C.
CONTRATOS2
Nas kalendas de abril de 300 a.C, Tício, paterfamilias romano, dirigiu-se a Mévio, também
paterfamilias, perguntando-lhe: «Prometes dar-me 100 sestércios?», ao que este respondeu:
«Prometo». Tempos depois, interpelado perante o magistrado, Mévio recusa-se a entregar o
montante devido a Tício, alegando e demonstrando que nunca teve qualquer outra relação
contratual que fundasse a dita pretensão e, por conseguinte, Tício não teria direito a receber
qualquer quantia. Quid iuris?
VI
Por motivo de premente necessidade financeira, por meio da stipulatio, Caio vende a Semprônio.
pelo valor de 30 sestércios a única galinha silvestre da sua família. Dias após o negócio, e
recuperando a solvência, Caio recusa-se a entregar a galinha, alegando, para o efeito, que não foi
observado o rito da mancipatio, motivo pelo qual o negócio jurídico é inválido. Neste conspecto,
Semprônio comparece perante o Pretor.
a) Considerando os contornos apresentados, que ação se coaduna com a pretensão de
Semprônio?
b) Deve o Pretor conceder a ação?
c) Caio alega e demonstra que a galinha valia, à data do negócio, 100 sestércios, e alega ter sido
explorado por um oportunista. Nesses termos, o vendedor teria meios para anular a venda?
VII
Em 27 de Setembro de 105, Otacilius, paterfamilias romano de 23 anos de idade, deu a sua escrava
Eunice em locação (Locatio-conductio rei) a Salonius, paterfamilias de 51 anos, pela quantia de
100 sestércios semanais. Convencionaram expressamente que Salonius poderia usar a escrava
durante o mês seguinte, mas apenas como companheira sexual. Todavia, ao saber o destino que a
esperava, Eunice implorou a Otacilius que não a entregasse a Salonius, e aquele, sensibilizado
pela aflição da escrava, aceitou tal pedido. Perante a recusa de Otacilius em entregar Eunice, e
achando que os seus direitos enquanto locatário estavam a ser violados, Salonius recorreu ao
pretor para os efetivar. Quid iuris?3
2
In omnibus quidem maxime tamen in iure aequitas spectanda est (D. 50, 17, 90).
3 Caso prático extraído de A. Vieira Cura, Direito Romano - Casos Práticos Resolvidos, GestLegal, 2017.
8
FRAGMENTOS DE APOIO
Pomponius 26 ad Ed., D. 45, 1, 5, 1 Em vernáculo:
Stipulatio autem est verborum conceptio, A stipulatio é uma geração (concepção) de
quibus is qui interrogatur datarum facturumve palavras, com as quais aquele que é
se quod interrogatus est responderit. interrogado responde àquilo sobre que foi
interrogado, que há-de dar ou há-de fazer.
D. 45, 1, 137 pr. Em vernáculo:
Continuus actus stipulantis et promittentis O ato do estipulante (stipulator) e do
esse debet. promitente (promissor) deve ser contínuo.
Ulp. 48 ad Sab., D. 45, 1, 1 pr. Em vernáculo:
Stipulatio non potest confici nisi utroque Não pode efetuar-se uma stipulatio, a não ser
loquente: et ideo neque mutus neque surdus que ambos (stipulator e promissor) falem: e
neque infans stipulationem contrahere por isso, nem o mudo nem o surdo nem a
possunt: nec absens quidem, quoniam criança (menor de 7 anos, porque não
exaudire invicem debent. Si quis igitur ex his compreende) podem realizar uma stipulatio;
vult stipulari, per servum praesentem nem sequer o ausente, pois devem ouvir-se
stipuletur, et adquiret ei ex stipulatu actionem. mutuament. Se, porém, algum destes
Item si quis obligari velit, iubeat et erit quod (ausentes) pretende ser credor (stipulato) que
iussu obligatus. o faça através dum seu escravo presente, e
adquirirá diretamente para ele uma actio ex
stipulatu; igualmente, se algum (dos ausentes)
pretende ser devedor, que dê uma ordem, e
ficará obrigado «quod issu».
Ulp. 11 ad ed. D. 4, 1, 1 Em vernáculo:
Utilitas huius tituli non eget commendatione, A vantagem deste título não precisa de
ipse enim se ostendit. Nam sub hoc titulo demonstração: é evidente. Com efeito, sob
plurifariam praetor hominibus vel lapsis vel este título o pretor atende (protege), de várias
circumscriptis subvenit, sive metu sive formas, não só as pessoas enganadas mas
calliditate sive aetate sive absentia inciderunt também as que se encontram em determinadas
in captionem. Sive per status mutationem aut circunstâncias, i.e., foram vítimas quer duma
iustum errorem. coação, quer de malícia, quer da idade, quer
da ausência. Ou ainda por ter havido uma
capitis deminutio, ou um erro desculpável.
9
D. 44, 7, 1, 7 Em vernáculo:
Verbis obligatio contrahitur ex iterrogatione Contrai-se a obrigação com palavras mediante
et responsu, quum quid dari lerive nobis pergunta e resposta, quando estipulamos que
stipulemur. se nos dê ou faça alguma coisa.
D. 45, 1, 1 pr. Em vernáculo:
Stipulatio non potest confici nisi utroque A estipulação não pode ser feita senão por
loquente: et ideo neque mutus neque surdus ambas as partes a falar. E por isso, nem o
neque infans stipulationem contrahere mudo, nem o surdo, nem o que está na infância
possunt: nec absens quidem, quoniam podem contrair estipulação, nem tampouco o
exaudire invicem debent. Si quis igitur ex his ausente, porque devem vir reciprocamente.
vult stipulari, per servum praesentem Assim, pois, se algum deles quiser estipular,
stipuletur, et adquiret ei ex stipulatu actionem. estipule por meio de um escravo presente, e
Item si quis obligari velit, iubeat et erit quod adquirirá para ele a ação do estipulado. Ainda
iussu obligatus. assim, se aquele que quiser se obrigar mandar,
ficará obrigado por quanto mandou.
D. 45, 1, 2pr Em vernáculo:
Stipulationum quaedam in dando, quaedam in Algumas estipulações consistem em dar, e
faciendo consistunt. outras em fazer.
Pomp. 26 ad Sab. D. 45, 1, 5 pr. Stipulatio Em vernáculo:
num aliae iudiciales sunt, aliae praetoriae, Algumas estipulações são judiciais, outras
aliae conventionales, aliae communes pretorianas, outras convencionais, e outras
praetoriae et iudiciales. Iudiciales sunt comuns, pretorianas e judiciais. São judiciais
dumtaxat, quae a mero iudicis officio somente as que provém do mero ofício do
proficiscuntur, veluti de dolo cautio: juiz, como a caução de dolo; pretorianas as
praetoriae, quae a mero praetoris officio que dimanam do mero ofício do Pretor, como
proficiscuntur, veluti damni infecti. Praetorias a da ameaça de dano. Mas convém que as
autem stipulationes sic audiri oportet, ut in his estipulações pretorianas se entendam de modo
contineantur etiam aediliciae: nam et hae ab em que nelas se compreendam também as
iurisdictione veniunt. Conventionales sunt, edilícias; porque também esas dimanam da
quae ex conventione reorum fiunt, quarum jurisdição. São convencionais as que se fazem
totidem genera sunt, quot paene dixerim por convenção dos Réus, das quais há tantas
rerum contrahendarum: nam et ob ipsam espécies quanto as coisas, por assim dizer, que
se contratam.
10
verborum obligationem fiunt et pendent ex
negotio contracto.
D. 45, 1, 137 pr Em vernáculo:
Continuus actus stipulantis et promittentis O ato do estipulador e do promitente deve ser
esse debet (ut tamen aliquod momentum contínuo, porém de forma que possa mediar
naturae intervenire possit) et comminus algum momento natural; e é conveniente que
responderi stipulanti oportet: ceterum si post se responda imediatamente ao estipulador;
interrogationem aliud acceperit, nihil mas se depois da resposta começarem a tratar
proderit, quamvis eadem die spopondisset. de outra coisa, não se aproveitará de nada,
contanto que se hover prometido no mesmo
dia.
G. 3, 92
Uma obrigação decorrente do uso de certas palavras assenta num jogo de pergunta e resposta
deste tipo:
-Garantes que me darás isto? -Garanto.
-Dar-me-ás tu mesmo? -Dar-te-ei (eu mesmo).
-Prometes? -Prometo.
-Prometes de boa fé? -Prometo de boa fé.
-Apresentarás fiadores? -Apresentarei.
-Farás assim? -Farei.
G. III, 93
Esta forma de obrigação verbal: GARANTES QUE ME DARÁS ISTO? – GARANTO!, é
particular aos cidadãos romanos; todas as outras <fórmulas> são usuais no direito das gentes,
motivo por que são válidas entre todos os homens, quer sejam cidadãos romanos, quer
estrangeiros; e mesmo que elas sejam expressas em língua grega, por exemplo: […], estas
fórmulas serão igualmente válidas se usadas entre cidadãos romanos, desde que conheçam a
língua grega. Inversamente, se elas forem proferidas em latim, serão também válidas para os
estrangeiros, na condição de entenderem a língua latina. Quanto à obrigação verbal:
GARANTES QUE ME DARÁS ISTO? – GARANTO, é de tal modo peculiar aos cidadãos
romanos que não pode ser rigorosamente traduzida para o grego, apesar de se dizer que ela foi
adaptada duma expressão grega.
D. 19, 2 Em vernáculo:
11
1. Locatio et conductio cum naturalis sit et 1. A locação e condução, como é natural e de
omnium gentium, non verbis, sed consensu todas as gentes, não se celebra por palavras,
contrahitur, sicut emptio et venditio. senão pelo consentimento, assim como a
compra e venda.
2, pr. Locatio et conductio proxima est 2, pr. A locação e condução é semelhante à
emptioni et venditioni isdemque iuris regulis compra e venda e se apoia nas mesmas regras
constitit: nam ut emptio et venditio ita do direito. Porque assim como a compra e
contrahitur, si de pretio convenerit, sic et venda se celebra, ainda que não tenha sido
locatio et conductio contrahi intellegitur, si de acordado o preço, também assim se entende
mercede convenerit. que se celebra a locação e condução, se for
acordado sobre o aluguel.
D. 22, 1, 5 Em vernáculo:
Generaliter observari convenit bonae fidei Convém observar que, em geral, um juizo de
iudicium non recipere praestationem, quae boa fé não admite uma prestação que contra
contra bonos mores desideretur. os bons costumes fosse pretendida.
D. 44, 7, 2 Em vernáculo:
Pr. Consensu fiunt obligationes in Pr. Pelo consentimento se constituem as
emptionibus venditionibus, locationibus obrigações nas compras, vendas, locações,
conductionibus, societatibus, mandatis. conduções, sociedades e mandatos.
1. Ideo autem istis modis consensu dicimus 1. Mas dizemos que desses modos se contrai
obligationem contrahi, quia neque verborum obrigação pelo consentimento, pois não se
neque scripturae ulla proprietas desideratur, requer nenhuma formalidade de palavras, nem
sed sufficit eos, qui negotia gerunt, consentire. de escritura, senão bastanto que os que fazem
2. Unde inter absentes quoque talia negotia o negócio consintam.
contrahuntur, veluti per epistulam vel per 2. Por conseguinte, tais negócios também se
nuntium. perfazem entre ausentes, por exemplo, por
3. Item in his contractibus alter alteri carta, ou por mensageiro.
obligatur de eo, quod alterum alteri ex bono 3.Então também nestes contratos, um se
et aequo praestare oportet. obriga ao outro, porquanto um deve dar ao
outro segundo o bom e o equitativo.
12