Segurança internacional

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SEGURANÇA INTERNACIONAL

AULA 2

Prof.ª Caroline Cordeiro Viana e Silva


CONVERSA INICIAL

Seja bem-vindo(a)!
Nesta aula, aprenderemos o conceito de segurança, com o objetivo de
entender como esse conceito foi introduzido nas Relações Internacionais, ou
seja, pensar em que momento e de que forma os analistas de Relações
Internacionais iniciaram os estudos de segurança. Vimos que o estudo teve início
na área de assuntos estratégicos e, aos poucos, foi sendo desenvolvido nas
grandes correntes teóricas das RI.
Com o desenvolvimento da área de Relações Internacionais como um
todo, foi possível que as subáreas se desenvolvessem e se responsabilizassem
pelas conquistas de seus objetos. Isso inclui a subárea de Segurança
Internacional. Pesquisadores de Relações Internacionais se dedicaram,
exclusivamente, a entender a segurança internacional, o seu conceito, a sua
evolução e também a sua aplicabilidade nos dias atuais.
Tendo em vista o desenvolvimento da subárea de segurança
internacional, nesta aula vamos nos dedicar às correntes teóricas específicas da
área de segurança. Iniciaremos conversando sobre a teoria de securitização da
Escola de Copenhague. Essa teoria será vista em dois momentos:
primeiramente em sua versão ampliada e depois em seu conceito de processo
de securitização. Em seguida, trataremos do conceito de segurança sob a luz da
corrente de segurança humana. Seguiremos para a teoria pós-estruturalista e,
por fim, veremos os debates dos estudos feministas de segurança internacional.

TEMA 1 – ESCOLA DE COPENHAGUE – VISÃO AMPLIADA

Na área de segurança internacional, conforme vimos anteriormente, o


conceito de segurança era debatido particularmente entre as teorias clássicas
das RI. Especial destaque para a teoria realista e neorrealista, que dominaram o
debate de segurança desde o final da Primeira Guerra Mundial até os anos de
1980. Essa prevalência da teoria realista foi questionada por acadêmicos de
Relações Internacionais, em especial os pesquisadores da Europa. (Pereira;
Silva, 2018)
Importante lembrar que esse movimento de renovação teórica liderado
pelos europeus reflete o contexto vivenciado pelo continente. As marcas da
Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria permaneciam no dia a dia das

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pessoas, alavancando o processo de análise acadêmica sobre o conceito de
segurança. Nesse contexto foi criada, em 1985, a Escola de Copenhague,
originalmente chamada de Copenhagen Peace Research Institute (Tanno,
2003).
A Escola, formada inicialmente por Barry Buzan, Lene Hansen, Ole
Waever e Jaap de Wilde, surgiu da insatisfação com o engessamento da teoria
realista que mantinha apenas o Estado e suas teses militares como foco das
questões de segurança. A insatisfação com o conceito de poder militar na
segurança foi estimulada pelas agendas internacionais ambientais e econômicas
durante as décadas de 1970 e de 1980.
O argumento central dos autores da Escola foi formulado com base em
três premissas: 1. A segurança deveria deixar de ser pensada apenas como
defesa ou ataque. 2. As armas nucleares – reflexão feita em detrimento do
contexto do pós-Segunda Guerra Mundial. Analisar somente os meios militares
para entender a segurança não era mais suficiente, especialmente para entender
a utilização ou não de armas nucleares. A disputa nuclear se tornou a arte de
evitar guerras. 3. Um caráter civil fortalecido. Eram necessárias novas
especialidades para desabilitar o oponente. Era importante, por exemplo,
também analisar as fragilidades econômicas dos adversários (Silva, 2013).
Os autores de Copenhague deixaram claro que o objetivo da Teoria de
Securitização não é uma ruptura com as teorias tradicionais das Relações
Internacionais, mas sim uma nova forma de analisar a política internacional. Os
autores optaram por desenvolver a ideia lançando mão de conceitos clássicos
da Teoria Realista e também da Teoria Construtivista (Silva, 2017).
Na Teoria Realista é utilizada a centralidade do Estado, ou seja, a análise
de securitização de um tema é baseada no Estado. Desta forma, a pergunta
parte sempre da premissa de como um Estado securitiza determinado tema de
segurança. Essa centralidade no Estado organiza a aplicação da Teoria de
Securitização, vinculando o analista aos meios de o Estado lidar com
determinado tema de segurança (Silva, 2013).
Já na Teoria Construtivista, o conceito de construção social que é
utilizado. Os autores de Copenhague entenderam que um problema de
segurança é compreendido como de segurança por ser argumentado como tal.
O mundo é construído por falas, conversas e relações sociais. Se um objetivo é
visto como um tema de segurança, significa que houve um discurso nesse

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sentido. Um agente securitizador argumenta em sua fala que determinado tema
é uma ameaça à existência do Estado. É assim que se inicia a construção social
do tema (Silva, 2019).
Sendo assim, a securitização é um processo que trata de uma
argumentação sobre o futuro. Os argumentos sempre envolvem a decisão em
duas possibilidades de caminho: o que irá acontecer se não for tomada uma
ação e o que ocorrerá se a ação for tomada. Partindo da ideia de que todo tema
de segurança é visto efetivamente como um tema de segurança porque foi
argumentando como tal, os autores definem que: a) Existe sempre um
interlocutor, alguém que discursa pelo tema. Esse interlocutor é chamado de
agente securitizador. b) O agente securitizador discursa sobre um tema,
alegando que esse tema é uma ameaça à existência do Estado. (Buzan; Waever;
Wilde, 1998)
Nessa etapa da discussão, os autores argumentam que questões de
segurança devem ser analisadas de forma mais ampla; não devemos olhar
apenas para o setor militar. Os pesquisadores afirmam que uma ameaça à
existência do Estado pode vir de diversos setores: econômico, político, societal,
ambiental, militar e cibernético. Essa possiblidade de análise de diversos setores
é chamada de visão ampliada da agenda de segurança (Silva, 2019).
O setor militar concentra os temas focados em ameaças externas e
também internas. Refere-se à possibilidade de um Estado ser atacado por outro
Estado e a capacidade que ele tem de se defender militarmente de ameaças
internas. Sendo assim, está relacionado às forças armadas, tanto ofensivas
quanto defensivas. Também trata da capacidade dos Estados em perceberem a
intensão (força, impetuosidade) dos outros Estados. O setor militar ocupa-se do
uso do poder militar para defender os estados e governos de ameaças à sua
integridade territorial (Buzan, Barry; Waever, Ole; Wilde, 1998).
No setor político são todas as questões que podem destruir ou abalar a
estabilidade organizacional do Estado. Nesse setor são pensadas ameaças aos
ideais do Estado, a sua base física e as instituições do Estado. As ameaças
desse setor são pressões para a adoção de determinadas políticas, pedidos de
substituição do governo e incentivos à sucessão (Buzan, Barry; Waever, Ole;
Wilde, 1998).
No setor societal, as ameaças vêm de identidades coletivas que podem
existir e funcionar sem a necessidade do Estado. São identidades que funcionam

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como uma nação ou uma determinada religião e essa existência é independente
do Estado local. Esse setor está ligado ao setor político, à segurança societal
está relacionada com a estabilidade da organização governamental, ao sistema
de governo e às ideologias de governos, que são ameaçadas por identidades
coletivas de determinados grupos, sociedades.
O setor econômico está vinculado à sobrevivência do Estado em uma
lógica capitalista. Uma ameaça econômica pode também se tornar uma ameaça
política e militar. Um tema econômico pode vir a se tornar um tema de segurança.
É ameaçada a habilidade do Estado de manter a capacidade de produção
quando existe a possibilidade de dependência econômica no mercado global e
pela ameaça ao abastecimento de um Estado. Além desses aspectos singulares
das economias estatais, também existe o temor de que a economia internacional
viva uma grande crise econômica, ameaçando a existência de alguns Estados
(Buzan, Barry; Waever, Ole; Wilde, 1998).
O setor ambiental é composto de duas premissas: o meio ambiente por si
só e a qualidade de vida. O primeiro ponto é vinculado à agenda científica, já o
segundo ponto é vinculado à agenda política. Embora elas se sobreponham e
se moldem, a agenda científica é tipicamente incorporada por ciência e
atividades não governamentais. Ela é construída fora dos fóruns políticos e
composta, principalmente, por cientistas e instituições de pesquisa e oferece
uma lista de problemas ambientais que prejudicam ou tem potencial para
prejudicar a evolução da civilização atual. Já a agenda política é essencialmente
governamental e intergovernamental. Consiste no processo público de tomada
de decisão e políticas públicas que atendam às preocupações ambientais
(Buzan, Barry; Waever, Ole; Wilde, 1998).
O último setor é o cibernético. A inclusão desse setor ocorreu com a
revisão da Teoria de Securitização. Em sua versão original, publicada em 1998,
eram previstos cinco setores, porém, com a inclusão da participação da autora
Lane Hansen à Escola, foi incorporada também a sua pesquisa, propiciando a
adesão do 6.º setor, o cibernético. Esse setor prevê que temas ciberespaciais
também possam gerar ameaças à existência de Estados. Desta forma, crimes
cibernéticos, por exemplo, podem ser temas favoráveis para o processo de
securitização (Silva, 2019).

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TEMA 2 – ESCOLA DE COPENHAGUE – PROCESSO DE SECURITIZAÇÃO

O segundo tema desta aula está intimamente ligado com o primeiro.


Conforme vimos na primeira parte da aula, a proposta da Escola de Copenhague
para a Teoria de Securitização é de que a securitização é um processo
socialmente construído pela interação entre agentes e estrutura. Os autores
argumentam que um tema só se torna uma ameaça à existência de um Estado
porque foi defendido em discurso como tal. Mas o discurso não é o único
elemento para a securitização do tema, é necessária também a aceitação do
público alvo (Buzan; Waever; Wilde, 1998).
Para entender melhor essa afirmação, os pesquisadores do assunto
definiram que todo tema passa um processo; inicia como uma ideia, uma
sensação; percorre um caminho para que, ao fim, seja visto como uma real
ameaça ao Estado. Esse caminho é chamado de processo de securitização
(Silva; Pereira, 2017).
O processo de securitização é definido em três etapas, sendo elas: não
politizado, politizado e securitizado. Todo tema, quando considerado como um
tema de segurança e analisado com a Teoria de Securitização, passa por essas
etapas. Cabe ao pesquisador identificar em qual momento do processo está o
seu tema de análise. Da mesma forma que todo tema pode caminhar de não
politizado para politizado e, enfim, para securitizado, o caminho contrário
também pode ocorrer, sendo chamado de dessecuritização (Silva, 2019).
Para entender melhor, vamos analisar cada uma dessas etapas do
processo e pensar como o tema caminha de uma etapa para outra.

2.1 Não politizado

Em um processo de securitização, o primeiro status do tema é o não


politizado. Estar como não politizado significa que já existe um discurso sobre
o tema, porém o Estado não é envolvido. Ou seja, existe um agente securitizador
que coloca em seu discurso um determinado tema. Esse discurso alega que o
tema é uma ameaça à existência do Estado.
Nessa etapa, o analista consegue identificar o agente securitizador e fazer
a análise do conteúdo do discurso desse agente, mas ainda não é possível
identificar uma pauta pública sobre o tema (Silva, 2013).

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2.2 Politizado

O avanço do tema no processo de securitização para a segunda etapa


leva ao politizado. Nessa etapa, o agente securitizador permanece como
responsável pelo discurso, o que muda é que o discurso do agente se ampliou
de tal modo que temos o envolvimento do Estado.
Para definir que o tema está em politizado é preciso confirmar o não
politizado. Além disso, é necessário conferir se há uma política pública, se há
decisões governamentais e se há alocação de recursos públicos para o tema.
Importante notar que nessa etapa o tema ainda não é visto como uma real
ameaça à existência do Estado, mas o discurso inicia o convencimento e o
Estado passa a se envolver com o tema, utilizando o aparato estatal disponível
para lidar com ele.
Sendo assim, dois pontos são extremamente relevantes para essa etapa:
o discurso do agente securitizador e o envolvimento do Estado com o tema, por
meio da utilização dos aparatos estatais disponíveis.

2.3 Securitizado

A última etapa possível para o processo de securitização é denominada


securitizado. Nesse momento, existe a soma dos elementos das etapas
anteriores e além disso:

 Aceitação do público-alvo de que é uma ameaça à existência do Estado.


 Exige uma ação do Estado que é emergencial, pontual e foge dos
procedimentos políticos normais.

Importante notar que essa etapa não conta apenas com o discurso, mas
também com o chamado ato de fala. O ato de fala é um divisor de águas, muda
o status do tema, por exemplo: “Estamos em Guerra”. O status anterior era sem
guerra, o status atual é em guerra.
Essa etapa exige um esforço do analista para a confirmação da
securitização de um tema. É necessário que o analista identifique todos os
elementos da etapa anterior e some a ela a identificação do ato de fala, a
identificação da confirmação do público-alvo e a identificação de uma ação
emergencial, pontual e que fuja da política comum do Estado.

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Apenas com todos esses elementos é possível afirmar que um
determinado tema foi securitizado.

TEMA 3 – SEGURANÇA HUMANA

Ao final dos anos de 1990, a agenda internacional e, especialmente, a


agenda dos Estados Unidos priorizavam dois grandes temas: o desenvolvimento
econômico e a segurança militar. Com o fim da Guerra Fria, foi possível
entrelaçar esses dois temas. O entrelaçamento do desenvolvimento com a
segurança oportunizou o surgimento do conceito de segurança humana (King;
Murray, 2000, p. 585).
Os dois grandes autores da teoria de segurança humana, King e Murray
(2000), definem que a segurança humana é o número de anos de vida futura
fora do estado de pobreza generalizada, sendo que o conceito de pobreza
generalizada é estar abaixo do limiar do bem-estar humano. Desta forma,
segurança humana é o número de anos de vida sem estar abaixo do limiar do
bem-estar. Segurança não é sinônimo do nível médio de bem-estar futuro, mas
refere-se aos riscos de ser severamente privado.
E o que podemos entender por bem-estar? Buscando compreender o que
pode ser considerado bem-estar, a ONU cria a Unicef e passa a pensar no
desenvolvimento humano. O objetivo era não pensar apenas na renda per capita,
mas analisar outras variáveis como expectativa de vida, nutrição e escolaridade
populacional.
Esse é um importante marco para o conceito de segurança: a ONU,
representando seus Estados-membros, aponta para a necessidade de se parar
de falar em segurança apenas limitando-se a fronteiras. Foi o início das
verificações de IDH. Desde então, a ONU lança anualmente os dados de IDH
por país. Apesar de ser questionado na academia, o IDH representou uma
importante mudança de foco ao enfatizar as dimensões do desenvolvimento
vinculadas diretamente aos seres humanos. Representa a primeira corrente
teórica que pensou a segurança do indivíduo e não do Estado.
Importante notar que esse encontro entre os analistas de
desenvolvimento e os analistas de segurança foi importante por capturar
interesses políticos e recursos financeiros. Vendo a segurança humana não
como preocupação com armas, e sim como a preocupação com a dignidade
humana.
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Os autores King e Murray (2000, p. 592) definem a segurança humana da
seguinte forma: “Definimos a segurança humana de um indivíduo como a
expectativa de anos de vida sem enfrentar o estado de pobreza generalizada. A
segurança humana da população é então uma agregação da segurança humana
dos indivíduos.” (tradução nossa). O conceito de segurança humana traz um
importante ganho para as teorias de relações internacionais. Durante a década
de 1990, todas as construções conceituais foram importantes, principalmente por
apresentarem perspectivas diferentes da visão realista clássica e mesmo sua
versão neorrealista.

TEMA 4 – PÓS-ESTRUTURALISMO

Os pós-estruturalistas aqui representados por Campbell apresentam uma


crítica à teoria neorrealista, e, com isso, repensam o conceito de segurança. Nas
décadas anteriores, o perigo era constatado como dado, como fixo; os eventos
eram vistos como uma ameaça por si só. Esse é o ponto questionado pelos pós-
estruturalistas. Campbell demonstra que a reação a um determinado evento é
que determinará se um tema é de segurança ou não.
Para entender essa visão, Campbell nos convida a refletir sobre como o
Iraque passou a representar um perigo aos Estados Unidos, mesmo estando tão
distante. Essa noção de perigo mudou ao longo do tempo. Na década de 1980,
Irã e Iraque entraram em conflito e os EUA não reagiram com intensidade, ou
seja, não consideraram o evento como um risco à segurança do país. Já na
década de 1990, o Iraque é compreendido como um risco, como uma relevante
questão de segurança, revelando como o perigo é um efeito da interpretação de
eventos.
O conceito de segurança é uma interpretação dos riscos. Ou seja, é
necessário que primeiro ocorra um evento para depois verificar a interpretação
desse evento. A interpretação pode variar conforme a identidade de cada ator.
O que é considerado um perigo, uma questão de segurança, é o resultado do
cálculo de uma ameaça que objetiva eventos, disciplina as relações e sequestra
um ideal de identidade das pessoas que estão em risco. Avançando, o autor
afirma que não existe nada que esteja fora do discurso, o que gera um peso
sobre a interpretação.
A obra de Cynthia Weber (1995) contribuirá, também, para a construção
do pensamento pós-estruturalista. Enquanto o ponto central de Campbell era a
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identidade, Weber desenvolveu seu argumento centrado na questão da
soberania. O importante é notar que ambos os autores focam seus estudos na
importância da análise de conteúdo de discurso. O discurso dos agentes é que
irá determinar se uma questão é ou não de segurança internacional.

TEMA 5 – ESTUDOS FEMINISTAS DE SEGURANÇA

Os estudos feministas também fizeram importantes contribuições para os


estudos de segurança. Dentre toda a produção dos estudos feministas de
segurança, dois deles serão enfatizados em nossa aula. O primeiro é o clássico
texto de Ann Tickner: Gender in international relations: feminist perspectives on
achieving global security, publicado em 1992 e amplamente debatido nos anos
2000. O segundo texto apresentado será de Cynthia Enloe: Base women, que
teve sua primeira publicação em 1969, mas que será trabalhado aqui segundo a
versão do capítulo do livro International security, de 2007.
Tickner tem o propósito de mostrar como a política internacional é uma
esfera de atividade masculinizada. Para a autora, a disciplina acadêmica de
Relações Internacionais privilegia questões que crescem com base em
experiências dos homens. As Relações Internacionais – como disciplina – leva
seus acadêmicos a acreditarem que as políticas de guerra e poder são esferas
de atividade em que os homens têm uma afinidade especial e que suas vozes
na descrição e prescrição para este mundo são, portanto, mais autênticas
(Tickner, 1992).
Especificamente sobre segurança internacional, Tickner defende que a
segurança deve ser entendida como ampla. Pensar no conceito ampliado de
segurança desprende os analistas do pensamento exclusivo militar e propicia a
possibilidade de debates mais próximos das experiências das mulheres. E com
essa proposta de ampliação, a autora sugere que o conceito de segurança
verdadeiramente abrangente inclui questões de gênero e a eliminação de
dominação e subordinação.
Cynthia Enloe também contribui para a construção dos estudos feministas
de segurança. Assim como Ticker, Enloe trabalha com a invisibilidade feminina.
A diferença é que Ticker trabalhou com invisibilidade acadêmica e Enloe
trabalhou com bases militares. Enloe mostra em seus estudos como as bases
militares passam a fazer parte da rotina, da vida cotidiana da localização em que
estão, e quais são as consequências disso.
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Uma base estrangeira exige um ajuste especialmente delicado das
relações entre homens e mulheres, pois se o ajuste entre homens locais e
estrangeiros e mulheres locais e estrangeiras se romper, a base poderá perder
sua camuflagem protetora. Pode se tornar alvo de ressentimentos nacionalistas,
o que pode subverter a própria estrutura de uma aliança militar.
Desde a Segunda Guerra Mundial, a mulher ocupou diversos papéis, no
retorno dos militares aos seus países de origem, na administração individual da
família durante o período dos homens nas bases, mulheres como militares. Mas
a academia pouco pensou nas mulheres que viveram no entorno da base e a
sua relação com os militares. Ao analisar o conjunto, essas experiências
aparentemente diferentes das mulheres se somam a uma política governamental
de gênero. Ao analisar bases militares, é possível identificar a política de gênero
no setor mais tradicional das Relações Internacionais, o setor militar (Enloe,
2007).
As duas autoras apresentadas nessa subseção são apenas o início do
pensamento feminista sobre segurança. O que lhes é comum é a identificação
da falta de representatividade feminina ao se pensar em segurança e relações
internacionais.

NA PRÁTICA

Refletindo especialmente sobre os estudos feministas de segurança e


tentando repensar sobre a área de Relações Internacionais de maneira geral,
retome seus livros das disciplinas: Teoria de Relações Internacionais, Teorias
Contemporâneas de Relações Internacionais e História Contemporânea das
Relações Internacionais. Visite as referências bibliográficas e verifique quantas
das referências citadas são mulheres. Reflita, particularmente, sobre as Teorias
Clássicas de Relações Internacionais: realismo, neorrealismo, liberalismo,
neoliberalismo, Teoria Crítica, Escola Inglesa e Teoria de Regimes. Quem são
os autores principais dessas teorias? Há mulheres? Quantas?

FINALIZANDO

Nesta aula, estudamos o desenvolvimento da área de estudos de


segurança internacional. Vimos que muitas das teorias contemporâneas nascem
do descontentamento do engessamento das teorias tradicionais da área. Todas

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as novas vertentes contribuíram com a área ao refletirem sobre o conceito de
segurança e por pensarem em como esse conceito melhor se adequa para a
análise das relações internacionais.
Iniciamos a aula conversando sobre a Escola de Copenhague, em
especial a sua teoria de securitização. Vimos que a colaboração da Escola foi
importante por sugerir a ampliação da agenda de segurança. Os autores
propõem que temas de segurança podem vir de seis setores, são eles: militar,
ambiental, político, econômico, societal, cibernético.
Além disso, a Escola de Copenhague sugere que temas de segurança
são socialmente construídos, ou seja, dependem da relação entre agente e
estrutura. Todo tema precisa de um agente securitizador que discurse sobre ele.
Os temas passam por um processo de securitização, dividido em três etapas:
não politizado, politizado e securitizado.
Seguindo em frente, tratamos do conceito de segurança humana. O
diferencial dessa corrente é a proposta de pensar segurança por indivíduos e
não por Estados. Atrelada ao desenvolvimento e à segurança, a proposta é
pensar a segurança humana como o número de anos de vida sem estar abaixo
do limiar do bem-estar. Alinhado a esse pensamento está a ONU e a verificação
do IDH dos países.
A próxima teoria que estudamos foi o pós-estruturalismo pensado para a
área de segurança. Aqui verificamos que o conceito de segurança é uma
interpretação dos riscos, ou seja, é necessário que primeiro ocorra um evento
para depois verificar a interpretação desse evento. Assim como a Teoria de
Securitização, para os pós-estruturalistas o discurso é a chave para a
compreensão.
Por fim, o último tema de nossa aula esteve voltado aos estudos
feministas de segurança internacional. Nesse ponto, verificamos a ausência das
mulheres nos temas de segurança. Essa ausência ocorre de duas formas. A
primeira é na própria academia. As autoras mulheres não são estudadas e
referenciadas. O segundo ponto é a ausência de estudos sobre mulheres em
regiões de bases militares e em regiões de conflito.

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REFERÊNCIAS

BUZAN, B.; WAEVER, O.; WILDE, J. de. Security: a new framework for analysis.
Boulder: Lynne Reinner, 1998.

ENLOE, C. Base women. In: BUZAN, B.; HANSEN, L. (Org.). International


security. 1. ed. Londres: Sage Publications, 2007. p. 105–128. v. II.

KING, G.; MURRAY, C. Rethinking human security. Political science quarterly,


v. 116, n. 617, p. 585–610, 2000.

PEREIRA, A. E.; SILVA, C. C. V. e. Processo de securitização: uma análise


sistêmica da aplicação do conceito de securitização em artigos internacionais.
In: 11.º ENCONTRO DA ABCP, 2018, Curitiba. Anais... Curitiba: 11° Encontro
da ABCP, 2018.

SILVA, C. C. V. e. Escola de Copenhague: um avanço teórico. In: 6.º


ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES
INTERNACIONAIS, 2017, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Anais
eletrônicos, 2017.

______. C. C. V. e. Segurança internacional e novas ameaças: a securitização


do narcotráfico na fronteira brasileira. 127 f. Tese. (Doutorado em Ciência
Política) – Universidade Federal do Paraná, 2013.

______. Securitização: uma análise da aplicação empírica para operacionalizar


o conceito de securitização da Escola de Copenhague. 225 f. Tese. (Doutorado
em Ciência Política) – Universidade Federal do Paraná, 2019.

TANNO, G. A contribuição da Escola de Copenhague aos estudos de Segurança


Internacional. Contexto Internacional, v. 25, p. 47–80, 2003.

TICKNER, J. A. Gender in international relations feminist perspectives on


achieving global security. Nova Iorque: Columbia University Press, 1992. v. 4.
Disponível em:
<http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09612029500200139>. Acesso
em: 19 nov. 2019.

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