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RESUMO ABSTRACT
Objetivo: O objetivo desta revisão de literatura é investigar Aim: The aim of this literature review is to investigate
e analisar criticamente o uso da crioterapia intracanal and critically analyze the use of intracanal cryotherapy
durante o tratamento endodôntico, visando através dos during endodontic treatment and, through scientific
achados científicos disponíveis elaborar argumentos findings, elaborate well grouded references that justify
sólidos que justifiquem optar ou não pela realização de or not, carrying out such auxiliary protocol during endo-
tal protocolo auxiliar durante a intervenção endodôntica. dontic intervention. Literature Review: The therapeutic
Revisão de literatura: A alternativa terapêutica conhecida alternative known as cryotherapy is a technique that has
como crioterapia é uma técnica existente há anos, a qual existed for years, which has been frequently applied in
tem sido frequentemente aplicada na Medicina para o Medicine for the treatment of pain and postoperative
tratamento da dor e cuidados pós-operatórios. Recen- care. Recently, the use of cryotherapy in Endodontics,
temente, o uso da crioterapia na Endodontia, através de through a final root canal irrigation protocol, has been
um protocolo de irrigação final do canal radicular, foi examined in several randomized clinical trials. Discussion:
examinado em vários ensaios clínicos randomizados. The reviewed studies showed that the use of cold saline
Discussão: Os estudos revisados demonstraram que a solution as a final irrigating agent for chemical-mecha-
utilização de soro fisiológico frio como agente irrigante nical preparation has the potential to reduce pain levels
final ao preparo químico-mecânico, tem potencial para of a possible painful symptomatology after endodontic
reduzir os níveis de dor de uma possível sintomatologia treatment, in addition to being a method of easy appli-
dolorosa pós-tratamento endodôntico, além de que, cation and low cost. Conclusion: Although there are few
trata-se de um método de fácil aplicação e baixo custo. studies on the subject, scientific evidences available and
Conclusão: Embora se tenha poucos estudos sobre o reviewed in this article properly support the effect of
tema, as evidências científicas disponíveis e revisadas intracanal cryotherapy in reducing the postoperative
neste artigo embasam com propriedade o efeito da pain of an endodontic intervention. However, new studies
crioterapia intracanal na redução da dor pós-operatória should be placed to investigate possible harmful effects
proveniente de uma intervenção endodôntica. No entanto, and to prepare a predictable and safe protocol.
novos estudos são necessários para averiguar possíveis Keywords: Cryotherapy. Periapical Periodontitis. En-
efeitos deletérios e para a elaboração de um protocolo dodontics.
previsível e seguro.
Palavras-chave: Crioterapia. Periodontite periapical.
Endodontia.
a
Federal University of Santa Maria, Santa Maria, RS, Brazil.
b
Lutheran University of Brasil, Cachoeira do Sul, RS, Brazil.
Autor de correspondência: Guilherme Pauletto - E-mail: [email protected]
Data de envio: 28/06/2021 Data de aceite: 10/08/2021
122
Guilherme Pauletto et al.
INTRODUÇÃO
O manejo da dor pós-operatória é essencial na prática endodôntica, pois a mesma pode
se tornar uma experiência desagradável tanto para pacientes quanto para profissionais, sen-
do que tal entidade pode se manifestar de formas variadas, dependendo da condição prévia
do tecido pulpar e dos tecidos perirradiculares1-3. Após a terapia endodôntica, o surgimento
de uma dor pós-operatória de leve intensidade é comum, mesmo quando o endodontista
segue de forma rigorosa todas as etapas do tratamento4. Dessa forma, visando o controle
da sintomatologia dolorosa proveniente da realização do tratamento endodôntico, várias
estratégias foram desenvolvidas para minimizar ou eliminar tal condição, no qual incluí-se
a prescrição de medicamentos, administração de anestesia de longa duração, ajuste oclusal
e o recente método denominado crioterapia intracanal5-8.
A alternativa terapêutica conhecida como crioterapia é uma técnica existente a anos,
a qual tem sido frequentemente aplicada na Medicina para o tratamento da dor e cuidados
pós-operatórios, sendo a mesma caracterizada pela aplicação de frio sobre os tecidos, pro-
porcionando assim, vários benefícios curativos9,10. De modo geral, a aplicação da crioterapia
acarreta na alteração da resposta fisiológica dos tecidos, ocasionado a diminuição do fluxo
sanguíneo local, a inibição de receptores neurais na pele e tecidos subcutâneos e a diminuição
da atividade metabólica10,11. Nesse contexto, a crioterapia possui a capacidade de reduzir a
dor musculoesquelética, o espasmo muscular, a distensão do tecido conjuntivo, o tempo de
condutividade nervosa, a hemorragia, e a inflamação12.
Na Odontologia, a crioterapia tem sido amplamente utilizada na área da Cirurgia e
Traumatologia Bucomaxilofacial, principalmente em casos de extração de terceiros molares,
pois tal método tem se mostrado efetivo na diminuição da dor pós-operatória, do trismo
e do edema facial13-16. Na Endodontia, ainda não há um consenso entre os profissionais da
área a respeito da utilização de tal método auxiliar, uma vez que se têm poucos estudos
disponíveis na literatura para nortear a conduta do profissional frente ao tema. Portanto,
o objetivo desta revisão de literatura é investigar e analisar criticamente o uso da criotera-
pia intracanal durante o tratamento endodôntico, visando através dos achados científicos
disponíveis elaborar argumentos sólidos que justifiquem optar ou não pela realização de tal
protocolo auxiliar durante a intervenção endodôntica.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foi realizada uma busca por artigos relevantes sobre o tema nas bases de dados eletrô-
nicas PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) (bases indexadas na BVS: BBO-Odontologia,
Lilacs e Medline), a partir dos seguintes descritores: “cryotherapy” AND “endodontics”, “cryo-
therapy intracanal”, “cryotherapy” AND “postoperative pain in teeth”, “cryotherapy” AND “apical
periodontitis”, “cryotherapy” AND “randomized clinical trial” AND “dentistry”. O operador booleano
“AND” foi utilizado com a finalidade de obtenção de achados mais restritivos e combinações
mais específicas sobre o tema. As palavras utilizadas para a busca foram identificadas a par-
tir de palavras presentes em artigos que abordavam o assunto e em pesquisas nos termos
cadastrados nos DECS (Descritores em Ciências da Saúde da BVS).
A busca e seleção dos artigos foram efetuadas pelos autores desta revisão, sem restri-
ção de idioma, no mês de junho de 2021. Foram identificados 71 artigos no PubMed e 20 na
BVS, totalizando 91 resultados. Inicialmente, os autores avaliaram os títulos e os resumos
das referências encontradas a partir dos descritores pré-selecionados. Posteriormente, foi
realizada a leitura na íntegra dos artigos que contemplaram os critérios de inclusão. Em
casos em que o título e resumo geraram dúvidas para tomar uma decisão, o artigo também
REVISÃO DE LITERATURA
Os artigos que tiveram como objetivo principal avaliar a influência da crioterapia
intracanal na dor pós-operatória proveniente da terapia endodôntica, e que atenderam os
critérios de seleção desta revisão de literatura, tiveram seus principais achados extraídos, e
sua descrição encontra-se no Quadro 1.
Tipo de dentes
Os seis estudos envolveram um total de 900 dentes. Os dentes mais comumente trata-
dos foram os dentes unirradiculares (n=390)16,19,21. Em um estudo, foi utilizado como amostra
molares superiores ou inferiores (n=100)18. Alguns estudos não relataram os dentes abordados,
sendo um total de 410 dentes não especificados8,21.
Idade
Nos estudos analisados, a idade dos pacientes variou de 18 a 65 anos8,17,18,20,21, sendo que
um estudo não informou a idade dos indivíduos19.
Critérios de inclusão
A maioria dos estudos incluiu dentes diagnosticados com pulpite irreversível8,17,18,20.
Um estudo envolveu dentes vitais sem histórico de sintomatologia dolorosa21, e outro estudo
envolveu dentes diagnosticados com necrose pulpar19. Outros critérios de inclusão citados
foram: dentes restauráveis/com estrutura coronal suficiente17,20, dentes passíveis de isolamento
absoluto17, dentes passíveis da realização de tratamento endodôntico em sessão única8,17,21,
dentes com ausência de doença periodontal17, dentes com os tecidos periapicais em condi-
ções normais8, dentes com níveis de dor considerados intensos na escala visual analógica
(EVA)18,19, dentes que não possuíam nenhum tratamento endodôntico prévio20, pacientes com
saúde bucal aceitável17, pacientes saudáveis17,18,20,21, pacientes que não fazem o uso crônico de
medicamentos17,20 e pacientes que não estejam atualmente grávidas17.
Critérios de exclusão
Na maioria dos estudos foi utilizado como critério de exclusão dentes com rizogenêse
incompleta e reabsorção radicular8,17,19-21. Também foi amplamente utilizado como fator de
exclusão a presença de dentes com patologia periapical17,18,20,21 e pacientes que fazem o uso
crônico de medicamentos ou estejam usando algum medicamento atualmente8,18,19,21. Outros
critérios de exclusão citados foram: incisivos anteriores inferiores e dentes com o diâmetro
apical inicial maior que o diâmetro de uma lima #1517, dentes com presença de fístula18, den-
tes com canais radiculares com curvaturas acentuadas19,21, dentes com doença periodontal
grave com bolsas periodontais > 3 mm18, dentes com presença de calcificação20, dentes com
raízes excessivamente curvas ou longas18, dentes com histórico de dor preexistente21, dentes
que já possuíam um tratamento endodôntico prévio18,19,21, mulheres grávidas8,19,20, pacientes
alérgicos a articaína8, pacientes portadores de doença sistêmica18, pacientes que se recusa-
ram a participar do estudo8, pacientes em que se teve algum acidente durante a realização
do tratamento endodôntico18-21, aqueles pacientes que desistiram de participar do estudo ou
que sua ficha de controle foi preenchida inadequadamente19 e pacientes com histórico de
dores duradouras20.
Protocolo experimental
O tratamento endodôntico foi realizado em sessão única na maioria dos estudos8,17,20,21.
No estudo de Vera et al.19 foi necessária duas sessões para a conclusão do tratamento e
Gundogdu e Arslan18 não especificaram em seu estudo em quantas sessões o tratamento foi
finalizado. Quanto ao protocolo experimental, a metodologia inicial foi similar em todos os
estudos, partindo-se inicialmente da anestesia da região de interesse, isolamento absoluto
e acesso ao sistema de canais radiculares. Após o acesso completo foi realizada a explora-
ção e odontometria, e os canais foram preparados8,17-21. Com relação à utilização da solução
irrigadora, houve uma grande variabilidade entre os estudos. Keskin et al.8, Al-Nahlawi et
al.17, Vera et al.19 e Alharthi et al.21 utilizaram como solução irrigante hipoclorito de sódio
(NaOCl) na concentração de 5,25%, ao passo que Gundogdu e Arslan18 e Vieyra e Guardado20
utilizaram como solução irrigante NaOCl na concentração de 2,5%. Quanto a quantidade da
solução irrigadora, Al-Nahlawi et al.17 utilizaram 5ml de NaOCl a cada troca de lima, Gundog-
du e Arslan18 utilizaram 2ml de NaOCl a cada troca de lima e Vera et al.19 utilizaram 3 ml de
NaOCl a cada troca de lima. Keskin et al.8 utilizaram NaOCl a uma taxa de 3 ml por minuto,
sem mencionar a quantidade total utilizada, e Vieyra e Guardado20 e Alharthi et al.21 não
especificaram seu protocolo de irrigação durante o preparo químico-mecânico. Quanto ao
protocolo de irrigação após modelagem, Keskin et al.8 utilizaram 5 ml de solução de ácido
etilenodiamino tetra-acético (EDTA) a 17% agitada por 1 minuto e lavagem final com NaOCl
sem mencionar a quantidade do mesmo; Gundogdu e Arslan18 utilizaram 5 ml de solução de
EDTA a 5% por 1 minuto e lavagem final com 5 ml de NaOCl; Vera et al. 19 utilizaram solução
de EDTA a 17% por 1 minuto sem mencionar a quantidade e lavagem final com 3 ml de NaOCl;
Vieyra e Guardado20 utilizaram 3 mL de NaOCl ativado por ultrassom; Já Al-Nahlawi et al.17 e
Alharthi et al.21 não utilizaram um protocolo final de irrigação.
Tempo de acompanhamento
Em todos os estudos foi avaliada a dor pós-operatória pós terapia endodôntica através
de uma EVA. Nenhum dos estudos incluídos apresentou o mesmo protocolo de acompanha-
mento, sendo que somente o tempo de 24 horas após a conclusão da terapia foi similar em
todos os estudos8,17-21. O tempo mínimo de acompanhamento foi de 6 horas17,19,21 e o tempo
máximo foi de 7 dias17,18. O tempo de 12 horas foi utilizado por Al-Nahlawi et al.17, 48 horas por
Keskin et al.8, Al-Nahlawi et al.17, Vieyra e Guardado20 e Alharthi et al.21, 72 horas por Gundogdu
e Arslan18, Vera et al. 19 e Vieyra e Guardado20, e 5 dias por Gundogdu e Arslan18.
RESULTADOS
De acordo com os estudos de Keskin et al.8 e Vera et al.19, onde em ambos se utilizou
no grupo controle como solução irrigadora soro fisiológico à temperatura ambiente e no
grupo experimental soro fisiológico à temperatura de 2,5°C, no caso onde empregou-se a
crioterapia intracanal (grupo experimental), o nível de dor pós-operatória relatada foi sig-
nificativamente menor do que o grupo controle. Conforme Keskin et al.8, no período de 24
horas de acompanhamento, no grupo crioterapia, 85,88% dos pacientes não apresentaram dor
no pós-operatório, 12,94% dos pacientes relataram dor leve e 1,18% dos pacientes relataram
dor moderada, ao passo que no grupo controle, 68,23% dos pacientes não apresentaram dor
no pós-operatório, 24,71% dos pacientes relataram dor leve e 7,06% dos pacientes relataram
dor moderada. Nas 48 horas de seguimento, os escores de dor tiveram uma redução signifi-
cativa, sendo que apenas um paciente do grupo crioterapia (1,17%) e dois pacientes do grupo
controle (2,35%) relataram dor leve. Corroborando com os resultados de Keskin et al.8, Vera
et al.19 observaram que em seu grupo controle, 5 pacientes não tiverem dor pós-operatória, 30
tiveram dor leve, 43 tiveram dor moderada e 15 tiveram dor intensa, ao passo que, no grupo
onde a crioterapia intracanal foi utilizada, 31 pacientes não tiverem dor pós-operatória, 49
tiveram dor leve, 11 tiveram dor moderada e 2 tiveram dor intensa.
Nos estudos de Al-Nahlawi et al.17 e Alharthi et al.21, no grupo controle não foi aplicada
nenhuma irrigação final adicional. Al-Nahlawi et al.17 utilizaram em um grupo experimental
soro fisiológico à temperatura ambiente e no outro grupo soro fisiológico à temperatura de 2
a 4°C, ao passo que, Alharthi et al.21 utilizaram em um grupo experimental soro fisiológico à
temperatura ambiente e no outro grupo soro fisiológico à temperatura de 1,5 a 2,5°C. Quanto
aos resultados, no estudou de Al-Nahlawi et al.17 observou-se que no grupo em que foi reali-
zada a crioterapia intracanal não houve dor entre os diferentes períodos de monitoramento.
Em contrapartida, no estudo de Alharthi et al.21 os resultados mostraram que não houve
diferença significativa quando se utilizou soro fisiológico à temperatura ambiente ou soro
fisiológico à temperatura de 1,5 a 2,5°C, embora, quando o último foi utilizado, registrou-se
uma menor dor pós-operatória.
No estudo de Vieyra e Guardado20 foi utilizado no grupo controle uma irrigação final
com soro fisiológico à temperatura ambiente e em um grupo experimental irrigação com
soro fisiológico à temperatura de 2,5°C e no outro grupo irrigação com soro fisiológico à
temperatura de 6°C. Quantos aos resultados, não houve diferença estatisticamente relevante
entre o grupo controle e o grupo em que se utilizou soro fisiológico à temperatura de 6°C
em comparação com o grupo em que se utilizou soro fisiológico à temperatura de 2,5°C, no
entanto, este último grupo apresentou uma menor taxa de dor pós-operatória que os demais.
Segundo Gundogdu e Arslan18, os resultados de seu estudo demonstraram diferença
estatisticamente relevante quando a crioterapia é utilizada, proporcionando uma redução
da dor pós-operatória. Já quando se compara a crioterapia intracanal com a crioterapia in-
traoral e crioterapia extraoral, não há diferença significativa entre os grupos, sendo assim,
todas as opções são consideradas ótimas possibilidades terapêuticas.
DISCUSSÃO
A crioterapia é uma terapia alternativa com a capacidade de reduzir a atividade enzi-
mática, ocasionar uma vasoconstrição local, acarretar um efeito analgésico através da com-
binação de uma diminuição na liberação de mediadores químicos da dor e uma propagação
mais lenta dos sinais neurais, além de, reduzir o metabolismo em mais de 50%, fato este,
que permite uma melhor difusão de oxigênio nos tecidos lesionados, favorecendo assim, a
reparação tecidual22. Quando o frio é aplicado, ocorre um resfriamento na superfície que
entra em contato, e o mesmo vai progredindo para as camadas mais profundas, causando
alterações que acarretam na diminuição da reação inflamatória, no edema e na dor23-25. Em-
bora os benefícios do uso da crioterapia serem de conhecimento da comunidade cientifica, o
emprego da mesma no protocolo endodôntico deve ser criteriosamente avaliado, devendo-se
incorporar tal método auxiliar se o mesmo apresentar potencial para elevar a previsibilidade
do tratamento endodôntico21.
Vera et al.26, realizaram um estudo in vitro com o objetivo de validar uma nova me-
todologia para reduzir e manter a temperatura externa da superfície radicular por meio da
utilização de soro fisiológico à temperatura de 2,5°C como agente irrigante final na terapia
endodôntica. Os resultados demonstraram que o uso do soro fisiológico à 2,5ºC como solução
irrigadora final durante 5 minutos tem a capacidade de reduzir a temperatura da superfície
externa radicular em mais de 10ºC, com potencial de manutenção desta temperatura por 4
minutos. Nesse contexto, conclui-se que a metodologia testada apresentou benefícios em
potencial para serem aplicados na terapia endodôntica, surgindo dessa forma, o conceito de
crioterapia intracanal.
Considerando-se os resultados dos seis estudos incluídos nesta revisão de literatura,
nota-se que quatro ensaios clínicos randomizados obtiveram resultados positivos com di-
ferença estatisticamente relevante (p< 0,05) para o uso da crioterapia intracanal na redução
da dor pós-operatória pós realização da terapia endodôntica8,17-19. Somente nos estudos de
Vieyra e Guardado20 e Alharthi et al.21 não houve diferença estatisticamente relevante para
o uso da crioterapia (p> 0,05). No entanto, em ambos estudos, no grupo em que foi utilizado
como solução irrigadora soro fisiológico à temperatura de 1,5 a 2,5°C, observou-se uma menor
taxa de dor pós-operatória em comparação com os demais grupos.
Dessa forma, a partir dos resultados obtidos nos estudos analisados, a crioterapia
intracanal parece ser uma alternativa viável e benéfica com potencial de reduzir a dor pós-
-operatória pós-tratamento endodôntico8,17-21. Entretanto, deve haver uma padronização do
protocolo para a incorporação deste método alternativo na prática clínica do endodontista.
Fatores como a temperatura da solução de soro fisiológico, o tempo de irrigação e a quan-
tidade total da solução devem ser uniformizados8. Na comparação dos estudos, observou-se
que a temperatura da solução de soro fisiológico mais empregada foi a de 2,5°C8,18-20, o tempo
de irrigação mais utilizado foi o de 5 minutos8,17-19,21, e a quantidade da solução mais utilizada
foi a de 20 ml17-19, sendo estes, dados que podem auxiliar no desenvolvimento de um protocolo
efetivo para a aplicação consciente da crioterapia intracanal por parte do profissional. Além
do mais, o uso concomitante do soro fisiológico a 2,5°C, utilizando-se 20 ml por 5 minutos
de irrigação já foi o protocolo experimental utilizado por Gundogdu e Arslan18 e Vera et al.19,
no qual o mesmo se mostrou efetivo e seguro na proposta de reduzir a dor pós-operatória.
Destaca-se que a crioterapia intracanal apresentou nos estudos revisados, a mes-
ma eficácia tanto em casos de vitalidade pulpar, quanto em casos de necrose da polpa8,17-21.
Logo, mesmo na presença de um processo inflamatório nos tecidos periapicais, a mesma
se mostrou efetiva19.
Cabe ressaltar ainda, que a crioterapia apresenta raros efeitos colaterais. Uma exposi-
ção por longa duração a temperaturas muito baixas pode levar a hipóxia, trombose e necrose
isquêmica dos tecidos em contato27,28. No entanto, a crioterapia intracanal não acarreta em
nenhum efeito adverso, uma vez que o calor intracanal aquece o soro fisiológico frio, impe-
dindo a manutenção de temperaturas muito reduzidas por muito tempo, o que dificilmente
reduziria a temperatura o suficiente para causar efeitos negativos, como a necrose isquêmica
e a trombose, descritas nas lesões musculares provocadas por congelamento29, além de que,
a irrigação com soro fisiológico frio é realizada durante apenas 5 minutos, representando
um curto tempo de aplicação8,17-21.
Gupta et al.30, em sua revisão sistemática com metanálise destaca o papel da crioterapia
intracanal na redução da dor pós-endodôntica, indicando que a mesma pode ser incluída
facilmente como uma etapa adicional e implementada como parte do protocolo de trata-
mento, sendo uma opção viável e que resulta em conforto aos pacientes. Já Sadaf et al.31 e
Monteiro et al.32, em seus estudos do tipo revisão sistemática com metanálise, ressaltam que
falta a elaboração de parâmetros bem definidos e um maior controle das variáveis para o uso
seguro da crioterapia intracanal na prática clínica, sugerindo dessa forma, novos estudos
laboratoriais e clínicos futuros para recomendações definitivas.
Além de ter a capacidade de diminuir o desconforto pós-tratamento endodôntico,
a crioterapia tem sido associada na área da Endodontia, com a redução de microrganismos
no sistema de canais radiculares, como por exemplo, na eliminação do Enterococcus faecalis,
devido seu poder antimicrobiano33, e com o aumento da taxa de sucesso no bloqueio do nervo
alveolar inferior em pacientes com pulpite irreversível sintomática10.
CONCLUSÃO
Embora se tenha poucos estudos sobre o tema, as evidências cientificas disponíveis
e revisadas neste artigo apresentam um padrão metodológico consistente, pois tratam-se
de ensaios clínicos randomizados, os quais tem como característica a obtenção de resul-
tados fidedignos, devido à randomização das amostras, e controle de possíveis variantes.
Dessa forma, tem-se achados científicos sólidos que embasem com propriedade o efeito da
crioterapia intracanal na redução da dor pós-operatória proveniente de uma intervenção
endodôntica. Entretanto, faz-se necessário mais estudos com o objetivo de avaliar a resposta
biológica das estruturas dentárias que entram em contato com a baixa temperatura, para
averiguar possíveis efeitos deletérios, e estudos com foco no estabelecimento de parâmetros
bem definidos para nortearem um protocolo previsível e seguro para o emprego definitivo
da crioterapia intracanal.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
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