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LIBRAS | Língua Brasileira de Sinais

Componente curricular na modalidade de educação a distância

Anderson Luchese
Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS)
Componente curricular na modalidade de educação a distância

Anderson Luchese
Possui graduação em Pedagogia de Educação Especial, pela Universidade do
Oeste de Santa Catarina - UNOESC (2010), Especialização em Pós-Graduação em
Atendimento Educacional Especializado - AEE, pelo Portal Faculdades (2011),
Mestrado em educação, pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó –
UNOCHAPECÓ (2016). Atualmente, é professor titular da Universidade da Região de
Chapecó - UNOCHAPECÓ, vinculado à Área de Ciências Humanas e Jurídicas. Tem
experiência na área de educação de surdos e na linguística da Língua Brasileira
de Sinais (LIBRAS), atuando na área de disciplina de Libras para todos os cursos
ofertados da Unochapecó.

Chapecó, 2022
Reitor
Claudio Alcides Jacoski

Pró-Reitora de Graduação e Vice-Reitora


Silvana Muraro Wildner

Pró-Reitora de Pesquisa, Extensão, Inovação e Pós-Graduação


Andrea de Almeida Leite Marocco

Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento


Márcio da Paixão Rodrigues

Pró-Reitor de Administração
José Alexandre De Toni

Coordenação: Rosane Natalina Meneghetti Revisão: Dirceu Luiz Hermes


Assistente Comercial: Luana Paula Biazus
Assistente Administrativo: Bruno Rosado Bondan
Assistente editorial: Caroline Kirschner
Capa: Marcela do Prado, Juliane Fernanda Kuhn de Castro
Conselho Editorial: (2022-2026) Titulares: Andréa de
Almeida Leite Marocco, Cleunice Zanella, Hilario Junior dos Diagramação: Joice Juliana de Godoi de Oliveira
Santos, Vanessa da Silva Corralo, Rodrigo Barichello, Rosane
Natalina Meneghetti, André Luiz Onghero, Marilandi Maria
Mascarello Vieira, Diego Orgel Dal Bosco Almeida, Aline
Manica, Cristian Baú Dal Magro, Odisséia Aparecida Paludo
Fontana, Andrea Díaz Genis, José Mario Méndez Méndez e
Suelen Carls.
Suplentes: Fátima Ferretti Tombini. Márcia Luiza Pit Dal Magro,
Cristiani Fontanela, Eliz Paula Manfroi, Marinilse Netto e Liz
Girardi Muller.

Ficha catalográfica
_________________________________________________________________
L936l Luchese, Anderson
Libras:língua brasileira de sinais / [recurso eletrônico]
/ Anderson Luchese. -- Chapecó, SC : Argos, 2022.
79 p... -- (EaD; 157 ) --

Inclui bibliografias
978-65-88029-75-6

1. Lingua brasileira de sinais. 2. Deficiência auditiva.


3. Ensino especial. I. Título.

CDD: Ed. 23 -- 419


_________________________________________________________________
Catalogação elaborada por Gabriella Joana Zorzetto CRB 14/1638
Biblioteca Central da Unochapecó

Servidão Anjo da Guarda, nº 295-D, Bairro Efapi - Chapecó (SC)


CEP: 89809-900 - Caixa Postal 1141 - Fone: (49) 3321 8088
E-mail: [email protected]
Home Page: www.unochapeco.edu.br/ead

Não estão autorizadas nenhuma forma de reprodução, parcial ou integral deste material, sem autorização expressa do autor e do Setor de
Educação a Distância - Unochapecó
CARTA AO ESTUDANTE

Seja bem-vindo!
Você está recebendo o livro do componente curricular de Língua Brasileira de
Sinais (LIBRAS).
No atual cenário educacional, em que, cada vez mais, as pessoas buscam por
uma formação complementar e há a inserção massiva das tecnologias de informação
e comunicação, a modalidade de educação a distância é vislumbrada como uma
importante contribuição à expansão do ensino superior no país, que permite formas
alternativas de geração e disseminação do conhecimento.
A educação a distância tem sido importante para atingir um grande contingente
de estudantes de vários locais, com disponibilidade de tempo para o estudo diversa,
além daqueles que não têm a possibilidade de deslocamento até uma instituição de
ensino superior todos os dias. Desta forma, a Unochapecó, comprometida com o
desenvolvimento do ensino superior, vê a educação a distância como um aporte para
a transformação dos métodos de ensino em uma proposta inovadora.
Levando em consideração o pressuposto da necessidade de autodesenvolvimento
do estudante da modalidade de educação a distância, este material foi elaborado de
forma dialógica, baseada em uma linguagem clara e pertinente aos estudos, além de
permitir vários momentos de aprofundamento do conteúdo ao estudante, através da
mobilidade para outros meios (como filmes, livros, sites).
Temos como princípio a responsabilidade e o desafio de oferecer uma formação
de qualidade, para tanto, a cada novo material, você está convidado a encaminhar
sugestões de melhoria para nossa equipe, sempre que julgar relevante.
Lembre-se: a equipe da UnochapecóVirtual estará à disposição sempre que
necessitar de um auxílio, pois assumimos um compromisso com você e com o
conhecimento.

Acreditamos no seu sucesso!

Diretoria de Educação a Distância

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


SUMÁRIO

CARTA AO ESTUDANTE............................................................................... 4
APRESENTAÇÃO.......................................................................................... 7
UNIDADE 1.................................................................................................. 8
ASPECTOS HISTÓRICOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO DE
SURDOS...................................................................................................... 8
INTRODUÇÃO......................................................................................... 9
2 A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-
HISTÓRICOS DO MUNDO ATÉ OS DIAS ATUAIS...................................... 9
3 O SURGIMENTO DA PRIMEIRA ESCOLA PARA SURDOS NO BRASIL... 13
4 ABORDAGENS DO ENSINO NA EDUCAÇÃO DA PESSOAS SURDAS.... 16
4.1 Oralismo...................................................................................... 17
4.2 Comunicação Total...................................................................... 19
4.3 Bilinguismo................................................................................. 21
REFERÊNCIAS........................................................................................ 23
UNIDADE 2................................................................................................ 26
CONCEITOS DA SURDEZ............................................................................ 26
INTRODUÇÃO.................................................................................... 27
2 DEFICIÊNCIAS E TERMINOLOGIAS...................................................... 27
3 DEFICIÊNCIA E EFICIÊNCIA................................................................ 28
4 SURDO-MUDO, DEFICIENTE AUDITIVO, SURDO E SURDOCEGO......... 29

5 QUEM SÃO OS SURDOS AFINAL?...................................................... 32


6 ALGUNS CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E COMUNIDADES
SURDAS................................................................................................ 33
6.1 Identidades Surdas Híbridas....................................................... 35
6.2 Identidades Surdas Flutuantes................................................... 36
6.3 Identidades Surdas Incompletas................................................ 36
6.4 Identidades Surdas de Transição................................................ 37
7 SURDEZ E A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS................................ 37
REFERÊNCIAS........................................................................................ 40

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


UNIDADE 3................................................................................................ 43
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS E O SEU DISCURSO LEGISLATIVO............. 43
INTRODUÇÃO....................................................................................... 44

2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988: DIREITOS DOS PORTADORES DE


DEFICIÊNCIA......................................................................................... 44
2.1 Considerações que antecedem a Lei da Libras........................... 45
2.2 Lei nº 10.436 – Vitória da comunidade surda............................ 49
2.3 Decreto de Libras nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005.......... 51
REFERÊNCIAS........................................................................................ 54
UNIDADE 4................................................................................................ 57
O ESTATUTO LINGUÍSTICO DAS LÍNGUAS DE SINAIS............................ 57
1 INTRODUÇÃO.................................................................................... 58
2 LINGUAGEM E LÍNGUA...................................................................... 58
3 LÍNGUAS DE SINAIS........................................................................... 61
4 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS .......................................... 63
4.1 Sistema de transcrição da Libras................................................ 64
4.2 Datilologia ................................................................................. 65
4.3 O sinal pessoal............................................................................ 66
4.4 Alfabeto manual......................................................................... 67
4.5 Numerais .................................................................................... 68
4.6 Numerais Ordinais...................................................................... 68
5 ASPECTOS RELEVANTES SOBRE A FONOLOGIA DAS LÍNGUAS DE
SINAIS .................................................................................................. 69
6 NOÇÕES SOBRE MORFOLOGIA DA LÍNGUA DE SINAIS...................... 71
6.1 Substantivo ................................................................................ 71
6.2 Verbos ........................................................................................ 71
REFERÊNCIA.......................................................................................... 73
APRESENTAÇÃO

Prezado acadêmico!

Este livro didático/EAD refere-se à disciplina “Língua Brasileira de Sinais


(LIBRAS)”, onde eu, professor Surdo, pertencente à comunidade surda e líder atuante,
contextualizarei a partir dos meus estudos e vivências, aspectos históricos da educação
de surdos no mundo, desde sua origem até os dias atuais, compreendendo os processos
históricos e filosóficos de cada época. Traremos estudos com o intuito de contribuir nas
discussões sobre conceitos de surdez na visão educacional, usando o termo “Surdo”
como categoria de alteridade, que envolve os sujeitos surdos em suas peculiaridades.
Informações sobre a identidade e diferenças de surdos, o uso da língua de sinais, seu
processo de aprendizagem e sua legalidade, assim como as informações sobre as
mudanças políticas da educação de surdos, metodologias e propostas vigentes em
âmbito nacional e estadual, finalizando os estudos básicos da linguística da Língua
Brasileira de Sinais – LIBRAS.

UNIDADES CARGA HORÁRIA


UNIDADE 1 - ASPECTOS HISTÓRICOS DO MUNDO ATÉ OS DIAS 10h
ATUAIS E AS PRÁTICAS DA ABORDAGEM NA EDUCAÇÃO DE
SURDOS NO BRASIL
UNIDADE 2 - CONCEITOS DA SURDEZ 10h
UNIDADE 3 - LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS E O SEU DISCURSO 10h
LEGISLATIVO
UNIDADE 4 - O ESTATUTO LINGUÍSTICO DAS LÍNGUAS DE 10h
SINAIS

Leia com atenção todo o material didático oferecido e também as orientações


para o desenvolvimento das atividades.

Bom estudo!
Professora Anderson Luchese

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Unidade 1
Aspectos históricos e práticas pedagógicas na educação de
surdos

Objetivos:
• Identificar as concepções filosóficas metodológicas da educação de surdos no
mundo até no Brasil;
• Refletir sobre a realidade da educação de surdos no Brasil: Oralismo,
Comunicação Total e Bilinguismo;
• Aprofundar o conhecimento do Plano Nacional de Educação – PNE da educação
bilingue para Surdos.

Conteúdo programático:
• A educação dos surdos nos aspectos filosóficos e sócio-históricos do mundo
até os dias atuais;
• História e o surgimento da primeira escola para surdos no Brasil;
• Abordagens de ensino da educação de pessoas surdas.
INTRODUÇÃO

Nessa Unidade vamos entender questões importantes sobre a historia das


pessoas surdas, bem como, cada época com seus acontecimentos em diferentes
contextos; A busca da cura da pessoa surda, com relatos de autores e pesquisadore
sobre como acontecia; O ensino em língua de sinais desde a antiguidade ate os
dias atuais. Entretanto, muitos surdos já instruídos e que se instruíram na época,
passam a defender a comunidade surda e a Língua de Sinais, ganhando espaço e
credibilidade na sociedade. Em seguida, veio à concepção de que os sujeitos surdos
eram intelectualmente ‘inferiores’, por isso eram trancados em asilos. E depois, inicia-se
a educação de surdos, quando se percebe que os sujeitos surdos tinham a capacidade
de aprender, com isto surgiram também pesquisas e experimentos das diferentes
filosofias, metodologias e formas adaptadas de ensino. Pretende-se fundamentar as
concepções filosóficas, também conhecidas por abordagens teórico-metodológicas da
educação de surdos no Brasil. Obviamente elas refletem a realidade externa também,
são os modelos educacionais na educação de surdos e presentes em maior ou menor
intensidade nas escolas para surdos, que são: o oralismo, a comunicação total e o
bilinguismo. Recentemente fala-se bilíngue possa evoluir e o conhecimento se dê
naturalmente em um processo intercultural.

2 A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NOS ASPECTOS FILOSÓFICOS E SÓCIO-


HISTÓRICOS DO MUNDO ATÉ OS DIAS ATUAIS

Até o século XV, as concepções sobre os surdos e a surdez tinham significados


diversos, bastante negativos. Segundo Guarinello (2007), na Antiguidade, os surdos
eram considerados seres castigados pelos deuses. Acreditava-se que pessoas que
nasciam surdas eram também mudas, ou seja, não poderiam falar nem expressar
seus pensamentos, tanto que até hoje à expressão surdo-mudo, fazendo referência a
pessoas surdas, ainda é bastante usual. O autor menciona que a crença era de que para
atingir a consciência humana tudo deveria penetrar por um dos órgãos do sentido,
e a audição era considerada o canal mais importante de aprendizado.
Sacks1 (2010) afirma que, no período anterior a 1750, as pessoas que possuíam
surdez pré-linguística2 eram percebidas pela ótica da incapacidade de desenvolver
a fala, pela impossibilidade de comunicação e pelas especificidades no processo de
aprendizagem e desenvolvimento. O contato com outros surdos era pouco valorizado
formalmente como estratégia de desenvolvimento, o que atualmente é reconhecida.
Os surdos, nesta época, continuavam sendo vistos como sujeitos estranhos
e objetos de curiosidades da sociedade. Strobel (2009) deixa claro que ainda não
davam tratamento digno aos surdos, colocando-os em imensa fogueira. Esta é uma
das últimas atrocidades encontradas em relatos históricos.
A partir de então, Strobel (2009), já relata que os surdos eram proibidos de
receberem a comunhão porque eram incapazes de confessar seus pecados, também

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 9


havia decretos bíblicos contra o casamento de duas pessoas surdas, sendo permitidos
somente aqueles que, pertencentes a uma classe social mais favorecida, recebiam
favor do Papa. Observa-se que, ao menos, já não eram mais punidos com a morte.
“Nesta época existiam leis que proibiam os surdos de receberem heranças, de
votar e enfim, de todos os direitos como cidadãos”, conforme afirma Strobel (2009,
p. 19). Estes direitos eram negados a todas as pessoas com deficiência, mulheres e
pessoas sem posses, portanto, os surdos eram excluídos da sociedade, apenas os
surdos de família nobres tinham maior atenção, apesar de crescerem escondidos da
sociedade em geral.
Goldfeld (2001) salienta que, no século XVI, na Espanha, o monge beneditino
Pedro Ponce de Leon (1520-1584) ensinou alguns surdos de famílias nobres. Os surdos
aprenderam a falar e a ler para receber reconhecimento por lei e conseguir títulos e
herança da família. A autora salienta que Ponce de Leon desenvolveu uma metodologia
de educação para crianças surdas que incluía datilologia, escrita e oralização, e criou
uma escola de professores de surdos.

Figura 1 - Pedro Ponce de Leon

Fonte: Veloso e Filho (2009, p. 30)

No século XVII (1620), “[...] Juan Martin Pablo Bonet publicou, na Espanha, o
livro Reduccion de las letras y artes para enseñar a hablar a los mudos, que trata da
invenção do alfabeto manual de Ponce de Leon” (GOLDFELD, 2001, p. 28).
Sacks (2010) situa que os educadores ouvintes, como Pedro Ponce de Léon, da
Espanha; os Braidwoods, da Grã-Bretanha; Amman, da Holanda; e Pereire e Deschamps,
da França, ensinaram alguns surdos a falar. Afirma, também, que, assim, as condições
de sobrevivência dos surdos, naquela época, despertaram interesse em alguns filósofos,
que levantaram algumas questões:

Por que a pessoa surda sem instrução é isolada na natureza e incapaz de


comunicar-se com os outros surdos homens? Por que ela está reduzida a esse
estado de imbecilidade? Será que sua constituição biológica difere da nossa?
Será que não possui tudo de que precisa para ter sensações, adquirir ideias e
combiná-las para fazer tudo o que fazemos? Será que não recebe impressões
sensoriais dos objetos como nós recebemos? Não serão essas, como ocorre

10 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


conosco, a causa das sensações da mente e das ideias que na mente adquire?
Por que então a pessoa surda permanece estúpida enquanto nos tornamos
inteligentes? (SACKS, 2010, p. 24).

O autor evidencia as preocupações daquela época. Muitos educadores


expressavam descrédito em relação ao futuro dos surdos. Acreditava-se que os surdos
não possuíam ideias, abstrações, capacidade de argumentação e que pensavam por
imagens. Imaginava-se, também, que os surdos não teriam sua própria língua. O
reconhecimento posterior da língua de sinais permitiu que os surdos conquistassem
credibilidade nas suas capacidades intelectuais.
Presneau (1993 apud LULKIN, 2000) aponta que filósofos como Etienne Bonnot
de Condillac (1715 – 1780) e Denis Diderot (1713 – 1784), interessados na surdez,
buscavam, nessa condição, uma relação entre a expressão do pensamento e a origem
da linguagem humana: “[...] seriam elas naturais, convencionais (criadas pelos homens)
ou divinas (criado por um Deus, auxiliado por Adão, o primeiro homem bíblico)?
A Língua de Sinais seria universal? Teria sido utilizada pelo primeiro homem e pela
primeira mulher?” (PRESNEAU, 1993 apud LULKIN, 2000, p. 5).
Sacks (2010) afirma que era revolucionário, no século XVI, acreditar que para
compreender algo não era necessário ouvir as palavras. Para o autor, o Abade De l’Epée,
com sua humildade, contribuiu para a mudança na história, visto que desejava dar a
todas as pessoas surdas a oportunidade de aprenderem a palavra de Deus. Assim, ele
dedicou-se a aprender a língua dos pupilos “surdos-mudos”, termo usado naquela
época. Associando sinais a figuras e palavras escritas.

Figura 2 - CHARLES MICHEL DE L’ÉPÉE

Fonte: LANE (1992, p. 78)

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 11


Figura 3 - ABADE DE L’ÉPÉE E A PRIMEIRA ESCOLA DE SURDOS NO MUNDO

Fonte: Veloso e Filho (2009, p. 33)

Figura 4 - ESTÁTUA DE CHARLES-MICHEL DE L´EPÉE (1712-1789)

Fonte: Disponível em: https://francoisboudinot.files.wordpress.com/2010/10/paris-labbc3a9-de-


lc3a9pc3a9e1.jpg acesso em 08 dez. 2019.

O Abade De l’Epée ensinou os surdos a ler, proporcionando-lhes acesso ao


conhecimento e à cultura do mundo. Esse método, que era a união da língua nativa
de sinais com a gramática francesa, proporcionava aos alunos surdos à possibilidade
de escrever o que lhes era dito, através de um intérprete que se comunicava por sinais.
Com isso, De l’Epée fundou a primeira escola que teve auxílio público, em 1755, e
treinou diversos professores, sendo que em poucos anos já havia sido criadas mais
de vinte e uma escolas para surdos na França e na Europa. Dois anos após a morte de
De l’Epée, que ocorreu em 1789, sua escola transformou-se na Institution Nationale
pour les sourds-muets de Paris.

12 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


3 O SURGIMENTO DA PRIMEIRA ESCOLA PARA SURDOS NO BRASIL

Em 1855, o ministro de Instrução Pública Drouyn de Louys, o embaixador da


França Monsieur Saint George e a corte do Rio de Janeiro, apresentaram o conde e
professor surdo Eduard Huet contato com o Dom Pedro II, incentivando-o a criar um
ensino para surdos-mudos (termo que utilizavam naquela época).
Segundo Rocha (2008), a primeira escola criada no Brasil teve como objetivo
ensinar a ler, escrever e contar. Era uma escola para pobres, brancos e livres. Naquela
época, a sociedade, ainda escravocrata, organizava-se politicamente de forma distinta
da atualidade. “Não guardava uma intenção de continuidade com os níveis de instrução
secundária e superior, que eram destinados à aristocracia” (ROCHA, 2008, p. 23). Foi
nesse cenário, conhecido como “das primeiras letras”, conforme Rocha, que em junho
de 1855 E. Huet apresenta ao imperador D. Pedro II um projeto para criação de um
estabelecimento para surdos.

Figura 5 - Eduard Huet

Fonte: Rocha (2008, p. 29)

A escola para surdos começou a funcionar no Brasil em 1º de janeiro de 1856,


junto ao Colégio M. de Vassimon, no modelo privado. Nessa data, Huet apresentou
seu programa de ensino, organizado com as seguintes disciplinas: “Língua portuguesa,
Aritmética, Geografia e História do Brasil, Escrituração Mercantil, Linguagem Articulada
(os que tivessem aptidão) e Doutrina Cristã” (ROCHA, 2008, p. 30). Huet, personalidade
importante na história da educação de surdos, solicitou ao governo a concessão de
um terreno para realizar os atendimentos.
Strobel (2009) salienta a importância da história do fundador da 1ª escola de
surdos no Brasil: E. Huet, professor surdo, nasceu, viveu e estudou em Paris. Fundou
outras escolas de surdos em diversos países. Chegou ao Brasil em 1855 e fundou a
primeira escola aqui. Em 1857, segundo Rocha (2008), a escola foi transferida para
uma casa maior. Campello e Quadros (2010) ressaltam que os primeiros surdos que

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 13


frequentaram a escola de surdos no Brasil foram um menino de 10 e uma menina de
12 anos.
Rocha (2008) destaca que Huet nasceu em Paris em 1822 e ficou surdo aos 12
anos de idade, em consequência de ter contraído sarampo. Em junho de 1855, Huet
apresentou ao imperador D. Pedro II um relatório em Língua Francesa, contendo o
plano de criação de uma escola para surdos, denominado “Imperial Instituto dos
Surdos-Mudos”, hoje: “Instituto Nacional de Educação de Surdos” (INES).

Figura 6 - INSTITUTO NACIONAL SURDOS-MUDOS - 1855

Fonte: Rocha (2008, p. 30)

Figura 7 - INSTITUTO NACIONAL EDUCAÇÃO DE SURDOS – INES - Atual

Fonte: Rocha (2008, p. 90)

Curiosidade

Para saber mais curiosidade do Ines acesse o site: http://www.ines.gov.br/

14 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Strobel (2009) relata que o Instituto foi criado pela Lei nº 939, no dia 26 de
setembro de 1857, data em que é comemorado o “Dia Nacional dos Surdos” no Brasil.
A primeira escola apresentou uma proposta que mesclava a língua de sinais francesa
com os sistemas já usados pelos surdos de várias regiões do Brasil. A autora comenta
que no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), Huet permaneceu até o ano
de 1861, quando foi embora do Brasil devido a problemas pessoais, e para lecionar
aos surdos no México. Neste período, o INES foi dirigido por Frei do Carmo, que logo
abandonou o cargo e foi substituído por Ernesto do Prado Seixa.
Ainda segundo Sacks (2010), as escolas foram se expandindo, aumentou
também o número de professores e intérpretes. Porém, em 1869, um movimento
iniciado por pais e professores, contra a utilização da Língua de Sinais pelos surdos,
comprometeu toda a dedicação oferecida aos métodos utilizados. Tal movimento
defendia que o objetivo de educar os surdos deveria ser ensiná-los a falar. Mas, esse
era um trabalho que, além de exigir tempo e dedicação, não apresentava resultados
imediatos. Esse movimento de oralização se consolidou na década de 1870, resultando
no isolamento e exclusão dos surdos que não oralizavam.
Sacks (2010) relata que Edward Gallaudet, em visitas que realizou a escolas de
catorze países da Europa, no final da década de 1860, percebeu que, embora houvesse
escolas que utilizavam tanto a língua de sinais quanto a fala, as que utilizavam a língua
de sinais obtinham melhores resultados com relação à educação geral.
Prossegue Sacks (2010) salientando que, apesar de nunca ter admitido que sua
mãe e esposa eram surdas, Alexander Graham Bell foi o representante e poderoso
“oralista” mais significativo da sua época. No Congresso Internacional de Educadores
de Surdos em Milão, Alexander Graham Bell, utilizando sua autoridade e prestígio,
defendeu o ensino oral, através de votação a qual os professores surdos foram
excluídos. Conseguiu a vitória do oralismo, abolindo assim o uso da língua de sinais
nas escolas e, com tal proibição, os surdos foram obrigados a aprender a língua falada.
Segundo Sacks (2010) a partir desse fato, o número de professores surdos diminuiu
de 50%, em 1850, para 25% na virada do século, e para 12% em 1960, resultado dos
esforços das escolas orais em fazer com que os surdos desenvolvessem a fala. Porém,
a partir de 1960, estudiosos, como psicólogos, linguistas e historiadores, assim como
pais de surdos, despertaram para o que estava acontecendo, surgindo filmes e novelas
que passaram a transmitir informações sobre a situação dos surdos na sociedade.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 15


Figura 8 - ALEXANDER GRAHAM BELL

Fonte: Veloso e Filho (2009, p. 39)

Figura 9 - LOCAL DO CONGRESSO EM MILÃO – ITÁLIA

Fonte: Disponível em: http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/eixo7/libras/unidade3


/unidade3.htm>. Acesso em: 29 nov. 2019.

4 ABORDAGENS DO ENSINO NA EDUCAÇÃO DA PESSOAS SURDAS

Ao longo da história, diferentes abordagens teóricas metodológicas foram


adotadas com o objetivo de ensinar pessoas surdas. Alguns defendiam a metodologia
oralista, outros a comunicação total e, mais recentemente, o bilinguismo. Até hoje, são
discutidas distintas concepções pedagógicas destinadas à educação/escolarização de
alunos surdos, nas escolas comuns e especiais para surdos. Isso porque a concepção
de sujeito surdo e seu processo de aprendizagem e desenvolvimento passam pelo
crivo da cultura e dos diferentes olhares que definem o campo da educação especial.
A seguir, serão destacadas três abordagens distintas adotadas, ao longo dos
tempos, na escolarização de pessoas com surdez: a oralista, comunicação total e o
bilinguismo.

16 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


4.1 Oralismo

O oralismo surgiu por volta do século XVIII, a partir das resoluções do Congresso
Internacional de Educadores Surdos que ocorreu em 1880, em Milão, Itália, perdurando
até a década de 1970. Segundo Sacks (2010, p. 35), no referido congresso “no qual
os próprios professores surdos foram excluídos da votação, o oralismo saiu vencedor
e o uso da língua de sinais nas escolas foi oficialmente abolido”.
A modalidade oralista baseia-se na crença de que é a única forma desejável de
comunicação para o sujeito surdo, e a língua de sinais deve ser evitada a todo custo
porque atrapalha o desenvolvimento da oralização. Devido à evolução tecnológica
que facilitava a prática da oralização pelo sujeito surdo, o oralismo ganhou força a
partir da segunda metade do século XIX.
Goldfeld, ao fazer referência às consequências do Congresso de Milão,
afirma que “naquele momento, a educação dos surdos deu uma grande
reviravolta em sentido oposto à educação do século XVIII” (GOLDFELD, 2001, p.
31). As reflexões dos autores citados nos possibilitam compreender que havia,
naquele período, uma expectativa de que os surdos se comportassem como
ouvintes, ou seja, deveriam aprender a falar. Os alunos que frequentavam a
escola para aprender os conteúdos escolares e a comunicar-se em língua de
sinais e alfabeto digital foram proibidos de sinalizarem, recomendando-se que a
comunicação fosse feita pela via auditiva e pela leitura da face e boca.

Dica

Existem muitos métodos orais diferentes na educação com os surdos, ‘o


oralismo’ é um dos recursos que usa o treinamento de fala, leitura labial,
entre outros, este recurso é usado dentro das metodologias orais, entre eles o
‘verbotonal’, ‘oral modelo’ ‘materno reflexivo’, ‘Perdoncini’, entre outros.
Conheça-os melhor em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAA93YAH/
surdosvestigios-culturais-nao-registrados-na-historia?part=2>.

Dessa forma, Goldfeld (2001) salienta que o oralismo percebe a surdez


como uma deficiência que deve ser minimizada pela estimulação auditiva. A
filosofia oralista passou a buscar nos surdos a sua personalidade ouvinte e tentou
várias metodologias do ensino da fala para as crianças surdas, na tentativa de
negar a identidade surda, ou seja, “normalizar” a surdez, contudo amparamonos
em Goldfeld para afirmar que “as crianças ouvintes não têm dificuldades
para inferir as regras gramaticais, mas as crianças surdas, por não receberem
com a mesma facilidade os estímulos auditivos, precisam de ajuda especial” (GOLDFELD,
2001, p. 35). Não é impossível que as crianças surdas oralizem. No entanto, para
que isso aconteça, necessitam de estimulação da oralização desde cedo, utilizando

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 17


recursos para capacitar o surdo a desenvolver ou manter a língua oral. Neste trabalho,
faz-se necessário o envolvimento de alguns profissionais, como fonoaudiólogo, e é
imprescindível a participação da família. O trabalho da oralização segue as regras
gramaticais para se ter bom domínio da língua portuguesa falada.
Essa concepção de educação enquadra-se no modelo clínico e esta visão afirma
a importância da integração dos sujeitos surdos na comunidade de ouvintes, e que
para que isso possa ocorrer o sujeito surdo deve oralizar bem, fazendo uma reabilitação
de fala em direção à “normalidade” exigida pela sociedade.

O oralismo, ou filosofia oralista, usa a integração da criança surda à


comunidade de ouvintes, dando-lhe condições de desenvolver a língua
oral (no caso do Brasil, o Português). O oralismo percebe a surdez como
uma deficiência que deve ser minimizada através da estimulação auditiva
(GOLDFELD, 1997, p. 30-31).

E com isso persistiu a aplicação de inúmeros métodos oralistas, geralmente


estrangeiros, buscando estratégias de ensino que poderiam transformar em
realidade o desejo de ver os sujeitos surdos falando e ouvindo, fazendo com
que os órgãos governamentais dessem enormes verbas para a aquisição de
equipamentos em que pudessem potencializar os restos auditivos e com os
projetos de formação de professores leigos que muitas vezes faziam o papel de
fonoaudiólogos, ficando assim a proposta educacional direcionada somente para
a reabilitação de fala aos sujeitos surdos.
Os anos se passaram e a filosofia oralista não demonstrou bom resultado.
Muitos surdos fracassaram na aprendizagem e percebeu-se que não conseguiram falar
normalmente. Segundo Goldfeld (2001, p. 38), “a história da educação de surdos nos
mostra que a língua oral não dá conta de todas as necessidades da comunidade surda”.
Vários autores comentam como foi o tempo em que permaneceu a filosofia oralista,
afirmando que “[...] muitos surdos eram vistos como incapazes de comunicação e,
portanto, incapazes de pensamento – condições atribuídas ao humano” (LOPES, 2011,
p. 58).
Segundo Dorziat (2006, p. 19), as técnicas mais utilizadas no modelo oral eram:

- O treinamento auditivo: estimulação auditiva para reconhecimento e


discriminação de ruídos, sons ambientais e sons da fala, geralmente fazem
treinamento com as aparelhagens como AASI e outros.
- O desenvolvimento da fala: exercícios para a mobilidade e tonicidade dos
órgãos envolvidos na fonação, lábios, mandíbula, língua etc., e exercícios de
respiração e relaxamento.
- A leitura labial: treino para a identificação da palavra falada através da
decodificação dos movimentos orais do emissor.

18 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Dica

A técnica de leitura labial, ”ler” a posição dos lábios e captar os movimentos


dos lábios de alguém que está falando é útil apenas quando o interlocutor
formula as palavras de frente, com clareza e devagar.

A maioria dos surdos só consegue ler 20% da mensagem através da leitura


labial, perdendo a maioria das informações. Geralmente os surdos ‘deduzem’
as mensagens de leitura labial através do contexto dito.

4.2 Comunicação Total

Na década de 1960 brotou a língua dos sinais associada à oralização, surgindo


o modelo misto denominado de Comunicação Total, que trouxe o reconhecimento e
valorização de língua de sinais que foi muito oprimida e marginalizada por mais de
100 anos.
Freeman, Carbin e Boese (1999) trazem uma definição citada frequentemente
sobre a Comunicação Total:

A Comunicação Total inclui todo o espectro dos modos linguísticos: gestos


criados pelas crianças, língua de sinais, fala leitura orofacial, alfabeto manual,
leitura e escrita. A Comunicação Total incorpora o desenvolvimento de
quaisquer restos de audição para a melhoria das habilidades de fala ou de
leitura orofacial, através de uso constante, por um longo período de tempo,
de aparelhos auditivos individuais e/ou sistemas de alta fidelidade para
amplificação em grupo (DENTON apud FREEMAN; CARBIN; BOESE, 1999, p.
171).

A Comunicação Total foi desenvolvida aproximadamente em 1960, após a


constatação de que muitos sujeitos surdos não tiveram o sucesso esperado na leitura
de lábios e emissão de palavras, propostas pelo oralismo puro. Com o objetivo de usar
toda e qualquer metodologia para melhorar a qualidade de fala ou da leitura orofacial,
ou seja, a língua de sinais aqui seria uma metodologia para alcançar a compreensão,
porém para aplicá-la ao desenvolvimento da fala.
Goldfeld (2011) afirma que a filosofia da Comunicação Total se preocupa com
os processos comunicativos entre surdos e destes com ouvintes. Segundo a autora:

Esta filosofia também se preocupa com a aprendizagem da língua oral pela


criança surda, mas acredita que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais
não devem ser deixados de lado, em prol do aprendizado exclusivo da língua
oral. Por esse motivo, essa filosofia defende a utilização de recursos espaço-
viso-manuais como facilitadores da comunicação (GOLDFELD, 2001, p. 38).

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 19


Assim, a Comunicação Total consistia no uso simultâneo de palavras e sinais,
ou seja, de uma língua oral e de uma língua sinalizada, assim o sujeito se comunica
falando e sinalizando ao mesmo tempo. Lembrando que o objetivo era que se usasse
o que fosse preciso para ‘facilitar a comunicação’.
Goldfeld (2001) salienta que esta filosofia enfatiza, mais do que simplesmente o
aprendizado de uma língua, a valorização da família da criança surda, entendendo que
cabe à família compartilhar seus valores, contribuindo na formação da subjetividade
do surdo.
A autora situa que a Comunicação Total denomina essa forma de
comunicação de bimodalismo, que é uma das formas utilizadas no processo
de aquisição da linguagem pela criança, assim como na comunicação entre
surdos e ouvintes. “A língua de sinais não pode ser utilizada simultaneamente
com o português, pois não temos capacidades neurológicas de processar
simultaneamente duas línguas com estruturas diferentes” (GOLDFELD, 2001, p.
41).
A autora ressalta que no Brasil algumas clínicas e escolas adotavam a
Comunicação Total. Goldfeld (2001, p. 42) situa que a “Escola Concórdia, em
Porto Alegre, e algumas turmas do Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES), são exemplos da aplicação prática da filosofia da Comunicação Total”,
assim como outras escolas de surdos que foram desenvolvidas com essa
abordagem. A autora afirma que a comunicação total se mostrou mais eficiente
em relação ao oralismo, “já que leva em consideração aspectos importantes do
desenvolvimento infantil e ressalta o papel fundamental dos pais ouvintes na
educação de seus filhos surdos” (GOLDFELD, 2001, p. 42). Na Comunicação Total
surge à comunicação visual acompanhada da oralidade, o que possibilita maior
compreensão da criança surda. Essas comunicações podem ser a língua técnica, o
português sinalizado, com o desejo de ter uma relação, um diálogo entre surdos e
ouvintes. Os sinais representam gestos, mas não caracterizam uma língua. Segundo
Goldfeld (2001, p. 42):

A Comunicação Total não privilegia o fato de esta língua ser natural (surgiu
de forma espontânea na comunidade surda) e carrega uma cultura própria, e
cria recursos artificiais para facilitar a comunicação e a educação dos surdos,
que podem provocar uma dificuldade de comunicação entre surdos que
dominam códigos diferentes das línguas de sinais.

A Comunicação Total, ou português sinalizado, atingiu aspectos positivos e


negativos, porém não conseguiu se consolidar como uma cultura surda. A criança
surda consegue se expressar com autonomia, mas não consegue compreender o que
a sociedade ouvinte quer informar.

20 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


4.3 Bilinguismo

A partir da década de 1970 percebeu-se que a língua de sinais poderia ser


utilizada independentemente da língua oral. Surgiu, assim, a filosofia bilíngue, que
desde a década de 1980 vem se disseminando por todos os países do mundo.
Capovilla, Raphael e Maurício (2012) apresentam a seguinte problematização:
mas o que almeja o bilinguismo? Para responder a esta pergunta, os mesmos autores
mencionam que “a abordagem educacional do bilinguismo almeja que a Escola
Bilíngue para Surdos deva levar a criança surda a adquirir proficiência em Libras e
Português” (CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURICIO, 2012, p. 73). Para entender a afirmação
dos autores, é possível acrescentar que as crianças surdas têm o direito de serem
bilíngues. Os autores ressaltam que “o bilinguismo se torna mais bem-sucedido em
promover o desenvolvimento e a aquisição da leitura e escrita competentes e com
correção ortográfica” (CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURICIO, 2012, p. 73). A proposta
bilíngue compreende a aquisição de duas línguas: a língua de sinais (L1) e a língua
de seu país (L2) em sua forma escrita (leitura e escrita).
Em outubro de 2013, a Portaria nº 1.060 instituiu um Grupo de Trabalho com
o objetivo de elaborar subsídios para a Política Nacional de Educação Bilíngue - Língua
Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, com orientações para formação inicial e
continuada de professores, para o ensino da Libras e da Língua Portuguesa como
segunda língua. No Relatório sobre a Política Linguística de Educação Bilíngue - Língua
Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa (BRASIL, 2014), consta que:

Historicamente, a Educação de Surdos esteve vinculada à Secretaria de Educação


Especial (SEESP), de onde emanaram as políticas públicas para a área, a qual tem
como foco o atendimento educacional especializado ao alunado com deficiências.
Atualmente, as políticas para a Educação de Surdos encontram-se no âmbito da
SECADI – Secretaria de Alfabetização Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão, o que é um avanço interessante para a comunidade surda, pois a
questão da surdez, definitivamente, não se inscreve na área da Educação
Especial, conforme argumentado acima. Os surdos que demandam
atendimento especializado são os que têm outros comprometimentos
(por exemplo, surdocegos, surdos autistas, surdos com deficiência visual,
deficiência intelectual, com síndromes diversas ou com outras singularidades)
(BRASIL, 2014, p. 6)

O posicionamento do grupo que elaborou o relatório partiu da seguinte


premissa para argumentar a desvinculação da educação de surdos da área da Educação
Especial: “para que uma nova arquitetura educacional formal e pública se consolide na
perspectiva da Educação Bilíngue de Surdos” (BRASIL, 2014, p. 7). O grupo defende
uma reestruturação da organização da Secadi, relativa à educação bilíngue de surdos.

A Educação Bilíngue de surdos não é compatível com o atendimento oferecido


pela Educação Especial, pois restringe-se às questões impostas pelas limitações
decorrentes de deficiências de um modo extremamente amplo, como se o surdo, ele
próprio, pela surdez, fosse dela objeto em si mesmo. Considerado como parte de
uma comunidade linguístico cultural, o estudante surdo requer outro espaço do
MEC para implementar uma educação bilíngue regular que atenda às distintas

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 21


possibilidades de ser surdo. Em decorrência, surdos com deficiências além da
surdez devem ser atendidos em atendimentos especializados organizados com
base nos princípios da Educação Bilíngue oferecida em Libras e Português
Escrito como segunda língua. (BRASIL, 2014, p. 6-7).

O mesmo relatório caracteriza as escolas bilíngues considerando os termos da


“24ª Declaração e os direitos garantidos aos surdos a partir da Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência [...] (2013)” (BRASIL, 2014, p. 4).

As escolas bilíngues são aquelas onde a língua de instrução é a Libras e a


Língua Portuguesa é ensinada como segunda língua, após a aquisição da
primeira língua; essas escolas se instalam em espaços arquitetônicos próprios
e nelas devem atuar professores bilíngues, sem mediação de intérpretes na
relação professor - aluno e sem a utilização do português sinalizado. (BRASIL,
2014, p. 4).

Consta ainda, no referido relatório que as escolas bilíngues de surdos devem


oferecer educação em tempo integral. “Os municípios que não comportem escolas
bilíngues de surdos devem garantir educação bilíngue em classes bilíngues nas escolas
comuns (que não são escolas bilíngues de surdos)”. (BRASIL, 2013, p. 4).
A Lei no. 13.005 de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de
Educação – PNE e dá outras providências, na Meta 4, prevê

[...] universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com


deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional
especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia
de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes,
escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados. (BRASIL, 2014).

Esta meta é composta por 19 estratégias, sendo que a estratégia 4.7 menciona
a oferta da educação bilíngue, cujo texto prevê

[...] garantir a oferta de educação bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS


como primeira língua e na modalidade escrita da Língua Portuguesa como
segunda língua, aos (às) alunos (as) surdos e com deficiência auditiva de 0 (zero)
a 17 (dezessete) anos, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos
termos do art. 22 do Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005, e dos art.
24 e 30 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como
a adoção do Sistema Braille de leitura para cegos e surdos-cegos. (BRASIL,
2014b).

Podemos perceber que um conjunto de normativas e posicionamentos teóricos


de profissionais defendem a educação bilíngue para estudantes surdos.

22 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Síntese

A Idade Antiga até idade Média é o período significativo de caminhada


histórica, quando se passou das atrocidades contra as pessoas surdas, para uma
exclusão social por serem seres castigados pelos Deuses ou ainda por serem
objetos de curiosidade. Como se valorizava muito os sentidos e o surdo não
ouvia e nem falava, surgiu, na época, o termo surdo-mudo, que por equívoco
muitas vezes ainda é utilizado nos dias atuais.
Na Idade Moderna, avança-se muito na caminhada histórica da educação
de Surdos, acredita-se que o surdo é dotado de razão e se dissemina o ensino da
Língua de Sinais entre os mesmos. Surgem muitos alfabetos manuais na época.
Muitas das experiências estão ligadas ao ensino de filhos surdos de famílias
nobres, passando assim, a ter direito a heranças, por exemplo. Os monges
educadores pretendiam também levar a palavra de Deus a todos. Surgem mais
de vinte e uma escolas de Língua de sinais por toda Europa, influenciadas pelas
experiências de L’Épée.
Podemos pensar que a educação de surdos foi discriminada e passou
por várias formas de ser entendida. Neste contexto temos três diferentes
modalidades de ensino.
O oralismo entra em cena a partir do congresso de Milão em 1880, e busca
normalizar a surdez usando metodologias do ensino da fala para as crianças
surdas. Neste caso, a Língua de Sinais deve ser evitada a todo custo porque
atrapalha o desenvolvimento da oralização. A comunicação total vem em seguida,
com o objetivo de usar toda e qualquer metodologia para melhorar a qualidade
de fala ou da leitura orofacial. A Língua de Sinais aqui é uma metodologia para
alcançar a compreensão, porém para aplicá-la ao desenvolvimento da fala. Por
fim temos a concepção do bilinguismo, que compreende a aquisição de duas
línguas: a Língua de Sinais (L1) e a língua de seu país (L2) em sua forma escrita
(leitura e escrita). As escolas devem incluir os surdos usando práticas de como
trabalhar com eles de formas diferentes, atendendo suas especificidades. O
trabalho deve ser articulado para que ocorra a aquisição das duas línguas3.

3 Os caminhos da educação de surdos ainda estão sendo construídos. Para conhecer mais a respeito
da história da educação de surdos e sobre questões atuais no debate sobre essa educação, sugerimos
as leituras a seguir: SOARES, M. A. L. A educação de surdos no Brasil. Campinas: Autores Associados,
1999. FERNANDES, E. (org.). Surdez e bilinguismo. Porto Alegre: Mediação, 2005.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 23


REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,


Diversidade e Inclusão. Relatório sobre a Política Linguística de Educação Bilíngue –
Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa. Brasília, 2014. 24 p.

______. Portaria nº 1.060, de 30 de outubro de 2013. Institui Grupo de Trabalho


com o objetivo de elaborar subsídios para a Política Nacional de Educação
Bilíngue - Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, com orientações
para formação inicial e continuada de professores para o ensino da Libras
e da Língua Portuguesa como segunda língua. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 out. 2013, n. 212, Seção 1, p. 44. Disponível
em: http://www.lex.com.br/legis_25017655_portaria_n_1060_de_30_de_out
ubro_de_2013.aspx. Acesso em: 13 dez. 2019.

CAPOVILLA, Fernando Cézar; RAPHAEL, Walkiria Duarte; MAURICIO, Aline Cristina


L. Novo Deit-Libras: dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue: língua brasileira de
sinais. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012. 1-2 v. Sinais A a Z.

DORZIAT, Ana. Metodologias especificas ao ensino de surdos: análise crítica.


Disponível em: <http://www.ines.org.br/ines_livros/13/13_PRINCIPAL.HTM> Acesso
em 08 dez. 2019.

FREMAN, Roger D., CARBIN, Crifton F, BOESE, Roberto J. Seu filho não
escuta? Um guia para todos que lidam com crianças surdas. Brasília: MEC/
SEESP, 1999.

GUARINELLO, Ana Cristina. O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São Paulo:
Plexus, 2007.

GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio-


interacionista. São Paulo: Plexus, 2001.

LOPES, Surdez & educação. 2. ed. rev. ampl. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

LULKIN, Sérgio Andrés. O silêncio disciplinado: a invenção dos surdos a partir de


representações ouvintes. 2000. 112 f. Dissertação 124. (Mestrado em Educação) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, 2000.

SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Tradução de Laura
Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

24 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


STROBEL, Karin Lilian. Surdos: vestígios culturais não registrados na história.
2008.176 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2008.

______. História da educação de surdos. Florianópolis: UFSC, 2009. (Material


disciplina Letras/Libras).

ROCHA, Solange Maria da. O INES e a educação de surdos no Brasil: aspectos da


trajetória do Instituto Nacional de Educação de Surdos em seu percurso de 150 anos.
Rio de Janeiro: INES, 2008.

VELOSO, Éden; FILHO, Valdeci Maia. Aprenda a Libras com eficiência e rapidez.
Editora - Mãos Sinais. Curitiba - PR. 2009.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado
para esta Unidade de Aprendizagem.
Unidade 2
Conceitos da surdez

Objetivos:
• Identificar as diferenças das Deficiências: Terminologias e Eficiência;
• Especificar os conceitos do Surdo-Mudo, Deficiente Auditivo, Surdo e Surdocego;
• Definir os conceitos da cultura e comunidades surdas.

Conteúdo programático:
• Deficiências e Terminologias;
• Deficiência e Eficiência;
• Surdo-Mudo, Deficiente Auditivo, Surdo e Surdocego;
• Quem são os Surdos afinal?
• Alguns conceitos de Cultura, Identidade e Comunidades Surdas;
• Surdez e a Aquisição da Língua de Sinais.
INTRODUÇÃO

Nesta segunda unidade abordaremos as terminologias mais usadas


no decorrer da história, bem como suas conceituações e análise. A principal
discussão, hoje, gira em torno do termo Deficiência Auditiva – DA – e Pessoa
Surda – PS. Os dois termos são aceitos, apesar das divergências entre autores
e comunidades surdas. Também traremos a discussão de cultura, identidade e
comunidade surda, além da diferenciação entre os surdos considerados híbridos,
flutuantes, incompletos e em transição. Ao caracterizar o sujeito Surdo, fica
evidenciado que o surdo é usuário de uma língua diferenciada, que lhe propicia o
acesso aos conhecimentos, como qualquer outra língua a seus usuários. Assim, o último
item deste tópico trará algumas reflexões sobre o processo de aquisição desta língua.

2 DEFICIÊNCIAS E TERMINOLOGIAS

Dúvidas cruéis perseguem muitas pessoas no que se refere ao uso


de determinadas terminologias em relação às pessoas com qualquer tipo
de deficiência. Muitos termos considerados incorretos já foram usados no
passado, na forma que se tinha a discussão e a visão da época, tais como:
doentes, mongoloide, surdo-mudo, ceguinho, surdinho e tantos outros termos.
Infelizmente, ainda ouvimos estas denominações em nossos dias, por pessoas
que ainda estão arraigadas à cultura passada, ou por não possuírem informação.
Em outro extremo há aqueles que, com ânsia de demonstrar conhecimento,
procuram embelezar a realidade com uso de um vocabulário politicamente correto e
usam, por exemplo, o termo portador de necessidades especiais, para todos os tipos
de deficientes. Entretanto, este termo também não contempla a solução da questão.
Também houve movimentos de reivindicação de direitos dessas pessoas, inclusive
eles próprios participavam, e surgiu o debate acerca das terminologias: “deficientes”,
“pessoas deficientes”, “portadores de deficiência”, “pessoas especiais”, “pessoas
com necessidades especiais”, “portadores de necessidades especiais”, “pessoas com
deficiência”, entre outras.
Para evitar esta discrepância e alcançar o justo-meio, faz-se necessário
estabelecer alguns conceitos importantes em relação a esse seguimento social: pessoa
com deficiência ou pessoa com necessidades especiais.
Embora conste no texto constitucional, o uso do termo “portador” é incorreto.
Naquela época, o legislador visava tão somente não utilizar de palavras com conotações
negativas, como surdo-mudo, retardo e outros. Entretanto, atualmente, este termo
também não condiz com a realidade e, portanto, deve ser evitado.
Portador de necessidades especiais dá o sentido que a pessoa está portando
sua deficiência, assim como porta com ela, por exemplo, objetos pessoais, os quais a
pessoa pode deixar de carregar quando bem desejar.

28 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Além disso, a terminologia necessidades especiais é uma classificação genérica,
que independe da existência de deficiências. Todo ser humano pode possuir uma
necessidade especial, que pode ser interpretada com vários cunhos: econômico, social,
sentimental etc. Pessoas idosas, obesas, grávidas, por exemplo, possuem também
necessidades especiais. Trata-se de um termo amplo, que não abrange, portanto,
somente pessoas deficientes.
O texto constitucional que faz uso do termo “portador de necessidades
especiais” não necessita de uma emenda para correção. Vale a análise contextual de
seu surgimento e o atual entendimento, para que os próximos textos legislativossejam
diferentes.

Para não errar nesta questão, é necessário não usar termos ultrapassados,
com conotações negativas, bem como não tentar explorar ao máximo as variações
linguísticas, usando palavras com conotações genéricas para grupos específicos.
Pode até parecer politicamente correto, mas ofende as pessoas em questão. Assim
entendemos que o uso do termo pessoa com deficiência é o correto, haja vista retratar
sem ofensas tal realidade.

3 DEFICIÊNCIA E EFICIÊNCIA

Muitos não usam a terminologia correta, pessoa com deficiência, por acreditarem
que o contrário de deficiência é eficiência. Entretanto, esse entendimento é equivocado.
O contrário de eficiência não é a deficiência. O contrário de eficiência é ineficiência.
Assim, ineficiente (entendido como aquele que não produz, e, portanto, não é eficaz),
pode ser tanto uma pessoa com deficiência como uma pessoa sem deficiência, haja
vista ser esta característica existente independentemente desta situação (a deficiência).
Incapacidade também não é contrário de deficiência. Pode até ser, sob um
recorte feito dentro de uma análise concreta, uma consequência de uma deficiência,
entretanto não deve ser considerada de forma generalizada, pois a incapacidade de
um sentido (visão, audição, por exemplo) não impede, necessariamente, a capacidade
de utilização de outro.
Neste sentido, a Dra. Fávero (2004) afirma que a pessoa com deficiência
não é uma pessoa incapaz, pois caso assim fosse, isto representaria, no mínimo,
um retrocesso a todo esforço de décadas para que a deficiência seja vista de forma
dissociada da ausência de potencialidade, ou seja, a pessoa com deficiência possui
sim suas potencialidades, precisamos apenas desenvolvê-las.
Podemos dizer que: “O contrário de pessoa com deficiência é pessoa sem
deficiência” (COSTA, 2010, p. 74). Assim, pode-se definir deficiência, de acordo com
BRASIL (2001), “uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou
transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da
vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social” (BRASIL, 2001, p.
55). Esta é a definição dada pela Convenção Interamericana para a Eliminação de todas

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 29


as formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência, a Convenção de
Guatemala, promulgada em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 3.956/01.
A definição ampla de deficiência se dá porque não importa se a limitação
ocorreu de forma geral ou em menor grau. É necessária tão somente a limitação para
se denominar pessoa com deficiência. Ressalta-se ainda que o termo “deficiência” é
genérico, muitos acabam relacionando o termo apenas a deficiência intelectual ou a
deficiência física, entretanto estas são apenas categorias de deficientes, assim como
existem surdos, cegos, entre outros.
Ressalta-se que o uso do termo deficiência em relação ao ser humano, nem
de longe deve ser interpretado como imperfeição ou defeito, já que não existe ser
humano totalmente perfeito ou imperfeito. Da mesma forma, não se pode dizer o
contrário, ou seja, que as pessoas sem deficiências também são perfeitas. Perfeição
é uma conceituação subjetiva, relativa, construída a partir de uma interação social.

Saiba mais

Para saber mais sobre os termos, leia também:


<http://www.cantinhodoscadeirantes.com.br/2013/03/contrario-de-eficiencia-
e-ineficiencia.html>.

4 SURDO-MUDO, DEFICIENTE AUDITIVO, SURDO E SURDOCEGO

Esclarecemos que, aqui, utilizaremos os termos pessoas surdas e surdos/as para


designar as pessoas que possuem surdez e formam o povo surdo, também buscamos
o estudo simples sobre os surdoscegos.
Continuando a falar sobre as terminologias da surdez é importante destacar
mais duas discussões: a primeira sobre o termo surdo-mudo e a segunda sobre a
utilização do termo Surdo.
Em relação ao primeiro termo, surdo-mudo, é muito forte dentro da comunidade
surda o repúdio a ele, por ser considerado que as pessoas que nascem surdas, e as que
adquirem a surdez antes da aquisição da língua verbal, não desenvolvem a oralidade
pela impossibilidade de escutarem e entenderem a comunicação oral dos/as ouvintes,
mas apresentam o sistema fonador preservado, emitem sons e pode falar por meio

30 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


da língua de sinais, e algumas conseguem se tornar oralizadas por escolha própria,
imposição da família ou da sociedade ouvintista. Por estes motivos os surdos/as não
são mudos/as.

[...] as comunidades de surdos de todo o mundo passaram a ser comunidades


culturais [...] “falantes” de uma língua própria. Assim, mesmo quando não vocaliza,
um surdo pode perfeitamente “falar” em sua Língua de Sinais, não cabendo a
denominação SURDOMUDO. Por outro lado, a mudez é um tipo de patologia
causado porquestões ligadas às cordas vocais, à língua, à laringe ou ainda em
função de problemas psicológicos ou neurológicos. A surdez não está
absolutamente vinculada à mudez [...]. Dizer que alguém que fala com
dificuldades é MUDO é preconceituoso, não acham? (RAMOS, 2000, apud
STROBEL, 2008, p. 34).

Este discurso não é homogêneo, nem dentro nem fora das comunidades
surdas. Recentemente, o termo surdo-mudo tem sido objeto de polêmicos debates
entre surdos/as, mas tem prevalecido o não uso desse termo, posição com a qual
concordamos. A não utilização de sons se dá porque não ouvem. O surdo, quando
oralizado, pode se comunicar por meio da fala, é óbvio que isto demanda um
acompanhamento fonoaudiólogo demasiado.

Saiba mais

Ouvintismo, segundo Skliar (2010, p. 15) é “um conjunto de representações


dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se
como se fosse ouvinte. Além disso, é nesse olhar-se, e nesse narrar-se que
acontecem as percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte; percepções
que legitimam as práticas terapêuticas habituais”.

Os surdos não oralizados comunicam-se, de regra geral, somente por meio da


Língua de Sinais, que por ser uma língua visual-motora não utiliza sons. Diferentemente
de deficientes auditivos, que são pessoas que não têm surdez profunda, sua limitação
sensorial é parcial, porém o surdo, independentementede ter uma deficiência leve,
moderada, severa ou profunda, é uma pessoa com limitação sensorial de forma total.
Observe a definição de deficiência auditiva/surdez, de alguns autores:
Para Santana (2010, p. 22): “[...] o indivíduo com incapacidade auditivaé aquele
cuja percepção de sons não é funcional na vida comum. Aquele cuja percepção de sons
ainda que comprometida, mas funcional com ou sem prótese auditiva, é chamado de
pessoa com deficiência auditiva”.
Para Campos (2014, p. 14), é “[...] aquele que apreende o mundo por meio de
contatos visuais, que é capaz de se apropriar da língua de sinais e da língua escrita
e de outras, de modo a propiciar seu pleno desenvolvimento cognitivo, cultural e
social”.
Dessa forma, podemos definir que deficiência auditiva – DA – considera que
a pessoa com alguma limitação ou impedimento auditivo tem uma incapacidade,

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 31


enquanto a definição de surdez considera o sujeito surdo como aquele que tem
apenas uma diferença linguística, consequentemente, uma diferença cultural, ou seja,
a terminologia correta a ser utilizada então é Pessoa Surda – PS –, caso sua surdez
seja profunda, ou deficiente auditiva – DA –, caso a pessoa ainda ouça, mesmo que
de forma parcial. A terminologia surdocego também é correta. Trata-se da pessoa
que apresenta deficiência visual e auditiva, concomitantemente.
Após a exposição da diferença na classificação entre um sujeito surdo e com
deficiência auditiva, será adotado, neste estudo, o termo “surdez” ou a expressão
“pessoa surda”.
Ainda são manifestadas dúvidas sobre a adoção do termo “surdez”, isso porque
a surdez é construída culturalmente com base em diferentes campos discursivos:
clínicos, educacionais, jurídicos, assistenciais, religiosos, antropológicos, entre outros.
“Culturalmente produzimos o normal, o diferente, o anormal, o surdo, o deficiente, o
desviante, o exótico, o comum, entre outros que poderiam compor uma lista infindável
de sujeitos” (LOPES, 2011, p. 8). Concordamos com a autora ao destacar que a ciência,
com o intuito de explicar o desconhecido, inventou a surdez, caracterizando-a de
acordo com os níveis de perdas auditivas, das características orgânicas: como lesões
no tímpano, fatores hereditários e adquiridos. Decorrentes das distintas formas de
conceber o surdo e a surdez foram criadas metodologias na escola, nas clínicas, nas
famílias e nas igrejas. O sujeito surdo foi concebido, historicamente, como um sujeito
a ser corrigido, normalizado, disciplinado, curado, protegido e assistido. A surdez, na
história da educação especial, ficou fortemente caracterizada como deficiência.
Parafraseando Lopes (2011), na área de educação de surdo, focando no assunto
do corpo dos sujeitos surdos, quer dizer que entender a surdez como um traço cultural
não significa retirá-la do corpo, negando seu caráter natural; nem mesmo significa o
cultivo de uma condição primeira de não ouvir. Significa aqui pensar dentro de um
campo em que sentidos são constituídos em um coletivo que se mantém por aquilo
que inscreve sobre a superfície de um corpo. Com isso, a autora afirma que, se a
palavra surdez remete a um sentido clínico e terapêutico, é porque a produzimos
dessa forma – acontecimento que nos permite virar de costas para essa interpretação
e passar a operar com outras formas de significado.

Não nego a falta de audição do corpo surdo, porém desloco meu olhar para
o que os próprios surdos dizem de si quando articuladose engajados na
luta por seus direitos de se verem e de quererem ser vistos como sujeitos
surdos, e não como sujeitos com surdez. Tal diferença, embora pareça sutil,
marca substancialmente a constituição de uma comunidade específica e a
constituição de estudos que foramproduzindo e inventando a surdez como
um marcador cultural primordial (LOPES, 2011, p. 9).

Existem várias perguntas, mas por que insistir nessa preocupação em


manter a surdez como uma forma de falar dos surdos? Parafraseando a mesma
autora, ela é ouvinte e militante desta causa, respondendo à pergunta, porque
ela é a diferença primeira que possibilita a aproximação surda e a diferenciaçãode
outros não surdos. Um ouvinte pode ser amigo dos surdos, companheiro de

32 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


luta, solidário com a causa surda, pesquisador na área, frequentar a associação
e as festas surdas; ele pode ter todas as razões para ser aceito pelos surdos. No
entanto, para a comunidade surda, qualquer ouvinte estará sempre sob suspeita
justamente por não ser surdo. Será sempre um ouvinte entre surdos, mesmo que
conviva anos entre eles.
Isso nos leva a pensar na surdez como elemento de um circuito cultural que
não pode ser esquecido ou relegado a comparações entre ouvintes e surdos. A surdez
pela surdez não existe. Para a surdez constituir-se em um caso, uma deficiência, uma
marca de uma cultura é preciso que a inventemos de determinadas formas ou de outras
não mencionadas ou menos explícitas. Inventamos a surdez quando a transformamos
em um caso a ser estudado, em números a serem levantados, em um problema a ser
tratado, em uma característica de um grupo específico.

5 QUEM SÃO OS SURDOS AFINAL?

Strobel (2008, p. 34) salienta que:

Os povos surdos não são obrigados a ter normalidade. A máscara não esconde
o ser que é surdo, o ser surdo que é humano [...]. Quando a sociedade deixa
o surdo ser ele mesmo, carece tirar as máscaras e assim chega o momento
de o povo surdo enfrentar a prática ouvintista, resgatar-se e transformar-se
no que é de direito: partes de nós mesmos, de termos orgulho de ser surdo!

A surda, doutora em educação, Karin Strobel (2008), entre outros autores,


explica que a terminologia “deficiente auditivo” tem sido rejeitada pelos Surdos/as
por ser fruto de representações construídas pela medicina, que considera que aqueles
são doentes e/ou deficientes e, categoriza-os de acordo com o grau da surdez, entre
leve, moderado, severo ou profundo.
Ressaltamos que, contraditoriamente, há pessoas surdas que assumem os
termos “deficiente auditivo”, “DA” e “pessoa com deficiência auditiva” consciente ou
inconscientemente, outras os utilizam apenas em determinados espaços sociais para
poder usufruir direitos que lhes são garantidos pela legislação e políticas sociais.
Cada uma dessas terminologias é utilizada em determinados contextos
históricos, sociais, econômicos e políticos, mas muitas vezes deixam a sociedade
confusa diante de tantos termos com significados que quase nunca são devidamente
esclarecidos a todos os indivíduos e classes sociais. Agora, para compreender a
configuração atual do mundo surdo, precisamos conhecer o seu desenvolvimento ao
longo da história da humanidade.
Vamos trazer agora vários autores que focam os estudos na educação de
sujeitos surdos: Lopes (2011), Quadros (2008), Fernandes (2012), Perlin (1998),
Strobel (2008) e Skliar (2010). “Quem é o surdo?” Os autores tratam os assuntos
sobre a expressão “estudos surdos”, aqueles que divulgam e produzam esses estudos
segundo uma orientação culturalista, essa expressão é uma forma de marcar uma
posição política e epistemológica. Os estudos que têm os sujeitos surdos em seu centro

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 33


partem da compreensão da surdez como uma diferença que agrega, gera e alimenta
tanto as relações com outros surdos quanto tensões e diferenciações inventadas no
interior do próprio corpo. Trata-se de uma diferença que não procura dizer que é o
surdo, como ele deve fazer parte, desenvolver a identidade surda, como ele deve fazer
para aprender etc., mas que quer – na combinação entre as diferentes perspectivas
teóricas que possibilitam pensar quaisquer relações a partir da centralidade da cultura
– problematizar a surdez como uma marca que inclui alguns sujeitos e exclui outros,
que determina algumas condições de vida e de comunicação e que, principalmente,
determina formas de organização de vida em um dado grupo cujas formas de estar
e de se relacionar com o outro são compartilhadas.
A formação de pesquisadores e professores de surdos começou a acontecer na
década de 1980 e início da década de 1990. Eles lutavam para que acomunidade surda
não se submetesse às imposições ouvintes de representações sobre os surdos e sobre
a surdez. Filiaram o movimento surdo aos movimentos étnicos, imprimindo assim a
compreensão que pensavam ser a melhor para a surdez, ou seja, entendendo-a como
uma diferença forjada pelo grupo social. Ser surdo passou a representar, a partir dos
anos 1980 do século passado, inclusive no Brasil, ser integrante de um grupo étnico
minoritário. Entendendo a diferença surda como uma diferença cultural e admitindo
que a língua de sinais seja uma língua própria dos surdos.

6 ALGUNS CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E COMUNIDADES


SURDAS

A palavra “cultura” possui vários significados. Relacionando esta palavra ao


contexto de pessoas surdas, ela representa identidade, porque se pode afirmar que
estes sujeitos possuem uma cultura, uma vez que têm uma forma peculiar de apreender
o mundo que as identificam como tal. Strobel (2008), pesquisadora surda, afirma que
na cultura percebem-se variações, desde concepções tradicionais até as mais recentes.
A linguista surda americana, Strobel apud Carol Padden (1989), estabeleceu
uma diferença entre cultura e comunidade. Para ela, “uma cultura é um conjunto de
comportamentosaprendidos de um grupo de pessoas que possuem sua própria língua,
valores, regras de comportamento e tradições”. Ao passo que “uma comunidade é
um sistema social geral, no qual pessoas vivem juntas, compartilham metas comunse
partilham certas responsabilidades umas com as outras” (PADDEN, 1989 apud STROBEL,
2008 p. 5).

34 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Saiba mais

Carol Padden – Surda americana foi a primeira linguista estudar a Língua de


Sinais Americana – ASL. Estados Unidos

Fonte: Disponível em: <http://communication.ucsd.edu/research/berman-


chair.html>. Acesso em: 28 nov. 2019

Para Padden (1989, p. 89), “uma Comunidade Surda é um grupo de pessoas que
mora em uma localização particular, compartilha as metas comuns de seus membros,
e de vários modos trabalha para alcançar estas metas.” Portanto, em uma comunidade
surda pode ter também ouvintes e surdos que não são culturalmente Surdos. Já a
cultura da pessoa Surda é mais fechada do que a comunidade surda. Membros de
uma cultura surda se comportam como as pessoas surdas, usam a língua das pessoas
surdas e compartilham das crenças das pessoas surdas entre si e com outras pessoas
que não são surdas. Ser uma pessoa surda não equivale a dizer que esta faça parte
de uma cultura e de uma comunidade surda, porque sendo a maioria dos surdos,
aproximadamente 95% filhos de pais ouvintes, muitos destes não aprendem a Libras
e não conhecem as associações de surdos, que são as comunidades surdas, podendo
se tornar somente pessoas com deficiência auditiva.
Retomamos aqui a questão da terminologia, por ser um posicionamento da
comunidade surda: pessoas surdas, que estão politicamente atuando para terem
seus direitos de cidadania e linguísticos respeitados, fazem uma distinção entre “ser
surdo” e ser “deficiente auditivo”. A palavra “deficiente”, que não foi escolhida por
elas para se denominarem, estigmatiza a pessoa porque a mostra sempre pelo que
ela não tem, em relação às outras, e não mostra o que ela pode ter de diferente e por
isso, acrescentar às outras pessoas.
Ser surdo é saber que pode falar com mãos e aprender uma língua oral auditiva,
através dela conviver com pessoas que em um universo de barulhos deparam-se com

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 35


pessoas que estão percebendo o mundo, principalmente pela visão, e isso faz com
que elas sejam diferentes e não necessariamente deficientes.
A diferença está no modo de apreender o mundo, que gera valores,
comportamento comum compartilhado e tradições sociointerativas, este modo de
vida é denominado de Cultura Surda.
Segundo Strobel (2013), ao longo da história e até recentemente, os surdos eram
percebidos como pessoas incapazes e viviam em um mundo no qual a cultura ouvinte
era hegemônica ou até mesmo caracterizavam-se como um grupo de deficientes
acolhidos em qualquer instituição. Estava distante a ideia de que teriam o poder de
se fortalecer, sendo reconhecidos como detentores de uma identidade própria. Muitos
anos se passaram, muitos pesquisadores interessaram-se pelo tema, assim como os
surdos também se organizaram em associações e através de movimentos populares
foram buscar seus direitos.
Perlin (2012), investigadora surda brasileira, cita algumas das várias identidades
comuns entre o povo surdo, entendendo-se como “povo surdo”, num conceito
abrangente, a população total de surdos, sejam usuários de línguas gestuais, sejam
oralizados, sejam participantes ou não das comunidades surdas.
Atualmente, a difusão e prática da Libras no campo educacional estão bem
amplas e crescendo cada vez mais. Várias instituições que defendem os direitos dos
surdos organizam estratégias de expansão da língua de sinais. O reconhecimento da
Libras como língua oficial no Brasil demonstra que a comunidade surda tem força e
comprometimento com sua cultura. A importância desta conquista é relevante para
a construção e concretização de uma identidade surda.
Perlin (2012) aponta algumas considerações sobre diferentes identidades surdas,
afirmando que podemos identificar as pessoas surdas pelas diferenças que possuem.
Escrever sobre identidades surdas requer a compreensão de que podemos falar de
sujeitos distintos, cujas identidades são construídas de acordo com suas experiências,
além das condições biológicas.
Segundo Perlin (2012), as identidades surdas podem ser classificadas em
distintos grupos: identidades surdas; identidades surdas híbridas; identidades surdas
de transição; identidades surdas incompletas e identidades surdas flutuantes. Com
base na autora, apresentamos a seguir as conceituações das diferentes identidades.

6.1 Identidades Surdas Híbridas

Representam os surdos que nasceram ouvintes e com o tempo perderam a


audição, quer seja por uma doença, quer por um acidente. Dependendo da idade em
que houve a perda auditiva, este surdo pode, quando ainda ouvia, ter aprendido a
falar e escrever. Desse modo, teria experiência e conhecimento da estrutura da língua
portuguesa, dominando a língua oral e a de sinais, e, por conseguinte, compreendendo
o que lhe é falado oralmente. Também há casos em que não reconhecem a fala oral
e utilizam sinais mais simples da Libras, podendo escrever na estrutura da Libras

36 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


e até utilizar a estrutura da língua portuguesa, no caso de já ter sido alfabetizado
anteriormente à perda da audição. Estes sujeitos também se valem das tecnologias
diferenciadas para compreensão das mídias.
Nessa identidade, os surdos apresentam muita resistência e não assimilam a
ordem da língua falada, pois ao sinalizarem prestam mais atenção ao movimento
das mãos do que ao movimento da boca. A escrita também revela a estrutura
da Libras em toda sua plenitude, pois não escrevem na estrutura da língua
portuguesa. Escrevem como falam/sinalizam. Assim como também fazem uso
das tecnologias que os auxiliam na compreensão das mídias, como por exemplo,
a legenda em Libras na TV, o telefone para surdos, chamado TDD (sigla em
inglês para Telephone Device for Deaf) e campainhas luminosas de todo tipo (na
sala de aula, na campainha de casa, entre outros).

6.2 Identidades Surdas Flutuantes

Se caracterizam quando os surdos não têm contato com os demais surdos.


Sentem-se pertencentes à comunidade ouvinte. Envolvem-se apenas com ouvintes,
relegando a comunidade surda. Não participam das associações de surdos, das lutas
políticas, rejeitam o intérprete de Libras e não desenvolvem a sua cultura surda.
Orgulham-se de falar corretamente e rejeitam a língua de sinais. Nessa identidade,
não conseguem se aceitar como surdos, mas ao mesmo tempo sentem-se inferiores
aos ouvintes. Isso pode causar, em alguns casos, depressão, fuga, suicídio, acusações
aos surdos e muita competição com os ouvintes. Nesse caso, o indivíduo apresenta-se
como vítima da ideologia oralista, educação clínica e preconceito da surdez.

6.3 Identidades Surdas Incompletas

Os casos denominados de identidades surdas incompletas são os surdos que


não têm condições de usar a língua de sinais, o que pode ser ocasionado pela falta
de contato com outros surdos, existindo, portanto, um desconhecimento desta. Esta
é uma realidade a que são acometidos alguns dos surdos, e neste caso pode-se dizer
deficientes auditivos, que são aprisionados em casa por suas famílias superprotetoras,
tornando-os incapacitados de decidirem sozinhos sobre suas vidas, limitando
o conhecimento do mundo fora das suas casas. A família segue as orientações
médicas, rotulando os mesmos como “deficientes” ou até mesmo como “deficientes
mentais”, o que reproduz uma ideologia contra o reconhecimento da diferença. Isto
hoje passou a ser uma questão social e estão neste grupo, surdos em sua maioria
adultos, que nem chegaram a frequentar escola em idade escolar. Hoje pela legislação,
todos são obrigados a ir para a escola, inclusive orientados pelos médicos, assim
as escolas e demais terapias orientadas incentivam as potencialidades do sujeito,
independentemente do grau de deficiência.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 37


6.4 Identidades Surdas de Transição

Remetem aos surdos que nunca tiveram contato com a identidade surda. Vivem
entre uma identidade surda e uma identidade ouvinte. Quando um surdo encontra com
seus pares surdos e se identifica surdo também, o encontro torna-se um momento de
aprendizado e reconhecimento. Estes são, na maioria das vezes, filhos de pais ouvintes
e nunca tiveram contato com outros surdos.
Perlin (2012, p. 64) afirma que “[...] no momento em que esses surdos
conseguem contato com a comunidade surda, a situação muda e eles passam pela
‘desouvintização’ da representação da identidade”. É um momento em que ocorre a
passagem da comunicação visual/oral para a comunicação visual/sinalizada.
Com o intuito de pensarmos sobre as identidades dos indivíduos surdos de
uma forma categorizada, nos amparamos em Madeira (2015, p. 29), quando nos diz
que “é compreensível que a constituição da identidade se desenvolva por meio da
coexistência sociocultural desde o nascimento, ou que, precisamente, a identidade
seja construída pela realidade na qual o sujeito vive”.
Segundo o autor, a categorização de Perlin pode ser vista.

[...] não pelo viés das identidades, mas pelos diferentes entornos linguísticos,
pelas diferentes experiências linguísticas nas quais os surdos estão imersos.
Essas experiências, esses entornos, também não são fixos, porque as pessoas
mudam de ambientes, de relações sociais, de escolas, entre outros (MADEIRA,
2015, p. 29).

Dessa forma, concordamos com Madeira (2015) de que é impossível fixar


identidades, pois os sujeitos surdos são construídos em um mundo que é cultural
e social, ou seja, caracterizá-los seria generalizá-los demais, quando partimos do
pressuposto de que cada sujeito se constrói a partir de sua própria realidade.

7 SURDEZ E A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS

Caracterizamos, neste tópico, o sujeito surdo, definimos as diferentes identidades


destes sujeitos e ficou evidenciado que o surdo é usuário de uma língua diferenciada
que lhe propicia o acesso aos conhecimentos, como qualquer outra língua a seus
usuários. Assim, traremos agora algumas reflexões sobre o processo de aquisição
desta língua.
Mesa Casa (2016), em seu artigo sobre “os surdos na aquisição da segunda
Língua de Sinais”, faz uma análise teórica de como ensinar a língua de sinais para
aquisição e desenvolvimento da linguagem pelos surdos. Para Mesa Casa (2016, p. 34),
“o processo de comunicação torna-se importantíssimo para conseguir a capacidade
do desenvolvimento cognitivo”, o que ocorre através da aquisição de um sistema
simbólico dado através da própria língua.

38 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


[...] a capacidade humana de significação se apresenta como uma competência
específica para operação, produção e decodificação dos signos, permitindo,
através desta faculdade, a produção de significados. Essa constatação infere
à aquisição da língua um lugar privilegiado, não apenas no que se refere ao
processo de comunicação, mas também ao desenvolvimento cognitivo (LODI;
MÉLO; FERNANDES, 2012 apud MESA CASA, 2016, p. 42).

Neste sentido, fica evidente que quanto mais cedo propiciar o contato com a
língua, melhor é o desenvolvimento da pessoa surda. Muitos autores reafirmam esta
premissa, assim como Mesa Casa (2016, p. 43), para ela “uma língua adquirida em
sua totalidade e fluência é a base do processo de comunicaçãoe desenvolvimento
cognitivo”.
Sacks (2010, p. 58) afirma ainda que há um “perigo especial que ameaça o
desenvolvimento humano, tanto intelectual como emocional, se deixar de ocorrer
à aquisição apropriada de uma língua”. É uma constatação óbvia a capacidadeque
a criança tem no início da aquisição da linguagem, pois o sujeito desenvolvea
potencialidade e há um processo de maturação da língua de forma natural, cada
modalidade do seu jeito, com suas características diferentes, no caso da educaçãode
surdos, com o estímulo espaço-visual.
Mesa Casa (2016) traz novamente a discussão de Lodi, Mélo e Fernandes (2012,
p. 217), que se amparam em Vygotsky (1989) para pontuar que “o significado das
palavras é um fenômeno do pensamento apenas na medida em que o pensamento
ganha corpo por meio da fala e só é um fenômeno da fala na medida em que esta
é ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele”. E discutemuanto é complexo o
sistema que envolve a linguagem e o pensamento, portanto se torna difícil pensar
em “fazer uma criança surda falar”. Já a comunicação linguística através da aquisição
da língua de sinais como primeira língua é que poderá projetar e criar este papel
fundamental entre o pensamento e o que se sinaliza e vice-versa. Ainda segundo
Vygotsky (1989 apud OLIVEIRA, 1997, p. 54), acima citado, “se refere a ter domínio,
de fato, de instrumental linguístico que lhe sirva para as operações mentais que
envolvem mecanismos linguísticos”.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 39


Saiba mais

Sabemos muito bem como um bebê ouve, passa a balbuciar e vai evoluindo
até falar frases complexas. E como se dá a evolução da aquisição da Língua de
sinais?

FICOU CURIOSO?
Leia a primeira Unidade do trabalho de Aline Lemos Pizzio e Ronice Müller
de Quadrossobre “AQUISIÇÃO DA LINGUA DE SINAIS” (páginas 3 a 8). Você
irá encontrar otexto em:<http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/
eixoFormacaoEspecifica/aquisicaoDeLinguaDeSinais/assets/748/Texto_Base_
Aquisi_o_de_l_nguas_de_sinais_.pdf>Acesso em: 29 nov. 2019.

Fonte da Imagem: Disponível em: <http://liliacamposmartins.blogspot.com.


br/2011/11/bebes-surdos-devem-aprender-libras-nos.html>.
Acesso em: 16 out. 2017.

Saiba mais

Fique por dentro de pesquisas atuais sobre a Organização Cerebral no uso da


Linguagem. Independente das modalidades oral-aditiva ou espaço-visual, as
línguasacontecem naturalmente, e o sujeito a partir do domínio de qualquer
língua consegueorganizar seu pensamento e expressar-se claramente. Apesar
disso, há uma diferença entrelínguas faladas e sinalizadas, pois o padrão
auditivo e o padrão visual entram no cérebro por
canais separados.

Ficou curioso? Acesse: <http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/


eixoFormacaoEspecifica/linguaBrasileiraDeSinaisI/scos/cap18711/1.html>.
Veja este conteúdo e muitos mais!

40 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Síntese

A terminologia aceita atualmente ao referir-se às pessoas que não ouvem


é: Pessoa Surda – PS –, caso sua surdez seja profunda, ou deficiente auditiva –
DA –, caso a pessoa ainda ouça, mesmo que de forma parcial. A terminologia
surdocego também é correta. Trata-se da pessoa que apresenta deficiência
visual e auditiva, concomitantemente. Também vale ressaltar que textos legais
escritos com termos ultrapassados, não necessitam de revisão, subentendendo
que o termo era válido na época, ou seja, traduz pelas terminologias utilizadas
atualmente.
A cultura, a identidade e a comunidade surda estão intimamente ligadas,
principalmente, cultura e identidade, como você pode observar no texto. Mas
as três não precisam estar necessariamente ligadas, pois o sujeito pode ter a
cultura e a identidade surda, mas optar por não participar da comunidade.
Nestas discussões, a identidade surda pode incluir variações: surdos híbridos,
flutuantes, incompletos e em transição. Enfim, sendo o surdo o usuário de
uma língua específica, percebemos que a aquisição acontece normalmente, e
quanto mais cedo melhor. Ou seja, o sujeito surdo deve estar em contato com
a Língua de Sinais e suas características espaço/visuais, tendo contato com a
mesma. O que ocorre na verdade com a aquisição de qualquer língua, seja ela
uma Língua espaço/visual e não oral/auditiva.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 41


REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 3.956, de 08 de outubro de 2001. Presidência da República. Casa


Civil. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as pessoas Portadoras de Deficiência. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3956.htm>. Acesso em: 23 nov. 2019.

CAMPOS, M. L. I. L. educação inclusiva para surdos e as políticas vigentes. In: LACERDA,


C. B. F.; SANTOS, L. F. (Orgs.). Tenho um aluno surdo, e agora? Introdução à Libras e
educação de surdos. São Carlos: EDUFSCar, 2014. p. 37-61

COSTA, Maria da Piedade Resende da. Compreendendo o aluno portador de surdez


e suas habilidades comunicativas. In: Reflexões sobre a diferença: uma introdução à
educação especial. Coleção Magister, 2 ed. 2003.

COSTA, Maria da Piedade Resende da. Juliana P. Barbosa. A educação do surdo ontem
e hoje: posição sujeito e identidade. Mercado de Letras, Campinas-SP, 2010

FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. Direitos das pessoas com deficiência: Garantia
de igualdade na diversidade. Rio de Janeiro. WVA Ed, 2004. 334p

FERNANDES, Sueli. Educação de surdos. Curitiba: Intersaberes, 2012.

LOPES, Maura Corcini. A natureza educável do surdo: a normalização surda no espaço


da escola de surdos. In: THOMA, Adriana da Silva; LOPES, Maura Corcini (Orgs.). A
invenção da surdez: cultura, alteridade, Identidade e Diferença no campo da educação,
Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2004.

LOPES, Maura Corcini. Maura Corcini. O direito de aprender na escola de surdos.


In: THOMA, Adriana da Silva; LOPES, Maura Corcini (Org.). A invenção da surdez
II: espaços e tempos de aprendizagem na educação de surdos. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2006. p. 26-46.

MESA CASA, Michelle. Os surdos na aquisição da segunda Língua de Sinais. 78 f.


Universidade Comunitaria da Região de Chapeco – UNOCHAPECO. TCC Curso de Letras
Libras, Chapecó – SC. 2016.

PERLIN, G. T. T. Gládis T. Identidades surdas. In: SKLIAR, Carlos. (Org.). A surdez: um


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PERLIN, G. T. T. Gládis T.T. QUADROS. M. R. Estudos Surdos II – Petrópolis, RJ: Arara


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42 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


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olhar sobre as diferenças. 6. ed. Porto Alegre: Mediação, 2012. p. 51-73.

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PERLIN, Gládis T. T. Identidades surdas. In: SKLIAR, Carlos. (Org.). A surdez: um olhar
sobre as diferenças. 6. ed. Porto Alegre: Mediação, 2012. p. 51-73.

PERLIN, Gládis; STROBEL, Karin. Fundamentos da educação de surdos. CCE. Licenciatura


em Letras-Libras na Modalidade a Distância. Florianópolis: UFSC, 2008.

SANTANA, Ana Paula. Surdez e linguagem: aspectos e implicações neurolinguísticas.


São Paulo: Plexus, 2007.

STROBEL, Karin Lilian. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: UFSC,
2008.

STROBEL, Karin Lilian. História da educação de surdos. Florianópolis: UFSC,


2009. (Material disciplina Letras/Libras).

STROBEL, Karin Lilian. Karin Lilian. Surdos: vestígios culturais não registrados na
história. 2008. 176f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2008.

STROBEL. Karin. História da educação de surdos. Letras Libras – UFSC. Florianópolis-


SC. 2009. Disponível em: <http://karinfeneis.blogspot.com.br>. Acesso em: 30 nov
2019.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 43


Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado
para esta Unidade de Aprendizagem.

44 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Unidade 3
Língua Brasileira de sinais e o seu discurso legislativo

Objetivos:
• Conhecer Declarações, Leis, Portarias, Decretos e Políticas para pessoas surdas
e da Libras;
• Identificar os movimentos de luta da comunidade surda e os efeitos nas políticas
de inclusão.

Conteúdo programático:
• A Constituição de 1988: Direitos dos Portadores de deficiência;
• Considerações que antecedem a Lei da Libras;
• Decreto de Libras.
INTRODUÇÃO

Ao pensarmos sobre a questão legislativa da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS


precisamos considerar o modo como esta língua se constitui, que discussões foram
necessárias para chegarmos à materialidade destas leis e decretos que, de alguma
forma, se referem a Libras.
Com certeza a caminhada da comunidade surda e demais espaços que apoiam
esta luta foi árdua, em busca do direito e do próprio reconhecimento deste direito,
porém torna-se referência apenas o fato em si, criação da Lei da Libras neste caso, mas
o que nos faz perceber a historicidade das leis atuais é o caminho que elas mesmas
apontam em relação às leis anteriores, nas quais estas se fundamentam e se legitimam.

2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988: DIREITOS DOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA

Iniciaremos a historicidade da legislação brasileira em relação ao sujeito surdo


pela própria Constituição Brasileira. Costa (2010) afirma que já se pode vislumbrar
por meio da Constituição de 1988 os deslocamentos em relação a minorias que são
ali sinalizados no que diz respeito aos direitos de saúde, cidadania e educação. No
Capítulo 3, Artigo 208, Seção I - Da Educação, no item III, vemos contemplados o
direito de:

[...] atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,


preferencialmente na rede regular de ensino”. Na Seção IV, Da Assistência
Social, Artigo 203, itens IV e V, temos “a habilitaçãoe reabilitação das pessoas
portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária”;
e “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora
de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser
a lei (BRASIL, 1988 apud COSTA, 2010 p. 40).

A Constituição de 1988 é a primeira legislação brasileira a contemplar os direitos


das pessoas com deficiência, conforme o próprio texto constitucional. Anteriormente,
na Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, não havia menção alguma
aos direitos dos surdos, sob qualquer nomenclatura. Portanto, para Costa (2010), o
início do deslocamento legislativo em relação ao sujeito surdo está representado no
documento de 1988. A seguir observaremos outras materialidades que representam
o deslocar da linguagem até que chegássemos à língua de sinais, reconhecidamente
considerada através da legislação brasileira.

46 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Saiba mais

Lembrando o que foi dito no Unidade 2: Textos legais escritos com termos
ultrapassados não necessitam de revisão, subtendendo que o termo era válido
na época, ou seja, traduz pelas terminologias utilizadas atualmente.

2.1 Considerações que antecedem a Lei da Libras

Já dizia Costa (2010, p. 39): “as Leis apontam o caminho de deslocamentos,


de questões que tiveram que ser pensadas após a consideração da língua brasileirade
sinais como parte de formação discursiva do sujeito surdo”. Há deslocamentos que
devemos considerar nas discussões que antecedem a lei e a partir das leis.
As leis dificilmente são criadas a ‘toque de mágica’, são resultado
dediscussões e lutas. Iremos considerar aqui os fatos ocorridos após o Congresso
de Milão, a partir deste, foram mais de 100 anos sem usar a Libras no âmbito
escolar, porém não podemos deixar de considerar também, que neste período
foram criadas mais de 180 Associações de Surdos, além da Federação Desportiva,
Confederação Brasileira de Desporto e a Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos – FENEIS –, que preservaram a língua e que traziam à
tona a discussão sobre os direitos fundamentais do ser Surdo.
Entre os espaços de militância, lembramos as discussões levantadas na
Declaração de Salamanca, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com deficiência e Convenção da Guatemala, entre tantas outras que poderiam ser
citadas.
A Declaração de Salamanca foi resultado da Conferência Mundial sobre
Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, que aconteceu na Espanha em
1994, e que reafirmou o direito de todos à educação, independente das diferenças,
ressaltando que a educação de pessoas com deficiência é parte integrante do sistema
educativo.
Na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência tem-
se a 24ª Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, promovida pela UNESCO em
Barcelona em 1996, enfatizando em seu Artigo 24, parágrafo único, que:

Todas as comunidades linguísticas têm direito a decidir qual deve ser o grau
de presença da sua língua, como língua veicular e como objeto de estudo, em
todos os níveis de ensino no interior do seu território: pré-escolar, primário,
secundário, técnico e profissional, universitárioe formação de adultos
(BARCELONA, 1996).

Neste caso, os surdos constituem uma comunidade linguística, e, portanto, têm


o direito de decidirem a forma como seria a participação de sua língua em todos os

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 47


níveis de ensino. Esta compreensão dos direitos da pessoa usuária de outra língua que
não a oficial, se mantém na Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência,
em relação aos surdos, no artigo 24, § 3:

Facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da identidade


linguística da comunidade surda; e b. Garantia de que a educação de
pessoas, inclusive crianças cegas, surdocegas e surdas, seja ministrada nas
línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados às pessoas e
em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e
social BRASIL, 2009).

No artigo 30, § 4: “As pessoas com deficiência deverão fazer jus, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, a que sua identidade cultural e linguística específica
seja reconhecida e apoiada, incluindo as línguas de sinais e a cultura surda” (BRASIL, 2009).
Neste mesmo ano, 1996, Campello e Quadros (2010) citam o esforço da Câmara Técnica
de Petrópolis/RJ com a CORDE – Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência (criada em 29 de outubro de 1989) e com a FENEIS, para
dar subsídios ao projeto da Senadora Benedita da Silva que propôs a oficialização da
Libras em âmbito nacional. Para reforçar, dar credibilidade e divulgar este projeto de
Lei, foi criada pela FENEIS, em parceria com o MEC, a 1ª edição do material “LIBRAS
EM CONTEXTO”, em que foi apresentada uma metodologia para o ensino da Libras.

Figura 10 - Libras em contexto

FONTE: Campello e Quadros (2010, p. 59)

Já em 1999, Campello e Quadros (2010) citam o Pré-Congresso, em Porto Alegre/


RS, onde foi elaborado pela comunidade surda o documento “A educação que nós
Surdos queremos”. Documento que foi encaminhado ao V Congresso Latino-americano
de Educação Bilíngue para Surdos.

48 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Dica

Conheça mais sobre o documento: A Educação que nós surdos queremos


em: <http://docplayer.com.br/18634121-A-educacao-que-nos-surdos-
queremos.html>.

Concomitantemente, acontece também a Convenção da Guatemala, Convenção


Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminaçãocontra as
Pessoas Portadoras de Deficiência. Considerando que as pessoas comdeficiência têm
os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais quequalquer pessoa. Aqui
no Brasil é criado pelo MEC um “Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos”,
segundo Campello e Quadros (2010, p.16), com oobjetivo de:

•Treinar os instrutores Surdos para que eles possam ensinar a língua de sinais
na rede oficial de ensino;
•Apoiar tecnicamente as instituições de educação média e superior na inclusão
da Libras como componente curricular dos cursos de formação de professores
e fonoaudióloga do sistema federal de ensino;
•Apoiar técnica e financeiramente cursos de capacitação de professores
(surdos e ouvintes) e instrutores surdos dos sistemas estaduais, municipais e
do Distrito Federal, para o ensino de Libras em sala de aula;
•Apoiar técnica e financeiramente cursos de capacitação de professores dos
sistemas estaduais, municipais e do Distrito Federal, para que se tornem
bilíngues (LIBRAS/Língua Portuguesa), para exercer a função de tradutor e
intérprete de Libras em sala de aula.

Percebemos até aqui que muitos foram os deslocamentos necessários para


chegar a este ponto, uma luta incansável de muitos espaços que atuaram e atuam
até hoje em prol da comunidade surda. Enfim chegamos ao primeiro formato de Lei:
Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. COSTA (2010) aponta esta Lei como um
discurso fundador da língua de sinais, em que ela passa a ser legitimada.
Podemos realmente afirmar que a Lei nº 10.098 é um discurso fundador na
esfera da Língua Brasileira de Sinais – Libras, por se tratar do primeiro documento a
relacionar os surdos e a língua de sinais, considerando-a meio de comunicação dos
Surdos. Para Costa (2010, p. 41):

[...] são instaladas as condições de formação de outros discursos sobreo


surdo, a produção dominante de sentidos era configurada pelo não
reconhecimento legal da linguagem de sinais como comunicaçãodo
surdo. Ela era uma língua bastarda, clandestina, e como tal, nãose
filiava a sua própria possibilidade de conflito. Há, a partir da lei uma
ruptura, um deslocamento que institui uma região de sentidos e
configura um processo de identificação para os surdos.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 49


Costa (2010) também ajuda a esclarecer, neste contexto, quais seriam as
barreiras na comunicação, para ela barreiras são definidas como qualquer entrave ou
obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou recebimento de mensagens
por intermédio dos meios de comunicação. Estão postos, então, neste contexto, novos
critérios para a facilitação da comunicação, porém está posto também que a sociedade
precisa manter uma nova postura diante do surdo, reconhecendo e respeitando esta
língua de um grupo minoritário. Vejamos na íntegra a que se refere à Lei nº 10.098,
que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade
das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras
providências:

CAPÍTULO VII – DA ACESSIBILIDADE NOS SISTEMAS DE


COMUNICAÇÃO E SINALIZAÇÃO
Art. 17 O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na
comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas
que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às
pessoasportadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação,
para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação,
aotrabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.
Art. 18 O Poder Público implementará a formação de profissionais intérpretes de
escrita em braile, linguagem de sinais e de guiasintérpretes, para facilitar qualquer
tipo de comunicação direta à pessoaportadora de deficiência sensorial e com
dificuldade de comunicação.Art. 19 Os serviços de radiodifusão sonora e de sons
e imagensadotarão plano de medidas técnicas com o objetivo de permitir o uso
da linguagem de sinais ou outra subtitulação, para garantir o direitode acesso
à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva,na forma e no
prazo previstos em regulamento (BRASIL, 2000 apud COSTA, 2010, p. 40-41).

Percebam que a lei propõe a eliminação de barreiras para a garantia do acesso


à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao
esporte e ao lazer. A língua de sinais, embora não citada diretamente, passa a ser
pensada como um meio de eliminação de barreiras para os fins mencionados. Também
cita, entre outros assuntos, a implementação da formaçãode profissionais intérpretes
de linguagem de sinas. E por fim fala da garantia do acesso à informação, chamando
os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens a adotar medidas técnicas
para permitir o uso da língua de sinais. Tudo isso oferece aos surdos um marco inicial
de uma nova posição de sujeito, um novo aspecto a sua identidade.
Costa (2010) faz outro apontamento nesta questão, para ela está sim, legalmente
legitimada a existência da linguagem de sinais, porém ainda não a existência de uma
língua como parte da vivência do surdo. Neste contexto, a presença do intérprete
passa a ser parte indispensável na comunicação do surdo com o ouvinte, e este
contexto ajuda a legitimar a Libras enquanto língua de sinais, isto representa o início
de reconhecimento do status de língua.
A autora lembra ainda que a existência da lei significa muito para o segmento
da sociedade que tanto lutou por ela, porém, muitas vezes, olhando na prática, na
vivência em sociedade, torna-se inexistente.

50 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


As leis têm o poder de participar especialmente da constituição da identidade
dos sujeitos a quem esta se refere, no entanto, não é possível negar a existência
de sujeitos não constituídos por esse discurso, sujeitos que se encontram fora
desta formação discursiva e que continuam a viver como se a lei não existisse
(COSTA, 2010, p. 43).

Percebemos a dura realidade citada pela autora, hoje passados mais de quinze
anos da promulgação da lei, ainda encontramos surdos que não estão cientes dos
direitos e da própria condição de sua surdez. São pessoas de mais idade que passaram
despercebidas e hoje se encontram ainda nesta condição.
Como já discutimos anteriormente, é uma caminhada histórica de constantes lutas
no que diz respeito à língua deste grupo minoritário de surdos. A conscientização
deles e tudo mais que envolve esta situação está em deslocamento, como diria Costa
(2010). Precisamos ressaltar ainda que a língua dos ouvintes sempre foi colocada ao
surdo como forma de contato com a sociedade.
A caminhada ou o deslocamento é lento, concordamos com a autora, quando destaca
que neste momento

[...] o reconhecimento da Linguagem de Sinais neste documento


brasileirodesterritorializa e reterritorializa, remarca as fronteiras entresurdos
/ ouvintes / intérprete / língua / linguagem / história / discurso. O que pode e
deve ser dito sobre o surdo a partir do ano 2000 é que asua linguagem é de
sinais e não oralizada (COSTA, 2010, p. 43).

Costa (2010) amplia esta discussão, se o surdo possui uma linguagem, ela
passa a ser língua brasileira do surdo, ela é sua língua nacional e, como tal, tem uma
história constituída, ligada à forma histórica do sujeito sociopolítico, que se define na
formação do país em relação a esta língua. Se referir neste momento a uma língua
e não linguagem, é tratar de outros sentidos que garantem o status linguístico da
Libras, é dar um lugar sociopolítico à linguagem de sinais e ao sujeito surdo.

2.2 Lei nº 10.436 – Vitória da comunidade surda

Este deslocamento de discussão leva finalmente à Língua de Sinais a Lei nº


10.436, de 24 de abril de 2002. Costa (2010, p. 44) ainda evidencia o novo termo
utilizado para referir-se à linguagem de sinais: “a língua brasileira de sinais, Libras.
Outro deslocamento bastante significativo é firmado”.

Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outrasprovidências.


O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta
e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua
Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma
de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-
motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de
transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 51


Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas
concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o
uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais – Libras como meio de comunicação
objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.
Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos
de assistência à saúde devem garantir atendimentoe tratamento adequado aos
portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.
Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais,
municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de
formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em
seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais –
Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN,
conforme legislação vigente. Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais
– Libras não poderásubstituir a modalidade escrita da língua portuguesa.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 24 de abril de 2002;
181º da Independência e 114° da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Paulo Renato Souza (BRASIL, 2002 apud COSTA, 2010, p. 44-45).

São somente cinco artigos que dispõem sobre a Libras: O Artigo 1 trata do que é
Libras; artigo 2 trata do dever público, empresas e serviços, de apoiar o uso de difusão
de Libras; terceiro artigo versa sobre o apoio da saúde ao ‘portador dedeficiência
auditiva’; o quarto artigo versa sobre o papel da educação de incluir Libras nos cursos
de formação, como integrante dos Parâmetros CurricularesNacioais – PCN; o último
artigo trata da entrada em vigor da lei.
Costa (2010) reitera que agora, como língua permitida, legal (izada), este
reconhecimento desloca a posição do sujeito surdo brasileiro, lhe traz um novo espaço
social. Tendo língua própria, ele agora é reconhecidamente marcado por uma distinta
brasilidade, e recebe a condição de pertencimento, de patriotização. Os surdos são
agora possuidores de uma língua do Brasil.
De acordo com a lei, entende-se como Língua Brasileira de Sinais a forma
de comunicação e expressão que usa um sistema visual-motor, com estrutura
gramatical própria, o que constitui um sistema linguístico de transmissão
de ideias e fatos, reconhecida a partir do uso pelas comunidades de pessoas
surdasdo Brasil, portanto, com tantas características, nosso status linguístico já
está garantido, apesar de que muitos autores tiveram que escrever sobre o tema
para‘comprovar este status’. Ser minoria significa, muitas vezes, seguir desconhecida
pela maioria da sociedade e, para entender melhor, podemos relacionar a semelhança
de outros grupos minoritários como as diversas línguas indígenase africanas, que não
possuem prestígio social e sua utilização permanece restrita aos grupos em que haja
a aglutinação de pessoas.

O surdo percebe o mundo de forma diferenciada dos ouvintes, através


de uma experiência visual e faz uso de uma linguagem específica
para isso, a língua de sinais. Esta língua é, antes de tudo, a imagem
do pensamento dos surdos e faz parte da experiência vivida da
comunidade surda. Como artefato cultural, a língua de sinais também
é submetida à significação social a partir de critérios valorizados,

52 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


sendo aprovada como sistema de linguagem rica e independente (QUADROS,
2007, p. 55)

Costa (2010) retoma a discussão da posição da língua portuguesa em relação


a Libras, que pode ser considerada hierárquica e de superioridade, já que a Libras não
poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa. Por intermédio da lei, a
Libras ascende, contudo, não a ponto de ser completa. A Libras é considerada, desta
forma, língua de comunicação e continua a necessitar da Língua Portuguesa para sua
completude. Desta forma o sujeito surdo é considerado oficialmente bilíngue e de
uma nova categoria, já que sua língua de comunicação é a Libras, e sua língua escrita
é a Língua Portuguesa.
O reconhecimento de Libras como língua da comunidade de pessoas surdas do
Brasil trouxe regulamentações que procuram garantir a sua circulação no território
nacional. Dessa maneira, surge o decreto que também passa a sereferir sobre o
funcionamento de instituições, de forma a garantir que o poder público em geral
desenvolva formas de apoiar o seu uso e sua divulgação.

2.3 Decreto de Libras nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005

Para Costa (2010), o Decreto de Libras mostra todos os deslocamentos


subsequentes da legitimação de Libras como língua do surdo, e da Língua
Portuguesa como sua língua escrita, ou seja, o decreto é simplesmente um
olhar sobre o documento de Lei nº 10.436. Vemos no decreto a extensão
destes desdobramentos, nove capítulos distribuídos em trinta e um artigos. Há
uma necessidade de mudança para se efetivar a lei, mudança para este novo
deslocamento, e o decreto traz as regras para um funcionamento padrão em diversos
itens que estão ligados à efetivação da mesma.

Dica

Leia o Decreto na íntegra: Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/
decreto/d5626.htm>.

De forma geral, o decreto discorre sobre vários itens, entre eles: a definição de
pessoa surda; a colocação de Libras como disciplina curricular obrigatória e a ampliação
dos cursos que a ensinem, e em alguns casos a opção nos cursos; a formação do
professor e do instrutor de Libras; exames de proficiência e outras avaliações; medidas
para difusão e uso de Libras e Língua Portuguesa como forma de dar ao surdo acesso
à educação; a formação do tradutor/intérprete de Libras/Português; a garantia dos
direitos dos surdos à educação e à saúde; o papel do poder público no apoio à difusão

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 53


da Libras; o controle do orçamento público e o controle do uso e difusão das medidas
legisladas.
São diferentes itens a serem observados, e o decreto regulamenta sua
implantação. O decreto foi criado há mais de três anos após a lei, ou seja, houve uma
dificuldade da efetivação da Libras, principalmente por se tratar de uma lei nova que
se referia a um grupo minoritário.
Podemos afirmar que este grupo minoritário tomou posse da lei e lutou pela
sua efetivação. Costa (2010) cita Orlandi (2006) em seu livro, e esta afirma que a
metáfora do grupo-corpo acalma a angústia da cisão do sujeito.

Na condição de pertencente ao grupo, pela própria condição de aceitação da


diferença, que inicia em seu corpo, o sujeito surdo acalma a angústia de sua
cisão, que, no entanto, não deixa de existir. Somos todos sujeitos cindidos,
algumas cisões são mais visíveis, outras nemtanto (ORLANDI, 2006 apud
COSTA, 2010, p. 48)

Costa (2010) afirma que da normalização da língua resulta a normalização do


sujeito surdo, que tornado normal, tem uma língua anormal (fora da norma, que não
é a padrão). Por que pensar assim? Porque a Libras é atravessada por outra língua, a
Língua Portuguesa; porque tem a necessidade de um intérprete em seu próprio país.
E o sujeito surdo é diferente, e gera outra vez a normalizaçãoou a diferenciação por
meio das regras.

Saiba mais

Leia na íntegra o que Costa (2010 p. 49-50) versa sobre os termos:


ANORMAL e DIFERENTE. Vale a pena se deliciar com esta leitura

Concluindo nossos apontamentos sobre a legislação, queremos fazer uma


ressalva à nova lei aprovada recentemente: a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015,

54 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


a LBI – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que legaliza, consolida e
amplia benefícios e direitos dos deficientes (já inclusos no estatuto), inclusiveos surdos!
O texto trata de questões relacionadas à acessibilidade e à inclusão em educação,
saúde, trabalho, infraestrutura, entre outros.

Dica

Conheça a lei mais recente de nosso país, a LBI. Lei Brasileira de Inclusão
da Pessoa com Deficiência. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>.

Parafraseando Costa (2010), quando cita toda essa caminhada histórica como
os deslocamentos a partir do discurso defendido “a Língua Brasileira de Sinais”. Que
deslocamento! Ou seja, que caminhada! A conquista da comunidade surda brasileira
na questão da aprovação da Lei nº 10.436 ainda é recente. Foram anos de luta para
que a língua de sinais fosse efetivamente reconhecida e serão mais quantos, até vermos
a verdadeira inclusão efetivada em nossa sociedade. Os deslocamentos continuam, e
agora você, acadêmico, pode passar a ser um sujeito que contribuirá para impulsionar
estes novos deslocamentos!

A voz dos surdos são as mãos e os corpos que pensam, sonham e expressam.
As línguas de sinais envolvem movimentos que podem parecer sem sentido
para muitos, mas que significam a possibilidade de organizar as ideias,
estruturar o pensamento e manifestar o significado da vida para os surdos.
Pensar sobre a surdez requer penetrar no mundo dos surdos e ouvir as mãos
que, com alguns movimentos, nos dizem que para tornar possível o contato
entre os mundos envolvidos se faz necessário conhecer a língua de sinais
(QUADROS, 2007, p. 119).

Como a autora explica a citação acima, traz relatos de anos de lutas e conquistas,
foi uma caminhada árdua para fazer valer seus direitos como cidadãos com direitos e
deveres, e efetivar seu conhecimento e reconhecimento perante sociedade, aprovando
leis que aparassem o sujeito como num todo.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 55


Síntese

As Leis realmente não são criadas a ‘toque de mágica’, são resultado


de muitasdiscussões e lutas que COSTA (2010) trata neste texto como
deslocamentoshistóricos. A Constituição de 1988 é a primeira legislação
brasileira a contemplar os direitos das pessoas com deficiência, citando as áreas
da saúde, cidadania, educação e assistência social. Porém a primeira Lei que
reconhece a necessidade de uma comunicação para os Surdos só aparece em
2000, foram 12 anos de caminhada em busca do reconhecimento.
Concomitantemente, a nível internacional, discussões são levantadas e
direitos vão se desenhando no cenário, como podemos perceber na Declaração
de Salamanca, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
deficiência e Convenção da Guatemala, entre tantas outras que poderiamser
citadas. Em 2000, surge então, a primeira Lei 10.098, considerada como o
discurso fundador da Libras. Ela já fala da eliminação de barreiras para acesso
às informações e admite o uso de uma Linguagem de sinais, ou seja, já aponta
que o surdo necessita de outra forma para receber as informações que não a
língua padrão oral.
Em 2002, finalmente cria-se a sonhada Lei de Libras, Lei nº 10.436, que
legitima a Língua de Sinais, trazendo em seu texto a definição do que são Libras
e deixando claro o dever público, de empresas e serviços, de apoiar o uso de
difusão da Libras. Já em 2005, temos o Decreto 5.626, que é um olhar sobre esta
Lei, trazem nove capítulos distribuídos em trinta e um artigos, para organizar
ofuncionamento padrão em diversos itens que estão ligados a efetivação da
Lei 10.436 de 2002.
Hoje a caminhada legal e aceitação tanto da língua de Sinais como da
Inclusão no geral está muito mais difundida e consolidada. O que pode ser
observado, por exemplo, a partir da nova lei aprovada recentemente: a Lei nº
13.146, de 6 dejulho de 2015, a LBI – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência, que legaliza, consolida e amplia benefícios e direitos das pessoas
com deficiência.

REFERÊNCIAS

BARCELONA, Declaração Universal dos Direitos Linguísticos. Junho de 1996.


In: LINGUAGEM, Revista Eletrônica de Popularização Científica da Linguagem.
UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos – Campus São Carlos, São
Paulo. Disponível em: <http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao01/
declaracaodireitoslinguisticos.htm> . Acesso em Acesso em: 23 nov. 2019.

56 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


COSTA, Maria da Piedade Resende da. Compreendendo o aluno portador de surdez
e suas habilidades comunicativas. In: Reflexões sobre a diferença: uma introdução
à educação especial. Coleção Magister, 2. ed. 2003.

COSTA, Maria da Piedade Resende da. Juliana P. Barbosa. A educação do surdo


ontem e hoje: posição sujeito e identidade. Mercado de Letras, Campinas-SP, 2010.

BRASIL. Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002. Presidência da República. Casa Civil.
Subchefia para Assuntos Jurídicos. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras
e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 25 abr. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/
L10436.htm>. Acesso em: 10 nov. 2019.

BRASIL. Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005.Presidência da República. Casa


Civil. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua
Brasileira de Sinais - LIBRAS, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de
2000. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 2005.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/
d5626.htm>. Acesso em: 20 nov. 2019.

BRASIL. Decreto Nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Presidência da República. Casa


Civil. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 ago. 2009. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2009/decreto/d6949.htm>
Acesso em: 23 nov. 2019.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos


Decreto nº 7.387, de 9 de dezembro de 2010. Institui o Inventário Nacional
da Diversidade Linguística e dá outras providências. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2010. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7387.htm>.
Acesso: 24 nov. 2019.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.


Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2010. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>.
Acesso: 22 nov. 2019.

CAMPELLO, Ana Regina e Souza; QUADROS, Ronice Muller. LIBRAS – Língua


Brasileira de Sinais: curso de licenciatura em matemática na modalidade a distância.
Florianópolis: UFSC, 2010.

QUADROS, Ronice Müller de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto


Alegre: Artmed, 2007.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 57


Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado
para esta Unidade de Aprendizagem.

58 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Unidade 4
O Estatuto Linguístico das línguas de sinais

Objetivos:
• Compreender os conceitos de linguagem e da língua;
• Compreender o estudo da Língua Brasileira de Sinais;
• Conhecer as mãos utilizadas para a datilologia e a diferença entre essa e o
sinal soletrado;
• Identificar o uso do espaço em todos os níveis de análise da fonologia e
morfologia da Libras;
• Reconhecer os numerais de 1 até 10 e a diferença da utilização de cardinal,
quantidade e ordinais.

Conteúdo programático:
• Linguagem e Língua;
• Línguas de Sinais e Língua Brasileira de Sinais - Libras ;
• Sistema de transcrição da Libras;
• Datilologia, Alfabeto manual e Numerais (Cardinais, quantidades e ordinais);
• O sinal pessoal;
• Aspectos relevantes sobre a fonologia das línguas de sinais;
• Noções sobre morfologia da língua de sinais.
1 INTRODUÇÃO
Apesar dos avanços da pesquisa linguística que consolidaram o estatuto das
línguas de sinais como línguas naturais, ainda são comuns inúmeros equívocos quan-
do do primeiro contato com elas. Dessa forma, é necessário, para iniciar o aprendiza-
do da Língua Brasileira de Sinais - Libras, revisar alguns conceitos com a finalidade de
esclarecer e desmistificar ideias relacionadas às línguas visoespaciais.

Cada subtítulo desta unidade, retomaremos os conceitos de linguagem e lín-


gua; linguagem natural e língua natural, procurando esclarecer alguns mitos que
ainda persistem quanto ao estatuto e ao status das línguas de sinais, entre elas a
Libras. Em seguida, abordaremos informações básicas necessárias ao início do estu-
do de Libras, como o sistema de transcrição da Libras, a datilologia, sinal pessoal e
numerais.

Ainda nesta unidade, estudaremos parâmetros linguísticos próprios das lín-


guas de sinais, tais como a configuração de mãos, o movimento e a locação. Estuda-
remos o básico da fonologia da Libras e noções de morfologia da Libras, enfocando
o substantivo e o verbo.

O conteúdo proposto foi elaborado por meio da organização de minha auto-


ria através de apoio buscado em pesquisas diversas de imagens e vídeos, materiais
esses retirados em sites de minha confiança da organização do Instituto Nacional
de Educação de Surdos - INES na disponibilização dos vídeos da TV INES 4 que é o
primeiro canal bilíngue do Brasil com conteúdo 100% acessível a surdos e ouvintes.

Apesar das curiosidades de vários vídeos produzidos no Youtube não reco-


mendo assistir outros tipos de vídeo. Assistir apenas os vídeos organizados pela TV
INES, que são pessoas surdas natural que produzem a esse trabalho.

2 LINGUAGEM E LÍNGUA
A preocupação com a linguagem não se restringe a limitar um objeto de es-
tudo para a linguística, mas implica reflexões que vão dos aparatos biológicos do
homem e da base biológica da própria linguagem humana até a delimitação do
papel da linguagem como distintiva da natureza humana, passando por sua função
comunicativa dentro do corpo social. Ou seja, não se trata apenas de definir o que é
linguagem, ou o que é uma língua, mas das interpretações particulares que podem
ser atribuídas a essas questões dentro de uma estrutura teórica aceita.
4 Site próprio da TV INES - http://tvines.org.br/

60 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


De maneira geral, o termo linguagem pode ser entendido como qualquer sis-
tema de comunicação ou de notação, humano ou não humano, natural ou artificial.
Pode-se falar em linguagem de programação, linguagem matemática, linguagem
das abelhas, linguagem corporal, por exemplo. Já o termo língua faz referência a
uma língua em particular como português, grego, inglês 5. Em sentido amplo — e do
ponto de vista linguístico — pode-se dizer que, independentemente da perspectiva
teórica que fundamente os conceitos de linguagem e língua, a linguagem aparece
como uma faculdade ou potencialidade de expressão, e a língua como a materializa-
ção dessa expressão ligada a um grupo determinado de indivíduos, identificados por
traços culturais particulares e restritos a um determinado espaço 6.

No que diz respeito a determinar o que é uma linguagem natural e uma língua natu-
ral, é interessante o dizer de Chauí (2000), explicitando questões relativas à natureza
da linguagem:
Uma primeira divergência sobre o assunto surgiu na Grécia: a linguagem
é natural aos homens (existe por natureza) ou é uma convenção social?
Se a linguagem for natural às palavras possuem um sentido próprio e
necessário; se for convencional, são decisões consensuais da sociedade e,
nesse caso, são arbitrárias, isto é, a sociedade poderia ter escolhido outras
palavras para designar as coisas. Essa discussão levou, séculos mais tarde, à
seguinte conclusão: a LINGUAGEM como capacidade de expressão dos seres
humanos é natural, isto é, os humanos nascem com uma aparelhagem física,
anatômica, nervosa e cerebral que lhes, permite expressarem-se pela palavra;
mas as LÍNGUAS são convencionais, isto é, surgem de condições históricas,
geográficas, econômicas e políticas determinadas, ou, em outros termos são
fatos culturais. Uma vez constituída uma língua, ela se torna uma estrutura
ou um sistema dotado de necessidade interna, passando a funcionar como se
fosse algo natural, isto é, como algo que possui suas leis e princípios próprios,
independentes dos sujeitos falante que a empregam (CHAUÍ, 2000, p.43).

Assim, pode-se concluir que, em se tratando de linguagem humana, lingua-


gem natural é aquela que pode ser desenvolvida espontaneamente a partir do ins-
trumental biológico e sensorial de que os seres são dotados, traduzindo-se em uma
capacidade de expressão e reflexão por meio de signos.

Quanto à definição do que é uma língua natural, dois pontos devem se con-
siderados. O primeiro diz respeito ao condicionamento dessa definição construções
teóricas diversas e à área do conhecimento à qual está ancorado o estudo da língua.
O segundo liga-se à investigação das propriedades inerentes uma língua natural,
propriedades essas que vão torná-la distinta de uma língua, não natural. “Um exem-
plo de língua não natural é o esperanto, inventado no final do século XIX como for-

5 LYONS, 1981; QUADROS; KARNOPP, 2004

6 BAKHTIN, 1988; LYONS, 1981; MARTINET, 1970; ROBINS, 1977; SAUSSURE, 1995; SÁ, 2002

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 61


ma de facilitar a comunicação internacional” (LYONS, 1981, p.16).

As citações a seguir ilustram bem o condicionamento da conceituação de língua a


uma determinada linha teórica e a uma determinada área do conhecimento:
Língua não se confunde com linguagem: é somente uma parte determinada,
essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da
faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adota-
das pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indiví-
duos (SAUSSURE, 1995, p.17).

Doravante considerarei uma língua como um conjunto (finito ou infinito)


de sentenças, cada uma finita em comprimento e construída a partir de um
conjunto finito de elementos (CHOMSKY, 1957, p.13).

Língua natural, aqui, deve ser entendida como uma língua que foi criada e é
utilizada por uma comunidade especifica de usuários, que é transmitida de
geração em geração, e que muda — tanto estrutural como funcionalmente
— com o passar do tempo (SÁ, 2002, p.108).

As duas primeiras citações são clássicas da linguística e pertencem: a primeira,


à Escola Estruturalista; e a segunda, à Escola Gerativista. A terceira citação está liga-
da aos estudos culturais.

Apesar dos diferentes fundamentos teóricos que embasam as muitas defini-


ções de língua natural, é possível estabelecer propriedades que são inerentes a todas
as línguas naturais. Segundo as autoras Quadros; Pizzio; Rezende (2009), dentre
essas propriedades podemos destacar as seguintes:

Versatilidade e Flexibilidade: a língua permite a expressão de emoções e sentimen-


tos. Permite que se dê ordens, que se estabeleçam relações temporais, que se faça
referência ao que existe e ao que não existe.

Criatividade e Produtividade: é a possibilidade que todos os sistemas linguísticos


dão aos usuários de compreender um número indefinido de enunciados sem conhe-
cê-los anteriormente.

Arbitrariedade: está relacionada à falta de conexão entre forma e significado. Isso


quer dizer que não existe uma conexão intrínseca obrigatória entre a palavra casa e
o objeto que ela simboliza, por exemplo.

Padrão: diz respeito a restrições que as línguas apresentam na organização dos seus
elementos. Isso significa que ao se produzir um enunciado em português, por exem-
plo, a combinação das palavras nas frases é restrita. Assim, tendo-se as palavras casa,

62 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


entrou cansado e em, há três combinações possíveis: ENTROU EM CASA CANSADO;
CANSADO ENTROU EM CASA; EM CASA, ENTROU CANSADO. Uma construção como
EM CANSADO CASA ENTROU não é possível dentro do padrão da língua portuguesa.

3 LÍNGUAS DE SINAIS
As línguas de sinais são línguas visoespaciais. Elas se apresentam em uma
modalidade diferente das línguas orais, pois utilizam a visão e o espaço, e não o ca-
nal oral-auditivo, para sua realização. Como tradicionalmente a língua foi associada
à fala, várias concepções inadequadas surgiram quanto ao estatuto de tais línguas
como sistema linguístico, bem como quanto ao entendimento de suas característi-
cas.

Segundo Quadros e Karnopp (2004), entre essas concepções equivocadas po-


dem ser listadas as seguintes:
• a língua de sinais é uma mímica incapaz de expressar conceitos
abstratos;
• existe uma única língua de sinais que é universal e usada por todas as
pessoas surdas;
• há uma falta de organização gramatical nas línguas de sinais, sendo
elas um pidgin 7 sem estrutura própria, subordinadas e inferiores às
línguas orais;
• são um sistema de comunicação superficial, com conteúdo restrito,
sendo estética, expressiva e linguisticamente inferiores ao sistema de
comunicação oral;
• derivam da comunicação gestual espontânea dos ouvintes; • seriam
línguas do hemisfério direito [do cérebro], pelo fato de ser esse o he-
misfério responsável pelo processamento de informação espacial, não
se constituindo, portanto, em um legítimo sistema linguístico (QUA-
DROS E KARNOPP, 2004, p.31-37).

Pesquisas realizadas em várias áreas, especialmente na linguística, e com di-


ferentes línguas de sinais, têm desmistificado esses equívocos. Os estudos mostram
que tais línguas são sistemas linguísticos transmitidos de geração para geração de
pessoas surdas, sem origem nas línguas orais, mas como uma necessidade natural de
comunicação entre pessoas que não utilizam o canal oral-auditivo.

Importante salientar que, como no caso das línguas oral-auditivas, não existe
uma língua de sinais universal. Cada país tem sua própria língua de sinais, com léxico
e estrutura próprias. Dessa forma, por exemplo, se um surdo brasileiro, usuário de
Libras, quiser se comunicar com um surdo norte-americano na língua deste, deverá

7 São línguas improvisadas, não aprendidas de forma nativa, também chamadas de língua de
contato. São criadas de forma espontânea a partir da mistura de outras línguas e utilizadas como
meio de comunicação entre falantes de línguas diferentes. De maneira geral, têm vocabulários res-
tritos e gramáticas rudimentares.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 63


aprender a ASL (Língua de Sinais Americana), exatamente como um ouvinte brasilei-
ro falante de português precisa aprender inglês.

Quanto à estrutura, as línguas de sinais possuem gramática própria com re-


gras específicas em todos os níveis: fonológico, morfológico e sintático. São aptas,
portanto, como qualquer outra língua, a produzir expressões metafóricas, construir
humor, expressar opiniões políticas, denotar referentes teóricos. Em relação a isso,
Baggio nos relata uma experiência:

Em sala de aula de Geografia, os alunos [surdos] buscavam entender o con-


ceito de população. Não era de conhecimento nem dos alunos nem do pro-
fessor um sinal correspondente à palavra ou ao conceito. O problema foi re-
solvido pela utilização de um processo de “formação de palavras” trivial nas
línguas do mundo. Formou-se um “sinal composto” pelos sinais de “povo”
mais o sinal de “número” (BAGGIO, 2006, p.39).

Nesse sentido, Quadros e Karnopp (2004) complementam afirmando que:


A alegação de empobrecimento lexical nas línguas de sinais surgiu a partir
de uma situação sociolinguística marcada pela proibição e intolerância em
relação aos sinais na sociedade e, em especial, na educação. Entretanto,
sabe-se que tais línguas desenvolvem itens lexicais apropriados a situações
em que são usados. Na medida em que as línguas de sinais garantem maior
aceitação, especialmente em círculos escolares, registra-se aumento no vo-
cabulário denotando referentes técnicos QUADROS E KARNOPP, 2004, p.35)

As mesmas autoras complementam que do ponto de vista psicolinguístico


pesquisas realizadas com surdos que apresentavam lesões nos hemisférios esquerdo
e direito do cérebro demonstraram que os que tinham lesão no hemisfério direito
processavam todas as informações linguísticas das línguas de sinais, mesmo elas sen-
do visoespaciais. Entretanto, aqueles que possuíam lesões no hemisfério esquerdo
conseguiam processar informações espaciais não linguísticas, mas não conseguiam
processar informações linguísticas. A conclusão a que as pesquisadoras chegaram
é que as línguas de sinais são processadas no centro da linguagem (localizado no
hemisfério esquerdo do cérebro) como qualquer outra língua. Ou seja, a linguagem
humana não depende da modalidade das línguas. Complementando, pode-se dizer
que todo sinal é um gesto, mas nem todo gesto é um sinal.

Não há por que, dessa forma, existirem dúvidas quanto ao estatuto linguístico
das línguas de sinais. Importante dizer que, diferentemente das primeiras pesquisas
linguísticas nas quais se procurava identificar o que era igual entre as línguas faladas

64 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


e as línguas de sinais, hoje se caminha na direção de verificar as diferenças entre elas
com o objetivo de enriquecer as teorias linguísticas.

Postula-se nesse aspecto, inclusive, uma teoria geral da linguagem, cujo ponto
de partida da análise sejam as línguas de sinais, isso porque suas peculiaridades, tais
como o caráter icônico 8 de alguns sinais (um sinal ideia) é aquele em que a confi-
guração das mãos reproduz a forma do objeto representado, por exemplo o sinal
CASA [ /\ ]), permitiriam um acesso mais direto às operações cognitivas envolvidas no
processamento da linguagem.

Dica

Para saber mais sobre linguagem e língua, e sobre a língua brasileira de sinais,
recomendamos as obras a seguir: QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua de sinais
brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.

4 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS


Libras é a língua de sinais usada pelos surdos brasileiros. Essa denominação
foi estabelecida em Assembleia convocada pela Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos (Feneis), em outubro de 1993. A Lei n. 10.436 de 24 de abril
de 2002 9 reconhece e oficializa a língua de sinais brasileira, e o Decreto n. 5.626 de
22 de dezembro de 2005 10 regulamenta aquela lei e mantém essa denominação:
Art. 1° É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua
Brasileira de Sinais — Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais — Libras a
forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natu-

8 A iconicidade, em oposição à arbitrariedade, não é um aspecto que desqualifica as línguas


de sinais como línguas naturais, mas um traço característico dessas línguas. Vale dizer, as línguas de
sinais não são menos nem mais que as línguas orais, são diferentes (CUXAC, 2005).

9 Para ver na íntegra essa lei, acesse o site <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/


L10436.htm>.
10 Para ver na íntegra esse decreto, acesse o site < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm>.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 65


reza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema
linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de
pessoas surdas do Brasil.

A Libras tem status de primeira língua (L1) na comunidade surda brasileira e


o português é considerado segunda língua (L2). Isso porque a aquisição da língua
portuguesa (oral-auditiva) pelo surdo só pode ser realizada por meio da aprendiza-
gem formal.

4.1 Sistema de transcrição da Libras


A Libras é uma língua de modalidade gestual-visual com características pró-
prias em todos os níveis gramaticais. Assim, quando precisamos escrever Libras em
português é necessário usar convenções. Essas convenções são utilizadas por pesqui-
sadores de línguas de sinais e são encontradas em livros sobre Libras. Sendo assim,
faz-se necessário apresentá-las. Eis algumas 11.
Como os sinais da Libras são realizados no espaço, para representá-los, são usados
os léxicos da língua portuguesa (LP) através de letras maiúsculas.
Exemplos: ÁRVORE, HOMEM, CIDADE, etc.

• Alguns sinais da Libras são representados utilizando-se duas ou mais palavras em


língua portuguesa. Esses sinais são representados pelas palavras correspondentes
separadas por hífen.
Exemplos: NÃO-PODER, MEIO-DIA, AINDA-NÃO, NÃO-TER, etc.

• Quando um sinal é composto, isto é, dá ideia de uma única coisa, mas é formado
por dois ou mais sinais, é representado por duas ou mais palavras da língua por-
tuguesa separadas pelo símbolo ^.
Exemplos: CASA^AESTUDAR - “escola”
CARRO^ABATER - “acidente”
PAI^MÃE - “pais”

• Nome de pessoas, localidades, objetos e outras palavras quaisquer que não te-
nham um sinal são representadas através da datilologia (soletração do alfabeto
manual) e transcritas pela palavra separada, letra por letra, por hífen.
Exemplos: P-E-D-R-O. S-U-P-R-A-S-S-E-G-M-E-N-T-A-I-S

• Uma palavra soletrada com o uso do alfabeto manual pode tornar-se um sinal
integrante da Libras se à soletração for incorporado um movimento da língua de
sinais. Esse sinal será representado pela soletração, ou parte da soletração do sinal
11 Felipe; Monteiro, 2001.

66 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


em itálico.
Exemplos: N-U-N-C-A - “nunca”, L-U-A – “lua”

• Não há desinências para gênero (masculino e feminino) em Libras. O sinal para re-
presentar a palavra da língua portuguesa que possui essas marcas, será o símbolo
@, que substituirá a última letra da palavra escrita com letras maiúsculas.
Exemplos: AMIG@ - “amiga e amigo”
FRI@ - “fria e frio”
MUIT@ - “muita e muito”

• Os verbos que se referem a lugar ou a pessoas gramaticais e movimento direciona-


do serão representados pela palavra correspondente com uma letra em subscrito,
que indicará:
a. o lugar:
i = ponto próximo à 1ª pessoa
j = ponto próximo à 2ª pessoa
k e k = pontos próximos à 3ª pessoa
e = esquerda
d = direita
b. as pessoas:
1s, 2s, 3s = 1ª, 2ª e 3ª pessoas do singular
1d, 2d, 3d = 1ª, 2ª e 3ª pessoas do plural
1p, 2p, 3p = 1ª, 2ª e 3ª pessoas do plural
Exemplos:
1s ENTREGAR 2s - “Eu entrego para você”
2s DAR 3p - “Você deu para eles/elas”
kd ANDAR ke - “Andar da direita (d) para a esquerda (e)”
• Não há desinência para plural na Libras. Pode haver uma marca de plural pela re-
petição do sinal ou alongamento do movimento, que será representada por uma
cruz no lado direito acima da palavra que representa o sinal:
Exemplos: MULHER + - “muitas mulheres”
ÁRVORE + - «muitas árvores».

4.2 Datilologia

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 67


Datilologia é um sistema com configurações de mão que representam cada
letra do alfabeto da língua portuguesa. Tem a finalidade de soletrar palavras que
ainda não possuem sinal em língua de sinais, ou que o soletrador não conhece, por
exemplo, nomes próprios de pessoas ou lugares. Importante salientar que o alfabeto
manual não é parte da Libras, mas um sistema auxiliar utilizado para facilitar a co-
municação. Observe mais abaixo o alfabeto manual.

As palavras de uma língua oral são os sinais nas línguas de sinais. Quando se
utiliza a datilologia para soletrar duas ou mais palavras, geralmente, realiza-se uma
pequena pausa entre uma e outra ou move-se a mão do lado direito para o esquer-
do como se estivesse passando para o lado a primeira palavra para dar espaço para
soletrar a segunda.

Uma conversação jamais poderá ser mantida usando-se somente o alfabeto


manual, pois, além de cansativo e monótono, seria impraticável. O léxico de Libras
são os sinais, que são usados nessa língua como as palavras são usadas nas línguas
orais auditivas, ou seja, obedecendo aos padrões estruturais da língua.

Pessoas, cidades, países, lugares diversos, objetos, sentimentos e tudo o mais


pode ter um sinal. Se não existe sinal correspondente à determinada palavra ou con-
ceito, o surdo, na medida em que vai se interando do significado ou entendendo o
conceito, gera um sinal que passará a fazer parte do “vocabulário” da Libras. A lín-
gua de sinais, assim como o inglês, o português, o francês e outras línguas, não está
morta; de tempos em tempos, novos sinais aparecem, gírias são criadas ou passam
a fazer parte da língua padrão.

4.3 O sinal pessoal


Cada pessoa pode ter seu sinal em Libras. O ato de “dar um sinal” a uma pes-
soa recebe o nome de batismo. Possuidora de um sinal próprio, a partir daí, sempre
que for apresentada a um surdo, esta pessoa soletrará seu nome através da datilo-
logia e apresentará o seu sinal. Este sinal, geralmente dado por um surdo, pode ser
uma representação de uma característica da pessoa ou de algum traço físico, ativi-
dade, gesto ou cacoete da pessoa, acrescido ou não da letra inicial do seu nome.
Exemplos:

• “J-O-A-N-A” Sinal: configuração de mão em J, deslizando de cima da cabeça até


a altura dos ombros em movimentos ondulados (Joana tem cabelos longos e on-
dulados).
• “A-R-Y” Sinal: dedo indicador e polegar afastados sobre a orelha, os outros dedos
fechados (Ary tem orelhas grandes).

68 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


• Felipe tem os olhos azuis, então o sinal dele é o dedo indicador apontando o olho
e, em seguida, a execução do sinal “azul”.

Segundo Pimenta e Quadros (2006), salienta que, uma vez batizada, não é costu-
me a pessoa trocar o seu sinal, mesmo que aquilo que motivou o sinal (o referente)
tenha mudado. Por exemplo, Joana foi batizada com o seu sinal por causa de seus
cabelos longos e ondulados. Com o passar dos anos, ela cortou os cabelos e alisou-
-os, mas o seu sinal permaneceu o mesmo.

4.4 Alfabeto manual

Fonte: Felipe e Monteiro (2001)

Então, alunos! Conseguiram treinar o alfabeto?

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 69


Para assistir

Não se preocupe, acesse o vídeo no Youtube TV INES, que o Heveraldo irá mostra
o abecedário e outros elementos importantes para a comunicação dos surdos
<https://www.youtube.com/watch?v=mZOLIDC6F6U>.

4.5 Numerais
As línguas podem ter formas diferentes para apresentar os numerais quando
utilizados como cardinais, ordinais, quantidade, medida, idade, dias da semana ou
mês, horas e valores monetários. Isso também acontece na Libras.
Segundo autoras Felipe e Monteiro (2001) coloca que, É erro o uso de uma
determinada configuração de mão para o numeral cardinal sendo utilizada em um
contexto onde o numeral é ordinal ou quantidade, por exemplo: o numeral cardinal
1 é diferente da quantidade 1, que é diferente do ordinal PRIMEIR@, que é diferente
de PRIMEIRO-ANDAR, que é diferente de PRIMEIRO-GRAU, que é diferente de MÊS-1.

Fonte: Felipe e Monteiro (2001)

Para assistir

Para entender melhor a sinalização em numerais em Libras, assistem o vídeo


e acesse o link - <https://www.youtube.com/watch?v=_j-gkWhJs7w> a
partir do tempo 16’36” até 19’12”.

70 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


4.6 Numerais Ordinais
Os numerais ordinais do primeiro (1º) até o nono (9º) têm a mesma forma
dos cardinais, mas aqueles possuem movimentos enquanto estes não possuem. Os
ordinais do primeiro (1º) até o quarto (4º) têm movimentos para cima e para baixo
e os ordinais do quinto (5º) até o nono (9º) têm movimentos para os lados. A partir
do numeral dez não há mais diferença entre os cardinais e ordinais.

Fonte: Felipe e Monteiro (2001)

5 ASPECTOS RELEVANTES SOBRE A FONOLOGIA DAS LÍNGUAS DE SINAIS


Segundo Quadros e Karnopp (2004), fonologia é a parte da gramática que
estuda os sons da língua - os FONEMAS. Os fonemas são as unidades mínimas sonoras
de uma língua capazes de estabelecer distinção de significado (por exemplo: mala,
bala, cala, tala). Apesar da língua de sinais ser uma língua gestual-visual (ou espaço-
visual ou ainda visoespacial), realizados por Stokoe 12, reconheceram que elas têm
suas unidades mínimas (fonemas). Stokoe propôs o termo quiremia para denominar
as unidades dos sinais e quirologia (do grego quiro, “mão”) para nomear o estudo
dessas unidades. No entanto, os pesquisadores continuaram utilizando os termos
“fonema” e “fonologia”, considerando que as línguas de sinais são línguas naturais
e, por isso, compartilham dos mesmos princípios linguísticos que as línguas orais. As
unidades mínimas são:
• Configuração de mão (CM) — É a forma das mãos, que pode ser ou não do
alfabeto manual. Essas formas são feitas pela mão predominante (direita para os
destros e esquerda para os canhotos), ou por ambas. A partir da configuração de
mão, partem o “Movimento da mão (M)” e a “Locação (L)” ou “Ponto de articulação

12 Dr. William C. Stokoe, Jr. foi um estudioso, que pesquisou extensivamente a American Sign
Language ou ASL enquanto trabalhava na Universidade Gallaudet. De 1955 a 1970 trabalhou como
professor e chefe do departamento de inglês, na Universidade Gallaudet.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 71


(PA)”, que juntos formam o sinal. Segundo Felipe e Monteiro (2001), existem 61
configurações de mão na língua brasileira de sinais.

Disponível em: <http://www.acessibilidadebrasil.


org.br/libras_3/> acesso em 08 dez. 2019.
Disponível em: <https://www.lsbvideo.
com.br/lsb-video> acesso em 08 dez.
2019.

• Movimento da Mão - Os sinais podem ter ou não movimento. Uma pequena


alteração no movimento pode mudar o significado do sinal. Os sinais que não têm
movimento são chamados de sinais estáticos. A orientação dos movimentos pode ser:
• o unidirecionais - os movimentos são realizados somente para uma direção;
• o bidirecionais - os movimentos são realizados por uma ou ambas as mãos
em duas direções diferentes, geralmente simétricas;
• o multidirecionais - os movimentos acontecem em várias direções;
• o não direcionais - não acontecem deslocamentos.

• Locação ou Ponto de Articulação - É o lugar, tomando como ponto de partida


o próprio corpo, onde é realizado o sinal, podendo haver ou não contato com o
corpo. O sinal pode tocar o rosto, a cabeça, o peito, os braços ou estar num espaço
neutro à frente do sinalizador.

Ainda mesmas autoras Quadros e Karnopp (2004), posteriormente aos estudos


de Stokoe, foram acrescentados mais dois parâmetros. São eles:

• Orientação de Mão (OR) ou Direcionalidade – Battison (1974) propôs a inclusão


do parâmetro orientação de mão na fonologia das línguas de sinais, baseado nos
diferentes significados que podem ocorrer numa simples mudança de direção da
palma da mão na execução de determinado sinal. Brito (1995) enumerou seis tipos
de orientações da palma da mão na Libras: para a direita, para a esquerda, para
baixo, para cima ou para frente e para trás.

72 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


• Aspectos Não Manuais (NM) ou Expressão Facial e Corporal - São as expressões
faciais e corporais. As expressões não manuais se referem aos movimentos dos
olhos, da face, da cabeça, do tronco, do corpo em geral que por si só, dentro de
um contexto, comunicam. As expressões não manuais podem ser utilizadas para
marcar sentenças interrogativas negativas, de concordância, de tópico, entre outras.

Figura 2 - Unidades mínimas para a palavra “LÍNGUA DE SINAIS”

Fonte: Fundação Catarinense de Educação Especial - FCEE 13

6 NOÇÕES SOBRE MORFOLOGIA DA LÍNGUA DE SINAIS


Os sinais, assim como as palavras nas línguas orais, são classificados como
substantivos, verbos, adjetivos, etc. Neste tópico, estudaremos os substantivos e os
verbos.

6.1 Substantivo
Os substantivos em Libras não apresentam flexão de gênero: não há desinência
para marcar o gênero nos sinais. Isso acontece também com adjetivos, pronomes e
numerais.

Quando se quer marcar o gênero do substantivo, faz-se o sinal e acrescenta-se


o sinal de HOMEM e MULHER.
Exemplos:
CUNHADA: sinal de cunhado + sinal de mulher
TIO: sinal de tio + sinal de homem.

Quando o sinal que possui marca de gênero (masculino e feminino) é escrito em


língua portuguesa (LP), usa-se o símbolo @ para dar a ideia de ausência, neutralidade,
como foi visto no Sistema de Transcrição para Libras já apresentado nesta unidade
(AMIGO, TI@, MENIN@, PRIM@). Isso também acontece com os adjetivos e os
pronomes (ME@, TE@, TOD@).

13 http://www.fcee.sc.gov.br/informacoes/biblioteca-virtual/educacao-especial/cas

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 73


6.2 Verbos
De acordo com Quadros e Karnopp (2004), os verbos em Libras estão divididos
em três classes:
a) verbos simples: são os verbos sem concordância. Eles não se flexionam em
pessoa e número. Exemplos: TRABALHAR, GOSTAR, AMAR, APRENDER, ESTUDAR,
BRINCAR (veja os sinais de TRABALHAR e BRINCAR no dicionário em Libras on-line 14);
b) verbos com concordância: são os verbos que se flexionam em pessoa e número
— têm movimentos. Exemplos: DAR, MOSTRAR, PERGUNTAR, AVISAR, ENTREGAR,
RESPONDER, etc. (veja DAR no dicionário em Libras on-line);
c) verbos espaciais: estes verbos têm ação e direção. Eles têm uma, forma icônica
na maneira de realizar o sinal. Exemplos: IR, VIR, CHEGAR, LAVAR, etc. (veja CHEGAR
no dicionário em Libras on-line).

Especificidades de alguns verbos


Em Libras, alguns verbos possuem algumas especificidades. São elas:
• Existem verbos que incorporam o objeto: não há necessidade de sinalizar o verbo e
o objeto para estruturar a oração, porque o complemento é incorporado pelo sinal
do verbo, complementado pelo movimento realizado ao produzir o sinal. Exemplos:
COMER, BEBER, etc. (veja BEBER 3 no dicionário em Libras online);
• Os verbos que representam fenômenos da natureza são impessoais (não têm sujeito).
Exemplos: CHOVER, NEVAR, TROVEJAR, etc. (veja CHOVER no dicionário em Libras
online);
• Alguns verbos incorporam a negação. Exemplos: NÃO TER, NÃO GOSTAR, NÃO
SABER, etc. (veja TER e NÃO TER, GOSTAR e NÃO GOSTAR e SABER e NÃO SABER
no dicionário em Libras online).

Para assistir

Para saber mais sobre a gramática em Libras, assistem o vídeo do youtube TV INES.
A Vida Em Libras – Gramática I <https://www.youtube.com/watch?v=Ej-VqeTJREU>.
A Vida Em Libras – Gramática II <https://www.youtube.com/watch?v=Mx28l4eIaGE>.

14 Acesse o site: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm - Clique


“entrar” “ordem alfabética”. Pesquise palavra a “Trabalhar e brincar” e vai pesquisando conforme as
dicas abaixo.

74 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Síntese

Estabelecendo a seguir as diferenças entre linguagem e língua, linguagem


natural e língua natural e descritas as principais características das línguas
naturais, entre elas as línguas de sinais, é necessária uma observação final. Do
ponto de vista linguístico, não existe língua melhor ou pior, mais complexa ou
mais simples, mais bonita ou mais feia, o que existe são línguas diferentes,
cada qual com suas peculiaridades. Importante que se retome o que antes
já foi falado: “a linguagem humana independe da modalidade das línguas”.
Retomando, pois, os conceitos de linguagem natural e língua natural, e pelo
que foi estudado nesta seção, é possível concluir que a linguagem natural dos
surdos é a linguagem de sinais, uma vez que essa linguagem é adquirida por
eles de maneira espontânea e é por meio dela que estes podem se expressar sem
esforço. Além disso, por meio dela se constituírem em sujeitos com concepções
próprias do mundo e da sociedade. A materialização dessa linguagem é feita
através de línguas naturais por sua própria essência: as línguas de sinais.
Temos também, o sistema de transcrição para a Libras, que vem sendo
adotado por pesquisadores de línguas de sinais em outros países e aqui no
Brasil, tem este nome porque as palavras de uma língua oral-auditiva são
utilizadas para representar aproximadamente os sinais. As línguas de sinais têm
características próprias, conforme vocês já leram anteriormente, os itens dos
sistemas de convenções exigem um período de estudo para serem aprendidos
e escritos, para possivelmente estar utilizando um “Sistema de notação em
palavras”.
Estudamos também os parâmetros linguísticos próprios das línguas de
sinais, tais como a configuração de mãos, o movimento e a locação que são
chamados da fonologia da Libras. Todos foram observados para que se produza
o sinal de maneira adequada. E ainda estudamos as noções de morfologia da
Libras, que são classificados como substantivos e verbos para compreender o
contexto dos sinais da Libras.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 75


REFERÊNCIA
BAGGIO, M. A. A atividade pedagógica como estratégia de motivação: implicação
no desempenho de alunos surdos na produção escrita em língua portuguesa. 2006.
Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) — Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul.

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 4.ed. São Paulo: Hucitec, 1988.

BRASIL. Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Diário oficial [dal República


Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 dez. 2005. Disponível em: <https://
www.planalto. gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm>. Acesso
em: 08 dez. 2019.

_______. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Diário Oficial (da] República Federativa
do Brasil, Brasília, 25 abr. 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/
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FELIPE, Tany A; MONTEIRO, M. Libras em Contexto: Curso básico, livro do professor


instrutor. Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos, MEC: SEESP, Brasília-
DF. 2001.

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NARBONA, J. A linguagem da criança: aspectos normais e patológicos. 2.ed. Porto
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TV INES. Disponível em: <http://tvines.org.br/>. Acesso em: 08 dez. 2019.

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 77


Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado
para esta Unidade de Aprendizagem.

78 Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)


Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 79

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