897-Texto do Artigo-2229-1-10-20230722 (1)
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HUM@NÆ
Questões controversas do mundo contemporâneo
n. 17, n. 2
Resumo
Este trabalho tem por objetivo analisar, a partir da perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural, os
possíveis desdobramentos dos usos das mídias sociais nos processos de subjetivações das
mulheres, como também identificar outras possibilidades de usos de tais tecnologias por esses
grupos. A relevância deste estudo surge em um contexto onde há uma carência de publicações no
Brasil sobre o tema, e possibilita novos debates sobre as relações que as mulheres estabelecem com
essas redes, os modos de construção de subjetividades femininas, as diferentes formas de
sofrimento psíquico nas quais as mulheres estão submetidas, e a capacidade de criação de redes de
apoio e ciberativismo nestes ambientes. Este estudo também parte de uma perspectiva
interseccional de gênero, considerando uma pluralidade no conceito “mulheres” e propondo
articulações entre as relações de gênero, classe e raça em sua análise. Tal recorte também se faz
necessário, pois entende-se que a experiência do sofrimento psíquico se manifesta de formas
diferentes entre mulheres e homens. Desta forma, utilizou-se como método de pesquisa a revisão de
literatura, buscando articular o tema estudado com autoras/es como Byung-Chul Han, González Rey,
Naomi Wolf, Pierre Lévy e Valeska Zanello. Portanto, concluímos que as mídias sociais exercem
influências e desdobramentos que marcam as subjetividades femininas de forma antagônica, pois, se
por um lado elas criam novas demandas e problemáticas, elas também oferecem a possibilidade de
transformação de suas vidas através da troca de conhecimentos, da consolidação de redes de apoio
e pela reivindicação de direitos.
Palavras-chave: Mulheres. Subjetividade. Redes Sociais. Sofrimento Psíquico. Redes de Apoio
Abstract
This article analyzes, from the perspective of Historical-Cultural Psychology, the possible
consequences of the use of social media in the subjectivation process of women, as well as to identify
other possibilities for the use of such technologies by these groups. The relevance of this study arises
in a context where there is a lack of publications in Brazil on the subject. Enables new debates about
the relationships that women establish with these networks, the ways in which female subjectivities are
constructed, the different forms of psychic suffering in which women are subjected, and the ability to
create support networks and cyberactivism in these environments. This study also starts from an
intersectional gender perspective, considering a plurality in the concept of “women” and proposing
articulations between gender, class and race relations in its analysis. This perspective is also
necessary, as it is understood that the experience of psychic suffering manifests itself in different ways
between women and men. Thus, the literature review was used as a research method, seeking to
articulate the subject studied with authors such as Byung-Chul Han, González Rey, Naomi Wolf,
Pierre Lévy and Valeska Zanello. Therefore, we conclude that social media exert influences and
developments that mark female subjectivities in an antagonistic way, because, if on the one hand they
create new demands and problems, they also offer the possibility of transforming their lives through
the exchange of knowledge, consolidation of support networks and the demand for rights.
Keywords: Women. Subjectivity. Social Media. Psychic Suffering. Support networks
1
Pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade pela FPB. Graduada em Psicologia pela Faculdade
de Ciências Humanas Esuda (2022). Graduada em Administração pela UFPE (2021). E-mail:
[email protected]
Introdução
mas também como instrumento que permite aos coletivos inteligentes articularem-se
entre si” (LÉVY, 2010, p. 135). Ele também destaca que o ciberespaço não age de
forma autônoma, pois sua utilização depende da atuação humana, e são esses
atores humanos que utilizam suas potencialidades para o bem ou para o mal.
No que diz respeito aos estudos sobre os desdobramentos que essas redes
sociais produzem nas subjetividades dos indivíduos, sobretudo das mulheres, há
uma carência de publicações no Brasil sobre o tema. Sobre subjetividades,
consideramos aqui a compreensão dialética pautada na Psicologia Histórico-
Cultural, que entende o indivíduo como resultado de suas relações sociais e
vinculado às suas condições sócio-históricas (REY, 2004, 2005). Neste sentido, o
recorte de gênero (SCOTT, 1990) se fez necessário na pesquisa, pois entendemos
que a experiência do sofrimento psíquico é “gendrada”, ou seja, afeta de maneira
distinta mulheres e homens (ZANELLO, 2018). Elegemos, então, as mulheres como
tema de estudo a partir do conceito de interseccionalidade, articulando questões de
raça, gênero e classe na análise (AKOTIRENE, 2019). Também devemos destacar a
importância de situar as mulheres como sujeitos históricos coletivos, que devem ser
nomeados nos debates sobre ciência e tecnologia (HARAWAY, 2009; SCOTT, 1990).
Sendo assim, o texto integra minha própria experiência pessoal como mulher
cisgênero, branca e usuária de tais tecnologias, justificando o uso de verbos em
primeira pessoa do singular e plural ao longo da escrita.
2
Sobre sofrimento psíquico ou adoecimento mental, entendemos este como “um processo de desorganização
e/ou desintegração do psiquismo” (SILVA, 2021, p. 233).
boletim destaca que essa menor letalidade das mulheres pode estar relacionada os
fatores como “o baixo consumo de álcool em relação aos homens, redes de apoio
mais consolidadas, um cuidado maior com sua própria saúde e emprego de meios
menos letais” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021, p. 7). O estudo também aponta a
questão geracional e a vulnerabilidade social vivida pela população LGBTQIAPN+
como fatores de risco para o suicídio.
Para Naomi Wolf (2019), essas imagens propagadas sobre o corpo das
mulheres servem como um instrumento político para mitigar os avanços e
progressos conquistados pelas mulheres na sociedade, o que ela denominou como
“mito da beleza”. Esse mito afeta todas as mulheres e vai “pouco a pouco, tomando
conta da vida simbólica/subjetiva do sujeito” (NOVAES, 2013, p.30). Ele também é
utilizado como um recurso para acentuar a competitividade e rivalidade feminina,
colocando as mulheres umas contra as outras, o que dificulta a ascensão social e
obtenção de poder por parte desses grupos (WOLF, 2019).
3
Segundo o Portal de Notícias G1, o Brasil está em segundo lugar no ranking de países que mais re-
alizam cirurgias plásticas no mundo, ficando apenas atrás dos EUA (GARCIA, 2022).
o corpo magro (LIRA et al., 2017). Também se faz necessário ressaltar que, para o
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), a insatisfação
corporal é considerada fator de risco para o desenvolvimento de transtornos
alimentares, tais como bulimia e anorexia (FORTES et al., 2015).
TRINDADE, 2020). Nesta medida, também é importante ressaltar que grande parte
das manifestações de ódio publicadas no ambiente do ciberespaço são destinadas
às mulheres negras, e que estas “representam 81% das vítimas de discursos
racistas no Facebook” (TRINDADE, 2020, p. 30). Elas também são alvo de
discriminações raciais algorítmicas, tendo seus corpos inviabilizados ou associadas
a categorias negativas nos bancos de imagens, filtros ou aplicativos de visão
computacional e inteligência artificial (CARRERA, 2020). Essa violência, além de ser
um reflexo de como a cultura e a sociedade representam os corpos das mulheres
negras como descartáveis, desumanizados e hiperssexualizados, também são uma
forma de reforçar e perpetuar tais imagens (COLLINS, 2019; hooks, 2019).
Mas essa militância virtual também é alvo de críticas. Para Byung Chul Han
(2018a), o ativismo digital não chega à vida “real” dos sujeitos, pois as
manifestações em rede “se inflam repentinamente e se desfazem de maneira
igualmente rápida” (2018a, p. 21). Há também quem associe o ciberfeminismo a um
feminismo elitizado, considerando o fato de que o acesso à internet no Brasil ainda
não é democratizado para todas as pessoas (MARTINEZ, 2021). Em contrapartida,
os últimos anos foram acompanhados de um aumento significativo no uso de
internet por populações residentes de áreas rurais ou por pessoas “segregadas”
socialmente – em termos econômico, de gênero, raça ou de idade (CGI.br, 2021).
Além disso, pesquisadoras já apontam para a importância da militância virtual na
transformação da realidade de vida das mulheres, como também para a discussão e
construção de políticas públicas que atendam às demandas deste público (CALDAS,
2017; COELHO, 2006; OLIVEIRA; PINTO, 2016; ROSHANI, 2020).
Considerações
As redes sociais já fazem parte do cotidiano de todas as pessoas, sobretudo
das mulheres, e seus usos criam demandas, desafios e problemáticas que
impulsionam visões polarizadas sobre seus desdobramentos na vida dos sujeitos.
Se por um lado existe um campo de estudos dedicado a observar os prejuízos
causados por essas mídias digitais às relações humanas e sociais, há também um
outro campo que se dedica a analisar as novas possibilidades criadas por
intermédio das tecnologias.
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