formação inicial de professores
formação inicial de professores
formação inicial de professores
pesquisa da formação inicial – e tem nos exigido cada vez mais trabalhar com as dimensões
epistemológicas, políticas, técnicas e culturais em movimentos de interação constante entre
o curso/universidade e a escola, contextualizados no mundo da vida e do trabalho. Os dados
que temos coletado em nossas pesquisas revelam que há uma espécie de limbo onde está o
ensino de 5ª à 8ª série e, no ensino médio, essa discussão da formação inicial de
professores é um território ainda bastante inexplorado.
A inserção da prática de ensino, prática como componente curricular desde o
início do curso e o estágio curricular supervisionado desde a metade desse curso,
presentes na legislação que trata da organização curricular nos cursos de graduação, aqui
circunscritos aos cursos de licenciatura – formação inicial de professores, encaminhou-
nos para uma reflexão mais contextualizada no cenário das políticas públicas.
O discurso oficial evidencia a presença de um discurso que é marcado por uma
linguagem que define padrões, que re-semantiza significados (JANELA AFONSO:
2002), mas que se esvazia em si mesma, sem questionar o conhecimento, categoria
fundante, a ser produzido e trabalhado na formação de professores, como em uma teia de
relações histórico-culturais, políticas, epistemológicas, pedagógicas e éticas.
Quando não discutimos nessa teia de relações, para que e para quem são estes
conhecimentos, eles facilmente se transformam em um bem de utilidade imediata, de
ascensão social, de mercadoria, e são renominados em vários sentidos: competências,
habilidades, valores, interação com o meio, acúmulo de informações, sociedade do
conhecimento, perfil profissional, perfil profissiográfico, produto final, solidariedade,
cidadania.
Essas palavras e expressões que aparecem no discurso oficial estão presentes nos
projetos políticos pedagógicos dos cursos como indicadores de inovação, de inserção na
realidade, de conhecimento interdisciplinar, dentre outros e que vêm nos alertando para
que tenhamos um cuidado com a discussão do estágio e suas implicações pedagógicas de
identidade da profissionalidade, as quais não se constituem em um constructo arbitrário.
Implicações decorrentes de uma concepção de mundo, de educação e de currículo, que
mediados pelo trabalho com o conhecimento, como categoria fundante das relações
pedagógicas, humanas e sócio-culturais, possibilitam o ato educativo na organização
curricular.
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O estágio está assim conectado à formação do professor de ensino de, que tem na
discussão mais ampla da própria idéia de professor suas finalidades ético-culturais e cidadãs,
que precisam nos inquietar mais para produzir sentidos1 que permitam uma compreensão e
uma intervenção possível nos processos formativos, processos estes impregnados das
ideologias e dos valores do campo científico e do campo profissional, nem sempre
percebidos, mas revelados nos atos e nas escolhas que fazemos.
Então, pensar em estágio é falar em projeto de curso, em formação específica e
formação pedagógica, é tocar no calcanhar de Aquiles dos processos educativos: teoria e
prática; conteúdo e forma; modos de produção do conhecimento: conhecimento novo e
conhecimento existente (FREIRE e SHOR: 1987), que incidem sobre a prática como
componente curricular, desde o início do curso.
As práticas vividas revelam concepções de conhecimento, de aprendizagem e de
sociedade, que se situam em um paradigma dominante (SOUSA SANTOS: 1987) que
privilegiam dicotomias, tais como:
• sujeito e objeto;
• teoria e prática;
• mente e matéria;
• conteúdo e forma;
• alma e corpo.
Dicotomias que são separações e, também, antagonismos, em que o conhecimento é
coisificado e isolado do processo de construção pessoal. Esse paradigma que se funda em
uma única racionalidade, a cognitiva instrumental, desqualifica todas as outras formas de
conhecer e de compreender o conhecimento e o mundo da vida e do trabalho, trazendo uma
supervalorização da teoria sobre a prática; uma redução da ciência a uma única lógica; uma
perda das visões globais e integradoras dos campos científicos.
Essa relação da teoria e da prática apresenta-se como um problema ainda não
resolvido em nossa tradição filosófica, epistemológica e pedagógica. A teoria vista na ótica
da marca cognitiva instrumental traz como representação a idéia de que a teoria se comprova
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O termo sentido, neste texto, está fundado na idéia de Marilena Chauí: “O mundo suscita sentidos e palavras,
as significações levam a criação de novas expressões lingüísticas, a linguagem cria novos sentidos e interpreta
o mundo de maneiras novas”. (CHAUÍ: 1998, p. 149).
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na prática, condicionando uma visão de que a teoria antecede à prática e, que esta, aplica
soluções trazidas pela teoria em movimentos de padrões universais, descontextualizados,
com modelos que reduzem a complexidade do mundo da vida e do trabalho.
Esta visão polarizada da teoria e da prática não dá conta da complexidade do mundo
da vida e do trabalho e da compreensão da instância epistêmica, onde se produzem as
teorias, que são recortes de realidade desse mundo, em uma relação intermutável de tempo e
de espaço e, produzida nas condições e possibilidades dos processos histórico-culturais de
cada tempo e de cada espaço, ou melhor, dizendo de cada espaço-tempo.
Nesse sentido há uma emergência de uma postura tensionada entre elas, entendendo
que a teoria dialeticamente está imbricada com a prática. Senão, a teoria tende a se tornar
um acúmulo de informações sem uma sistematização que lhe fundamente as evidências
colhidas numa prática refletida que tensione e recrie a teoria.
Essa relação dialetizada nas contradições e imprevisibilidades que a realidade
complexa, mutante e ambivalente possibilita, faz com que na prática a teoria seja outra, para
então se mudar a teoria e se transformar a prática. São dimensões indissociáveis do ato de
conhecer.
A cisão entre sujeito e objeto, que tem nos coisificado, se reproduz na cisão teoria
e prática, como se fora possível construir uma teoria sem que ela tenha passado pelo
filtro da prática refletida em seu locus sócio-cultural, e de uma prática sem reflexão, sem
ter um cerne teórico, embora não explicitado.
O risco de uma teoria geral sem embate com a prática e, esta reduzida a uma ação
repetida sem questionamentos, não só dicotomizam o ato de conhecer, como alienam os
sujeitos de seus objetos de estudo para compreensões mais elaboradas e transformadoras
em suas realidades.
Nessa perspectiva, a prática fica reduzida à execução de tarefas, ou a uma ação sem
reflexão que deva buscar a teoria para ser questionada, recriada ou contestada. A prática
tende a ser vista como uma experiência reducionista, sendo esta experiência, uma vivência
pontual, sem ex-por-se (LARROSA: 2002), sem sair para fora de si, sem produzir um
sentido para o vivido, sem recriá-lo, sem confrontá-lo com o mundo lá fora e com nosso
próprio mundo interior.
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Pesquisa interinstitucional A Licenciatura e a Resolução CNE/CP 2 de 19 de Fevereiro de 2002 –
possibilidades e limites – reconfigurações de Projetos Pedagógicos. Pesquisa em parceria realizada no período
de 2003 a 2006, com produções apresentadas em eventos nacionais e internacionais.
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Aqui compreendido como “saber é poder manusear, poder compreender, poder dispor. O saber está
vinculado ao mundo prático, o qual não é somente condição de possibilidade para qualquer enunciado, mas
também o lugar efetivo onde a enunciação pode ser produzida. Portanto, a investigação do saber como
epistêmico remete ao prático, pois o saber revela-se em instância que vincula o homem ao mundo.”
(BOMBASSARO: 1992; p.21). Nessa direção, fazemos aproximações teóricas com Tardif para compreender a
configuração e a produção dos saberes do professor em sua formação e do professor em formação.
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especificidade epistemológica de cada curso de licenciatura? Para quem e para que estamos
formando professores? De que formação estamos falando? Ou estamos esvaziando o
conhecimento, em seus meios de produção histórica e cultural, em sua recriação pedagógica
desses meios de produção? Ou desconsiderando o conteúdo ético, interrogante fundamental
para responder aos porquês e para quê produzimos sentidos para o conhecimento novo ou
para conhecer o conhecimento existente (FREIRE e SHOR: 1987)? Estamos mudando a
lógica que presidia a organização curricular na formação de professores? Qual a
compreensão de estágio que habita o projeto de curso e a nossa própria concepção como
professoras de Didática?
Enfim, interrogantes que precisam entrar em nosso cotidiano como pilares fundantes
de nossa interação e intervenção nas licenciaturas com as quais trabalhamos, considerando
os limites feudais em que nos encarceramos em disciplinas e departamentos, tanto da dita
formação específica, quanto da dita formação pedagógica.
Como se fora possível uma forma sem conteúdo e um conteúdo sem forma, tanto na
visão de uma formação específica (que especificidade?) que julga prescindir da formação
pedagógica (não será esta também uma outra especificidade?) , quanto na visão de formação
pedagógica que se isola em redutos de procedimentos de ensinar e de aprender sem voltar ao
objeto epistêmico de cada curso e à possibilidade de diálogo para discutir o curso como uma
totalidade em movimento, como se os meios de produção do conhecimento fossem
independentes dos modos de produção do conhecimento no espaço-tempo de sua produção e
da recriação pedagógica em cada contexto de ensinar e aprender.
Ou ainda, a idéia de que a teoria está na formação específica, enquanto a prática está
situada na formação pedagógica, em termos de ensinar e aprender, como se fora possível
um como ensinar, sem saber como aprender e um aprender, sem compreender o modo de
produção do conhecimento específico, que é a própria reconstrução pedagógica do
conhecimento em seus meios de produção desse conhecimento, historicamente
contextualizado. É uma tarefa hercúlea, pois não temos a tradição do debate e do embate no
campo das idéias, da reflexão coletiva, da visão de conhecimento mais ampliada e
aprofundada da História da Ciência, do processo histórico-cultural da vida humana.
De modo geral, não trazemos em nossa formação uma antropologia reflexiva que nos
questione sobre as finalidades da ciência e da existência para uma compreensão filosófica da
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Aqui compreendida no sentido construído por Fernandes (1999): como a ocupação, circulação e apropriação dos vários
territórios na materialidade das relações humanas e pedagógicas produzidas no mundo da vida e do trabalho.
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que essas diferenças sejam uma categoria de conteúdo ético e, não apenas por
diferenças de papéis sociais e culturais.
Na rápida mirada no recorte feito dos quadros de análise dos dados coletados da
pesquisa, foi possível identificar nas falas dos interlocutores, que há uma certa dificuldade
de compreender o trabalho como mediação tanto no plano intelectual, quanto no plano
profissional. E este fato, demandou a idéia de que o estágio é uma experiência interessante e
necessária para o estudante, mas não tende a ser um território do campo profissional em
fronteiras abertas com as outras disciplinas e atividades do curso, ficando desterritorializado
do projeto de curso.
Apoiamo-nos em Santos (1996, p.262) para usar a expressão desterritorialização
como um estranhamento e, de aproximá-la nessa reflexão à idéia do sentido que separa o
centro da ação e a sede da ação (idem, p. 272), a sede do estágio: um lugar com outros
lugares – as várias territorialidades isoladas do que seria o lugar da identidade nucleada – o
Curso.
Entretanto, como nem a História, nem as instituições são lineares, os espaços de
contradição são produzidos e se produzem no movimento das relações de produção da
VIDA, o que tem permitido rupturas e continuidades, como foi constatado em nossa
pesquisa, encontrando ressonância na afirmação de Cunha (2006) sobre essa formação:
Formação de professores como um campo de construção/contradição (p.66).
O estágio está sendo pensado em alguns cursos, por um grupo de professores para ser
discutido e assumido no Colegiado de Curso, a partir da leitura de realidade do mundo da
vida e do trabalho e das condições concretas do cotidiano, carregado de sobrecarga de
trabalho e de muitas dúvidas, ansiedades e inseguranças, mas sendo pensado para além de um
projeto de curso cartorial, envolvendo professores da formação específica e da formação
pedagógica. Poucos? Muito, muito poucos, mas que estão se ocupando, se apropriando e
disseminando essa discussão em suas instituições, em busca de uma territorialidade do
estágio na licenciatura com suas tensões e conflitos.
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