estrutura do violão

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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol.

40, nº 1, e1309 (2018) Artigos Gerais


www.scielo.br/rbef cb
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0192 Licença Creative Commons

Violão: aspectos acústicos, estruturais e históricos


Guitar: acoustic, structural and historical aspects

Monicky E. Zaczéski1 , Carlos H. Beckert1,2 , Thales G. Barros1 , Ana L. Ferreira3 , Thiago C. Freitas∗1
1
Universidade Federal do Paraná, Curso Superior de Tecnologia em Luteria, Curitiba, PR, Brasil
2
Beckert Luteria, Curitiba, PR, Brasil
3
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curso de Engenharia Mecânica, Câmpus Guarapuava, Guarapuava, PR, Brasil

Recebido em 15 de Junho, 2017. Revisado em 06 de Julho, 2017. Aceito em 10 de Julho, 2017.


Neste artigo será feita uma discussão sobre alguns dos principais aspectos de funcionamento do violão, iniciando
por um breve histórico contextualizando as mudanças pelas quais o instrumento passou ao longo dos séculos,
incluindo alguns apontamentos feitos pelo fı́sico Michael Kasha. Será dada ênfase na descrição do leque harmônico
do violão, um conjunto de barras e travessas que possui finalidades acústicas e estruturais, e que apresentou
uma evolução em forma e complexidade que acompanhou o desenvolvimento do violão. É feito um tratamento
matemático do ressonador de Helmholtz formado pelo ar enclausurado pelo corpo do instrumento. Por fim, é
feita uma discussão sobre os captadores magnéticos, os quais foram introduzidos no violão na primeira metade
do séc. XX, visando um aumento do nı́vel de intensidade sonora e, posteriormente levaram ao surgimento dos
instrumentos de corpo sólido, como a guitarra e o baixo elétricos.
Palavras-chave: fı́sica e música, cordas, violão, leque harmônico, captador magnético, acústica.

In this article there will be developed a discussion about some of the main aspects of the functioning of the
acoustic guitars, beginning with a brief history putting in context the changes the instrument has been through the
centuries, including some notes made by the physicist Michael Kasha. Emphasis will be placed on the description
of the guitar bracing, a set of bars and tone braces that have acoustic and structural purposes and that presented
an evolution in form and complexity that accompanied the development of the guitar. A mathematical treatment
is made of the Helmholtz resonator formed by the air enclosed by the instrument’s body. Finally, a discussion is
developed about magnetic pickups, which were introduced in the first half of the 20th century to the guitars, with
the objective to obtain a higher sound intensity level and later led to the emerging of solid body instruments such
as the electric guitar and the electric bass.
Keywords: physics and music, strings, acoustic guitars, guitar bracing, magnetic pickups, acoustics.

1. Introdução não possuem evidências válidas. Kasha aponta que a


semelhança entre as palavras não vem a ser de fato uma
O violão é um instrumento musical da famı́lia dos cordófo- evidência e que seria difı́cil imaginar a transformação de
nos que possui seis ordens de cordas simples [1], cujo uma harpa de colo, ou mesmo do alaúde - que possui
corpo acústico lembra o formato de número oito. Sendo como caracterı́sticas principais o corpo no formato de
que uma ordem simples corresponde a uma única corda uma pera, braço curto e um grande ângulo na caixa de
e, uma ordem dupla1 corresponde a um par de cordas, cravelhas - em um violão ou em algum parente próximo.
geralmente afinadas em intervalo de unı́ssono ou de oitava No entanto, ele apontou para a possibilidade de que o
justa. Ele traz em sua história diversas teorias sobre a caminho foi inverso, o violão poderia ter influenciado
sua origem, dentre as mais difundidas estão a de que no desenvolvimento do alaúde, acrescentando trastes ao
descende da kithara grega (uma espécie de harpa), dada instrumento levado pelos mouros à Espanha na Idade
a semelhança com a palavra espanhola guitarra mas, Média.
também existe a hipótese de que o instrumento seja um Sloane [4] indica que além do alaúde, os árabes trou-
sucessor do alaúde. xeram para a Europa uma espécie de violão primitivo
Porém, o fı́sico-quı́mico Michael Kasha (1920-2013), que possuı́a quatro cordas tocadas com plectro - uma
o qual possuia amplo interesse no violão e em outros espécie de ‘unha’ de marfim, osso, etc., com que se fazem
instrumentos musicais [2], realizou uma série de pesqui- vibrar as cordas de certos instrumentos [5] - sendo seu
sas [3] na década de 1960, concluindo que tais teorias corpo menor que o do violão moderno. Este instrumento
tinha como particularidade possuir as curvas superior e
∗ Endereço
de correspondência: [email protected]. inferior do mesmo tamanho, com o contorno do corpo
1 Popularmente,utiliza-se apenas de corda para ordem simples e (silhueta) em formanto de número oito.
ordem para designar a ordem dupla.

Copyright by Sociedade Brasileira de Fı́sica. Printed in Brazil.


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Segundo Kasha [3], tanto o nome quanto o design dos nacional [9–11]. O seu uso para atividades de ensino de
violões modernos possuem grande influência de um ins- fı́sica é explorado em algumas obras, mas ainda restam
trumento persa: o chartar, que conta com quatro ordens muitas abordagens que podem ser exploradas nesse tema.
simples e uma caixa de ressonância com cintura acentu- Dentre elas, destacam-se o uso do violão para o ensino
ada. Ao chegar na Europa, o chartar teve mudanças na de conceitos de fı́sica ondulatória por Santos et al. [12]
aparência e no número de cordas. No começo da Renas- e também por Coelho et al. [13], o ensino de acústica
cença, a guitarra com quatro ordens de cordas duplas se através do violão e de um protótipo por Moura e Neto [14],
tornou dominante na Europa, mas logo depois foi des- e as propostas do uso do violão no ensino de Fı́sica do
bancada por uma parente italiana, a guitarra battente, grupo de Grillo et al. [15, 16]. Este artigo, também não
que possuı́a cinco ordens duplas, afinadas nas notas lá, vai abarcar todas as abordagens ou temáticas envolvendo
ré, sol, si e mi, do grave para o agudo, que é a mesma fı́sica e ensino através do violão, mas dará ao leitor algu-
afinação das cinco primeiras ordens que virão a se pa- mas outras possibilidades de conhecer o funcionamento
dronizar no violão moderno. Existem diversas guitarras do violão, através de uma descrição do instrumento a
renascentistas dessa época que foram modificadas para partir da Fı́sica e da Luteria combinadas.
que suportassem mais um par de cordas.
A referência mais antiga a uma guitarra de seis cor-
das [6] aparece em um anúncio de venda de um jornal
de Madri do ano de 1760, mencionada como vihuela, pa-
2. O violão: aspectos estruturais e
lavra usada como sinônimo de guitarra na linguagem acústicos
espanhola do século XVII em diante. Em tradução livre,
o anúncio do Diario noticioso universal de 3 de junho 2.1. Estrutura geral do violão
de 1760, nos traz o seguinte: ‘Na rua de Atocha, casa do
O violão é um instrumento musical, da famı́lia dos cor-
Granadino, vende-se uma vihuela com 6 ordens, feita por
dófonos compostos dedilhados, por possuir mais de uma
suas próprias mãos, boa para acompanhamento...’.
corda, as quais são colocadas em movimento usando
A guitarra mais antiga [6,7], com mais de cinco ordens
dedos, unhas, plectros ou palhetas [17].
simples que ainda se mantém preservada, é a de Francisco
O instrumento possui seis ordens de cordas simples
Sanguineo, que foi construı́da em Sevilha, Espanha, no
com comprimento acústico de 65,0 cm [12] entre a pes-
ano de 1759. Uma vez que este instrumento foi modificado,
tana e o rastilho, afinadas geralmente nas notas mi2 , lá2 ,
não se pode afirmar o seu número exato de cordas, porém
ré3 , sol3 , si3 e mi4 com frequências f = 82 Hz, 110 Hz,
sabe-se que eram no mı́nimo seis. Esse antepassado do
147 Hz, 196 Hz, 247 Hz e 330 Hz, respectivamente [18],
violão possuia um comprimento de corda vibrante de 670
usando como referência o diapasão de 440 Hz, podendo
mm e, uma estrutura interna no seu tampo, em forma
ainda haver inúmeras outras afinações [19]. Trata-se de
de um leque harmônico simples, o qual era constituı́do
um instrumento versátil pois, pela quantidade de cordas,
por três barras de madeira dispostas longitudinalmente.
suas notas e disposições, permite tanto a execução da
Em 1832, Louis Panormo construiu um instrumento
melodia, da harmonia ou de ambas em peças mais ela-
muito próximo ao que conhecemos hoje como violão
boradas. Existem algumas variantes do violão [20, 21],
clássico, embora seja menor e tenha uma cintura mais
dentre as quais podem-se destacar o violão clássico, o
acentuada. Em 1859, o luthier2 espanhol Antonio de Tor-
violão flamenco (destinado a música homônima), o violão
res Jurado criou o instrumento que atualmente acabou
jumbo (corpo de dimensões maiores que o violão clássico)
se definindo como o violão clássico [8]. As principais mo-
e, o violão de sete cordas (uma corda mais grave afinada
dificações introduzidas por Torres foram: aumento do
em dó ou ré) [22]. Apesar das diferenças, o elementos
tamanho da caixa acústica, modificações das proporções,
constituintes destes instrumentos são os mesmos, salvo
modificações do reforço interno do tampo em forma de
alterações e detalhes caracterı́sticos de cada um.
leque (com sete barras longitudinais dispostas simetri-
As principais partes do violão são mostradas nas figu-
camente) e a definição do comprimento de escala em
ras 1 e 2 e, na sequência as funções associadas a cada
650 mm. Essa combinação de modificações fez o violão
uma delas junto aos principais materiais utilizados serão
ganhar mais adeptos, tendo em vista que a sua capaci-
descritas. De maneira geral, o corpo do violão trans-
dade de projeção sonora aumentou consideravelmente, o
forma a onda transversal da corda em uma onda longi-
que fez com que o instrumento ‘Torres’ passasse a ser
tudinal irradiada pelo instrumento, através do ar, até o
considerado o modelo padrão do violão moderno.
ouvinte [12, 23]. Para que isso ocorra, são necessárias
Mesmo o violão sendo um instrumento amplamente
inúmeras partes com funções e ações bem definidas,
inserido na cultura musical brasileira, apenas algumas
começando pelo elemento gerador de som: as cordas,
obras discutem a sua importância na identidade e cultura
que podem ser de nylon ou aço [18] (podendo ocorrer
2 Luteria é a atividade profissional de manufatura, manutenção e res- somente com cordas de nylon ou de aço, ou ainda, ambas
tauração de instrumentos musicais de corda, mas, que para alguns
em conjunto em um mesmo instrumento), que aplicam
autores também inclui atividade com instrumentos de sopro em
madeira e o cravo. Luthier, luthière no feminino, é o/a profissional uma tensão considerável no instrumento, podendo ultra-
que exerce esta ocupação. passar 500 N.

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o rastilho encontra-se no cavalete [22] e possui uma forma


geométrica complexa [24], permitindo que algumas cordas
tenham maior ou menor comprimento, visando garantir
a afinação das diversas notas tocadas em cada corda [18].
O rastilho também é responsável pela transmissão da
vibração das cordas para o cavalete, que consiste de uma
peça de madeira colada sobre o tampo e tem por função
suportar o rastilho, atuar na transmissão da vibração das
cordas para o tampo [23] e sustentá-las. Geralmente o
cavalete é confeccionado em diferentes tipos de jacarandá,
como o da bahia e o indiano (Dalbergia nigra e, Dalbergia
latifolia) [25, 26].
O tensionamento das cordas se dá através das tarraxas,
que consistem de um sistema de eixos e engrenagens fixos
na mão do violão, permitindo aumentar ou diminuir e,
por fim, fixar a tensão aplicada individualmente em cada
corda [27]. Desta forma, a variação da tensão aplicada nas
cordas permite fixar diretamente a frequência fundamen-
tal da nota emitida pela corda solta, conforme a eq. (1),
que relaciona a frequência f com a tensão aplicada T , o
comprimento ` e, a densidade linear µ da corda.
s
1 T
Figura 1: Visão explodida do violão sem as cordas. As partes f= . (1)
indicadas são: 1 fundo, 2 laterais, 3 tampo, 4 cavalete, 5 rastilho, 2` µ
6 pestana, 7 mão, 8 braço, 9 escala, 10 salto e 11 boca. As Na mão, encontra-se uma lâmina de madeira, chamada
funções de cada uma das partes indicadas são discutidas no
de pala, que além da função estética, atua como reforço
texto.
estrutural na região da emenda entre a mão e o braço. A
pala é geralmente confeccionada com a mesma madeira
das laterais e do fundo do instrumento. A mão é em geral
da mesma madeira que a usada no braço, por exemplo,
cedro rosa (Cedrela fissilis, Cedrela odorata) ou maple
(Acer macrophyllum) entre outros [26].
A ligação entre o corpo e a mão do instrumento é feita
pelo braço [24], ambos geralmente são confeccionado com
madeiras como o cedro rosa, maple ou, mogno (Swie-
tenia macrophylla) [26]. Uma outra função desta parte
do violão é sustentar a escala, parte esta que consiste
de uma faixa de madeira dura e densa como o ébano
(Diospyros ebenum), colada sobre o braço, na qual são
fixados os trastes e onde se faz a digitação das notas [4].
Os trastes, que são filetes de metal fixados na escala, tem
a função de possibilitar ao músico a digitação das notas
através de intervalos bem definidos [16]. Estes intervalos
Figura 2: Visão da estrutura interna do violão na ausência do são de um semi-tom temperado [28], o que equivale a
tampo, fundo e laterais. As partes indicadas são: 1 taco, 2 barras passar, por exemplo, da nota dó para a nota dó], quando
transversais, 3 barras longitudinais, 4 estrutura de barras do o comprimento ` da corda é diminuı́do de tamanho por
fundo, 5 contracavalete, 6 contrafaixa e 7 barras de fechamento. uma casa3 ou, da nota sı́ para a nota sı́[ quando o com-
O leque da estrutura em questão é o modelo Torres. As funções
primento é aumentado de uma casa. Do ponto de vista
de cada uma das partes indicadas são discutidas no texto.
da frequência da nota tocada [16, 18], diminuir o compri-
mento ` da corda por uma casa equivale √ a multiplicar
a frequência da nota de partida por 12 2 e, aumentar o
O comprimento vibrante das cordas é definido pela comprimento ` da corda por mesma quantidade resulta
distância entre a pestana e o rastilho [12], que são duas em nota com frequência da nota de partida dividida pela
pequenas barras, feitas geralmente de marfim, osso ou mesma quantidade.
polı́meros sintéticos. A pestana se localiza no braço do
violão e possui pequenos canais para o assentamento e 3 Espaço entre dois trastes adjacentes ou entre a pestana e o primeiro
distribuição uniforme das cordas na largura da escala, já traste.

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A partir dessa descrição, percebe-se a importância remetemos o leitor interessado as referências [34,35] para
de que o posicionamento dos trastes seja preciso para uma abordagem mais técnica ou, referência [36] para
que as notas emitidas possuam as frequências corretas. uma versão mais descritiva. Como o cavalete encontra-se
A partir da eq.(1), considerando apenas a dependência acoplado ao tampo através de colagem, o último acaba
da frequência com o comprimento da corda tem-se f ∝ por ser o elemento responsável pela sustentação de toda
`−1 . Para que a frequência aumente
√ o correspondente a tensão promovida pelas cordas, distribuindo-a pelas
a mudança de um semitom (f → 12 2f ), o comprimento demais partes do corpo [37]. Assim, faz-se necessária uma
precisa diminuir seguindo ` → 12√ `
2
. A posição Xn do estrutura interna de barras harmônicas que promove o
n-ésimo traste na escala, a partir da pestana, para n ≥ reforço estrutural do tampo - o qual possui em média
1, é dada por 5mm de espessura [24] - e também alterações mecânicas
n
1 na flexibilidade do mesmo, as quais compõem, juntas a

Xn = ` − ` 12√ . (2) outras partes, a estrutura do leque harmônico [4], o qual
2
será tratado na seção seguinte, dada a sua importância
O formato de número oito do corpo do violão é dado
para o instrumento. Já o fundo do violão, fecha a caixa de
através das laterais, ou faixas, que possuem uma curva-
ressonância, delimitando o volume de ar contido dentro
tura, obtida através do uso de calor e umidade [24,25,29].
do instrumento, atuando também na reflexão de ondas
Como as laterais são pouco espessas (1,6mm - 1,8mm),
sonoras no interior da caixa, tendo papel na projeção
são utilizadas faixas de madeira, eventualmente serrilha-
do som. Geralmente é construı́do a partir de jacarandá,
das, para aumentar a área de colagem entre as laterais e
maple, mogno e cipreste (Cupressus macrocarpa) [24]. As
o fundo e as laterais e o tampo, às quais dá-se o nome
travessas são estruturas coladas ao fundo do instrumento,
de contrafaixas [24]. Da mesma forma, os tacos internos,
com a função de promover reforço estrutural e manter
localizados nas emendas das laterais (taco superior para
a curvatura do fundo [38], sendo geralmente de abeto,
o que fica próximo a junção com o braço e inferior para
cedro rosa ou mogno.
o que fica na extremidade oposta), visam oferecer maior
resistência e robustez ao instrumento e, aumentar a área
de colagem entre as laterais. O salto [30], continuidade 2.2. Leque harmônico
do braço oferece sustentação deste com relação ao corpo,
2.2.1. Funções do leque harmônico
ampliando também a área de colagem com a parte das
laterais em que entra em contato [31]. Em um instru- A área do tampo do instrumento onde se assenta o ca-
mento com um salto do tipo espanhol, o taco interno valete, que inicia-se logo abaixo da boca e vai até a
superior, o salto e braço são uma só peça, onde as laterais extremidade do tampo, contornada pela curva inferior,
se encaixam [4]. funciona como um diafragma durante a emissão de som
Os frisos e filetes são tiras e lâminas de madeiras di- pelo violão. Para suportar a tensão exercida pelas cordas
versas, que contornam o instrumento, acompanhando o e minimizar as eventuais deformações devido a variações
formato do corpo [24], além de serem elementos deco- climáticas, existe o leque harmônico, que é um conjunto
rativos, eles destinam-se a proteger o instrumento de de barras coladas no lado interno do tampo, conforme
impactos mecânicos, em uma região onde choques po- mostra a figura 2. Sloane [4] descreve a funcionalidade do
dem levar a formação de amplas rachaduras na direção leque em também acoplar os movimentos desta superfı́cie,
da fibra da madeira [31]. Além de madeiras diversas, os de forma que o tampo possua modos de vibração com
frisos podem conter adornos em madrepérola, marfim certas caracterı́sticas.
ou osso [32]. No tampo do instrumento existe uma aber- Sendo o tampo solto considerado um oscilador, o
tura circular, denominada de boca, que tem a função de número, frequência, forma e amplitude dos modos nor-
acoplar o ar do interior do corpo do instrumento com mais criados, depende primariamente das propriedades
o meio externo, ela é também responsável por parte da elásticas do material, da forma, massa, espessura, rigidez
irradiação de som do instrumento [33], conforme vai ser e, atenuação do som. As barras modificam principalmente
descrito na seção que trata do ressonador de Helmholz e os valores de massa e rigidez, o que altera as proprieda-
o violão. Ao redor da boca encontra-se um ornamento, des elásticas do tampo e, consequentemente o regime de
denominado roseta, o qual como os frisos também possui oscilação [4].
função de promover reforço mecânico em uma região A estrutura do tampo de um violão deve ter um
naturalmente mais frágil do instrumento. A roseta e o equilı́brio entre flexibilidade e rigidez. O tampo deve
formato da mão são os elementos do violão onde o luthier ser reforçado o bastante para resistir à tensão sem gran-
possui mais liberdade para a criação artı́stica. des deformações e continuar flexı́vel o bastante para
O tampo do violão, geralmente confeccionado em abeto responder as vibrações transmitidas pelas cordas [39].
(Picea excelsa, Picea sitchense, Picea engelmannii), é uma A parte mais importante do leque é constituı́da pelo
das partes mais importantes no processo de irradiação de arranjo de uma série de barras longitudinais normal-
som no instrumento. A descrição, mesmo que simplificada, mente dispostas em forma de leque (divergindo a partir
dos seus modos de vibração e acoplamento com o corpo da cintura do instrumento), existem ainda duas ou três
seria demasiado extensa para este trabalho, sendo que barras conhecidas como barras harmônicas ou travessas

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que atravessam o tampo no sentido transversal acima 2.2.3. Caracterı́sticas de alguns leques históricos
e logo abaixo da boca [29]. Segundo Meyer [37] o leque
mais adequado para a produção de som é aquele em Caracterı́sticas dos leques dos construtores clássicos con-
que as barras longitudinais encontram-se separadas por forme descritos por Courtnall [29] e Friederich [38]. A
distâncias uniformes. Existem porém pesquisadores que representação esquemática destes leques é mostrada na
defendem a utilização de um sistema assimétrico e ra- figura 3, na forma de uma linha do tempo.
dial, de acordo com Kasha [40], o leque radial poderia
aumentar a amplitude dos movimentos produzidos pelo Leque Transversal: Nos violões primitivos, o tampo
tampo, e consequentemente a projeção sonora e o tempo era reforçado com algumas barras apenas no sentido
de ressonância. transversal, adaptadas dos sistemas comumente utiliza-
dos em alaúdes, estas barras eram dispostas em linha
reta ou ligeiramente anguladas. Esse sistema não é mais
2.2.2. Caracterı́sticas dos leques
utilizado.
Nesta seção são apresentadas e discutidas as princi-
pais caracterı́sticas4 encontradas na maioria dos leques
harmônicos de violão. Algumas outras abordagens podem
agrupar estas propriedades de maneira diferente, mas,
para efeitos deste artigo, este será o conjunto de carac-
terı́sticas consideradas mais importantes. A nomenclatura
foi adaptada do trabalho do luthier Daniel Friederich [38].
Aberto/fechado: Alguns leques possuem duas barras
diagonais que lembram o formato da letra V ao final
das barras longitudinais, estes leques são denominados
fechados. Aqueles que não possuem estas barras são
abertos.
Assimétrico/dissimétrico/simétrico: O leque si-
métrico é completamente idêntico em ambos os lados do
tampo. O leque dissimétrico possui simetria visual, porém
apresenta diferenças, por exemplo, na altura das barras.
O leque assimétrico apresenta diferenças na disposição
das barras ao compararmos as metades do tampo.
Inteiro/quebrado: o leque inteiro tem as suas barras
longitudinais percorrendo a superfı́cie abaixo do cavalete,
passando pelo contracavalete (se houver). No leque que-
brado as barras são interrompidas ao passarem pela área
onde se assenta o cavalete.
Em forma de leque/Em forma de X/ Em dis-
posição radial: Em forma de leque quando as barras
têm seu inicio logo abaixo da cintura do instrumento e
divergem a medida que se aproximam da extremidade
do tampo. Em forma de X quando existem duas barras
que se cruzam logo abaixo da boca do instrumento. Em
disposição radial quando as barras partem de uma barra
transversal localizada abaixo do cavalete.
Barras: Podem apresentar a seção transversal semi-
circular, quadrada, retangular, triangular e retangular
alta com desbastes nas extremidades [38]. Com relação
ao perfil da barra como um todo, pode ser em forma de
arco, reta com entalhes nas extremidades ou ainda, reta
com entalhes ou furos na extremidades e no corpo.

Figura 3: Linha do tempo dos principais leques harmônicos


de violão iniciando em 1759 com o leque criado por Francisco
4 Embora não seja uma caracterı́stica própria dos leques, é conveni- Sanguineo até os anos 1980 com a variante do leque de Michael
ente mencionar que alguns luthiers costumam utilizar um reforço
Kasha criada pela luthière Gila Eban. As caracterı́sticas de cada
colado internamente no tampo, imediatamente abaixo do cavalete,
o qual recebe as denominações de contracavalete ou lı́ngua. leque encontram-se discutidas no texto.

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Francisco Sanguineo: de Francisco Sanguineo (c. 1750), gitudinais e 4 barras menores ao lado da boca. Barras
luthier. Leque simétrico, com 3 barras longitudinais. transversais com aberturas que permitem a passagem
Leque em X: de Christian Friedrich Martin (1796 - das barras longitudinais.
1873), luthier. Leque assimétrico em forma de X desen-
volvido por volta da mesma época em que Torres criava
o seu sistema. Surgiu décadas antes das cordas de aço, 3. Aplicando Fı́sica no violão
porém por se adequar as necessidades dos violões de aço,
3.1. O ressonador de Helmholtz no violão
que suportam uma maior tensão, é mais utilizado nestes
instrumentos. Possui contracavalete. Um objeto com um volume interno V0 , um gargalo de
Torres: de Antonio de Torres Jurado (1817 - 1892), comprimento L e, uma abertura cuja área da seção trans-
luthier. Leque simétrico, fechado, com 7 barras longitu- versal é S é um ressonador de Helmholtz genérico. O
dinais. Nos primeiros violões as barras tinham a seção violão pode ser em primeira aproximação considerado
transversal no formato triangular, depois passaram a ser um ressonador de Helmholtz, cujas quantidades análogas
arredondadas. são o volume interno do seu corpo, a espessura do tampo
Hernandez: de Santos Hernandez (1874 - 1943), luthier. na região da sua boca e, a área da boca, respectivamente.
Leque simétrico, aberto, com 7 barras longitudinais. Ao se deslocar uma fatia de ar do tubo de uma quanti-
Hauser: de Hermann Hauser I (1882 - 1952), luthier. dade x, o volume do ar que estava dentro diminui, sendo
Leque simétrico, fechado, com 7 barras longitudinais. agora V = V0 − Sx e, a pressão interna aumenta, sendo
Possui contracavalete. Pi = P0 + P , onde P0 é o valor da pressão atmosférica
Fleta: de Ignacio Fleta (1897 - 1977), luthier. Leque e P o aumento da pressão devido ao deslocamento x.
assimétrico, fechado, com 9 barras longitudinais, 2 barras Relacionando a pressão e o volume com as suas respecti-
centrais, 1 barra em 90º e, 1 barra inclinada. Tampo mais vas variações através da razão dos calores especı́ficos γ,
espesso na área do cavalete, possui contracavalete. chega-se a
Bouchet: de Robert Bouchet (1898 - 1986), luthier. Le- P ∆V
que dissimétrico, aberto, com 5 barras longitudinais, 1 = −γ , (3)
Pi V0
barra transversal na área do cavalete, 1 barra central com
aberturas que permitem que as barras longitudinais se fazendo ∆V = Sx, uma vez que a variação do volume é
estendam até o reforço da boca. Apresenta tampo curvo. dada pela área da seção transversal do gargalo multipli-
Ramirez: de José Ramı́rez III (1922 - 1995), luthier. cada pelo deslocamento da fatia de ar e, considerando a
Leque assimétrico, fechado, com 6 barras longitudinais, pressão interna inicial igual a pressão atmosférica, pode-
sendo 1 barra central, 3 no lado das cordas graves e duas se rearranjar a equação (3) na seguinte forma
no lado das agudas, 1 barra central em 90º e 1 barra
P Sx
inclinada. Possui contracavalete. = −γ . (4)
Hernández y Aguado: de Manuel Hernández (1895 - P0 V0
1975), luthier e Victoriano Aguado (1897 - 1982), luthier. A massa da fatia de ar deslocada é dada por m = ρSL,
Leque assimétrico, fechado, com 6 barras longitudinais, sendo ρ a densidade do ar e, considerando a relação entre
meia barra diagonal no lado das cordas agudas. Possui força, pressão e área F = P S, de forma que a segunda
contracavalete. lei de Newton para o seu movimento passa a ser
Kohno: de Masaru Kohno (1926 - 1998), luthier. Le-
que assimétrico, fechado, 6 barras longitudinais, 3 do d2 x(t) PS
lado agudo, 1 central e 2 do lado grave. Possui 5 barras = . (5)
dt ρSL
transversais e também contracavalete.
Lattice: de Greg Smallman (19?? - ), luthier. Leque 2
Da equação (4), tem-se P S = − γPV0 S0 x
, o que substituido
simétrico, possui barras reforçadas com fibra de carbono,
em (5) leva a
proporcionando a redução da espessura do tampo.
Kasha: de Michael Kasha, (1920 - 2013), fı́sico-quı́mico. d2 x(t) γP0 S 2 γP0 S
Foi desenvolvido em colaboração com Richard L. Sch- 2
= − x(t) = − x(t). (6)
dt V0 ρSL V0 ρL
neider (1936 - 1997), luthier. Leque assimétrico, radial,
1 barra transversal na área do cavalete, barras curvas. q
Possui um número muito maior de barras do que sistemas Introduzindo a frequência angular ω = 2πf = γP 0S
V0 ρL
derivados de Torres, sendo estas mais curtas. Formato tem-se a equação diferencial para o movimento x(t) da
especial de cavalete adaptado ao leque. fatia de ar, a qual possui uma forma simples, dada por
Friederich: de Daniel Friederich (1932 - ), luthier. Leque
simétrico, fechado, com 7 barras longitudinais. Possui d2 x(t)
+ ω 2 x(t) = 0, (7)
uma barra transversal na região do cavalete. dt2
Romanillos: de Jose Romanillos (1932 - ), luthier. Le-
cujo conjunto de soluções [41] pode ser expresso como
que simétrico, parcialmente aberto, com 7 barras lon-
uma função oscilante com amplitude An , que possui uma

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fase φn , sendo n =1, 2, 3, . . . , como segue



X ∞
X
x(t) = An cos(nωt + φn ) = An cos(2πnf t + φn ),
n=1 n=1
(8)
sendo a q
frequência fundamental deste sistema dada por
1
f = 2π V ρL , a qual pode ser escrita em termos da
γP0 S
q
velocidade de propagação do som, c = γPρ 0 , como
r
c S
f= . (9)
2π V0 L
Aplicando esta modelagem a um violão, modelo Torres
por exemplo, pode-se obter o valor da frequência do
ressonador de Helmholtz formado pelo ar contido em seu
interior. Como tamanho do gargalo, utiliza-se a espessura
do tampo na região da boca do violão, cujo valor é L =
0,5 cm. A área da boca, que possui raio (R) de 4,5 cm, é
de S= 63,62 cm2 , equivale a área da abertura.
Para determinar o volume do violão foi utilizada a
seguinte abordagem, desenhou-se o contorno em uma
folha de papel milimetrado de densidade superficial ρs
(comumente chamada de gramatura) 63 g/m2 , recortou-
se o contorno obtido, o qual resultou em massa m de 9,32
g. A partir destes dados, a área é dada por S = m ρ , cujo
resultado numérico é S=1480 cm2 . Multiplicando S pelo
valor médio da altura do corpo, que é 9,5 cm, obtém-se
um volume de V =14.060 cm3 ou, aproximadamente 14
litros.
Se a eq. (9) for utilizada considerando a velocidade do
som como 34000 cm/s, a frequência desta ressonância de
Helmholtz, também chamada de Air cavity mode A0 (em
inglês) [34], é de f =514 Hz, o que está bastante acima
do que se verifica experimentalmente, que geralmente
fica entre 120 Hz e 130 Hz. Pode-se incluir na eq. (9) a
correção proposta por Wolf [33], de que o comprimento
do gargalo na eq. (9) passa de L → (L + 1, 7R), de forma
que a frequência fundamental passa a ser f =129 Hz. Esta Figura 4: Desenho da patente Nº 644,695 do violino criado por
correção empı́rica advém do fato de o gargalo ser finito e, J. M. A. Stroh [43] em 1900. As partes indicadas com letras
também da variação do volume interno do corpo do violão latinas minúsculas são as responsáveis pela transmissão do som
devido a sua estrutura flexı́vel que apresenta modos de da corda, passando pelo cavalete e pelo diafragma até a emissão
vibração próprios, os quais se acoplam ao ressonador de pela corneta, denotada por h.
Helmholtz afetando suas frequências caracterı́sticas.

4. Do violão para a guitarra elétrica excita uma membrana que produz o som, e é projetado
por uma corneta. Esse sistema apesar de ter sido mais
4.1. Desenvolvimento dos captadores popular em violinos foi usado em outros instrumentos da
magnéticos mesma famı́lia e, até mesmo chegou a violões e bandolins.
Uma das primeiras tentativas de “amplificação”5 do som Antes da invenção dos microfones e do sistema de
de instrumentos de corda foi a de Augustus Stroh [42], gravação elétrico, a gravação de sons era mecânica. A
que em 1900 usou no violino um sistema semelhante ao música era tocada próxima a uma corneta que possuı́a
do gramofone [43], figura 4. O cavalete do instrumento uma membrana flexı́vel, na qual estava presa uma agu-
5 Para
lha que imprimia as vibrações produzidas pelo som em
que haja amplificação de fato é preciso injetar energia no
um disco de cera [42]. Esse método limitava os sons
sistema, aqui o termo é utilizado para designar uma melhor projeção
do som, de modo que este seja percebido com maior intensidade que podiam ser registrados entre 350 Hz até 3000 Hz.
por estar sendo direcionado. Os instrumentos de Stroh foram amplamente usados na

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e1309-8 Violão: aspectos acústicos, estruturais e históricos

indústria fonográfica na primeira metade do séc. XX, 4.2. Princı́pios de funcionamento


uma vez que produziam som direcional, facilitando o
O conceito mais simples de um captador magnético con-
processo de gravação mecânica, porém tornaram-se obso-
siste de um ou mais ı́mãs com uma bobina formada por
letos junto com o sistema de gravação mecânica quando
N espiras enroladas ao seu redor. No caso do captador da
a gravação elétrica foi inventada.
guitarra elétrica Telecaster [50], são seis pólos de alnico
No começo do séc. XX nos Estados Unidos, o violão
(liga metálica composta primariamente por Al, Ni e Co)
já estava consolidado no meio musical, com as guitarras
e uma bobina com cerca de 7800 a 9000 espiras de fio
archtop e os violões de cordas de aço. Porém, na com-
esmaltado, geralmente de bitola6 AWG 42. Próximo a
posição das bandas de salão da época esses instrumentos
estes, está uma corda de material ferromagnético, que
não eram considerados muito importantes. Em meio a
é magnetizada pela presença do ı́mã. Quando a corda
instrumentos de sopro, de arco, o piano e a percussão,
é colocada em movimento, passa a perturbar o campo
seu som era quase inaudı́vel [44]. Outros instrumentos de
magnético nas proximidades da bobina, gerando nessa
corda como o banjo e o bandolim conseguiam se sobres-
uma corrente elétrica induzida.
sair melhor nesse contexto, sendo usados para melodias
O fluxo magnético [52, 53] através de uma espira do
e o violão se restringia à parte rı́tmica.
captador, de área S, é definido como
Assim, naquele contexto, provavelmente só se ouvia o
violão estando próximo ao palco ou em momentos em Z Z
que o instrumento fazia solos e a banda diminuı́a sua Φ(t) = B(t).dS =
~ ~ ~
B(t).~ndS, (10)
S S
dinâmica para que o solo pudesse ser escutado. Tentando
resolver esse problema surgiram algumas propostas para onde B(t)
~ é o campo magnético que passa através da
a melhoria da projeção/irradiação sonora do instrumento. espira, ~n é o vetor normal à área da espira. Sem perda de
Uma das primeiras soluções foi a criação dos violões reso- generalidade, adota-se aqui a área invariável e, o campo
nators [45–47], que possuı́am cones que irradiavam som a magnético dependente do tempo, sendo esta a situação
partir da vibração vinda direto do cavalete, de maneira si- que ocorre com o captador magnético. Tendo uma espira
milar a um gramofone, cujos primeiros exemplares foram resistência elétrica R, a corrente elétrica i(t) devido a
produzidos em 1927 [44] em uma colaboração de George diferença de potencial induzida U = − dΦ(t) dt , será dada
Beauchamp, Jonh Depyera e Adolph Rickenbacker. pela lei de Faraday para N espiras escrita como
Dado o problema exposto e a baixa eficiência dos sis-
temas mecânicos de “amplificação”, surgiu a necessidade 1 dΦ(t)
de que a abordagem adotada mudasse. Nisso surge o i(t) = −N . (11)
R dt
conceito de captador magnético, o qual é um transdutor,
ou seja, um elemento que converte um tipo de sinal em A corrente alternada i(t) produzida pelo captador
outro tipo de sinal. No caso dos instrumentos de corda magnético, com a mesma frequência da oscilação da
como o violão, a guitarra e o baixo elétrico, transfor- corda, passará pelos componentes do circuito do instru-
mam parte da vibração da corda do instrumento em mento (como o controle de intensidade ou “volume” e o
um sinal elétrico [48]. Dentre as primeiras tentativas de controle do tonalidade ou “tone”) antes de ser enviada
captação [30] usando a indução magnética encontra-se para amplificação de fato e, posteriormente para uma
o captador horseshoe, apresentado em um instrumento caixa de som. O sinal de menos deve-se a lei de Lenz, se-
criado por Rickenbacker, conhecido como frying pan [44] gundo a qual o sentido da corrente induzida é aquele que
por possuir uma certa semelhança a uma frigideira. tende a se opor à variação do fluxo através da espira [54].
Como o captador geralmente era preso ao tampo de Antes de passar para os próximos desenvolvimentos,
um instrumento acústico, um dos lugares com a maior é interessante discutir como a arquitetura de um capta-
amplitude de movimento da vibração do instrumento, dor afeta Φ(t) e consequentemente o resultado sonoro
consequentemente vibrava junto ao tampo, criando assim final de um instrumento. Como a integração é feita so-
uma frequência aguda, que era amplificada pelo alto bre a superfı́cie do contorno C da espira, diferentes
falante e alimentava a vibração do corpo, gerando o formas de enrolamento das espiras que formam a bo-
que é conhecido por microfonia acústica, problema que bina do captador resultam em diferentes contribuições
foi resolvido mais tarde com a utilização de um corpo quando da realização da integração, levando assim a um
sólido. Apenas no final da década de 1940 [49], primeira Φ(t) diferente para um mesmo ı́mã e uma mesma corda.
guitarra de corpo sólido foi colocada no mercado por Para uma mesma corda e um mesmo enrolamento de
Leo Fender, a Broadcaster, que depois mudou seu nome bobina, diferentes ı́mãs levam a diferentes magnetizações
para Telecaster, assim chegando aos modelos de guitarras da corda e, consequentemente, diferentes variações do
conhecidos atualmente. campo magnético B(t),
~ com diferentes valores de Φ(t),
também alterando o resultado final. Cabe ainda salientar
6 American Wire Gauge [51] é um padrão americano para a medida
do diâmetro de fios, de forma que quanto maior o número que
acompanha a sigla, menor o diâmetro. AWG 42 corresponde a o
diâmentro de 0,064 mm.

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que se o ı́mã tiver um campo magnético muito intenso, de single coil [46] em inglês, com um núcleo magnético.
pode atenuar o movimento da corda, fazendo com que Este pode ter diversos tamanhos e formatos, sendo o mais
vibre por menos tempo depois de tocada, diminuindo o comum com seis polos magnéticos [47], posicionados em
chamado sustain. E ainda, diferentes cordas, para um baixo de cada uma das cordas, como mostrado na figura 5.
mesmo captador podem perturbar o campo magnético Todos os ı́mãs tem a mesma orientação e o polo sul é
~
B(t) de maneiras distintas, afetando o som do instru- virado pra cima, ficando mais próximo da corda. Os
mento. modelos mais conhecidos são os single coils das guitarras
A autoindutância L, segundo [55], é dada pela razão Stratocaster e Telecaster da marca Fender e o P-90 da
entre a força eletromotriz induzida  e a variação temporal marca Gibson.
da corrente elétrica que percorre o indutor, tal que Um problema comum em captadores é que eles funcio-
nam como uma antena e sofrem interferência de campos
dI
 = −L , (12) magnéticos externos ao instrumento. Em sons diretos do
dt instrumento e sem efeitos de drive7 ou boost8 a relação
sendo L a propriedade que traz a informação sobre as de sinal/ruı́do é boa, mas quando efeitos passam a estar
caracterı́sticas inerciais do circuito [53], sendo a sua uni- presentes, esta relação já não é mais satisfatória devido ao
dade o henry (H). Podendo ser tanto a auto-indutância, destaque do ruı́do em relação ao sinal. Visando encontrar
que é o valor da indutância de um componente ou do uma solução para esse problema, o captador humbucker
circuito do qual este faz parte ou, indutância mútua foi criado por Seth Lover e Walter Fuller [57] na década
quando existem dois ou mais elementos que influenciam de 1950. Este consiste em duas bobinas lado a lado, con-
um ao outro em um circuito. forme a figura 5, enroladas cada qual em um sentido
Como os indutores não são ideais e possuem resistência (horário e anti-horário).
interna, uma descrição mais próxima da realidade implica Essa montagem faz com que a corrente elétrica indu-
em considerar um indutor real como sendo a combinação zida nas diferentes bobinas por uma variação de campo
de um resistor (R) associado em série com o indutor magnético externo possua fases opostas, de maneira que
(L). Desta forma, no caso de um captador de guitarra,
o ideal seria classificá-lo através da sua auto-indutância
porém, o que ocorre na prática, é que mesmo fabricantes
utilizam o valor da resistência nominal do captador e não
de sua auto-indutância. De maneira geral, a resistência
interna de um captador, medida em corrente contı́nua,
pode variar de 5kΩ a 10kΩ conforme a arquitetura do
mesmo, já a indutância, apresenta valores que vão de 1H
a 10H [56]. Embora os conceitos sejam distintos, existe
uma certa coerência, uma vez que um captador vai ter
sua resistência (R) dada por
`
R=ρ , (13)
A
onde ` é o comprimento do fio, e A é a área da seção
transversal do condutor. Desta maneira, com o aumento
do número de voltas da bobina no captador, ocorre um
aumento da resistência interna do captador. Para o caso
da indutância, usando para fins de cálculos uma espira cir-
cular com N voltas, a indutância pode ser calculada [53]
de maneira que esta passa a ser proporcional ao qua-
drado do número de voltas da bobina e à área da seção
transversal. Desta forma, fazer referência ao captador Figura 5: Visão explodida de um captador magnético do tipo
single coil à esquerda e de um captador magnético do tipo hum-
pela sua resistência e não pelo valor da indutância é
bucker à direita, ambas as figuras adaptadas da referência [47].
uma descrição qualitativa válida, uma vez que quanto
As partes identificadas na figura são: 1 ı́mãs, 2 bobina(s) e 3
maior o número de espiras, maior serão a resistência e capa. Toda a estrutura do captador é montada sobre uma base
a indutância. Esta analogia porém, nem sempre é boa, na sua parte inferior.
Jugmann [56] exemplifica casos de captadores com alta
resistência elétrica mas, indutância relativamente baixa. 7O aumento do ganho causa a distorção, que é a saturação do som,
obtida pelo uso de amplificadores com volume no máximo, ou por
dispositivos (pedais, pré amplificadores) que causam o clipping (ou
4.3. Alguns modelos de captador ceifamento) do som quando ligados a cadeia de sinal.
8 A amplificação de som ligado a cadeia de sinal, que tem como
A forma mais simples que um captador magnético pode objetivo aumentar a intensidade sem causar o efeito de distorção,
ter, é composta de apenas uma bobina, por isso chamado ou de realçar frequências especı́ficas do sinal.

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e1309-10 Violão: aspectos acústicos, estruturais e históricos

a soma dos sinas de cada bobina seja muito próxima de Agradecimentos


zero. Para que o sinal produzido pelo movimento das
cordas também não se anule, os ı́mãs de cada bobina são Agradecemos ao Frederico M. Vorraber pelo auxı́lio com a
invertidos [55], ou seja, enquanto a parte superior (mais medida do volume interno do corpo do violão e, ao luthier
próxima das cordas) de todos os ı́mãs de uma bobina Lucas G. Schafhauser pela leitura crı́tica e revisão textual.
é polo norte na outra bobina, são todos polo sul, de À Élen Crocetti Pereira pela versão em inglês do resumo.
maneira que o sinal resultante é mais intenso do que o Ao Ivan Dimidiuk pelo auxı́lio com a produção das figuras.
sinal de uma bobina individual. O fato do humbucker Agradecemos à Universidade Federal do Paraná pelo
possuir duas bobinas uma do lado da outra faz com os apoio à realização deste trabalho, no âmbito do Programa
ı́mãs do captador produzam um campo magnético mais Institucional de Iniciação Cientı́fica.
intenso e também mais extenso espacialmente [47] que
os captadores de uma bobina, permitindo captar uma Referências
porção maior da corda vibrante.
Isso faz com que capte melhor as ondas de frequência [1] T. Evans and M.A. Evans, Guitars From the Renaissance
mais baixa, pois possuem maior comprimento de onda, to Rock (Facts on File, New York, 1977).
deixando assim com harmônicos graves mais intensos, [2] R. Hochstrasser and J. Saltiel, J. Phys. Chem. A 107,
gerando um som caracterı́stico e distinto do som de um 3161 (2003).
captador de uma bobina. [3] M. Kasha, Guitar Review 30, 3 (1968).
A existência de duas bobinas também permite que se- [4] I. Sloane, Classic Guitar Construction (Omnibus Press,
jam exploradas as ligações entre elas, podendo ser ligadas Londres, 1976).
[5] A.B. de H. Ferreira (ed), Mı́ni Aurélio: O Dicionário da
em série ou em paralelo, interferindo de maneira distinta
Lı́ngua Portuguesa (Editora Positivo, Curitiba, 2004), 7ª
no comportamento do captador e no resultado sonoro ed.
final [56]. De maneira bastante simplificada, quando li- [6] J. Tyler and P. Sparks, The Guitar and its Music From
gadas em série a resistência resultante será a soma das the Renaissance to the Classical Era (Oxford University
resistências individuais, resultando em um som mais in- Press, New York, 2007).
tenso, caracterizado pela presença baixas frequências [7] M. Boyd and J.J. Carreras (orgs), Music in Spain During
(sons graves), perda nas frequências altas (sons agudos) e, the Eighteenth Century (Cambridge University Press,
uma boa relação sinal/ruı́do. Já na ligação em paralelo, a Cambridge, 1998).
resistência resultante é a metade da soma das resistências [8] J.L. Romanillos, Antonio de Torres, Guitar Maker His
individuais de cada bobina, criando um som considera- Life and Work (Element Books, Shaftesbury, 1987).
velmente menos intenso, com maior presença de altas [9] S.M. Alfonso, O Violão da Marginalidade à Academia:
frequências (sons agudos), e uma pior relação sinal/ruı́do. Trajetória de Jodacil Damaceno (EDUFU, Uberlândia,
2009).
Uma outra arquitetura possı́vel é a do captador stacked
[10] G. Bartolini, Violão o Instrumento da Alma Brasileira
humbucker, que são captadores com duas bobinas ‘em- (Editora Prismas, Curitiba, 2015).
pilhadas’, ou seja, uma em cima da outra [46, 47, 50]. A [11] M. Taborda, Violão e Identidade Nacional (Editora Ci-
bobina situada na parte de cima - mais próxima das cor- vilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2011).
das - é a principal responsável pela captação e, a bobina [12] E.M. Santos, C. Molina e A.P.B. Tufaile, Rev. Bras. Ens.
que fica em baixo, cujo enrolamento e orientação dos Fis. 35, 2507 (2013).
polos dos ı́mas estão em sentido inverso a da superior, [13] A.L.M. de B. Coelho e A.M.M. Polyto, Physicae Orga-
tem a finalidade de eliminar parte do ruı́do como em um num 2, 1 (2016).
captador humbucker. [14] D.D. de A. Moura e P.B. Neto, Fı́sica na Escola 12, 12
(2011).
[15] M.L.N. Grillo, L.R.P.L. Baptista, J.A. de A. Crespo, S.A.
Moreira e L. das N. Vicente, in: II Simpósio Nacional
5. Conclusões de Ensino de Ciência e Tecnologia, Artigo 82, (2010).
[16] M.L. Grillo e L.R. Perez (orgs), A Fı́sica na Música
Este artigo traz informações sobre aspectos gerais do (EdUERJ, Rio de Janeiro, 2013).
violão, instrumento musical classificado como cordófono [17] E.M. von Hornbostel and C. Sachs, Galpin Society Jour-
dedilhado. Após um breve histórico sobre sua origem, nal 14, 3 (1961).
o violão foi discutido como um objeto, suas partes, as [18] L. Henrique, Acústica Musical (Calouste Gulbenkian,
Lisboa, 2011).
respectivas funções e materiais comumente utilizados. A
[19] D. Weissman, Guitar Tunning (Taylor and Francis
parte estrutural envolvendo o leque harmônico foi descrita
Group, New York, 2006).
de maneira detalhada, tendo sido apresentados os princi- [20] H.E. White and D.H. White, Physics and Music (Dover,
pais modelos de leques já criados. Uma descrição mais Mineola, 2014).
matematizada do ressonador de Helmholtz que existe no [21] H. Pleijsier, Prewar Instrument Styles (Centerstream,
corpo do violão leva à uma última seção, onde a transição Milwaukee, 2008).
do violão para a guitarra elétrica é tratada, assim como [22] W. Martin, Guitar Owner Manual (John Muir, Santa
alguns aspectos gerais dos captadores. Fe, 1983).

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DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0192 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 1, e1309, 2018

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