Medicina de Família e Comunidade, Atenção Primária à Saúde e Estratégia Saúde da Família Relações, Desafios e Potencialidades
Medicina de Família e Comunidade, Atenção Primária à Saúde e Estratégia Saúde da Família Relações, Desafios e Potencialidades
Medicina de Família e Comunidade, Atenção Primária à Saúde e Estratégia Saúde da Família Relações, Desafios e Potencialidades
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Índice
Introdução ................................................................................................................................................09
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Medicina de Família e Comunidade, Atenção Primária à Saúde e
Estratégia Saúde da Família:
Relações, Desafios e Potencialidades (1)
Maria Inez Padula Anderson (2), Ricardo Donato Rodrigues (3)
SUMÁRIO EXECUTIVO
Por que, mais de 40 anos após Alma Ata, a Atenção Primária à Saúde (APS) e a Medicina de
Família e Comunidade (MFC), ainda não conseguiram se consolidar no Brasil e na grande maioria
dos países da América Latina? Por que a Estratégia Saúde da Família, apesar de todos os avanços
que têm trazido ao Sistema de Saúde brasileiro está sofrendo um processo de desmonte?
Esta Nota Técnica foi produzida com o propósito de refletir sobre uma matriz explicativa que
possa ampliar a compreensão das motivações que, até os dias de hoje, impedem o
desenvolvimento adequado da Medicina de Família e Comunidade e da própria Atenção Primária
à Saúde nos sistemas de saúde de todo o mundo, mas, principalmente, no Brasil e na América
Latina. Avalia-se que compreender e refletir sobre estas motivações mais seminais podem
contribuir para desenvolver estratégias e planos de ação mais competentes e resolutivos no
enfrentamento e superação destes problemas. Para tanto, entende ser pertinente analisar os
impactos da Reforma Flexner na formação e na prática médica, em praticamente todo o mundo
ocidental, a partir de 1910, , uma vez que esta reforma se traduziu e se traduz em uma
determinada forma de entender saúde e doença, e de valorizar algumas práticas e modelos de
sistemas de saúde em detrimento de outros.
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fármacos e equipamentos médico-hospitalares – na sua prática. Enfatiza que esta medicina com
foco na doença fragmenta o olhar profissional em um número crescente de especialidades e
respectivas áreas de atuação em detrimento da pessoa em sua integralidade e que tal modelo
assistencial assume uma posição hegemônica a partir da Reforma Flexner do ensino médico
iniciada em 1910 nos Estados Unidos. Neste contexto, a medicina generalista perde espaço e
reconhecimento.
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O documento de 2007, da Organização Pan-americana da Saúde - Renovação da Atenção
Primária em Saúde nas Américas - identifica as resistências à implantação e ao desenvolvimento
da APS nas Américas, que podem ser consideradas atuais, até os dias de hoje. Os opositores à
APS estão apresentados como "[...] aqueles que veem a renovação da APS como uma ameaça a
um status quo que desejam manter. [e, neste contexto] alguns médicos especialistas e suas
associações, hospitais, assim como a indústria farmacêutica e algumas organizações de difusão
para suas ideias”. Chama ainda a atenção para o fato de que esses grupos estão entre os “mais
poderosos em termos de recursos e capital político [e, seus] interesses estão frequentemente
alinhados em oposição a muitos esforços de reforma da saúde”.
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Ao longo dos seus 45 anos de existência no Brasil, a MFC vem sofrendo desafios como ameaças
de extinção como especialidade. A criação em 1994, do Programa de Saúde da Família (PSF),
tornado Estratégia Saúde da Família (ESF) em 1996, abre afinal a possibilidade de um campo de
trabalho para a MFC no Brasil, no contexto de um modelo de APS mais robusto, afastado
daquela ideia simplista sempre associada à APS.
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Além disso, cita outras políticas, como parte deste processo de desmonte: a PNAB 2017, o
programa Saúde na Hora; o Médicos pelo Brasil; o Previne Brasil. Ressalta que estas iniciativas
apontam para o comprometimento dos princípios da universalidade e da integralidade que
regem o SUS e restringem o alcance do olhar profissional, limitando o espectro da prática em
saúde na APS, valorizando apenas o cuidado clínico individual, em detrimento das abordagens
familiar e comunitária.
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INTRODUÇÃO
Por que, mais de 40 anos após Alma Ata, a Atenção Primária à Saúde (APS)e a Medicina de Família
e Comunidade (MFC), ainda não conseguiram se consolidar no Brasil e na grande maioria dos
países da América Latina? Por que a Estratégia Saúde da Família, apesar de todos os avanços que
têm trazido ao Sistema de Saúde brasileiro está sofrendo um processo de desmonte? Esta nota
técnica objetiva apresentar respostas a estas perguntas, tomando como base de análise uma
matriz explicativa que se relaciona aos princípios e conceitos que apoiaram a organização dos
sistemas de saúde em todo o mundo a partir do Século XX. Parte do pressuposto de que é
necessário compreender a raiz dos problemas que até hoje impactam e afetam negativamente a
APS e a MFC, para que se possa enfrentá-los de modo mais resolutivo. Para tanto, entende-se
pertinente analisar os impactos da Reforma Flexner na formação e na prática médica, no mundo
ocidental, desde 1910. Neste contexto, aborda também as dificuldades para a desenvolvimento
da MFC no Brasil, desde os primeiros programas de residência na área, em 1976, e que se
referem também às dificuldades para o desenvolvimento de uma APS qualificada, em quase toda
a América Latina. Descreve os conceitos da especialidade que se relacionam densamente com os
da própria APS. Reflete sobre as políticas de indução instituídas nos primeiros 16 anos do século
XXI para o desenvolvimento da Estratégia Saúde da Família, modelo reconhecido e exitoso de APS
e aponta o desmonte das políticas neste âmbito desde o golpe de estado de 2016. Finaliza
contextualizando os desafios atuais para a MFC na ESF/APS, bem como aponta as principais
estratégias a serem desenvolvidas para sua superação.
É importante lembrar, inicialmente, que a maioria absoluta dos cuidados em saúde que as
pessoas necessitam receber ao longo da vida concentram-se na Atenção Primária à Saúde (APS),
inclusive as necessidades de atendimento clínico, uma atividade estratégica na prática do
especialista em Medicina de Família e Comunidade (Gascon et al, 2019; Anderson & Rodrigues,
2017).
Mas, de onde teria vindo a racionalidade científica que deu origem a este modelo fragmentário e
tecnicista de saúde que se tornou hegemônico em todo o mundo ocidental?
Descartes (1596 – 1650), filósofo, físico e matemático francês, é considerado o primeiro a forjar o
método que serviu de base às ciências modernas, incluindo a medicina – o paradigma cartesiano,
ainda hegemônico. Este paradigma, caracterizado por uma concepção mecanicista e reducionista
do mundo, pressupõe que recortar a realidade em suas partes constituintes permitiria estudá-la
de modo mais objetivo e assim apreender e explicar a verdadeira natureza dos fenômenos
(Descartes apud Membros do grupo de discussão Acrópolis, 2018)
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A partir deste paradigma, na transição entre os séculos XVIII e XIX emergiu um padrão assistencial
tecnicista, no qual o modelo explicativo das doenças partia do estabelecimento de uma
correlação entre o quadro clínico de doentes hospitalizados e os achados anatômicos revelados
em seus corpos, depois de mortos, pela técnica de necropsia, por isso também denominada
medicina anátomo-clínica (Rodrigues & Anderson 2018).
Não por acaso, no contexto da Revolução Industrial e dos problemas sociais e sanitários trazidos
por ela - agravados pelas exigências do mercado de trabalho que reclamavam por um rápido
retorno da mão de obra para o processo de produção - surgem as iniciativas da Fundação
Carnegie, tendo à frente dois bilionários norte-americanos, Andrew Carnegie (1835-1919),
magnata da siderurgia, e John D. Rockefeller (1839-1937), magnata do petróleo. Esta fundação
financiou um estudo sobre a “Educação Médica nos EUA e Canadá”, levado a cabo por Abraham
Flexner que resultou no conhecido Relatório Flexner (Flexner, 1910).
Este relatório teve por base a avaliação de que havia grande variabilidade nos cursos de formação
médica, seja em relação ao padrão de qualidade, seja em relação ao conteúdo do que se
ensinava, à época bastante influenciado por práticas da medicina tradicional, consideradas como
não cientificas.
Em 1910, o Relatório Flexner (Flexner Report) é publicado, sendo considerado até os dias de hoje,
o maior responsável pela mais importante reforma das escolas médicas de todos os tempos nos
Estados Unidos da América (EUA), com profundas implicações tanto para a formação médica,
como para a prática médica e para a própria modelagem dos sistemas de saúde em todo o
mundo. Mas, apesar de ter focado nas escolas médicas, os princípios, os pressupostos e as
recomendações do relatório também afetaram a formação e a prática de todas as profissões da
área da saúde.
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As recomendações de Flexner, visando uniformizar e aprimorar o desempenho profissional,
centravam-se na reorganização do ensino médico em torno do modelo anátomo-clínico
constituído na transição entre os séculos XVIII e XIX, um modelo de medicina instituído no rastro
da “progressiva autoridade epistemológica e social das ciências” (Luz, 1988: 117). Assim, Flexner
consagrava os princípios da biomedicina e enfatizava a importância das ciências biológicas e
naturais como eixo estruturador das atividades de ensino, pesquisa e prática médica (Rodrigues
& Anderson, 2018).
Sintonizado com a concepção científica dominante em sua época, Flexner descrevia o corpo
humano à semelhança de uma complexa máquina artificial, cujas partes, formadas por tecidos e
órgãos, deviam receber uma abordagem científica e especializada.
Vale ressaltar que de acordo com a biomedicina, a fisiopatologia da doença é entendida como o
próprio agravo, e não como sua expressão.
Na realidade, nesta época, o paradigma cartesiano, que preconiza a fragmentação do corpo para
melhor entender a doença, afastava as concepções multi e interfatoriais dos processos saúde-
adoecimento, já preconizadas por Hipócrates. Já se sabia, à época, que o processo saúde-doença
é influenciado por um conjunto heterogêneo de variáveis biológicas, psicológicas e
socioambientais.
Mas na insuficiência de bases científicas mais consistentes as conexões entre elas eram
desenhadas segundo uma lógica linear de acordo com os mandamentos da ciência cartesiana.
Isto quando não se recorria a meras especulações que em certas circunstâncias ainda emergem
do senso comum.
Foi preciso esperar que a teoria ou paradigma da complexidade (Kapra, 1996, Maturana, 1995,
Morin, 1996); do modelo biopsicossocial (Engel, 1977) e os conhecimentos da
psiconeuroimunoendocrinologia (Arias, Arzt, Bonet, 1998) inspirassem as ciências da saúde e,
particularmente, instrumentalizassem a biologia contemporânea para revelar uma nova realidade.
Isto é, para desvelar a teia de relações entre a mencionada constelação de variáveis que
condicionam o processo saúde-doença, materializando o fenômeno que Deveza (1983) chamou
de condensação de expressões. Essa fragmentação do olhar, advinda do paradigma
cartesiano/flexneriano reduz perigosamente a compreensão do processo saúde adoecimento
como fenômeno complexo, bem como restringiram e restringem o universo de intervenções
possíveis (Anderson & Rodrigues, 2019; Aguiar, 2007).
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Assim, a implantação das diretrizes do Relatório Flexner, com a consolidação do ensino médico
em bases flexnerianas se constituiu um caminho decisivo para potencializar o desenvolvimento
da biomedicina, de base cartesiana. Primeiro, no nível do conhecimento médico e, logo depois,
em termos da prática médica, e, consequentemente, em termos do próprio modelo técnico-
assistencial dos sistemas de saúde.
A medicina cartesiana, com base no modelo anátomo-clínico, assume, então, uma posição
hegemônica no contexto assistencial dos Estados Unidos, Canadá e a seguir no mundo ocidental.
Essa escalada se processou em detrimento de outros modelos médicos. Particularmente, em
detrimento da homeopatia, que até então coexistia em igualdade de condições com o modelo
científico e desfrutava de considerável prestígio na sociedade americana. Com base nesta lógica
docente-assistencial, o hospital foi tido como cenário privilegiado para formar um bom médico.
Derivativamente, consolida-se o modelo docente-assistencial hospitalocêntrico que se tornou
hegemônico, em praticamente todo o mundo.
Vale lembrar que, até os anos 1800, ainda sem o advento da Revolução Industrial, as populações
ainda residiam majoritariamente em pequenas cidades, e a agricultura e a produção de bens
eram a base principal da economia. Os cuidados em saúde não eram estruturados; o médico
costumava visitar seus pacientes em um cavalo ou em uma charrete. A maioria dos médicos não
tinha treinamento formal; alguns aprenderam o trabalho como aprendizes, trabalhando com
médicos mais velhos ou participando de pequenos cursos e oficinas. Não havia escolas médicas,
nem treinamento organizado, nem medicina organizada e nenhum sistema para garantir a
qualidade do atendimento (Gutierrez & Scheid, 2002). No período compreendido entre a
Revolução Francesa e a Revolução Industrial, antes da constituição da medicina cientifica
propriamente dita, era comum, a figura do “médico de cabeceira” ou “generalista”, profissional
considerado com qualificação técnica e conhecimentos em medicina, que se encarregava dos
problemas de saúde e atuava como conselheiro das famílias, bem como de problemas
educacionais (Zurro, Gascón,Ceitlin, 2019).
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Apesar dos reconhecidos benefícios advindos da produção de medicamentos, não seria
despropositado usar o termo indústria da doença para caracterizar o incremento da indústria
farmacêutica, como também a de equipamentos diagnósticos e de tratamento que, no contexto
do mundo capitalista, deram origem ao chamado complexo médico-industrial da saúde, um dos
setores mais concentradores de riqueza desde a segunda metade do século XX. Este poderoso
complexo e suas potentes estratégias de marketing, incluindo o financiamento de estudos,
mesmo nos mais respeitados núcleos de pesquisa no mundo, afetou e tem afetado os rumos da
educação médica e da própria concepção da população acerca da saúde e da prática médica. O
crescente desenvolvimento tecnológico, a subespecialização, o hospitalocentrismo e o foco na
doença (e não na pessoa), são quatro dos elementos fundamentais que passaram a definir
qualidade da formação e da prática médica a partir da implantação do Relatório Flexner (Zurro,
Gascón,Ceitlin, 2019).
Todos esses elementos característicos da medicina e dos sistemas de saúde, que tiveram por
base a lógica da medicina flexneriana, têm sido acompanhados por uma crise dos sistemas de
saúde, incluindo um aumento progressivo dos custos. Novas tecnologias são caras e precisam de
novos especialistas para seu projeto e operação. Os hospitais crescem e se tornam cada vez
mais complexos, absorvendo cada vez mais recursos humanos e materiais, que são usados para
cuidar de uma pequena parte de todos os problemas de saúde individuais e coletivos. A
população cria demandas pautadas nas novas tecnologias, assim como mais e melhores serviços
de saúde, e os recursos não seguem um crescimento paralelo que permita atender
integralmente às necessidades, nem tampouco que atenda as verdadeiras necessidades de
saúde da população (Zurro, Gascón,Ceitlin, 2019).
Por isso, era necessário estabelecer uma contrarreforma, baseada em políticas que delimitassem
claramente as prioridades dos sistemas de saúde, de acordo com critérios de equidade, eficácia
e eficiência. Entretanto, se é preciso mudar o sistema de saúde em profundidade, saindo do
modelo flexeneriano/hospitalocêntrico, seria necessário também atuar em profundidade na
formação e na prática médica e dos demais profissionais da saúde.
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“Essa falta de organização tem se tornado mais evidente pela ampliação do conhecimento e pela crescente
convicção de que é preciso colocar à disposição de todos os cidadãos os melhores meios de manutenção da saúde
e de cura das doenças. [...] O centro de saúde primário é a instituição encarregada de prestar cuidados médicos de
nível primário ... dotado de serviços de medicina preventiva e curativa, conduzidos por um médico generalista
[General Practitioner] distrital [...] A maioria dos pacientes será atendida por um médico generalista de seu distrito
e manterá os serviços de seus próprios médicos”.
Como é sabido, o Relatório Dawson, apesar de ter sido apresentado em período próximo ao do
Relatório Flexner, não teve a mesma repercussão que este, possivelmente porque o de Flexner
afetou diretamente a formação e a prática médica dos Estados Unidos e Canadá, e o de Dawson,
se relacionava preponderantemente à organização do sistema de saúde da Inglaterra.
“que têm a característica essencial de oferecer, a todos os membros das famílias que atendem, acesso direto e
contínuo aos seus serviços. [...]Esses médicos aceitam a responsabilidade pelo cuidado integral, seja pessoalmente,
seja providenciando outros recursos clínicos ou sociais especializados”. (WHO, 1963).
“um entendimento forte de que há uma continua e significante necessidade de médicos de família” [e que] “em
todos os países do mundo parece haver uma escassez de médicos de família, isso se aplica a todos os países,
independentemente de seu estágio de desenvolvimento” (WHO, 1963).
“O termo "Medicina de Família" aparece também, em 1966, nos Estados Unidos, no Relatório
Willard (1966) como parte de um movimento norte-americano que teve por objetivo se contrapor
a esta despersonalização do cuidado em saúde, com a (re)valorização da prática da medicina de
família, pautando a necessidade de uma forma diferenciada de atendimento médico. Estes
movimentos consideraram, inclusive, o descontentamento manifestado pela sociedade americana
com o tipo de atendimento médico à época, baseado em uma medicina praticada por
especialistas focais, fortemente tecnológica e predominantemente hospitalar.
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No Canadá, como parte deste movimento, o College of Family Physicians foi fundado em 1954 e
em 1969, criado o American Board of Family Practice e as primeiras residências para a formação
de médicos de família nos EUA. Na América Latina e no Caribe, alguns anos depois, em meados
da década de 1970, inicia-se a formação de pós-graduação em medicina de família no México,
Brasil, Bolívia, Costa Rica, Argentina, Colômbia, Equador e Venezuela (Gascón, Ceitlin, Anderson,
Ortiz , 2019).
Neste contexto, pode-se afirmar que a Medicina de Família surgiu como resposta a uma
necessidade social. Segundo o sociólogo John Naisbitt (1983, apud Zurro , Gascón, Ceitlin, 2019)
seu surgimento responde a uma tendência da sociedade à época com o reconhecimento da
necessidade de um contato mais humano, e como uma reação ao mundo tecnológico que a
invade. Mas também está inserida em uma mudança de paradigma na ciência em geral, passando
de uma abordagem reducionista para uma sistêmica que, na medicina em particular, é
representada pela abordagem biopsicossocial e não pelo modelo cartesiano, anátomo-clinico ou
biomédico da medicina tradicional (Engel, 1977; Gascón, Ceitlin, Anderson, Ortiz, 2019; Zurro,
Gascón, Ceitlin , 2019.)
De fato, os anos 1960 trouxeram um senso de responsabilidade social: O Movimento dos Direitos
Civis, o Movimento pela Paz, os Protestos da Guerra do Vietnã, entre outros. Os anos 60
trouxeram as forças sociais apropriadas e o ambiente adequado para que a Medicina de Família
(re)nascesse como uma nova especialidade. Na realidade, muitas pessoas veem a Medicina de
Família como uma consequência do “movimento de contracultura” dos anos 60/70 (Gutierrez &
Scheid, 2002).
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Um dos aspectos a ser destacado neste processo se relaciona à nomenclatura da especialidade
neste período de transição, em um mundo sem ainda uma tecnologia de comunicação que
facilitasse os encontros e para que se pudesse retirar uma posição mais uniforme sobre este
tema. Em boa parte do mundo, o nome Medicina de Família foi assumido como o nome da
especialidade. Em muitos outros países, como Canadá, Espanha, Brasil, Uruguai a nomenclatura
adotada para a especialidade é Medicina de Família e Comunidade. Neste sentido e para efeitos
deste texto, Medicina de Família e Comunidade (MFC) será utilizado como sinônimo de Medicina
de Família. McWhinney (2010) destaca que a denominação é uma questão importante mas o
principal aspecto para todas as especialidades médicas é o significado prático da especialidade,
considerado por ele, no caso da MFC, comum em todos os lugares.
Para McWhinney, um dos mais respeitados médicos de família e comunidade e uma das principais
referências em MFC do mundo, autor do primeiro Tratado de Medicina de Família e Comunidade
(2010) – que escreveu durante os anos 1968 e 1987 ((Ramirez e Norman, 1991), há quatro
competências próprias desta especialidade indispensáveis para a consecução dos atributos da
APS:
1) solução de problemas que se apresentem indiferenciados; 2) competências preventivas; 3)
competências terapêuticas (de problemas frequentes de saúde); 4) competência de gestão de
recursos.
Já em 1996, McWhinney fez referência, no seu artigo The importance of being diferente, às
características essenciais e próprias da especialidade que persistem fundamentais até os dias de
hoje:
1.” É a única disciplina que se autodefine em termos
de relacionamentos, especialmente a relação médico- pessoa;
2. Médicos de Família tendem a pensar em termos
de pacientes concretos, mais do que abstrações generalizadas;
3. Medicina de Família é baseada numa visão do organismo,
mais do que numa visão mecanicista da biologia;
4. Medicina de Família é o único campo significativo de
conhecimento que transcende a visão dualista entre mente e corpo”
Nesta época, o movimento pelo renascimento da Medicina de Família também ganhou força na
Europa com a realização da I European Conference in the Teaching of General Practice, em
Bruxelas, no ano de 1970 (Campos, 2005). Três documentos/declarações elaboradas pelo Grupo
de Trabalho Leewenhorst criado durante a II Conference in the Teaching of General Practice em
1974 também contribuíram para fortalecer a implantação de um modelo mais consistente no
campo da medicina de família na Europa (Campos, 2005).
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A progressiva introdução da Atenção Primária à Saúde na rede de atenção à saúde nos anos
subsequentes, haveria de abrir caminho para o crescimento da medicina de família e comunidade
enquanto especialidade médica e tornar-se campo privilegiado de atuação dos seus especialistas.
Consagra-se então a Atenção Primária à Saúde como estratégia indispensável para que os países
viessem alcançar a meta “Saúde Para Todos” [no ano 2000] . E a APS firma-se finalmente como
cenário privilegiado de atuação do especialista em Medicina de Família e Comunidade no âmbito
internacional.
Vale salientar que o contexto histórico em que surgiram estas propostas foi marcado pela
crescente urbanização, pelo crescimento populacional acentuado e pela desigualdade social. Os
governos estavam sendo chamados a buscar estratégias para melhorar o acesso aos sistemas de
saúde com a otimização de custos e melhoria dos indicadores de saúde e doença.
Para tanto, a Declaração de Alma Ata enfatizou que a APS havia de ser considerada como:
“parte integrante do Sistema Nacional de Saúde, que constitui a função central e o núcleo principal do
desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representa o primeiro nível de contato dos
indivíduos, da família e da comunidade com o Sistema Nacional de Saúde, levando o mais próximo possível
a atenção à saúde no lugar onde residem e trabalham as pessoas, constituindo o primeiro elemento de um
processo permanente de assistência à saúde” (Declaração de Alma-Ata, 1978)
Estas orientações da Declaração de Alma Ata, coincidiam com aquelas descritas, previamente em
1977, pelo Grupo de Trabalho de Leeuwenhorstsobre o trabalho do especialista em medicina de
família, destacando alguns pontos-chave: os cuidados personalizados a pessoas e famílias de um
território determinado; a visão abrangente, integrando fatores físicos, psicológicos e sociais; as
atividades colaborativas com outras disciplinas e a responsabilidade profissional com a
comunidade: (LEUWENHORST GROUP, 1977, p.1).
É inegável que tal descrição mostra-se coerente com os atributos que caracterizam a Atenção
Primária à Saúde segundo o entendimento da consagrada professora e pesquisadora Bárbara
Starfield, a saber: acesso, longitudinalidade, integralidade, coordenação do cuidado (atributos
essenciais), orientação familiar, orientação comunitária e competência cultural (atributos
transversais).
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Estes preceitos do Grupo de Trabalho de Leeuwenhorst foram revistos pela Wonca Europa
(2002), no documento: A Definição Europeia de Medicina Geral e Familiar (Clínica Geral / Medicina
Familiar) sendo destacados os cinco núcleos centrais da especialidade: 1. Gestão de cuidados
primários; 2. Cuidados centrados na pessoa; 3. Aptidões específicas de resolução de problemas;
4. Orientação comunitária e 5. Modelação holística.
O Documento chama especial atenção para o trabalho multidisciplinar e intersetorial, bem como
a importância do trabalho comunitário da MFC na Região:
“Os médicos de família e comunidade trabalham de maneira interdisciplinar [...] formando uma Equipe de
Saúde. Na maior parte dos países da Região, o trabalho na comunidade se destaca como prioritário. Por
isto, o cuidar da comunidade merece um lugar especial neste documento que define o perfil do médico de
família e comunidade. Em todas as instâncias envolvidas nas ações comunitárias, o médico de família e
comunidade deve trabalhar interdisciplinarmente e intersetorialmente, ser parte ativa da equipe de saúde
e de equipes interculturais.”
_______________________________________________
4 - A Organização Mundial de Médicos de Família (WONCA) é uma organização sem fins lucrativos e foi
fundada em 1972 com organizações membros em 18 países. WONCA tem atualmente 118 organizações
membros em 131 países e territórios, com a adesão de cerca de 500.000 médicos de família e mais de 90
por cento da população mundial. https://www.globalfamilydoctor.com
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A partir de Bárbara Starfield, especialmente, temos uma bibliografia robusta a evidenciar os
benefícios concretos da APS e da Medicina de Família e Comunidade, como: a maior oferta de
médicos de família está associada a maior expectativa de vida ao nascer; a adição de um médico
de família à APS está associado a um aumento de mais de um ano na expectativa de vida em
média. Evidencia-se também que a APS de alta qualidade, contando com médicos de família e
comunidade na sua organização, promove clara redução nas taxas de mortalidade infantil, assim
como na redução de internações por condições sensíveis à APS, e está associada à redução das
iniquidades em saúde, além de proporcionar outros tantos benefícios (Shi et al, 2003; Mendonça
et al, 2019; Starfield, Shi , Macinko 2005).
A despeito das evidências, e apesar da atenção primária ter sido implantada na maior parte dos
países mais ricos economicamente do mundo, com sistemas universais, as resistências à sua
implantação e desenvolvimento, especialmente nos países em desenvolvimento, persistem até os
dias de hoje. Assim como também persistem as resistências à incorporação e ao desenvolvimento
da Medicina de Família e Comunidade, seja no nível da prática, seja no nível da formação médicas.
Uma das explicações possíveis para a resistência às mudanças nos sistemas de saúde pode estar
na ascensão ao poder de dirigentes conservadores na Europa e nos Estados Unidos que
adotaram políticas neoliberais com suas receitas únicas, sem alternativas.
“a partir de propostas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Fundação Rockefeller,
concebeu-se uma atenção primária seletiva e focalizada, voltada à saúde infantil, em contradição com o ideário
amplo de equidade e saúde como direito universal da Carta de Alma-Ata.. [...] Na América Latina, nas décadas de
1980 e 1990, acompanhando os programas de ajuste estrutural e imposições do Banco Mundial, difundiram-se
pacotes mínimos de serviços de APS direcionados a grupos específicos como o materno-infantil ou populações em
extrema pobreza”.
Estas resistências à implantação da APS e da MFC têm sido objeto de estudos e de diferentes
movimentos de reforma sanitária liderados por diversas instituições de caráter nacional e
internacional. Um destes foi a Conferência de 1994, organizada pela OMS em parceria com a
Wonca (em Ontário, Canadá), intitulada: Tornar a Prática e a Educação Médica mais relevantes
para as necessidades de Saúde das pessoas – A Contribuição da Medicina Familiar
(WHO&WONCA, 1994) ocorrida, portanto há quase 27 anos, e quase 20 anos após Alma Ata.
O Relatório deste documento apresenta reflexões, argumentos e vinte recomendações válidas até
os dias de hoje, dentre as quais destacam-se as de número um e quatro respectivamente
(WHO&WONCA, 1994):
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Recomendação 1 - Aceitar que os sistemas de saúde devem mudar: Mudanças fundamentais precisam ocorrer
nos sistemas de saúde para se tornarem mais equitativos, custo-efetivos e atenderem melhor as necessidades de
saúde das pessoas; e a MFC deve ter um papel central neste processo, provendo atenção médica de elevada
qualidade e integrando os cuidados individuais com os cuidados comunitários.
Recomendação 4 - A maioria dos médicos de um país devem ser médicos de família. ... e se devem estabelecer
políticas nacionais no sentido de atingir este objetivo o mais rápido possível.
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A Conferência de Astana ocorre em um contexto internacional distinto daquele de Alma-Ata,
com políticas de austeridade, crise migratória e ameaças à democracia. Restringe o sentido da
APS integral de Alma-Ata e o alcance do direito à saúde ao subsumi-la à UHC. A UHC, moldada
na última década com forte influência da Fundação Rockefeller e do Banco Mundial, congrega
diretrizes das reformas pró-mercado como a redução da intervenção estatal, subsídios à
demanda, seletividade e focalização nas políticas de saúde (Giovanella et al, 2019).
A Carta de Astana pode ser considerada simplista na medida que não faz uma auto-avaliação
ou uma avaliação dos motivos mais profundos pelos quais a APS ainda não é priorizada nem
estabelecida - nem sequer a partir dos estudos realizados pela própria instituição em 2018
(OMS/OPAS). Também continua sem apontar a necessidade do médico especialista em APS, não
cita a MFC. Continua a banalizar a APS e a pensar numa APS pobre para pobres, especialmente
nos países mais pobres, que justamente, precisam de uma APS altamente qualificada – e, além
disso, não critica a gestão em saúde e as políticas de saúde.
É necessário, finalmente, ainda que tardiamente, fazer de fato, Alma Ata acontecer. Agora com
mais conhecimento, com base em novos paradigmas científicos que deem conta da
complexidade do processo saúde –adoecimento do mundo contemporâneo.
Em 1986, o Conselho Federal de Medicina (CFM) reconhece a Medicina Geral Comunitária como
Especialidade Médica e a Sociedade Brasileira de Medicina Geral Comunitária como sua
representante.
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Naquela época, antes da constituição do SUS, o Instituto Nacional de Assistência Medica da
Previdência Social (INAMPS) financiava a maioria das bolsas de residência médica em todo o
país. Em 1987, a presidência INAMPS corta o financiamento de praticamente todas as bolsas
dos programas de residência em Medicina Geral Comunitária, exceto aquelas financiadas com
recursos provenientes de outras fontes, como foi o caso do programa de residência em MFC da
UERJ, com financiamento estadual. Foi um duro golpe para a especialidade, uma vez que a
maioria dos programas foram extintos e outros mudaram de nome para Preventiva e Social,
como uma estratégia de sobrevivência (Falk, 2004). Ai, temos uma questão emblemática de
fundo: um conflito entre duas especialidades essenciais, com algumas áreas comuns de campo,
mas com núcleos de atuação distintos, ambas igualmente importantes para o SUS: Preventiva
Social e Geral Comunitária.
Em 1994, o Ministério da Saúde cria o Programa de Saúde da Família (PSF), tornado Estratégia
Saúde da Família (ESF) em 1996. Para a Medicina Geral Comunitária se abre – afinal a
possibilidade de um campo de trabalho no Brasil, no contexto de um modelo de APS mais
robusto, afastado daquela ideia simplista sempre associada à APS.
Apesar disto, em 1999, a MCG ainda enfrenta novo desafio, desta vez por parte da Comissão
Nacional de Residência Médica (CNRM) que promove um Seminário em Campinas (Brasil, 1999),
junto com representantes da especialidade e Residência da Preventiva e Social, em conjunto
com representantes da especialidade e residência em MGC para avaliar se esta seria extinta, ou
se tornaria o 3º ano da Residência Médica em Preventiva em Social. O resultado do seminário
apontou para a manutenção das duas residências e das duas especialidades (Brasil, 1999).
22
Os princípios, conceitos e práticas da MFC se articulam e guardam sintonia aos da ESF. A
atuação da MFC na ESF pode ser descrita tomando por base algumas das características da
especialidade através da Resolução 05/2002 que a regulamenta no âmbito dos programas de
residência médica da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM, 2002):
A característica básica da MFC é atuar, prioritariamente, em Atenção Primária à Saúde, a partir de uma
abordagem biopsicossocial do processo saúde adoecimento, integrando ações de promoção, proteção,
recuperação e de educação em saúde no nível individual e coletivo, priorizando a prática médica centrada na
pessoa, na relação médico-paciente, no cuidado em saúde e na continuidade da atenção; atender, com elevado
grau de qualidade, sendo resolutivo em cerca de 85% dos problemas de saúde relativos a diferentes grupos
etários; desenvolver , planejar, executar e avaliar programas integrais de saúde, para dar respostas adequadas
às necessidades de saúde da população sob sua responsabilidade; estimular a participação e a autonomia dos
indivíduos, das famílias e da comunidade; desenvolver novas tecnologias em atenção primária à saúde;
identificar os problemas e necessidades de saúde da comunidade, particularizando grupos mais vulneráveis;
implementar ações de promoção, proteção e recuperação da saúde de caráter coletivo e no âmbito da atenção
primária; atuar com sistema de referência e contrarreferência dentro e fora da unidade e também desenvolver
ação intersetorial, acionando secretarias municipais, entidades, instituições e outras organizações sempre que se
fizer necessário.
Assim a MFC tem inserção prevista nas atividades da ESF, sejam elas atividades de consulta
individual, de abordagem familiar; visitas domiciliares; atividades de grupo terapêutico e de
educação em saúde; atividades interdisciplinares intersetoriais; de abordagem e diagnóstico
comunitário; participação em reuniões de equipe para avaliação e planejamento de ações; entre
outras.
23
Estratégia Saúde da Família, políticas de indução, crescimento e ameaças de desmonte
A partir da ESF, numerosas políticas de qualificação e indução foram promovidas pelo Ministério
da Saúde e Ministério da Educação, especialmente entre o início dos anos 2000 até 2016, que
estavam permitindo avanços incontestes na organização do SUS (Anderson, 2019).
Podem ser citadas como algumas destas iniciativas: Pró-saúde, Programa Nacional de
Reorientação da Formação Profissional em Saúde, lançado em 2005; a Política Nacional de
Atenção Básica (PNAB) de 2006, instituída com o propósito de revitalizar a Atenção Primária a
partir da consolidação e qualificação da Estratégia Saúde da Família como modelo oficial de APS
e centro ordenador da rede de atenção à saúde no SUS; as equipes de Saúde Bucal em 2004; o
Telessaúde – integrando ensino e serviço por meio de ferramentas de tecnologias da
informação, para promover a Tele assistência e a Telê educação, com lançamento em 2007; a
Criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, em 2008; o Programa Nacional de Apoio à
Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas (Pró-Residência Médica), lançado em
2009; o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) iniciado em março de
2010; o Sistema Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS) lançado em dezembro de 2010; a PNAB
de 2011 que reforçou o papel dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF); a Portaria nº
3.147/2012 sobre Residência de Medicina de Família e Comunidade e Apoio à gestão municipal,
em dezembro de 2012, para incentivar os municípios a desenvolverem o Programa de
Residência de Medicina de Família e Comunidade; o Programa de Requalificação de Unidades
Básicas de Saúde (Requalifica UBS), instituído em 2011; a estratégia Consultório na Rua,
instituída pela pela Política Nacional de Atenção Básica, em 2011; o Programa Nacional de
Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), lançado em 2011; o Programa
Mais Médicos (PMM) em outubro de 2013, por meio da Medida Provisória nº 621,
posteriormente convertida na Lei nº 12.871, em outubro de 2013; que previa a criação entre
outras iniciativas, de 12.000 vagas para PRMFC; a criação do Mestrado Profissional em Saúde da
Família (ProfSaúde) com elaboração iniciada em 2013 e lançado em 2016, um programa de pós-
graduação stricto sensu, de caráter nacional, reconhecido pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação (Anderson,
2019).
Todas estas iniciativas foram e são necessárias para vencer as barreiras ainda presentes na
conformação e qualificação de uma APS robusta no SUS. Reconhecidamente, uma das principais
é aumentar o quantitativo de especialistas em MFC. O país requer, no mínimo, sessenta mil
médicos e médicas de família e comunidade. Vencer este desafio exige políticas públicas –
especialmente em relação à definição do percentual de vagas para programas de residência
médica, como é feito em diversos países, como Canadá – onde a média percentual de vagas para
programas de residência em medicina de família e comunidade é de 44% (Canadá, 2014).
24
Desafios presentes para a Medicina de Família e Comunidade na Estratégia
Saúde da Família
Os principais desafios enfrentados hoje pela MFC na ESF estão nas respostas a estas
perguntas:
25
Considerações finais
Para alcançar o pleno desenvolvimento da APS é necessário alcançar igual desenvolvimento da
Medicina de Família e Comunidade e outras disciplinas que atuam na linha de frente da ESF/APS,
especialmente a Enfermagem e a Odontologia.
Para atingirem seu potencial, necessitam superar as limitações do modelo cartesiano – anátomo-
clínico e biomédico que comprometem a compreensão do processo saúde-adoecimento em sua
integralidade. Para tanto necessitam atuar sob a égide do paradigma sistêmico e complexo, vez
que saúde e adoecimento são fenômenos complexos, e afetados por condições relacionadas ao
campo biológico, psico-afetivo, sócio-cultural, ambiental, espiritual-existencial. É na APS que estas
relações e condicionantes se evidenciam com maior nitidez. Por isso mesmo, a APS revela-se
como um nível de atenção da mais alta complexidade, a exigir, portanto, profissionais
especialistas qualificados. Neste cenário, a ESF, caracterizada pelo trabalho em equipe
multiprofissional é – reconhecidamente - um dos modelos de APS mais avançados do mundo a
exigir ações concretas de resistência às tentativas de desmonte, bem como ao lado de outras
tantas, voltadas para seu desenvolvimento permanente.
26
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