1361412,8 2983105,599 444216,67 2257833,3
AT (euros) 758 0,01 65272191 3216135,7 6604551,845 1056233,3 4518500
VN (euros) 758 0 46574591 1265924,8 4123130,635 184966,67 1779666,7
ROLI (euros) 758 -1239499,4 2133692,1 60623,954 227842,3186 4442 125096,5
WACC 758 -0,19 0,27 0,104795 5,278352
N válido 697
(listwise)
Notas: ROA: rácio de rendibilidade do ativo é uma medida de avaliação do desempenho económico da empresa; ROE: rácio de rendibilidade
do capital próprio é uma medida de avaliação do desempenho económico da empresa; FCF: free cash flow é um método de determinação do
valor da empresa; EVA®: Economic Value Added é uma medida de avaliação do valor económico da empresa; EENC: estrutura de
endividamento não corrente medido pela divisão do passivo não corrente pelo passivo total; RA: rotação do ativo medido pela divisão do
volume de negócios pelo ativo total; VAB: produtividade da mão-de-obra medida pela divisão do valor acrescentado bruto pelo número de
trabalhadores; AF: autonomia financeira medido pela divisão do capital próprio total sobre o ativo total; EANC: estrutura do ativo não corrente
medido pela divisão do ativo não corrente pelo ativo total; LG: liquidez geral medida pela divisão do ativo corrente pelo passivo corrente;
GFF: gastos financeiros de financiamentos medido pelo valor dos juros suportados; Nº empregados: corresponde ao número de empregados;
RLE: resultado líquido do exercício; CP: capital próprio; AT: ativo total; VN: volume de negócios; ROLI: resultado operacional líquido de
imposto; WACC: Weighted Average Cost of Capital é uma medida do custo do capital de financiamento de uma empresa.
Fonte: Elaboração própria
Analisando a Tabela 32, quanto aos indicadores ROA e ROE observou-se que, na globalidade do
período em estudo, estes indicadores não se encontram próximos dos apresentados pelo setor de
atividade, tendo por base os dados médios do período de 2012 a 2017, recolhidos dos quadros do setor
do Banco de Portugal em 02/09/2020 (Banco de Portugal, 2020).
No que se refere aos indicadores relacionados com os fluxos de caixa gerados, constata-se que,
as empresas, em média, geraram fluxos de caixa positivos provenientes das atividades operacionais.
Contudo, quanto à criação de valor, o indicador do valor agregado indica-nos que, em média as empresas
da amostra acabaram por destruir valor, uma vez que apresenta o sinal negativo. Esta situação revela
que, apesar dos indicadores ROE e ROA serem positivos os resultados obtidos pelas empresas foram
inferiores ao custo do capital investido, ou seja, os resultados obtidos ficaram aquém da espectativa do
rendimento pretendido pelos investidores. Dividindo a amostra no grupo das EF e EnF, pode-se observar
que, no que diz respeito às variáveis dependentes, para o período em análise de 2012 a 2017, as EF
apresentam, em média, melhores rácios de rendibilidade do ativo e do capital próprio do que as EnF (ver
399
Tabela 33, a qual apresenta uma comparação das EF com as EnF). As EnF apresentam, em média, valores
negativos nos indicadores ROA, ROE e FCF.
Apura-se que nas EF da amostra, a rendibilidade dos ativos foi, no período em análise de,
aproximadamente 0,0212, o que significa que o ativo destas empresas contribuiu, em média e
aproximadamente 2,12% para o resultado (Tabela 33). Quanto às EnF da amostra, a rendibilidade dos
ativos foi negativa de 1,20%, logo, o ativo destas empresas contribuiu negativamente para o resultado
operacional. Da mesma forma pode-se concluir que a rendibilidade dos capitais próprios das EF da
amostra em estudo contribuiu positivamente 10,93% para o resultado operacional das empresas, quanto
às EnF, o capital próprio contribuiu negativamente para o resultado das empresas em 5,35%. O FCF das
EF apresenta, em média valores positivos, enquando que o FCF das EnF da amostra em estudo confirma
que em média apresenta valores negativos. Também aferimos que, tanto as EF como as EnF da RADV
apresentam criação de valor, uma vez que os valores são em média positivos.
De igual modo se valida que as EF exercem domínio na região em análise.
400
34 os principais resultados, que efetivamente apresentaram alguma significância estatística, assim como
os respetivos modelos associados às hipoteses de investigação e validação ou rejeição das mesmas.
Modelo 1 2 3 5 1 2 1 1 2
Ano 2017 2017 2016 2017 2017 2017 2016 2015 2017
Var. Dependente ROA ROA ROA ROA ROE ROE FCF EVA® EVA®
Constante -0,008 0,014 0,003 0,002 0,016 0,063* 0,038*** -0,021** -0,003*
EENC 0,013* 0,014** 0,007 0,014** 0,046** 0,051** 0,008 0,003 0,012*
RA 0,034*** 0,036*** 0,025** 0,036*** 0,076*** 0,075*** 0,021*** 0,027*** 0,026***
VAB 0,075** 0,07** 0,081** 0,062** 0,202** 0,19** 0,086*** 0,129*** 0,075**
AF 0,019* 0,018* 0,03** 0,021** 0,011 0,008 0,017** -0,004 -0,003
EANC 0,004 0,004 -0,008 0,005 -0,004 -0,006 0,001 -0,001 0,001
LG -0,045** -0,043** -0,001 -0,048** -0,068** -0,075** -0,001 -0,008 -0,047**
GFF -0,019 -0,018* -0,021** -0,016* -1,925* -2,129** -0,011 -0,014** -0,016*
Dummy (te) 0,036** 0,036** 0,021* 0,058** 0,064** 0,064** 0,039** 0,035** 0,035**
Dummy (prof) - -0,029** - - - -0,062** - - -0,022*
Dummy (sg) - - 0,037** - - - - - -
Dummy (mcg) - - - - - - - - -
Dummy (ceo) - - - -0,034* - - - - -
Dummy (dim) - - - - - - - - -
R2 0,343 0,376 0,466 0,360 0,352 0,384 0,391 0,446 0,402
Adjusted R2 0,296 0,325 0,422 0,308 0,304 0,332 0,345 0,407 0,353
Durbin-Watson 2,140 2,139 1,893 2,060 2,405 2,484 2,109 2,099 2,121
Estatística F 7,252 7,368 10,667 6,887 7,346 7,406 8,517 11,451 8,281
p-value <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001
Máximo VIF 1,640 1,644 1,638 2,119 1,943 1,944 1,501 1,344 1,792
Hipótese H1 H2 H3 H5 H1 H2 H1 H1 H2
Resultado Aceite Rejeitada Aceite Rejeitada Aceite Rejeitada Aceite Aceite Rejeitada
Observações 120 120 120 120 117 117 115 123 121
Notas: ROA: rácio de rendibilidade do ativo é uma medida de avaliação do desempenho económico da empresa; ROE: rácio de rendibilidade do
capital próprio é uma medida de avaliação do desempenho económico da empresa; FCF: free cash flow é um método de determinação do valor da
empresa; EVA®: Economic Value Added é uma medida de avaliação do valor económico da empresa; EENC: estrutura de endividamento não corrente
medido pela divisão do passivo não corrente pelo passivo total; RA: rotação do ativo medido pela divisão do volume de negócios pelo ativo total;
VAB: produtividade da mão-de-obra medida pela divisão do valor acrescentado bruto pelo número de trabalhadores; AF: autonomia financeira medido
pela divisão do capital próprio total sobre o ativo total; EANC: estrutura do ativo não corrente medido pela divisão do ativo não corrente pelo ativo
total; LG: liquidez geral medida pela divisão do ativo corrente pelo passivo corrente; GFF: gastos financeiros de financiamentos medido pelo valor
dos juros suportados; dummy (te): tipo de empresa; dummy (prof): profissionalização na gestão; dummy (sg): sucessão de gerações; dummy (mcg):
modelo Corporate Governance; dummy (dim): dimensão.
*** Significativo 1%. ** Significativo 5%. * Significativo 10%.
Fonte: Elaboração própria
401
<0,001 e uma relação positiva. Tal como na rendibilidade dos ativos e no EVA®, também na
rendibilidade dos capitais próprios a variável independente associada à profissionalização da gestão
apresenta significância estatistica a um nível de significância de 5% e uma relação inversa na regressão.
A regressão do FCF apenas apresenta estatistica significativa para o modelo 1 no ano de 2016 e
os valores são semelhantes às restantes variáveis explicadas.
Os resultados encontrados para o proxy EVA®, apresentam estatistica significativa para o modelo
1 e 2 no ano de 2015 e 2017, os resultados das variáveis vão de encontro com as restantes regressões
lineares.
Analisando os resultados apresentados, quanto à variável tipo de empresa, conciliando com a
literatura e a globalidade dos estudos empíricos atuais consultados, demonstra-se que as empresas
familiares da Região do Alto Douro Vinhateiro, comparando as EF com as EnF, tendem, em média e de
acordo com os resultados obtidos, a apresentarem melhor desempenho económico-financeiro,
corroborando a hipótese 1. As EF desta região são, na sua maioria, centenárias prevalecendo o
conservadorismo. Chi et al. (2009) defendem que uma governança adequada resulta numa melhor
condução da gestão da empresa e consequentemente favorecerá o desempenho económico-financeiro da
mesma. Deste modo, esta conclusão garante a hipótese 1, assim como confirma o que alguns autores
demonstraram nos seus estudos (v.g. Fitó et al., 2013; Santiago et al., 2019). Tal como Block et al.
(2011), consegue-se comprovar a existência de uma relação positiva entre a estrutura do endividamento
não corrente e o desempenho económico-financeiro das empresas em estudo.
A variável rotação do ativo apresenta uma relação positiva, o que denota que quanto maior for,
maior é a eficiência com que as empresas estão a gerar as suas vendas. Tais resultados vão de encontro
aos obtidos por Fitó et al. (2013). A variável valor acrescentado bruto é extremamente significativa,
assim como o sinal da variável é o expectável, apresentando sempre um sinal positivo. Deste modo,
revela que um incremento de uma unidade do VAB da empresa, contribui positivamente para o
incremento do desempenho destas. O resultado vai de encontro à conclusão de Lehmann e Wohlrabe
(2013), que consideram o VAB como um agregado económico de previsão confiável.
A variável autonomia financeira, apresenta uma relação inversa, significando que o ativo das
empresas em estudo não é suficientemente financiada pelos capitais próprios das empresas, logo, poderá
por em causa questões importantes como a continuidade e sobrevivência da empresa (Gozer et al., 2006).
A variável estrutura do ativo não corrente, não se mostrou muito significativa nos modelos, pelo que, de
acordo com Allen, Babus, e Carletti (2013) no estudo sobre a capacidade dos ativos, vencimento da
dívida e risco sistémico, que descreve a estrutura de ativos não corrente como uma variável considerada
irrelevante para o desempenho da empresa relativamente às dívidas de longo prazo.
A variável liquidez geral, não é estatisticamente significativa na maioria dos modelos, assim como
o sinal da variável em todos eles é negativo. Denota que quanto menor for a LG, os fundos utilizáveis
pela empresa dificilmente cobrem as dívidas a curto prazo, pelo que poderá haver risco de problemas
com a tesouraria. O resultado alcançado é diferente ao obtido por Tsuruta (2020) e Waldkirch (2020),
que afirmam que a liquidez geral tem uma relação positiva no desempenho. A variável gastos financeiros
de financiamento, é estatisticamente significativa na generalidade dos modelos, assim como o sinal da
variável em todos os modelos, é maioritariamente negativo. O resultado alcançado não é igual ao obtido
por Anderson e Reeb (2003). Pela análise aos resultados na Erro! A origem da referência não foi e
ncontrada., pode-se concluir que estes são corroborados pela literatura (v.g. Fitó et al., 2013; Santiago
et al., 2019), em todas as variáveis dependentes analisadas, seja ROA, ROE, FCF e EVA®,
corroborando assim a hipótese 1.
Quanto à variável profissionalização da gestão, esta não é estatisticamente significativa e o sinal
apresentado é contrário ao espectável. Apresenta um coeficiente padronizado negativo sobre a variável
dependente e contrariando os resultados obtidos pelos autores Madison et al. (2018). Verifica-se que, ao
contrário do que se postulou na hipótese 2, as EF que adotaram a profissionalização na gestão não
apresentam melhor desempenho económico-financeiro, declinando assim as expectativas.
Assim, relativamente à hipótese 2, a mesma não pode ser validada, dado que o sinal obtido não
coincide com o sinal da literatura (v.g. Madison et al., 2018; Stewart & Hitt, 2012) e esperado, como é
estatisticamente significativa a um nível de significância de 5%, denota que as EF em estudo, com
profissionalização na gestão apresentam um desempenho económico-financeiro pior face às EnF. Na
hipótese 3, é apenas validada para no modelo com a variável dependente ROA. Neste modelo o
402
desempenho financeiro é influenciado pela sucessão de uma geração para a seguinte nas EF,
apresentando assim sinal ao esperado, sendo estatisticamente significativa a um nível de significância
de 5% e idêntico ao reportado na literatura (v.g. Zybura et al., 2020; Tsuruta, 2020; Smith & Amoako-
Adu, 1999), pelo que se valida a hipótese 3.
Relativamente à variável modelo de corporate governance, esta não é estatisticamente
significativa e o sinal apresentado é contrário ao espectável. Este resultado está de acordo com o
analisado no estudo realizado por Berg (2002), contrariando Al-ahdal et al. (2020) e Briano-Turrent e
Poletti-Hughes (2017) que haviam concluído que a governança corporativa tem uma relação positiva
com o desempenho das empresas. O impacto no desempenho económico-financeiro, quando existe um
modelo de corporate governance, nas EF melhor do que nas EnF, associado à hipótese 4, não pode ser
validado uma vez que a dummy associada não se revela estatisticamente significativa em nenhuma das
variáveis proxy utilizadas para o desempenho, embora o sinal coincida com o da literatura (v.g. Berg,
2002; Briano-Turrent & Poletti-Hughes, 2017; Al-ahdal et al., 2020; Catapan & Douglas, 2014).
No que respeita à variável CEO, esta não é estatisticamente significativa, o sinal apresentado não
é contrário ao espectável porque pretendia-se saber de que forma o CEO ser interno (familiar) tem
influência no desempenho económico-financeiro. Além da influência ser moderada, o coeficiente do
modelo, que testa esta variável, não é estatisticamente significativo. Estes resultados corroboram com
os resultados obtidos por Anderson e Reeb (2003) e Tiscini e Raoli (2013), os quais também não
validaram a hipótese de que o desempenho económico-financeiro das empresas é influenciado
positivamente pelo facto da empresa ter um CEO externo.
Embora, o coeficiente seja estatisticamente significativo, somente a um nível de significância de
8,9%, para o indicador ROA e o seu sinal ser contrário à literatura (v.g. Berg, 2002; Anderson & Reeb,
2003), rejeita-se a hipótese 5. Quanto à hipótese 6, em que se pretende comprovar que as EF
consideradas microempresas apresentam um melhor desempenho económico-financeiro
comparativamente às pequenas e médias EF, embora o sinal obtido coincida, quer com a literatura (v.g.
Massis et al., 2013; Santos & Rodrigues, 2012), quer com o esperado, não se apresenta estatisticamente
significativo em nenhuma das variáveis dependentes estudadas, seja ROA, ROE, FCF e EVA®. Assim
a hipótese 6 não é validada, pelo que, a dimensão da EF (microempresas ou pequenas empresas) não
afeta o seu desempenho.
Conclusão
O presente estudo teve como preocupação a análise ao desempenho económico-financeiro das EF e EnF,
viticultoras e produtoras de vinhos licorosos, da Região do Alto Douro Vinhateiro. A falha que se
pretende colmatar na literatura encontrada, tem a ver com a especificidade de selecionar apenas um
sector de atividade e a região onde estão inseridas as empresas da amostra. Para alcançar os objetivos
propostos, a pesquisa discorreu numa análise quantitativa e qualitativa. A análise dos dados através da
regressão, procurou sustentar, através do modelo de regressão linear multivariada, os modelos
econométricos estatisticamente significativos. Utilizaram-se os indicadores convencionais, largamente
aplicados na literatura como foi possível comprovar, denominado pelo ROA, ROE, FCF e EVA® e na
expectativa de contrastar o desempenho económico-financeiro das EF e EnF da RADV.
Analisadas as variáveis de desempenho aqui testadas, pode-se concluir que, aqueles que exercem
maioritariamente domínio positivo no desempenho económico-financeiro das empresas da amostra são:
a estrutura do endividamento não corrente, a rotação do ativo, valor acrescentado bruto, a autonomia
financeira, a estrutura do ativo não corrente e a sucessão de gerações. Relativamente à profissionalização
da gestão, a existência de uma modelo de corporate governance, a liquidez geral e os gastos financeiros
de financiamento, apresentam uma relação negativa na determinação do desempenho económico-
financeiro. Quanto à dimensão das empresas e o facto de existir um CEO interno na EF, ambas
apresentam quer valores positivos quer negativos nos modelos e respetivos anos em análise, contudo
sem significância estatística para o estudo.
Em suma, conciliando com a literatura e a globalidade dos estudos empíricos atuais, demonstra-
se que as EF da Região do Alto Douro Vinhateiro tendem, em média, a apresentar melhores
desempenhos económicos comparativamente às EnF, validando as expectativas iniciais. A principal
limitação da presente investigação prende-se com a dificuldade na obtenção de dados financeiros e não
403
financeiros suficientes e fiáveis. Constata-se uma enorme falha na comunicação com as empresas,
primeiramente no que concerne à recetividade, os sócios, diretores, gerentes ou funcionários que
atenderam as chamadas, revelaram alguma apreensão e desinteresse em responder ao inquérito; por
conseguinte, quando questionados sobre o conceito de EF e como classificava a sua empresa,
demonstraram alguma insipiência.Os resultados também podem estar condicionados pela especificação
menos apropriada de algumas das variáveis explicativas como o modelo de Corporate Governance e
sucessão de gerações, em parte pelo método de recolhas de dados para a construção desta variável.
Como sugestão para investigações futuras, sugere-se dar continuidade ao presente estudo, em
termos de atualização do período de análise e comparação de resultados. Também se aponta, como linha
de investigação futura, proceder-se à mesma investigação, de análise económico-financeiro das EF
comparativamente às EnF, para outras regiões vitivinícolas existentes em Portugal e fazer uma análise
comparativa aos resultados encontrados.
Não obstante, ressalta-se a necessidade em empreender novas pesquisas relacionadas com a atual
situação gerada pelo novo coronavírus SARS-COV-2, uma vez que o impacto na economia é mundial,
de salientar: estudar como o impacto da pandemia coronavírus no ecossistema da EF é abrangente e
deve ser analisado numa perspetiva sistémica que considere a empresa, os acionistas e a família
empresária (Familiares & Costa, 2020). Seria também interessante refletir sobre o impacto climático nas
operações vinícolas e a sua influência na performance das empresas deste sector de atividade e comparar
entre regiões de Portugal.
Referências
404
Chi, W., Liu, C., & Wang, T. (2009). What affects accounting conservatism: A corporate governance
perspective. Journal of Contemporary Accounting and Economics, 5(1), 47–59.
https://doi.org/10.1016/j.jcae.2009.06.001
Correia, S. I. F. (2013). Determinantes do Desempenho Económico das Empresas Familiares
Portuguesas: Será a Inovação Relevante? Universidade do Porto.
Correia, T. P. dos S. (2003). Determinantes da Estrutura de Capital das Empresas Familiares
Portuguesas. Universidade do Algarve.
Cunha, M. P., Rego, A., Cunha, A. D., & Fernandes, F. (2017). Como Liderar Empresas Familiares (L.
de Papel (Ed.); 1a).
Familiares, E., & Costa, A. N. (2020). O Impacto da Pandemia Coronavírus no Ecossistema da Empresa
Familiar. https://doi.org/efconsulting.pt/2020/04/03/o-impacto-da-pandemia-coronavirus-no-
ecossistema-da-empresa-familiar/
Fan, J. P. H., & Leung, W. S. C. (2020). The impact of ownership transferability on family firm
governance and performance: The case of family trusts. Journal of Corporate Finance,
61(September), 101409. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2018.09.004
Fernandes, A., & Ussman, A. M. (2013). The learning ability of Portuguese small family businesses.
International Journal of Entrepreneurship and Innovation Management, 17(1/2/3), 105.
https://doi.org/10.1504/IJEIM.2013.055219
Fernandes, C., Vieira, E., Neiva, J., & Peguinho, C. (2016). Análise Financeira - Teoria e Prática (M.
Robalo (Ed.); 4a).
Fitó, M. À., Moya, S., & Orgaz, N. (2013). The debate on rented assets capitalization: The economic
impact on family firms. Journal of Family Business Strategy, 4(4), 260–269.
https://doi.org/10.1016/j.jfbs.2013.10.001
Fortuna, M., & Maciel, R. (2018). Estimação do Valor Acrescentado Bruto das Atividades
Características do Turismo utilizando Contas Satélite – Açores. 04.
Gama, A. P. da. (2012). Performance Empresarial - Conceito, abordagens e métodos de avaliação (P.
Editora (Ed.)).
Gozer, I., Gimenes, R., Campos, G., Pricila, A., & Junior, R. (2006). A Importância do
Autofinanciamento para o Financiamento do Processo de Expansão das Cooperativas
Agropecuárias.
Hamid, M. A., Abdullah, A., & Kamaruzzaman, N. A. (2015). Capital Structure and Profitability in
Family and Non-Family Firms: Malaysian Evidence. Procedia Economics and Finance, 31(15),
44–55. https://doi.org/10.1016/s2212-5671(15)01130-2
Júnior, A. N. (2003). Empresas Familiares e o Processo Sucessório. Universidade Federal de Santa
Catarina.
Lehmann, R., & Wohlrabe, K. (2013). Munich Personal RePEc Archive Sectoral gross value-added
forecasts at the regional level: Is there any information gain? Sectoral gross value-added
forecasts at the regional level : Is there any information gain ? 46765.
Luan, C. J., Chen, Y. Y., Huang, H. Y., & Wang, K. S. (2018). CEO succession decision in family
businesses – A corporate governance perspective. Asia Pacific Management Review, 23(2),
130–136. https://doi.org/10.1016/j.apmrv.2017.03.003
Lunardi, M. A., Barbosa, E. T., Rodrigues Junior, M. M., Silva, T. P. da, & Nakamura, W. T. (2017).
Criação de Valor no Desempenho Econômico de Empresas Familiares e Não Familiares
Brasileiras. Revista Evidenciação Contábil & Finanças, 5(1), 94–112.
https://doi.org/10.18405/recfin20170106
Madison, K., Daspit, J. J., Turner, K., & Kellermanns, F. W. (2018). Family firm human resource
practices: Investigating the effects of professionalization and bifurcation bias on performance.
Journal of Business Research, 84(June 2017), 327–336.
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.06.021
Maroco, J. (2018). Análise Estatística com o SPSS Statistics (ReportNumber (Ed.); 7a).
405
Marschner, P., Dutra, V., & Ceretta, P. (2019). Alavancagem financeira e rentabilidade nas empresas
brasileiras listadas na B3. Revista Universo Contábil, 15(2), 44–58.
https://doi.org/10.4270/ruc.2019211
Martí, J., Menéndez-Requejo, S., & Rottke, O. M. (2013). The impact of venture capital on family
businesses: Evidence from Spain. Journal of World Business, 48(3), 420–430.
https://doi.org/10.1016/j.jwb.2012.07.025
Massis, A., Kotlar, J., Campopiano, G., & Cassia, L. (2013). Dispersion of family ownership and the
performance of small-to-medium size private family firms. Journal of Family Business Strategy,
4(3), 166–175. https://doi.org/10.1016/j.jfbs.2013.05.001
Mazzi, C. (2011). Family business and financial performance: Current state of knowledge and future
research challenges. Journal of Family Business Strategy, 2(3), 166–181.
https://doi.org/10.1016/j.jfbs.2011.07.001
Nabais, C., & Nabais, F. (2005). Prática Financeira I - Análise Económica & Financeira (Lidel (Ed.);
2a).
Neves, J. C. (2000a). Análise Financeira - Vol. I Técnicas Fundamentais (T. Editora (Ed.); 12a).
Neves, J. C. (2000b). Análise Financeira - Vol. II Avaliação do Desempenho Baseada no Valor (T.
Editora (Ed.); 1a).
Neves, J. C. (2011). Avaliação e Gestão da Performance Estratégica da Empresa (TextoEditores (Ed.);
2a).
Olival, C. R. (2011). Análise financeira: o caso da Opticentro.
https://ubibliorum.ubi.pt/handle/10400.6/3024
Porfírio, J. A., Felício, J. A., & Carrilho, T. (2020). Family business succession: Analysis of the drivers
of success based on entrepreneurship theory. Journal of Business Research, 115(June 2019),
250–257. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2019.11.054
Saksonova, S. (2013). Approaches to Improving Asset Structure Management in Commercial Banks.
Procedia - Social and Behavioral Sciences, 99, 877–885.
https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2013.10.560
Santiago, A., Pandey, S., & Manalac, M. T. (2019). Family presence, family firm reputation and
perceived financial performance: Empirical evidence from the Philippines. Journal of Family
Business Strategy, 10(1), 49–56. https://doi.org/10.1016/j.jfbs.2019.02.002
Santos, D. (2014). Alavancagem e Desempenho Financeiro: Uma Análise Comparativa. Revista de
Administração e Contabilidade, September.
http://www.fat.edu.br/reacfat.com.br/index.php/reac/article/view/96
Santos, D., & Rodrigues, S. (2012). Estrutura de Capital e Determinantes do Desempenho Financeiro
das Empresas Sustentáveis da BM&FBOVESPA.
Sharma, A. K., & Kumar, S. (2010). Effectiveness of Economic Value Added (EVA) and Conventional
Performance Measures - Evidences from India. IIMS Journal of Management Science, 1(1), 60–
78.
Sharma, P. (2004). An Overview of the Field of Family Business Studies: Current Status and Directions
for the Future. Family Firm Institute, Inc, XVII(1).
Sharma, P., Chrisman, J., & Chua, J. (1997). Strategic management of the family business: Past research
and future challenges. Family Business Review, 10(1), 35. https://doi.org/10.1111/j.1741-
6248.1997.00001.x
Silva, Alini da, Floriani, R., & Hein, N. (2013). Influência do Desempenho Econômico Financeiro nas
Inovações Tecnológicas de Empresas Brasileiras de Capital Aberto da Construção Civil. Journal
of Chemical Information and Modeling, 53(9), 1689–1699.
Sindhu, M. I. (2014). Relationship between free cash flow and dividend: Moderating role of firm size.
Research Journal of Finance and Accounting, 5(5), 16–23.
406
Smith, B. F., & Amoako-Adu, B. (1999). Management succession and financial performance of family
controlled firms. Journal of Corporate Finance, 5(4), 341–368. https://doi.org/10.1016/s0929-
1199(99)00010-3
Stewart, A., & Hitt, M. A. 2012 . Why an’t a amily Business Be More Like a Nonfamily Business?:
Modes of Professionalization in Family Firms. Family Business Review, 25(1), 58–86.
https://doi.org/10.1177/0894486511421665
Tiscini, R., & Raoli, E. (2013). Stock option plan practices in family firms: The idiosyncratic private
benefits approach. Journal of Family Business Strategy, 4(2), 93–105.
https://doi.org/10.1016/j.jfbs.2013.03.001
Tsuruta, D. 2020 . Japan’s elderly small business managers: erformance and succession. Journal of
Asian Economics, 66(September 2019), 101147. https://doi.org/10.1016/j.asieco.2019.101147
Unesco. (2020). Património Mundial - Alto Douro Vinhateiro. Unesco.
https://unescoportugal.mne.gov.pt/pt/temas/proteger-o-nosso-patrimonio-e-promover-a-
criatividade/patrimonio-mundial-em-portugal/alto-douro-vinhateiro
Urquidy, M., Barceló, J., & Boza, M. (2018). The Impact of Economic and Financial Management
Practices on the Performance of Mexican Micro-Enterprises: A Multivariate Analysis. Review
of Business Management, 319–337. https://doi.org/10.7819/rbgn.v20i3.3518
Ussman, A. M. (2004). Empresas Familiares (Sílabo (Ed.); 1a).
Waldkirch, M. (2020). Non-family CEOs in family firms: Spotting gaps and challenging assumptions
for a future research agenda. Journal of Family Business Strategy, 11(1), 100305.
https://doi.org/10.1016/j.jfbs.2019.100305
Weng, T. C., & Chi, H. Y. (2019). Family succession and business diversification: Evidence from China.
Pacific Basin Finance Journal, 53(September 2018), 56–81.
https://doi.org/10.1016/j.pacfin.2018.09.001
Wielsma, A. J., & Brunninge, O. 2019 . “Who am I? Who are we?” nderstanding the impact of family
business identity on the development of individual and family identity in business families.
Journal of Family Business Strategy, 10(1), 38–48. https://doi.org/10.1016/j.jfbs.2019.01.006
Xavier, D. O., Souza, A. A. de, & Avelar, E. A. (2020). Determinantes do Desempenho Económico-
Financeiro de Operadoras de Planos de Saúde. Revista de Administração e Inovação Hospitalar,
16(1), 48–67.
Xavier, R. (2017). Sucessão Familiar na Empresa, A empresa familiar como objeto da sucessão mortis
causa (U. Católica (Ed.)).
Zagd, C., & Melld, G. R. de. (2005). A Influência da Liquidez na Rentabilidade das Empresas Listadas
no Índice Bovespa. Revista de Contabilidade e Finanças, 38, 7–19.
Zybura, J., Zybura, N., Ahrens, J. P., & Woywode, M. (2020). Innovation in the post-succession phase
of family firms: Family CEO successors and leadership constellations as resources. Journal of
Family Business Strategy, 100336. https://doi.org/10.1016/j.jfbs.2020.100336
407
Impacto da localização geográfica na performance das empresas do setor
do turismo em Portugal
Introdução
Na literatura é possível encontrar vários estudos sobre a performance das empresas e os seus
determinantes, porém não se tem estudado muito a relação entre a performance económico-financeira
das empresas e a localização geográfica das empresas. Neste sentido a questão que se pretende dar
resposta ao longo do presente trabalho, sendo pergunta de partida, é se a localização das empresas afeta
o seu desempenho (performance) económico financeiro? Deste modo o presente estudo tem como
objetivo principal verificar se a localização geográfica das empresas afeta o seu valor e
consequentemente a sua performance económico-financeira. Para determinar a performance das
empresas utiliza-se o indicador EVA® (Economic Value Added). A amostra é constituída por empresas
ativas localizadas em Portugal com o CAE Classificação Portuguesa das Atividades Económicas
408
Revisão 3 (CAE-ver.3), secção I - Alojamento, restauração e similares, divisão 55 - Alojamento. Os
dados financeiros e não financeiros das empresas da amostra foram obtidos da base dados Sistema de
Análise de Balanços Ibéricos (SABI) para o período 2011 a 2020. Como indicador da performance
económico-financeira usou-se o modelo de criação de valor EVA®, por considerar que esta é uma
medida de avaliação da performance de fácil aplicação e em consideração crescente pela comunidade
académica e prática.
O que se espera com este estudo é verificar se a localização geográfica está positivamente
relacionada com a performance das empresas; se as empresas localizadas no litoral de Portugal
apresentam melhor desempenho do que as que se localizam no interior. Para tal recorreu-se ao método
de regressão linear múltipla, a análise univariada de variância (ANOVA).
O presente trabalho está estruturado em três secções, além desta introdução e da conclusão. Na
secção que se segue procede-se ao enquadramento teórico das temáticas relacionadas com a
problemática em estudo, nomeadamente a definição do conceito de performance económico-financeira
das empresas (desempenho económico-financeiro), os métodos de medição da performance, com enfase
no método de criação de valor EVA® e sobre os estudos sobre a localização geográfica das empresas e
o desempenho destas. Segue-se a secção onde se descreve a metodologia, referindo-se os objetivos do
estudo, as hipóteses de investigação, a seleção da amostra e os métodos de tratamento dos dados. Na
secção 3, apresenta-se e analisa-se os resultados obtidos na validação das hipóteses formuladas.
Termina-se com as principais conclusões, limitações e sugestões para investigação futura.
Enquadramento Teórico
409
económico-financeiro está relacionada com a informação contabilística proveniente das demonstrações
financeiras, como é o caso do balanço, demonstração de resultados e demonstração de fluxos de caixa.
Os critérios de avaliação do desempenho dividem-se em dois grupos: (i) métodos de avaliação de
desempenho tradicional e (ii) métodos de avaliação de desempenho com base na criação de valor. A
avaliação de desempenho, pelo método tradicional, é feita através de um conjunto de documentos
contabilísticos, as demonstrações financeiras, como é o caso de balanço, demonstração de resultados e
demonstração de fluxo de caixa (Teixeira & Amaro, 2013). Os indicadores tradicionais de avaliação da
performance, mais abordados na literatura, segundo Neves (2011), Scheel (1997), e Teixeira e Amaro
(2013) são a rendibilidade de capital próprio (ROE), a rendibilidade dos ativos (ROA) e o lucro por ação
(EPS).
A Rendibilidade dos Capitais Próprios (ROE), é um indicador usado para medir o sucesso de uma
empresa na geração de lucros para os seus acionistas. Segundo Amat (2002), este indicador pode ser
comparado com o custo de oportunidade dos acionistas. De Wet e Du Toit (2007) argumentam que o
ROE é uma medida de desempenho a curto prazo podendo o seu foco levar uma empresa a ignorar
oportunidades de crescimento a longo prazo que possam aumentar o valor dos acionistas. Fernandez
(2005) constatou que o ROE, calculado pela divisão do lucro do ano pelo valor contabilístico das ações,
não é considerado como rendibilidade para o acionista, defendendo ainda que nenhuma medida baseada
em dados contabilísticos (como ROE) pode ter a ver com a rendibilidade para o acionista. Fernandez
(2005) refere ainda que a rendibilidade para os acionistas é o aumento do valor para os acionistas,
dividido pelo seu capital investido.
Segundo Ichsani e Suhardi (2015) o retorno do ativo ou rendibilidade do ativo (ROA), muitas
vezes chamado de retorno sobre o investimento (ROI), mede a eficácia geral da gestão na geração lucros
com seus ativos disponíveis. O ROA é considerado um indicador mais adequados para avaliar o
desempenho económico de uma empresa, dado que não é influenciado pela sua estrutura de
financiamento (Neves, 2002). De acordo com Neves (2000), este é um indicador simples que sintetiza
tudo o que pode afetar o desempenho de uma divisão ou de uma empresa, podendo medir a eficiência
do gestor divisional ou do gestor da empresa na utilização dos capitais da mesma para gerar lucros e ser
usado como medida de comparação entre divisões da empresa e como forma de benchmarking da
empresa com a concorrência.
O lucro por ação, em inglês Earnings per share (EPS), é um dos importantes indicadores
utilizados por investidores atuais e potenciais para avaliar a rentabilidade da empresa (Atidhira &
Yustina, 2017). Tem como objetivo julgar a eficiência da empresa em explorar os fundos dos acionistas
e o seu sucesso em maximizar a riqueza dos proprietários. Este indicador também pode ser usado para
avaliar os preços das ações ordinárias e avaliar a capacidade da empresa para cobrir e pagar dividendos
(Al-Awawdeh & Al-Sakini, 2018). O EPS representa o resultado de uma organização num determinado
período de tempo, dividido pelo número de ações em circulação, que permite evidenciar o retorno por
cada título que os proprietários possuem (Machado, 2020).
Estes métodos baseados na contabilidade, têm sido considerados como inadequados, uma vez que
as empresas começaram a concentrar-se no valor do acionista, como principal objetivo de longo prazo
da empresa e estas não têm em conta os fatores que impulsionam o valor para os acionistas (Venanzi,
2010). De salientar ainda que, estes indicadores permitem avaliar o que já aconteceu no passado e não
o que poderá acontecer no futuro. Além disso, os indicadores tradicionais são ainda criticados por não
incorporarem, no seu cálculo, o custo de oportunidade. De referir também que estes ao basearem-se nos
dados extraídos dos documentos contabilísticos, estão sujeitos a regras contabilísticas que provocam
distorções ou manipulação de resultados (Bognárová, 2017). Para além disso, as regras contabilísticas
variam de empresa para empresa, pelo que se torna mais complicada a comparação de resultados entre
empresas concorrentes. Por exemplo, existem vários métodos para contabilizar as depreciações e
amortizações e também vários critérios de valorizar as existências, o que provoca diferentes níveis de
desempenho. Para Ehrbar (1998) as medidas tradicionais de análise de desempenho utilizadas, tais como
resultado por ação, resultado do líquido e retorno sobre investimento, não são medidas suficientemente
claras e consistentes.
Em resposta às críticas mencionadas, surgiram novos métodos de avaliação de performance
empresarial voltados para a criação de valor. Segundo Teixeira, Mata, Pardal e Teixeira (2012) o
conceito de criação de valor está associado à capacidade dos excedentes criados pelo negócio serem
410
capazes não só de cobrir os custos decorrente da atividade, mas também de obterem uma rendibilidade
superior à remuneração exigida pelos proprietários e pelas instituições financeiras. As medidas de
desempenho, baseadas no valor, são medidas financeiras cujo objetivo é auxiliar os gestores e
investidores evidenciando se a empresa está na direção da criação ou destruição de valor (Corrêa, Neto,
& Lima, 2013). De acordo com Fernández (2001) uma empresa só cria valor, para os seus acionistas,
quando o retorno dos acionistas excede o custo do capital próprio ou o custo do património líquido. Caso
contrário verifica-se que a empresa está a destruir valor para os seus acionistas. Atualmente, existe um
conjunto diversificado de perspetivas para a avaliação de desempenho financeiro não havendo, contudo,
unanimidade quanto aos indicadores a utilizar. Assim, alguns autores (v.g. Neves, 2011; Teixeira, 2016)
consideram que os diferentes indicadores da avaliação do desempenho financeiro, na ótica da criação
de valor, podem ser, por exemplo, o Economic Value Added (EVA®); o Refined Value Added
(REVA®); o Cash Value Added (CVA); Market Value Added (MVA); o Cash Flow Return on
Investment (CFROI); ou o Shareholder Value Added (SVA).
Dado que o EVA® é uma das medidas de aplicação prática mais simples, para medir a
performance das empresas, de seguida aborda-se este método de forma mais pormenorizada.
411
investidores. Bhasin e Shaikh (2013), citando Stewart (1994), argumentam que o EVA® é uma medida
superior em comparação com outras medidas de desempenho em quatro pontos, a saber:
• Está mais próximo do fluxo de caixa real da organização.
• É fácil de calcular e entender.
• Tem uma correlação maior com o valor de mercado da empresa.
• Pode ser aplicado nos benefícios e recompensas dos funcionários, lEVA®ndo à harmonização
da gestão e dos interesses dos acionistas, e, assim, reduz a contradição entre eles.
Para Shah, Haldar e Nageswara (2015) o EVA® fornece informações adicionais aos investidores
e pode ser adaptado como uma filosofia corporativa. EVA® pode ser usado como uma melhor medida
de desempenho da empresa para motivar e educar os funcionários para diferenciar atividades de criação
de valor daquelas que destroem valor.
De forma mais simplificada, o EVA® é definido como a diferença entre o resultado operacional
líquido de imposto (NOPAT- Net Operating Profit After Taxes) de uma empresa e seu custo de capital
(Panigrahi, 2017). Assim, para calcular EVA® são necessários os seguintes passos (Berzakova et al.,
2015):
1. Calcular o resultado operacional líquido de impostos (NOPAT);
2. Identificar o valor do capital que representa o financiamento indispensável às operações da
empresa, ou seja, todos aos ativos necessários para a operação principal
3. Determinar a média ponderada do custo de capital (WACC), obtido através dos capitais
próprios e de terceiros.
Segundo Teixeira e Amaro (2013) o valor do EVA® é interpretado de seguinte forma:
• Se EVA® for positivo (EVA® > 0), a empresa está a gerar rendibilidade superior ao custo do
capital investido na sua atividade, havendo criação de valor.
• Se EVA® for negativo (EVA® < 0), a empresa não consegue gerar rendibilidade suficiente para
remunerar os capitais investidos na sua atividade, não existindo criação de valor.
• Se o EVA® for nulo (EVA® = 0), a empresa apenas consegue gerar rendibilidade para cobrir o
custo dos capitais investidos na sua atividade, não havendo criação de valor acima do exigido
pelos investidores.
Dado que o EVA® é uma ferramenta que utiliza para o seu cálculo elementos das demonstrações
financeiras da empresa, que devido a algumas premissas em sua elaboração, pode de alguma forma
distorcer a realidade económica da empresa, é necessário proceder alguns ajustamentos, quer no
resultado operacional, quer aos valores do capital investido, registados segundo os princípios
contabilísticos geralmente aceites (PCGA) (Franco et al. 2012). Os ajustamentos visam uma melhor e
mais apropriada representação e extensão dos ativos económicos afetos ao resultado operacional. Tendo
por referência o cálculo do resultado residual, há que notar as seguintes correções (Franco et al. 2012):
• O resultado operacional é considerado depois dos impostos;
• A taxa de retorno pretendido é substituída pelo custo médio ponderado do capital;
• O ativo de exploração é corrigido e deduzido dos passivos correntes.
Stern Stewart (citado por Machuga, Pfeiffer, & Verma, 2002) recomenda até 160 ajustes que as
empresas podem fazer ao seu sistema de contabilidade para reduzir a distorções do PCGA, uma vez que
a despesa pode ser um investimento esperado para beneficiar no futuro. Contudo, Young (1999) afirma
que essas retificações, em termos de balanço e demonstração de resultados, não são relEVA®ntes uma
vez que não afetam o cálculo do EVA®. Na realidade, o número adequado de ajustamentos depende da
empresa e do sector de atividade em que a mesma se insere, havendo empresas para os quais não é
necessário proceder a qualquer ajustamento (Young, 1997). Como regra, os ajustamentos só deverão ser
efetuados quando (i) os montantes envolvidos forem significativos; (ii) a informação necessária esteja
prontamente disponível; (iii) todos os quadros da empresa, e não apenas os financeiros, conseguem
compreendê-los. Esta condição é crucial quando a sua remuneração depende do EVA® gerado, pois,
quando não devidamente elucidados, poderão pensar que estão a ser manipulados. O objetivo de fazer
ajustamento é converter o resultado contabilístico em resultado económico. Porém, de acordo com
Abdeen e Haight (2002), muitos ajustes podem fazer o EVA® perder seu significado e potência.
O EVA® tem como uma de suas principais vantagens a facilidade da aplicação de seus conceitos
e de seu fácil entendimento, o que permite simplificar a comunicação referente à realidade económica
da empresa, permitindo assim que todos os interessados nas informações compreendam, sendo
412
importante para a mensuração do lucro económico (Oliveira & Barata, 2014). Adotando se esse modelo,
pode-se calcular o lucro utilizando o conceito económico, que seria o resultado líquido de todos os
fatores (incluso o custo do capital próprio aplicado no empreendimento). Outra vantagem apontada por
estes autores é que com a utilização do EVA®, os administradores da empresa, ou projeto de
investimento, são forçados a preocupar se com os custos do capital que está sendo alocado. E ainda que
tende a transformar os produtos e/ou serviços da empresa em produtos/serviços mais valiosos,
melhorando-se a distribuição, reduzindo prazos de entrega e ciclos produtivos, entre outras ações
efetivas.
Porém, o EVA® não apresenta apenas vantagens, também têm as suas limitações. Para Oliveira
e Barata (2014) as desvantagens encontradas para aplicação do EVA® estão relacionadas aos ajustes
contabilísticos que se fazem necessários para avaliar corretamente a situação da empresa, assim como a
falta de padronização para seu cálculo. Estes acrescentam ainda, como limitações, o facto do EVA® ser
insuficiente para avaliar uma empresa ou um projeto, dado que se trata de um indicador do passado ou,
no máximo, do presente. Ao analisar um projeto de investimento de capital, o analista necessita de
informações prospetivas sobre o desempenho futuro da empresa. Outra limitação apontada por Oliveira
e Barata (2014) é que o EVA® é inviável para empresas recém-constituídas, porque essas empresas não
apresentam série histórica de resultados. Uma alternativa para resolver esse problema seria a utilização
dos dados de uma empresa do mesmo ramo de atividade.
413
surgimento das economias porque reduzem os custos ou aumentam as receitas (ou ambos) das empresas
que participam das transações locais.
Gao e Wang, (2011) atribuem as semelhanças, nas estruturas financeiras de empresas vizinhas, à
imitação ou compartilhamento de informações entre executivos. Na mesma medida, as práticas
contabilísticas podem ser compartilhadas ou imitadas localmente, assim como a realização dos lucros e
a sensibilidade do valor de mercado. Os autores concluíram que, as empresas localizadas perto de
empresas com elevados lucros teriam lucros maiores comparativamente a empresas localizadas perto de
empresas com baixos lucros, sendo utilizado neste estudo o indicador ROE.
No estudo realizado por Ribeiro e Costa (2017), na região de Douro, eles afirmam que a
localização é um fator essencial para sucesso de uma empresa. Acreditam que a localização, nos dias
atuais, é uma das decisões mais importantes a ser tomada pelo gestor. Decidir onde se localizar é muito
importante devido ao facto de estar ligado ao sucesso das vendas e pela diversidade de recursos que
compreende. A localização é um dos principais fatores competitivos para uma organização, na medida
em que, o local onde está situado afeta fatores como o produto, o marketing, as características da
empresa, o preço, a gestão, entre outros, enquanto pode ainda ser influenciado por fatores externos como
o destino em que está inserido, os recursos envolventes e as infraestruturas de apoio, que podem tornar
uma empresa mais ou menos atrativo para um possível cliente.
O conceito de sucesso e performance de uma empresa são difíceis de desagregar. No entanto,
quando falamos sobre o sucesso de uma empresa estamos a pensar na combinação de alguns fatores que
resultam da performance de todos os colaboradores da empresa. Porém não existe uma receita universal
que garanta o sucesso de uma empresa, pois grande parte dos fatores variam de empresa para empresa.
Por além da localização há outros fatores que influenciam a performance das empresas tais como: a
dimensão da empresa, a idade da empresa e a categoria da empresa (David, 2017). O sucesso de uma
empresa é medido pela sua capacidade de adicionar riqueza aos seus acionistas dentro de um horizonte
indeterminado de tempo, e não entendido dentro de uma visão efêmera dos resultados, muitas vezes
consequência de variáveis que não se repetirão no futuro (Assaf Neto, 1999).
Existe uma grande diversidade de estudos realizados com objetivo de analisar o desempenho das
empresas, pelo método do EVA®, porém não se encontraram estudos que relacionassem o desempenho
medido pelo EVA® e a localização geográfica das empresas.
Metodologia
O presente estudo visa analisar o impacto da localização geográfico na performance das empresas, sendo
esta medida pelo método do EVA® de modo a dar resposta à seguinte pergunta de investigação: Será
que a localização das empresas afeta o seu desempenho (performance) económico financeiro? Esta
temática está deficientemente tratada quer a nível académico, quer a nível empresarial, como se pode
evidenciar no capítulo anterior, na revisão de literatura. A localização das empresas, no dia de hoje, é
um dos fatores essenciais na tomada de decisão pelo gestor, ou seja, uma empresa bem ou mal localizada
afeta o seu valor. Neste contexto, o EVA® surge como uma das metodologias de cálculo do valor da
empresa. O EVA® é uma medida de desempenho económico-financeiro que permitirá aos gestores e
investidores identificar se a empresa está criando ou destruído valor para os seus acionistas.
Tendo em consideração o descrito no ponto 2.3 anterior formulou-se as seguintes hipóteses de
investigação:
HI 1 - A localização das empresas tem impacto positivo na performance económico-financeira das
empresas.
HI 2 - As empresas do litoral apresentam melhor performance económico-financeira que as do interior.
Para dar resposta aos objetivos propostos será selecionada uma amostra de empresas portuguesas
ativas do setor de atividade turismo, de todas as regiões de Portugal continental, da divisão do CAE-
Rev.3 (Classificação Portuguesa das Atividades Económicas) 55 – Alojamento. Para uma melhor
comparabilidade dos resultados e por forma a garantir a homogeneidade da amostra, foram excluídas as
empresas com capital próprio negativo, passivo negativo, custo do capital alheio menor que zero e maior
que 30% uma vez que, os valores destas empresas iriam distorcer os valores do EVA®.
Os dados económico-financeiros das empresas foram recolhidos da base de dados SABI (Sistema
de Análise de Balanços Ibéricos), para o horizonte temporal de 2011 a 2020. Obteve-se assim 2.023
414
empresas, distribuídas por Portugal continental e ilhas, para o período compreendido entre 2011 a 2020,
pelo que se obteve um total de 20.230 observações. Após a retirada dos outliers permaneceram na nossa
amostra 16.169 observações, sendo que 3.918 observações consideradas outliers correspondem a valores
com capital próprio negativo.
Como se pode verificar pela análise da Tabela 1 o distrito de Lisboa é o que apresenta maior
concentração de empresas (19,4%) logo seguido do distrito de Faro com 17,2% e só depois vem o distrito
do Porto com 12,6% das empresas. No entanto, é o distrito de Portalegre que apresenta maior área
geográfica por m2, sendo Lisboa logo seguido do Porto os distritos que apresentam menor área
geográfica por empresa, ou seja, maior concentração por Km2 de empresas.
Resultados
Após ter-se removido os outliers da amostra, a mesma ficou com 16.186 observações, como se verifica
pela Tabela 2. A amostra é constituída por empresas muito pequenas e empresas muito grandes, com
maior prevalência as microempresas como referido anteriormente.
415
Vendas e serviços prestados 16186 - € 43 695 286 € 446 018 € 1 381 904 €
Resultado antes de gastos de
16186 - 19 398 461 € 13 553 335 € 40 329 € 341 839 €
financiamento e impostos
Juros e gastos similares
16186 - € 2 092 270 € 10 411 € 54 400 €
suportados
Resultado antes de impostos 16186 - 19 398 461 € 13 557 974 € 30 310 € 337 580 €
Resultado líquido do período 16186 - 19 398 461 € 13 553 029 € 21 310 € 310 999 €
Pessoas ao serviço da
empresa, remuneradas e não
16186 0 602 9,12622019 21,39668603
remuneradas: número médio
de pessoas
Dimensão 16186 1 4 1,246385765 0,47847802
NUT II 16186 1 7 3,095143952 1,737081775
Custo capital alheio 16186 0,00% 29,90% 0,79% 1,68%
Custo capital próprio 16186 5,10% 5,10% 5,10% 0,00%
WACC 16186 5,10% 35,00% 5,89% 1,68%
EVA® 16186 - 15 438 552 € 9 054 383 € - 65 288 € 350 764 €
N válido (de lista) 16186
Fonte: Elaboração própria
Durante o período em análise, em média, as empresas da amostra destruíram valor para os seus
acionistas. No trabalho realizado por Hall (2012) o autor verificou idêntico comportamento sendo que,
em médio, as empresas apresentaram um EVA® negativo. Idênticos resultados foram também obtidos
na Grécia por Kyriazis e Anastassis (2007), sendo o valor médio do EVA®, das empresas da amostra
segue a mesma tendência negativa.
No seguimento de dar resposta à pergunta de investigação “Ser que a localização das empresas
afeta o seu desempenho performance financeiro?” foram formuladas algumas hip teses de
investigação que serão tratadas de seguida.
Para realizar a presente hipótese de investigação recorreu-se a uma ferramenta de análise
estatística o SPSS, usando o método de regressão linear múltipla, a análise univariada de variância de
forma a validar as hipóteses referidas anteriormente, considerando a variável dependente o EVA® e as
variáveis independente a localização e dimensão das empresas (os ativos, número de trabalhador e
volume de negócio), com um nível de significância de 5%.
HI 1: A localização das empresas tem impacto positivo na performance económico-financeira das
empresas.
Foi desenvolvida a regressão linear através do modelo linear geral univariado sendo considerada
como variável dependente o EVA® e como variável independente a região (NUT II) das empresas da
amostra. Na Tabela 3 encontra-se a estatística descritiva do modelo onde se verifica que, em todas as
regiões, o EVA® médio das empresas é negativo.
416
A Tabela 4 é apresentada a janela da ANOVA onde se verifica que a região (NUT II) tem efeito
estatisticamente significativo com um p-value <0,001. O teste F aplicado tem por base as seguintes
hipóteses:
H0: O ajuste do modelo construído = o ajuste do modelo sem previsor
H1: O ajuste do modelo construído ≠ o ajuste do modelo sem previsor
Como o p-value <0,001 rejeita-se H0 ou seja, o modelo tem uma capacidade previsora acima do
modelo novo. No entanto, o R2 não é representativo da população uma vez que o seu valor é de 0,3%.
Tipo III
Quadrado
Origem Soma dos gl F Sig.
Médio
Quadrados
Modelo corrigido 6,E+12 6 1,E+12 8,465 <0,001
Intercepto 5,E+13 1 5,E+13 420,043 <0,001
NUTII 6,E+12 6 1,E+12 8,465 <0,001
Erro 2,E+15 16179 1,E+11
Total 2,E+15 16186
Total corrigido 2,E+15 16185
Notas: gl – graus de liberdade; Sig. – significância estatística (p-value)
Fonte: Elaboração própria
Através da Tabela 5 pretende-se verificar a influência das regiões no EVA® das empresas. O
modelo selecionou a “ egião Aut noma da Madeira” como uma região de referência uma vez que é a
última região da lista de regiões. A aplicação do teste t-Student, para avaliar a significância das regiões,
tem por base as seguintes hipóteses:
H0: B = 0
H1: B ≠ 0
Verifica-se que todas as regiões são estatisticamente significativas com um grau de significância
de p-value <0,001. Em todas as regiões as empresas apresentam uma variação positiva, uma vez que a
“ egião Aut noma da Madeira” é aquela em que as empresas apresentam menor EVA®, sendo a região
“ entro” aquela que apresenta maior valor. No entanto, é a “ egião Aut noma da Madeira” a que
apresenta maior desvio padrão o que revela uma grande amplitude do EVA® entre as empresas dessa
região. Assim, as empresas localizadas na região “ entro” de ortugal apresentam, em média, um
EVA® superior às empresas da “ egião Aut noma da Madeira” em 85.929,74€. A região que apresenta
menor crescimento face à “ egião Aut noma da Madeira” é a “ egião Aut noma dos Açores” com um
valor de 52.895,57€.
417
Fonte: Elaboração própria
Fazendo a mesma análise por distritos verifica-se, pela Tabela 40, que todos os distritos
apresentam EVA® negativo há semelhança dos resultados obtidos por regiões.
Pela Tabela 41 verifica-se que os distritos têm efeito estatisticamente significativo com um p-
value <0,001. No entanto, o R2 continua a não ser representativo da população uma vez que o seu valor
se mantém em 0,3%.
418
Autónoma dos Açores que apresentam um grau de significância p-value<0,05 e Portalegre que apresenta
um p-value<0,10. Em todas os distritos as empresas apresentam uma variação positiva, uma vez que a
“ egião Aut noma da Madeira” é aquela em que as empresas apresentam menor EVA®. Castelo
Branco é o distrito que apresenta maior variação face ao distrito da “ egião Aut noma da Madeira”
com um valor de 108.589,914, ou seja, neste distrito, em média, as empresas apresentam um EVA®
superior neste montante face ao distrito da “ egião Aut noma da Madeira”.
Desvio padrão da
Litoral_Interior N Média Desvio Padrão
média
Interior 3334 -48769,8057 121909,67145 2111,32633
EVA®
Litoral 11419 -65338,4703 360871,33184 3377,05665
Fonte: Elaboração própria
419
Pela análise da Tabela 44 verifica-se que se rejeita H0, com um grau de significância de p-value
< 0,001, ou seja, as variâncias não são iguais. Deste modo, existe evidência estatística suficiente para
afirmar que a variância das empresas do interior é diferente da variância das empresas do litoral.
Conclusão
Ao longo deste trabalho analisou-se o impacto que a localização geográfica das empresas do setor do
turismo CAE 55 tem para a sua performance. Paiva (2018) considera existirem elementos específicos,
como o custo de produção, recursos do país, fatores políticos e jurídicos, industriais, a dimensão do
mercado, entre outros que influenciam a performance económico-financeira das empresas. Estas
vantagens da localização não podem ser comercializados o que os impede de serem transferidos para
outra localidade (Pinto et al., 2010). De facto, neste trabalho, verifica-se que existem diferenças
estatisticamente significativas na performance económico-financeira das empresas.
Por regiões é na região centro de Portugal que as empresas apresentam, em média, melhor
performance económico-financeira sendo a região autónoma da Madeira a que tem pior desempenho.
Fazendo a mesma análise, mas por distrito, verifica-se que o distrito de Castelo Branco é o distrito em
que as empresas apresentam, em média, melhor performance pertencendo este distrito à região centro.
Este trabalho tem por limitação o facto de analisar apenas a divisão 55 do CAE bem como não
fazer a análise por dimensão da empresa. Para trabalhos de investigação futura sugere-se o alargamento
a outras divisões do CAE e fazer a comparação entre regiões por dimensão da empresa.
Não obstante, ressalta-se a necessidade em empreender novas pesquisas relacionadas com a atual
situação gerada pelo novo coronavírus SARS-COV-2, uma vez que o impacto na economia é mundial,
de salientar: estudar como o impacto da pandemia coronavírus no ecossistema da EF é abrangente e
deve ser analisado numa perspetiva sistémica que considere a empresa, os acionistas e a família
empresária (Familiares & Costa, 2020). Seria também interessante refletir sobre o impacto climático nas
operações vinícolas e a sua influência na performance das empresas deste sector de atividade e comparar
entre regiões de Portugal.
420
Referências
Abdeen, A. M., & Haight, G. T. (2002). A Fresh Look At Economic Value Added: Empirical Study Of
The Fortune Five-Hundred Companies. The Journal of Applied Business Research, 18(2), 27–
36. https://doi.org/https://doi.org/10.19030/jabr.v18i2.2112
Al-Awawdeh, H. A., & Kareem Al-Sakini, S. A. (2018). The Impact of Economic Value Added, Market
Value Added and Traditional Accounting Measures on Shareholders’ Value: Evidence from
Jordanian Commercial Banks. International Journal of Economics and Finance, 10(10), 40.
https://doi.org/10.5539/ijef.v10n10p40
Amat, O. (2002). EVA® Valor Económico Agregado: Un nuevo enfoque par optimizar la gestión
empresarial, motivar alos empleados y crear valor. (Bogotá: Norma, Ed.).
Assaf Neto, A. (1999). A Contabilidade e a Gestão Baseado no Valor. VI Congresso Brasileiro de
Custos.
Atidhira, A. T., & Yustina, A. I. (2017). The Influence of Return on Asset, Debt to Equity Ratio,
Earnings per Share, and Company Size on Share Return in Property and Real Estate Companies.
JAAF (Journal of Applied Accounting and Finance), 1(2), 128–146.
Atidhira, A. T., & Yustina, A. I. (2017). The Influence of Return on Asset, Debt to Equity Ratio,
Earnings per Share, and Company Size on Share Return in Property and Real Estate Companies.
JAAF (Journal of Applied Accounting and Finance), 1(2), 128–146.
Berzakova, V., Bartosova, V., & Kicova, E. (2015). Modification of EVA® in Value Based
Management. Procedia Economics and Finance, 26, 317–324. https://doi.org/10.1016/s2212-
5671(15)00859-x
Bhasin, M. L., & Shaikh, J. M. 2013 . Economic value added and shareholders’ wealth creation: the
portrait of a developing Asian country. International Journal of Managerial and Financial
Accounting, 5(2), 107–137. https://doi.org/10.1504/IJMFA.2013.053208
Bognárová, K. J. (2017). Analysis of the relationship between economic value added and market value
added. Challenges of the Knowledge Society. Finance and Accounting, 793–796.
Carosi, A. (2016). Do local causations matter? The effect of firm location on the relations of ROE,
R&D, and firm size with market-to-book. Journal of Corporate Finance, 41, 388–409.
https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2016.10.008
Corrêa, A. C. C., Assaf Neto, A., & Lima, F. G. (2013). Os indicadores financeiros tradicionais explicam
a geração de valor no Brasil?: um estudo empírico com empresas não financeiras de capital
aberto. Práticas em Contabilidade e Gestão, 1(1), 9-39.
David, D. S. T. (2017). O impacto do género (M/F) no cargo de direção ao nível da Performance de
Empresas Familiares Portuguesas. Universidade de Évora.
De Wet, J. H. V. H., & Du Toit, E. (2007). Return on equity: A popular, but flawed measure of corporate
financial performance. South African Journal of Business Management, 38(1), 59–69.
https://doi.org/10.4102/sajbm.v38i1.578
Ehrbar, A. (1998). EVA®: the real key to creating wealth. New York: John Wiley & Sons.
Fernández, P. (2001). EVA®, Economic profit and Cash value added do NOT measure shareholder
value creation.
Fernandez, P. (2005). Creación de valor para los accionistas: definición y cuantificación. Universia
Business Review, 6, 10–25.
Folta, T. B., Cooper, A. C., & Baik, Y. S. (2006). Geographic cluster size and firm performance. Journal
of Business Venturing, 21(2), 217–242. https://doi.org/10.1016/j.jbusvent.2005.04.005
Franco et al. (2012). Temas de Contabilidade de Gestão (3a Edição). Lisboa: Livros Horizonte.
Ganea, M. (2015). Determinant Factors of the Economic Value Added in the Case of Romanian
Companies Listed on the Bucharest Stock Exchange. Audit Financiar, 13(121), 100–107.
421
Gao, W., Ng, L., & Wang, Q. (2011). Does Corporate Headquarters Location Matter for Firm Capital
Structure? Financial Management, 40 (1), 113-138. https://doi.org/10.1111/j.1755-
053X.2010.01136.x
Hall, J. H. (2012). Drivers creating shareholder value in South African manufacturing firms.
Ichsani, S., & Suhardi, A. R. (2015). The Effect of Return on Equity (ROE) and Return on Investment
(ROI) on Trading Volume. Procedia - Social and Behavioral Sciences, 211, 896–902.
https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2015.11.118
Issham, I., Fazilah, A. S. M., Hwa, Y. S., Kamil, A. A., Azli, & Ayub, M. A. (2008). Economic value
added (EVA®) as a performance measurement for GLCs vs non-GLCs: Evidence from Bursa
Malaysia. Prague Economic Papers, (2), 168–179. https://doi.org/10.18267/j.pep.328
Kyriazis, D., & Anastassis, C. (2007). The validity of the economic value added approach: An empirical
application. European Financial Management, 13(1), 71–100. https://doi.org/10.1111/j.1468-
036X.2006.00286.x
Machado, D. J. (2020). Valuation, análise técnica e fundamentalista. (Senac São Paulo, Ed.). São Paulo.
https://doi.org/https://books.google.pt
Machuga, S. M., Pfeiffer, R. J., & Verma, K. (2002). Economic Value Added, Future Accounting
Earnings, and inancial Analysts’ Earnings er Share orecasts. Review of Quantitative Finance
and Accounting, 18, 1–16.
Malmberg, A., Malmberg, B., & Lundequist, P. (2000). Agglomeration and firm performance:
Economies of scale, localisation, and urbanisation among Swedish export firms. Environment
and Planning A, 32(2), 305–321. https://doi.org/10.1068/a31202
Nakhaei, Habibollah;, Hamid, N. I. N. B., Anuar, M. B. A., & Nakhaei, K. (2012). Performance
EVA®luation Using Accounting Variables (Net Profit and Operational Profit) and Economic
Measures. International Journal of E-Education, e-Business, e-Management and e-Learning, 2.
https://doi.org/10.7763/ijeeee.2012.v2.161
Neely, A., Gregory, M., & Platts, K. (1995). Performance measurement system design: A literature
review and research agenda. International Journal of Operations e Production Management,
15(4), 80–116.
Neves, J. C. (2000). Análise Financeira vol.II- Avaliação do Desempenho Baseada no Valor. Texto
Editores.
Neves, J. C. (2002). Avaliação de Empresas e Negócios. Mc Graw-Hill.
Neves, J. C. (2011). Avaliação e Gestão da Performance Estratégica da Empresa. Lisboa: Texto
Editores.
Oliveira, A. S., & Barata, E. F. V. R. (2014). Contabilidade Gerencial: Estudo da Aplicação do Valor
Económico Agregado (EVA®) na Empresa Cosméticos S.A. 319 Memorial TCC – Caderno Da
Graduação, 1, 319–333.
Paiva, A. F. A. T. (2018). Determinantes do desempenho internacional das empresas portuguesas nos
mercados externos. IPL - Instituto Politécnico de Leiria.
Panigrahi, S. K. (2017). Economic Value Added and Traditional Accounting Measures for
Shareholder’s Wealth reation. Asian Journal of Accounting and Governance, 8, 125–136.
https://doi.org/10.17576/ajag-2017-08-11
Pinto, C. F., Gaspar, L. F., Ferreira, M. P., & Serra, F. A. R. (2010). A influência de John Dunning na
Investigação em Estratégia e Negócios Internacionais: Um estudo bibliométrico no Strategic
Management Journal. In Working Paper (Vol. 53).
Prusty, T. (2013). Corporate Governance through the EVA® Tool: A Good Corporate Performance
Driver. Journal of Asian Business Strategy, 3(12), 340–348.
Reddy, N. R. V. R., Rajesh, M., & Reddy, T. N. (2011). Valuation through EVA® and Traditional
Measures an Empirical Study. International Journal of Trade, Economics and Finance, 2, 19–
23. https://doi.org/10.7763/ijtef.2011.v2.73
422
ibeiro, M., & osta, . 2017 . A localização como fator influenciador da competitividade: A hotelaria
na região do Dour. Revista Turismo & Desenvolvimento, 97–109.
Salaga, J., Bartosova, V., & Kicova, E. (2015). Economic Value Added as a Measurement Tool of
Financial Performance. Procedia Economics and Finance, 26, 484–489.
https://doi.org/10.1016/s2212-5671(15)00877-1
Scheel, M. (1997). Medidas de Desempenho Tradicionais e EVA®-Uma descrição da evolução das
principais medidas de desempenho tradicionais até osurgimento do EVA®TM, suas implicações
práticas elimitações. Escola de Administração de Empresa de São Paulo.
Shah, R., Haldar, A., & Nageswara Rao, S. V.D. (2015). Economic value added: Corporate performance
measurement tool. Corporate Board: Role, Duties and Composition, 11(1), 50–61.
https://doi.org/10.22495/cbv11i1art5
Sharma, Anil K.; Kumar, S. (2010). Economic Value Added (EVA®) - Literature Review and Relevant
Issues. International Journal of Economics and Finance, 2, 200–220.
Shil, N. C. (2009). Performance Measures: An Application of Economic Value Added. International
Journal of Business and Management, 4(3), 169-177.
Sonderegger, P., & Täube, F. (2010). Cluster life cycle and diaspora effects: Evidence from the Indian
IT cluster in Bangalore. Journal of International Management, 16(4), 383–397.
https://doi.org/10.1016/j.intman.2010.09.008
Teixeira, N. (2016). Criação de Valor – Estudo de Caso.
https://doi.org/http://hdl.handle.net/10400.26/11694
Teixeira, N. M. D., & Amaro, A. G. C. (2013). Avaliação do Desempenho Financeiro e da Criação de
valor - Um Estudo de Caso. Revista Universo Contábil, 9, 157–178.
https://doi.org/10.4270/ruc.2013436
Teixeira, N., Mata, C., Pardal, P. N., & Teixeira, A. B. (2012). A Aplicação da Rendibilidade
Supranormal para a Avaliação da Criação de Valor. http://hdl.handle.net/10400.26/5414
Venanzi, D. (2010). Financial performance measures and value creation: a review. (December 27,
2010). http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1716209
Vieito, J. P., & Maquieira, C. (2010). Financas Empresariais- Teoria e Prática. Lisboa: Escolar Editora.
Yalcin, N., Bayrakdaroglu, A., & Kahraman, C. (2012). Application of fuzzy multi-criteria decision
making methods for financial performance EVA®luation of Turkish manufacturing industries.
Expert Systems with Applications, 39(1), 350–364. https://doi.org/10.1016/j.eswa.2011.07.024
Young, D. (1997). Economic value added: A primer for European managers. European Management
Journal, 15(4), 335–343. https://doi.org/10.1016/S0263-2373(97)00014-5
Young, S. D. (1999). Some Reflections on Accounting Adjustments and Economic Value Added. The
Journal of Financial Statements Analysis. Winter , 7–19.
Zeitun, R., & Tian, G. (2014). Capital Structure and Corporate Performance: Evidence from Jordan.
(September 14, 2014). Australasian Accounting Business & Finance Journal, Forthcoming,
Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=2496174 or
http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2496174.
Zhang, H. (2015). How does agglomeration promote the product innovation of Chinese firms? China
Economic Review, 35, 105–120. https://doi.org/10.1016/j.chieco.2015.06.003
423
Conflitos no uso da água: efeitos de pequenos açudes na biodiversidade de
rios
Aya Zidouh1, Fernando Miranda2, Fernando Teixeira2, Guilherme Santos2, Amílcar Teixeira3
[email protected], [email protected],
[email protected], [email protected],
[email protected]
1
Università dio Ferrara, Via Ariosto, 35 44121 Ferrara, Italia
2
Instituto Politécnico de Bragança. Campus de Santa Apolónia, 5300-253 Bragança,Portugal.
3
Centro de Investigação de Montanha (CIMO), Instituto Politécnico de Bragança. Campus de Santa
Apolónia, 5300-253 Bragança,Portugal.
Resumo. Em cenário de alterações climáticas, com prolongados períodos de seca alternando com
eventos episódicos de precipitações intensas, multiplicam-se os conflitos no uso da água. A
proliferação de barreiras em rios visa uma gestão e aproveitamento do recurso água. São
relativamente conhecidos os impactes de grandes barragens na biodiversidade, embora permaneça
por esclarecer os efeitos de pequenas barragens e especialmente açudes. No presente estudo foram
monitorizados, durante 4 anos, dois açudes, situados no rio Maçãs, através do recurso às
metodologias da Diretiva Quadro da Água, para avaliação dos elementos de qualidade da água
hidromorfológicos e biológicos (macroinvertebrados e peixes). Foi ainda avaliada a potencial
migração reprodutiva das espécies piscícolas nativas. Os resultados obtidos mostraram uma
variação negligenciável na qualidade da água entre as albufeiras dos açudes e os troços lóticos de
montante e jusante. Contudo, registaram-se alterações significativas na qualidade
hidromorfológica e ainda uma acentuada redução na diversidade de invertebrados e peixes em
ambas as albufeiras, com um domínio avassalador de espécies invasoras, caso de perca-sol,
lagostim-sinal e lagostim-vermelho. Por outro lado, não foi confirmada a migração reprodutiva
da fauna piscícola endémica de médio porte, caso do barbo-comum e da boga-do-Douro, e de
pequeno porte, como o bordalo, o escalo ou a xarda. Configuram-se conflitos no uso da água
devido à sua necessidade para o abastecimento público, e a menor disponibilidade no período de
reprodução dos peixes nativos (entre abril e junho) que não permite a abertura das comportas de
fundo, de modo a garantir a conetividade fluvial.
424
as the Iberian barbel and the Northern straight-mouth nase, and small-sized fish, such as the
Calandino and Northern Iberian chub, was not confirmed. Conflicts tend to increase in the water
use, due their need for public water supply, and the lower availability during the reproduction
period of native fish (between April and June) that do not allow the opening of the bottom gates,
restabilising the river connectivity.
Introdução
Os rios sempre foram usados pelos humanos para uma variedade de usos, caso do próprio consumo de
água, alimento, transporte, produção de energia, recreio, indústria e também como meio de libertação
de materiais e produtos rejeitados (Postel and Ritcher, 2003). Por tal motivo, são vários os efeitos de
larga escala sobre a qualidade dos ecossistemas decorrentes da captação e regularização da água,
canalização e fragmentação de habitats, eutrofização e poluição da água e a introdução e dispersão de
espécies exóticas (Haidvogl, 2018). Neste sentido, as respostas das comunidades faunísticas e florísticas
implicam, por norma, a perda de biodiversidade.
Os ecossistemas mediterrânicos são atualmente conhecidos como hotspots de biodiversidade
sujeitos a muitas das pressões identificadas e acrescidas pelos fenómenos de alterações climáticas.
Tendo em conta a forte variabilidade intersazonal e interanual dos caudais dos rios mediterrânicos
(Hermoso e Clavero, 2011), o uso da água e as práticas de gestão tem considerado como estratégia
primordial a retenção superficial de água pela construção de pequenas e grandes barragens,
maioritariamente construídas para produção de energia elétrica, abastecimento público e uso pela
agricultura e indústria. Contudo nem só as barragens quebram o contínuo fluvial, fragmentando habitats
e impedindo a migração reprodutiva de muitas espécies piscícolas diádromas e inclusive potamódromas.
Com efeito, as pequenas barreiras como açudes (< 5 m de altura) podem também provocar impactes
negativos nos movimentos da fauna, embora os seus efeitos não estejam tão bem estudados. No entanto,
o número destes pequenos obstáculos supera largamente, por todo o mundo, o número de barragens,
sejam elas pequenas, i.e. < 15 m de altura, ou grandes barragens > i.e. com altura ≥ a 15 m, englobando
ainda aquelas com altura e armazenamento, respetivamente, superiores a 10 m e 1 hm3) (Ordeix et al.,
2011; King et al., 2017). Somente em Portugal estão referenciadas mais de 8000 pequenas barreiras
(Ordeix et al., 2018). A perda de conetividade fluvial, particularmente na dimensão longitudinal, pela
regularização de caudais e fragmentação e destruição de habitats resultante da proliferação de obstáculos
físicos de pequena (açudes) e grande dimensão (barragens) é visto por vários autores (Aarts et al., 2003;
Goslan et al., 2019; Reid et al., 2019) como uma das pressões mais sérias na perda de sustentabilidade
por parte das populações piscícolas, tendo levado a declínios superiores a 50% das espécies ameaçadas
na Europa (Northcote, 1998).
A permeabilidade dos obstáculos físicos é, pois, uma necessidade, no sentido de garantir a
migração dos peixes em ambos os sentidos, seja para montante ou para jusante no sentido de recuperar
as posições nos habitats/zonas de rio onde residem maioritariamente em termos temporais e espaciais.
Esta permeabilidade deve ser considerada em termos de sazonalidade, local e específica de cada espécie
dada a distinta capacidade de transpor obstáculos pelas diferentes espécies (Baudoin et al., 2014). Com
efeito, a capacidade dos peixes dulçaquícolas para transporem obstáculos depende da espécie, idade,
tamanho, condição física, e outros fatores fisiológicos (tais como o estado sanitário, alimentação,
condição reprodutora e fadiga muscular) e ainda de fatores externos como temperatura e velocidade da
água, estação do ano (Larinier et al., 1994; Lucas & Baras, 2001; Marmulla & Welcomme, 2002).
Os objetivos deste estudo consistiram na monitorização da qualidade: a) físico-química da água;
b) hidromorfológica, c) biológica – invertebrados e peixes, e ainda a d) transponibilidade por parte da
fauna piscícola em dois açudes localizado no rio Maçãs, afluente da margem direita do rio Sabor (Bacia
hidrográfica do rio Douro).
Materiais e métodos
425
Área de estudo e localização das estações de amostragem
A área de estudo pertence ao Sítio de Importância Comunitária (SIC – PTCON0021) e à Zona de
Proteção Especial (ZPE) dos Rios Sabor e Maçãs. Relativamente aos sistemas aquáticos e ribeirinhos,
onde estão inseridos ambos os açudes, estão identificados, por exemplo, habitats prioritários, caso do
Habitat 91E0* - Florestas aluviais de amieiro (Alnus glutinosa) e freixo (Fraxinus angustifolia), assim
como espécies de peixes, caso da boga-do-Douro (Pseudochondrostoma duriense), do bordalo (Squalius
alburnoides) e da panjorca (Achondrostoma arcasii), e de mamíferos, como a toupeira-de-água
(Galemys pyrenaicus) e a lontra (Lutra lutra), com elevado valor em termos de conservação.
Os dois açudes estão localizados no rio Maçãs, concelho de Vimioso, e sofreram recentemente
obras de alteamento, reforço e renaturalização no Açude de Captação da ETA de Vimioso e no Açude
a jusante do Ribeiro de Vale de Pena (Figura 1).
Figura 1: Açude e albufeira de captação de água da ETA de Vimioso (esquerda) e açude situado a jusante da
ribeira de Vale de Pena (direita), ambos localizados no rio Maçãs, na proximidade da aldeia de Outeiro.
Fonte: Elaboração própria
Foi feita a monitorização de 2018 a 2021 em 5 estações de amostragem (Tabela 1), 2 estações de
ambiente lótico (definidas como ACV1 e ACV5), situadas respetivamente a montante e jusante dos
referidos açudes, e 2 em ambiente lêntico, correspondentes às albufeiras dos mesmos açudes (ACV2/3
e ACV4). Foram considerados dois períodos de monitorização, i.e., na primavera e no verão.
426
uma pequena porção de água. Com o auxílio duma pinça a triagem e preservação dos invertebrados em
álcool a 70%, em frascos devidamente etiquetados. A identificação realizou-se mediante o uso de
microscópio estereoscópico OLYMPUS SZX10 de 10-230x e o auxílio de chaves dicotómicas (e.g.
Tachet et al. 1981; 2010). A identificação dos indivíduos efetuou-se até ao nível taxonómico da Família,
com exceção dos indivíduos das subclasses Oligochaeta e Acari.
A amostragem da fauna piscícola baseou-se no protocolo “Avaliação Biol gica da Qualidade da
Água em Sistemas Fluviais segundo a DQA - rotocolo de amostragem e an lise para a fauna piscícola”
(INAG 2008b). As amostragens dos troços lóticos (ACV1 e ACV 5) foram realizadas através da
utilização de um aparelho de pesca elétrica portátil com output de corrente contínua (Hans Grassl ELTII
GI; 300-600V). Na amostragem dos troços lênticos, ACV2/3 e ACV4, recorreu-se a uma estratégia
complementar baseada no uso de pesca elétrica e de redes de emalhar com malhas múltiplas (multi-
mesh gillnets), de acordo com as normas CEN (Godinho, 2009). Para a identificação e informações
sobre espécies piscícolas recorreu-se a Collares Pereira et al. (2021). Todos os peixes exóticos invasores
capturados foram eliminados de acordo com a legislação vigente e indicações efetuadas pelo ICNF.
Tratamento de dados
Os elementos físico-químicos foram analisados de acordo com os critérios oficiais da APA (2014). Os
dados de RHS foram introduzidos no software desenvolvido por Naura (2016), de onde resultaram os
cálculos referentes aos índices Habitat Quality Assessment - HQA e Habitat Modification Score - HMS.
Para avaliação da resposta biótica baseada nas comunidades de macroinvertebrados foram calculadas
várias métricas: número de indivíduos (N) e número de famílias S ; diversidade e.g. índice H’ de
Shannon-Wiener), equitabilidade e.g. índice J’ de ielou ; abundância de Ephemeroptera, lecoptera e
Trichoptera (% EPT) e o índice biótico IPtIn), recorrendo ao Software AMIIB@
(https://www.apambiente.pt/dqa/amiib%40.html). Relativamente às comunidades piscícolas foi
determinada a composição e abundância e ainda o cálculo do índice de avaliação da integridade
biótica/qualidade ecológica de rios F-IBIP (INAG & AFN, 2012). Na avaliação da transponibilidade foi
calculado o valor do Índice de Continuidade Fluvial – ICF, que permite classificar os obstáculos em 5
classes de qualidade (Excelente, Bom, Razoável, Medíocre e Mau) (Solá et al., 2011).
No tratamento estatístico dos dados recorreu-se a análise uni e multivariada. Foram usadas
ordenações de escalonamento não-métrico multidimensional (nMDS) para as comunidades de
invertebrados e peixes. Para avaliar a ligação estabelecida entre as variáveis ambientais e os locais
amostrados foi ainda feita uma análise de redundância baseada em distâncias (dbRDA). Foram
realizados testes não paramétricos one-way ANOSIM, para investigar a similaridade entre locais de
amostragem, épocas do ano (primavera vs. verão) tendo em conta os dados abióticos e bióticos coletados.
Recorreu-se ao software PRIMER 7 e PERMANOVA + (Anderson et al., 2008).
Resultados
427
Elementos físico-químicos da água e hidromorfológicos
Não se detetaram diferenças significativas (P > 0,05, One-way ANOSIM Tests) na qualidade da água
como resultado da presença de ambos os açudes. Os valores obtidos para os 5 parâmetros físico-
químicos avaliados permitem enquadrá-los num bom estado em rios do Norte de Portugal, de acordo
com os critérios da APA (2014). Na variação detetada da primavera para o verão, foram encontrados
aumentos nas variáveis da temperatura, condutividade, do teor em sais dissolvidos, do pH e o decréscimo
da concentração/% de saturação de oxigénio dissolvido na água (Tabela 2).
Tabela 2: Valores médios (VM) ± desvio padrão (DP), mínimo (Mín), e máximo (Máx), dos parâmetros físico-
químicos no rio Maçãs, discriminados por locais amostrados e período (1º - maio; 2º - setembro) (2018 a 2021).
Temperatura Oxigénio dissolvido Condutividae Teor Sais Dissolvidos
pH
(T - oC) (OD - % saturação) (EC25 - µS/cm) (TDS - mg/L)
Local 1º per 2º per 1º per 2º per 1º per 2º per 1º per 2º per 1º per 2º per
VM ± DP VM ± DP VM ± DP VM ± DP VM ± DP VM ± DP VM ± DP VM ± DP VM ± DP VM ± DP
Mín-Máx Mín-Máx Mín-Máx Mín-Máx Mín-Máx Mín-Máx Mín-Máx Mín-Máx Mín-Máx Mín-Máx
ACV1 16,7 ± 3,5 24,4 ± 2,3 98,7 ± 1,4 102,7 ± 9,0 85,1 ± 19,8 137,8 ± 14,5 44,3 ± 1,2 65,5 ± 5,0 7,2 ± 0,2 7,4 ± 0,5
14,2-20,7 21,6-27,0 97,0-99,5 92,1-113,6 69,2-107,3 126,0-155,7 43,0-45,0 58,6-69,2 7,0-7,4 7,1-8,1
ACV2/3 17,0 ± 2,2 24,5 ± 4,2 95,0 ± 3,1 92,2 ± 13,7 93,7 ± 23,5 126,1 ± 6,9 50,4 ± 7,0 57,5 ± 8,8 7,2 ± 0,1 7,2 ± 0,5
15,7-20,2 16,5-27,7 91,7-99,2 72,9-115,9 69,5-115,3 118,0-134,3 44,0-56,8 50,8-75,0 7,1-7,3 7,0-8,2
ACV4 95,7 ± 5,0 93,0 ± 6,3 82,4 ± 24,3 125,6 ± 8,5 47,2 ± 7,9 60,7 ± 7,2 ± 0,1 7,4 ± 0,5
16,8 ± 2,6 25,4 ± 2,6
90,0-99,2 87,5-100,5 66,4-110,4 117,4-137,4 42,1-56,3 10,7 7,1-7,3 7,1-8,1
14,4-19,5 21,8-27,8
52,5-76,5
ACV5 15,7 ± 2,1 21,1± 3,3 98,3 ± 0,5 84,3 ± 13,5 80,3 ± 23,1 126,7 ± 18,2 42,0 ± 5,3 58,9 ± 6,0 7,1 ± 0,1 7,4 ± 0,5
14,0-18,0 18,0-24,5 97,8-98,7 65,7-98,1 65,2-106,9 113,4-153,3 37,9-48,0 52,0-65,4 7,0-7,2 7,0-8,1
Na análise dbRDA (os dois primeiros eixos dbRDA1 e dbRDA2 explicam 69,5% da variância
total) que correlaciona os dados ambientais (qualidade da água) com os locais amostrados para cada
época do ano, destaca-se a influência das taxas de oxigenação e da condutividade nos troços lóticos,
parcialmente responsáveis pela discriminação patente entre locais/épocas de amostragem (Figura 2).
Figura 2: Análise dbRDA referente às variáveis ambientais (condutividade, temperatura, TDS – Total de Sólidos
Dissolvidos, pH, OD – Oxigénio dissolvido (mg/L e % saturação) e aos locais de amostragem (ACV1 – troço
lótico situado a jusante das albufeiras; ACV2/3 – albufeira de captação de água da ETA; ACV4 – albufeira a
jusante da ribeira de Vale de Pena; ACV5 – troço lótico situado a montante de ambos os açudes).
Fonte: Elaboração própria
428
A metodologia do River Habitat Survey foi aplicada apenas nos dois troços lóticos ACV1 e ACV5
do Rio Maçãs. A proximidades dos açudes e artificialização das margens do rio aparece penalizada por
ambos os índices HQA e HMS (Tabela 3) para o local localizado mais a jusante, ACV1.
Locais de amostragem
Características Hidromorfológicas
ACV1 ACV5
Pontuação HQA 45 56
Classe de Qualidade HQA BOM OU INFERIOR EXCELENTE
Pontuação HMS 1075 375
Categoria HMS Significativamente modificado Obviamente modificado
Classe de Qualidade HMS BOM OU INFERIOR BOM OU INFERIOR
Nota: HQA, Habitat Quality Assessment; HMS, Habitat Modification Score.
Fonte: Elaboração própria
Outros
100%
Trichoptera
90%
Plecoptera
80%
Odonata
70% Heteroptera
60% Diptera
50% Ephemeroptera
40% Coleoptera
Crustacea
30%
Bivalvia
20%
Gastropoda
10%
Hirudinea
0% Turbellaria
ACV1 ACV2/3 ACV4 ACV5
Figura 3: Composição faunística (Frequência Relativa, %) das comunidades de invertebrados no rio Maçãs
(ACV1- troço lótico a jusante; ACV2/3 albufeira1; ACV4- albufeira2; ACV5- troço lótico a montante) (2021).
Fonte: Elaboração própria
429
30 800 6
25 5
600
4
20
400 3
N
S
d
15
2
200
10 1
5 0 0
lótico
lêntico
lótico
lêntico
lótico
lêntico
tipologia tipologia tipologia
0,9 3,0 1,0
2,5 0,9
0,8
1-Lambda'
2,0 0,8
0,7 H'(loge)
J'
1,5 0,7
0,6
1,0 0,6
lêntico
lótico
lêntico
lótico
lêntico
tipologia tipologia tipologia
inv(Figura
A análise nMDS dos locais amostrados maçãs 5), baseadas nas matrizes de abundâncias das
comunidades de invertebrados capturados, mostrou (Stress
Non-metric MDS de 0,16, i.e., configuração razoável) uma
separação mais ou menos evidente entre as comunidades típicas
Transform: Log(X+1)
de zonas lóticas, i.e., que habitam
preferencialmente ACV1 e ACv5, quando comparadas com os troços
Resemblance: lênticos,similarity
S17 Bray-Curtis ACV2/3 e ACV4.
v19ACV1
2D Stress: 0,18
p21ACV2
locais
p20ACV1 ACV1
v20ACV5
p21ACV1
ACV2
v21ACV2
ACV3
v21ACV1
v21ACV4
v20ACV2 ACV4
p20ACV2 p21ACV4
v21ACV5 v19ACV2
v20ACV4
ACV5
p21ACV5
p20ACV4 v19ACV3
p19ACV1 p19ACV2
v18ACV5
v19ACV4
v18ACV4
p19ACV5
v18ACV1 v18ACV3
v18ACV2
v19ACV5
430
Figura 5: Ordenação Não-Métrica Multidimensional (nMDS) dos locais amostrados, baseada na comunidade
de macroinvertebrados. Simbologia: 1º) períodos (p-primavera e v-verão), 2º) anos (18 a 21) e 3) locais
(ACV1 a ACV5) de amostragem no rio Maçãs.
Fonte: Elaboração própria
Os resultados obtidos para o índice IPtIN, estão apresentados na Tabela 4. O contraste em termos
de qualidade biológica entre os troços lóticos (ACV1 e ACV5) e os troços lênticos de ambos os açudes
(ACV2/3 e ACV4) é evidente nomeadamente na primavera onde atingiram o estado “EX ELENTE”,
enquanto nos troços lênticos se registou, por norma, uma classificação MEDÍOCRE.
Tabela 4: Classificação do Índice Português de Invertebrados do Norte IPtIN no rio Maçãs (2018 a 2021).
2018 2019 2020 2021
LOCAIS
VERÃO PRIMAVERA VERÃO PRIMAVERA VERÃO PRIMAVERA VERÃO
Lepomis gibbosus
Alburnus alburnus
Pseudochondrostoma
duriense
Squalius alburnoides
Squalius carolitertii
Luciobarbus bocagei
Achondrostoma sp.
Salmo trutta
431
• Diminuição da qualidade biológica nas estações situadas em ambas as albufeiras (i.e., ACV2/3 e
ACV4). A presença dominante da espécie Lepomis gibbosus, conjuntamente com Alburnus
alburnus e a ausência de qualquer captura de espécies nativas está na origem da pontuação nula e
da pior classificação (MAU) atribuída a dois locais de amostragem situados nas albufeiras (i.e.,
ACV2/3 e ACV4).
• Melhor qualidade biológica no troço lótico situado a montante de ambas as albufeiras (ACV5) em
comparação com o troço de jusante (ACV1). A tendência para a ocorrência de espécies piscícolas
nativas nos troços lóticos, com reflexo na classificação obtida. Obviamente que a heterogeneidade
de condições ambientais, nomeadamente troços com corrente está na base da ocorrência de peixes
nativos de carácter reófilo.
Tabela 5: Classificação da qualidade piscícola, baseado no índice F-IBIP, para o rio Maçãs (2018 a 2021).
2018 2019 2020 2021
LOCAIS
VERÃO PRIMAVERA VERÃO PRIMAVERA VERÃO PRIMAVERA VERÃO
A Ordenação Não-Métrica Multidimensional MAçãs (nMDS) das comunidades de peixes e dos locais
amostrados, tendo em consideração ambos os períodosMDS
Non-metric de amostragem (p-primavera e v-verão) e anos
(2018 a 2021), está ilustrada nas Figuras 7 e 8. Transform: Fourth root
Resemblance: S17 Bray-Curtis similarity
2D Stress: 0,01
Squalius carolitertii
Luciobarbus bocagei
Pseudochondrostoma
Squalius alburnoides
duriense
Achondrostoma sp.
Lepomis gibbosus
Salmo trutta
Alburnus alburnus
Figura 7: Ordenação Não-Métrica Multidimensional (nMDS) das espécies piscícolas, para ambos os períodos de
amostragem (p-primavera e v-verão), anos (18 a 21) e os locais amostrados (ACV1 a ACV5) no rio Maçãs.
Fonte: Elaboração própria
432
A análise nMDS das espécies piscícolas mostrou (stress de 0,01, i.e., configuração excelente) uma
separação assinalável entre as espécies com requisitos bioecológicos exigentes (e.g. truta-de-rio) e as
espécies alienígenas, com grande labilidade ecológica, francamente mais adaptadas para dominarem em
troços lênticos (e.g. perca-sol e alburno). MAçãs
Assim, tendo em conta as abundâncias presentesMDS
Non-metric em cada local amostrado e época do ano, é
também possível diferenciar claramente os locais menos perturbados
Transform: Log(X+1)
(i.e., ACV5 e ACV1) dos restantes
locais sob influência do paredão de ambas as albufeiras (i.e., ACV2/3 e ACV4)similarity
Resemblance: S17 Bray-Curtis (Figura 8).
v21ACV4
2D Stress: 0,12
p21ACV2 locais
v19ACV1 p18ACV1 v19ACV2v21ACV2
v21ACV1
p21ACV1
ACV1
v20ACV1
ACV2
v20ACV5 p19ACV1
v21ACV5
p20ACV5
p19ACV5
p18ACV3 v19ACV3 ACV3
v19ACV5 p20ACV1
v20ACV4
ACV4
ACV5
v20ACV2
p20ACV4
p21ACV5 p19ACV3
p20ACV2
p18ACV5
p21ACV4
p19ACV2p18ACV2
p19ACV4
v19ACV4
p18ACV4
Figura 8: Ordenação Não-Métrica Multidimensional (nMDS) dos locais amostrados, baseao na comunidade
piscícola. Simbologia: 1º) períodos (p-primavera e v-verão), 2º) anos (18 a 21) e 3) locais (ACV1 a ACV5)
de amostragem no rio Maçãs.
Fonte: Elaboração própria
6.6 Transponibilidade
Os resultados obtidos com a classificação atribuída pelo índice ICF., como por exemplo para o ano de
2021 (Tabela 6), evidencia que os peixes são incapazes de ultrapassarem ambos os obstáculos, quer no
período da primavera quer no período de verão, com as comportas de fundo fechadas.
Tabela 6. Valores dos parâmetros para aplicação do ICF nos açudes do Rio Maçãs (maio de 2021).
Açude h (m) z (m) Tz (m) Tw (m) ICF
Nota: h (m), diferença de cota entre a crista do descarregador e o nível de água imediatamente a jusante do obstáculo; z (m), profundidade de
água imediatamente a jusante do obstáculo; Tz (m), carga sobre a soleira descarregadora; Tw (m), espessura da soleira descarregadora; ICF,
Índice de Continuidade Fluvial.
Fonte: Elaboração própria
A potencial transponibilidade por parte dos peixes está, pois, dependente não só do regime de
caudais ecológicos pré-definidos (APA, 2018) e garantidos na gestão da infraestrutura (informação
fornecida pela Câmara Municipal de Vimioso) com a consequente abertura das comportas de fundo dos
açudes. Relativamente à monitorização sequencial de peixes marcados, prevista no Plano de
Monitorização, nunca foram recapturados quaisquer peixes marcados e libertados a jusante de ambos os
433
Açudes que tivessem transposto qualquer um dos açudes. Mesmo nos locais onde foram libertados e as
taxas de recaptura foram inferiores a 10%.
Apesar dos resultados obtidos não terem permitido verificar a capacidade de os peixes migrarem
ao longo do rio, importa equacionar a possibilidade da maioria dos peixes nativos presente no rio Maçãs,
na zona dos Açudes de Vimioso, poder manifestar um comportamento mais sedentário. Com efeito,
existem diversos estudos realizados em Portugal com ciprinídeos e leuciscídeos (Amaral et al., 2016;
Branco et al., 2017) reportando que sempre que os movimentos das populações de peixes migradores
são dificultados por barreiras, alguns exemplares podem deixar de ser migratórios e mudar a sua
estratégia de vida para se tornarem residentes. Paralelamente, espera-se que os fenómenos associados
às alterações climáticas causem mudanças significativas no comportamento dos peixes potamódromos.
O aumento esperado na temperatura da água dos rios terá sérias implicações nos processos biológicos
aquáticos, como por exemplo no desempenho natatório dos peixes e na capacidade de ultrapassar
barreiras ecológicas parciais (Kemp et al., 2011).
Conclusões
Referências
Aarts, B. G., Van Der Brink, F. W., & Nienhuis, P. H. (2003). Habitat loss as the main cause of the slow
recovery of fish faunas of regulated large rivers in Europe: The transversal floodplain gradient.
River Research and Applications, 20, 3–23.
Amaral, S. D., Branco, P., Silva, A. T., Katopodis, C., Viseu, T., Ferreira, M. T.,...Santos, J. M. (2016).
pstream passage of potamodromous cyprinids over small weirs: The influence of key‐
hydraulic parameters. Journal of Ecohydraulics,1, 79–89.
Anderson M.J., Gorley R.N., Clarke K.R. 2008. PERMANOVA+ for PRIMER: Guide to Software and
Statistical Methods. PRIMER-E Ltd: Plymouth.
APA, I.P. (2014). Relatórios de Caracterização das Regiões Hidrográficas (Art.º 5º da DQA). Agência
Portuguesa do Ambiente.
434
Baudoin, J. M., Burgun, V., Chanseau, M., Larinier, M., Ovidio, M., Sremski,W.,...Voegtle, B.
(2014).Assessing the passage of obstacles by fish. Concepts, design and application. Onema.
France.
Bochechas, J. (2014). Avaliação da continuidade fluvial em Portugal: Criação de bases para a
inventariação e caracterização de obstáculos em linhas de água. ICNF. 54pp
Branco P., Amaral S.D., Ferreira M.T., Santos J.M. (2017). Do small barriers affect the movement of
freshwater fish by increasing residency? Science of the Total Environment 581-581: 486-494.
Cabral, M. J. (coord.), Almeida J., Almeida P. R., Dellinger T., Ferrand de Almeida N., Oliveira M.E.,
Palmeirim J. M., Queiroz A. I., Rogado L. & Santos-Reis M. (Eds). (2005). Livro Vermelho
dos Vertebrados de Portugal. ICN. Lisboa. 660pp.
Collares-Pereira, M. J. (Coord.), Alves, M. J., Ribeiro, F., Domingos, I., Almeida, P. R., da Costa, P.,
… Magalhães, M. . 2021 . Guia dos eixes de Água Doce e Migradores de ortugal
Continental. Porto, Portugal: Edições Afrontamento.
Environment Agency. (2003). River Habitat Survey in Britain and Ireland. Field Survey Guidance
Manual: 2003. Bristol.
Godinho, F.N. (2009). Amostragem piscícola em lagos/albufeiras em Portugal com redes de emalhar de
malhas múltiplas – a Norma CEN EN 14757: 2005.
Gozlan, R.E.; Karimov, B.K.; Zadereev, E.; Kuznetsova, D.; Brucet, S. (2019). Status, trends, and future
dynamics of freshwater ecosystems in Europe and Central Asia. Inland Waters 9, 78–94.
Haidvogl G. (2018) Historic Milestones of Human River Uses and Ecological Impacts. Stefan Schmutz,
Jan Sendzimir (Eds) In book: Riverine Ecosystem Management. Springer Open. pp 10-39.
Hermoso V., Clavero M. (2011). Threatening processes and conservation management of endemic
freshwater fish in the Mediterranean Basin: a review. Marine and Freshwater Research
62(3):244
INAG, I.P. (2009). Critérios para a Classificação do Estado das Massas de Água Superficiais – Rios e
Albufeiras. Instituto da Água, I. P.
INAG, I.P., AFN. (2012). Desenvolvimento de um Índice de Qualidade para a Fauna Piscícola.
Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território.
INAGa, I.P. (2008b). Manual para a avaliação biológica da qualidade da água em sistemas fluviais
segunda a Directiva Quadro da Água: Protocolo de amostragem e análise para a fauna piscícola.
Instituto da Água, I.P.
INAGb, I.P. (2008a). Manual para a avaliação biológica da qualidade da água em sistemas fluviais
segunda a Directiva Quadro da Água: Protocolo de amostragem e análise para os
macroinvertebrados bentónicos. Instituto da Água, I.P.
Kemp, P.S., Russon, I.J., Vowles, A.S., Lucas, M.C. (2011). The influence of discharge and temperature
on the ability of upstream migrant adult river lamprey (Lampetra fluviatilis) to pass
experimental overshot and undershot weirs. River Res. Appl. 27, 488–498.
King, S., O'Hanley, J. R., Newbold, L. R., Kemp, P. S., & Diebel, M. W. (2017). A toolkit for optimizing
fish passage barrier mitigation actions. Journal of Applied Ecology,54, 599–611
Larinier, M., Porcher, J., Travade, F. & Gosset, C. (1994) – Passes à poisson. Expertise et Conception
des ouvrages de franchissement. Colection Mise au Poin. Conseil Supérieur de la Pêche. Paris.
336 pp.
Lucas, M.C. & Baras, E. (2001) – Migration of Freshwater Fishes. Blackwell Science. Oxford, UK.
420pp.
Marmulla, G. & Welcomme, R. (2002) – Fish passes. Design, dimensions and monitoring. Food and
Agriculture Organization of the United Nations (FAO) & Deutscher Verband fur
Wasserwirtschaft und Kulturvau. Roma. Italy. 118 pp.
Naura, M. (2016). River Habitat Survey Toolbox software. Riverdene Consultancy- Geomorphology,
Ecology, Software Development and Decision Support.
435
Ordeix, M., González, G., Sanz-Ronda, F. J., and Santos, J. M. (2018). Restoring fish migration in the
rivers of the Iberian eninsula. In ‘ rom Sea to Source 2.0. rotection and estoration of ish
Migration in ivers Worldwide’. Eds K. Brink, . Gough, J. oyte, . . Schollema and H.
Wanningen.) pp. 174–179
Postel, S.L., Ritcher B.D. (2003) Rivers for life: Managing water for people and life. Island Press,
Washington, DC, USA
Reid, A.J.; Carlson, A.K.; Creed, I.F.; Eliason, E.J.; Gell, P.A.; Johnson, P.T.; Kidd, K.A.;
MacCormack, T.J.; Olden, J.D.; Ormerod, S.J.; et al. (2019). Emerging threats and persistent
conservation challenges for freshwater biodiversity. Biol. Rev. 94, 849–873.
Solá, C., Ordeix, M., Pou-Rovira, Q., Sellarés, N., Queralt, A., Bardina, M., Casamitjana, A. & Munné,
A. (2011). Longitudinal connectivity in hidromorphological quality assessments of rivers. The
ICF index: A river connectivity index and its application to Catalan rivers. Limnetica, 30:273-
292.
Tachet, H., Bournaud, M. & ichoux, H. 1981 . Introduction à l’étude des macroinvertebrés d’eaux
douces. Univ. Claude Bernard et Assoc. de Limnol., Lyon.
Tachet, H., Richoux, PH., Bournard, M. & Usseglio-Polatera, P. (2010). Invertébrés d’eaux douces.
Systématique, biologie, écologie. CNRS Éditions, Paris
436