Ética e Deontologia - Venusto

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 19

ÍNDICE

Introdução..............................................................................................................................................3
Capítulo I................................................................................................................................................4
A necessidade de regulação dos comportamentos............................................................................4
Ética....................................................................................................................................................4
Moral..................................................................................................................................................5
Costumes............................................................................................................................................5
Direito................................................................................................................................................6
Deontologia........................................................................................................................................7
Ética geral e ética profissional............................................................................................................8
1.1. Ética geral: principais teorias...................................................................................................8
1.1.2. Contratualismo (abordagem do bem comum).....................................................................8
1.1.3. Utilitarismo (abordagem consequencialista)........................................................................9
1.1.4. Ética baseada em princípios absolutos ou universais (abordagem universalista).................9
Capítulo II.............................................................................................................................................10
1.2. Ética aplicada: a ética profissional.............................................................................................10
2. O conceito de ética na engenharia...............................................................................................10
3. Valores profissionais e códigos de ética e deontologia................................................................13
4. Deontologia do engenheiro técnico.............................................................................................14
5. A responsabilidade disciplinar do engenheiro técnico.................................................................15
Capítulo III............................................................................................................................................16
1.Problemas Éticos...........................................................................................................................16
2. Necessidade de um raciocínio ético.............................................................................................17
Conclusões...........................................................................................................................................18
Introdução

A OET – Ordem dos Engenheiros Técnicos, com estatuto publicado na Lei n.º 157/2015, de
17 de setembro, foi criada pela Lei n.º 47/2011, de 27 de junho, que redenomina a ANET e
produz a primeira alteração ao seu estatuto, anteriormente publicado através do Decreto-Lei
n.º 349/99 de 2 de setembro, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 1º da
Lei nº. 38/99, de 26 de maio, e nos termos da alíena b) no nº 1 do artigo 198º da
Constituição da República Portuguesa, é a associação pública de natureza profissional que
atribui o título e regula o exercício da profissão de engenheiro técnico.

O engenheiro técnico é membro de um grupo profissional com importância determinante


para o progresso económico e social da nossa sociedade. Porque, por vocação, está apto a
resolver problemas práticos e complexos, desenvolvendo, produzindo e melhorando
produtos e processos. Para contribuir com a sua quota-parte na boa governação, como
cidadão ativo, o engenheiro técnico do século XXI, para além de possuir uma sólida
formação técnica e de estar disponível para a mudança e o aperfeiçoamento contínuos,
deve também possuir uma cultura geral sólida e ter consciência da importância do seu papel
na sociedade. Por isso, para além de saber utilizar o seu engenho e arte, deve também
preocupar-se com a dimensão ética da sua conduta, aspeto que é atualmente tão
importante na profissão como o domínio das disciplinas técnicas. A consciência ética diz
respeito aos valores que devem orientar o comportamento do engenheiro nos contextos
económicos, sociais e ambientais em que exerce a sua atividade. Ao reger-se por elevados
padrões éticos, o engenheiro técnico cria confiança no público, eleva o seu estatuto
profissional e contribui para a modernização da sociedade.

A formação que agora iniciamos não é, assim, uma questão de moda. É uma questão de
prestígio e credibilidade de um grupo profissional e da Ordem que o representa e defende.

O prestígio da Ordem dos Engenheiros Técnicos (OET) está estreitamente ligado ao


prestígio dos seus membros. E uma falta cometida por um repercute-se em todos. Por isso,
a OET deve dar a conhecer as regras deontológicas e velar pelo seu respeito e pela elevada
conduta ética dos seus membros, tal como resulta, nomeadamente, das alíneas b) e i) do
artigo 3.° da Lei n.º 157/2015, de 17 de setembro, que aprovou o Estatuto da Ordem. Daí a
aposta nesta formação, destinada a desenvolver a reflexão ética (reconhecer problemas
éticos, desenvolver raciocínio analítico, ajudar a lidar com a diferença de opiniões em ética e
promover o sentido de responsabilidade) e a proporcionar a interiorização dos valores
subjacentes à profissão, condição essencial para o exercício dignificante da mesma.

Sem descurar uma análise teórica, necessariamente breve, dos conceitos de ética e
deontologia profissional, este Manual está sobretudo vocacionado para uma análise prática
dos valores profissionais que subjazem aos direitos e deveres dos engenheiros técnicos,
terminando com um "guia" sucinto para a decisão ética em engenharia que pretende ajudar
a resolver os vários dilemas que os engenheiros técnicos encontram na sua prática
quotidiana.
No final da ação, os formandos deverão distinguir os conceitos de ética e deontologia,
identificar os deveres deontológicos do engenheiro técnico, sendo também capazes de
reconhecer e resolver dilemas éticos correntes.
Capítulo I

A necessidade de regulação dos comportamentos

Todos conhecemos a expressão "o homem é um animai social". Isso significa simplesmente
que os seres humanos vivem em sociedade. Para subsistir, qualquer sociedade precisa de
normas, escritas e não escritas, que ligam os indivíduos e regulam os seus comportamentos
quando estes se relacionam nos seus vários papéis ou domínios de intervenção (familiar,
social, profissional, etc.), de forma a manter a coesão e a integração social harmoniosas.
Sabemos o que pode acontecer uma determinada comunidade vê desaparecer a sua
infraestrutura reguladora. Aconteceu poucos dias de depois da cidade de New Orleans ter
sido inundada pelas águas dos diques que rebentaram na sequência da passagem do
furacão katrina. As forças de segurança deixaram de poder operar, os hospitais e as
morgues não funcionaram, as pessoas tiveram se sobreviver por sua conta e, rapidamente,
floresceu uma "nova ordem" composta por grupos armados que impunham a lei das armas
no meio do caos, enquanto as comunidades limítrofes que sobreviveram à destruição
impunham o respeito pela propriedade privada da mesma forma. "Disparamos se se
aproximarem", podia ler-se em inscrições garrafais nas paredes de algumas quintas.
Com efeito, o homem necessita criar regras que lhe permitam (inter)agir. Estas servirão de
base para identificar o que é certo e o que é errado, o que é permitido e o que não é
permitido, dando previsibilidade à sua conduta. Estes padrões culturais ou de conduta,
socialmente criados, são vinculativos para os membros do grupo. Só assim a sociedade
pode desenvolver-se, num contexto de ordem e estabilidade, que permite aos homens
construir projetos de vida.

Ética

A ética tem sido tradicionalmente analisada por filósofos desde o tempo dos gregos
clássicos. A palavra ética vem do grego ethos, que significa hábito ou costume, aludindo,
assim, aos comportamentos humanos. É o domínio da filosofia responsável pela
investigação dos princípios que orientam o comportamento humano. Ou seja, que tem por
objecto o juízo de apreciação que dis-tingue o bem e o mal, o comportamento correto e o
incorreto.
A ética é um modo de regulação dos comportamentos que provém do indivíduo e que
assenta no estabelecimento, por si próprio, de valores (que partilha com outros) para dar
sentido às suas decisões e ações. Faz um maior apelo à autonomia, ao juízo pessoal do
indivíduo e também à sua responsabilidade do que os outros modos de regulação, pelo que
se situa numa perspetiva de auto-regulação. A autonomia do indivíduo é, desta forma, algo
de paradoxal, na medida em que a liberdade de que dispõe é simultaneamente um encargo:
impõe ao indivíduo que se abra às necessidades dos outros e que procure encontrar um
equilíbrio entre a sua própria liberdade e a responsabilidade relativamente aos outros. A
ética ajuda o indivíduo neste caminho.
A ética é, assim, uma filosofia prática que procura regulamentar a conduta tendo em vista o
desenvolvimento humano. Porque procura aperfeiçoar o homem através da ação e por isso procura
que os atos humanos se orientem pela retidão, isto é, a concordância entre as ações e a verdade ou
o bem. Nesta medida, a ética é uma racionalização do comportamento humano, ou seja, um
conjunto de princípios obtidos através da razão e que apontam o caminho certo para a conduta. Por
isso se diz, como Aristóteles, que o homem é um animal racional. Uma vez que não existem regras de
comportamento aplicáveis a todas as situações e a todo o momento, a ética tem a função de
fornecer princípios operativos, normas, valores para a atuação, que o homem vai aplicar, de uma
forma evolutiva, utilizando a sua razão, procurando em permanência as melhores soluções para os
problemas que se lhe colocam.

Em suma, se quisermos utilizar uma fórmula:

CE =V+R

Em que CE é o Comportamento Ético, V os Valores e R a Racionalidade.

Os valores (ideais coletivos) são o fundamento da decisão e da ação, ou seja, servem de


guia para que o indivíduo possa medir as consequências da sua decisão sobre os outros e
sobre a comunidade. Servem também de base à reflexão sobre os fundamentos das suas
decisões e ajudam a tomar a melhor decisão possível, num determinado contexto. Neste
caso, os valores de referência, aqueles que provêm dos indivíduos e são partilhados por
todos, ajudam a tomar decisões justificáveis, uma vez que estas tendem a ser consideradas
aceitáveis, razoáveis ou justas.

Moral

A ética tem a mesma raiz etimológica que a moral, só que esta deriva da palavra latina
mores (que também significa costumes). Todavia, a ética tem um significado mais amplo do
que a moral. Moral é um conjunto de regras, valores e proibições vindos do exterior ao
homem, ou seja, impostos pela política, a religião, a filosofia, a ideologia, os costumes
sociais, que impõem ao homem que faça o bem, o justo nas suas esferas de atividade.
Enquanto a ética implica sempre uma reflexão teórica sobre qualquer moral, uma revisão
racional e crítica sobre a validade da conduta humana (a ética faz com que os valores
provenham da própria deliberação do homem), a moral é a aceitação de regras dadas. A
ética é uma análise crítica dessas regras. É uma "filosofia da moral". No entanto, é preciso
estar atento, uma vez que os termos são frequentemente utilizados como sinónimos,
sobretudo entre os autores anglo-saxónicos.
A moral tem uma dimensão imperativa, porque obriga a cumprir um dever fundado num
valor moral imposto por uma autoridade. Por isso, aplica-se através da disciplina e a
motivação para a ação é, neste caso, a convicção (interiorização do bem e do mal e da
legitimidade da entidade que os enuncia) e a sanção.

Costumes

Os costumes são formas de pensar e de viver partilhadas por um grupo. Assentam em


regras informais e não escritas que regem as práticas do grupo e que traduzem as suas
expetativas de comportamento. Referem-se a valores partilhados, a usos comuns a um
grupo ou uma época e que resultam da experiência e da história. Muitas vezes atualizam os
valores sociais. São uma forma de
(hetero)regulação implícita que existe desde que os indivíduos vivem em sociedade. Não
existe uma autoridade que deliberadamente favoreça a interiorização dos valores do grupo
pelo indivíduo; esse processo é realizado pela tradição, pela pressão social na conformidade
com uma determinada forma de agir, e pela ameaça de marginalização pelo grupo em caso
de não conformidade. As regras informais transmitem-se oralmente ou por mimetismo,
através da socialização pela educação e por diversas instituições sociais.
A motivação para adoptar os costumes é o desejo de pertença a um grupo, o conformismo,
o hábito e o medo de rejeição. Os dispositivos de regulação são variados. Os que favorecem
a transmissão dos costumes são o sistema cultural, os usos (atitudes próprias da tradição
de um grupo que geram obrigações), os rituais. Os que asseguram a conformidade são as
pressões do grupo e os costumes organizacionais.

Direito

O direito, à semelhança da ética, tem caráter obrigatório e normativo, é regulador das


relações humanas. O direito é o modo de regulação dos comportamentos mais operativo
nas sociedades democráticas, pois impõe obrigações e estabelece mecanismos
procedimentais para garantir a sua aplicação. Através das leis, garante-se a organização e o
funcionamento da sociedade e estabelecem-se relações claras de autoridade e de poder.
Uma vez que as regras são estabelecidas pelo Estado, estamos perante uma forma de
heteroregulação. O objetivo da regulação dos comportamentos pelo direito é favorecer a
coexistência entre os indivíduos, protegendo minimamente os direitos de cada um,
procurando evitar e gerir conflitos e sancionar os indivíduos que violem a lei.
Mas a ética e o direito são categorias de normas diferentes, apesar de por vezes se
sobreporem e outras vezes colidirem. Efetivamente, apesar de a maioria das normas
jurídicas ser considerada, em si mesma, eticamente neutra, há casos de comportamentos
em que sucede o seguinte:

• são, em simultâneo, legais e éticos;


• há outros casos em que são eticamente não censuráveis mas que o direito
tem de sancionar, em nome do "dano social" (são éticos mas ilegais);
• e há também casos de comportamentos legais mas eticamente condenáveis
- neste caso, porque a lei pode ser injusta e imoral, ou porque é possível
respeitar a letra da lei, violando o sentido que ela deveria ter.

A questão coloca-se, por exemplo, quando as inovações tecnológicas andam mais depressa
do que as normas e, num dado momento, não existem normas jurídicas que definam as
condutas numa situação inovadora, causada pelos avanços científicos. Por exemplo, a
emissão de uma dada substância para a atmosfera pode não ser proibida por lei, mas o
engenheiro pode descobrir, entretanto, que a referida substância causa problemas
respiratórios. Esta situação coloca, claramente, questões de ordem ética ao engenheiro que
lide com ela.
Uma das principais diferenças entre ética e direito reside no tipo de regulação: na ética as
obrigações, os deveres são internos, pertencem à esfera privada do indivíduo, enquanto que
no direito os deveres impostos pela legislação são externos, pois estão dirigidos aos outros.
E desta diferença resultam outras diferenças fundamentais. Devido ao seu âmbito externo, o
direito conta com uma proteção institucional e estruturas de poder coercivas que sancionam
a transgressão à lei. Pelo contrário, dado o seu âmbito interno, a observância da ética
depende apenas da interiorização que cada sujeito faça dos seus princípios: a ética é o
âmbito da consciência e a única sanção é, eventualmente, o remorso. Por isso, a ética vive
à margem do aparelho coercivo dos Estados. Mas esta debilidade é apenas aparente, pois
está demonstrado que os seres humanos atuam mais por
convicção do que por obrigação externa. E por isso mesmo, para ser eficaz, o direito deve,
tanto quanto possível, apoiar-se nos princípios éticos que estão fundados na natureza
humana.

Deontologia

Finalmente, temos a deontologia, que deriva do grego deon ou deontos/logos e significa o


estudo dos deveres. Emerge da necessidade de um grupo profissional de autoregular, mas
a sua aplicação traduz-se em heteroregulação, uma vez que os membros do grupo devem
cumprir as regras estabelecidas num código e fiscalizadas por uma instância superior
(ordem profissional, associação, etc.).
O objetivo da deontologia é reger os comportamentos dos membros de uma profissão para
alcançar a excelência no trabalho, tendo em vista o reconhecimento pelos pares, garantir a
confiança do público e proteger a reputação da profissão. Trata-se, em concreto, do estudo
do conjunto dos deveres profissionais estabelecidos num código específico que, muitas
vezes, propõe sanções para os infratores. Melhor dizendo, é um conjunto de deveres,
princípios e normas reguladoras dos comportamentos exigíveis aos profissionais, ainda que
nem sempre estejam codificados numa regulamentação jurídica. Isto porque alguns
conjuntos de normas não têm uma função normativa (presente nos códigos deontológicos),
mas apenas reguladora (como, por exemplo, as declarações de princípios e os enunciados
de valores).
Neste sentido, a deontologia é uma disciplina da ética especialmente adaptada ao exercício
de uma profissão. Em regra, os códigos de deontologia têm por base grandes declarações
universais e esforçam-se por traduzir o sentimento ético expresso nestas, adaptando-o às
particularidades de cada profissão e de cada país. As regras deontológicas são adoptadas
por organizações profissionais, que assume a função de "legisladora" das normas e garante
da sua aplicação. Os códigos de ética são dificilmente separáveis da deontologia
profissional, pelo que é frequente os termos ética e deontologia serem utilizados como
sinónimos, tendo apenas origem etimológica distinta. Muitas vezes utiliza-se mesmo a
expressão anglosaxónica professional ethics para designar a deontologia.
Todavia, a sanção pela violação de normas deontológicas é fundamental. Faz parte de um
processo de "despertar para a ética" que deve ser assumido pelas organizações, sobretudo
a partir do momento em que os diversos grupos sociais começaram a exercer pressão no
sentido de se construir uma sociedade mais solidária, respeitadora dos direitos humanos e
amiga do ambiente.
Em resumo, se quisermos distinguir de forma sucinta:
• a deontologia determina o dever que regula uma dada situação;
• o sujeito apenas reflete sobre o melhor meio de agir em conformidade com
ele: utiliza-se o raciocínio "normativo", que identifica e aplica uma norma que
corporiza um dado valor;
• é, por isso, uma forma de hetero-regulação: o bom comportamento decorre
da execução de uma norma, de uma obrigação imposta do exterior.

A ética determina a ação mais razoável para uma dada situação à luz dos valores
partilhados, isto é, reflete não só sobre o meio a utilizar mas também sobre o próprio fim a
alcançar, aplicando um valor prioritário; é uma forma de auto-regulação: o bom
comportamento decorre da tomada de uma decisão tendo como base um valor prioritário. A
decisão não é fundada sobre o dever, como na deontologia, mas sobre os valores. O
raciocínio ético é um modo de raciocínio globalizante, que não substitui os outros modos de
raciocínio (fundados no dever ou no cumprimento de objetivos) mas que os integra, uma vez
que ajuda a identificar o valor que legitima a decisão. Nesse processo, pode até mesmo pôr
em causa (naturalmente, na sede própria) normas da moral, do direito e da deontologia.

Ética geral e ética profissional

1.1. Ética geral: principais teorias


Quando se fala de ética como ciência normativa da retidão dos atos humanos segundo
princípios racionais, falamos numa ética geral, que se move principalmente no campo da
filosofia. Esta ética geral motiva a reflexão sobre aspetos fundamentais da vida humana. O
comportamento humano foi, desde sempre, avaliado sob o ponto de vista do bem e do mal,
do certo e do errado. A ética diz-nos, não o que o homem pode fazer, mas o que o homem
deve fazer. Ou seja, elucida-nos sobre as escolhas que o homem deve fazer em liberdade e
através das quais se desenvolve e aperfeiçoa.
Estas escolhas (entre o bem e o mal, entre o certo e o errado) podem ser baseadas em
várias doutrinas, desenvolvidas ao longo da história por diversos filósofos, mas atualmente
são estudadas também por sociólogos, psicólogos e outros estudiosos do comportamento
humano. Tais doutrinas estabelecem conjuntos de princípios morais interligados de forma
consistente. Os pressupostos e opções das várias doutrinas éticas devem merecer uma
análise crítica, para que cada indivíduo possa identificar a que mais se adequa à sua
concepção de humanidade. Crenças aparentemente generalizadas como a preferência pelo
critério da utilidade ou a suposta subjetividade das normas morais têm de ser clarificadas.
Para muitos, a ética é essencialmente subjetiva, tem a ver com valores e opiniões pessoais,
o que explica porquê as pessoas discordam sobre tantas questões éticas. Esta discussão
entre objetivismo e subjetivismo remonta aos Sofistas e a Sócrates e Platão. Enquanto que
os sofistas consideravam que o bem e o mal refletem as opiniões subjetivas, Platão e
Sócrates acreditavam que o bem e o mal faziam parte da natureza objetiva das coisas. No
mundo de hoje, o individualismo e a concorrência feroz parece ter feito triunfar o utilitarismo:
os fins justificam os meios. Não só no mundo dos negócios mas também ao nível político,
com decisões tomadas a partir do ideal aritmético da justiça social que lhe está subjacente.

1.1.2. Contratualismo (abordagem do bem comum)

Para um conjunto de autores que podemos agrupar sob a designação de contratualistas, a


ética é um conjunto de regras e princípios em que temos de acordar para que a sociedade
funcione. Neste sentido, torna-se difícil distinguir entre normas éticas e normas sociais e os
principais filósofos desta corrente foram filósofos políticos. É o caso de Thomas Hobbes
(1588-1679), John Locke (1632- 1704), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e,
recentemente, John Rawls (1921-2002).
Os conceitos comuns a estes autores são o "estado de natureza" e o "contrato social",
embora os utilizem em sentidos muito diferentes. Mas a premissa básica é, a partir do
"estado de natureza", descobrir argumentos racionais para um "contrato social" que rege as
relações entre indivíduos em sociedade. Os filósofos diferem na forma do consentimento
dado ao contrato mas concordam que, uma vez celebrado, o contrato social constitui a base
da lei e da ética e da nossa obrigação social de reconhecer e respeitar as necessidades dos
outros indivíduos. Na realidade, são teorias mais políticas do que éticas.
A abordagem do bem comum defende uma ética em que o bem individual está ligado ao
bem comum, da comunidade. Por isso, os membros da comunidade estão ligados por
objetivos e valores comuns. A noção de bem comum remonta a Platão, Aristóteles e Cícero
e foi, mais recentemente, definido por John Rawls como as condições que existem em
benefício de todos.

1.1.3. Utilitarismo (abordagem consequencialista)

Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) atualizaram o epicurismo


clássico, afirmando que o objetivo da ética é a maior felicidade para o maior número
possível de pessoas. O padrão ético do utilitarismo é "estão certas as ações que produzam
a maior quantidade possível de bem-estar". Estes dois autores podem ser considerados os
inspiradores do utilitarismo social, político e ético, adoptado em larga escala a partir da
Revolução Industrial. Para eles, o conceito de felicidade não é o conceito clássico
(perfeição, sentido nobre da vida), mas o conceito hedonista (interesse imediato, prazer,
bem-estar).
Stuart Mill defende que os prazeres inteletuais e morais são superiores aos prazeres
sensoriais. Por isso, considera que o homem deve aspirar aos prazeres do espírito, os
prazeres superiores. Por outro lado, o seu utilitarismo não é individualista: exalta a ideia de
comunidade, do social, ao afirmar

1.1.4. Ética baseada em princípios absolutos ou universais (abordagem


universalista)

A ética baseada em princípios absolutos ou universais tem a sua raiz na ética kantiana. Kant
(1724- 1804), à semelhança de David Hume (1711-1776), defende que a ética não tem
fundamentos científicos nem metafísicos, mas é algo mais que os hábitos sociais. É uma
ética humana, autónoma, resultante da lei moral intrínseca ao homem. É uma ética pura,
não contaminada pelo empirismo nem por exigências exteriores. Assim, não é só a
liberdade que importa, a racionalidade também é importante.
Para Kant, os princípios da ética são imperativos categóricos. São imperativos porque a lei
moral manda, não aconselha. São categóricos porque são juízos absolutos e não hipotéticos
e são incondicionados.
O imperativo categórico é baseado em três critérios: universalidade (as razões para agir
devem ser razões que todos pudessem partilhar), transitividade (as razões para alguém agir
devem ser razões que justificassem a mesma ação por parte de outra pessoa) e
individualidade (deve tratar-se cada ser humano como uma pessoa cuja existência livre e
racional deve ser promovida).
A ética de Kant não dita conteúdos, apenas a forma: "atua de tal modo que possas querer
que essa atuação se converta em lei universal". Por exemplo, não é ético roubar porque o
roubo não pode converter-se em lei universal. Trata-se de atuar por dever, por respeito à lei.
Mas não uma lei exterior: a lei é intrínseca, o imperativo categórico pressupõe uma vontade
humana autónoma e livre. Se o homem não se sentisse livre, não poderia ser obrigado a
obedecer.
Capítulo II

Importância da Ética e Deontologia Profissional

1.2. Ética aplicada: a ética profissional

A ética é cada vez mais uma ética aplicada, para dar resposta a um mundo cada vez mais
complexo. Como o nome indica, a ética aplicada procura aplicar na prática os fundamentos
gerais da ética, no plano individual, familiar e social. Pois a ética não é puramente teórica: é
um conjunto de princípios que balizam as ações dos seres humanos nas sociedades em que
vivem, devendo ser incorporada pelos indivíduos, sob a forma de atitudes e
comportamentos quotidianos.
Ao nível social, a ética pode subdividir-se em vários ramos, como por exemplo, ética
económica ou ética profissional. Isto porque todas as profissões têm uma ética, pois
implicam sempre o relacionamentos com as pessoas. Umas de maneira direta, como os
professores, os educadores, os médicos, os advogados, etc .. Outras de forma indireta, nas
atividades que têm a ver com objetos materiais, como a construção de pontes e edifícios, a
elaboração de programas informáticos, etc ..

Para compreender melhor as questões subjacentes à ética profissional, vale a pena precisar
o conceito de profissão.

A palavra profissão deriva do latim e significa pessoa que se dedica a cultivar uma arte.
Uma profissão é a prática de uma ocupação que influencia diretamente o bem estar humano
e requer o domínio de um corpo complexo de conhecimentos e capacidades especializadas,
acarretando igualmente prestígio ligado à posição social. Desta forma, a profissão beneficia
quem a exerce mas também está dirigida a outros, que serão igualmente beneficiados.
Neste sentido, a profissão tem como finalidade o bem comum ou o interesse público, pois
toda a profissão tem uma dimensão social, de serviço à comunidade e o valor de uma
profissão mede-se pelo grau de serviço que traga ao bem estar geral. Para alguns, a palavra
"profissão" tem mesmo uma origem transcendente e religiosa: o conceito de profissão
aparece ligado ao conceito de vocação, como o exemplifica a expressão ainda hoje utilizada
de "professar uma religião". Embora não seja esta a definição que é importante analisar
aqui, contudo ela indica-nos que a dimensão mais ampla deste conceito não reside apenas
na obtenção da recompensa financeira nem no controlo de um determinado conjunto de
conhecimentos: uma profissão é sempre uma forma de servir a sociedade com uma
finalidade que transcende os meros interesses pessoais.

2. O conceito de ética na engenharia

Quando falamos em engenharia, como sabemos e em sentido genérico, falamos da


aplicação de métodos (científicos ou empíricos) à utilização dos recursos naturais em
benefício da humanidade. Quer para desenvolver a tecnologia para combater a poluição,
quer para projetar, construir e manter grandes estruturas e redes hidráulicas e viárias, quer
para desenvolver software ou projetos para proteger e promover a saúde pública. Referimo-
nos, naturalmente, à engenharia nas suas diversas especialidades3, cujo leque tem
aumentado consideravelmente ao longo do tempo, para dar resposta às diversas questões
colocadas pelo desenvolvimento das sociedades.
Em muitos ramos existentes, o trabalho pelos engenheiros exige conhecimentos básicos de outros ramos, uma
vez que, muitos problemas estão interrelacionados. E, assim, os dilemas éticos que se colocam são
predominantemente transversais.
O universo específico dos membros da OET compreende, atualmente, as seguintes
dezasseis especialidades, ou seja, domínios de atividade com caraterísticas técnicas e
científicas próprias (artigo 39° do Estatuto da OET):
• • Engenharia civil;
• • Engenharia eletrónica e de telecomunicações;
• Engenharia de energia e sistemas de potência
• • Engenharia de energia e sistemas de potência;
• • Engenharia mecânica;
• • Engenharia química e biológica;
• • Engenharia informática;
• • Engenharia geotécnica e minas;
• • Engenharia agrária;
• • Engenharia aeronáutica;
• • Engenharia do ambiente;
• • Engenharia alimentar;
• • Engenharia de segurança;
• • Engenharia de proteção civil;
• • Engenharia geográfica/topográfica;
• • Engenharia de transportes;
• • Engenharia industrial e da qualidade.

Em termos simples, os engenheiros criam bens, materiais e imateriais, que aplicam e


através dos quais transformam o mundo real. A visão teórico-prática do engenheiro rompe
com a visão tradicional do homem como mero "animal racional": o homem passa a ser
também um "animal técnico", que constrói o mundo em que vive e cria, em simultâneo,
novos perigos que o ameaçam.
A ética na engenharia (engineering ethics) nasceu nos Estados-Unidos da América (EUA)
para defender a missão moral da profissão, fruto do desejo de reforçar a profissão de
engenheiro face aos críticos do desenvolvimento tecnológico. Já em França, por exemplo, o
mesmo movimento nasceu em reação ao desenvolvimento anárquico da formação e como
garantia de um controlo da profissão que garantisse a efetiva segurança do público.
O engenheiro move-se num universo complexo, constituído por todo o tipo de agentes:
colegas de profissão, colegas de outras profissões, gestores, clientes e consumidores,
entidades públicas e, inclusivamente, o próprio ambiente social e natural. As relações do
engenheiro com este universo são regidas por vários tipos de normas de comportamento,
que já examinámos no Capítulo I deste Manual. Qual, então, a importância específica da
ética nesta profissão? A comunicação social bombardeia-nos constantemente com notícias
sobre comportamentos pouco éticos na engenharia, desde a violação de práticas de
concorrência até à realização de construções inseguras. Estas práticas chegam por vezes, a
provocar desastres mediáticos, como a explosão do vaivém espacial Challenger, nos EUA,
ou a tragédia de Bophal, na India. São situações criadas pela aplicação de tecnologias
modernas, como a engenharia nuclear, a engenharia genética ou as tecnologias da
informação, que nos colocam perante problemas inéditos. Mas para além destas novas
realidades, os progressos das técnicas já conhecidas e a sua utilização massiva, tornam os
impatos potencialmente negativos mais importantes hoje que no passado. A isto acresce
ainda uma mudança de atitude das pessoas face ao risco e, designadamente, aos riscos
ligados aos progressos tecnológicos. Existe hoje a consciência de "novos riscos", cujas
caraterísticas comuns são o número elevado de vítimas potenciais, os efeitos prolongados
no tempo e uma relativa invisibilidade da ligação entre a causa e o efeito4. Pensemos em
verdadeiras preocupações coletivas como os organismos geneticamente modificados, as
"vacas loucas", os resíduos nucleares ou o acesso não autorizado a computadores que põe
em causa a segurança dos Estados. Para esta consciência contribui os debates públicos
constantes, onde peritos e leigos, mostram frequentemente o seu desacordo quando à
aceitabilidade do risco.
3. Valores profissionais e códigos de ética e deontologia

As associações profissionais de engenharia (e algumas empresas de vários setores) têm


optado por "formalizar" a ética, desenvolvendo códigos de conduta profissional - códigos de
ética e códigos deontológicos. Os códigos de ética são um conjunto de regras que procuram
conferir uma identidade às profissões, orientando e controlando os comportamentos do
grupo a fim de manter a sua coesão e explicitam a forma como o grupo se compromete a
realizar os seus objetivos particulares de acordo com os princípios universais de ética.
Muitas vezes têm valor jurídico: são prescrições de cumprimento obrigatório para os
profissionais, sob pena de aplicação de sanções disciplinares. Têm, assim, como finalidade
principal constituir um guia para os comportamentos individuais no exercício da profissão,
evitando a ocorrência de problemas éticos.
Ao formalizar modelos de comportamento, clarificando os valores subjacentes ao exercício
da profissão, os códigos têm uma importante função sociológica, pois conferem uma
identidade aos membros de uma determinada profissão.
Por outro lado, levam os profissionais a desenvolver uma cultura comum de
responsabilidade em relação à sociedade e servem como fonte da avaliação pública de uma
profissão, uma vez que
permitem que a sociedade saiba o que esperar dos profissionais. E, dessa forma, permitem
gerar confiança: as pessoas confiam nos profissionais porque esperam que eles atuem em
conformidade com a deontologia da profissão. Trata-se, pois, em grande medida, de uma
questão de criar e manter uma boa imagem dos profissionais junto dos diferentes públicos:
poderes públicos, clientes, fornecedores, etc.. Uma imagem de seriedade, de qualidade, de
preocupação com a comunidade em que se inserem e de excelência. Porque a vida
profissional tem as suas recompensas, incluindo, em regra, um salário melhorado, o respeito
da comunidade e o reconhecimento de que certos tipos de trabalho devem ser feitos por
profissionais. Em troca destas recompensas, os membros das profissões comprometem-se
a cumprir certos standards no seu trabalho. O que significa que a responsabilidade dos
profissionais é extensível às consequências económicas, sociológicas e culturais do
produto, não se resumindo aos aspetos técnicos.
Os códigos de ética das associações profissionais são criados num determinado contexto
social e económico, pelo que podem mudar ao longo do tempo. Em meados do século xx,
começou a pensar-se na responsabilidade dos engenheiros para com a segurança do
público. Nos anos 70 do século passado, a discussão sobre a ética profissional centrava-se
sobretudo nas regras de conduta e na lealdade. Os movimentos contra o armamento
nuclear, os movimentos ambientais (anos 50-60) e os movimentos de consumidores (anos
60-70), a discussão sobre os problemas da tecnologia e o interesse pelos valores
democráticos contribuíram para introduzir no debate novas preocupações. Atualmente, os
códigos dão ênfase sobretudo ao bem estar público.
Com efeito, enquanto que os códigos de ética das décadas passadas tinham uma lógica
meramente "interna" (da profissão), dando ênfase a questões como a concorrência desleal,
publicidade, obrigações para com os clientes e os empregadores, etc., os atuais começam a
dar ênfase a outro tipo de condutas. Porque, apesar destes serem ainda assuntos
importantes para os profissionais da engenharia, são menos importantes do que as
obrigações para com o público, decorrentes do contrato social implícito. Por estes motivos,
os códigos de ética, em geral, estabelecem não só deveres do engenheiro no exercício da
profissão e para com os colegas, mas também deveres para com os empregadores, os
clientes e para com a comunidade. Porque, como vimos, a engenharia é hoje mais
complexa do que nunca e os seus efeitos sociais não podem ser ignorados.
Michael Davis6, um conhecido filósofo da ética na engenharia, defende a importância de
obedecer ao código deontológico. E de uma forma extensiva afirma que os engenheiros
devem não só cumprir diretamente o seu código deontológico através da sua prática
profissional, mas também indiretamente, isto é, encorajando os outros a fazer o mesmo e
criticando aqueles que não o cumprem. E aponta quatro razões principais para o engenheiro
apoiar o seu código deontológico:

1) apoiar o código ajuda a proteger os próprios engenheiros e as pessoas que lhes são
próximas daquilo que outros engenheiros possam fazer;
2) apoiar o código ajuda a garantir a cada engenheiro um ambiente de trabalho em que
a observância do código seja mais fácil;
3) apoiar o código ajuda a evitar que na sua profissão surjam questões éticas que
façam os engenheiros sentir-se envergonhados ou culpados;
4) apoiar o código significa também cumprir a sua parte enquanto engenheiro; se cada
engenheiro cumprir a sua parte, gera benefícios para toda a classe.
5)
4. Deontologia do engenheiro técnico
A OET dispõe de um conjunto de normas deontológicas aplicáveis aos seus membros,
estabelecidas no Estatuto da Ordem, aprovado pela Lei n.º 157/2015, de 17 de setembro.
Como disciplina do comportamento ético-profissional do engenheiro técnico, a deontologia
integra não só os deveres mas também os direitos daquele. Daqui resulta que o prestígio da
classe resulta não só do escrupuloso cumprimento dos deveres mas também do exercício
pleno dos direitos.
Importa atentar em dois grandes grupos de normas: as respeitantes aos direitos e deveres
para com a Ordem e as respeitantes aos deveres profissionais.
5. A responsabilidade disciplinar do engenheiro técnico

A responsabilidade disciplinar destina-se a assegurar o cumprimento dos deveres a que


estão vinculados os engenheiros técnicos enquanto membros da sua Ordem profissional. O
conjunto desses deveres constitui a disciplina dos engenheiros técnicos enquanto corpo
profissional e a sua violação desencadeia a ação disciplinar como forma de defesa dos
respectivos interesses, garantindo a coesão e a dignidade do grupo. lnfração disciplinar
será, assim, qualquer comportamento merecedor de censura ética (e jurídica), que emerge
da violação de um dever deontológico e que se destina a garantir a dignidade da profissão e
o prestígio da classe profissional e da respectiva Ordem representativa.
A responsabilidade disciplinar é regulada pelo Estatuto da OET, nos seus artigos 82° a 87°.
No artigo 83°, sob a epígrafe "Jurisdição disciplinar", estabelece-se que os engenheiros
técnicos estão sujeitos à jurisdição disciplinar dos órgãos da Ordem, nos termos previstos
no Estatuto e nos respectivos regulamentos. E define-se infração disciplinar como a
violação, por ação ou omissão, dolosa ou negligente, de algum dos deveres fixados no
Estatuto e nos respectivos Regulamentos.
No mesmo artigo estabelece-se ainda que a ação disciplinar é independente de eventual
responsabilidade civil ou criminal. Efetivamente, a mesma falta pode qualificar-se em
simultâneo como infração disciplinar e criminal se, para além de ofender a disciplina do
grupo, ofender valores fundamentais da comunidade em que este se insere, tutelados pela
lei penal em vigor. Mas a punição disciplinar e criminal são aplicadas na sequência de
processos distintos e a condenação num deles não envolve necessariamente a condenação
no outro. Por outro lado, nos termos da lei civil (nomeadamente o artigo 483° do Código
Civil), aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou
qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a
indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Assim, o engenheiro que faltar
culposamente aos deveres resultantes de um contrato que celebre para prestação da sua
atividade profissional, prejudicando o seu cliente, pode incorrer (simultaneamente) em
responsabilidade disciplinar, penal e civil.
A competência disciplinar pertence, nos termos do artigo 46°, aos conselhos disciplinares de
secção. Isto sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 37°, ou seja, quando as
infrações disciplinares sejam cometidas por titulares ou ex-titulares dos órgãos da Ordem,
compete ao conselho jurisdicional exercer o poder disciplinar.
O processo disciplinar é instaurado mediante decisão dos conselhos disciplinares de secção
ou do conselho jurisdicional, consoante o caso. Para esse efeito, os tribunais e demais
autoridades públi-cas devem dar conhecimento à Ordem da prática, por engenheiros
técnicos, de atos susceptíveis de constituírem infração disciplinar. Também para esse efeito,
o Ministério Público e as demais autoridades com poderes de investigação criminal devem
dar conhecimento à Ordem das participações apresentadas contra engenheiros técnicos,
por atos relacionados com o exercício da profissão.
O procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos sobre a prática da infração,
excepto se se tratar de procedimento disciplinar de titulares de órgãos da Ordem, o qual
prescreve no prazo de cinco anos sobre a cessação das respetivas funções (artigo 87°).
Importa ainda referir que o artigo estabelece ainda que as infrações disciplinares que
constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo prazo que o procedimento
criminal, quando este for superior e que a responsabilidade disciplinar permanece durante o
período de suspensão da Ordem, e não cessa pela demissão como membro da Ordem,
relativamente a fatos anteriormente praticados.
Se os fatos apurados no âmbito do procedimento disciplinar forem de molde a provar a
violação de algum dos deveres deontológicos, poderá ser aplicada uma sanção pena
disciplinar. A escolha e a medida da pena são feitas em função da culpa do arguido, tendo
em conta a gravidade e as consequências da infração, os antecedentes profissionais e
disciplinares e as demais circunstâncias da infracção (artigo 94.º).
As penas disciplinares são as seguintes (artigo 93.º):
a) Advertência;
b) Repreensão registada;
c) Suspensão do exercício profissional até ao máximo de dois anos;
d) Expulsão.

As duas primeiras penas são penas “leves”, aplicadas a faltas “ligeiras”. Já as penas
previstas nas alíneas c) e d), por serem mais graves, só podem ser aplicadas em
determinadas circunstâncias.
A pena prevista na alínea c) só pode ser aplicada por infração disciplinar que configure
negligência grave ou de acentuado desinteresse pelo cumprimento dos deveres
profissionais consagrados a alínea a) do artigo 73°, nas alíneas a) e c) do artigo 78°, nas
alíneas b) e c) do artigo 79°, no artigo 80° e nas alíneas a), c) e d) do artigo 81°.
A pena prevista na alínea d) só pode ser aplicada por infração disciplinar que afecte
gravemente a dignidade e o prestígio profissional do engenheiro técnico.

Capítulo III

1.Problemas Éticos

Os engenheiros encontram inúmeros problemas éticos na sua atividade. Sobretudo a partir


do momento em que deixaram de exercer funções puramente técnicas para passar a
desempenhar igualmente funções de gestão, no âmbito das quais devem ter em conta
aspetos de caráter financeiro, económico e social nas suas decisões. Ora, o exercício
dessas funções e essas novas preocupações agravaram exponencialmente os problemas
éticos, o que já levou alguns engenheiros a "inventar" razões que alegadamente justificam o
atropelamento dos princípios éticos da engenharia para salvar boas decisões de negócio.
Um problema ético diz respeito à aplicação de um ou mais princípios éticos.
A propósito dos problemas éticos, devemos fazer, desde já, uma chamada de atenção. É
necessário não confundir problemas éticos com outro tipo de situações que são igualmente
problemáticas de resolver mas que não colocam necessariamente questões de ordem ética.
Um desses problemas é a discordância sobre questões de facto, que são verdadeiras ou
falsas e que podem ser confirmadas através da observação empírica. Podem surgir diluídas
num dilema ético, por isso é absolutamente necessário garantir que as questões de facto
estão clarificadas. Por exemplo, clarificar se o produto x produz acidentes. Um outro tipo de
problema é a discordância sobre questões conceptuais, ou seja, sobre o significado de
determinados termos. Estas questões podem ser muito importantes nos dilemas éticos. Um
bom exemplo é a discussão sobre se o feto deve ser considerado uma pessoa. Ou saber se
o pagamento de uma determinada quantia pode ser considerado suborno. Mas é necessário
termos presente que, embora estas questões possam ter importância num dilema ético, não
constituem, elas próprias, o cerne da questão ética: esta só se coloca quando somos
confrontados com a necessidade de saber se um dado comportamento é certo ou errado.
Por exemplo, se um engenheiro considerar errado matar civis nos conflitos armados, pode
decidir não aceitar um contrato relacionado com o desenvolvimento de armamento. Em
suma, para discutir questões de facto, utilizam-se considerações empíricas; para discutir
questões conceptuais, utilizam-se argumentos sobre a preferência de uma dada definição
em relação a outra; para discutir questões morais, utilizam-se princípios morais, que estão
organizados nas teorias que já abordámos no Capítulo II deste Manual.
Os problemas éticos podem ser de dois tipos: problemas de aplicabilidade ou problemas de
conflito.

2. Necessidade de um raciocínio ético

Há vários factores que podem contribuir para que as pessoas adoptem comportamentos
pouco éticos. Ao nível da empresa, um estudo realizado por Posner e Schmidt, citados por
Mercier11, identificou seis factores principais que estão na origem de comportamentos não
éticos:
1) Comportamentos dos superiores;
2) Comportamentos dos colegas;
3) Práticas éticas em vigor na industria ou na profissão;
4) Clima moral da sociedade;
5) Política formal da organização;
6) Necessidade financeira pessoal.

Perante esta lista, podemos concluir que o individuo é mais susceptível de ser influenciado
pelos comportamentos dos indivíduos que o rodeiam do que pela necessidade financeira
pessoal, que ocupa o último lugar da lista.
Uma vez que existe a possibilidade de existir comportamentos pouco éticos, é necessário
saber, tanto quanto possível, evitá-los. O que começa por saber lidar com os dilemas éticos.
Para fazer face aos dilemas éticos, é necessário compreender que a ética cria-se e aplica-
se através da razão, uma vez que o indivíduo é responsável pela decisão que aplica os
valores. Não se trata da mera aplicação de regras e directivas: trata-se de avaliar as
decisões à luz de valores partilhados que é necessário aplicar. Estes valores são muitas
vezes contraditórios e o indivíduo deve hierarquizá-los segundo as circunstâncias. E fá-lo
utilizando a sua razão, a sua reflexão crítica, ponderando os elementos da decisão para
avaliar a razão de ser dos comportamentos e formular razões para agir, tomando a decisão
razoável face a determinadas circunstâncias.
Já vimos que as normas deontológicas são um ponto de partida mas podem não ser
suficientes para resolver todos os problemas éticos. Por isso é tão necessário o recurso ao
raciocínio ético. O recurso à ética é necessário sempre que não existam regras para decidir
ou quando estas são imprecisas. A ética ajuda a tomar uma decisão através da
interpretação de regras, na gestão de conflitos entre diferentes regras, entre as regras e
determinados valores e mesmo entre diversos valores.
Esta perspetiva é uma perspetiva preventiva, que tenta antecipar as consequências
possíveis das ações de forma a evitar que surjam problemas mais sérios.

Conclusões

Vivemos num mundo complexo, global, tecnológico, intercultural. Numa sociedade


dominada pelas redes de informação e comunicação, onde a legitimidade decisória já não
vem da hierarquia mas do consenso, onde o desenvolvimento depende da confiança e de
valores como a cooperação e participação de todos, e, por isso, onde necessitamos de
valores e critérios de atuação universais.
Neste mundo, a prática da engenharia é confiada a indivíduos qualificados, com a
responsabilidade de exercer os seus conhecimentos e capacidades para promover o
aumento do bem-estar e da qualidade de vida das pessoas. Mais do que técnicos, os
engenheiros são cidadãos com um papel ativo na promoção de um mundo melhor,
capacitados para lidar com os novos problemas com que hoje somos confrontados,
designadamente problemas culturais, urbanos ou ecológicos.
Actualmente, temos uma maior consciência da nossa ligação com o mundo e do facto de
sermos todos responsáveis por ele. Por isso, ganhámos também uma maior consciência da
necessidade de um diálogo entre as várias profissões para harmonizar as diversas
abordagens sectoriais. E nisso a ética desempenha um papel fundamentaI. Porque a
construção de comunidades sustentáveis a nível social, cultural e físico - depende da
capacidade de pensar e dialogar sistemicamente. E a ética fornece esse quadro de
referência que nos permite conjugar esforços num mesmo sentido: tem uma função
unificadora porque torna claro que todos têm o direito e o dever de contribuir para uma vida
melhor.

REFERENCIAS BIBLlOGRAFICAS

Fonseca, Carlos Carapeta Fátima (2019), “Ética e Deontologia” Pg 1-56

Você também pode gostar