Dissertação_Silva_Jessica_Blasques_da_15_12_2021
Dissertação_Silva_Jessica_Blasques_da_15_12_2021
Dissertação_Silva_Jessica_Blasques_da_15_12_2021
GUARULHOS
2021
JESSICA BLASQUES DA SILVA
GUARULHOS
2021
Na qualidade de titular dos direitos autorais, em consonância com a Lei de direitos
autorais nº 9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita desse trabalho no Repositório
Institucional da UNIFESP ou em outro meio eletrônico da instituição, sem qualquer
ressarcimento dos direitos autorais para leitura, impressão e/ou download em meio eletrônico
para fins de divulgação intelectual, desde que citada a fonte.
Se o mundo emburrecer
Eu vou rezar pra chover
Palavra SABEDORIA
Se a gente desanimar
Eu vou colher no pomar
A palavra TEIMOSIA
Se acontecer afinal
De entrar em nosso quintal
A palavra TIRANIA
The study is inserted in the debate of practice and training of nursery teachers, specifically about
the expanded understanding of these two process that involve the teaching work. The overall
objective is to investigate the values and dispositions learned by teachers in non-formal training
processes experienced in personal and professional trajectories which are manifested in the
pedagogical practice of nursery teachers. It is assumed that such dispositions for action that guide
work in the first stage of basic education are directly related to social experiences lived according
to social origin and educational field, according to the objective conditions and regularities that
permeate both conditions. As specific objectives, it is aimed to i) investigate the social trajectory
of nursery teachers, ii) learn the ways in which teachers understand the pedagogical practice in
working with children from zero to three years old, iii) verify values and dispositions who
mobilize as teachers in their teaching practices and who are refined to the social origin and the
educational field, iv) verify how the objective conditions of the social origin contribute to the
preparation of values and dispositions that guide the teaching exercise with children of zero to
three years v) to verify how the objective conditions, affirms to the educational field, contribute to
the preparation of values and dispositions that guide the teaching exercise with children from zero
to three years old. This is a research with a qualitative approach, carried out through semi-
structured interviews and application of a complementary questionnaire with four nursery teachers
from Guarulhos in two nurseries, seeking to investigate in each of these, a pair composed of a
teacher with a higher level exercise time and a teacher with more recent admission to the
municipal education system. The concepts of habitus and field, elaborated by Pierre Bourdieu
(2003, 2011, 2015, 2019) were used as a theoretical framework; the conception of educational
practice formulated by Sacristán (1999); in addition to the considerations of Rosemberg (2016),
Cerisara (2002), Bujes (2001, 2002), Barbosa (2006) and Kuhlmann Jr. (1998), among others,
regarding the nursery. Through the collected data, it was possible to show that the teaching
practices of the investigated teachers are directly related to the objective conditions that permeate
their trajectories, conditions that refer mainly to the teaching profession and the space in which
they exercise teaching, that is, the educational field and the nursery. The analyzes made it possible
to highlight the aspects of the educational field and a school culture that consolidates and imposes
itself on early childhood education and day care, as well as elements related to values related to
the welfare background at this stage of schooling, mainly related to maternal work, the which
contributes to its being recognized as undervalued work. In this perspective, it was noted that
teachers, among other aspects, act in day care centers based on values established in the
educational field, while at the same time using references and values related to their social origins.
TABELAS
QUADROS
INTRODUÇÃO 12
3 . CAMINHOS DA PESQUISA 92
3.1 Educação infantil na rede municipal de Guarulhos 92
3.1.1 O trabalho docente em creche na rede pública de Guarulhos 94
3.2 Procedimentos metodológicos 97
3.3 Aproximação dos sujeitos de pesquisa 101
3.4 As creches 104
3.5 Sujeitos de pesquisa e suas trajetórias 107
3.5.1 Elisa 107
3.5.2 Amanda 108
3.5.3 Rita 110
3.5.4 Fabiana 112
REFERÊNCIAS 186
INTRODUÇÃO
1
Ao ingressar na rede municipal de educação de Guarulhos os professores iniciantes (Educação Infantil, Ensino
Fundamental ou Educação de Jovens e Adultos – EJA) não possuem local de exercício fixo, ocupando assim a
função de professor volante. Tal função é designada para a substituição de professores em períodos de
afastamento, ou no caso do trabalho na creche, para ocupar a posição de um profissional a mais por sala
mediante quantidade excedida de crianças. Ao profissional ingressante fica disposto que dada a necessidade da
ocupação de vagas abertas relacionadas a afastamentos, o professor deverá estar disponível para preenchê-la,
podendo ser retirado a qualquer momento da unidade escolar em que se encontra, tendo em vista a finalização
dos afastamentos em que realizava a substituição ou a necessidade de complemento do corpo docente em outras
unidades escolares. A saber, o tempo para a escolha de local fixo de exercício varia de acordo com a pontuação
conforme plano de carreira, bem como à quantidade de salas de creche abertas na rede municipal e às vagas
desocupadas por professores que exoneram, se aposentam, entre outros.
13
com anos de experiência e entrada na profissão sem o desejo ou sem compreender do que se
tratava o trabalho na creche, oferecido via concurso público ao final dos anos 1990.
Inúmeros relatos entre as conversas que pude ter com os colegas apontavam que a
escolha pela educação infantil, neste caso pelo atendimento à criança de zero a três anos, nem
sempre havia sido uma escolha pessoal, mas uma opção que se apresentava para o ingresso no
mundo profissional.
Com o início marcado pelo atendimento relacionado à assistência social, no município
de Guarulhos as creches tiveram inicialmente o quadro profissional composto por
profissionais reconhecidos como recreacionistas ou monitores, os quais, entre outras
atribuições, exerciam a docência com crianças de zero a três anos (OLIVEIRA, 2012). Como
condição de escolaridade para a realização do concurso exigia-se apenas o ensino
fundamental completo. Foi apenas no ano de 2011, após grande luta dos profissionais, que se
instituiu a função de Professor de Educação Infantil (PEI), sendo reconhecida no quadro do
magistério e alterada durante os anos as exigências de formação mínima.
Vale dizer que nos dias atuais a educação infantil no município se organiza da
seguinte maneira quanto à atuação docente: o atendimento à criança de zero a três anos é
realizado por professores designados na função de Professor de Educação Infantil (PEI),
enquanto no atendimento à criança de quatro a cinco anos atuam os docentes ocupantes da
função de Professor de Educação Básica (PEB), sendo a exigência mínima de formação para
ingresso via concurso público de Professores de Educação Infantil (PEI) e da educação básica
(PEB) a formação em nível superior em curso de licenciatura, de graduação plena, em
Pedagogia ou Nível Médio, na Modalidade Normal.
Frente à configuração histórica de ingresso dos profissionais nas creches, observa-se
que determinadas condições acabaram por constituir no município um quadro de profissionais
composto por professores com diferentes tempos e formas de ingresso, inclusive referentes à
formação inicial, o que a princípio, em minha percepção, poderia ter relação com algumas
práticas que pude verificar no trabalho com bebês e crianças pequenas durante o trabalho
como docente.
Perante a escuta de muitos relatos, de minhas observações sobre a organização das
creches, das relações estabelecidas entre pares, entre adultos e crianças e entre comunidade
escolar e famílias, me instigava a busca pela compreensão sobre as regulações das práticas e
aprendizagens que se davam em determinados espaços, bem como a concepção de creche que
se fazia compreendida por tais profissionais, tanto para os mais antigos, como para os mais
novos, e dentre eles, eu mesma.
14
2009 0 0 0
2010 0 0 0
2011 0 0 0
2012 0 0 0
2013 14 3 17
2014 14 1 15
2015 11 3 14
2016 7 2 9
2017 5 2 7
2018 4 3 7
2019 3 3 6
Total 58 17 75
Fonte: Formulado pela autora a partir do catálogo de teses da CAPES.
Ano de Universidade/Nível de
Autor Título publicação conhecimento
Barros, Saberes docentes no contexto da Pontifícia Universidade
Adelir educação infantil: a prática 2015 Católica de Campinas/
Aparecida pedagógica em foco Mestrado
Marinho de.
Rangel, Narrativas de professoras de
Alexandra educação infantil: revisitando suas 2016 Universidade Federal do
Maria Vieira. trajetórias pessoais e profissionais Espírito Santo/ Mestrado
em momentos de formação
continuada
Vicente, Professoras de educação infantil Pontifícia Universidade
Andreza. bem-sucedidas: constituição da 2017 Católica do Paraná/
trajetória profissional e prática Mestrado
pedagógica
Tosta, Aprendizagem da docência: o que
Tawana revelam as trajetórias das 2019 Universidade Federal de
Domeneghi professoras de educação infantil São Carlos/Mestrado
Orlandi. da rede municipal de Ribeirão
Preto
Fonte: Formulado pela autora a partir do catálogo de teses da CAPES.
Tendo em vista o ano de publicação dos estudos destacados, evidencia-se que esses
foram produzidos em anos recentes e se concentram em programas de mestrado. Quanto aos
procedimentos metodológicos, uma breve análise dos trabalhos demonstrou que todos seguem
abordagem qualitativa.
Utilizando como instrumento de coleta de dados entrevistas semiestruturadas com
quatro professoras e observação in loco em duas unidades escolares de educação infantil, uma
de creche e outra de pré-escola, o estudo de Barros (2015) busca identificar os saberes
mobilizados por professoras de educação infantil nas práticas pedagógicas com crianças de
quatro meses a cinco anos e onze meses de idade. Para a autora os saberes da docência são
desenvolvidos ao longo da trajetória de formação inicial e da trajetória profissional.
Pautando-se na perspectiva Histórico-Cultural com abordagem na Pedagogia Histórico-
Crítica, Barros (2015, p.141) afirma ser importante que os professores “[...]se apropriem,
produzam, reproduzam e transformem a realidade à qual pertencem”. Assim, mediante as
análises dos dados coletados, a autora infere que ao estarem inseridos em um meio social e
cultural e em relações de trocas, os professores se apropriam da produção cultural humana no
decorrer de suas trajetórias de formação inicial e trajetória profissional.
No que concerne ao segundo estudo que compõe o quadro de trabalhos localizados no
levantamento, esse buscou investigar o modo como o uso de narrativas referentes às
19
na formação continuada, além dos momentos de formação inicial, no qual a literatura da área
corrobora com as aprendizagens destacadas.
Tendo em vista a quantidade de trabalhos localizados que trazem como foco a
educação infantil e aqui de forma breve apresentados, vale destacar que, para além de dar
suporte a este estudo, permitindo compreender como tem sido abordado determinado assunto
no campo acadêmico, o levantamento realizado evidencia o desprestígio no campo
educacional da primeira etapa da educação básica, principalmente da creche, demonstrando
sua desvalorização no campo acadêmico.
Nota-se que apenas o estudo produzido por Barros (2015) trata da creche, além do
atendimento à criança de quatro a cinco anos. Embora as pesquisas apresentadas tenham sido
realizadas em instituições de educação infantil, os demais estudos voltaram-se às discussões
referentes ao exercício docente no atendimento à criança de quatro a cinco anos.
Destacando a pouca presença das discussões sobre o atendimento de bebês e crianças
pequenas no início dos anos 1990, Haddad (1991) anuncia a necessidade e a importância de
pesquisas que trazem como tema a creche e a reconheçam como uma área legítima de
educação e desenvolvimento da primeira infância, de modo a reconhecer a evolução das
práticas e crenças sobre o cuidado de bebês e crianças pequenas.
Referente a tal desvalorização, Kuhlmann Jr. (1998), já no final da década, também
argumenta sobre o pouco reconhecimento de estudos que levam em conta a história da
primeira etapa da educação básica, bem como de seus profissionais.
Em um panorama mais atual, apresentando um mapeamento dos grupos e instituições
da área da educação que produziam pesquisas sobre a infância, a criança e a educação infantil
no ano de 2008, Silva, Luz e Faria Filho (2010), apontam a indicação de um aumento do
número de pesquisas e trabalhos relativos a essa etapa da educação básica, no entanto,
pontuam que ainda essa é pouco representada no conjunto da produção acadêmica na pós-
graduação brasileira.
Para Rocha e Gonçalves (2015) os efeitos de tais produções acadêmicas geram
discursos, que se relacionam e refletem diretamente na realidade social, criando implicações
nas práticas pedagógicas e nas concepções sobre bebês e crianças pequenas. Assim, as autoras
argumentam acerca da importância do aprofundamento em estudos que levam em
consideração as práticas com crianças de zero a três anos.
Ao realizarem mapeamento da produção nacional a partir da produção científica
brasileira produzida entre os anos de 2008 a 2011 que tinham como foco a educação das
crianças de zero a três anos no contexto da educação infantil, as autoras indicam aumento de
21
produções que se ocupam a estudar bebês e crianças pequenas e as práticas docentes que
compõem o trabalho com essa faixa etária. Em suas considerações apontam como possível
fator determinante que caracteriza tal aumento, a aprovação da Emenda Constitucional n. 59 2
de 2009 (BRASIL, 2009b), que determinou a extensão da obrigatoriedade da educação
infantil para as crianças a partir de quatro anos de idade, trazendo a problemática a ser
discutida quanto ao lugar da creche mediante determinada regulação.
No que concerne à questão, tendo em vista as tensões e disputas que se estabelecem no
campo educacional, principalmente em relação à creche e sua posição desvalorizada, é
importante destacar que o ano de 2009, ano escolhido para início do recorte temporal do
levantamento de teses e dissertações, representou para a educação infantil um ano de
transformações.
Como destacado por Rocha e Gonçalves (2015), em determinado período, a partir da
promulgação da Emenda Constitucional n. 59 de 2009 (BRASIL, 2009b), configurou-se a
obrigatoriedade do ingresso na educação infantil para crianças de quatro e cinco anos, sendo
facultativo para as crianças de zero a três anos em creches.
Tal determinação acabou por marcar ainda mais a cisão na primeira etapa da educação
básica, presente desde seus primórdios, em que a creche esteve relacionada aos órgãos ligados
à assistência social, sendo compreendida como uma instituição apenas de cuidado e
assistência, tal como um favor; enquanto a pré-escola esteve vinculada aos sistemas
educacionais, sendo entendida como etapa preparatória para a entrada no ensino fundamental.
Isso pois, mediante a obrigatoriedade à pré-escola, a oferta de vagas para a educação infantil
se concentrou apenas em uma parte da primeira etapa da educação básica, sendo priorizado o
atendimento de crianças maiores, reafirmando assim a condição da creche como uma
instituição voltada apenas a alguns setores da sociedade, como famílias de baixa renda e em
situação de vulnerabilidade, e não como um direito da criança e da família, tal como uma
instituição de funções socializadora e extraparental que deve dividir com a família a
responsabilidade do cuidado e educação de bebês e crianças pequenas, como salienta Haddad
(2002), assunto esse que também será abordado neste estudo.
2
Regulamentada pela Lei no 12.796, de 4 de abril de 2013 (BRASIL, 2013b), que alterou artigos da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), para dispor sobre a formação dos
profissionais da educação e dar outras providências, entre elas, a adequação da garantia de educação básica
obrigatória e gratuita dos quatro aos 17 anos.
22
Ainda referente ao ano em questão, vale destacar que esse também se caracteriza
como um período pós conquista do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação (FUNDEB), que embora reconheça a
educação infantil e reafirme o compromisso com a causa desta, de acordo com Rosemberg
(2016), necessita de trato ao ser levado em consideração, uma vez que, determinou o
enfrentamento de novas tensões, a saber:
Ainda que caracterizado por tensões, tendo em vista as novas configurações que
marcaram essa etapa da educação básica e possivelmente estão relacionadas ao aumento de
pesquisas que trazem como tema a educação infantil, importa considerar que foi no ano de
2009 que se definiram as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(DCNEI) (BRASIL, 2009a) em 17 de dezembro de 2009, dada a aprovação da Resolução
CNE/CEB nº 5/2009 (BRASIL, 2009c). Reformuladas a partir de sua primeira publicação no
ano de 1999, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI)
(BRASIL, 2009a), constituíram-se como um grande marco legal em relação à história da
educação infantil brasileira ao dispor normativamente sobre os “[...]princípios básicos
orientadores do trabalho pedagógico comprometido com a qualidade e a efetivação de
oportunidades de desenvolvimento para todas as crianças” (OLIVEIRA et al., 2019, p. 28).
Mediante a breve análise dos estudos localizados e que levam em consideração a
primeira etapa da educação básica, nota-se a preocupação de ambas as pesquisas em discutir a
formação docente como um processo amplo e contínuo, relacionado às relações sociais que
permeiam as trajetórias pessoal e profissional dos professores de educação infantil.
Como afirmado, neste estudo, formação e prática pedagógica são compreendidas
como dimensões do trabalho docente diretamente relacionadas à dimensão pessoal dos
professores, logo às suas trajetórias sociais e às condições objetivas e influências que
permeiam os espaços sociais nos quais estiveram inseridos, principalmente no campo
educacional.
Considerar os processos experienciais da trajetória social dos professores exige certo
rigor. André (2010) afirma necessária cautela mediante conclusões precipitadas na realização
23
de pesquisas que levam em conta o fazer docente. A autora enfatiza a importante superação
do senso comum, inferindo que:
Não basta fixar-se em apenas uma das pontas do processo – fixar-se nas
representações, saberes e práticas do professor – deixando de articulá-los aos
contextos em que surgiram, às circunstâncias em que foram produzidas e às
medidas a serem tomadas para promover a aprendizagem da docência
(ANDRÉ, 2010, p. 176).
relacionados à origem social. Assim, a análise das disposições para ação e dos valores
expressos na prática docente relaciona-se às estruturas objetivas referidas à origem social e ao
campo educacional, sendo levadas em conta as condicionantes estruturais existentes na
trajetória pessoal e no exercício docente nas escolas de educação infantil, especificamente nas
creches.
Os conceitos de habitus e campo apresentam-se como importantes instrumentos
analíticos da relação entre os valores e as disposições para ação que se apresentam na prática
docente e as condições sociais nas quais estiveram e estão inseridas as professoras de
educação infantil em exercício docente nas creches investigadas. O objetivo de apreender
aspectos da prática docente de professores de crianças menores de três anos, tais como valores
e disposições incorporados durante a trajetória pessoal e profissional, abordadas nesta
pesquisa como movimentos formativos não formais, possibilita compreender que o trabalho
docente não se dá desvinculado da trajetória social, nem do lugar social ocupado pelos
agentes e das condições objetivas e influências que permeiam tais percursos.
Além dos conceitos acima explicitados, cabe apresentar o conceito de prática
pedagógica aqui adotado, a partir da ideia formulada por Sacristán (1999b), em que a prática
docente se encontra relacionada às implicações do campo educacional.
Para Sacristán (1999b) a prática docente pode ser compreendida como um legado a ser
transmitido, uma cultura objetivada em forma de tradição acumulada que compõem a cultura
escolar. Segundo o autor, estas são compostas tanto por elementos da cultura escolar, bem
como por condutas, crenças, valores e formas de compreensão compartilhados pelos
professores.
Segundo Sacristán (1999b), dois conceitos auxiliam na compreensão da prática
docente como cultura compartilhada, são estes: habitus e institucionalização. O primeiro está
relacionado à forma como a prática é incorporada pelos professores, como disposição para
ação, enquanto o segundo diz respeito à condição da prática docente como um hábito
compartilhado, em que estão presentes regras que definem e determinam posições e relações,
sedimentadas como cultura escolar.
Knoblauch (2008), argumenta que aprender a ser professor envolve para além de
questões pedagógicas, uma trama de significados específicos à profissão, tais como valores,
rituais, normas e conhecimentos referidos à profissão docente e à cultura da escola, os quais
não são explicitamente ensinados nos cursos de formação, mas encontram-se arraigados como
uma cultura profissional docente que deve ser adquirida para adaptação no grupo e
desempenho profissional.
27
Frente a estas considerações vale afirmar que a constituição da prática docente para
além das condições intrínsecas aos sujeitos, apresenta relação com a realidade do sistema
educativo e outras instâncias sociais, com uma cultura objetivada compartilhada, referida ao
campo educacional e inscrita como uma condição objetivada (SACRISTÁN, 1999b).
Mediante as reflexões aqui apresentadas, frente aos caminhos desta pesquisa, vale
reafirmar que as práticas pedagógicas das professoras de educação infantil em exercício na
creche que foram investigadas são entendidas por meio de uma perspectiva em que os
profissionais atuantes nesta etapa da educação básica são compreendidos como agentes
sociais que constituem suas práticas de acordo com a relação dialética que possuem com o
meio social, bem como com as condições objetivas e relações nele presente.
A partir do exposto, a questão de pesquisa deste estudo é: Quais são os valores e
disposições incorporados em processos formativos não formais vivenciados nas trajetórias
pessoal e profissional de professoras de educação infantil que se apresentam em facetas da
prática pedagógica no trabalho com crianças de zero a três anos?
As questões específicas são:
i) Quais aspectos são possíveis de serem identificados nas trajetórias sociais de
professoras de educação infantil, evidenciando sua posição social?
ii) De que maneira as professoras compreendem a prática pedagógica na educação
infantil, especificamente na creche?
iii) Quais valores e disposições que mobilizam as professoras em suas práticas docente
que são referidos à origem social e ao campo educacional?
iv) Como as condições objetivas, referidas à origem social contribuem na elaboração
de valores e disposições que orientam o exercício docente com crianças de zero a
três anos?
v) Como as condições objetivas referidas ao campo educacional, contribuem na
elaboração de valores e disposições que orientam o exercício docente com crianças
de zero a três anos?
A partir das questões apresentadas, esta pesquisa tem por objetivo geral verificar
disposições incorporadas em processos formativos não formais vivenciados nas trajetórias
pessoal e profissional que se manifestam em facetas da prática pedagógica de quatro
professoras de educação infantil.
Como objetivos específicos almeja-se i) investigar a trajetória social das professoras
em exercício docente na creche, ii) apreender as formas como as professoras compreendem a
prática pedagógica na educação infantil, especificamente na creche iii) verificar valores e
28
disposições que mobilizam as professoras em suas práticas docente referidos à origem social e
ao campo educacional, iv) verificar o modo como as condições objetivas, referidas à origem
social contribuem na elaboração de valores e disposições que orientam o exercício docente
com crianças de zero a três anos , v) verificar o modo como as condições objetivas, referidas
ao campo educacional, contribuem na elaboração de valores e disposições que orientam o
exercício docente com crianças de zero a três anos.
Este estudo possui abordagem qualitativa, considerando que esse tipo de pesquisa
pretende captar o ponto de vista dos sujeitos, e o pesquisador procura analisar os dados em
detalhes, respeitando, no possível, a forma de registro ou transcrição e as opiniões obtidas
(BOGDAN; BIKLEN, 1999). Como instrumentos de coleta de dados elegeu-se a realização
de entrevistas semiestruturadas e aplicação de questionário.
A escolha desse procedimento se deu por conta da necessidade de maior aproximação
com o entrevistado, de modo que se sentisse mais à vontade, além da opção de maior
profundidade em um certo tema que esse procedimento possibilita.
Vale ressaltar novamente, que 2020 foi um ano tomado por condições adversas,
mediante a pandemia instaurada pelo novo coronavírus (COVID-19). Frente a esta conjuntura,
de forma a seguir os protocolos de distanciamento social, as entrevistas foram realizadas por
meio de encontro virtual, sendo utilizado o aplicativo de videoconferência Zoom Cloud
Meetings.
As entrevistas foram realizadas com quatro professoras de educação infantil da rede
municipal de Guarulhos em duas creches diferentes, buscando investigar em cada uma dessas,
uma dupla composta por uma professora com maior tempo de exercício e uma professora com
ingresso mais recente na rede municipal de ensino.
Optou-se por duplas iguais com o objetivo de busca por regularidades e/ou diferenças
entre as condições referidas à origem social e trajetória profissional das professoras ao se
considerar o momento e a forma de ingresso na rede educacional. A escolha por duas creches
justifica-se pelo esforço de uma análise que leva em conta as condições objetivas que
permeiam cada espaço social, compreendendo assim a creche como um subcampo do campo
educacional. A escolha das creches se deu em consonância com a escolha das professoras
participantes. Partiu-se da premissa de creches localizadas em diferentes territórios, uma
sendo uma mais central e outra mais periférica.
Além das entrevistas também foi aplicado questionário complementar via Google
Forms solicitando dados referentes à escolarização das professoras, bem como de seus
familiares, além de informações de cunho socioeconômico.
29
3
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) encontra-se no Apêndice C.
30
No quarto capítulo são apresentados os dados coletados por meio das entrevistas
semiestruturas e que dizem respeito às trajetórias pessoal e profissional das professoras. Neste
capítulo discute-se sobre as experiências sociais vivenciadas pelas docentes que se destacam
como aprendizagens desenvolvidas mediante as relações estabelecidas com os sujeitos e os
espaços sociais em que estiveram inseridas, ou seja, à família de origem e o campo
educacional.
Por fim, no quinto e último capítulo, expõem-se a análise dos dados atinentes às
condições de trabalho na creche, além dos processos formativos docentes.
31
Por fim, tendo em vista que a trajetória social abarca os diversos momentos de
socialização, bem como os diversos espaços sociais percorridos pelos docentes, em um
terceiro movimento discute-se a constituição de um habitus docente, logo, de disposições para
ação referentes ao campo educacional.
que interagem com o sistema escolar e, além disso, é devedora de si mesma, de seu passado”,
estando imersa nas circunstâncias históricas em que surge. Neste sentido vale ressaltar que:
Assim como o pensamento sobre a educação não pode ser explicado sem
apelar a outras esferas do pensamento e da cultura, também as práticas
educativas não podem ser compreendidas sem ver como outras práticas
sociais projetam-se, incidem ou nelas provocam reações (SACRISTÁN,
1999b, p.91).
não são simples resultados das estruturas, mas influenciados por processos externos nos quais
também se encontram ativos, podendo assim ser classificados como agentes sociais.
Bourdieu (2011) considera que o que é pessoal do indivíduo, subjetivo, é também
alicerçado socialmente, sendo orquestrado de forma coletiva em uma relação de
interdependência entre indivíduo e sociedade.
Ao partir da teoria praxiológica e como esforço para escapar da ideia de determinismo
da estrutura, entretanto sem favorecer as teorias sobre a liberdade do sujeito, Bourdieu
formulou alguns conceitos como habitus, campo, senso prático e estratégias, noções estas que
dão suporte às considerações e as análises desta pesquisa.
Originário no pensamento de Aristóteles e na escolástica medieval, tendo sua gênese
no conceito de hexis, definido por Aristóteles como um “um estado adquirido e firmemente
estabelecido do caráter moral que orienta nossos sentimentos e desejos em uma situação e,
como tal, a nossa conduta.” (WACQUANT, 2007, p.65), a noção de habitus é um conceito
reinterpretado que define a interiorização das condições históricas e sociais ao longo da
trajetória de um agente social.
Ao traçar historicamente a origem do habitus, Wacquant (2007) destaca que a noção
foi recuperada por Pierre Bourdieu em 1960, para forjar uma teoria disposicional da ação
capaz de reintroduzir a capacidade inventiva dos agentes sem retroceder ao viés das
abordagens subjetivas da conduta social, delineando-se desta forma como um conceito com o
objetivo de transcender a oposição entre o objetivismo e subjetivismo.
De acordo com Wacquant (2007 p.66) ao captar a forma como as estruturas objetivas
depositam-se nos sujeitos sob a forma de disposições duráveis que os levam a pensar, sentir e
agir de determinado modo, o habitus inscreve-se como uma noção mediadora entre indivíduo
e sociedade auxiliando no rompimento da ideia de dualidade entre as duas instâncias.
Conforme Bourdieu (2003), o habitus se constitui por meio das estruturas sociais que
permeiam a vivência dos sujeitos, podendo ser definido como a internalização de tais
estruturas objetivas. De forma mais explícita, segundo as considerações do sociólogo francês,
o habitus pode ser compreendido como produto da interiorização das condições objetivas sob
forma de disposições duráveis que estruturam as práticas e representações dos agentes sociais.
Bourdieu (2003) define habitus como:
Nas palavras de Bourdieu (2003), habitus é um sistema durável de disposição que leva
o agente a perceber, sentir e agir. É uma estrutura estruturada pelas regularidades objetivas
que funciona como estrutura estruturante das ações e representações, de modo que a dimensão
social é inscrita no indivíduo por meio do condicionamento social que incide sobre as
estruturas mentais. Como define Wacquant (2007, p. 66), habitus é “história individual e
grupal sedimentada no corpo, estrutura social tornada estrutura mental”. Assim, cabe destacar
a seguinte afirmação:
Pode-se afirmar que para Bourdieu (2003), a realidade social objetiva é incorporada
sob a forma de esquemas disposicionais. As percepções, as práticas e as escolhas do agente
vão sendo estruturadas por tais esquemas, funcionando como uma matriz de pensamento que
o sujeito utiliza imperceptivelmente para orientação de sua ação. Assim, as ações produzidas
seguem uma tendência ao ajustamento da realidade na qual foram gerados os esquemas que as
asseguram.
Setton (2002) evidencia que o conceito de habitus desenvolve a ideia que o agente
não é apenas resultado das determinações da realidade social e nem determinante desta. Como
afirma a autora, tal conceito possibilita pensar na relação entre os condicionamentos sociais
exteriores e a subjetividade dos sujeitos, permitindo compreender o modo como o homem se
torna um ser social. O habitus fundamenta a ideia que as ações e percepções não são livres e
conscientes ou ainda efeito mecânico de causas externas, uma vez que, permite a
compreensão das experiências sociais como condições ativas depositadas em cada agente sob
a forma de esquemas de pensamento, percepção e ação, podendo ser compreendido como uma
estrutura mental que ao mesmo tempo é individual e coletiva, inculcada nos agentes
submetidos à socialização (BOURDIEU, 2011).
Bourdieu (2003) refere-se ao habitus como um sistema de disposições conformadas
pela interiorização das estruturas sociais nos processos de socialização. Mediante aos seus
argumentos é possível inferir que a incorporação do habitus se dá por meio dos processos de
38
socialização do sujeito com o que denomina de instâncias socializadoras, tais como família,
escola, religião. De acordo com o autor, são nestes espaços, em que são incorporadas as
disposições que orientam as práticas e as representações dos agentes.
De modo a fundamentar a compreensão acerca da produção do habitus primário,
Bourdieu (2011) propõe a família como categoria social que oferece os modelos a serem
seguidos no mundo social. Para o autor, a família atua como princípio de estruturação de
futuras experiências, as quais contarão com influências posteriores referentes aos diversos
campos.
Ao definir a socialização junto à família, Bourdieu (2003) postula esta como primeira
instituição socializadora, a qual contribui com influências marcantes na formação dos
agentes.
Bourdieu (2011) analisa a família como um dos princípios da construção da realidade
social, sendo ela a primeira instituição estruturante pela qual o sujeito aprende a ser agente
social e a pertencer ao meio social.
Identificando uma ação pedagógica nos processos de formação por meio da
socialização, Bourdieu (2003) compreende esta primeira instância socializadora como um dos
princípios constitutivos do habitus, sendo responsável por forjar no agente, por meio da
transmissão de uma matriz cultural, um habitus enraizado, o qual denomina de habitus
primário. O habitus primário localiza-se como base no processo de estruturação de novos
habitus produzidos em outras instâncias formadoras no decorrer da trajetória social do agente.
As estruturas adquiridas nesta primeira fase de formação acabam por influenciar o sistema de
disposição adquirido posteriormente por meio de outras instâncias socializadoras,
comandando o processo de estruturação de novos habitus.
Por ser um sistema de disposição incorporado ao longo dos processos de socialização,
sendo produto da trajetória social do indivíduo, vale ressaltar que não é um sistema fechado,
podendo ser reestruturado conforme a relação entre agente e os espaços sociais em que está
inserido durante sua trajetória. Por ser um sistema aberto como define Bourdieu (2003), o
habitus está sujeito a novas experiências e encontra-se em constante reformulação, não sendo
proposto como destino. As experiências anteriores dos sujeitos encontram-se ativas no
indivíduo sob a forma de esquemas de percepção, ação e pensamento, enquanto as novas
experiências, sobrepostas às antigas, constituem uma nova matriz orientando novos
esquemas.
Considerando tal condição, a noção de campo inscreve-se também como importante
na discussão deste estudo. Bourdieu (2019) apresenta o conceito ao compreender a
39
como o entendimento do agente social acerca de seu envolvimento com tal jogo social, como
algo que valha a pena, ou seja, como um interesse.
Por ser cada campo social dotado de um habitus a ele correspondente, os indivíduos
que estão inseridos em determinado campo, para serem capazes de compreender e acreditar
no jogo, necessitam incorporar tal habitus. Ao ser incorporado, o habitus permite ao agente o
senso prático, engendrando estratégias para a permanência no campo (BOURDIEU, 2011).
Mediante a estas considerações vale dizer que o habitus é essa “espécie de senso prático do
que se deve fazer em dada situação - o que chamamos, no esporte, o senso do jogo, arte de
antecipar o futuro do jogo inscrito, em esboço, no estado atual do jogo” (BOURDIEU, 2011,
p. 42).
De acordo com Bourdieu (2004), ao fazer parte de um dado espaço social, ao adquirir
o senso prático por meio de sua incorporação ao habitus, o agente social ajusta de forma
inconsciente suas estratégias às necessidades impostas pela configuração social do campo, de
forma que o jogo social jogado no campo se constitui em segunda natureza do agente. Tal
compreensão encontra-se diretamente ligada ao fato de, ao incorporar determinado habitus, o
agente social entender como natural o que se passa no jogo social. Para o autor, as ações dos
agentes estão relacionadas ao que o jogo demanda, no sentido que realizam o que
compreendem como o que deve ser feito, assim define que:
Os agentes sociais que têm o sentido do jogo, que incorporaram uma cadeia
de esquemas práticos de percepção e de apreciação que funcionam, seja
como instrumentos de construção da realidade, seja como princípios de visão
e de divisão do universo no qual eles se movem, não têm necessidade de
colocar como fins os objetivos de sua prática (BOURDIEU, 2011, p. 143).
Neste sentido, é possível afirmar que o habitus é ajustado a uma determinada demanda
social, e as estratégias que são adotadas regulam as práticas de forma inconsciente, como
produto da condição do habitus e da conjuntura do campo. Segundo Bourdieu (2011), as
estratégias são na realidade produto de disposições forjadas pelas necessidades do campo
social no qual o agente está inserido, estabelecidas por meio do senso prático adquirido
conforme as experiências sociais vivenciadas pelo agente social.
Embora compreenda a relação entre habitus e campo como responsável pela regulação
das estratégias que orientam as práticas dos agentes sociais, Bourdieu (2011) reafirma que
dada circunstância não pode ser entendida como uma obediência mecânica por parte do
agente. Em suas considerações o autor ressalta que o agente social que pode ser compreendido
como um bom jogador é aquele que a todo instante realiza o que é exigido pelo jogo, em um
41
dizer que durante sua inserção na profissão o professor se adapta conforme o campo
específico em que se encontra, sendo o habitus ajustado às necessidades que as novas
situações requerem, de forma que novas experiências vão sendo adquiridas e por meio destas
sendo incorporadas novas disposições. Assim, cabe falar de um habitus incorporado junto ao
exercício profissional da docência.
Penna (2012b) relaciona a origem das ações dos professores à história incorporada no
professor em forma de disposições, oriundas do habitus familiar e da história inscrita no posto
em que deve ocupar como professor. Segundo a autora “ser professor implica ocupar
determinada posição no espaço social” (PENNA, 2012b, p.200) e tal posição ao expressar e
constituir um habitus determinado ao exercício, engendra disposições para ação as quais
orientam as tomadas de posição e julgamentos, favorecendo também as práticas.
Segundo Silva (2005) o conjunto de elementos que estruturam a prática, estabelecendo
o ser, o agir e o estar na profissão docente, ou seja, o habitus professoral, se desenvolve no ato
de ensinar e interagir na profissão docente. Assim, entende a escola como um espaço de
socialização, de aprendizagem e formação, em que ao exercer o ofício docente o professor
acumula experiências cotidianas desenvolvendo um saber prático a partir de suas práticas
individuais e coletivas. A autora infere ainda a possibilidade de incorporação de tais esquemas
de comportamento docente por meio de experiências vivenciadas como aluno nos diferentes
níveis de ensino. Em suas palavras, tal habitus inscreve-se como uma condição que se
constitui a partir das experiências de socialização no campo educacional e no exercício da
profissão “por meio de influências de condicionamentos advindos da cultura estruturada e
estruturante da escola, que subsiste na instituição na qual o sujeito desenvolve sua carreira
docente”. (SILVA, 2005, p. 161).
Neste mesmo sentido, dentre os processos de engendramento de valores e disposições
para ação que orientam o trabalho na creche entende-se também como importantes as
contribuições de Sacristán (1999b) acerca da prática educativa como uma cultura objetivada
inscrita no docente como habitus, situação que também acaba por forjar disposições que
orientam o modo de ser e agir dos professores.
Segundo Sacristán (1999b), os esquemas de comportamento profissional são
incorporados pelo professor desde experiências anteriores à entrada na profissão docente,
sendo forjado determinado habitus a partir das dimensões objetivas de atuação na escola, bem
como por elementos individuais e pela trajetória social dos professores. De acordo com o
autor, “o agente pedagógico é constituído dentro de uma cultura geral e dentro da subcultura
relativa às práticas presentes nelas” (SACRISTÁN, 1999b, p.89).
43
Como já afirmado, neste estudo, parte-se da concepção de prática docente como uma
cultura compartilhada, tradição acumulada condicionada institucionalmente e relacionada às
implicações do campo educacional, formulada por Sacristán (1999b).
Sacristán (1999b) propõe dois conceitos para a compreensão da prática educativa,
sendo eles habitus e institucionalização. O habitus compreende a forma como a cultura
acumulada é incorporada pelos professores em forma de disposições para ação, e a
institucionalização deixa ver a forma como tal tradição acumulada é tipificada em ações
habituais por meio de regras e coerção.
O autor destaca que as práticas educativas são práticas cristalizadas atreladas à
sobrevivência histórica da educação institucional e reproduzidas no campo educacional, nas
palavras o autor as práticas educativas:
Vale ressaltar que o presente estudo traz como foco o atendimento à criança de zero a
três anos, que como define o art. 30 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996), é realizado por meio de creches ou entidades
equivalentes sendo referente à educação infantil, primeira etapa da educação básica. Assim, as
práticas docentes aqui investigadas necessitam ser compreendidas a partir das especificidades
do trabalho docente nas creches.
Ao tratar sobre a educação infantil, Kuhlmann Jr. (1998, p.16) sugere que as
instituições de educação da criança pequena estão em estreita relação com questões que dizem
respeito “à história da infância, da família, da população, da urbanização, do trabalho e das
relações de produção, além de claro, com a história das demais instituições educacionais”, e
que compõem o exercício docente nesse âmbito.
Para Bujes (2002), os acontecimentos e efeitos referidos ao surgimento da escola
também ajustam-se à gênese da educação infantil, inclusive da creche, uma vez que, assim
como as instituições voltadas às crianças maiores, o
atendimento à criança pequena é cercado por características como: ocorre em espaço fechado,
a autoridade moral é encarada no professor ou em seu sucedâneo, incumbe na criança estatuto
de inferioridade, além de ser organizado para a transmissão de saberes de ordem disciplinar.
47
Segundo o autor, tais normas são impostas aos professores, os quais não se veem
livres de utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar a condução dos trabalhos
escolares. Para Penna (2011), os modos de ser e agir dos professores estão relacionados à
cultura escolar e ao que se espera ver concretizado por meio da escola, no caso deste estudo,
da creche, instituição relacionada ao campo educacional. A autora considera que as práticas
48
docentes também guardam relação com a percepção que o professor possui da atividade que
desempenha.
Partindo desta premissa, definem-se também como necessários os apontamentos sobre
como a função social do professor tem sido composta, bem como definida por valores
historicamente referidos ao magistério, uma vez que, encontra-se diretamente relacionada à
cultura escolar, conforme seu processo de institucionalização. Tais discussões são relevantes,
uma vez que, se considera que ser professor significa ocupar uma determinada posição social,
como ressalta Penna (2011), e que ocupar certa posição relaciona-se ao assentimento de
determinada visão de mundo referida a tal posição. Vale ressaltar que neste estudo as
profissionais em exercício docente no atendimento à criança de zero a três anos são
compreendidas sob a perspectiva de que ocupam a função de professoras de educação infantil,
tendo em vista o reconhecimento do trabalho docente na creche no quadro do magistério, tal
como estabelecido na rede pública educacional que aqui se analisa.
Dando importância ao histórico da institucionalização da escola e da docência é
importante compreender as especificidades que compõem a creche e sua configuração em
relação à escola atual. Assim, para além das condições que permeiam o campo educacional e
a função docente, importa discutir como tem se configurado a educação infantil como
primeira etapa da educação básica no campo educacional e mais especificamente
compreender a posição ocupada pela creche mediante as implicações de determinada cultura
escolar.
Partindo-se do exposto, este capítulo se divide em quatro partes. Na primeira
apresenta-se a discussão atinente à relação entre a creche, as concepções de infância e cultura
escolar, de modo a explanar a forma como em seu processo constitutivo tal instituição, ainda
que de cunho assistencialista, esteve relacionada à dispositivos educacionais que permanecem
até os dias de hoje. Na segunda discorre-se sobre a consolidação da profissão docente,
apresentando considerações acerca da função de professor, bem como os valores e discursos
que permeiam o magistério e especificamente a docência com crianças pequenas. Na terceira
insere-se o debate acerca da conjuntura e das finalidades da creche, tendo em vista a
exposição de aspectos que constituem e marcam o atendimento à criança de zero a três anos
como um campo desvalorizado socialmente. Por fim, na quarta e última parte enuncia-se
sobre o processo de profissionalização docente na educação infantil levando em conta a forma
como se configurou a profissão na creche por meio da formação docente.
.
49
Nas palavras da autora (BUJES, 2002), as narrativas sobre a criança configuradas nas
obras dos reformadores humanistas e ideólogos sociais, as quais compreendiam a infância
como maleável, carente de razão e marcada pelo estigma do pecado, incidiram
significativamente sobre os movimentos de socialização e de educação das crianças nos
séculos XVI e XVII, dando início a uma série de iniciativas que aos poucos se disseminaram
pela Europa, marcando as novas práticas de cuidados, as relações entre adultos e crianças,
51
Vale ressaltar que o controle sobre o sujeito infantil e sobre a população sempre esteve
relacionado às condições de classe. Varela e Alvarez-Uria (1992) chamam atenção para o fato
de a instituição da infância estar ligada a uma condição de dominação e de poder, sob um
programa político de dominação. Os autores ressaltam que o enclausuramento da infância por
meio das instituições educacionais assumiu características diferentes conforme a classe social
a que se destinava tal educação:
Kuhlmann Jr. (1998) insere-se no debate, ao destacar que a creche necessita ser
compreendida desde seus primórdios como o primeiro degrau da educação, chamando atenção
ao fato de que o pensamento educacional não levar em conta a existência de elementos
comuns entre as instituições constituídas para atender segmentos sociais diferenciados. Em
suas palavras, há certa insistência na negação de caráter educativo das instituições associadas
a entidades ou propostas assistenciais, o que ocorre mediante a idealização de que a educação
apenas possui caráter positivo, emancipatório e neutro. Mediante a essa consideração, o autor
discorre sobre o caráter educativo presente até mesmo no atendimento histórico da educação
infantil denominado de assistencialista, ou seja, as creches.
Apresentando relatos e documentos sobre os atendimentos em creches e salas de asilos
na França, Kuhlmann Jr. (1998) debate sobre a condição pedagógica presente nestas
instituições, declaradas como sendo de caráter assistencial. Assim, infere a necessária
problematização acerca do processo histórico de constituição das instituições destinadas às
crianças pequenas pobres e os reais objetivos frente à função de guarda instituída, também
relacionada a um caráter educativo.
Para o autor, o assistencialismo como proposta educacional específica para este setor
social, destinado às crianças pequenas em situações precárias, configurava-se com o objetivo
de submissão, não apenas das famílias, mas das crianças das classes populares. Ao considerar
53
que a destinação de tais instituições ocorria apenas para uma parcela social, propõe a
compreensão desse atendimento a partir de uma concepção educacional, destacando:
cuidados e educação para a primeira infância não estejam vinculadas diretamente às séries
iniciais do ensino fundamental, é possível encontrar na consolidação de determinados espaços
um processo que apresenta muitos pontos em comum, tais como:
De acordo com Barbosa (2006), determinadas práticas, que tiveram origem nas escolas
e colégios auxiliam a entender as formas de organização do trabalho nas creches e nas pré-
escolas. Frente às considerações aqui explanadas, cabe reafirmar o modo como a forma
escolar se faz presente na educação infantil.
Apoiando-se nas considerações de Bujes (2002), Barbosa (2006) e Kuhlmann Jr.
(1998) é possível compreender o modo como historicamente se instaurou o atendimento às
crianças pequenas: com caráter assistencialista, entretanto apresentando também objetivos
educativos e de controle disciplinador, bem como moral, principalmente com vistas à uma
parcela menos abastada da população, além de ter se configurado conforme as características
da escola para crianças maiores, fatos esses que permitem compreender a estreita relação
entre uma forma escolar que permeia o atendimento de cuidado e educação à crianças desde a
mais tenra idade.
Ao discorrer sobre a educação infantil e ao sentido desta, Freitas (2007) infere que tal
etapa da educação básica deveria se constituir como um universo de forma própria, um
universo específico. A partir desta consideração, o autor discute a necessária atenção ao
espectro que ronda a educação infantil e suas crianças, qual seja, o espectro da forma escolar.
Segundo Freitas (2007), ao se tornar escolar a educação manteve uma lógica interna a que
está sujeita e que, independente de suas variações, caracteriza o modo de ensinar e reitera a
forma escolar. Para o autor, determinada forma precisa ser afastada da primeira etapa da
educação básica, uma vez que esta possui suas especificidades. Desse modo, destaca que:
No que concerne à questão, Sarmento (2013, p.132) aponta que a primeira etapa da
educação básica continua presa a modelos institucionais que “conformam as práticas
quotidianas, que estabelecem as rotinas, que estruturam os projetos pedagógicos e que
regulam a organização do espaço, do tempo, das atividades e das avaliações”. Conforme suas
considerações, a educação da infância encontra-se presa a modelos pedagógicos fixos e não
traz à discussão uma análise sociológica das condições reais de existência da infância, da
escuta sensível dos modos de ser e de comunicar das crianças em sua concretude.
Em um esforço para compreender o papel da educação infantil na sociedade atual,
tendo em vista sua consolidação como primeira etapa da educação básica, Serrão (2012)
infere a necessária reflexão, de forma ampliada, sobre a função da escola na
contemporaneidade. Para tanto, realiza uma série de questionamentos e destaca como
essenciais os conceitos de cultura escolar e escolarização, a fim de que se compreenda a
função socialmente demandada à escola, e em especial à educação infantil. Ao apresentar tais
conceitos, suas definições e implicações, a autora chama atenção para a necessidade de se
levar em conta a discussão acerca da construção social da infância, bem como realizar a
análise das ações do Estado por meio de políticas públicas destinadas à educação infantil.
Para Oliveira (2002) as práticas educacionais com crianças de zero a três anos trazem
relação com quadros ideológicos debatidos conforme a ideia de criança e desenvolvimento
infantil que vão sendo construídos historicamente e socialmente.
Em uma mesma direção Abramowicz (2003) relaciona as práticas que se inscrevem
nas instituições de educação infantil à concepção de infância e criança presente na sociedade.
Segundo a autora:
visão universalista essa que tende a ocultar diversos aspectos referentes à criança. Assim, o
autor considera que:
Nas palavras de Sarmento (2013), as políticas hegemônicas têm realizado ações que
pretendem reduzir a educação a um conjunto de metas pautadas na ideia de dimensões
mensuráveis de desenvolvimento e aprendizagem, representando assim o que destaca como
uma tecnização que ignora a natureza política da ação educativa, dando espaço a intervenções
pedagógicas que tomam o sujeito infantil como sujeito educável segundo padrões pré
definidos, que não englobam em sua essência os contextos sociais de existência da infância.
Para Sarmento (2013), o fato de a educação da infância ser pensada fora do quadro
social de existência das crianças possui razão política e decorre da despolitização de toda a
educação e da educação infantil, a qual se desenvolveu e emergiu a partir de diferentes
origens e sob pressões sociais distintas, “em torno de projetos societais que afirmam o
primado da educação das crianças em torno de valores frequentemente conflituais”
(SARMENTO, 2013, p. 134), sendo estes:
ocorrer por meio de práticas artesanais, por meio de impregnação cultural, como salienta
Nóvoa (1991), e se torna formal e organizada a partir da necessidade de instrução popular
com o estabelecimento dos Estados modernos.
Conforme relatam referências históricas, é a partir do controle do Estado e sob a nova
forma de conhecimento especializado e formal que se inicia o processo de constituição da
profissão docente, por meio do preparo de professores para que exerçam determinada função.
Embora relacione a este período a profissionalização da atividade docente, Nóvoa
(1991, 1999) aponta que a gênese da função se localiza no seio de algumas congregações
religiosas que se transformaram em verdadeiras congregações docentes, anteriormente à
estatização da escola. Tal função não especializada era exercida como ocupação secundária de
religiosos ou leigos de diversas origens. Segundo Nóvoa (1991), embora a função docente
tenha se constituído a partir do processo de estatização, por meio da elaboração de um saber
técnico e de profissionalização, tal função permaneceu relacionada a normas, valores e
atitudes referentes à ordem moral e religiosa, bem como a um corpo de saberes e técnicas
organizados em torno de princípios e estratégias de ensino, o qual atravessou toda a história
profissional docente.
Tendo em vista o reconhecimento da gênese da função docente relacionada à igreja e
ao Estado, compreende-se que um conjunto de normas e valores presentes no campo
educacional encontram-se relacionados à missão e vocação, bem como são relacionados a
ações de controle e disciplinarização.
Segundo Penna (2011), a constituição histórica da escola como instituição social e as
condições objetivas em que o professor é posto a exercer a docência a fim de ensinar e educar
outros seres humanos, contribuem para que os professores compreendam que a moralização e
a disciplinarização se inscrevem como a principal tarefa a ser desenvolvidas por eles.
Tardif e Lessard (2005) apontam para visões normativas e moralizantes impostas à
docência, as quais se interessam por formular o que os professores devem ou não fazer. Em
suas palavras, tais visões “têm suas raízes históricas no ethos religioso da profissão de
ensinar, que é antes de tudo um trabalho orientado por uma ética do dever com forte conteúdo
religioso” (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 36). Os autores também apontam como parte da
função docente a disciplinarização, uma vez que é posto ao professor o dever de educar e
instruir alunos. Assim, afirmam:
Ser um agente moral marca o exercício docente, além de ser prática educativa que se
estabelece institucionalmente. Para além de determinadas marcas, há que se considerar
também que ao se tornar estatizada, a função docente acabou por se relacionar às demandas
do Estado, como destaca Nóvoa (1999).
Mediante a situação que coloca a função docente em relação ao Estado, importa levar
em conta que, para além de tais valores relacionados à ordem moral e disciplinadora, o
magistério é definido pelas necessidades sociais às quais o sistema educativo encontra-se
ligado, do que decorre uma profissionalidade posta como ideal, como demonstra Sacristán
(1999a). Nas palavras do autor, o ensino se configura como uma prática social que não está
relacionada apenas à interação entre professores e alunos, essa também se constrói como
reflexo da cultura e contextos sociais aos quais pertence, tais como o sistema social, sistema
educativo e a escola.
Para Sacristán (1999a, p. 65), a profissionalidade docente configura-se por aspectos
relacionados a valores, currículos, práticas metodológicas ou de avaliação, podendo ser
definida como a “[...]afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto de
comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade
de ser professor”, sendo manifestada por meio de diversas funções, tais como: “ensinar,
orientar o estudo, ajudar individualmente os alunos, regular as relações, preparar materiais,
saber avaliar, organizar espaços e atividades etc.” (SACRISTÁN, 1999a, p. 77).
Sobre a especificidade da função docente, Contreras (2012) considera que não deva
ser definida apenas pelas práticas dos professores, nem também por um conjunto de
aspirações, uma vez que possuem grande carga simbólica e podem ocultar o sentido real da
prática do ensino. Em suas palavras, para que seja possível entender às características e
qualidades do ofício de ensinar, faz-se necessário discutir tudo o que se diz sobre esse ofício
ou o que dele se espera, além de se levar em conta o que esse não deveria ser. Assim, define
que a profissionalidade “se refere às qualidades da prática profissional dos professores em
função do que requer o trabalho educativo” (CONTRERAS, 2012, p.82).
Para Contreras (2012), fundamentar a profissionalidade sob tal ótica, ou seja, a partir
do que o trabalho docente requer e impõe, bem como da forma como os professores realizam
sua prática profissional, significa “não só descrever o desempenho do trabalho de ensinar, mas
61
compreensão acerca dos valores que compreendem e marcam a posição social de determinada
função.
Na creche, como já discutido, tal característica inseriu-se na função desde seus
primórdios, quando o cuidado da criança pequena ainda não era concebido como docência.
Delineada predominantemente pelo trabalho de mulheres e pela ausência de necessidade de
formação profissional, a função docente na educação infantil se configurou de forma que
foram cristalizados e naturalizados conceitos e concepções sobre o papel da mulher no
trabalho com crianças pequenas.
Em pesquisa sobre a construção de identidades das profissionais de educação infantil,
Cerisara (2002a) pontua que assim como concebido pelo senso comum, os depoimentos por
ela obtidos em sua pesquisa demonstraram a ideia de que trabalhar com crianças pequenas é
uma extensão da função de cuidado enxergada como feminina dentro da família. Frente a tais
apontamentos, o estudo denota a situação de desvalorização do trabalho com crianças na
creche ao verificar que somente é classificado como competente e profissional o trabalho
realizado no sentido de caráter escolar-formal, sem estar ligado à substituição maternal.
Arce (2001) caracteriza e debate a presença do mito da mulher como educadora nata
construído na imagem da professora de educação infantil. A autora constata a construção de
imagens idealizadas do ser criança e do ser mulher, sem que sejam colocados em discussão os
papéis sociais de tais sujeitos. Em suas palavras, é possível perceber a imagem do profissional
de educação infantil associada ao ambiente doméstico e ligada fortemente ao mito da
maternidade, da educadora nata, da mulher como rainha do lar. Segundo a autora, ao longo da
história tem sido reforçada a imagem do profissional de tal área como “a da mulher
"naturalmente" educadora, passiva, paciente, amorosa que sabe agir com bom senso, é guiada
pelo coração [...]” (ARCE, 2001. p.167).
Tais valores socialmente associados à mulher acabam por se sedimentar como valores
atinentes ao magistério, e não apenas na educação infantil. Ao analisar necrológios de
professores paulistas publicados durante os anos de 1980 a 1990, Pereira (2000) verificou
valores atribuídos aos docentes. Segundo o autor, os escritos trazem à luz valores e
disposições do magistério paulista à época.
Dividindo as avaliações dos necrológios em dois eixos opostos: valores dominantes,
referidos ao polo masculino, a partir de adjetivos expressos reservados às melhores carreiras,
e, valores dominados, reservados ao polo feminino, diante dos adjetivos utilizados para
qualificar as carreiras dos agentes que ocuparam postos discretos no magistério, Pereira
(2000) destaca a dicotomia que se estabelece entre carreiras masculinas e femininas, ainda
64
Assim como Adorno (2003), Pereira (2003) compreende que tanto dificuldades
materiais como simbólicas permeiam a profissão docente. Para o autor, a profissão se
apresenta sob condições ambíguas de valor e desvalor, que necessitam ser compreendidas. Em
esforço para entender valores e julgamentos produzidos por professores de duas associações
da categoria docente em São Paulo na década de 1980, o autor verifica que determinado grupo
profissional embora seja dominado por baixos salários e de pauperização, ao ocuparem uma
profissão relacionada ao vínculo com o Estado agregam valor simbólico a sua posição social.
Frente ao estudo, Pereira (2003) identificou a organização dos valores do magistério a
partir de dois polos concorrentes, sendo estes: i) o ethos missionário da profissão, “
caracterizado por um conjunto de valorações que denotam invariavelmente o sentido
vocacional do professor (carisma), além da renúncia e do desprendimento do magistério, ao
lado de esforços e abnegação” os quais estiveram mais relacionados à professoras primárias;
ii) o ethos do trabalho, “conjunto de valorações mais tendentes a ressaltar as virtudes
laboriosas do trabalhador educacional e as capacitações propriamente pedagógicas do
professorado”, o qual esteve presente em sua maioria entre os professores e professoras
licenciados (PEREIRA, 2003, p. 82).
Mediante às considerações de Pereira (2003), nota-se novamente o sentido de missão e
vocação relacionado ao trabalho realizado por mulheres e com crianças menores.
Ao se ter como objetivo investigar valores e disposições para ação que se expressam
em facetas da prática de professoras de creche, faz-se de grande importância que sejam
considerados os contextos sociais, bem como a forma como determinada função é
compreendida socialmente. Assim, tendo em vista determinadas necessidades, as reflexões
aqui apresentadas buscaram discutir o modo como se compõe a função docente, tendo em
vista seu processo de institucionalização, bem como os valores que compõem o magistério,
principalmente quando relacionado ao trabalho com crianças pequenas, situações essas que se
relacionam diretamente ao trabalho realizado pelos professores.
sobre a consolidação de tal instituição, bem como discute como atualmente tem acontecido o
atendimento à criança de zero a três anos.
Tendo em vista que a creche se insere na educação infantil é importante considerar
que conforme se apresenta nos dias de hoje, a primeira etapa da educação básica pode ser
compreendida como resultado de sua trajetória histórica e social, a qual imprimiu marcas nas
representações de sua função social, bem como nas práticas docentes que nela se inscrevem.
Com objetivos e públicos distintos, a educação infantil se configurou historicamente
por meio de duas redes paralelas. Enquanto de um lado se deu o atendimento às crianças das
camadas mais pobres da população com idade de zero a três anos em creches estruturadas por
meio de órgãos ligados à promoção e bem-estar social, do outro ocorreu o atendimento de
crianças de quatro a seis4 anos por meio dos jardins de infância e pré-escolas, vinculados aos
órgãos e sistemas educacionais (SILVA, 2001; KUHLMANN JR., 1998).
Atualmente reconhecida como parte da primeira etapa da educação básica, a creche
teve sua origem marcada pelo caráter assistencial-filantrópico e pelo provimento por meio da
iniciativa privada, junto ao atendimento aos filhos de famílias pobres que precisavam
trabalhar.
Referências históricas inferem que a criação da creche se deu como resposta aos novos
problemas decorrentes da industrialização e da urbanização, transformações sociais que
afetaram diretamente a estrutura familiar. De acordo com Freitas e Biccas (2009), Haddad
(1991) e Kuhlmann Jr. (1998), as primeiras creches surgiram no século XVIII, na Europa, e
no século XIX na América do Norte.
Didonet (2001) aponta que dada a partida ao emprego de mão de obra feminina na
Europa, a nova configuração, resultado da Revolução Industrial, acabou por provocar
mudanças na forma de cuidar e educar crianças. Em igual sentido, frente à disseminação de
indústrias, ao crescimento da urbanização e à demanda de liberação das mulheres ao mercado
de trabalho, as primeiras creches surgiram no Brasil no início do século XX.
Para além da liberação da mulher ao trabalho, é importante ressaltar que o surgimento
da creche foi acompanhado por um movimento de estabelecimento de padrões de educação e
4
Atualmente a educação infantil compreende o atendimento à criança de zero a cinco anos conforme a Lei Nº
11.274, de 6 de fevereiro de 2006 (BRASIL, 2006a), que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996), dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula
obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. A lei altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996. Nesta pesquisa utiliza-se a compreensão do atendimento à criança de zero a seis anos
quando trazidos dados históricos referentes ao atendimento em sua respectiva época.
67
responsabilização da mulher pelos cuidados ao marido e aos filhos, atuando como um local de
aconselhamento de mulheres julgadas incompetentes para tais tarefas. Destaca-se neste
período a propagação de critérios de cuidados apropriados às crianças como forma de
prevenção de situações como a morte ou vagabundagem, na qual as mulheres de classes
abastadas viam a oportunidade de estender seu papel fora do lar e instruir as mulheres das
camadas populares a serem boas donas de casa e cuidarem adequadamente de seus filhos
(HADDAD, 1991). Além disso, à creche também era atribuído o atendimento de crianças
filhas de mães solteiras, abandonadas e órfãs. Segundo Didonet (2001, p. 12), “durante
bastante tempo, orfanato e creche eram quase sinônimos”.
Sendo restrita à esfera médica dos higienistas e sanitaristas, as discussões sobre as
creches e sobre a educação da criança pequena se configuraram muito mais como objeto de
propostas higienistas do que educadoras. Frente a tais condições, verifica-se que a origem da
creche no Brasil se deu vinculada à pobreza, ao abandono e às sociedades de proteção à
infância, ocupando um lugar que pretendia suprir uma suposta falta moral e uma carência
econômica das famílias. Haddad (1991) observa que a relação estabelecida entre família e
creche se configurou como uma relação de favor e não de dever social, na qual era salientada
a incompetência dos familiares em arcar com as responsabilidades junto aos filhos.
Tendo em vista tais condições, vale destacar que até meados da década de 60 não
foram produzidos planos ou programas referentes à área de atendimento às crianças e famílias
e nem realizada a ampliação de atendimento. Um ponto a ser destacado é a falta, na LDB n.
4.024 de 1961 (BRASIL, 1961), de inovações significativas para a educação das crianças em
idade de frequentar a creche, que tratou apenas das situações de pré-escola; isto pois, o
atendimento de crianças de quatro a seis anos estava relacionado aos sistemas de educação,
enquanto as creches estavam ligadas aos órgãos de saúde e assistência (FREITAS; BICCAS,
2009).
Destacam-se como mudanças significativas referentes às instituições de atendimento à
criança de zeros a três anos, as modificações ocorridas a partir da década de 70, durante o
processo de redemocratização após a Ditadura Militar, período em que diversos movimentos
sociais recomeçaram a lutar por direitos que haviam sido suprimidos ou não garantidos com o
regime autoritário. O período caracterizou-se pela expansão de creches em todo o país.
Entretanto, importa considerar que tal ampliação foi realizada por meio do repasse de recursos
públicos a entidades filantrópicas e/ou comunitárias, as quais operavam muitas vezes de
maneira precária, como destacam Campos, Fuülgraf e Wiggers (2006). Em meio às tantas
discussões, uma educação compensatória com vistas à compensação de supostas carência
68
Quando se trata de crianças das classes populares, muitas vezes a prática tem
se voltado para as atividades que têm por objetivo educar para a submissão,
o disciplinamento, o silêncio, a obediência. De outro lado, mas de forma
igualmente perversa, também correm experiências voltadas para o que
chamo de "escolarização precoce”, igualmente disciplinadoras, no seu pior
sentido. Refiro-me a experiências que trazem para a pré-escola,
especialmente, o modelo da escola fundamental, as atividades com lápis e
papel, os jogos ou atividades realizadas na mesa, a alfabetização ou a
numeralização precoce, o cerceamento do corpo, a rigidez dos horários e da
distribuição das atividades, as rotinas repetitivas, pobres e empobrecedoras.
Em um mesmo sentido, Rosemberg (2016) aponta como duas forças que ainda
ameaçam a efetivação do direito à educação e ao cuidado das crianças pequenas e do direito
dos pais, e principalmente o das mães, ao trabalho extradoméstico: a escolarização precoce da
criança de zero a cinco anos e a assistencialização das creches ou da oferta de vagas em
creches para as crianças pobres.
71
É importante frisar que a existência de tais forças opostas que conferem determinada
fragmentação a uma mesma etapa educacional encontra-se diretamente relacionada às
políticas educacionais que, como resposta às pressões pela expansão de ofertas de vagas,
fragmentam o atendimento às crianças de zero a cinco anos. Enquanto de um lado se
encontram as creches de caráter não obrigatório e com menor oferta de vagas, do outro, em
caráter de obrigatoriedade, localiza-se o atendimento às crianças de quatro a cinco anos em
escolas.
Segundo Rosemberg (2016, p.175) “a distribuição de recursos para os diferentes
níveis educacionais, historicamente, tem discriminado a educação infantil, a criança
pequena”. Oferecendo dados sobre os investimentos na educação, a autora aponta que o
atendimento à criança de zero a três anos é precário, apresentando déficit de oferta de vagas e
recursos. Sobre isso, cabe enfatizar que tal déficit de oferta é ainda mais intenso para grupos
sociais mais necessitados, em que a qualidade de oferta é precária.
No que concerne à questão, Serrão (2012) discute a expansão do atendimento
historicamente concentrado na faixa etária mais próxima ao ensino fundamental, o que pode
ser compreendido como melhor aceitação social da escola como um lugar legítimo para a
educação das crianças mais velhas, o que não ocorre com a faixa etária mais nova atendida
nas creches. A autora destaca como outro aspecto que contribui para expansão do atendimento
às crianças maiores em detrimento da creche, a compreensão de que a pré-escola pode ser
desenvolvida nos moldes do ensino fundamental, por se adaptar mais facilmente às estruturas
das escolas de determinada etapa, “para qual nossa sociedade e, em especial, os setores
responsáveis pelas políticas públicas educacionais já tem certo conhecimento acumulado para
operacionalizar tal expansão” (SERRÃO, 2012, p.128).
De acordo com Serrão (2012), o fato de as creches terem sido concebidas para atender
crianças advindas das camadas populacionais de baixa renda tem dificultado a plena conquista
da sua legitimidade como instituição coletiva de cuidado e educação da criança pequena. Tal
situação encontra-se relacionada ainda à forte representação social de que a educação de
crianças bem pequenas deva ocorrer no âmbito privado, ou seja, em casa, sob a
responsabilidade de mulheres.
Mediante as problematizações aqui expostas fica evidente a desvalorização do
atendimento à criança de zero a três anos. Tais considerações permitem ainda compreender as
implicações e especificidades que permeiam a creche, que aqui é compreendida como um
subcampo que se inscreve no campo educacional.
72
5
Realizado em abril de 1994 em Belo Horizonte, promovido pelo Departamento de Políticas Educacionais da
Secretaria de Educação Fundamental, através da Coordenação Geral de Educação Infantil, o Encontro Técnico
sobre Política de Formação do Profissional de Educação Infantil reuniu especialistas de renome, profissionais
dos sistemas de ensino, de agências de formação e de outras organizações atuantes na área e representantes dos
Conselhos de Educação de âmbito federal e estadual. Com o objetivo de discutir a importância da formação
especializada dos professores da Educação Infantil, o encontro resultou no documento “Por uma política de
Formação do Profissional de Educação Infantil”, reunindo os textos das palestras proferidas.
78
deliberação exigiram novos olhares ao campo do que hoje se define como primeira etapa da
educação básica, bem como aos profissionais que ali trabalhavam.
Silva (2001) aponta que a constatação de que a imensa maioria dos profissionais que
atuavam nas instituições de educação infantil não possuíam habilitação em magistério e/ou ao
menos a escolaridade fundamental, resultou na produção de grandes debates em torno da
importância e da necessidade de formação e habilitação desses profissionais. De acordo com a
autora, já a partir de 1980 se instala o debate acerca do reconhecimento da educação infantil
como atividade educacional, tendo como objetivo o rompimento com as visões
assistencialistas, relacionadas principalmente à creche.
Com os novos olhares em relação à infância, a questão dos profissionais que atuavam
na primeira etapa da educação básica se constituiu como importante aspecto relacionado à
qualidade do ensino na educação infantil e sua articulação com a educação básica. Como
forma de incorporar as orientações da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) e nortear a
política de atendimento de crianças de zero a seis anos, passaram a ser publicadas pelo
Ministério da Educação (MEC) diretrizes sintetizadas em princípios que conceituavam a
educação infantil como primeira etapa da educação básica e que ressaltavam a importância da
formação de seus profissionais, bem como documentos e propostas curriculares. A situação
também demandou a implementação de políticas públicas relacionadas à formação.
Intitulado “Por uma Política de Formação do Profissional de Educação Infantil” o
documento publicado em abril de 1994 discutia “[...] a necessidade e a importância de um
profissional qualificado e um nível mínimo de escolaridade para atuar em creches e pré-
escolas como condição para a melhoria da qualidade da educação.” (BRASIL, 2004, p. 10).
Em seus princípios, reforçava a educação infantil como fundamental na formação dos
cidadãos, apontando assim a importância de formação especializada de seus professores,
definindo que:
infantil. Foi a partir da integração das creches e pré-escolas ao sistema de ensino que a
escolaridade mínima para o exercício profissional em determinados espaços tornou-se
obrigatória. Sobre isto, faz-se de grande importância destacar o artigo 89, o qual definiu que
“as creches e pré-escolas existentes ou que venham a ser criadas deverão, no prazo de três
anos, a contar da publicação desta Lei, integrar-se ao respectivo sistema de ensino (BRASIL,
1996).
A lei impulsionou a exigência de formação dos profissionais que se encontravam em
exercício com as crianças menores, da mesma forma que se seguia aos professores que
trabalhavam com as séries iniciais do ensino fundamental, definindo em seu artigo 62 que:
6
No entanto, em decorrência da impossibilidade de os municípios se adequarem à qualificação exigida e pelo
fato de a exigência da formação em nível superior não ser implementada em território nacional no prazo decenal,
o parágrafo foi revogado pela Lei 12.796 em 2013 (BRASIL, 2013b).
81
Além disso, os cursos reservavam mais espaço para o trabalho com questões relativas
ao ensino nas séries iniciais do ensino fundamental, do que sobre o desenvolvimento das
crianças de zero a seis anos, apresentando para esta etapa da educação básica, pouco espaço
na grade curricular.
Diante das condições de precarização da formação das professoras de educação
infantil tendo em vista os cursos Normais Superiores, Kishimoto (1999) reflete sobre a
permanência da antiga concepção de que, para atuar com crianças de zero a seis anos, não são
necessárias muitas especificações. Na visão da autora, tal ideia parecia ser a repercutida diante
as propostas do Conselho Nacional de Educação, que se distanciavam da necessidade de uma
formação profissional qualificada, desencadeando consequências de várias naturezas como
preconceitos, baixos salários, baixa identidade do profissional, poucas expectativas de
profissionalização, entre outras, levando à desvalorização e desprestígio.
É importante frisar que a formação nos cursos normais foi objeto inclusive de um
decreto presidencial, o Decreto n.º 3.276 (BRASIL, 1999) que, de acordo com seu artigo 3º,
parágrafo 2º, destacava que a formação de professoras de Educação Infantil e dos anos iniciais
do ensino fundamental deveria ser realizada “exclusivamente” em cursos normais superiores o
que, após amplas mobilizações realizadas pelo movimento em defesa da formação dos
professores, levou à edição do Decreto nº 3.554/2000 (BRASIL, 2000), onde se substituiu a
palavra “exclusivamente” por “preferencialmente”.
83
Em contrapartida, para além dos cursos Normais Superiores, apontados pelas autoras
como cursos aligeirados e que não traziam em suas formulações as concepções de bebês e
crianças pequenas, há ainda que se considerar que os cursos de Pedagogia também se
configuraram como opção aligeirada e esvaziada da formação docente, principalmente ao se
levar em conta que esses também ocorreram na modalidade a distância, tendo em vista a
necessidade de alcance de uma grande demanda de docentes a realizar formação em nível
superior.
Frente às exigências da nova Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), o curso de
Pedagogia tornou-se uma das principais opções de formação para o magistério. Tal fato pode
ser relacionado à reformulação do curso ocorrida a partir dos anos 1980, a qual se deu tendo
como objetivo a busca pelo estabelecimento da docência como base da identidade profissional
dos profissionais da educação, passando a situar como atribuição dos cursos de Pedagogia a
formação de professores para a educação infantil e para as séries iniciais do ensino de 1º grau
(ensino fundamental) (SAVIANI, 2009).
De acordo com Bello e Rodrigues (2012), a formação em âmbito superior preconizada
pela Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996) exigiu a expansão de oportunidades de vagas
em cursos de Pedagogia, de modo que fosse possível atender a demanda de docentes em
exercício, o que impulsionou a expansão da educação superior na modalidade a distância.
Conforme as autoras, foi na referida lei, que a Educação a Distância (EaD) encontrou respaldo
legal para a institucionalização, marcando a década de 1990 como período de início efetivo de
entrada dessa modalidade nas instituições de ensino superior no país. No que concerne à
questão, Barreto (2015, p.681) destaca sobre a preconização da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) (BRASIL, 1996):
responsável pela formação inicial de professores para o exercício docente na educação infantil
e anos iniciais do ensino fundamental.
Mediante a expansão dos cursos em nível superior, tendo em vista as exigências da Lei
de Diretrizes e Bases (LDB) (BRASIL, 1996), Barreto (2015) reflete sobre os problemas
decorrentes de qualidade e de características assumidas pelos cursos de Pedagogia frente a tal
condição. Conforme a autora, as características predominantes da expansão se deram pela
iniciativa privada e por meio da educação a distância, situações que são preocupantes por duas
razões. Primeiro, pelo fato de a multiplicação de campi e matrículas em várias regiões do país
por meio de um grande número de instituições privadas transformadas em empresas com
interesses de mercado não ter se dado com um cuidado especial em relação à atividade de
ensino e nem acompanhada do desenvolvimento efetivo da capacidade de produção de
conhecimentos novos por meio da pesquisa. E, em segundo lugar, porque a rápida expansão
dos cursos de educação a distância e a grande improvisação dos seus projetos pedagógicos,
bem como a elevada evasão que se registra nesta modalidade demonstram que tal formato
deixa muito a desejar.
Analisando trabalhos que traziam como tema a educação a distância, em esforço para
compreender os efeitos de tal formação sobre o desenvolvimento profissional e pessoal de
professores, Bello e Rodrigues (2012) enunciam que, de acordo com os resultados obtidos,
foi possível verificar a presença de diversos problemas apontados pelas pesquisas que
analisaram os cursos de Pedagogia na modalidade a distância.
Segundo as autoras, dentre as considerações e discussões trazidas pelos estudos, os
quais tratavam em sua maioria de cursos voltados para a formação inicial de professores que
já atuavam nas redes públicas de ensino, foi possível notar a percepção mais aguçada tanto
dos pesquisadores como dos cursistas quanto às críticas em relação aos cursos oferecidos, os
quais se referiam tanto às instituições privadas como às instituições públicas. Destacaram-se
nas pesquisas analisadas considerações sobre as dificuldades técnicas, a falta de equipamentos
adequados, desconhecimento do uso de equipamentos e falta de capacitação dos formadores
na utilização dos recursos, além da falta de familiaridade dos cursistas com o uso de
computadores. Além disso, de acordo com as autoras, observou-se que a concentração de
procura pela modalidade de ensino se deu na população com características em comum, tais
como: baixo poder aquisitivo, formação básica deficitária e pouco tempo disponível para o
estudo individual.
Tendo em vista as considerações aqui expostas, referentes à constituição da formação
docente após a prerrogativa de formação em nível superior determinada pela Lei de Diretrizes
86
e Bases (LDB) (BRASIL, 1996), é possível compreender que tal formação se deu de forma
aligeirada, relacionada a baixos orçamentos e por meio de cursos de curta duração, tendendo a
um nivelamento por baixo, tal como destacam Saviani (2009), Cerisara (2002b) e Campos
(2008), ao discorrerem sobre o Normal Superior, bem como apresentam a problemática Bello
e Rodrigues (2012) e Barreto (2015), ao considerarem os cursos superiores na modalidade à
distância e em instituições privadas com interesses empresariais.
Ao realizar análise sobre formação docente e o contexto brasileiro em que essa se
inscreve, Saviani (2009) chama atenção para o fato de que tais características persistiram e
ainda persistem, mesmo que instauradas as Diretrizes Curriculares Nacionais para Curso de
Pedagogia (DCNCP), instituídas pela Resolução CNE/CP nº 01, de 15 de maio de 2006
(BRASIL, 2006b).
Relacionadas à busca pela definição de identidade do pedagogo, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (DCNCP) (BRASIL, 2006b), homologadas
após um processo extenso de discussão que perdurou durante o ano de 2005, se constituíram
de modo a definir o curso de Pedagogia e a função do pedagogo. Tendo em vista a extinção
das habilitações, o curso destinou-se a formar profissionais para atuação nos variados âmbitos
educativos, sob o preenchimento de diversas funções, dentre elas o exercício da docência com
diferentes faixas etárias.
Por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia (DCNCP)
(BRASIL, 2006b) instituiu-se que os cursos formassem o profissional para o exercício da
docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, nos cursos de ensino
médio - na modalidade normal-, em cursos de educação profissional na área de serviços e
apoio escolar e em outras áreas nas quais fossem previstos conhecimentos pedagógicos. Para
além disso, preconizou-se que os egressos pudessem atuar também na área educacional como
pesquisadores, bem como gestores de processos educativos e da organização e no
funcionamento de sistemas e de instituições de ensino, englobando suas atividades:
licenciatura para a docência polivalente da educação infantil e dos anos iniciais do ensino
fundamental, diferentemente dos cursos de Pedagogia anteriores e do curso Normal Superior,
os quais previam habilitações específicas.
Frente às transformações pelas quais passou o curso de Pedagogia, e tendo em vista as
discussões acerca das críticas referentes à sua configuração, importa ainda considerar os
apostilamentos em diplomas de egressos dos cursos de graduação de Pedagogia anteriores à
instituição das Diretrizes, realizados a partir da Resolução CNE/CES nº 9, de 4 de outubro de
2007 (BRASIL, 2007b) - fundamentada pelo Parecer CNE/CES nº 171/2007 que propunha o
estabelecimento de normas para o apostilamento do direito ao exercício do magistério da
Educação Infantil em diplomas de cursos de graduação em Pedagogia.
A resolução aqui referida compreendia o direito ao apostilamento para os concluintes
do curso de Pedagogia - com as antigas habilitações, que desejavam exercer o magistério na
educação infantil. Tal apostilamento era realizado mediante a exigência de que os egressos
tivessem cursado com aproveitamento os componentes curriculares relacionados à:
educação infantil levam à reflexão e deixam a ver como tais processos foram sendo
preconizados de forma fragilizada, aligeirada, bem como esvaziada.
Saviani (2009, p. 148) chama atenção para a precariedade das políticas formativas no
Brasil “cujas sucessivas mudanças não lograram estabelecer um padrão minimamente
consistente de preparação docente para fazer face aos problemas enfrentados pela educação
escolar em nosso país”.
Para Barreto (2015), mesmo passando por reformas educacionais, basicamente
mantém-se inalterada a formação genérica nos cursos de Pedagogia, a qual pretende preparar
professores de educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, especialistas em
educação, diretores e supervisores.
Em uma análise interpretativa acerca dos cursos de Pedagogia, Pimenta et. al. (2017),
afirmam a indefinição do campo pedagógico e a dispersão do objeto da Pedagogia e da
atuação profissional docente tendo em vista o grande leque de atribuições definidas pelas
Diretrizes Currriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (DCNCP) (BRASIL, 2006b).
Em crítica aos modelos de cursos investigados, os autores salientam que tais formações se
mostram frágeis, superficiais, fragmentadas, sem foco, além de generalizantes e que por isso
acabam por não formar o pedagogo e, tampouco, um professor polivalente para a educação
infantil e anos iniciais do ensino fundamental.
Dando importância que este estudo traz como foco a docência na primeira etapa da
educação básica, faz-se necessário considerar a forma como tem sido realizada a formação
para o exercício docente com crianças menores de três anos, tendo em vista as diversas
atribuições do pedagogo oferecidas pela formação em cursos de Pedagogia. Neste sentido,
cabe indagar como a compreensão sobre a formação para atuar na primeira etapa da educação
básica se dá nas universidades, centros universitários e faculdades.
Em pesquisa sobre a presença da educação infantil nos currículos de formação de
professores, Kiehn (2007), ao analisar as matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia em
universidades públicas federais do Brasil que ofereciam habilitação em educação infantil no
ano de 2005 - período anterior à aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso
de Pedagogia (DCNCP) (BRASIL, 2006b), revela a existência de uma justaposição ou
adequação às metodologias específicas de ensino desenvolvidas para os anos iniciais do
ensino fundamental. Segundo a autora, tal configuração aponta duas questões a serem levadas
à reflexão, a primeira relacionada à falta de especificidade da formação do professor de
crianças menores de cinco anos, mediante ao pouco tempo dedicado a tais conhecimentos na
composição dos currículos, tendo em vista a escolha da habilitação apenas no último ano de
89
Partindo das análises das duas pesquisas, levando em conta os dois períodos perante a
definição das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (DCNCP)
(BRASIL, 2006b), faz-se notável a presença de algumas transformações quanto ao que se
refere à consideração da infância e das crianças nos currículos dos cursos de Pedagogia.
Entretanto, apesar do referido aumento de determinadas concepções frente ao reordenamento
das matrizes curriculares após as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia
90
(DCNCP) (BRASIL, 2006b), chama atenção o fato de que assuntos e conhecimentos que
envolvem crianças menores, bebês e as especificidades da creche ainda são pouco
considerados, permanecendo uma abordagem que tem como princípio as práticas
escolarizantes.
As considerações até aqui apresentadas trazem à luz algumas reflexões referentes aos
processos de formação aos quais estiveram submetidos os professores de educação infantil,
bem como a forma em que se concretizaram as políticas públicas para tanto. Mediante a tais
reflexões, é possível notar que a educação infantil é desvalorizada no campo educacional,
aspecto que também transparece nos processos de formação docente, ao não ter suas
especificidades reconhecidas nas políticas de formação, logo, nos movimentos formativos que
seguem determinadas regulações.
No que concerne à questão, Kramer (2002) afirma que o trabalho do profissional de
educação infantil é compreendido como uma função de menor valor, a qual necessita de
pouca qualificação. A autora argumenta que determinada ideia encontra-se diretamente
relacionada à condição do magistério na educação infantil, principalmente ao que diz respeito
ao exercício docente com crianças menores de três anos, o qual é associado ao papel
entendido socialmente como desempenhado por mulheres, como o trabalho doméstico, o
cuidado e a socialização infantil.
Campos, Füllgraf e Wiggers (2006), destacam a importância da formação prévia e em
serviço dos professores ou educadores que trabalham diretamente com crianças, sendo esta
inclusive um dos principais critérios de qualidade utilizados internacionalmente para avaliar a
qualidade das escolas de educação infantil. Em sentido complementar, Kammer (2002)
também afirma a importância da formação docente dos professores da primeira etapa da
educação básica, uma vez que, essa encontra-se relacionada para além do aprimoramento da
ação profissional e melhora da prática docente, ao direito de todos os professores, bem como à
conquista da população de uma escola pública de qualidade.
Dada importância a tal processo, a formação docente necessita oferecer uma base de
saberes que compreendam as especificidades infantis, requerendo a preocupação em integrar
o cuidado e a educação nas propostas educativas da rotina diária das crianças, focando a
aprendizagem e o desenvolvimento global da criança pequena.
Reconhecer a importância da educação infantil como primeira etapa da educação
básica é fundamental, no entanto, também é importante que se leve à reflexão os riscos de
transposição de práticas em uma perspectiva preparatória para o ensino fundamental, uma vez
que dada situação ocorre em condições de formação docente, que por muito tempo se deu de
91
3 . CAMINHOS DA PESQUISA
7
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
8
A rede municipal em que se desenvolve este estudo não se utiliza da nomenclatura “creche” para a definição
dos espaços físicos de atendimento às crianças de zero a três anos, uma vez que este é realizado muitas vezes nos
mesmos locais de atendimento a outras etapas de ensino.
9
Informações obtidas no website: http://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/ite/escola/index.php?p=16
93
e Estágio II, sendo os professores que atuam nas primeiras condições ocupantes da função de
Professor de Educação Infantil (PEI), enquanto das duas últimas os Professores de Educação
Básica (PEB).
Em consonância com as decisões nacionais, Guarulhos inicialmente configurou o
atendimento à criança de zero a três anos relacionado à assistência social. Até o ano de 2001 a
responsabilidade da creche esteve sob a Secretaria de Assistência Social (SAS), contando o
município com apenas seis instituições, das quais três foram construídas pela prefeitura, uma
cedida pelo Lions Clube10, outra construída pelo Governo Federal e uma vinda da Secretaria
da Promoção Social do Estado de São Paulo (CARDOSO, 2006). O número crescente de
creches da rede própria se deu apenas a partir de 2001. De acordo com Oliveira (2012), tal
fato relaciona-se ao deslocamento do atendimento às crianças pequenas para a Secretaria de
Educação (SE), bem como à substituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização dos Profissionais de Educação (FUNDEF) pelo Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de
Educação (FUNDEB).
Dentre as 197 escolas que nos dias de hoje atendem à educação infantil, 43 delas são
responsáveis pelo atendimento à criança de quatro a cinco anos, 64 atendem crianças de zero
a três anos e 90 são instituições parceiras, conveniadas que também atendem crianças de zero
a três anos.
A considerar tais informações, chama atenção a quantidade de instituições
conveniadas que atendem bebês e crianças pequenas, sendo essa, maior do que a referente ao
atendimento ofertado pela rede própria.
No que diz respeito à quantidade de matrículas na primeira etapa da educação básica
no município, de acordo com as informações da Secretaria de Educação (SE), atualmente, no
ano de 2021, 57.85011 crianças encontram-se matriculadas na educação infantil nas Escolas
Públicas de Guarulhos (EPG), sendo 26.325 em idade de zero a três anos e 31.525 em idade
de quatro a cinco anos. Abaixo, o quadro apresenta a quantidade de matrículas atuais. Vale
destacar que dentre as informações apresentadas não se contabiliza a quantidade de crianças
10
Organização internacional não-governamental.
11
Informações obtidas no website da Secretaria de Educação (SE) de Guarulhos. Disponível em:
http://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/ite/escola/index.php?p=16.
94
em atendimento nas instituições conveniadas, uma vez que tais dados não são divulgados no
website da Secretaria de Educação (SE).
Berçário I 5099
Ciclo I Berçário II 8804
Maternal 12422
Estágio I 14873
Ciclo II Estágio II 16652
Fonte: Secretaria de Educação (SE) de Guarulhos12
12
Informações obtidas no website da Secretaria de Educação (SE) de Guarulhos. Disponível em:
http://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/ite/escola/index.php?p=16.
95
Professores Matrículas
Berçário I 3 25
Berçário II 3 25
Maternal 2 30
Estágio I 1 30
Estágio II 1 30
Fonte: Secretaria de Educação (SE) de Guarulhos15
Vale destacar que determinadas quantidades de crianças por adulto nem sempre se
concretizam, uma vez que, por meio de ordem judicial novas matrículas são realizadas. No
caso do aumento do número de crianças, são incluídos nos agrupamentos mais um Professor
13
Informações retiradas do Edital de abertura n° 10/2019-SGE01 do concurso público para Professor de
Educação Infantil. Disponível em:
https://documento.vunesp.com.br/documento/stream/MTQ3MTg3NQ%3d%3d
14
Informação cedida pela Secretaria de Educação (SE).
15
Art. 16 da portaria nº 17/2020-SE.
97
16
Os professores volantes são os docentes que não possuem local fixo de trabalho. Estes, completam o quadro
docente nos agrupamentos com maior número de crianças a depender da necessidade ou assumem vagas abertas
pelo afastamento de outros professores que possuem local fixo de exercício. Os docentes nesta situação ficam à
disposição da Secretaria de Educação (SE) a depender de suas necessidades, podendo ser deslocados a qualquer
momento para qualquer local que compreenda as atividades de sua função, no caso a de Professor de Educação
Infantil (PEI).
98
Mediante a abordagem definida, optou-se pela coleta de dados por meio de entrevistas
semiestruturadas e questionário complementar. A entrevista semiestruturada apresenta
estrutura flexível, sendo caracterizada por um conjunto de questões previamente definidas, as
quais podem sofrer alterações durante a sua realização. Laville e Dionne (1999, p.188),
definem que a entrevista semiestruturada se configura como “[...] uma série de perguntas
abertas, feitas verbalmente em uma ordem prevista”, elaboradas de acordo com os objetivos e
hipóteses da pesquisa, apoiadas em um quadro teórico.
De acordo com Zago (2003, p.287), “os instrumentos adotados na coleta de dados
somente ganham sentido quando articulados à problemática de estudo”. Tendo em vista a
necessidade de compreensão de aspectos presentes nas trajetórias pessoal e profissional das
professoras investigadas, a escolha pelos instrumentos se deu tendo como objetivo o
aprofundamento em questões referentes às experiências sociais vivenciadas em tais trajetórias,
de modo a possibilitar a compreensão acerca dos contextos em que se inscreveram tais
experiências, bem como captar os pontos de vista e as concepções das professoras acerca do
trabalho na creche.
Tendo em vista as configurações da entrevista semiestruturada e as vantagens de seu
uso como instrumento de coleta de dados nesta pesquisa, o processo de construção do roteiro
de questões pré-definidas se deu juntamente à construção do objeto de estudo e em
consonância com a constituição do referencial teórico utilizado para a análise. Durante esse
percurso, algumas questões foram incluídas, enquanto outras foram alteradas. Para melhor
organização dos assuntos, de forma que estes pudessem ser tratados em maior totalidade, as
perguntas foram divididas em blocos. Além disso, visando melhor coleta de informações,
algumas modificações, tais como alteração de ordem de algumas perguntas, bem como a
forma de indagação, foram realizadas no roteiro após cada entrevista realizada.
Prevendo-se a necessidade de informações mais objetivas e precisas, tais como de
cunho socioeconômico, bem como sobre escolaridade e formação das professoras
investigadas e seus familiares, utilizou-se como instrumento complementar à entrevista um
pequeno questionário.
Vale ressaltar que 2020 foi um ano tomado por condições adversas, mediante a
pandemia instaurada pelo novo coronavírus (COVID-19). Frente a esta conjuntura, de forma a
seguir os protocolos de distanciamento social, as entrevistas foram realizadas por meio de
encontro virtual, de forma não presencial, sendo utilizado o aplicativo de videoconferência
Zoom Cloud Meetings. A escolha pelo aplicativo entre outras opções se deu pela maior
facilidade de uso, principalmente para as professoras investigadas, não sendo necessário
99
17
Roteiro de entrevista localizado no apêndice A; Questionário localizado no apêndice B.
100
importância em ponderar critérios de seleção dos sujeitos, entendendo que esta amostra não
será representativa em uma pesquisa qualitativa.
De acordo com Duarte (2002), a definição de critérios para que sejam selecionados os
sujeitos que compõem o universo de investigação se inscreve como uma ação de grande
importância nos estudos qualitativos. Tal definição está diretamente relacionada à qualidade
das informações que permitirão construir a análise e chegar à compreensão mais ampla do
problema delineado.
Conforme dados apresentados anteriormente, vale ressaltar que o quadro de
profissionais em exercício na creche na rede pública de Guarulhos é composto por professores
com diferentes tempos e formas de ingresso na profissão e na rede municipal em questão,
condição esta que também se configurou como um ponto de análise.
Frente às diferentes condições de entrada na rede municipal, que caracteriza o quadro
de professores de educação infantil de Guarulhos, principalmente em relação a formação
inicial, definiu-se como critério para escolha das professoras participantes o ingresso na
primeira etapa da educação básica na rede de ensino, buscando-se assim por dois grupos
diferentes, sendo estes:
A escolha por dois grupos com condições de ingresso distintas se deu com o intuito de
compreender e confrontar as informações sobre as condições objetivas que levaram ambos os
grupos à entrada no campo educacional, tendo em vista possíveis regularidades e/ou
diferenças entre as condições referidas à origem social e trajetória profissional, além de
possíveis posições hierárquicas entre professores mais antigos e professores com igresso mais
recente na profissão que marcam as realações sociais no campo educacional.
Tendo como premissa o primeiro critério, adotou-se como segunda condição que a
investigação fosse realizada com profissionais em exercício em duas creches diferentes, sendo
elas uma central e a outra periférica. A escolha por duas creches distintas se deu com o
objetivo de verificar a existência de diferentes organizações e condições objetivas que
101
18
Adotou-se nomes fictícios para todas as participantes do estudo, assim como para as creches em que atuam.
19
Nome fictício.
103
Para além da problemática que envolvia necessária disponibilidade para conversa por
meio de encontro virtual, em alguns retornos sobre o convite para participação foi possível
20
Conforme Decreto Municipal nº 2.4212 de 15 de fevereiro de 2007, o adicional de estímulo à permanência
corresponde à gratificação adicional de vinte por cento de calculado sobre o padrão remuneratório de servidores
que prestam serviços em zona rural e em regiões isoladas da área urbana, de difícil acesso.
21
Nome fictício
104
notar certa insegurança de algumas professoras frente à participação no estudo, tendo algumas
delas relacionado tal insegurança ao fato da pesquisadora estar atuando na Secretaria de
Educação (SE).
À vista destes relatos, levando-se em conta que a relação de pesquisa, apesar de se
distinguir da maioria das trocas de existência comum, ainda assim é uma relação social que
exerce efeitos, podendo gerar tipos de violência simbólica (BOURDIEU, 2012), como forma
de reduzir ao máximo este tipo de violência, buscou-se durante as entrevistas o
desenvolvimento de uma escuta ativa e metódica como propõe Bourdieu (2012). A proposta
de escuta ativa e metódica, ao contrário de uma não-intervenção durante a entrevista, pode ser
identificada como ações a serem tomadas durante o procedimento, tais como, disponibilidade
total em relação ao entrevistado, a adoção de proximidade com a linguagem, submissão à
singularidade de sua história particular, conhecimento das condições objetivas, entre outras
(BOURDIEU, 2012).
3.4 As creches
Este estudo tem por foco a investigação das trajetórias pessoal e profissional de
professores de educação infantil. Tendo em vista esta condição, compreende-se como central
para a coleta de dados a participação dos sujeitos de pesquisa. Entretanto, levando-se em
conta que as trajetórias não ocorrem de forma isolada e estão relacionadas ao campo em que
ocorrem, se faz de grande importância que sejam contextualizados os espaços sociais em que
as professoras estão inseridas.
Zago (2003) destaca a importância da observação em relação à complementaridade da
entrevista. Segundo a autora, o local em que a entrevista ocorre pode ajudar na produção de
dados ou até mesmo produzir constrangimentos. Uma forma de observação a complementar
as entrevistas das professoras investigadas seria a realização das entrevistas nas creches em
que atuam. Entretanto, mediante as condições necessárias de isolamento social em que as
entrevistas foram realizadas, por meio de um encontro virtual, não foi possível.
Ainda que não tenha sido possível a realização das entrevistas nas creches em que as
professoras atuam, a contextualização destes espaços contribui com a pesquisa, ao passo que
se relacionam com as condições objetivas de trabalho que permeiam o exercício docente.
105
A descrição física do espaço foi relatada pelas próprias professoras em conversa após
a entrevista, bem como também partem da memória da pesquisadora, já os dados quantitativos
foram retirados do Portal da Secretaria de Educação de Guarulhos22.
Assim como a identidade das professoras foi preservada, as creches serão
representadas por nomes fictícios.
A Escola Pública de Guarulhos (EPG) atende apenas crianças de zero a três anos,
sendo assim caracterizada apenas como creche. Esta encontra-se localizada em um bairro
periférico, a aproximadamente 19 km da região central de Guarulhos.
O bairro, um dos mais antigos do município, conta com linhas de ônibus, ruas
asfaltadas e quantidade considerável de comércios como pequenos mercados, padarias,
restaurantes e lanchonetes, lojas de roupas e calçados, fonte de renda e trabalho de seus
moradores. Apesar de tal configuração, observa-se o grande número de trabalhadores que
saem diariamente em direção ao centro do município. Seu entorno é caracterizado por casas
simples, além de muita vegetação de área ainda não ocupada e um pequeno córrego que corta
a região. Os bairros vizinhos apresentam a mesma configuração.
Para além da única creche municipal, o bairro conta com mais algumas unidades de
atendimento à criança pequena que, no entanto, são creches conveniadas ou particulares.
A unidade que aqui se descreve atende às crianças no período da manhã e da tarde e
possui 320 crianças matriculadas. Seu quadro de funcionários é formado por 31 professores,
coordenadora pedagógica, diretora, vice-diretora, uma assistente de gestão, além de dois
profissionais responsáveis pela limpeza, três cozinheiras e dois controladores de acesso que
realizam revezamento entre os dias.
De porte pequeno, a unidade apresenta como espaços: seis salas, as quais não contam
com solário; fraldário; cozinha e pequeno refeitório; secretaria; sala de direção; sala de
coordenação; pequeno playground com escorregador de plástico e pequeno circuito de
madeira.
22
Dados quantitativos referentes ao número de matrículas retirados no website da Secretaria de Educação (SE)
de Guarulhos. Disponível em: http://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/ite/escola/index.php?p=15.
106
3.5.1 Elisa
Elisa tem 54 anos, nasceu em Guarulhos, se autodeclara como mulher preta, é casada
e possui três filhos. Há 25 anos reside na mesma casa, própria, em um bairro afastado do
centro do município de Guarulhos. Seu esposo é supervisor de manutenção industrial e
graduado em Automação Industrial. Um de seus filhos está cursando Graduação, enquanto os
outros dois realizam Pós-Graduação lato sensu.
Formada em Pedagogia, Elisa possui licenciatura plena e atua na rede municipal no
atendimento à criança de zero a três anos há 20 anos.
Seus pais, vindos da Bahia para Guarulhos, trabalhavam como operador de guindaste
e empregada doméstica, tendo os dois realizado trabalho rural em suas cidades natal. Sobre a
escolarização de seus pais, a professora afirma a não finalização dos primeiros anos do ensino
fundamental.
Elisa possui três irmãos, sendo ela uma das mais velhas. Segundo seu relato, teve uma
infância em que passou por muitas dificuldades financeiras. Em sua fala, relembra algumas
brincadeiras no quintal com os irmãos quando a família foi morar com a avó.
O início de sua trajetória escolar se deu no primeiro ano do ensino fundamental, aos
sete anos e em escola pública. Sobre a trajetória escolar, Elisa destaca em suas falas a
importância da escolarização para seus pais, que sempre incentivaram seus filhos para que
desenvolvessem o contato com a escola, apesar das dificuldades financeiras.
Ainda sobre a fase escolar, Elisa relata admiração por professoras que estiveram
presentes em sua trajetória. Cursou toda educação básica em escola pública.
Elisa ingressou na rede municipal no ano de 2000 na função de recreacionista, a qual
define como função de cuidadora social, por meio de concurso público e com o ensino médio
completo. Ingressou na função com aproximadamente 30 anos e já com duas filhas.
Anteriormente a esta profissão, trabalhou como balconista, recepcionista, em linha de
produção e como vendedora.
108
Eu vou ser sincera para você, eu tive uma experiência lá mesmo no SESI
[instituição que cursou o ensino médio] de ficar numa sala com crianças
pequenas e essa era uma profissão da qual eu não queria de jeito nenhum.
Eu pensava: “Eu podia fazer qualquer coisa, e se eu for alguma coisa, mas
ser professora não”. Na realidade o que me levou a ser professora foi a
necessidade. Na época que eu entrei para trabalhar nessa área eu entrei na
prefeitura para ser como se fosse uma cuidadora social, porque o concurso
da época não pedia qualificação nenhuma, era necessário o mínimo
possível, era o ensino fundamental, e o ensino o fundamental I apenas
(Elisa).
3.5.2 Amanda
Seu primeiro emprego, logo após a finalização do ensino médio, foi em uma rede de
restaurantes fast-food no aeroporto Internacional de Guarulhos. Apesar de registrada, Amanda
relata cargas horárias extensas e trabalho pesado durante o período em que exerceu o ofício.
Amanda conta ter engravidado aos 19 anos, pouco tempo após sua entrada na rede de
restaurantes; assim, indica as precárias condições de trabalho e a dificuldade em acompanhar
o filho como motivações que a levaram optar pela mudança de emprego. Recebeu a indicação
de uma colega para uma vaga de auxiliar de informática em um colégio particular próximo ao
centro de Guarulhos. Sem registro e sem nenhum benefício aceitou o emprego, dadas as
condições de trabalho referentes à carga horária de seis horas diárias e aos finais de semana de
folga.
Amanda destaca que o trabalho no colégio particular trouxe a ela muitas
aprendizagens. A professora aponta que a vivência no ambiente escolar despertou o desejo
pelo curso de Pedagogia, até então nunca compreendido como um sonho ou possibilidade.
110
Amanda cursou por três anos Pedagogia, conciliando a graduação com o trabalho de
auxiliar de informática no colégio particular. Após um tempo, seu cargo no colégio passou a
ser de auxiliar de coordenação e, já quase ao final do curso de Pedagogia, passou a dar aulas
de informática para a educação infantil na mesma rede do colégio particular, mas no
município de São Paulo, localização ainda mais distante de sua residência.
Prestou concurso para ingresso na rede municipal com a função de Professor de
Educação Infantil (PEI) em 2010, ao final da graduação. O ingresso na rede ocorreu no ano de
2012, como professora volante, tendo atuado em três creches anteriormente à entrada na EPG
Adélia Prado, na qual está há cinco anos e possui sede.
3.5.3 Rita
Rita tem 47 anos, nasceu em Santo André, região metropolitana de São Paulo, se
autodeclara como mulher parda, é solteira e possui uma filha em idade escolar, cursando o
ensino fundamental II em escola privada. A professora possui casa própria em um bairro
próximo ao centro do município de Guarulhos, onde vive há cinco anos com a filha.
Durante a infância, Rita residiu em diferentes cidades mediante as exigências do
trabalho de seu pai, que desempenhava a profissão de engenheiro civil. Vindo da França para
o Brasil, possuía ensino superior, curso realizado em sua cidade natal.
Sobre sua mãe, a professora conta que nasceu na Bahia, onde exercia o ofício de
lavadeira e teria conhecido seu pai. Ao migrar para São Paulo, juntamente com o esposo,
passou a não exercer atividades remuneradas. O irmão mais velho, cerca de quatorze anos,
cursava o ensino superior enquanto Rita ainda estava em idade escolar. Seus pais se
separaram ainda quando criança, passando a morar apenas com a mãe e o irmão, o que
conforme seu relato, resultou em dificuldades financeiras.
Referente ao ingresso na vida escolar, Rita relembra que esse se deu na educação
infantil, especificamente na pré-escola aos seis anos de idade e em instituição privada,
enquanto a realização das demais etapas ocorreu em escolas públicas, tendo repetido o
terceiro ano do ensino fundamental.
Em suas falas, Rita destaca os problemas vivenciados pela família, relacionados à
ingestão de bebida alcoólica pela mãe e à não presença do pai no cotidiano da família, não
sendo para a professora uma ação comum durante sua infância o acompanhamento dos pais
em sua trajetória escolar. Por outro lado, descreve a boa relação com o irmão mais velho, o
111
qual considerava como um exemplo a ser seguido, além de relatar sempre ter gostado de
frequentar a escola, comentando sobre sua dedicação. Assim, destaca:
Eu acho que quem eu mais admirava nesta família era meu irmão, só que ele
também era ausente porque ele estudava. Trabalhava de dia e estudava de
noite, ele fazia faculdade na época em que estávamos com meu pai ainda.
Eu acho que meu melhor espelho foi meu irmão. [...] Eu sempre gostei, até
falo para minha filha que as lições eu fazia todas sozinhas (Rita).
Ainda sobre a fase escolar, Rita relembra de uma professora com quem teve contato
no ensino fundamental e a marcou por ser uma pessoa carismática e ter respeito pelas
crianças. A professora conta ainda que essa mesma docente a reteve no terceiro ano por falta
de boas notas na disciplina de língua portuguesa, o que a teria marcado ainda mais.
Seu primeiro emprego, logo após a finalização do ensino médio, foi em um mercado,
tendo também trabalho no aeroporto, local em que uma colega de trabalho a informou sobre o
concurso para recreacionista na rede municipal de Guarulhos e a teria convidado para realizar
a prova. Além disso, anteriormente ao chamado para ingresso na função de recreacionista
trabalhou em loja de shopping.
Rita ingressou na rede municipal por meio de concurso público no ano de 1999 com
25 anos e sem filhos, na função de recreacionista. Assim como Elisa, realizou em 2002
graduação em Pedagogia pelo programa de formação Pedagogia Cidadã, oferecido pela
prefeitura de Guarulhos em parceria com a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (UNESP).
Durante sua trajetória profissional na rede educacional transitou por algumas creches,
apontando como o motivo de tais mudanças a não adaptação aos locais e a busca por creches
próximas à sua casa. Além de ter atuado em algumas instituições de atendimento às crianças
de zero a três anos, Rita, durante um período de sua carreira docente, optou por realizar
concurso interno para exercer função administrativa nas secretarias de escolas obtendo,
segundo seu relato, um salário apenas um pouco maior do que na profissão docente. Sobre
determinado ofício, afirma ter trabalhado seis anos na função de assistente administrativo e
que gostava muito, tendo retornado à docência apenas por conta do nascimento da filha e do
reconhecimento dos professores de educação infantil no quadro do magistério, o que garantiu
o plano de carreira, consequentemente o aumento do salário e a diminuição da carga horária,
ficando o valor do salário maior ao que recebia na função de assistente administrativo.
Atualmente Rita atua EPG Antonieta de Barros, onde está há 11 anos.
112
3.5.4 Fabiana
Fabiana tem 43 anos, nasceu em Belo Horizonte, se autodeclara como mulher parda, é
casada e possui dois filhos em idade escolar, o mais novo finalizando os anos iniciais do
ensino fundamental e a mais velha cursando os anos finais da mesma etapa. A família possui
casa própria em um bairro próximo ao centro do município de Guarulhos, onde reside há mais
de 13 anos. Seu esposo exerce o ofício de motorista de caminhão de forma autônoma e possui
o ensino médio completo.
Até os sete anos de idade a professora residiu em Belo Horizonte, período que define
como um intervalo de boa condição financeira da família. Morou por pouco tempo no interior
de Rondônia na casa do avô após dificuldades financeiras, e também na capital paulista.
Seu pai completou o ensino fundamental I e realizou durante toda a vida profissional
atividades relacionadas a trabalhos manuais. Nascido na Bahia, segundo Fabiana, ele teria ido
para Belo Horizonte aos 17 anos em busca de oportunidades de emprego, onde constituiu uma
pequena empresa de instalação e manutenção de pisos de tacos, empresa essa que acabou indo
à falência quando a professora ainda era pequena. Sobre sua mãe, Fabiana conta que também
finalizou o ensino fundamental I e que exerceu atividade remunerada em uma chácara como
ajudante por pouco tempo, mediante ao enfrentamento de dificuldades financeiras à chegada
na cidade de São Paulo.
Referente à sua trajetória escolar, Fabiana relata ter frequentado escola privada na
educação infantil e escolas públicas na realização das demais etapas. De acordo com seu
depoimento, iniciou sua trajetória escolar aos quatro anos de idade, ainda em Belo Horizonte.
Sobre determinada fase, discorre sobre o desejo desde muito pequena por frequentar a escola,
além do gosto pela instituição. As recordações acerca da educação infantil demonstram
também a preocupação de seus pais com sua escolarização, assim destaca:
Dentre os docentes com os quais teve contato durante sua trajetória escolar, Fabiana
relembra de uma de suas professoras da educação infantil associando-a a uma pessoa muito
113
carinhosa. Também cita um professor, com quem teve contato posteriormente no ensino
médio, indicando o que compreendia como vontade e prazer do docente em dar aula.
Fabiana teve sua vida profissional iniciada após a finalização do ensino médio, em um
grande laboratório farmacêutico na linha de produção, permanecendo na empresa durante 13
anos. Comentando sobre o período em que ocupou determinado ofício, a professora relata
sobre as dificuldades em conciliar o horário de trabalho com o cuidado dos dois filhos, tendo
optado pela saída do emprego e encontrado no curso de Pedagogia em educação a distância
(EaD), assim como relata, uma opção para conciliar o tempo em que estaria em casa com o
desejo de retorno aos estudos, além da oportunidade de ingresso em uma nova profissão.
Formada em Pedagogia na modalidade de ensino a distância (EaD) por instituição de
ensino privada, Fabiana concluiu a licenciatura em três anos enquanto cuidava dos filhos
ainda pequenos. Além da licenciatura, a professora realizou curso de pós-graduação lato sensu
em ensino lúdico, também por meio de uma instituição privada na modalidade de educação a
distância (EaD).
Professora na EPG Antonieta de Barros há dois anos, Fabiana está em exercício
docente na rede municipal de Guarulhos há apenas três anos, sendo entre as professoras
investigadas a que apresenta menor tempo de ingresso na rede municipal. Além de professora
de educação infantil no município analisado, Fabiana acumula cargo na cidade de São Paulo,
tendo ingressado no ano de 2015. Em São Paulo, ocupa a função de professora de educação
infantil e fundamental, optando, em suas palavras, por sempre trabalhar com crianças de
quatro a cinco anos nas Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI).
114
Tais eixos são apresentados neste capítulo e no seguinte. Neste primeiro e que aqui se
apresenta traz-se à discussão aspectos referentes às trajetórias pessoal e profissional das
professoras e que de alguma forma configuram valores e disposições que se expressam em
suas práticas pedagógicas com crianças de zero a três anos. São consideradas nesta seção as
experiências sociais vivenciadas pelas docentes e que se destacam como aprendizagens
desenvolvidas mediante as relações estabelecidas com os sujeitos e os espaços sociais em que
estiveram inseridas, ou seja, à família de origem e o campo educacional e a creche.
Já o quinto capítulo é composto pela análise de dados atinentes às condições de
trabalho nas instituições de atendimento à criança de zero a três anos, dos movimentos
formativos informais vivenciados pelas professoras investigadas em suas trajetórias
profissionais, além da formação em sentindo formal realizada pelas docentes, aspectos esses
também diretamente relacionados à constituição de suas práticas docentes.
ações e as classificações dos agentes, servindo de base para novos aprendizados processados
nos diversos espaços sociais em que o agente se encontra inserido.
Na perspectiva de Bourdieu (2015b), a trajetória social do agente está diretamente
atrelada à posição ocupada por ele na estrutura social. Tal posição, conforme o autor, é
configurada segundo o volume de capitais que um grupo ou classe possui em determinado
espaço social, considerando especialmente os capitais econômico, cultural e social. Em suas
palavras (BOURDIEU, 2015c), os capitais são distribuídos de forma desigual, o que
desencadeia um princípio de diferenciação que regula o espaço social e define a pertença de
classe.
Tendo em vista tais reflexões, a este estudo importa captar a posição social ocupada
pelas famílias de origem das professoras, bem como associar as condições objetivas que
envolvem determinada posição à configuração de valores e disposições incorporados pelas
professoras investigadas.
Mediante as considerações de Bourdieu (2011; 2015b) acerca das posições sociais, é
possível identificar nos relatos das professoras a posição ocupada pelas famílias de origem.
Os relatos sobre escolarização dos pais, bem como de suas atividades profissionais auxiliam
na compreensão, uma vez que informam sobre o capital cultural:
A minha mãe trabalhou por um tempo como empregada doméstica e meu pai
trabalhava como inspetor de qualidade. O meu pai tem o ensino médio e a
minha mãe fez até o ensino fundamental I (Amanda).
Minha mãe era lavadeira de roupa, ela morava na casa em que meu pai se
hospedou para poder fazer essa obra lá na Bahia[...]. Então, até aí, a minha
mãe dizia que só sabia assinar o nome e que alguém ensinou isso para ela
(Rita).
Meus pais são baianos e eles sofreram muito, eles trabalhavam lá com
plantação, era um tempo muito sofrido [...]. Antigamente tinha uns lugares
que eles jogavam retalhos fora e minha mãe ia nesses lugares, apesar de ela
trabalhar, ela ia nesses lugares e pegava esses retalhos para fazer roupa
para gente [...] (Elisa).
Eu nasci no centro de Guarulhos e com três anos eu fui morar onde eu moro
até hoje, no bairro Soberana, periferia de Guarulhos[...]. Teve uma época
que passamos por dificuldades [...]. Nessa época a minha mãe trabalhou. Eu
me lembro que minha mãe trabalhou de doméstica, fazendo limpeza,
trabalhava por diária. [...]. Essa fase foi bem difícil, porque era assim, o
que ganhava era para comer. Eu me lembro que ela trabalhava o dia,
chegava em casa, já passava no mercado e comprava um arroz, um feijão,
uma carne [...] (Amanda).
Quando os meus pais ainda estavam juntos, em que ele era o mantenedor,
não passamos por dificuldades, mas depois que ele foi embora, aí sim ficou
difícil. Meu irmão que já trabalhava passou a ser o responsável pela casa.
Então tudo mudou, era outra realidade, foi bem difícil (Rita).
Em São Paulo a gente pagava aluguel e nós tínhamos uma vida bem
simples, morávamos em Itapevi. Eu me lembro que nessa época de Itapevi a
gente ia em um lugar como se fosse o CEAGESP de São Paulo, a gente ia
para pegar o que sobrava, sabe? Minha mãe se lembra disso com muita
tristeza (Fabiana).
Meu pai trabalhava, né? Ele só vinha algumas vezes no ano, ele trabalhava
viajando e minha mãe trabalhava o dia inteiro fora[...]. São só 20 anos que
meu pai e minha mãe vivem juntos todos os dias e eles se veem todos os dias.
A minha mãe via meu pai três, quatro vezes por conta do trabalho. Eu me
lembro que a minha mãe também trabalhava fora como empregada
doméstica e ela ainda lavava roupa para fora. Era filho, cuidava da casa e
era só trabalho, trabalho e trabalho… e eu entendo, né? Porque é aquela
coisa, é pobre, tem que trabalhar (Elisa).
Meu pai aprendeu muito cedo que ele precisava, na verdade, é que ele
dependia do trabalho. Ele foi para trabalhar em Belo Horizonte muito novo,
praticamente na adolescência, tinha 17 anos só. Então, ele aprendeu muito
cedo o valor do trabalho, que ele precisava trabalhar (Fabiana).
118
Quanto às professoras Amanda e Rita, o valor referido ao trabalho fica mais evidente
nos relatos sobre honestidade, e pode ser compreendido na relação com a posição social
ocupada pelas suas famílias. A honestidade neste sentido está relacionada a um movimento de
busca por mobilidade social ascendente por meio de um esforço marcado pelo aspecto moral.
É o trabalho honesto, realizado com esforço e correção:
Eles sempre deixaram bem claro que ser pobre não é defeito nenhum, mas
que sempre tinha que ser honesto, independentemente de onde estivesse,
com quem estivesse, sempre era preciso ser honesto (Amanda).
Nós somos espelhos dos nossos pais, então acho que refletia isso, o fato de
eles serem honestos, meu pai trabalhador, minha mãe boa dona de casa
(Rita).
[...]“Ah, não tem dinheiro para ir não sei aonde”, mas o dinheiro para ir à
biblioteca não faltava. “Mãe, eu preciso fazer um trabalho não sei onde”,
"Está aqui o dinheiro”. “Ah eu quero comprar um doce” “Não tem
dinheiro!”, mas o dinheiro para o trabalho da escola tinha. O que era para
escola tinha que ter. Ela não deixava faltar, eles não deixavam faltar de
jeito nenhum (Elisa).
De acordo com Bourdieu (2015a, p. 46) “[...] cada família transmite a seus filhos, mais
por vias indiretas que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores
implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre coisas, as atitudes
face ao capital cultural e à instituição escolar”. Nas palavras do autor, as atitudes a respeito da
escola, da cultura escolar, bem como da concepção acerca do futuro que essa pode oferecer,
em grande parte, relacionam-se à expressão de valores implícitos ou explícitos atinentes à
posição social de determinado grupo social.
Em relação à escolarização, observa-se o valor aplicado à escola quando as
professoras relatam sobre a distância de suas casas até as unidades escolares. Chama atenção
em alguns dos depoimentos o ingresso em instituições particulares para realização do pré-
primário, em momento anterior à ampliação da obrigatoriedade da frequência nesse nível
119
educacional, situação também relacionada ao esforço financeiro feito para que tivessem
acesso à escola. As situações trazidas pelas professoras demonstram a valorização da família
em torno da escolarização:
Ela ficava em uma ladeira, antigamente chamava picadinha. Ela não ficava
perto da minha casa. Tinha mato de um lado e mato do outro e a gente
saía o “trilinho” de criança andando até a escola. A gente ia andando e
voltava (Elisa).
Eu lembro que na época era prézinho. Era uma escola privada e não era
muito próxima, era uma caminhadinha boa para chegar lá (Amanda).
Eu fiz um ano de “prézinho” quando eu tinha cinco anos. Não era perto da
minha casa, era em outro bairro porque não tinha no meu bairro, não
tinha em todo lugar. Mas isso nem era problema, minha mãe pagava uma
moça para me levar de carro, na época não era perua era um carro cheio de
crianças e íamos assim, eu ia com essa mulher (Rita).
Meus pais sempre acharam que era muito importante estudar, tanto que
quando eu estava no ensino médio meu pai sempre falava para não me
preocupar em arrumar emprego[...]E meu pai falava para eu não me
preocupar, que eu tinha que terminar os meus estudos, focar neles até o
ensino médio. Porque assim, minha família nunca teve o hábito de fazer
faculdade. Da minha família fui a primeira que fez faculdade. Então,
falavam para focar no estudo até o ensino médio. Então, eu foquei, estudei
e quando eu terminei, no último mês, em dezembro foi que eu arrumei um
emprego e comecei a trabalhar (Amanda).
Eu terminei o ensino médio com 17 anos e depois disso nunca mais fiz
nada, eu nunca mais pisei em uma sala de aula. Não imaginava que
faculdade era para mim [...] (Fabiana).
Na verdade, nunca foi um objetivo assim: “Ah, vou fazer faculdade”, como
vejo que é hoje com o meu filho. Ele já está fazendo o ensino médio
pensando, se preparando para faculdade (Amanda).
eu vou ser sincera, é o que eu faço para os meus filhos! O que eu posso
garantir para você, essa é a porta para você correr atrás porque isso
ninguém vai tirar de você (Elisa).
Além disso, os valores frente ao trabalho observados nos relatos das professoras se
manifestam na forma como se referiram ao trabalho que exercem com crianças de zero a três
anos. Os relatos sobre as práticas pedagógicas por elas realizadas apontam para a presença de
atitudes como o empenho e dedicação no trabalho que exercem na educação infantil:
Então, deixa, faz sua vontade [sobre outra professora que optava por
realizar propostas diferentes] que eu trabalharei do mesmo jeito. Com a
bandeirinha de um jeito ou de outro, continuarei trabalhando e me
empenhando para fazer o melhor (Rita).
Eu lembro que a gente ficava muito nervosa com aquela mãe, porque ela
não ia à reunião (Elisa).
Elisa e Rita, de condições objetivas. Para Amanda a profissão docente se tornou uma
alternativa para que pudesse permanecer no mercado de trabalho e cuidar do filho, bem como
relacionada à ascensão social, compreendendo o campo educacional como possibilidade,
prevendo maior volume de capital cultural, social e econômico, tendo em vista seus empregos
anteriores. O mesmo pode ser observado em relação à Fabiana. Nos depoimentos as
professoras pontuam:
Frente aos relatos apresentados, nota-se que as condições objetivas de vida das
professoras, que se relacionam à origem social, logo à posição ocupada por suas famílias de
origem, também se encontram vinculadas às relações de gênero socialmente estabelecidas.
“Ser mulher implica determinada forma socialmente constituída de ser e estar no mundo, que
diz respeito a valores e modos de pensar [...]” (PENNA, 2011, p.200).
Em pesquisa sobre as condições de vida e de trabalho de professoras dos anos iniciais
do ensino fundamental, Penna (2011) verificou aspectos marcantes relacionados à docência e
gênero. Ao discutir a escolha de professoras pelo magistério em relação às condições
objetivas que permearam as trajetórias sociais de tais docentes, a autora argumenta que “a
mulher é submetida ao trabalho de socialização que tende a negar suas prioridades, desejos e
vontades, o que faz com que aprenda a valorizar virtudes negativas como paciência e
abnegação, tão presentes no magistério” (PENNA, 2011, p. 201).
126
Olha eu acho que hoje eu gostaria de realizar mais, mas eu sigo satisfeita.
Eu gosto do que eu faço, não foi o que eu escolhi, mas eu me encontrei nessa
profissão (Elisa).
Gosto muito do que eu faço. Faço com amor, tanto que tem até uma briga
assim com meu marido, porque a gente construiu uma casa no interior e ele
quer abrir uma padaria. Aí, eu falo para ele que eu não me vejo largando a
minha profissão para ir para lá (Amanda).
Me sinto cem por cento satisfeita, eu sou realizada no meu trabalho [...] O
que eu sei fazer é isso e talvez eu não faça do melhor jeito possível, mas eu
tenho certeza de que eu faço o melhor que eu posso fazer, isso eu sei por que
eu sinto (Rita).
127
Então, aquela coisa, meus pais que não tinham formação, para eles virem a
filha indo para faculdade, trabalhando como professora para eles é
gratificante. É gratificante! É como eu ver os meus filhos terminando a
faculdade, exercendo uma profissão, ver eles trabalhando, pensar que eles
estudaram e estão correndo atrás da vida (Elisa).
Eu acho que é um orgulho para eles, para eles eu acho que um orgulho, ter
sido a primeira a fazer uma faculdade, passar no concurso. Então, é um
orgulho (Amanda).
Também é possível notar ascensão em sentido econômico, uma vez que se observam
diferenças entre suas infâncias e as infâncias de seus filhos, bem como mudanças quanto às
dificuldades financeiras enfrentadas quando crianças. Assim, relatam as professoras:
Eu acho que tivemos infâncias muito diferentes. Eles têm muito mais acesso
à informação, acesso à brinquedos, à boas escolas [...]. Em questão
financeira é bem diferente também (Fabiana).
deste estudo. Buscou-se localizar, perante os depoimentos, indícios que apontam para
possíveis valores e disposições relacionados à posição social da família de origem das
docentes investigadas e que de alguma forma se apresentam na prática pedagógica que
exercem no trabalho com as crianças na creche.
Os relatos demonstraram a valorização do trabalho e da escolarização, ambos
relacionados à posição social das famílias de origem das professoras investigadas. Além
disso, destacou-se a escolha pela profissão docente, não como escolha pessoal, mas vinculada
às condições objetivas relacionadas às suas trajetórias sociais, apontando também para as
questões de gênero que envolvem a docência e principalmente o trabalho na creche, o que
também se relaciona à configuração de valores que se expressam na docência com as crianças
nas creches, tal como será discutido nas próximas seções.
4.2 Entre cuidar e educar: aspectos da função docente, cultura escolar e função social
da creche
Para além dos valores e disposições referidos à origem social, destacados na seção
anterior, nesta pesquisa buscou-se verificar elementos relacionados às condições objetivas
referidas ao espaço social em que as professoras exercem a docência, ou seja, o campo
educacional e a creche.
Como discutido ao longo do trabalho, considera-se que o atendimento à criança de
zero a três anos, mediante ao seu histórico, ocupa posição desvalorizada no espaço social,
sendo permeado por tensões e implicações de suas especificidades.
Frente a tais considerações, pretendeu-se averiguar como o campo educacional e a
cultura escolar que desse se consolida, bem como a posição social de desvalor das creches em
seu interior contribuem na configuração de valores e disposições que orientam o trabalho com
bebês e crianças pequenas. Assim, as concepções acerca das práticas docentes na creche
foram analisadas de modo a relacionar as percepções que as professoras possuem às
condições objetivas que permeiam determinada instituição e a profissão docente nesta etapa
da educação básica.
Dentre as grandes tensões que permeiam a educação infantil, encontram-se as relações
estabelecidas a partir das concepções que envolvem o binômio cuidar-educar, condição ligada
diretamente à função social da creche, isso pois, como discutido nos capítulos anteriores,
ainda que reconhecida em sua prerrogativa de direito, a primeira etapa da educação básica
129
configura-se como uma etapa cindida, não estando clara o suficiente a relação indissociável
entre essas duas ações.
Embora cuidar e educar se apresentem como condições indissociáveis e dispostas às
instituições de educação infantil, tal como estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2009a), o que tem se verificado na prática é que
a compreensão destas duas ações têm ocorrido de forma estreita (BUJES, 2001; HADDAD,
2002; COSTA, 2014).
Frente ao questionamento sobre o papel da educação infantil, observa-se que as
professoras entrevistadas compreendem como finalidade da primeira etapa da educação básica
a responsabilidade sobre a educação de crianças pequenas. Em um primeiro momento notou-
se que para as docentes, a creche se constitui como um espaço que a criança frequenta com o
intuito de que sejam desenvolvidas determinadas aprendizagens, para além do cuidar:
Eu falava para as mães assim: “Vocês acham que eles vêm para creche,
que eles vêm só para brincar, só que eles aprendem brincando. Tudo o que
a gente faz com eles tem uma intencionalidade, todas as brincadeiras que a
gente faz. Ir no Parque? Eles não estão jogados lá no parque, eles estão
aprendendo (Amanda).
[...]eles estão ali para aprender. Eu falo isso para eles, sempre digo: vocês
querem ficar sentados, descansando? Descansem em suas casas, aqui vocês
não estão para isso, vão fazer alguma coisa (Rita).
Ser professora é pegar aquela criança que está com vontade de tudo e que
não sabe o que é e você só conduz, sabe? Ele vai entrar ali naquele nosso
ambiente e você vai apresentar coisas novas para ela (Rita).
130
Quando entrei eu fui para um berçário II que eu acho que é uma faixa etária
maravilhosa, maravilhosa porque te dá o espaço que o berçário I não dá,
apesar de ser fofo[...] Eu acho que o berçário II dá esse respiro, para você
curtir a sala, para você conseguir enxergar algumas coisas, porque nos
mais pequenininhos [se refere ao berçário I] você não consegue enxergar
porque você quer mais socorrer, não é? É mais para socorrer do que
qualquer outra coisa e no berçário II não, lá você dá risada quando eles
chutam, dá pulo porque eles já sabem chutar, porque brincam pra lá e pra
cá. Aquele que não conseguia começou a chutar e você já consegue ver o
avanço e tudo mais (Fabiana).
Tristão (2005) chama atenção para o fato de que ações que ocorrem com bebês não
são compreendidas como parte do processo educacional, levando em consideração o que se
compreende por processo educativo, tendo como régua o preceito capitalista e sua lógica
estruturante, que valoriza a obtenção de resultados rápidos. Assim, destaca que:
Para a autora, a prática docente com bebês é caracterizada pela sutileza das ações
cotidianas que a compõem, as quais passam despercebidas como experiências constitutivas do
contexto educativo da creche. Em suas considerações, determinada concepção encontra-se
relacionada também à visão adultocêntrica que impossibilita que seja legitimado o jeito
próprio das crianças sentirem, serem e agirem no mundo.
Na contramão do que consideram as professoras sobre as aprendizagens dos bebês, é
preciso considerar que determinado espaço e fase da vida envolvem a importância das
relações, da comunicação, além da organização dos espaços para que seja contemplada a
atividade autônoma dos bebês e crianças pequenas na vida escolar, de modo que seja rompida
a concepção presente na cultura adultocêntrica da criança como um ser passivo e incapaz
(MELLO, 2021). “Educar bebês não significa apenas a constituição e a aplicação de um
projeto pedagógico objetivo, mas colocar-se, física e emocionalmente, à disposição das
crianças, o que exige dos adultos comprometimento e responsabilidade” (BARBOSA, 2010,
p. 5).
Citando as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI)
(BRASIL, 2009a), Barbosa (2010) destaca três aspectos imprescindíveis na constituição de
propostas para a educação de bebês em espaços coletivos, sendo o primeiro a compreensão
dos bebês como sujeitos de direitos e de história, de modo a torná-los protagonistas no projeto
educacional; o segundo “a defesa de uma sociedade que reconheça, valorize e respeite a
diversidade social e cultural e que procure construir a igualdade de oportunidades
educacionais entre as crianças” (BARBOSA, 2010, p.3); e o terceiro a valorização das
relações interpessoais entre crianças e destas com adultos, relações estas que oferecem
elementos para a construção da sociabilidade e constituição subjetiva de cada criança.
132
Eu acho que a criança é muito pura, ainda mais nessa faixa etária, depois,
tadinhos, eles são influenciados pelo meio, pelas outras coisas, mas quando
eles são pequenininhos assim eles são tão puros, são tão dependentes, não
é? E dá para se plantar. Eles são tão férteis, não é? Dá para plantar tanta
coisa. Eu acho que eles são solo fértil nessa faixa etária, elas são as
sementes boas em que se deve plantar (Fabiana).
Ao discutir sobre a educação da criança pequena, Bujes (2001) afirma que essa deve
envolver dois processos indissociáveis: cuidar e educar. A autora pontua que a inserção das
crianças no mundo não seria possível sem atividades voltadas simultaneamente a estas duas
instâncias.
Mediante a polarização que se instaura perante a estas duas ações na educação infantil,
em que o cuidar muitas vezes significa o desenvolvimento de atividades voltadas para
cuidados primários como: sono, higiene e alimentação, Bujes (2001) chama atenção para o
que de fato configura determinada atividade a ser realizada. Assim, afirma que o cuidar inclui
preocupações que:
De acordo com a autora, o cuidado da criança pequena não está relacionado apenas ao
seu direito, mas também à possibilidade de que homens e mulheres possam exercer de forma
mais ampla seus papéis como cidadãos(ãs) e trabalhadores(as), uma vez que, ao determinar
exigências de trabalho a sociedade passa a ter obrigação de prover ambientes seguros,
acolhedores, instigadores com adultos preparados.
Em um mesmo sentido, Costa (2014) aponta a necessária compreensão acerca das
ações de cuidado sob uma rede de significações mais ampla, como um conjunto de
concepções mais abrangentes, para além da satisfação de condições exclusivamente orgânicas
na criança.
Nas considerações da autora, embora ocorra um grande salto nas políticas públicas
educacionais, em que passam a ser valorizadas e são impulsionadas diretrizes fundamentais
para a primeira etapa da educação básica, de modo a enfatizar o direito da criança ao cuidado
e a educação, o binômio cuidar e educar parece ainda não ser bem compreendido.
Para as professoras entrevistadas, nota-se que o cuidar ainda é entendido em seu
sentido assistencialista e de cuidados primários, como destacam Bujes (2001) e Costa (2014).
Ao relatarem sobre as necessidades de cuidado na creche, as professoras relacionam tais
necessidades a situações específicas, tendo o olhar voltado apenas para crianças em estado de
vulnerabilidade:
Ai, eu vou me preocupar com o que? Se a criança está suja, porque tenho
que dar banho nela, vou me preocupar se ela está com piolho, que são
coisas que tenho que me preocupar (Elisa).
[...]a gente ainda tem que ter essa visão de um olhar para o cuidado,
porque às vezes a gente se perde pensando assim: “Ah, porque a mãe é
relaxada, a mãe é isso, mas a gente não olha para criança, né? A gente tem
que ter esse olhar cuidadoso na criança (Amanda).
Além disso, observa-se que ao se referirem às ações com crianças um pouco maiores,
não se fazem presentes termos relacionados ao cuidado, mas indicações sobre aprendizagens e
atividades de cunho escolar.
Ao relatarem sobre suas práticas, as professoras referem-se ao trabalho dos demais
colegas da escola, com exceção às suas parceiras de sala, como diferente do que realizam. Em
suas falas, se colocam em posição de destaque ao definirem que os demais colegas não
exercem o trabalho docente da forma que acreditam que deveriam, de acordo com o que
defendem ser necessário para a creche.
Mesmo se colocando em uma posição diferenciada das colegas ao afirmarem oposição
às atividades compreendidas como atividades escolarizantes, verifica-se conforme os relatos
sobre suas práticas docentes que elas também são mantidas pelo olhar pedagogizado, o que
134
pode ser observado nas falas sobre as brincadeiras e outras atividades sempre atreladas à uma
finalidade educativa:
Tem criança que vai para o parque e fica grudado com a gente, eu já digo
“Sai daqui, vai lá brincar, vai descobrir, vai explorar, entrar nesse mato,
vai procurar o negócio que eu escondi, porque até isso é aprender, não é?
(Rita).
Finco (2007) destaca que muitas das atividades do cotidiano de creches e pré-escolas,
ainda que propiciem a brincadeira, acabam por controlar os corpos e o brincar, tornando-os
escolarizados. A autora observa que determinada atividade muitas vezes é limitada a um
tempo e espaço, o que a torna uma condição educativa relacionada apenas a uma finalidade
externa e superficial de um jogo educativo.
Kishimoto (2010) define a brincadeira como um direito, uma ação livre iniciada e
conduzida pela criança, sem hora estabelecida para início e sem a exigência de um produto
final. A autora compreende a educação infantil como um período de extrema importância para
a introdução das brincadeiras.
Conforme discutido neste estudo, são definidos pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2009a) como eixos norteadores das
práticas pedagógicas na educação infantil, as interações e as brincadeiras.
Tendo em vista tais eixos, Kishimoto (2010, p.3) destaca como momentos importantes
que devem ser oportunizados na primeira etapa da educação básica levando em conta as
brincadeiras: i) as interações com os professores, o que auxilia no conhecimento do mundo
social, oportuniza maior riqueza, complexidade e qualidade às brincadeiras, “especialmente
135
para bebês, são essenciais ações lúdicas que envolvam turnos de falar ou gesticular, esconder
e achar objetos”; ii) as interações com outras as crianças, o que garante a construção,
recriação e conservação da cultura e repertório lúdico infantil; iii) interação com os
brinquedos e materiais, fundamental para o conhecimento do mundo dos objetos; iv) interação
entre criança e ambiente, situação em que a organização dos espaços influencia, facilitando ou
dificultando a realização das brincadeiras e interações; e por fim, v) a relação entre a
instituição e a família, que permite a integração da cultura popular e dos brinquedos e
brincadeiras que a criança conhece no projeto pedagógico.
Ainda sobre o brincar, Dornelles (2001) aponta tal ação como uma das formas de
expressão e comunicação da criança em que a cultura infantil é perpetuada e renovada. Para a
autora, mediante a brincadeira as crianças desenvolvem formas de convivência social,
recebem e modificam conteúdos, além de adquirirem novos saberes, incorporando-os a cada
novo brincar. Compreendendo a brincadeira como principal atividade do cotidiano da criança,
Dornelles (2001) argumenta sobre a importância de se assegurar e garantir nas instituições de
educação infantil condições que envolvam apenas o prazer de brincar.
Os relatos das professoras acerca das brincadeiras demonstram que determinada
atividade é compreendida mediante finalidades educativas, uma vez que estas são realizadas
sob a condição de direcionamentos e comandos, tal como recurso para aprendizado.
Mediante a análise dos depoimentos, verifica-se que o olhar pedagogizado quanto ao
trabalho com crianças maiores não é percebido. As professoras compreendem a creche como
um lugar em que as crianças frequentam para que possam aprender. Assim, postulam como
necessária a realização de atividades voltadas a estas questões. Pode-se relacionar
determinadas condutas à concepção que possuem sobre o que se espera da escola, bem como
da função do professor, tendo como parâmetro o sistema educacional e suas demandas.
(2001) a forma escolar não tem cessado de se estender e se generalizar para se tornar o modo
de socialização legítimo e dominante de nossas formações sociais, tendo se imposto esta
como referência não consciente. Assim, afirmam que:
[...] embora o momento histórico atual esteja marcado por uma maior
organização das ações e discussões que incluem novas concepções
educacionais de atendimento à infância, a maioria das práticas ainda
apresenta muitos problemas, resultado de incompreensões e
desentendimentos sobre as necessidades das crianças (LIRA, 2008, p.319).
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Nome fictício
137
24
Nome fictício
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educacional sobre a uma forma escolar que deste se consolida e impera frente a uma cultura
escolar, definindo o que é ser e como deve ser este aluno, frente às condições disciplinares.
Silveira e Abramowicz (2010) argumentam sobre as expectativas sociais e saberes que
determinam um bom aprendiz, ocorrendo a produção de determinado sujeito por meio de
aprendizagens que se dão para além dos diversos espaços sociais, também na escola, sendo o
professor um dos responsáveis por tais ensinamentos. Para as autoras:
Finco (2007) destaca que além das marcas de escolarização e controle dos corpos,
outra forma de controle que também precisa ser discutida diz respeito às marcas de distinção
entre os corpos de meninos e meninas. Para a autora, tais marcas são naturalizadas e
reproduzidas por meio de mecanismos sociais e técnicas que normatizam, disciplinam,
regulam e controlam os corpos, constituindo comportamentos, verdades e posturas sobre o ser
menino e menina.
O minucioso processo de feminização e masculinização dos corpos que se inscreve no
controle dos sentimentos, no movimento corporal, no desenvolvimento de habilidades, entre
outros aspectos, que se relacionam diretamente às expectativas que a sociedade e a cultura
carregam, refletem diretamente em ações e percepções presentes nas instituições sociais,
inscritas de forma sutil e não percebidas (FINCO, 2007). Sobre o assunto, Finco e Vianna
(2009, p.273) destacam:
Eram tempos muitos difíceis. Você entrava oito horas da manhã e saía às
cinco horas da tarde, isso quando dava a sorte de sair esse horário. Quando
143
não, você saía sete, oito, nove. Tinha meninas que ficavam lá até às onze
horas da noite porque o pai não ia buscar a criança e aí a gente não podia
sair[...] Eu ganhava pouco, era R$565,00 e nós ficamos ganhando isso por
quase dez anos (Elisa).
Naquela época eu vinha da rotina de dar banho, era muito o lado social,
tirávamos piolho, cortávamos as unhas, éramos mais babá. Eu não entrei na
sala para ensinar, a gente cuidava, éramos babás de criança. Era muito
complicado e cansativo, fora que o salário era muito baixo e ficávamos o dia
todo (Rita).
Outro aspecto presente nos depoimentos diz respeito ao tipo de trabalho realizado,
dada a forma de ingresso na profissão sem formação em nível profissional, fazendo com que
tivessem que realizar diferentes tipos de atividades. Os depoimentos demonstram a
indefinição de quais seriam suas funções frente ao trabalho com crianças pequenas, marcando
a posição de desvalorização e desprestígio profissional:
Eu cheguei lá no primeiro dia, falei com a diretora e ela: “Mas você faz o
que?” Aí eu falei assim: “eu não tenho a mínima ideia”. Então, eu fiquei
ajudando na cozinha, ajudando um pouco na secretaria, cuidava de criança,
fazia a aplicação de flúor que tinha nessa época. Até mesmo se precisasse
comprar alguma coisa, era eu quem ia comprar. Era esse tipo de coisa. Eu
era uma “faz tudo” na realidade (Elisa).
Bom, tinha essa parte porque ninguém sabia a que veio a recreacionista.
Era um mundo diferente porque nós somos da época em que nas formações
mandavam a gente calar a boca. Diziam: “calem a boca suas feirantes,
vocês não estão na feira”. Então, são coisas assim que ficaram para trás,
mas nós passamos. Eu me lembro desse dia, da sala cheia e a uma das
palestrantes que nos conhecia, nervosa falou assim: “Quem não for
professor, pode sair da sala. Não pode ficar. Já sabe que não pode ficar!”
(Elisa)
tinham. Então, para aceitar a gente no grupo foi bem complicado. Nós
éramos a escória. Sabe aquelas crianças que são escolhidas por último no
time porque não sabem jogar? [...]Nós éramos uma minoria, todos diziam
que entramos pelas portas do fundo da prefeitura (Rita).
No que tange às falas das professoras Amanda e Fabiana, com ingresso mais recente
na rede municipal, também foram observados apontamentos relacionados à precarização do
trabalho docente na creche mediante algumas situações que se diferenciam das relatadas pelas
professoras mais antigas, mas que também demonstram a situação a que estão expostos os
Professores de Educação Infantil (PEI) do munícipio, principalmente os professores
iniciantes.
Sobre o ingresso de Amanda na rede, a professora descreve situações que demonstram
a precariedade dessas condições. Destacando sua experiência como professora volante ao
início da carreira, Amanda descreve sua insegurança ao participar dos processos de escolha de
local de exercício, bem como as situações pelas quais passam os colegas na mesma situação:
Para além da insegurança, outra questão muito latente expressa nos depoimentos das
duas professoras diz respeito ao lugar em que são posicionadas quando das escolhas de turma,
ocupando sempre as posições que são consideradas de menor valor dentro da creche, neste
caso, o trabalho com os bebês. Fabiana e Amanda comentam sobre o fato de trabalharem por
muito tempo nas salas que atendem a menor faixa etária da creche:
As falas das professoras expressam o lugar de desprestígio do trabalho com bebês, que
“sobra” para as novatas, mais uma vez evidenciando que o desvalor social atribuído a essa
função se sedimenta com um valor prático no exercício da docência, ou seja, entre as
professoras. Ainda, tais excertos permitem refletir sobre a posição de desvantagem com que
os professores novatos e/ou ingressantes são tratados nas instituições. Tal situação demonstra
uma posição hierárquica entre professoras com maior tempo de exercício docente e
professoras novatas.
146
Tendo em vista a desvalorização da educação infantil, bem como das práticas que
rondam a creche e que por muito tempo estiveram atreladas à uma imagem de princípios
assistencialistas e de reprodução do cotidiano do trabalho doméstico e da maternagem
(CERISARA, 2002 a; ARCE, 2001), vale considerar que tal desvalorização também está
atrelada ao desvalor do trabalho que é entendido como feminino.
Tiriba (2010) sinaliza as diferenciações em relação ao valor social atribuído ao
trabalho realizado por homens e mulheres, afirmando o cuidado como uma das principais
dimensões que deixam a ver tal disparidade. De acordo com a autora, a sociedade confere
importância diferente aos papéis atribuídos a homens e mulheres. Enquanto aos homens se
impõe a dedicação e preocupação com dinheiro e o trabalho formal, as mulheres são
responsabilizadas pelo que é socialmente compreendido como de menor importância, ou seja,
ao que está relacionado à esfera do privado, como a organização da casa, o cuidado e
alimentação dos filhos, o conforto da família, entre outros. “Podemos, em síntese, dizer que os
homens cuidam das coisas, as mulheres cuidam das pessoas”. (TIRIBA, 2010, p.408).
Como discutido ao longo do estudo, a forma como o senso comum compreende o
trabalho docente na creche – de modo a desconsiderar todas as especificidades nele
implicadas, além de não compreender a importância do cuidado e educação de bebês e
crianças pequenas como um direito para além do âmbito privado – também marca as práticas
docentes presentes na instituição, principalmente as relacionadas ao cuidado, como práticas de
menor valor, uma vez que, embora sejam ações indissociáveis do ensino, são compreendidas
como separadas, marcando também a profissão docente nesta etapa da educação básica.
Hypolito (2012) afirma que a valorização do exercício docente está ligada a aspectos
internos e externos à profissão. Assim, o autor agrega à discussão a noção de caráter subjetivo
das condições de trabalho, atinentes às dimensões emocionais de determinado ofício e que
impactam de alguma forma a vida e o trabalho no magistério. Tais questões dizem respeito ao
ritmo, a sobrecarga, a intensificação de trabalho, além da satisfação nas atividades que
desempenham no trabalho. Ao trabalharem em condições desprestigiadas, as professoras
compreendem seu trabalho da mesma forma.
Para Penna (2011, p.65), “as precárias condições de trabalho às quais os professores
encontram-se submetidos expressam descaso com a educação, o que é percebido pela
sociedade”, o que determina a forma como o próprio profissional se vê e como é visto
socialmente.
Durante as entrevistas, Fabiana e Rita comentam sobre o fato de serem mães,
relacionando ao entendimento que possuem acerca do trabalho a ser realizado na creche,
147
Eu sou uma mãe muito cuidadosa, então esse cuidado é claro que eu levo
para a sala de aula, não é? Eu vou me preocupar com a troca, vou me
preocupar com isso e com aquilo, mas não é todo mundo que é assim. Então,
vai colocar uma pessoa sem ter noção? As pessoas talvez sejam assim por
não serem mães, por não terem esse cuidado, por não terem vivido isso e
não porque não são cuidadosas, mas por não terem aprendido mesmo
(Fabiana).
Eu gosto do que eu faço, não foi o que eu escolhi, mas eu me encontrei nessa
profissão[...] Como diz o meu esposo, se eu reclamar, eu estou sendo mal-
agradecida com Deus, porque Deus abençoou muito a nossa vida, abrindo
essa porta que eu achava que lá atrás não era nada está vendo? Olha só o
portão que é! (Elisa).
Eu sou realizada. Ser professora é pegar aquela criança que está com
vontade de tudo e que não sabe o que é e só conduz, sabe? Ele vai entrar
ali naquele nosso ambiente e você vai apresentar coisas novas para ele
(Rita).
149
O que me faz bem é o carinho das crianças, a retribuição que vem deles. É
que nem eu falei, de você ver que criança gosta de você, que você é
professora daquela sala e o seu aluno gosta de ir para escola, sabe?
(Amanda)
Eu acho que é uma relação de troca porque esse carinho, essa coisa, esse
cuidado eu acho que eles também dão. Na verdade, eu acho até que eles dão
mais, porque você está ali porque você é paga para aquilo e o deles não, o
carinho que eles têm para você é de graça, é espontâneo né? Eles estão ali
para receber e para dar. Então, acho gratificante (Fabiana).
das professoras”, (OLIVEIRA, 2012, p. 117), sinalizando para uma valorização nesse
contexto.
Citando o art. 206, inciso V da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988),
Jacomini e Penna (2016) chamam a atenção para o fato de que a valorização dos profissionais
de educação deve contemplar os planos de carreira. Além disso, pontuam como necessidades
a serem garantidas por esse, tendo em vista a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996), aperfeiçoamento profissional, piso salarial, progressão na carreira,
condições adequadas de trabalho e carga de trabalho que contemple período reservado a
estudos, planejamento e avaliação.
Sobre as modificações referentes às condições de trabalho, logo, relacionadas à
valorização docente, frente à Lei Municipal nº 6711/10 (GUARULHOS, 2010) que dispõe
sobre a revisão da estrutura, da organização, do funcionamento da carreira e da remuneração
do magistério público do município de Guarulhos, as professoras destacam o acontecimento
como positivo, dando ênfase principalmente ao que tange a remuneração e carga horária.
Assim, afirmam:
Quando a minha colega foi para a casa abrigo, ela me dizia que era
maravilhoso e que eu deveria ir para lá também. Então, eu fui. Lá era outra
151
Vamos dizer que poderia ganhar muito mais, mas o que eu ganho é muito
satisfatório, ganho muito mais do que muitos pais de família. É um emprego
seguro. Eu não posso reclamar, não posso! (Elisa).
condições de funcionamento das escolas, tendo em vista aspectos como razão aluno/professor,
tamanho das salas, diversidade de materiais didáticos, entre outros aspectos.
Ao se discutir a questão da qualidade na educação, em estudo realizado com
professores de educação infantil, Locatelli e Vieira (2019) buscaram compreender a relação
do trabalho docente com os processos de políticas educacionais voltadas a tal etapa da
educação básica. Por meio de informações sobre o perfil e a percepção dos docentes acerca de
suas condições de trabalho, as autoras verificaram que embora as últimas décadas tenham sido
preenchidas por avanços em relação às condições de trabalho, no que diz respeito à dimensão
estrutural e às relações de trabalho, ainda assim se observa a não consolidação de uma
educação infantil comprometida com a qualidade da educação e o bem-estar das crianças e
profissionais.
Em levantamento sobre a qualidade na educação infantil no Brasil, Campos, Füllgraf e
Wiggers (2006) pontuam que mediante as pesquisas que tratam de determinado assunto nota-
se que as instituições responsáveis pelo cuidado e educação de crianças de zero a cinco anos
não contam com os recursos materiais e estruturais necessários para a realização de um
atendimento de qualidade.
De acordo com Assis (2014), a falta de recursos materiais e humanos acabam por
influenciar na concretização do objetivo de promover o desenvolvimento integral da criança
por meio das múltiplas linguagens.
Levando em consideração tal condição, na qual está inserido o trabalho docente nas
instituições de educação infantil, para além de questões relacionadas à carreira docente e ao
ingresso na profissão, as professoras também foram questionadas sobre as dificuldades que
encontram para a realização do trabalho docente. Sobre isso, relataram não encontrar tantas
condições ruins, afirmando conseguirem lidar com tais circunstâncias.
Ainda que não tenham realizado muitas queixas, é possível verificar nos depoimentos
das professoras condições de precarização do trabalho do professorado.
Dentre as facetas que compõem as condições de trabalho docente, Sampaio e Marin
(2004) destacam a quantidade de alunos por turma e a razão entre professor e alunos como
dois grandes elementos que incidem sobre a precarização do trabalho do professor. Tal
condição também esteve presente nas entrevistas com as professoras, que se referiram ao
grande número de crianças por sala, expondo a situação como um dificultador do trabalho nas
creches:
153
Era uma professora para ficar com 29 crianças para cuidar de um menino
porque a criança dava muito trabalho. Nossa, isso é desgastante e você tem
que se virar com o que tem [...] (Rita).
O espaço é muito pequeno. Eu acho que falta muita área externa para a
gente trabalhar, a gente fica muito preso. Lá é uma escola muito pequena,
o parque é bem pequenininho, cimentado. Então, as áreas externas são
muito poucas. Eu sinto falta disso, eu acho que isso é ruim, essa questão
assim da escola ser pequena prejudica bastante o trabalho em relação aos
alunos (Amanda).
25
Nome fictício
155
tempos que assegurem entre outros aspectos o reconhecimento das especificidades etárias e
das singularidades individuais e coletivas das crianças, bem como promovam interações entre
as crianças.
Os apontamentos do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(BRASIL, 1998), as reflexões acerca da importância dos espaços e de sua organização quanto
ao que diz respeito às necessidades das crianças, logo das necessidades das professoras para o
exercício do trabalho docente, bem como as exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil (BRASIL, 2009a) em contraponto com o que relatam as duas
professoras sobre o ambiente em que trabalham, levam à reflexão sobre como tem se
configurado o atendimento às crianças pequenas nas creches e pré-escolas, ainda em direção
oposta a um atendimento de qualidade e que leve como aspecto principal as especificidades e
necessidades dos sujeitos infantis.
Na esteira destas considerações, ressalta-se a importância de que as creches possam
contar com espaços em que seja possível o desenvolvimento global das crianças, de modo que
sejam possibilitadas experiências variadas, em que estejam presentes o contato com a
diversidade de produtos culturais, tal como previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil (BRASIL, 2009a). Neste sentido, importa considerar que:
pelos quais passam os professores, bem como discutir suas percepções acerca destes. Tais
processos tornam-se importantes, uma vez que, se relacionam à constituição da prática
docente. Para tanto, neste subitem analisam-se aspectos da formação inicial, formação
contínua, bem como dos momentos de socialização entre pares vividos pelas professoras
investigadas.
Mediante ao fato de o estudo considerar como sujeitos de pesquisa docentes de dois
grupos diferenciados, sendo o primeiro referente às professoras com maior tempo de ingresso
na rede municipal de Guarulhos e entrada na creche sem formação profissional, e o outro,
composto por professoras com menor tempo de entrada na educação infantil do município
seguindo as exigências de formação em nível superior em curso de licenciatura em Pedagogia
ou Nível édio na modalidade Normal, os dados coletados por meio das entrevistas
demonstraram as diferentes organizações e formatos das licenciaturas realizadas pelas quatro
professoras participantes do estudo.
Sobre a formação profissional das docentes com maior tempo de trabalho nas creches,
em licenciatura em Pedagogia, cabe destacar que essa foi realizada após o ingresso na
profissão, especificamente no ano de 2002 por meio do Programa Pedagogia Cidadã ofertado
pela Secretaria de Educação (SE) de Guarulhos em parceria com a Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Ao iniciarem na creche como recreacionistas, Elisa
e Rita apresentavam apenas o ensino médio como nível de escolarização.
Ao relatarem sobre a entrada no programa de formação, as professoras enfatizam o
fato de suas participações terem ocorrido por meio da ocupação de vagas remanescentes, uma
vez que, no período em que cursaram a licenciatura, a iniciativa tinha como foco os
professores em exercício nas primeiras séries do ensino fundamental.
Mediante a condição em que realizaram a licenciatura em Pedagogia e a necessidade
de se compreender a importância que conferem à formação docente, questionou-se à Elisa e
Rita os motivos de terem optado pela participação no programa de formação. Ao responderem
à pergunta, as duas professoras pontuam que consideram o processo formativo importante
para carreira docente. Assim, fazem referência à busca pelo que definem como conhecimento
teórico, considerando que já possuíam o domínio sobre as formas de agir com as crianças nas
creches.
a gente ganhava muito pouco, não dava para conviver e pagar faculdade.
Não era como hoje que todo mundo tem faculdade. Era status e olha que
nem faz tanto tempo, eu me formei em 2005, faz 16 anos, mas era outro
valor. Antes era muito valorizado, era único, surreal e estudar ainda na
Unesp? Aí, era mais ainda, foi um presentão (Rita).
Naquela época nós tínhamos a prática, mas não tínhamos a teoria[...]. Esta
formação acrescentou na importância do meu conhecimento teórico e
empírico. Não é isso? Essa era uma palavra que na época usava-se muito.
Então, eu precisava disso! [...]. Passamos no concurso e ainda tivemos o
privilégio de ter uma formação (Elisa).
As falas das professoras sobre o conhecimento acerca da prática a ser realizada com
bebês e crianças pequenas sem que contassem com formação profissional marcam a
concepção de que para trabalhar com determinada faixa etária as ações a serem realizadas
encontram-se principalmente relacionadas à conhecimentos tácitos.
É interessante observar que embora compreendessem possuir domínio das ações a
serem realizadas com bebês e crianças pequenas nas creches, o trabalho das professoras nas
instituições não se via reconhecido socialmente como função de valor, justamente ao se levar
em conta o grande número de professores sem formação profissional ou com baixo nível de
escolarização, o que contribuiu para a constituição de uma concepção de prática
desvalorizada.
As afirmações das professoras sobre o processo formativo realizado por meio do
programa oferecido pela prefeitura demonstram a possível associação entre a realização do
curso de Pedagogia e a valorização da formação em nível superior como elemento que lhes
poderia conferir socialmente certo prestígio, visto que, apontam durante as entrevistas que a
função de recreacionistas que ocupavam e a não exigência de formação para exercício do
cargo, dentre outros aspectos, as conferia posição de desvalor na rede municipal. Tal situação
aparece marcada em uma das falas de Elisa:
Tínhamos muitas brigas com ela [vice-prefeita]. E ela falava assim: “Se
você quer conversar comigo, se você quer discutir comigo, vai estudar!”
Aquilo me marcou e não somente a mim, mas a maioria de nós (Elisa).
de vida frente a posição ocupada por elas, tendo em vista o fato de pertencerem a famílias de
origem das camadas populares, como já exposto.
Comentando sobre a situação de a formação em Pedagogia ter sido realizada enquanto
já exerciam a profissão docente na creche, ainda que a função de professora não fosse
reconhecida, Elisa e Rita ressaltam as dificuldades enfrentadas diante uma rotina cansativa
tendo em vista as condições precárias de trabalho nas instituições conciliadas à formação
realizada no contraturno do horário em que estavam nas creches. Nos depoimentos, as
professoras também apontam a dificuldade no acompanhamento do conteúdo previsto, bem
como relatam sobre a forma como se organizava o curso e ocorriam as aulas:
Tivemos uma dificuldade muito grande porque era Unesp, né? Unesp! Nós
não estávamos preparados para aquilo e eu não estou falando de nós aqui
da creche, mas nós na rede toda. Então, o que acontecia? A gente não sabia
nem do que se tratava. Estávamos lendo ali, mas não sabíamos nem do que
se tratava. Todo mundo cobrava da faculdade e houve um levante muito
grande, porque a nossa coordenadora de aula, não ia lá na frente e ficava
dando aula expositiva. Então, teve um embate muito grande porque as
pessoas pediam que ela fosse expositiva. Era muito interessante nesse
sentido, porque você queria voltar sempre nas questões anteriores. A gente
dizia assim: “ah, mas você não explicou”, e ela dizia: “isso eu não tenho
que explicar, você tem que ir atrás, você tem que criar o seu saber” Nossa,
era um embate muito grande (Elisa).
Além disso, também comentam sobre as precárias condições quanto à estrutura física e
material do local em que ocorria a formação. A seguinte fala de Rita ilustra a situação:
No que tange à formação das professoras com ingresso mais recente na rede
municipal, vale destacar que ambas realizaram Licenciatura em Pedagogia em instituições
privadas, tendo os cursos três anos de duração. Amanda cursou em um Centro Universitário
localizado no município de Guarulhos, no período vespertino, horário de contraturno do
emprego que mantinha em um colégio particular como professora auxiliar de informática, e
Fabiana na modalidade de ensino a distância (EaD) em uma Universidade do município de
São Paulo, após ter optado pela saída do emprego que mantinha na linha de produção de um
laboratório farmacêutico.
Tal como Elisa e Rita, Amanda comenta sobre seu esforço para que pudesse realizar o
curso de Pedagogia enquanto trabalhava como professora auxiliar no colégio particular, já
Fabiana, relata sobre o retorno aos estudos demonstrando valorização da possibilidade de
cursar o ensino superior enquanto acompanhava os dois filhos em casa.
Depois desse tempo todo fora da escola ter tido contato com uma instituição
de ensino foi muito bom. Tanto que as aulas eram online, mas eu pegava
no caderno e escrevia, porque na minha cabeça eu tinha que voltar de
onde eu parei. Para mim foi bom por conta disso, porque eu tinha duas
crianças pequenininhas, então, eu aproveitava o horário que eles estavam
dormindo. Colocava eles na cama para estudar, porque durante o dia eu
não conseguia por serem dois e eu estar sozinha. Para mim então foi boa
essa rotina. Foi bom ter uma rotina diferente, como mãe (Fabiana).
Considerando dados, ações de governo e interfaces com outras dimensões das políticas
educacionais, Barreto (2015) problematiza as implicações das políticas de formação de
professores. A autora reflete sobre os problemas decorrentes de qualidade e de características
assumidas pela expansão dos cursos. Para além disso, argumenta que “as fragilidades relativas
à qualidade dos cursos de licenciatura de modo geral não podem ser atribuídas apenas às
condições recentes de sua expansão” (BARRETO, 2015, p.687), mas estas, se encontram
presentes também na composição dos currículos presos à modelos arquétipos, que remontam
aos períodos iniciais dos sistemas de ensino.
Para Barreto (2015) inscrevem-se nos programas de formação docente a dificuldade da
criação de espaços híbridos de formação, nos quais estejam integrados componentes
acadêmicos, teóricos, pedagógicos e de saberes construídos no exercício da profissão. Neste
sentido, a autora pontua como necessário que o preparo para a profissão docente considere
também os problemas que ocorrem dentro da escola.
Conforme exposto anteriormente, Rita e Elisa realizaram a formação em nível superior
enquanto já exerciam função na creche, o que leva a considerar que, anteriormente ao
ingresso no curso de licenciatura em Pedagogia, as professoras já estavam em contato com as
experiências cotidianas que emergiam no trabalho realizado nas creches.
De acordo com os relatos, para as professoras que já estavam inseridas no atendimento
à criança pequena, a formação oferecida pelo programa Pedagogia Cidadã se deu de forma
descontextualizada. Assim, as docentes apontam que o curso oferecido não levou em conta a
posição que já ocupavam nas instituições.
Pode-se relacionar determinada situação à expansão dos cursos para a formação em
nível superior de professores leigos em exercício docente, mediante as novas exigências de
formação frente à Lei de Diretrizes e Bases (LDB) (BRASIL, 1996), que de modo a dar conta
de tais definições resultou na criação de sistemas de ensino que passaram a organizar
programas de formação para docentes de suas redes, contando com opções de cursos
aligeirados, precários e muitas vezes esvaziados, como discutido no segundo capítulo.
Os relatos de Amanda, professora formada em Pedagogia por instituição privada
também demonstram aspectos relacionados à problemática de um curso em nível superior
aligeirado, ao ter sido realizado em três anos, além de outros aspectos que serão apresentados
mais adiante nesta seção.
Destacam-se também as condições da licenciatura em Pedagogia realizada por
Fabiana, na modalidade a distância, sendo apresentada pela docente como uma oportunidade
de realização do ensino superior mediante à sua condição.
163
Sobre o assunto, ao analisar trabalhos que trazem como tema o ensino superior na
modalidade a distância, Bello e Rodrigues (2012), apontam que a Educação a Distância (EaD)
representou para os cursistas participantes dos estudos uma alternativa para a democratização
do acesso ao ensino superior, tendo em vista a possibilidade de obtenção de diploma que não
seria possível de outra forma mediante inúmeras dificuldades como por exemplo a falta de
tempo, distância física em relação aos locais de formação, entre outros, o que também foi o
caso de Fabiana.
No entanto, ao se ter em vista a possível democratização do ensino superior via
determinado modelo de formação, é preciso considerar que, assim como pontuam Bello e
Rodrigues (2012), embora a educação a distância (EaD) possa ser entendida como uma das
formas de acesso a cursos como a Pedagogia, essa precisa ser questionada e analisada de
forma crítica, de modo que possa ocorrer pautada em experiências de formação de boa
qualidade a serem propiciadas nos cursos e não a graves percalços como puderam verificar as
autoras mediantes as análises realizadas em diversos estudos sobre o ensino superior na
modalidade a distância.
Sobre o modelo de formação realizado, Fabiana, em uma de suas falas, apresenta
crítica a tal modalidade, afirmando que o processo poderia ter sido melhor caso tivesse sido
realizado presencialmente. A fala da professora ainda concede informação sobre o perfil das
colegas cursistas, indicando situações muito próximas das suas.
Tal como pontua Campos (2008), bem como neste estudo se discutiu anteriormente,
raramente questões específicas do atendimento em creches são abordadas nos currículos de
formação de professores. Assuntos como o desenvolvimento infantil de bebês e crianças
pequenas, alimentação, saúde, o trabalho com as famílias, os direitos da mulher, o significado
do brincar e a importância das interações e socialização em ambientes coletivos, por exemplo,
dificilmente são levados em consideração, dando espaço a outros temas. Sobre tal situação
vale ainda ressaltar o grande leque de atribuições de que precisa dar conta o curso de
Pedagogia, tendo em vista a formação de um profissional para atuação em diversos campos
em tão pouco tempo, como definem as Diretrizes Curriculares Nacionais para Curso de
Pedagogia (DCNCP), instituídas pela Resolução CNE/CP nº 01, de 15 de maio de 2006
(BRASIL, 2006b).
Frente a problemática, levando em conta a necessidade de compreender a concepção
das professoras, bem como se organizaram as licenciaturas realizadas com vistas à educação
infantil, perguntou-se sobre os cursos de Pedagogia que participaram. Ao tecerem
considerações acerca de suas experiências formativas, as professoras apontam pouco contato
com a primeira etapa da educação básica na formação em nível superior que realizaram:
Tive muito pouco sobre a educação infantil no curso, muito pouco mesmo.
[...]eu acho que assim, ainda precisava um campo muito maior para que a
faculdade conhecesse o que acontece dentro das escolas de educação
infantil (Elisa).
Não tivemos nada muito voltado para educação infantil, mas na verdade,
me lembro que eles queriam é provaram por “a mais b” que se pode
aprender brincando (Rita).
Eu tive algo sobre a educação infantil, mas acho que foi pouco. Sei que era
algo muito relacionado à ideia de que a educação infantil é início de tudo,
que é onde tudo começa e que tudo o que você vai fazer, você tem que
aprender a fazer ali. Agora o nome da disciplina, o que era separado
certinho, eu não me lembro. Não era nada específico, algo de se dizer
assim: “agora vamos tratar sobre educação infantil”. Mas assim, foi
falado algo sobre (Fabiana).
A faculdade ajudou, mas na parte teórica. Não tivemos aula prática. Aula
sobre a educação infantil eu tive um pouco de teoria mesmo. Teve uma
disciplina de educação infantil que era focada…Bom, teve essa disciplina
de educação infantil só e uma de ensino fundamental (Amanda).
A partir dos depoimentos é possível notar que conforme suas concepções, a formação
em nível superior com a qual tiveram contato, embora tenha levado em conta assuntos sobre a
educação infantil, estes ocorreram de forma insuficiente, sendo pouco discutidos e inseridos
165
em outras temáticas, não sendo assim específicos. Desta forma, as falas desatacam também
indícios de processos precários de formação docente vivenciados pelas professoras.
Conforme aponta Barreto (2015), mesmo contando com reformas educacionais,
basicamente mantém-se inalterada a formação genérica nos cursos de Pedagogia, a qual
pretende preparar professores de educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental,
especialistas em educação, diretores e supervisores. De acordo com a autora, ainda que
ocorram ensaios de mudanças nos cursos, em diferentes regiões brasileiras, a fraca capacidade
de institucionalização acaba por se destacar neste processo. Segundo a autora, “o campo da
reconceitualização pedagógica no âmbito dos cursos de formação docente está decididamente
voltado para as exigências acadêmicas feitas pelas agências reguladoras a todos os cursos
superiores” (BARRETO, 2015, p. 688). Além disso, destaca-se também o fato de o grande
número de instituições privadas terem se transformado em empresas com interesse de
mercado.
Neste sentido, importa considerar que Elisa e Rita realizaram as formações
anteriormente às definições das Diretrizes Curriculares Nacionais para Curso de Pedagogia
(DCNCP) (BRASIL, 2006a), enquanto Amanda e Fabiana cursaram a licenciatura após
determinado marco. Sobre esta situação, vale destacar que, ainda que a realização dos cursos
tenha ocorrido em períodos distintos, a percepção das professoras acerca do movimento
formativo que realizaram convergem nos dois grupos.
Ao não contarem com uma formação profissional voltada às especificidades da
educação infantil e ao trabalho na creche, as professoras consideram que as aprendizagens da
docência dizem respeito principalmente aos momentos de desenvolvimento do exercício da
função docente na escola, mediante as práticas realizadas nas instituições que trabalham ou já
trabalharam.
Guarnieri (2005) identifica certa unilateralidade e reducionismo quando se trata da
formação de professores quanto ao que diz respeito à relação teoria e prática, em que ora se
coloca grande peso ao conhecimento teórico acadêmico, ora às situações geradas pelas
práticas pedagógicas no exercício da profissão, concepção essa que carrega suas raízes no
modelo de racionalidade técnica.
No que concerne à questão, Garcia (2010, p.14) aponta que “os estudantes em
formação costumam perceber que tanto os conhecimentos como as normas de atuação
transmitidos na instituição de formação pouco têm a ver com os conhecimentos e as práticas
profissionais”. Nota-se tal constatação referente à relação entre teoria e prática na fala das
professoras, quando mencionam a sua formação em nível superior. Assim, as docentes
166
consideram que muitas de suas aprendizagens sobre o trabalho na educação infantil foram
adquiridas no exercício da própria profissão:
Eu acho que a faculdade não ajudou. Ajudou zero. A gente sempre aprende
na prática com os colegas, aprendemos até não fazer certas coisas, não é
verdade? Porque tem o exemplo negativo que você olha e diz que é aquilo
que você não quer. Então esse é um aprendizado. Na maioria das vezes, eu
te juro que é isso o que a gente aprende mais (Rita).
O que eu aprendi foi na prática mesmo, foi no dia a dia, quando eu fui
para o batente [...]. O dia a dia, o “vamos ver”, desenvolver uma atividade
eu aprendi na prática, porque assim, montar uma atividade, fazer um plano
de aula, a gente aprende lá [se refere à faculdade], mas, o dia a dia ali que
você vai lá e tem uns problemas, tem um aluno que tem problema, e a forma
como vai agir, é na prática (Amanda).
É interessante destacar que tanto as professoras com ingresso mais recente na rede
municipal quanto as professoras mais antigas descrevem momentos de aprendizagens
mediante ao processo de inserção profissional. Para Garcia (2010) tal período define-se como
parte importante na trajetória de um professor, uma vez que, é nele em que ocorre a
transmissão da cultura docente (os conhecimentos, modelos, valores e símbolos da profissão),
a integração desta cultura às práticas, além da adaptação à escola e aos modos de organização
do trabalho na instituição em que são desenvolvidas as atividades.
Em um mesmo sentido, Guarnieri (2005) afirma que o professor ao adentrar à
profissão docente, a partir do exercício de sua função, aprende. Para a autora, de modo que
lhe é apresentada a cultura escolar como um padrão, o docente incorpora rotinas, tarefas,
procedimentos, bem como valores expressos em tal cultura, os quais são considerados como
adequados pelos professores mais antigos.
Ao analisarem os saberes mobilizados pelos professores na prática cotidiana, Tardif &
Raymond (2000) verificaram que os professores trazem no exercício do trabalho
conhecimentos e manifestações de saberes provenientes de variadas fontes e diferentes
naturezas. Assim, os autores destacam que:
De acordo com Tardif & Raymond (2000), tais saberes definem-se como plurais,
compósitos, heterogêneos e temporais, sendo constituídos mediante as trajetórias vivenciadas
pelos professores a partir das experiências e trocas com pares no contexto pessoal e
profissional, proporcionando subsídios que auxiliam na atuação da profissão.
Para Penna (2012a), o conjunto de esquemas práticos que o professor mobiliza em sua
ação é adquirido, entre outros aspectos, pela experiência. De acordo com a autora, as
aprendizagens que compõem parte do ofício docente e ocorrem na inserção do professor no
campo educacional não ocorrem de forma intencional.
Sobre o ingresso na profissão e as aprendizagens desenvolvidas em determinada
época, as professoras entrevistadas afirmam certas aprendizagens que se relacionam ao fazer
docente nas creches e escolas:
Quando eu entrei para a creche [se refere à primeira creche em que atuou]
foi interessante, porque eu fui muito privilegiada, eu trabalhei com uma
menina, o nome dela é Marcia [...]. Eu aprendi uma coisa com ela, ela
dizia assim: “Não, eu não posso ficar aqui o dia inteiro com uma criança e
ela fazendo nada. Eu tenho que pensar em alguma coisa para ela fazer”
(Elisa).
A primeira vez na creche para mim foi tudo muito novo, ali eu tive uma
noção de como seriam as trocas e essas coisas, porque eu não sabia de
nada disso da creche, de como cuidar na creche. Como eu te disse, não foi
falado, isso não tivemos na faculdade, isso eu posso te garantir... Então, lá
eu fui tendo essa noção que precisaria trocar, alimentar as crianças e tudo
mais (Fabiana).
Eu sempre acho que aquilo que eu sei é menos, então eu tento buscar trocar
com outras pessoas ou buscar formações das quais elas justifiquem esse
meu pensamento e essa minha ação [...]A minha maneira de pensar e de
trabalhar eu vou dizer para você que tem muita influência das pessoas que
eu trabalho. Eu gosto de observar as outras pessoas trabalhando que é para
poder aprender com elas (Elisa).
Eu acho que existe sim posições hierárquicas. Eu acredito que tenha sim, eu
percebo que tem. Não é assim, questão de eu sei mais, mas é assim, eu
estou aqui há mais tempo você acabou de chegar, então… assim. Eu
acredito que tem sim[...]. Eu vou fazendo o que eu pretendo para mostrar
que eu também sou tanto professora quanto elas que já estão ali há mais
tempo. Não é porque eu acabei de chegar que eu também não sou capaz,
mostro que eu irei continuar e um dia eu vou chegar também na posição que
ela está ali, no tempo de trabalho dela (Amanda).
Na primeira escola em que trabalhei, quando eu via alguma coisa que não
gostava eu podia mudar eu mudava, mas isso não dependia só de mim
porque ainda estava chegando. Então mesmo você tendo força de vontade,
sozinha você não consegue, porque senão você acaba batendo de frente
com algumas professoras mais velhas e aí acaba virando um lugar horrível
de trabalhar e é ali que você precisa estar todo dia [...]. E assim, nós duas
éramos as que ficavam quietas [ela e mais uma professora novata que
compunha o trio de trabalho], sabe? Só obedecendo, mas estava tudo lindo
porque tudo que a mais velha queria fazer a gente era disposta fazer
também, porque depois ela também ajudava no que queríamos (Fabiana).
170
Dando importância aos julgamentos produzidos nas relações que se desprendem entre
as professoras nas creches, a discussão acerca da produção da profissão docente por meio de
uma identidade constituída frente à docência se coloca como ponto importante a ser inserido
no debate sobre a constituição de saberes no exercício profissional e a possível reprodução de
aspectos que compõe a cultura escolar.
Segundo Garcia, Hypolito e Vieira (2005) é por meio dos discursos em que se define a
categoria docente e como essa deve agir, que se produz uma parcela de condições necessárias
para a fabricação e regulação da conduta dos professores. De acordo com os autores, a gestão
da identidade profissional docente, que ocorre por meio dos discursos vinculados por grupos e
171
indivíduos que disputam o espaço acadêmico ou que estão na gestão do Estado, está
diretamente relacionada à tarefa central de governo e de condução do sistema educacional e
escolar de uma nação.
Em um mesmo sentido, Hypolito (2010) propõe como constituintes de determinado
processo de constituição identitária as ações do Estado gerencial e as políticas educativas, que
em suas palavras, possuem caráter regulador tornando as identidades docentes mais
adequadas a empreendimentos educativos.
Corroborando a ideia acerca da construção da identidade docente vinculada à gestão
do Estado, Garcia e Anadon (2009) argumentam sobre a constituição de uma autoimagem de
docência a partir de políticas educacionais, tais quais podem ser compreendidas como
dispositivos de recomposição dos mecanismos de regulação social no interior dos aparatos
educacionais e escolares.
Partindo das reflexões aqui explanadas, acerca da identidade docente, quando
principalmente relacionada ao Estado como agente centralizador que regula determinado
ofício, compreende-se a necessidade de trazer à luz alguns aspectos que marcam certa
condição regulatória, ainda que as docentes aqui investigadas componham o quadro de
professores de educação infantil, mais especificamente em exercício docente na creche,
espaço social que também é composto por uma identidade profissional. Conforme
argumentado anteriormente, ainda que em atuação na creche, as professoras de educação
infantil ocupam posição social constituída por uma cultura e identidade comum à docência.
As considerações frente à construção da identidade docente auxiliam na compreensão
de como as demais professoras que atuam nas duas creches investigadas, de acordo com o que
relatam as docentes investigadas, entendem como deve se organizar e ser realizado o trabalho
docente, tendo em vista a imagem que se consolida mediante a construção do que é ser
professor, ou seja, da identidade docente.
Os dados analisados com vistas às aprendizagens desenvolvidas frente ao ingresso na
profissão e ao processo de socialização com os pares no exercício docente apontam que ao
exercerem a docência as professoras também incorporam saberes, bem como elementos que
marcam as práticas e rotinas nas creches.
Nota-se mediante às falas das professoras sobre as formas como se organizam as
relações nas creches, que tais situações também são constitutivas de seus saberes e são
mobilizados no exercício docente. Além disso, também é possível observar que as relações
que se desprendem da socialização entre pares estão atreladas às condutas das professoras, o
172
que pode ser percebido quando afirmam que realizam ou deixam de realizar algo tendo em
vista alguns julgamentos.
Sobre isso, vale destacar que tais práticas por muitas vezes podem estar relacionadas à
uma cultura escolar que se consolida no campo educacional e marca o magistério, ainda mais
quando levada em conta o que se concebe como identidade docente. Dessa forma, embora
compreenda-se a vivência prática mediante a inserção profissional e a socialização docente
como importante aspecto da formação de professores, faz-se necessário levar em conta que
este não deve ser valorizado como a principal forma de desenvolvimento das aprendizagens
que envolvem a docência (PENNA, 2012a).
De acordo com Penna (2011, p.56), “a investigação de aspectos relacionados à
formação desencadeada no professor em processos de socialização na escola é fundamental
para a compreensão da cultura escolar e seus mecanismos de continuidade e possibilidades de
ruptura”. Assim, tais processos devem ser questionados, uma vez que:
Sobre a formação inicial docente, Imbernón (2004) defende que a sua estrutura
necessita possibilitar uma análise global das situações educativas, de modo que os professores
sejam dotados de uma bagagem sólida nos âmbitos social, cultural, contextual, pessoal,
assumindo a tarefa educativa em toda sua complexidade.
De acordo com Silvestre (2011), é nesta etapa em que são fornecidas as bases para a
construção de um conhecimento especializado. Assim, a condição da formação inicial e seus
moldes também se encontram em íntima relação com o desenvolvimento profissional e se faz
de grande importância que sejam considerados.
Tendo em vista determinada situação, torna-se importante que o professor compreenda
o estabelecimento das relações entre prática docente, contexto de trabalho em que se situa tal
prática e formação teórico-acadêmica inicial, o que segundo Guarnieri (2005) só é possível
mediante ao desenvolvimento da capacidade de reflexão crítica que proporcione a este
profissional o entendimento de sua própria situação enquanto profissional.
Dessa forma, no que concerne à educação infantil, importa considerar que o docente
que atua com criança necessita “[...] assumir a reflexão sobre a prática, o estudo crítico das
teorias que ajudam a compreender as práticas, criando estratégias de ação, rechaçando receitas
ou manuais. O eixo norteador precisa ser a prática aliada à reflexão crítica [...] (KRAMER,
2002, p. 129).
Contudo, conforme alerta Guarnieri (2005), para que ocorra a capacidade reflexiva
crítica faz-se necessário o envolvimento não só do professor, mas de grupos de professores de
modo que em conjunto possam buscar saídas para conflitos, dificuldades e problemas
relacionados à prática que se inscrevem no cotidiano das escolas. Neste sentido, importa
também levar em conta os momentos de formação permanente como outra possibilidade para
a constituição de professores críticos reflexivos.
Silva Junior (2015) discute a importância de os professores se formarem para além das
universidades e dos centros de formação, em seu contexto de trabalho, junto aos seus alunos e
no interior dos limites e dos saberes de sua categoria profissional.
Para Barreto (2015) as mudanças das práticas educativas requerem estratégias e
demandam um tempo para consolidar-se, que não é o tempo de duração dos cursos de
formação continuada. Neste sentido, a autora considera necessária a proposta de formação
permanente, que assim como um projeto de um novo modelo de formação inicial, leve em
conta o professor como agente, a escola como locus e um espaço público de formação.
Corroborando a ideia, Candau (1996) coloca como necessário o deslocamento do
locus da formação continuada de professores da universidade, tornando como referência
174
pares, evidencia-se tal movimento com maior força frente à relação estabelecida com suas
respectivas colegas de sala, uma vez que não vivenciam muitos momentos de troca com os
demais professores das instituições, uma queixa de três das docentes entrevistadas. Para elas
tais momentos são importantes para as trocas de saberes, bem como para o trabalho coletivo:
Então, eu sinto meio que essa falta de troca com os colegas também
pessoalmente. É muito fechado, o pessoal é muito fechado. É cada um na
sua sala (Amanda).
Nós tivemos há uns anos, uns bons anos de troca. Eu tenho uma ideia, eu
não sei se diferente, tanto eu quanto a minha parceira de sala atual. A
minha porta está sempre aberta. Eu gosto de aprender, gosto de ver que às
vezes eu faço uma coisa e o outro vai lá e faz. Faz a mesma coisa e sai o
resultado totalmente diferente, eu acho isso muito interessante. Então, abre
as possibilidades de eu aprender coisas diferentes. Mas, o que eu percebo é
que as pessoas estão se fechando. O espaço não está para troca e não digo
só para troca em relação ao trabalho, mas até para as interações com as
crianças (Elisa).
Eu acho que essa troca com as outras salas é fundamental, porque fora da
Hora Atividade você não tem essa chance, oportunidade. Então para que
essa troca exista com as outras professoras na escola em um geral e gestão
e tudo mais é só na hora atividade, porque a gestão também não vai na sala
ver o que está acontecendo ou o que está precisando. Então, na hora
atividade é fundamental para o restante do corpo escolar, agora na sala de
aula é na prática, com a colega é na prática e até mesmo o planejamento
(Fabiana).
Observa-se certa falta de diálogo entre pares na instituição no que se refere à discussão
acerca da realização de práticas adequadas, bem como sobre as dificuldades encontradas no
cotidiano. Não há assim a reflexão sobre o fazer docente em sentido de reconstrução de ações
que atendam de forma integral o desenvolvimento das crianças.
Neste sentido, outro ponto a ser destacado diz respeito ao período de Hora Atividade
desenvolvido pelas professoras, que na rede municipal de Guarulhos é estipulado como um
espaço formativo.
Ao realizarem estudo de revisão com análise documental e analisarem resumos de
teses e dissertações que tratam sobre a formação continuada de professores da educação
básica, Penna, Bello e Jacomini (2018) verificaram que o trabalho coletivo, a troca de
experiências entre os professores, e a problematização da realidade foram aspectos apontados
pelas pesquisas como situações que pudessem levar os docentes a se tornarem mais
autônomos, criativos profissionais e condutores da sua própria prática pedagógica.
Conforme apresentado anteriormente, no município de Guarulhos, as professoras de
educação infantil contam com a carga horária de 30 horas semanais, sendo destas, cinco horas
176
reservadas como espaço formativo, das quais três horas devem ocorrer nas unidades
escolares/creches (Hora Atividade), ou seja, em forma de trabalho coletivo, enquanto as
outras duas em espaços da preferência do professor. Embora sejam determinadas tais
especificações frente à jornada de trabalho, os relatos das professoras apontam para outra
situação. As docentes afirmam que não sentem a utilização dos horários estabelecidos em suas
jornadas como um espaço formativo ou um espaço para trocas entre pares:
Eu acho que eu sinto falta da formação nessas horas atividades, falta das
que são mais formativas. Eu acho que as horas atividades da escola onde
estou é muito diferente e sinto essa falta. Eu já passei por escolas que as
horas atividades eram formativas, que a coordenadora vinha com texto que
liamos e debatíamos e lá não tem muito isso. Lá é muito assim, a hora-
atividade usada para decidir alguma coisa, para dar algum recado
(Amanda).
Lá não temos esses momentos. Lá nós nos reunimos apenas quando tem o
CPCC para falar o que a gente pretende fazer naquele período. No CPCC
somos todas divididas por salas, por exemplo, os berçários I se juntam e
conversam e é dessa forma e só. Daí para a frente não tem o
acompanhamento, só quando tem algo para fazer, por exemplo, demanda
que veio da secretaria para ser respondida. Mas discutir o que está sendo
feito, não (Fabiana).
Ainda sobre a situação em que se inscreve a não utilização dos horários de trabalho
coletivo nas creches vale destacar que estes se consolidam como um direito dos professores, a
ser utilizado como espaço formativo, que, no entanto, não tem cumprido sua função.
Nesta seção pretendeu-se discutir os processos formativos nos quais estiveram
inseridas as quatro professoras participantes deste estudo. Desta forma, destacaram-se como
pontos de debate tanto os processos formativos formais – licenciatura em Pedagogia -, como
os processos não formais, ocorridos mediante as experiências vivenciadas no exercício do
magistério na creche.
177
A análise dos dados aqui apresentada indica que, de acordo com as professoras
entrevistadas, suas formações em nível superior ofereceram poucos subsídios sobre o trabalho
a ser realizado com bebês e crianças pequenas, o que as leva a considerar que a maioria de
suas aprendizagens ocorreram no exercício docente.
No que concerne às aprendizagens desenvolvidas frente à inserção profissional, os
depoimentos destacaram o reconhecimento de aprendizagens ocorridas mediante à prática da
profissão, principalmente com vistas aos momentos e trocas com os pares. Sobre tais
aprendizagens, chama-se atenção para a possibilidade de reprodução de aspectos da cultura
escolar, bem como de uma identidade docente regulada pelo Estado que também vai ao
encontro de tais aspectos.
Ao considerar os movimentos formativos frente à formação continuada das
professoras, observou-se que esses não ocorrem nas creches, não havendo momentos para
discussões que possam levar à reflexão as ações e o trabalho consolidado nas instituições.
A função docente com bebês e crianças pequenas vem se constituindo como um
campo em construção e possui características específicas que vão além de uma forma escolar.
Neste sentido, deve-se ter em vista que determinada etapa educacional demanda saberes
docentes que contemplem as especificidades das crianças pequenas. É essencial considerar
que as escolas de educação infantil possuem características diferentes das escolas de ensino
fundamental, o que confere propostas de educação diferenciada, demandando profissionais
formados e comprometidos com o conhecimento. O professor nesta etapa da educação básica
não ministra aulas, embora preveja intencionalidade educativa.
Dando importância às considerações que se desprendem da análise aqui apresentada e
das especificidades da educação infantil e da creche, vale ressaltar o importante papel da
formação inicial de professores, bem como da formação permanente. Tais movimentos
formativos necessitam subsidiar o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo do
professor, de modo a levá-lo à compreensão e ao questionamento de práticas cristalizadas que
expressam traços da cultura escolar, bem como concepções equivocadas sobre o trabalho com
as crianças de zero a três anos, além do reconhecimento político e social de determinada etapa
educacional. Ainda que tais processo se façam de grande importância na formação inicial e
continuada, importa ainda considerar os percalços que envolvem as duas situações e a difícil
efetivação de processos formativos de qualidade, tal como discutido neste trabalho.
178
CONSIDERAÇÕES FINAIS
destacar que a posição social ocupada pelas famílias de origem relaciona-se diretamente à
valorização do trabalho e da escolarização, valores observados mediante os relatos das
professoras. Observou-se que tais valores, que expressam um ethos de classe, se manifestam
em sentido prático para as docentes em suas práticas. Assim, verificou-se determinada relação
do trabalho como valor nas falas em que as professoras apontam atitudes de empenho,
dedicação e esforço nas funções exercidas na creche, enquanto o valor à escolarização se
expressou nas práticas relatadas junto às crianças. Para as professoras a escolarização
compreende parte importante do trabalho que realizam como docentes. É interessante pontuar
que ambos os valores destacados vão ao encontro das demandas do campo educacional e do
magistério, além do que, não são questionados pelas professoras, tendo em vista que
compreendem a escola tal como possibilidade de mobilidade social, estando assim submissas
às normas e conhecimentos propagados pela escola.
Além dos valores referidos à posição social das famílias de origem, verificou-se que a
relação estabelecida pelas professoras com a docência na creche também expressa marcas da
posição social que ocupam como mulheres. As condições objetivas relacionadas à atuação em
instituições de educação infantil permitiram compreender a forma como a docência com
crianças de zero a três anos é compreendida pelas professoras, configurando valores que
compõem suas práticas. Sobre esse aspecto, destacaram-se nos depoimentos a relação
estabelecida pelas professoras entre o fato de serem mães e a escolha pela docência, seja pelas
condições objetivas relacionadas à necessidade de conciliarem a dupla jornada de trabalho
formal com o trabalho doméstico e cuidado dos filhos, além da possibilidade de realização de
curso superior e ingresso no mundo do trabalho, seja pela concordância que realizam entre o
curso de Pedagogia e a docência com o fato de serem mães.
Para além dos valores e disposições referidos à origem social, buscou-se verificar
elementos relacionados às condições objetivas referidas ao espaço social em que as
professoras exercem a docência, ou seja, o campo educacional e a creche. Ao investigar
determinado campo, considerou-se que o atendimento à criança de zero a três anos, mediante
ao seu histórico, ocupa posição desvalorizada no espaço social, sendo permeado por tensões e
implicações de suas especificidades.
Partindo desta perspectiva, no que tange às circunstâncias que envolvem o trabalho
docente na creche e a docência nesta etapa da educação básica, ao investigar os contextos em
que ocorreram as trajetórias profissionais das professoras e as condições objetivas que destas
se desprendem, foi possível identificar alguns aspectos que marcam as práticas docentes no
trabalho com crianças de zero a três anos.
180
Diante das conclusões alçadas perante este estudo, infere-se que as práticas docentes
das professoras investigadas se encontram diretamente relacionadas às condições objetivas
que permeiam suas trajetórias, condições essas, referentes principalmente à profissão docente
e ao espaço em que exercem o magistério, qual seja, o campo educacional e a creche.
Ao demonstrar tais resultados, os apontamentos aqui destacados orientam para a
discussão de possíveis aprofundamentos que tragam como problemática a formação docente
dos profissionais atuantes em creche, além de outras tantas questões como as condições de
trabalho que se desprendem nesta etapa da educação básica, bem como fundamentalmente
sejam questionadas as políticas educacionais que envolvem o atendimento à bebês e crianças
pequenas.
Frente às especificidades do trabalho docente na educação infantil, explicitadas nas
Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2009a), destaca-se assim a
importância de se refletir sobre o papel do profissional que atua nessa etapa da educação
básica.
O atendimento de qualidade na creche requer a compreensão e valorização de suas
especificidades na relação com a infância. Dessa forma, cabe considerar que ser professor de
creche não é o mesmo que ser professor de ensino fundamental. A profissão docente na
creche ainda segue em construção, em busca de um perfil e de uma identidade, exigindo assim
profissionais que compreendam um projeto de educação, com intencionalidade, no entanto
não escolar, mas centrado no desenvolvimento da criança e de suas necessidades, tendo em
vista sua fase de desenvolvimento.
Embora a formação profissional para atuação na primeira etapa da educação básica
seja reconhecida, é preciso questionar como essa formação ocorre, debatendo os subsídios
formativos ofertados aos futuros professores nos cursos de Pedagogia que, como discutido
neste estudo, apresentam diversas problemáticas, principalmente relacionadas às políticas e
reformas educacionais atreladas às transformações neoliberais. Ainda, é relevante
problematizar as ações que têm sido realizadas nas próprias creches, uma vez que, conforme
demonstram os dados aqui apresentados, o trabalho nas instituições se vê permeado por
condições que favorecem a reprodução de práticas cristalizadas nestes espaços, sendo
compartilhadas por meio dos processos de socialização e entrada no exercício docente.
Frente à exposição de tais aspectos que marcam o trabalho docente na creche e as
práticas pedagógicas neste espaço social, importa considerar tal como ressalta Oliveira
(2002), que a inclusão da creche no sistema de ensino necessita ir além de investimentos nas
condições de trabalho de seus profissionais, para que de fato seja compreendida sua função
185
social e política, investimentos na formação permanente, de modo que seja possível repensar
o modelo internalizado sobre o que é a instituição escolar na educação infantil:
Assim sendo, tal formação permanente, seja ofertada por instâncias educacionais,
redes públicas municipais ou relacionada aos movimentos organizados pelas creches,
necessitam levar em conta as reflexões acerca de uma cultura escolar que se sedimenta no
campo educacional, a desvalorização da primeira infância e do trabalho com esta faixa etária,
além de discussões sobre as funções macrossocial da creche, tal como demonstra Haddad
(2002).
No entanto, cabe destacar que, embora a formação permanente e principalmente os
movimentos formativos que partam da própria creche se constituam como importante
aspectos no reconhecimento da instituição como um local de valor próprio, há ainda que se
considerar que, apesar de a formação do professor se destacar como importante, se
considerada de forma isolada não garante por si só a qualidade no atendimento nas creches e a
solução de questões e implicações que permeiam o trabalho docente nestas etapa da educação
básica
Neste sentido, há que se levar em conta também os inúmeros obstáculos relacionados
aos sistemas educacionais e suas políticas, uma vez que, conforme discutido no segundo
capítulo, a educação infantil ainda se vê fragmentada e secundarizada pelo poder público,
tendo em vista o direito reservado às crianças e o financiamento, sendo assim priorizadas
outras etapas educacionais, o que ressalta socialmente a falta de reconhecimento da
importância social e política da educação infantil e principalmente da creche.
186
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198
1. Conte um pouco sobre sua infância e sua família (tentar resgatar informações referente às
condições sociais da família durante a infância. Local onde nasceu e as memórias de como
vivia).
2. Onde você morava? Como era a casa e quem morava com você? Foi necessário a mudança
do local de vivência em algum momento? Por qual motivo?
3. Seus pais trabalhavam? Quais eram as suas profissões? Como eles aprenderam o ofício
realizado?
4. Qual a formação dos seus pais?
5. Passaram por alguma dificuldade?
6. Onde você mora atualmente?
7. Durante a infância, quais os tipos de passeios que sua família costumava realizar? Ia ao
teatro, cinema, shows? E atualmente?
8. Referente a leitura, quais eram os hábitos de sua família? E atualmente?
9. Em sua infância quem eram os responsáveis pela organização da casa, elaboração de
refeições, cuidados com irmãos?
10. Você acha que a sua infância foi diferente da infância de seus filhos?
11. Como eram seus pais?
14. Como você classifica sua relação com os demais funcionários? (Colegas e gestão)
15. Descreva a rotina de sua sala e sua(s) colegas.
16. O que vocês costumam fazer com as crianças?
17. O que você acredita que seja importante para a faixa etária que você trabalha?
18. O que você gosta no trabalho com essa faixa etária?
19. O que te incomoda no trabalho com essa faixa etária?
20. Qual é sua maior dificuldade nos momentos em que está em exercício com as crianças?
21. Quais são os momentos em que você acredita que ocorram as trocas de experiências e
aprendizagens entre pares?
22. O que você aprendeu/tem aprendido na prática, ao ingressar na profissão, que não havia
aprendido anteriormente? Como você julga essas aprendizagens? Acredita que estão certas ou
erradas? Por quê?
23. Você concorda com a forma de trabalho de outras professoras da escola? Elas são
professoras iniciantes ou professoras mais experientes?
24. Costuma haver formação continuada para professores na rede? E na escola? Você
costuma participar? O que acha sobre?
25. Como é feito o planejamento? Como vocês se organizam quanto às várias ideias que
aparecem? Utilizam algum documento norteador?
26. O que acha do planejamento?
27. Como são os momentos de H.A?
28. O que você considera sobre suas condições de trabalho? (Referente a quantidade de
crianças, salário, espaço físico, materiais) Comente um pouco.
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO
Identificação
1) Nome
2) Idade
3) Cidade e Estado em que nasceu
4) Bairro/cidade em que reside
5) Gênero que se identifica
7) Estado civil:
( ) Casado(a)/ mora com um(a) companheiro(a)/ união estável
( ) Separado(a) / divorciado(a) / desquitado(a)
( ) Solteiro(a)
( ) Viúvo(a)
( ) Outra pessoa
14) Escolaridade
Formação básica:
( ) Ensino regular ( ) Educação de Jovens e Adultos (EJA)
( ) Escola pública ( ) Escola privada
Formação inicial:
( ) Ensino médio/técnico ( ) Graduação ( ) Curso Normal Superior
( ) Curso presencial ( ) Educação à distância (EaD)
Área
Ano de conclusão
Instituição
Formação complementar:
( ) Graduação ( ) Pós-graduação
( ) Curso presencial ( ) Educação à distância (EaD)
Área
Ano de conclusão
Instituição
Formação continuada:
( ) Realizada pelo município ( ) Outras instituições
( ) Curso presencial ( ) Educação à distância (EaD)
Cursos:
Ano de realização:
Escolaridade familiar
15) Mãe:
Escolaridade:
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Superior completo
( ) Superior incompleto
( ) Curso de Pós-graduação completo
( ) Curso de Pós-graduação incompleto
Sua mãe está realizando alguma das modalidades acima? Se sim, qual? Em caso de cursos de
Graduação ou Pós-graduação, especificar área.
16) Pai:
Escolaridade:
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Médio completo
204
Seu companheiro(a) está realizando alguma das modalidades acima? Se sim, qual? Em caso
de cursos de Graduação ou Pós-graduação, especificar área.
17) Companheiro(a):
Escolaridade:
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Superior completo
( ) Superior incompleto
( ) Curso de Pós-graduação completo
( ) Curso de Pós-graduação incompleto
Seu companheiro(a) está realizando alguma das modalidades acima? Se sim, qual? Em caso
de cursos de Graduação ou Pós-graduação, especificar área.
18) Filho(a):
Escolaridade
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Superior completo
( ) Superior incompleto
( ) Curso de Pós-graduação completo
( ) Curso de Pós-graduação incompleto
Seu filho(a) está realizando alguma das modalidades acima? Se sim, qual? Em caso de cursos
de Graduação ou Pós-graduação, especificar área.
19) Filho(a):
Escolaridade
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Superior completo
( ) Superior incompleto
( ) Curso de Pós-graduação completo
( ) Curso de Pós-graduação incompleto
205
Seu pai está realizando alguma das modalidades acima? Se sim, qual? Em caso de cursos de
Graduação ou Pós-graduação, especificar área.
20) Filho:
Escolaridade
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Superior completo
( ) Superior incompleto
( ) Curso de Pós-graduação completo
( ) Curso de Pós-graduação incompleto
Seu filho(a) está realizando alguma das modalidades acima? Se sim, qual? Em caso de cursos
de Graduação ou Pós-graduação, especificar área.
206
Título do Projeto de Pesquisa: Origem social e campo educacional: estudo sobre aspectos
da prática docente de professoras de creche.
Local onde será realizada a pesquisa: A pesquisa tem como locus duas creches da rede
pública de Guarulhos e será realizada de forma não presencial por meio de ambiente virtual
utilizando-se o aplicativo Zoom Cloud Meetings.
Antes de decidir se você quer participar, é importante que você entenda porque esta pesquisa
está sendo realizada, todos os procedimentos envolvidos, os possíveis benefícios, riscos e
desconfortos que serão descritos e explicados abaixo.
A qualquer momento, antes, durante e depois da pesquisa, você poderá solicitar maiores
esclarecimentos, recusar-se a participar ou desistir de participar. Em todos esses casos você
não será prejudicado, penalizado ou responsabilizado de nenhuma forma.
Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora
responsável Marieta Gouvêa de Oliveira Penna, nos telefones (11) 3675-0244, celular (11)
99933-7437 e e-mail: [email protected]. Se você tiver alguma dúvida sobre os seus
direitos como participante nesta pesquisa ou questões éticas, você poderá entrar em contato
com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, situado Edifício
Octávio de Carvalho na Rua Botucatu, 740 Sala 557, Vila Clementino, São Paulo, pelos
telefones (11) 5571-1062 ou (11) 5539-7162, às segundas, terças, quintas e sextas, das 09:00
às 12:00hs, ou pelo e-mail <[email protected]>.
Todas as informações coletadas neste estudo serão confidenciais (seu nome jamais será
divulgado). Somente o pesquisador e/ou equipe de pesquisa terão conhecimento de sua
identidade e nos comprometemos a mantê-la em sigilo. Os dados coletados serão utilizados
apenas para esta pesquisa.
crianças de zero a três anos, a pesquisa que aqui se apresenta compreende a prática e a
formação docente de forma ampliada, por meio da análise de aspectos relacionados às
trajetórias pessoal e profissional das professoras investigadas.Verificar a gênese dos valores e
disposições que se apresentam em facetas das práticas pedagógicas implica compreender os
processos vivenciados pelas professoras participantes durante suas trajetórias sociais como
situações formativas não formais, uma vez que, neste estudo leva-se em conta que as práticas,
as percepções e as escolhas docentes são estruturadas por tais disposições incorporadas
mediante as experiências sociais nos diversos campos sociais percorridos pelo docente.
Neste sentido, a relevância da pesquisa se justifica pela necessidade de ampliação de estudos
referentes à formação ampliada e práticas do professor de educação infantil e especificamente
da creche, de forma a contribuir para o avanço de discussões a respeito da valorização da
primeira etapa da educação básica e dos profissionais que nela atuam, servindo de suporte
para o entendimento e a análise de forma crítica e consciente de questões relacionadas à
reprodução de certas práticas presentes nas creches, dando subsídio para discussões referentes
à formação continuada de professores e seus desdobramentos.
Consentimento do participante
Eu, abaixo assinado, declaro que concordo em participar desse estudo como voluntário(a) de
pesquisa. Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) sobre o objetivo desta pesquisa, que
li ou foram lidos para mim, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos
e benefícios decorrentes de minha participação e esclareci todas as minhas dúvidas. Foi-me
garantido que eu posso me recusar a participar e retirar meu consentimento a qualquer
momento, sem que isto me cause qualquer prejuízo, penalidade ou responsabilidade. Autorizo
a divulgação dos dados obtidos neste estudo mantendo em sigilo minha identidade. Informo
que recebi uma via deste documento com todas as páginas rubricadas e assinadas por mim e
pelo Pesquisador Responsável.
Endereço;___________________________________________________________________
RG:__________________________; CPF: ______________________
Assinatura: __________________________ local e data:________________________
Declaração do pesquisador
Nome do Pesquisador:_________________________________________________________
Assinatura:____________________________Local/data:_____________________________