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Resumo:
A revolução de 1917 inspirou revolucionários em diversas partes do mundo. Os ecos
de Outubro também se fizeram ouvir quando o centro da luta consistia em derrubar o
colonialismo europeu em solo africano ou a segregação racial estadunidense. No entanto,
aqui no Brasil, apesar do surgimento de um Partido Comunista logo nos primeiros anos da
vitória bolchevique, a questão racial não foi percebida como uma componente para as lutas
contra a exploração capitalista.
Palavras-chave: Revolução de Outubro; desigualdade racial; comunismo; movimento negro.
1
Ver Broué (2007), em especial o Tomo I.
2
O movimento pan-africanista teve sua origem nas lutas dos africanos na diáspora, contra a
escravatura e o colonialismo; e contra o racismo praticado aos africanos. Embora pan-africanismo
e pan-africano tenham sido utilizadas no final do século XIX, tal movimento remete às práticas
bem anteriores contra a escravidão e a opressão, em benefício de organizações pela abolição da
escravatura e pela propagação da união entre africanos espalhados no mundo. Dentre as principais
referências do movimento pan-africano, destacamos: Edward W. Blynden (1832-1912), W.E.B. Du
Bois (1868-1963), Marcus Garvey (1887-1940), George Padmore (1903-1959), Kwame Nkrumah
(1909-1972), Aimé Césaire (1913-2008). A este respeito, ver Boahen (2010) e Mazrui; Wondji (2011).
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particularidade do desenvolvimento do capitalismo nos Estados Unidos conso-
lidou organizações que impulsionaram as lutas, como por exemplo, a presença
de escritore(a)s, produções literárias para a conscientização de negro(a)s. Esta
particularidade também impulsionou, de forma peculiar, uma política racista
norte-americana, sobretudo com a lei de segregação e a criação dos guetos, o
que, por sua vez, tornou possível, com muita luta, a criação de universidades,
sindicados, agremiações, inclusive de cariz religiosa, para responder à realidade
do(a)s afro-americano(a)s.
São emblemáticas as formas de organização do(a)s negro(a)s em solo
estadunidense. Destacam-se Frederick Douglas (1818-1895), com a luta pela
abolição da escravatura, e W.E.B. du Bois, responsável por criar, em 1906, “o
Movimento do Niágra, juntamente com oito intelectuais negros” (Fabre, 1977:
182). Du Bois almejava tanto a recuperação do vigor e da agressividade para
o protesto negro, como a retomada da campanha pela igualdade civil (Fabre,
1977). Por sua vez, Marcus Garvey, será outro representante na luta contra a
opressão do(a)s negro(a)s norte-americano(a)s na busca do “orgulho negro”,
despertando interesse de milhões de negro(a)s americano(a)s pela África depois
da Primeira Guerra Mundial” (Ralston, 2010: 876). Garvey, em 1914, quando
retorna à Jamaica, cria a Universal Negro Improvent and Conservation Association and
African Communities League, conhecida por UNIA, com o propósito de promover
a emigração de negro(a)s para a África (Raslton, 2010).
Dentre as instituições consolidadas pelos afro-americanos, está a Liga
Urbana, de 1910. Financiada pelos industriais do Norte, tinha o objetivo de
assegurar a igualdade no mercado de trabalho e a “qualificação” profissional de
trabalhadore(a)s negro(a)s. Segundo Fabre, o Brotherhood of Sleeping (Irman-
dade do Sono) foi o primeiro sindicato negro criado, em 1925, por A. Philip
Randolph, com a finalidade de combater a discriminação no emprego, sobretudo
nas fábricas de armamento (Fabre, 1977: 183). A militância inicial de A. Philip
Randolph foi tão importante na luta contra a opressão, que ele chegou a ser
chamado de “Lenin do Harlem”, devido à sua orientação leninista.
Os intentos acima demonstram que havia uma tentativa de estabelecer uma
união entre os negros norte-americanos a fim de tornar mais potentes as lutas
travadas contra o racismo, a discriminação e a desigualdade. Foram muitas as
organizações com esta perspectiva, tais como a Frente Unida dos Negros, criada
em 1936; o Negro American Labor Council, de 1960, que visava combater a dis-
criminação nos sindicatos (Fabre, 1977). Somente em 1942 foi criado o CORE
(Congresso Nacional pela Igualdade Racial), com a participação de intelectuais
e segmento da classe média negra, responsáveis pela propagação, em 1967, do
3
A Igreja teve papel importante na militância do(a)s negro(a)s, como por exemplo a Southern
Christian Leadership Conference que, após o boicote aos transportes públicos realizado em
Montgomery em 1957, ajudou a divulgar as ideias de Martin Luther King. Mais tarde, vêm as
contribuições de Malcolm X e a formação dos Panteras Negras na luta contra a discriminação,
o racismo e a desigualdade étnico-racial. A respeito destes movimentos, consultar Fabre (1977).
4
O mesmo A. Philip Randolph, o “Lenin do Harlem”, com o passar do tempo se tornou um
“burocrata” da AFL – Federação Americana do Trabalho. Entidade que tinha uma política de
alinhamento com a direita e fechava acordos com o setor patronal. O “Lenin do Harlem” foi
responsável pelo cancelamento da Marcha sobre Washington, em 1941. Sua atuação em favor da
direita, o transformou num conservador anticomunista. Ver Sustar (2012).
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Isto mudaria após as orientações de Lenin. Houve uma aproximação dos
comunistas com Briggs levando à possibilidade de uma organização de esquerda
com vistas a combater o racismo, ao mesmo tempo em que se fortaleceria a luta
de classes. Contribuiu para esta mudança o acúmulo de lutas travadas pelos afro-
-americanos, sobretudo desencadeadas em Chicago e em Nova York, particular-
mente no Harlem5, bairro de onde surgiram inúmeros militantes do movimento
socialista negro. A partir destas lutas, a Internacional Comunista passou a ver a
questão negra numa perspectiva pan-africana, ou seja, “se os Africanos tinham
que enfrentar problemas comuns, estavam implicados numa luta comum, como
se os seus destinos estivessem de certa forma ligados. O Comintern conservou
esta abordagem, com algumas reservas, até ao seu VII congresso, em 1935” (Adi,
2017).
5
Mesmo bairro que recepcionou Fidel Castro em 1960, na ocasião de sua ida à Assembleia Geral
da ONU. Neste evento, Harlem foi considerado capital dos trabalhadores do mundo (Mealy, 1995).
6
Sobre o movimento pan-africanista na África, consultar Harris e Zeghidour (2011).
7
É o caso, em Angola, de Agostinho Neto (1922-1979); em Gana, de Kawame Nkrumah (1909-1972);
em Moçambique, de Samora Machel (1933-1986); na África do Sul, de Stive Biko (1946-1977); na
República Democrática do Congo, de Patrice Lumunba (1925-1961); no Burkina Faso, de Thomas
Sankara (1949-1987); na Martinica, de Frantz Fanon (1925-1961); e, no Senegal, de Cheikh Anta
Diop (1923-1986) e Léopold Sédar Senghor (1906-2001).
8
Adotamos os argumentos políticos e linguísticos de Pierre Broué (2007): Comintern é acrônimo
da Internacional Comunista, assim mesmo no gênero feminino.
9
Sobre a forte influência de Lenin, ver o artigo de Felipe Paiva (2017) nesta edição de Lutas Sociais,
vol. 21, n. 38.
10
Os africanos tiveram também apoio da China e do Vietnã, por exemplo, receberam “técnicas de
guerrilha, contribuindo para a conquista da independência de alguns Estados, como o Zimbábue”
(Thiam; Mulira, 2011: 976).
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endimento do capital, isto é, das forças imperialistas para aniquilar as revoluções,
como foi o caso em Angola. Se a URSS e Cuba apoiaram os revolucionários
angolanos, em especial o Movimento Pela Libertação de Angola (MPLA), os Es-
tados Unidos sustentaram a contrarrevolução encabeçada pelas Frente Nacional
de Libertação de Angola (FNLA) e União Nacional para a Independência Total
de Angola (UNITA). Este financiamento expressivo contribuiu para a derrota da
revolução socialista no continente africano. Os sucessivos golpes de Estado afas-
taram as lideranças socialistas africanas. Foram assassinados Patrice Lumumba, à
época ministro do primeiro governo do então Zaire; Amilcar Cabral e Eduardo
Mondlane, que lutaram pela libertação de Guiné-Bissau e Moçambique. Kwame
Nkrumah, presidente de Gana, e Milton Obote, primeiro ministro de Uganda,
foram debelados. Os antigos colonizadores mantiveram seu controle sobre os
países que empreenderam a luta de libertação. Com a capa informal da igualdade
jurídica e “fora” do continente africano, a burguesia externa – que passou a fi-
nanciar a burguesia interna – conservou o seu domínio sobre os africanos, tanto
no âmbito científico e cultural como no militar e econômico. Os “colonizados
de ontem se tornaram os subdesenvolvidos de hoje. Da categoria de selvagens
e de primitivos a serem civilizados, eles ganharam, depois da independência, as
condições de subdesenvolvidos a serem desenvolvidos” (Serrano e Munanga,
1995: 71).
Apesar das derrotas, estas lutas pela independência foram importantes.
Demonstraram que o capital receia movimentos que colocam em cheque sua
forma de intercambio. É exatamente aí que reside a vitória da luta dos povos
africanos. As querelas impulsionadas pelos movimentos negros africanos coloca-
ram na ordem do dia o horizonte da superação do capital e demonstraram que é
possível transformar a sociedade, embora, seja difícil e árduo. A história de luta e
resistência dos africanos revolucionários, inspirados no ideário da Revolução de
Outubro, nos convida a aprender que é possível resistir e, mais ainda, nos lança
o desafio de (re)pensar outras e novas formas de lutar.
11
A este respeito, consultar o trabalho pioneiro de Clóvis Moura, Rebeliões da senzala: quilombos,
ressurreições, guerrilhas (2014), cuja primeira edição data de 1959; e Quintão (2002).
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de campanhas do ainda inexpressivo proletariado brasileiro no final do século
XIX, que comprou alforrias, criou escola noturna gratuita para os libertos, par-
ticipou das campanhas abolicionistas (Moniz-Bandeira et alii, 1967). Todavia, a
participação operária na luta pela abolição não se traduziu em uma inserção dos
trabalhadore(a)s negro(a)s, agora libertos, no proletariado em formação. Sob o
capitalismo “velhos estereótipos foram revitalizados e surgiram outros novos que
identificavam o ‘liberto’ como ‘negro’ e ‘negro’ como ‘vagabundo’” (Fernandes,
1978: 81). A indústria capitalista foi “um agressivo e grandioso misturador de
pessoas”, ao mesmo tempo em que foi “agente de discriminação racial e étnica,
além de gerador de doutrinas e estereótipos raciais” (Ianni, 1978: 123). A mão-
-de-obra negra passou a ser desqualificada e foi facilmente substituída pela do
branco europeu, eleito pela classe dominante como tipo ideal representativo da
superioridade étnica. Na outra ponta, um tipo negativo e inferior foi atribuído
à população negra (Moura, 1988). Uma postura que coincidia com as teorias
raciais do determinismo biológico propagadas no século XIX. Schwarcz (1994),
ao analisar os discursos dos homens de ciência do final daquele século e do início
do seguinte, evidencia o quanto os argumentos científicos foram fundamentais
para justificar as hierarquias sociais consolidadas e defender a supremacia racial.
Do ponto de vista ideológico, “o negro e outras camadas não-brancas não foram,
assim, incorporados a esse proletariado incipiente, mas foram compor a grande
franja de marginalizados exigida pelo modelo do capitalismo dependente que
substituiu o escravismo” (Moura, 1988: 65).
A questão racial não foi percebida desta forma pelos dirigentes comunistas.
Conquistada a abolição, o(a)s ex-escravizado(a)s foram deixado(a)s à própria
sorte. Pairava o sentimento de dever cumprido. Talvez isto tenha contribuído
para as interpretações que os comunistas fizeram da questão racial, mesmo
muito tempo depois. Em O ano Vermelho, por exemplo, lê-se logo nas primeiras
páginas o reconhecimento da luta dos escravizados “a cuja participação se deveu,
é verdade, a vitória da abolição, o maior movimento de massas do Brasil”. No
entanto, a mesma frase é precedida de uma observação acerca do caráter demo-
crático da República que havia traduzido “a ascensão conjunta, no plano social,
do pequeno-burguês, do proletário e do homem de cor” (Moniz-Bandeira, 1967:
10). Os camaradas comunistas acreditaram que no Brasil havia uma democracia
racial.
Leôncio Basbaum, por exemplo, descreve como os negros, agora “cidadãos
livres”, foram jogados “à rua, sem terra, sem qualquer espécie de instrução, sem
profissão e sem teto e, o que é mais importante, sem meios e possibilidades ou
possibilidades de adquirir o mínimo para a sua alimentação” (1976: 179). No
entanto, o historiador atribui aos “cidadãos livres” uma sensível influência em
vários setores da sociedade, como é caso do aumento da miscigenação, que, aliás,
12
O autor parece considerar mulheres apenas as brancas.
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os prejuízos da cor e, pour cause, não se politiza, não participa das organizações
operárias. Nenhuma palavra acerca da discussão racial ou da falta dela no interior
do jovem Partido Comunista do Brasil, que nasce bastante alinhado às propostas
inovadoras de Moscou.
Ora desde 1919, com a retomada da III Internacional havia um esforço
muito grande, em especial por parte de Lenin, de debater a questão racial e de
por fim à opressão das minorias. Debate, aliás, que remonta ao final do século
XIX, quando vários marxistas perceberam “que o imperialismo subjugava cul-
turas diferentes sob o pretexto de inferioridade racial, mas com o objetivo na
realidade de tirar destes povos proveito econômico” (Chadarevian, 2007: 81).
Se para estes, o problema racial se resolveria eliminando as contradições de
classe, desde 1914 Lenin avança ao fazer a distinção entre dependência política
e dependência econômica, o que o levou a considerar que a opressão às minorias
não se resolveria simplesmente por decreto.
No I Congresso da Internacional Comunista esta questão volta à tona. É
destacada por Lenin “a falsa promessa de igualdade racial, religiosa e sexual das
democracias burguesas” (Chadarevian, 2007: 83). Como vimos, às vésperas da
Revolução de Outubro, o líder revolucionário estava às voltas com o capitalismo
estadunidense. É inútil, escreve Lenin,
discorrer sobre a situação degradante à qual eles [os negros] estão submetidos:
neste aspecto, a burguesia americana não é melhor que a de outros países. Após
ter “libertado” os negros, ela se esforçou, tomando por base o capitalismo “livre”
e republicano-democrático, por fazer o possível e o impossível para oprimir os
negros da maneira mais vil e escandalosa (Lenin, 1980: 18).
13
A este respeito, consultar dentre outros, Moura (1989). A FNB recebia convites de filiação de
ideologias à esquerda e à direita e argumentava manter-se neutra. Jamais foi um bloco monolítico
ou livre de dissensões: “nela militavam negros monarquistas, fascistas, socialistas e comunistas,
por meio de facções organizadas ou não” (Domingues, 2005: 283). A chegada de Vargas muda o
curso frentenegrino. Assunto para outro artigo.
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contra o racismo começava finalmente a tocar por estas bandas, mas com notas
e acordes ainda muito dissonantes...
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Introdução
Intelectual orgânico da classe trabalhadora, Clóvis Moura (1925-2003), de
maneira insistente, mergulhou nos estudos sobre a realidade brasileira, produziu
teoricamente com o objetivo de alicerçar os movimentos sociais. Nascido em
1925 no Estado de Piauí, oriundo de família de classe média-baixa, se colocou
ao lado do oprimido e empreendeu seus esforços teórico-práticos na crença da
superação da ordem vigente. Filho de pai branco e mãe negra, adotou um posi-
cionamento político no âmbito identitário e afirmava ser negro.
1
A este respeito, ver Guimarães (2002), especialmente o capítulo “Democracia racial: o ideal, o
pacto e o mito”.
2
Para os interessados em conhecer Césare, sugerimos uma das suas principais obras: Discurso sobre
o colonialismo, disponível no sitio: http://antropologiadeoutraforma.files.wordpress.com/2013/04/
aime-cesaire-discurso-sobre-o-colonialismo.pdf . No Brasil um dos pioneiros do movimento
“negritude” foi Abdias do Nascimento (1914-2011), criador do Teatro Experimental do Negro no
ano de 1944 e autor de uma série de obras, dentre as quais destacamos: O genocídio do negro
brasileiro (1978); O Quilombismo (1980) e O negro revoltado (1982).
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Essa forma de conceber as relações entre senhores e escravizados é repu-
diada por Moura. Os africanos no Brasil durante o período escravagista, observa
Moura, combateram rebelaram-se contra escravismo. Ao contrário da argumen-
tação do autor de Sobrados e Mucambos, as mulheres negras eram estupradas pelos
senhores de engenho. O ideário de “democracia racial” é, portanto, uma nova
versão de relações de poder e opressão no contexto do trabalho assalariado. As
duas racionalizações, a do bom senhor e a da democracia racial, foram, segundo Clóvis
Moura, “habilmente arquitetadas para apresentar o senhor como bom, motivo
pelo qual a escravidão no Brasil teria características suaves.” (Moura, 1977: 74).
O autor, em seu livro sociologia do negro brasileiro (1988), aprofunda
sua crítica à “democracia racial”. Ao analisar os processos de esvaziamento das
organizações de resistências do negro no Brasil, especialmente as religiões de
matrizes africanas, afirma que as classes dominantes adotaram o termo em questão
para perdurar seus privilégios e a discriminação racial, assegurando o domínio
da religião dominante sobre a dominada, diluindo “as religiões afro-brasileiras,
incorporadas subalternamente ao nível de um catolicismo popular, sem maior
expressão teológica” (Moura, 1988: 55).
No Brasil, o “mito da democracia racial” é um mecanismo ideológico
para preservar a divisão em classes, encobrindo a existência de desigualdades
étnico-raciais expressas através de uma unidade orgânica da sociedade brasileira
“civilizada, branca, cristã e capitalista”. Nas palavras de Moura (1988: 55): “Na so-
ciedade de capitalismo dependente que se estabeleceu no Brasil, após a Abolição,
necessitou-se de uma filosofia que desse cobertura ideológica a uma situação de
antagonismo permanente, mascarando-a como uma situação não competitiva”.
Este quadro efetivou uma estrutura de Estado para garantir a dominação dos
oprimidos, e criou uma democracia estreita, parte constitutiva da particularidade
e objetivação do capitalismo brasileiro eficiente para manter os oprimidos em
espaços delineados pela classe dominante, neutralizando suas organizações nos
níveis político, cultural e ideológico. Num país em que a classe trabalhadora
constitui-se na sua maioria de descendentes de africanos escravizados, a criação
do “mito da democracia racial” desarticula suas crenças, suas religiões e desor-
ganiza também os próprios africanos no Brasil, transformando-os em simples
manifestações de laboratório (Moura, 1988).
O “mito da democracia racial” se consolidou e funciona para combater a
classe trabalhadora, majoritariamente negra. O fantasma do protesto negro faz te-
mer a classe burguesa que, para não correr riscos, lança mão da mitologia do bom
senhor e de todos os simbolismos atrelados a ela. Já não há mais a necessidade
de uma classe senhorial, pois a dominação burguesa se empenhou em transferir
este mito para a democracia dos dias atuais (Moura, 1988: 56). É esta mesma
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responsável pelo contato entre os quilombolas da região de Santos. Em suma, o
Estado de São Paulo foi palco de inúmeras organizações negras que, a partir da
urbanização do centro da capital paulista, no final do século XIX, passaram por
um processo de segregação espacial, sendo a Irmandade do Rosário transferida
para o atual Largo do Paissandu. As manifestações da cultura negra, como a
capoeira, a feitiçaria, o curandeirismo etc., com a introdução do Código Penal de
1893 foram consideradas práticas criminais, isto é, se tornaram caso de polícia.
Da mesma maneira, a Macumba, que era responsável por congregar a dança,
a religiosidade, a coletividade etc., como uma forma de o africano manter seu
caráter identitário, foi desagregada. Esta desagregação, segundo Clóvis Moura,
transformou a Umbanda no espaço de organização religiosa dos negros.
A esse potencial de organização religiosa do negro urbano paulista liga-se a ansie-
dade de uma população marginalizada, vinda em grande parte do campo para a
metrópole, sem polos de apoio capazes de ajustá-la aos padrões dessa sociedade.
(Moura, 1980: 163).
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uma síntese na qual os dominados também transmitiriam parte de seus padrões à
dominadora que os incorporaria à sua estrutura cultural básica. (Moura, 1988: 45).
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Ao tematizar conceitos de aculturação e culturalismo, Moura enfrenta a
sugestão de Arthur Ramos, que almejava explicar a dominação colonial por meio
da psicanálise; e a perspectiva do antropólogo Gerard Kubik, que sugeriu a subs-
tituição dos conceitos de aculturação e cultura por transculturação. Para o autor de
Sociologia do negro brasileiro, tais divagações não explicam a empresa do capital
como uma forma política, ideológica e violenta de dominação e subordinação
da classe trabalhadora. Não é através de terapia junto às elites que será sanada
a dominação de classe. A ausência de historicidade, o repúdio à “dialética do
concreto” por parte dos culturalistas e o subjetivismo do método psicanalítico
aplicado “para explicar processos sociais globais, levam certos cientistas sociais
a se perderem em critérios analógicos de explicação e interpretação que não se
sustentam cientificamente” (Moura, 1988: 52).
Por fim, é preciso mencionar que combater a ideologia do culturalismo e da
aculturação, não significa propor a “supervalorização” da produção cultural do
negro. Em seu trabalho Brasil: as raízes do protesto negro (1983), nosso autor foi um
crítico da exaltação da cultura e a identidade negra, encabeçada por Léopold Sédar
Sanghor, um dos principais expoentes do movimento negritude no continente
africano, e, no Brasil, por Abdias do Nascimento. Para Clóvis Moura, o racismo
e todas as formas de dominação e de preconceitos estão ligados à propriedade
privada, fruto da divisão social do trabalho. O modo de produção capitalista não
pode ser superado através da aculturação ou por meio do culturalismo, visto que
esses conceitos não substituem a luta de classes.
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não somente os estudantes comprometidos com os oprimidos, mas também os
seguimentos que se colocam na esquerda e que acreditam no fim do racismo e
na superação do capital.
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Abstract
The genesis of racism, its specific features, conceptual boundaries,
and position within capitalist relations of production have been widely
discussed. Although there is no consensus as to what came first, and
neither as to what prevails in the complex and relational dynamics of
social reproduction, there is a general agreement that racism is a multi-
dimensional phenomenon that combines group discrimination and hier-
archization, guided by naturalized assumptions and supposedly inherent
differences. This study examines the historical features of several racist
theories to provide a more accurate view of the reflexive determina-
tions between capitalism and racism.
Keywords
Capitalism, racism, slavery, labor, Marx
1
PhD in Human and Social Sciences, Federal University of ABC, and Researcher at the
Centre for Peripheral Studies, Federal University of São Paulo, East Zone campus, Brazil.
2
Postgraduate Program in Social Work and Social Policies, Federal University of São
Paulo, São Paulo, Brazil.
Corresponding author:
Weber Lopes Góes, E-mail: [email protected]
2 Agrarian South: Journal of Political Economy
Introduction
The genesis of racism, its specific features, conceptual boundaries,
and position within capitalist relations of production have been widely
discussed. Although there is no consensus as to what came first, and
neither as to what prevails in the complex and relational dynamics
of social reproduction, there is a general agreement that racism is
a multidimensional phenomenon that combines discrimination and
hierarchization between groups of human beings, based on naturalized
assumptions and supposedly inherent differences. In this study, we
examine the historical features of certain racist theories to provide a more
accurate view of the reflexive determinations, in the terms provided by
Marx (1904), between capitalism and racism.
The question that matters is: what is the place of the concept of race in
its genesis and, above all, what is its function in the capitalist context of
class struggle? We argue that, although racism is historically linked to
slavery, and even though slave labor preceded modernity, it is under
capitalism that slavery became intimately intertwined with racism to
become a fundamental tool for the rise and reproduction of capital. Thus,
racism continued to evolve as a political ideology of domination in line
with the phases of development of capitalism until the current monopolistic
phase marked by eugenics.
Indeed, between 1450 and 1500, Portugal imported an estimated 700 to 900
African slaves annually. By the beginning of the seventeenth century there
were an estimated 100,000 slaves in Portugal and its Madeiras Islands. In
1468, the Portuguese Crown initiated the famous asiento (monopoly), over
the trade in slaves south of the Senegal River.
characterize the dawn of the era of capitalist production. These idyllic pro-
ceedings are the chief moments of primitive accumulation.
From that point on, the lucrative trade—amplified by the large human-
trafficking companies and the appropriation of precious metals in Africa,
Asia, and America (Inikori, 1992; Marx, 1976; Williams, 1944)—was
responsible for the capture of “10 to 15 million African slaves in the
course of the next five centuries, and it was in the New World that African
slavery most flourished under European rule” (Klein, 1987, p. 21). The
development of the capitalist mode of production was only possible,
among other factors, because of the transatlantic slave trade, generalized
racial slavery, and the indigenous genocide, indispensable to the task of
violent provision of the lands appropriated by the extractive Sesmarias
(Da Silva, 2019). “The colonial system,” Marx affirmed (1976, p. 918):
That said, we aim to demonstrate the role of racism within this emerging
sociability in the colonies and its relation to the concrete totality of
capitalist relations of production emerging in Europe precisely as a
direct result of colonial violence.
In practice, slaves are not used as objects or animals... In all tasks, even in
porterage, and if only to a limited extent, there is appeal to the reason of the
slave, and one’s utility and productivity grows in proportion to the use of
one’s intelligence. (Meillassoux apud Pétré-Grenouilleau, 2009, p. 45)
[l]abour was not always wage-labour, i.e., free labour. The slave did not sell
his labour-power to the slave-owner, any more than the ox sells his labour to
the farmer. The slave, together with his labour-power, was sold to his owner
once for all. He is a commodity that can pass from the hand of one owner to
that of another. He himself is a commodity, but his labour-power is not his
commodity.
[i]n slave labour, even the part of the working day in which the slave is only
replacing the value of his own means of subsistence, in which he therefore
actually works for himself alone, appears as labour for his master. All his
labour appears as unpaid labour. In wage-labour, on the contrary, even sur-
plus labour, or unpaid labour, appears as paid.
knowledge production and political projects, later providing the basis for
the social rupture that resulted in the French Revolution, in 1789.
It turns out that this same social class (the bourgeoisie) that played a
leading role in this important milestone, which founded modern democracy
and had as a premise the idea of liberty and equality as universal natural
facts of the human condition, is the same class that kept growing richer
through colonial violence in Africa and the Americas. Racial difference
stood, once again, as a paradox: if all human beings are naturally and
equally free, on what is slavery founded? Either not all human beings are
free—which might have sounded contradictory to a pro-democratic
political agenda that needed to affirm equality and freedom to confront the
hereditary differentialism of the aristocracies—or, perhaps, Africans and
native peoples of the Americas are not human, and thus the paradox was
resolved, preserving the political agenda in question.
It was in this context that philosophers started to classify peoples as
black, white, yellow and red, and pari passu tried to hierarchize and
overrate the “white race,” whose history of humanity began and ended
on the European continent; thereafter, philosophical arguments would
give sustenance to the colonial project and strengthen the ideology of
racism. As a result, the differences between social groups were conceived
through a hierarchical bias, according to which white people would be at
the top, attributing the status of “animality” to black people (Azevedo,
2004; Santos, 2007). Moreover, the concept of race came to be used in
order to confirm the existence of “different” human races, culminating in
bourgeois hegemony.
Therefore, as the legitimate ideological child of paradoxical capitalist
slavery, liberalism came to act in an undeclared relationship with its
Siamese twin, racism. During the heyday of the Industrial Revolution
and its need to expand commerce and boost markets, liberal ideas were
conceived as humanistic, while this same humanism found its economic
basis in slavery, which required, in turn, that Africans and Native
Americans be regarded as belonging to “savage races” in a “minor”
position that could be enslaved or civilized.
Not coincidentally, it was in the Netherlands—“which first brought the
colonial system to its full development,” the country that in 1648 “already
stood at the zenith of its commercial greatness,” with nearly exclusive
control of the trade in the East Indies and between the southeast and
northwest of Europe (Marx, 1976, p. 1918)—that the humanist, jurist, and
diplomat Hugo Grotius (1583–1645) formulated his considerations on life
and property. For Grotius, the basis of natural law was private property,
and the state was an expression of that contract. Grotius, who is also
Góes and Faustino 9
When the accumulation stage was complete, the slavery system that gave
life to it became obsolete and incompatible with free labor. Therefore,
12 Agrarian South: Journal of Political Economy
industrial capital came to interfere in, blend, and even destroy those
forms of social organization and relations of production that did not meet
its needs, the techniques, values, and ideologies that no longer fit, in any
way, with its “rhythm and meaning,” forcing the abolition of slave labor
(Ianni, 1988, p. 34). Such antinomies between enslaved and free labor,
industrial and mercantile capital, the abolition of slavery and the interests
of the central bourgeoisies and even local ones (as in the case of the United
States) were identified by Engels (1987, p. 98), especially when the various
“humanitarian” struggles erupted for the abolition of slavery:
The contradiction pointed out by Engels shows that the process of primitive
accumulation represented a twin birth, because, while the establishment of
slave labor in the colonies was taking place, European proletarian labor was
developing. On the threshold of capitalism constitution, one could see that
“the veiled slavery of the wage labourers in Europe needed the unqualified
slavery of the New World as its pedestal” (Marx, 1976, p. 925). Once
that stage was completed, but above all, driven by new requirements of
accumulation in an unprecedented scenario of fusion between banking and
industrial capital, and especially, upon the emergence of large monopolies
and conglomerates eager for privileged access to raw materials and
consumer markets, capital not only needed to ensure its production and
reproduction within Europe, but also to penetrate the territories it first used
as places to capture human beings. A new perspective emerged: the need
to penetrate territories, not only to continue to drain raw materials, but also
to sell commodities, create spaces so that production could be consumed,
which was the reason why slavery was abolished.
This was the moment in which the European bourgeoisie, now
consolidated as the sole and unequivocal ruling class in the order of
capital, felt at ease giving up the universalist and progressive aspirations
it had hitherto defended to confront the retrograde forces of the old
regime. Perhaps it is more accurate to say that the bourgeoisie felt
cornered by one of the rebellious offspring of the Enlightenment and the
French Revolution, who now demanded that that which until now had
been implemented only in a formal way be actually put into practice:
equality, freedom, and, above all, the power to transform social reality,
seeking new horizons once gained towards the revolutionary supersession
Góes and Faustino 13
‘Proud of its extraction’ and attached to the ‘idea of nobility’, the victor and
conqueror took care not to disappear in the ‘crowd’… Gobineau described
14 Agrarian South: Journal of Political Economy
with satisfaction the violence vented on those who violated the banning of
miscegenation and on their offspring, the Chandala…
Gobineau affirmed white superiority over yellow and black people. From
his point of view, white people could be identified by their intelligence,
capacity for reflection, and love of freedom. He further proclaimed the
superiority of pure Aryans over other white peoples (Lemos, 2000) and
their monopoly on beauty and strength (Munanga, 2004). It is thus that
the Aryan was conceived as a superior race, with the inferior races being
only useful as slaves, animated machines, or beasts in the service of the
superior races (Lukács, 1959). Gobineau sought to justify inequality
between races by affirming that the “primitive populations of Asia
Minor” were unable to be incorporated into civilization, being left only
with the condition of human debris; the Aryan victor was a loophole
he found to justify the return to the feudal past, and, for this reason,
he identified aristocrats with the Germanic people and assigned to the
latter the role of conquerors and superiors, thus aiming to re-establish
the social hierarchies.
Gobineau, the diplomat, occupied a privileged position as an activist
thinker who developed the theory of racism after a long journey whereby
he disseminated a new idea in the racial field to large circles of opinion,
composed by a range of decadent intellectuals. His essay was written and
published in a reactionary period, that is, during the years of Napoleon
III. His work must be regarded as the first modern racist theory to have
historical-social repercussions (Lukács, 1959). In this manner, Gobineau’s
statements were assimilated by the reactionary bourgeoisie, not only to
fight the insurrections of the European working class, but also to legiti-
mize the stage at which capitalism had entered, that of imperialism,
which paved the way to a new colonialism that resulted in the partition
of the African continent after the Congress of Berlin (1884–1885), which
divided the “motherland” in order to expand capital. The racial theories
created by Gobineau strengthened the ideology of racism and subsidized
the creation of new disciplines of knowledge, such as Social Darwinism
and eugenics (Góes, 2018).
With respect to Social Darwinism, the concept was created by Herbert
Spencer (1820–1909), an engineer, journalist, and one of the founders of
political philosophy and sociology. By assimilating Darwin’s theory of
selection, Spencer defended the thesis that within society there existed
the rule of the survival of the fittest. According to Spencer, society is an
organism and it evolves as an organism, meaning that adaptation would
be the rule for survival within a competitive society, whose less adaptable
Góes and Faustino 15
Conclusion
In this article, we have seen that the expansion of the capitalist mode of
production took place, in the first instance, the interior of the European
continent, due to the ramifications of the modern era. Based on this
exposition, we verified that capitalism had as its mechanism, the use of
violence, invasions, and plunder to enable the social organization that
began in the fifteenth century. Therefore, to guarantee its production
and reproduction, the capitalist mode of production had to drag in and
corral other forms of social organization, penetrating other localities
like a whirlwind, subordinating peoples from the four corners of the
world. In Europe, it destroyed the feudal-vassal relations, undermined
the rural-based social relations, and subjugated rural workers in the
cities, transforming them into a proletariat to be exploited. Elsewhere,
capital was disseminated through colonization and the subordination of
the original peoples and Africans. Having as a goal a class validation
project, the ideology of racism was forged in the threshold of capitalism,
based on theological and philosophical arguments.
20 Agrarian South: Journal of Political Economy
Funding
The authors received no financial support for the research, authorship, and/or
publication of this article.
ORCID iD
Deivison M. Faustino https://orcid.org/0000-0002-3454-7966
Notes
1. All these were exogenously given names to those people who, in the first
instance, used other denominations to refer to themselves (Goelet, 1999).
2. Africans of different ethnicities and other Muslim people, especially Turks
and Arabs. However, over the centuries, Europeans who converted to Islam
also came to be called Moors by Christians or Muldi by the Moors (Cuesta,
2005).
3. According to Devisse and Labib (1984, p. 646): From the tenth to the twelfth
century, African gold contributed above all to the excellence of the Fatimid,
“Umayyad, Almoravid, Almohad, and Hafsid coinages. Gold continued
to flow towards North Africa, with a few fluctuations about which too lit-
tle is known, until the end of the fifteenth century… It still provided the
rulers, who controlled its circulation with varying degrees of success, not
only with the raw material for minting coins, but also with political prestige
and a degree of luxury at their courts which the Arabwriters describe. But
new developments gradually modified the position to the advantage of the
Europeans”.
Góes and Faustino 21
4. For more on this matter, see Marx (1976), in the section on “so-called primi-
tive accumulation,” especially the “bloody legislation” against expropriated
peasants, a measure that led to the consolidation of wage labor.
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Priven, S. I. W. (2013). MBE: Medicina baseada em…Eugenia? Origem da
Góes and Faustino 23
80
Abstract: In this article, we examine the determinations that emerged from the movements
of a socialist nature in the United States of America after the October Revolution of
1917. We intend to present roughly the forms of organization and the perspectives of
social movements, trade unions and parties, namely: the fight against racism, racial
discrimination and overcoming the order of capital. Finally, we present the strategies
developed by the dominant American classes to overthrow the social movements in that
country.
Keywords: Black movement; Fight against racism; October Revolution.
1
Doutorando em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC e professor do colegiado de
Serviço Social da Faculdade de Mauá-SP, Brasil. E-mail: [email protected]
Agradeço à Renata Gonçalves pela leitura atenta e pelas sugestões incorporadas ao texto.
Introdução
(1980), onde o pensador e ativista russo denuncia a situação dos afro-americanos naquele
continente.
Ao apreciar o estágio do capitalismo estadunidense, Lenin pôde apreender a
natureza do desenvolvimento das forças produtivas e do patamar em que o modo de
produção capitalista se encontrava nos Estados Unidos considerando as diferenças entre o
Norte e o Sul e, principalmente, a condição dos afro-americanos. Nos Estados Unidos se
propagava, desde o seu nascedouro, a ideia de uma democracia consolidada, responsável
pela garantia de igualdade, sem distinção de “raça”, cujos cidadãos poderiam usufruir de
liberdade e oportunidade. Todavia, o pensador russo, quando se debruçou sobre a situação
dos descendentes de africanos escravizados naquele país, percebeu que os atributos
ideológicos elaborados pelas classes dominantes do Norte da América não condiziam
com a realidade. Lenin denunciou a opressão da burguesia sobre os afro-americanos,
em especial no momento em que dedicou sua atenção à situação econômica. Quando
comparou o percentual de negros e brancos naquela região, expôs o número de afro-
americanos que, embora menor em relação aos brancos2, são quem mais sofrem com a
dominação e opressão. O autor descortinou a situação em que os negros se encontravam,
desde as condições materiais, passando pela violência, desigualdades, degradação e
82
pauperismo, o que, aliás, considerou semelhante aos camponeses russos. Nas palavras de
Lenin:
É inútil discorrer sobre a situação degradante à qual eles estão submetidos:
neste aspecto, a burguesia americana não é melhor que a de outros países.
Após haver “libertado” os negros, ela se esforçou, com base de capitalismo
“livre” e republicano-democrático, por estabelecer tudo que fosse possível
para ser restabelecido, por fazer o possível e o impossível para oprimir os
negros da maneira mais descarada e vil. Para caracterizar o seu nível cultural,
basta mencionar um pequeno fato estatístico; (...) A semelhança da situação
dos negros na América e dos camponeses ex-servos de latifundiários na Rússia
agrícola do centro é verdadeiramente surpreendente. (1980, p. 17-18).
2
“Até o presente, o número de negros, que não ultrapassa 0,7% a 2,2% da população das regiões Norte
e Oeste, representa no Sul 22,6 a 33,7% do total da população. A proporção de negros é de 10,7% para o
conjunto dos Estados Unidos”. (LENIN, 1980, p. 17).
e o líder revolucionário afirma que esta não passa de uma “forma abstrata e formal”
que compõe a natureza da democracia burguesa. Para Lenin, a burguesia, ao pulverizar
o ideário de igualdade jurídica entre proprietários e os proletários, é uma forma de
enganar “grosseiramente as classes oprimidas”. Ao argumentar que os indivíduos são
“absolutamente iguais”, a burguesia “está transformando a ideia de igualdade, que é em
si um reflexo das relações de produção de mercadorias, numa arma na sua luta contra
a abolição das classes” (LENIN, 1974, p. 171). A igualdade substantiva entre os seres
humanos, portanto, só poderia ser efetivada por meio da superação do capital, pela
eliminação das classes sociais.
Lenin apostava na agitação e propaganda, tanto no interior como fora do parlamento
e sugere que os partidos comunistas deveriam expor e denunciar as constantes violações
e desigualdades propaladas pelas nações em relação aos direitos das minorias nacionais,
práticas existentes em todos os países capitalistas, embora travestidas de “democráticas”.
Esta argumentação – item 9 da Tese – preconiza a necessidade de explicar constantemente
que somente o poder Soviético seria capaz de assegurar a igualdade entre as nações, por
meio da união entre os proletários contra a burguesia. Logo,
...todos os partidos comunistas devem prestar ajuda direta aos movimentos
revolucionários das nações dependentes e desfavorecidas (por exemplo, a 83
Irlanda, os negros Americanos etc.) e nas colónias. Sem esta última condição,
que é particularmente importante, a luta contra a opressão de nações dependentes
e colónias, bem como o reconhecimento do seu direito de secessão, são apenas
uma frase falsa, como é evidenciado pelos partidos da Segunda Internacional.
(LENIN, 1974, p. 171).
Assim, “por 250 anos”, os africanos “foram tratados como gado humano”,
subordinados à violência do “feitor americano”. O trabalho escravizado “limpou as
florestas, construiu estradas, cultivou algodão, construiu ferrovias nas quais repousa
a riqueza da aristocracia do sul dos EUA”. Estes aspectos, abordados no documento,
se acoplam aos resultados da violência da escravidão: “o analfabetismo, a pobreza e a
degradação”. No documento, em especial no item 2, consta a denúncia da utilização dos
negros na guerra civil norte-americana:
A guerra civil, que não era uma guerra para a emancipação dos negros, mas
uma guerra para a preservação da hegemonia industrial do Norte, confrontou os
negros com uma escolha entre o trabalho forçado no Sul e a escravidão salarial
no Norte O sangue, suor e lágrimas dos “emancipados” negros ajudaram
construir o capitalismo Americano, e quando o país, que agora se tornou uma
potência mundial, foi inevitavelmente puxado para a Segunda Guerra Mundial,
os negros Americanos ganharam a sua igualdade de direito com os para matar
e para morrer pela “democracia” (COMITERN, 2000, s/p).
Outro aspecto relevante que precisa ser salientado tem a ver com a contraposição à 84
iii) A Internacional Comunista vai fazer todo o possível para forçar os sindi-
catos a admitirem trabalhadores negros onde a admissão é legal, e vai insistir
numa campanha especial para alcançar este fim. Se esta não tiver êxito, irá
organizar os negros nos seus próprios sindicatos e então fazer uso especial da
táctica da frente única para forçar os sindicatos gerais a admiti-los.
socialistas
3
Para maior apreciação dos documentos referente à “questão negra”, conferir em: http://ciml.250x.com/
archive/comintern/portuguese/4_congress_comintern_30_november_1922_negro_question_portuguese.
html
4
O pan-africanismo é um movimento que tem a sua origem nas lutas dos africanos na diáspora, isto é,
contra a escravatura, o colonialismo; contra o racismo praticado aos africanos. Embora a palavra pan-
africanismo e pan-africano tenha sido utilizadas no final do século XIX, já havia a prática de tal movimento
desde as práticas contra a escravidão e opressão, as práticas de organizações pela abolição da escravatura
e, principalmente pela propagação da união entre os africanos espalhados no mundo. Consultar: Boahen
(2010) e Mazrui; Wondji (2011).
5
Em relação à atuação das mulheres nos partidos e sindicatos nos EUA, conferir em Angela Davis
(2016).
6
Irmandade do Sono.
7
Embora a Brotherhood of Sleeping tenha como protagonista A. Philip Randolph, que no início da sua
militância teve importante atuação contra a opressão, chegando a ser chamado de “Lenin do Harlem”, devi-
do a sua orientação leninista. Com o tempo, ele se tornou um “burocrata” da AFL – Federação Americana
do Trabalho. Tal entidade tinha uma política de alinhamento com a direita e fechava acordos com o setor
patronal. O “Lenin do Harlem” foi responsável pelo cancelamento da Marcha sobre Washington, em 1941.
Sua atuação em favor da direita, o transformou em anticomunista e conservador.
A este respeito, consultar: https://translate.googleusercontent.com/translate_c?depth=1&hl=p-
t-BR&prev=search&rurl=translate.google.com.br&sl=en&sp=nmt4&u=https://socialistworker.
org/2012/08/10/from-harlem-to-the-afl&usg=ALkJrhh9UIyFSdAGZPtfNDON6zuYfbZHYQ .
8
Referente a Brotherhood of the African Blood cf. https://translate.googleusercontent.com/translate_c?-
depth=1&hl=pt-BR&prev=search&rurl=translate.google.com.br&sl=en&sp=nmt4&u=https://socialis-
tworker.org/2012/06/01/african-blood-brotherhood&usg=ALkJrhh4shU0j2vacbKVKdJUURMIdpx-QA .
9
Os dias de “distúrbios da raça” envolveram mais de 25 grandes cidades. Morreram, em média, 500 negros.
Todavia, os afro-americanos resistiram aos ataques truculentos do estado racista.
a discriminação. Nesse clima, se consolidou uma organização socialista negra, cujo prin-
cipal quadro foi Cyril Briggs, responsável por um jornal em que começa a tematizar a si-
tuação dos negros nos Estados Unidos da América. Até 1920, esta organização não tinha
contato com o Partido Socialista (que em pouco tempo se tornaria o Partido Comunista)
norte-americano, que acreditava que a Irmandade era separatista10. Após as orientações
de Lenin, os socialistas se aproximaram de Briggs possibilitando uma organização de
esquerda, buscando fortalecer o movimento contra o racismo e a classe trabalhadora na
luta pelo socialismo (SUSTAR, 2012).
No seio do movimento socialista, identificamos um forte protagonismo das
mulheres negras estadunidenses. De acordo com Angela Davis (2016), foram inúmeras
mulheres que tiveram um papel importante na luta pela emancipação, não somente das
mulheres, ou das mulheres negras, mas da classe trabalhadora como um todo. Davis elen-
ca uma quantidade expressiva de mulheres socialistas que atuaram no seio do movimento
de esquerda norte-americano. Como, por exemplo, Helen Holman, integrante do Partido
Socialista, que teve um papel decisivo na defesa pela liberdade de Kate Richards O’Hare,
quando estas se encontrava presa; ou Lucy Parsons11 (1853-1942), cuja “trajetória política
abrangeu desde a defesa do anarquismo, na juventude, até a filiação ao Partido Comu-
88
nista”. Para esta, “o racismo e sexismo eram ofuscados pela ampla exploração da classe
trabalhadora pelos capitalistas” (DAVIS, 2016, p. 158-159). Ella Reeve Bloor (1862-
1951) foi outra militante socialista que tinha a capacidade de captar a relação entre raça
e classe. Em 1929, ao participar da convenção organizada pela Defesa Operária Interna-
cional, realizada em Pittsburgh, Pensilvânia, Bloor combateu a discriminação de delega-
dos negros que foram impedidos de entrarem no Hotel (DAVIS, 2016). Responsável em
organizar uma delegação dos Estados Unidos para participar do Congresso Internacional
de Mulheres em Paris, Bloor levou consigo quatro militantes trabalhadoras negras que
tiveram uma participação expressiva no congresso12. Além das mulheres, a Igreja desem-
10
Relação muito semelhante ao dos comunistas no Brasil no mesmo período. A este respeito, ver Góes e
Gonçalves (2017).
11
Em 1877 Parsons publicava seus artigos e poemas no jornal Socialist. Integoru o Sindicato de Trabalha-
doras de Chicago. Seu protagonismo ganhou vulto após participar ativamente na libertação dos ativistas
que foram presos em 1º de maio de 1886, na praça Haymarker. Segundo Angela Davis, “sua reputação fez
dela um alvo muito frequente da repressão. Em Columbos, Ohio, por exemplo, o prefeito proibiu um de
seus discursos previsto no mês de março – e ela se recusou a respeitar o mandato de interdição, o que levou
a polícia a prendê-la” (2016: 158). Davis observa que em cada cidade a que Parsons ia, as portas se fecha-
vam no último minuto e a polícia a mantinha sob constante vigilância.
12
Em virtude do curto espaço, não é possível apresentar as mulheres que tiveram uma ampla participação
penhou papel fundamental na militância dos negros, como foi o caso da Southern Chris-
tian Leadership Conference (SCLC), após o boicote aos transportes públicos realizado
em Montgomery em 1957, que tomou maior capilaridade com a atuação de Martin Luther
King13.
Ressaltamos, portanto, que nos Estados Unidos da América, houve um acúmulo
de lutas, principalmente daquelas que emergiram em Chicago e Nova York, sobretudo
no Harlem, de onde surgiram inúmeros militantes negros do movimento socialista. As
lutas travadas pelos negros norte-americanos contribuíam para que a Comintern passasse
a ver a questão negra numa perspectiva pan-africana, ou seja, “se os Africanos tinham
que enfrentar problemas comuns, estavam implicados numa luta comum, como se os seus
destinos estivessem de certa forma ligados. O Comintern conservou esta abordagem, com
algumas reservas, até ao seu VII congresso, em 1935” (ADI, 2017).
no movimento socialista norte-americano, tal empreitada nos levaria a outro caminho do presente artigo.
Porém, os interessados em mergulhar na temática, podem consultar Angela Davis em Mulheres, raça e
classe, especialmente o capítulo 10 “Mulheres Comunistas”.
13
Outros viriam na sequência: Malcom X e os Panteras Negras.
realização de sabotagem, vigilância eletrônica, sendo uma de suas vítimas Luther King
e outras lideranças políticas. Na mira do FBI estavam o “Comunist Party, o Socialist
Workers Party, Whit Hate Group, a Studants for Democratic Society e o Black Panther,
em sua lista de 2.300 organizações, classificadas como Old Left, New Left e Right Wing.
Partido Comunista”14 (MONIZ-BANDEIRA, 2009, p. 350).
A ofensiva da burguesia norte-americana possibilitou o desmonte das organizações
numa perspectiva de impedir o avanço das lutas sociais, por meio do assassinato de
lideranças, da criminalização de movimentos sociais e partidos políticos. Esta ofensiva
também se traduziu na política de concessão que ganhou corpo com o desmantelamento
dos imperialismos baseados na Europa. A Declaração de Direitos Humanos da ONU e
os estudos da UNESCO desautorizaram o racismo. A burguesia correu para demonstrar
o seu apreço à “democracia”. Os Estados Unidos da América passam a ser o “guardião”
da igualdade e o defensor dos “direitos” civis. Já não havia movimentos de esquerda a
esmagar.
No estudo Capitalismo Monopolista – ensaio sobre a ordem econômica e social
americana, Paul Baran e Paul Sweezy (1978), especialmente no capítulo dedicado às
relações étnico-raciais nos Estados Unidos, evidenciam que o capitalismo monopolista
91
possibilitou a ascensão de uma classe média e uma burguesia negra. No entanto, os
autores demonstram que tais investidas só foram realizadas devido à emigração de negros
do Sul para o Norte dos Estados Unidos, considerando que na parte industrializada desse
país a oferta de empregos era maior devido à presença de indústrias, mesmo havendo
discriminação aos trabalhadores negros. A racionalização da política de imigração e a
Segunda Guerra permitiram, segundo os autores, que houvesse ofertas de empregos para a
população negra, além de sua inserção nos setores públicos. Baran e Sweezy argumentam
que através desse quadro ventilou-se a crença segundo a qual os negros sofreriam
alternância em relação à situação social o que acabaria por eliminar a discriminação e o
preconceito. Porém, os pensadores argumentam que para além do aumento da pobreza,
tais mudanças foram viabilizadas apenas no âmbito individual e para o conjunto dos afro-
americanos, visto que a maioria está confinada nos guetos. Neste contexto, os Estados
Unidos da América passaram a ventilar o ideário de um país democrático ao implementar
14
“Durante a Operation CHAOS, implantada em 1968 e expandida em 1969, a NSA, a CIA e o FBI pu-
seram mais de 300.000 estudantes e outros cidadãos americanos sob vigilância; interceptaram correspon-
dência, investigaram e infiltraram os campi universitários e centenas de organizações dentro dos Estados
Unidos. Por volta de 1976, a CIA e outras agências gastavam mais de US$ 12 bilhões em investigações
oficiais, algumas vezes ilegais e frequentemente sem o controle do governo” (Moniz-Bandeira, 2009: 350).
Conclusão
Bibliografia
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95
2002%20(1).pdf . Acesso em 8 de junho de 2017.
1
Cf. o documento intitulado Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN.
Atualização – Junho 2016. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento
Penitenciário Nacional, 2017.
2
Trata-se do Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de
Segurança Publica (FBSP), sobre o Mapa da Violência recém-publicado.
186 • Lutas Sociais, São Paulo, vol.22 n.40, p.185-190, jan./jun. 2018.
um pensador que, mesmo com as suas questões, subjetivas e objetivas, despendeu
esforços para a superação da ordem vigente.
Ainda no âmbito biográfico (p. 84), ao mesmo tempo em que Fanon é
apresentado de forma “cronológica”, o leitor poderá acompanhar uma gama de
eventos que ele pôde vivenciar, desde a sua participação nas lutas de libertação
na Argélia, que teve o seu início oficialmente nos anos de 1954, ao o I Primeiro
Congresso Internacional de Escritores e Artistas Negros, organizado pela revista Présence
Afriaine, em 1956, além de travar relação com importantes referências que atuaram
em prol da libertação dos países africanos, dos quais destacamos Aimé Cesaire
(1913-2008), Léopold Sédar Senghor (1906-2001), Alioune Diop (1910-1980),
dentre outros.
Na mesma toada, o livro expõe um Frantz Fanon que teve uma carreira
sólida e, em virtude de uma perspectiva que extrapola o seu interesse pessoal,
resolve abandonar o curso de Odontologia, guinando para a Psiquiatria, no qual
assume, em 1953, a direção de um hospital psiquiátrico na cidade de Blida, na
Argélia. Esse período foi significativo, pois o possibilitou compreender os im-
pactos do “colonialismo na estrutura psíquica humana” (Faustino, 2018, p. 66),
se deparando com pacientes franceses e argelinos sob os transtornos mentais
decorrentes da violência.
Ao atuar no hospital psiquiátrico, Fanon extinguiu a segregação racial exis-
tente naquele local, proporcionando o convívio entre árabes, berberes e franceses
na mesma ala, além de assegurar a liberdade dos pacientes para entrar e sair de
acordo com seus anseios e aboliu o uso de camisa de força, medida que passaria
a ser utilizada em casos extremos. Tais reformas fizeram com que Fanon fosse
visto pelos colegas de trabalho de forma pejorativa, enquanto “Doutor Árabe”
(Faustino, 2018, p. 69).
Entretanto, sua prática no hospital psiquiátrico não se restringiu às reformas
acima. Ao travar contato com os membros da Frente de Libertação Nacional
da Argélia (FLN), em 1955, fornecendo materiais às famílias dos militantes que
se encontravam presos, atendendo os combatentes que sofriam de distúrbios
psíquicos, Fanon realizava treinos de primeiros socorros para os integrantes da
FLN e contrabandeava medicamentos para que os combatentes tivessem sucesso
no front. Todas as ações eram efetivadas clandestinamente (Faustino, 2018).
Em Frantz Fanon: um revolucionário particularmente negro, o professor Deivison
Faustino apresenta uma série de assuntos que Fanon enfrentou: o papel do
imperialismo nas colônias africanas e no mundo; o uso da violência encampada
pela burguesia imperialista sobre os países neocolonizados; as tematizações
referentes ao conceito de “homem universal e singular”, como a ideologia do
racismo construiu um “tipo” de ser humano, cujos povos, não-europeus, não
eram considerados membros da “comunidade humana” (Fanon, 2008).
3
Texto de intervenção de Frantz Fanon no 1º Congresso dos Escritores e Artistas Negros em Pais, em
setembro de 1956. Publicado no número especial darevista Présence Africaine, jun-nov. de 1956.
188 • Lutas Sociais, São Paulo, vol.22 n.40, p.185-190, jan./jun. 2018.
No livro de Faustino está contido uma das emergentes mensagens do Fa-
non, conforme indica Sartre (1979, p. 07): “o que Fanon explica a seus irmãos
da África, da Ásia, da América Latina: realizaremos todos em conjunto e por
toda a parte o socialismo revolucionário ou seremos derrotados um a um por
nossos antigos tiranos”. Neste caso, a ânsia do autor de Os condenados da terra
é a conclamação dos oprimidos do mundo para que, de fato, a superação das
desigualdades sociais, da divisão social do trabalho, da apropriação privada da
riqueza social e todas as formas de exploração, pelas quais os subalternizados
são subsumidos sejam fenecidas.
Talvez a resposta à questão que abre o referido livro – Por que Fanon, por
que agora? – possa ser respondida pelo próprio Frantz Fanon, conforme consta
na sua conclusão in Os condenados da terra:
[...] se quisermos que a humanidade avance um furo, se queremos levar a hu-
manidade a um nível diferente daquele onde a Europa a expôs, então temos de
inventar, temos de descobrir. Se queremos corresponder à expectativa de nossos
povos, temos de procurar noutra parte, não na Europa. Mais ainda, se queremos
corresponder à expectativa dos europeus, não devemos devolver-lhes uma ima-
gem, mesmo ideal, de sua sociedade e de seu pensamento, pelos quais eles expe-
rimentam de vez em quando uma imensa náusea. Pela Europa, por nós mesmos e
pela humanidade, camaradas, temos de mudar de procedimento, desenvolver um
pensamento novo, tentar colocar de pé um homem novo (Fanon, 1979, p. 275).
Referências
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
_____________. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
_____________. Racismo e Cultura. In: Defesa da Revolução africana. Lisboa:
Livraria Sá da Costa, 1969.
190 • Lutas Sociais, São Paulo, vol.22 n.40, p.185-190, jan./jun. 2018.