Dissertação_Silva_Jessica_Blasques_da_15_12_2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

JESSICA BLASQUES DA SILVA

ORIGEM SOCIAL E CAMPO EDUCACIONAL: ESTUDO SOBRE ASPECTOS DA


PRÁTICA DOCENTE DE PROFESSORAS DE CRECHE

GUARULHOS
2021
JESSICA BLASQUES DA SILVA

ORIGEM SOCIAL E CAMPO EDUCACIONAL: ESTUDO SOBRE ASPECTOS DA


PRÁTICA DOCENTE DE PROFESSORAS DE CRECHE

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


do Programa de Pós-Graduação em Educação da
da Escola de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade Federal de São Paulo
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Marieta Gouvêa de
Oliveira Penna.

GUARULHOS
2021
Na qualidade de titular dos direitos autorais, em consonância com a Lei de direitos
autorais nº 9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita desse trabalho no Repositório
Institucional da UNIFESP ou em outro meio eletrônico da instituição, sem qualquer
ressarcimento dos direitos autorais para leitura, impressão e/ou download em meio eletrônico
para fins de divulgação intelectual, desde que citada a fonte.

Silva, Jessica Blasques da.

Origem social e campo educacional: estudo sobre aspectos da prática docente


de professoras de creche / Jessica Blasques da Silva – 2021. – 209 f.

Dissertação (Mestrado em Educação). – Guarulhos : Universidade Federal de


São Paulo. Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Orientadora: Marieta Gouvêa de Oliveira Penna.

Título em inglês: Social origin and educational field: a study on aspects of


teaching practice of nursery teachers.

1. Creche. 2. Trajetória social. 3.Prática docente. 4. Cultura escolar.


5.Guarulhos. I. Marieta Gouvêa de Oliveira Penna. II. Origem social e campo
educacional: estudo sobre aspectos da prática docente de professoras de creche.
JESSICA BLASQUES DA SILVA

ORIGEM SOCIAL E CAMPO EDUCACIONAL: ESTUDO SOBRE ASPECTOS DA


PRÁTICA DOCENTE DE PROFESSORAS DE CRECHE

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


do Programa de Pós-Graduação em Educação da
da Escola de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade Federal de São Paulo
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação
Aprovação: ____/____/________

Profa. Dra. Marieta Gouvêa de Oliveira Penna


Universidade Federal de São Paulo

Profa. Dra. Ana Carolina Colacioppo Rodrigues


Centro Universitário Santa Rita

Profa. Dra. Célia Regina Batista Serrão


Universidade Federal de São Paulo
Dedicado a Maria, Conceição e Manoel (in
memoriam).
AGRADECIMENTOS

"Quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas


aquele que vai acompanhado, com certeza vai mais longe".
Clarice Lispector

Agradeço à professora Dra. Marieta Gouvêa de Oliveira Penna, minha orientadora,


pela confiança desde o início para a realização deste estudo, pela disposição nas orientações,
pelas aprendizagens desenvolvidas em meio às trocas ao longo desse percurso, pela paciência
e pelas palavras de tranquilidade em tempos tão difíceis. Gratidão pela sensibilidade,
gentileza e compromisso com que acolheu a mim e a este trabalho.
Às professoras Dra. Ana Carolina Colacioppo Rodrigues e Dra. Célia Regina Batista
Serrão. Agradeço imensamente as valiosas contribuições no exame de qualificação, o olhar
atento a cada ponto a ser melhor desenvolvido e a gentileza em aceitarem participar da
construção desta pesquisa.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação e a todos os envolvidos em seu
funcionamento. Aos professores, professoras e colegas pelas discussões que tanto
contribuíram para minha formação ao longo deste percurso.
Ao meu pai Manoel em memória e à minha mãe Conceição pelo incentivo e apoio de
sempre, sendo assim os grandes responsáveis por minha busca e concretização desta etapa.
À minha avó Maria pelo amor imensurável e por sempre acreditar em mim.
À minha irmã Caroline pela divisão de tantas responsabilidades, incentivo, apoio e
ajuda.
Ao meu namorado e grande companheiro Danilo Rodrigues de Oliveira. Agradeço a
parceria, paciência, incentivo diário e apoio. Obrigada por ter cuidado de nós com tanto amor
e carinho ao longo desse intenso período e por me fazer acreditar que era possível.
Aos grandes amigos de trabalho, Ana Paula Reis Felix Pires, Eduardo Augusto
Ribeiro Ramiro, Janaina Juvencio Leal Dias e Tamires Fernandes dos Santos pelas risadas,
pelas trocas tão intensas sobre a educação infantil e apoio. Agradeço todo o carinho com que
estiveram dia a dia me alegrando.
À minha querida amiga Tayná Mota Santos Figueiredo pelo acompanhamento, pelas
dicas e pelo auxílio antes mesmo de minha entrada no Programa de Pós-Graduação. Minha
gratidão ao tempo disponibilizado para responder cada pergunta sobre sua passagem pelo
mesmo processo e a todas as palavras de incentivo e carinho.
À Angélica Rafaela Lima de Freitas, amiga especial de longa data. Agradeço o apoio
psicológico, cumplicidade, as longas conversas sobre a vida e a imensa preocupação de
sempre.
Às professoras participantes deste estudo que com grande gentileza estiveram a todo
momento à disposição.
Se o mundo ficar pesado
Eu vou pedir emprestado
A palavra POESIA

Se o mundo emburrecer
Eu vou rezar pra chover
Palavra SABEDORIA

Se o mundo andar pra trás


Vou escrever num cartaz
A palavra REBELDIA

Se a gente desanimar
Eu vou colher no pomar
A palavra TEIMOSIA

Se acontecer afinal
De entrar em nosso quintal
A palavra TIRANIA

Pegue o tambor e o ganzá


Vamos pra rua gritar
A palavra UTOPIA

Jonathan Silva, 2018.


RESUMO

Este estudo encontra-se inserido no debate referente à prática e à formação de professores de


educação infantil, especificamente no que tange à compreensão ampliada dessas duas
instâncias que envolvem o trabalho docente. Tem por objetivo geral verificar valores e
disposições incorporados em processos formativos não formais vivenciados nas trajetórias
pessoal e profissional que se manifestam em facetas da prática pedagógica de professoras em
exercício docente na creche. Parte-se do pressuposto que tais disposições para ação que
orientam o trabalho na primeira etapa da educação básica estão diretamente relacionadas às
experiências sociais vivenciadas conforme a origem social e o campo educacional, de acordo
com as condições objetivas e regularidades que permeiam ambas as condições. Como
objetivos específicos almejou-se i) investigar a trajetória social das professoras de educação
infantil em exercício docente na creche, ii) apreender as formas como as professoras
compreendem a prática pedagógica no trabalho com crianças de zero a três anos, iii) verificar
valores e disposições que mobilizam as professoras em suas práticas docentes e que são
referidos à origem social e ao campo educacional, iv) verificar o modo como as condições
objetivas, referidas à origem social contribuem na elaboração de valores e disposições que
orientam o exercício docente com crianças de zero a três anos v) verificar o modo como as
condições objetivas, referidas ao campo educacional contribuem na elaboração de valores e
disposições que orientam o exercício docente com crianças de zero a três anos. Trata-se de
pesquisa com abordagem qualitativa, realizada por meio de entrevistas semiestruturadas e
aplicação de questionário complementar com quatro professoras de educação infantil da rede
municipal de Guarulhos em duas creches, buscando investigar em cada uma dessas, uma
dupla composta por uma professora com maior tempo de exercício e uma professora com
ingresso mais recente na rede municipal de ensino. Foram mobilizados como referencial
teórico os conceitos de habitus e campo, elaborados por Pierre Bourdieu (2003, 2011, 2015,
2019); a concepção de prática educativa formulada por Sacristán (1999); além das
considerações de Rosemberg (2016), Cerisara (2002), Bujes (2001, 2002), Barbosa (2006) e
Kuhlmann Jr. (1998), entre outros, referentes à creche. Mediante aos dados coletados foi
possível evidenciar que as práticas docentes das professoras investigadas se encontram
diretamente relacionadas às condições objetivas que permeiam suas trajetórias, condições
essas referentes principalmente à profissão docente e ao espaço em que exercem o magistério,
qual seja, o campo educacional e a creche. As análises permitiram evidenciar aspectos das
implicações do campo educacional e de uma cultura escolar que se consolida e se impõe à
educação infantil e à creche, além de elementos relacionados a valores atinentes ao histórico
assistencialista nessa etapa da escolarização, relacionados principalmente ao trabalho
materno, o que contribui para que seja reconhecido como um trabalho desvalorizado. Nesta
perspectiva, notou-se que as professoras, dentre outros aspectos, agem nas creches a partir de
valores sedimentados no campo educacional, ao mesmo tempo em que se utilizam de
referências e valores atinentes às suas origens sociais.

Palavras-chave: Creche. Trajetória social. Prática docente. Cultura escolar. Guarulhos.


ABSTRACT

The study is inserted in the debate of practice and training of nursery teachers, specifically about
the expanded understanding of these two process that involve the teaching work. The overall
objective is to investigate the values and dispositions learned by teachers in non-formal training
processes experienced in personal and professional trajectories which are manifested in the
pedagogical practice of nursery teachers. It is assumed that such dispositions for action that guide
work in the first stage of basic education are directly related to social experiences lived according
to social origin and educational field, according to the objective conditions and regularities that
permeate both conditions. As specific objectives, it is aimed to i) investigate the social trajectory
of nursery teachers, ii) learn the ways in which teachers understand the pedagogical practice in
working with children from zero to three years old, iii) verify values and dispositions who
mobilize as teachers in their teaching practices and who are refined to the social origin and the
educational field, iv) verify how the objective conditions of the social origin contribute to the
preparation of values and dispositions that guide the teaching exercise with children of zero to
three years v) to verify how the objective conditions, affirms to the educational field, contribute to
the preparation of values and dispositions that guide the teaching exercise with children from zero
to three years old. This is a research with a qualitative approach, carried out through semi-
structured interviews and application of a complementary questionnaire with four nursery teachers
from Guarulhos in two nurseries, seeking to investigate in each of these, a pair composed of a
teacher with a higher level exercise time and a teacher with more recent admission to the
municipal education system. The concepts of habitus and field, elaborated by Pierre Bourdieu
(2003, 2011, 2015, 2019) were used as a theoretical framework; the conception of educational
practice formulated by Sacristán (1999); in addition to the considerations of Rosemberg (2016),
Cerisara (2002), Bujes (2001, 2002), Barbosa (2006) and Kuhlmann Jr. (1998), among others,
regarding the nursery. Through the collected data, it was possible to show that the teaching
practices of the investigated teachers are directly related to the objective conditions that permeate
their trajectories, conditions that refer mainly to the teaching profession and the space in which
they exercise teaching, that is, the educational field and the nursery. The analyzes made it possible
to highlight the aspects of the educational field and a school culture that consolidates and imposes
itself on early childhood education and day care, as well as elements related to values related to
the welfare background at this stage of schooling, mainly related to maternal work, the which
contributes to its being recognized as undervalued work. In this perspective, it was noted that
teachers, among other aspects, act in day care centers based on values established in the
educational field, while at the same time using references and values related to their social origins.

Keywords: Nursery. Social trajectory. Teaching practice. School culture. Guarulhos.


LISTA DE TABELAS E QUADROS

TABELAS

Tabela 1 - Pesquisa realizada na base de dados da CAPES com os descritores “trajetória


pessoal” e “trajetória profissional

QUADROS

Quadro 1 - Estudos que apresentam como tema as trajetórias pessoal e profissional de


professores de educação infantil
Quadro 2 - Quantidade de matrículas na Educação Infantil da rede pública de Guarulhos em
2021
Quadro 3 - Relação número de professores e número de matrículas na Educação Infantil no
município de Guarulhos
Quadro 4 - Caracterização das professoras investigadas
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADI Agente de Desenvolvimento Infantil


AEE Atendimento Educacional Especializado
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
DCNCP Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia
DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
EAD Educação a distancia
ECA Estatuto da Criança e do Adolescentes
EMEI Escola Municipal de Educação Infantil
EPG Escola Pública de Guarulhos
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais de Educação
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização dos Profissionais de Educação
HA Hora-Atividade
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC Ministério da Educação
MEC Ministério da Educação
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PEB Professor de Educação Básica
PEI Professor de Educação Infantil
SAS Secretaria de Assistência Social
SE Secretaria de Educação
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNESP Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp)
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1. TRAJETÓRIA PESSOAL E PROFISSIONAL NA CONSTITUIÇÃO DA


PRÁTICA DOCENTE 31
1.1 Trajetória social como aspecto da formação docente e da prática pedagógica. 32
1.2 A constituição do agente social e a incorporação de disposições para ação 35
1.3 Constituição profissional docente: habitus, campo educacional e prática pedagógica. 41

2 . CRECHE E CAMPO EDUCACIONAL 46


2.1 Educação infantil, escola e infância 49
2.2 Aspectos da função docente e valores práticos do magistério 58
2.3 Creche: as implicações de um campo desvalorizado socialmente 65
2.4 As profissionais da creche e a formação docente na educação infantil 76

3 . CAMINHOS DA PESQUISA 92
3.1 Educação infantil na rede municipal de Guarulhos 92
3.1.1 O trabalho docente em creche na rede pública de Guarulhos 94
3.2 Procedimentos metodológicos 97
3.3 Aproximação dos sujeitos de pesquisa 101
3.4 As creches 104
3.5 Sujeitos de pesquisa e suas trajetórias 107
3.5.1 Elisa 107
3.5.2 Amanda 108
3.5.3 Rita 110
3.5.4 Fabiana 112

4 TRAJETÓRIAS, VALORES E CAMPO EDUCACIONAL 114


4.1 Trajetória social e docência: valores e disposições referidos à origem social 115
4.2 Entre cuidar e educar: aspectos da função docente, cultura escolar e função social da
creche 128

5 CONDIÇÕES DE TRABALHO, FORMAÇÃO DOCENTE E CAMPO


EDUCACIONAL 141
5.1 Condições de trabalho na creche: precarização e desvalorização do magistério com
crianças de zero a três anos e precariedade das condições materiais 141
5.2 As aprendizagens da profissão docente: formação inicial, socialização com pares e
formação continuada 157

CONSIDERAÇÕES FINAIS 178

REFERÊNCIAS 186

APÊNDICE A – ROTEIRO DA ENTREVISTA 198


APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO 202
APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 206
12

INTRODUÇÃO

Com o objetivo de investigar valores e disposições para ação incorporados em


processos formativos não formais e que se expressam em facetas da prática pedagógica no
trabalho com crianças de zero a três anos, a pesquisa que aqui se apresenta compreende a
prática e a formação docente de forma ampliada, por meio da análise de aspectos relacionados
às trajetórias pessoal e profissional.
Parte-se da ideia que valores e disposições para ação que se apresentam na prática
pedagógica de professoras em exercício docente na creche orientam o trabalho nesta etapa da
educação básica e estão diretamente relacionados às experiências sociais vivenciadas nas
relações referidas à origem social e ao campo educacional, de acordo com as interações,
estruturas sociais objetivas e regularidades que permeiam ambas as condições.
Sobre a preocupação pelo tema desta pesquisa, essa está associada à própria trajetória
profissional da autora que aqui se apresenta, em que o interesse pela investigação acerca da
prática docente na creche surgiu após experiência como professora de educação infantil na
rede pública de Guarulhos, município em que se realiza o estudo.
Atualmente em atividade na Secretaria de Educação (SE), compondo o quadro técnico
pedagógico, minha trajetória docente na educação infantil na rede educacional em questão
teve início no ano de 2015 e foi marcada por muitos encontros, ora de grande acolhimento,
ora nem tanto, além de muitas inquietações, dentre elas a busca pela compreensão de certas
ações no fazer docente, bem como das relações estabelecidas em determinado espaço.
Tendo em vista a posição de professora volante1, dada a minha condição de docente
ingressante, transitei por muitas instituições, tendo o privilégio de conhecer um grande
número de professoras e alguns professores, muitas dessas e desses, segundo seus relatos,

1
Ao ingressar na rede municipal de educação de Guarulhos os professores iniciantes (Educação Infantil, Ensino
Fundamental ou Educação de Jovens e Adultos – EJA) não possuem local de exercício fixo, ocupando assim a
função de professor volante. Tal função é designada para a substituição de professores em períodos de
afastamento, ou no caso do trabalho na creche, para ocupar a posição de um profissional a mais por sala
mediante quantidade excedida de crianças. Ao profissional ingressante fica disposto que dada a necessidade da
ocupação de vagas abertas relacionadas a afastamentos, o professor deverá estar disponível para preenchê-la,
podendo ser retirado a qualquer momento da unidade escolar em que se encontra, tendo em vista a finalização
dos afastamentos em que realizava a substituição ou a necessidade de complemento do corpo docente em outras
unidades escolares. A saber, o tempo para a escolha de local fixo de exercício varia de acordo com a pontuação
conforme plano de carreira, bem como à quantidade de salas de creche abertas na rede municipal e às vagas
desocupadas por professores que exoneram, se aposentam, entre outros.
13

com anos de experiência e entrada na profissão sem o desejo ou sem compreender do que se
tratava o trabalho na creche, oferecido via concurso público ao final dos anos 1990.
Inúmeros relatos entre as conversas que pude ter com os colegas apontavam que a
escolha pela educação infantil, neste caso pelo atendimento à criança de zero a três anos, nem
sempre havia sido uma escolha pessoal, mas uma opção que se apresentava para o ingresso no
mundo profissional.
Com o início marcado pelo atendimento relacionado à assistência social, no município
de Guarulhos as creches tiveram inicialmente o quadro profissional composto por
profissionais reconhecidos como recreacionistas ou monitores, os quais, entre outras
atribuições, exerciam a docência com crianças de zero a três anos (OLIVEIRA, 2012). Como
condição de escolaridade para a realização do concurso exigia-se apenas o ensino
fundamental completo. Foi apenas no ano de 2011, após grande luta dos profissionais, que se
instituiu a função de Professor de Educação Infantil (PEI), sendo reconhecida no quadro do
magistério e alterada durante os anos as exigências de formação mínima.
Vale dizer que nos dias atuais a educação infantil no município se organiza da
seguinte maneira quanto à atuação docente: o atendimento à criança de zero a três anos é
realizado por professores designados na função de Professor de Educação Infantil (PEI),
enquanto no atendimento à criança de quatro a cinco anos atuam os docentes ocupantes da
função de Professor de Educação Básica (PEB), sendo a exigência mínima de formação para
ingresso via concurso público de Professores de Educação Infantil (PEI) e da educação básica
(PEB) a formação em nível superior em curso de licenciatura, de graduação plena, em
Pedagogia ou Nível Médio, na Modalidade Normal.
Frente à configuração histórica de ingresso dos profissionais nas creches, observa-se
que determinadas condições acabaram por constituir no município um quadro de profissionais
composto por professores com diferentes tempos e formas de ingresso, inclusive referentes à
formação inicial, o que a princípio, em minha percepção, poderia ter relação com algumas
práticas que pude verificar no trabalho com bebês e crianças pequenas durante o trabalho
como docente.
Perante a escuta de muitos relatos, de minhas observações sobre a organização das
creches, das relações estabelecidas entre pares, entre adultos e crianças e entre comunidade
escolar e famílias, me instigava a busca pela compreensão sobre as regulações das práticas e
aprendizagens que se davam em determinados espaços, bem como a concepção de creche que
se fazia compreendida por tais profissionais, tanto para os mais antigos, como para os mais
novos, e dentre eles, eu mesma.
14

Tendo em vista tais questionamentos, minha experiência como professora de educação


infantil iniciante na creche me trouxe à vista questões sobre o trabalho docente realizado com
bebês e crianças pequenas, o que culminou em um primeiro projeto de pesquisa.
Inicialmente pensando nas relações entre professoras mais antigas e professoras com
menor tempo de exercício docente, levando em conta as aprendizagens e as posições
hierárquicas que se desprendem de tais colocações, um primeiro projeto deste estudo esteve
relacionado a compreender como se davam as aprendizagens de docentes iniciantes em
creches, tendo em vista os momentos de socialização entre pares.
Assim como este estudo, o projeto anterior compreendia os processos formativos
docentes não formais, contudo, sob a perspectiva das relações sociais estabelecidas entre os
professores.
Para além de um desfecho que se concretiza em um produto final, o trajeto de uma
pesquisa se constitui de um longo percurso dotado de muitas aprendizagens, desafios,
algumas respostas, bem como de questões que não se findam. Durante todo esse itinerário
estamos sujeitos a enfrentar dificuldades e adversidades, o que nos leva a tomar novos rumos.
O ano de 2020, período em que este estudo foi desenvolvido, foi marcado por uma
desagradável surpresa, quando acometido pela crise sanitária devido à pandemia instaurada
pelo novo coronavírus (COVID-19).
Potencializando a crise política, social e econômica no país, sem dizer das inúmeras
vidas ceifadas, tal condição impôs a necessidade de reinvenção nos diversos campos sociais,
principalmente pelo necessário distanciamento social, tendo em vista o grande risco de
contaminação.
Mediante as condições estabelecidas pela pandemia, dentre elas o fechamento das
unidades escolares logo após o início do ano letivo, o projeto inicial de pesquisa precisou ser
modificado, frente a impossibilidade de se verificar o que era pretendido: as aprendizagens de
professoras iniciantes em momentos de socialização com professoras com maior tempo de
exercício docente.
Ainda que reformulado, o novo projeto que se concretizou no estudo que aqui se
apresenta, manteve alguns princípios e ideias relativos ao anterior. Pretendeu-se manter a
investigação sobre os processos formativos não formais e as relações entre as professoras
conforme tempo de carreira e ingresso na rede municipal, entretanto tendo como foco as
trajetórias pessoal e profissional das professoras, na busca por compreender a relação entre
determinadas condições objetivas e experiências sociais e a prática docente realizada no
trabalho na creche.
15

Buscando investigar as trajetórias sociais e as práticas docentes nas instituições de


atendimento à criança menor de três anos, a principal condição para o trabalho com as
experiências sociais vivenciadas nos percursos de vida e percurso profissional esteve
relacionada à consideração de que tais experiências não ocorrem em um vazio, mas
encontram-se ligadas à questões amplas que envolvem as estruturas objetivas que permeiam
os espaços sociais em que o docente esteve e está inserido, não sendo o professor o único
responsável por tais condutas. Pretendeu-se dessa forma levar em conta os valores e as
disposições para ação que possivelmente se configuraram mediante determinadas situações e
se manifestam nas práticas docentes orientando o trabalho na creche.
Verificar a gênese dos valores e disposições que se apresentam em facetas das práticas
pedagógicas na creche implica compreender os processos vivenciados pelas professoras
participantes durante suas trajetórias sociais como situações formativas não formais. Neste
viés, o conhecimento das trajetórias pessoal e profissional, bem como das condições objetivas
e do espaço social em que estiveram inseridas as professoras investigadas, auxilia na
compreensão do processo formativo não formal ao qual foram submetidas.
O estudo que aqui se apresenta compreende o conceito de formação docente em
sentido amplo, como condição contínua e experiencial, tal como propõe Garcia (1999).
Segundo o autor, para além de ação técnica e instrumental, é importante compreender a
formação como um fenômeno complexo e diverso, o qual apresenta uma componente pessoal
ao ser constituído por valores, metas e finalidades, condições atribuídas por cada indivíduo
durante o processo de aprendizagem.
Ao traçar breve histórico sobre o campo de pesquisa de formação de professores,
Diniz-Pereira (2013) aponta que por muito tempo estudos privilegiaram a dimensão técnica
do processo de formação, ocorrendo apenas na década de 1980 uma visível mudança de foco
e o aumento do debate sobre formação como um processo que se dá ao longo da vida. De
acordo com Nóvoa (1995), foi neste mesmo momento que pesquisas sobre histórias de vida e
trajetórias profissionais passaram a liderar crescente importância. A variedade de estudos e
publicações sobre a vida dos professores e suas trajetórias de formação, revelou-se como
movimento de grande valor no campo de pesquisa sobre formação docente, favorecendo e
recolocando o professor como tema central no debate sobre estudos educacionais (SOARES;
MENEZES; FREIRE, 2016). As investigações que passaram a levar em conta a experiência
como importante aspecto no processo formativo dos professores tinham como objetivo o
resgate da memória dos profissionais e a unidade das dimensões pessoais e profissionais,
condição negligenciada pela racionalidade técnica, em voga até os anos 1980.
16

Nóvoa (1995), um dos pioneiros deste movimento, problematiza a importância da


dimensão pessoal a ser valorizada na constituição profissional docente. Para o autor, o modo
de ser do professor encontra-se intrinsecamente relacionado à maneira de ensinar, não sendo
possível que sejam separados o eu pessoal do eu profissional, uma vez que a profissão
docente exige relações humanas e é fortemente constituída por valores e ideais. Em uma
mesma perspectiva, Mizukami e Betti (1997), apontam que a vida profissional dos professores
é permeada e influenciada por pontos intrínsecos à pessoa, tais como a escolha pela profissão,
a satisfação em dar aulas e a influência familiar, bem como pontos extrínsecos como a
socialização com os pares, e as condições de infraestrutura escolar.
Frente às considerações referentes à compreensão da formação docente como
condição que ocorre ao longo da vida e de forma contínua, além de relacionada à dimensão
pessoal dos professores, vale ressaltar a importância de que, para além de questões formativas
formais em sentido profissional, sejam integradas aos estudos sobre formação e prática
docente a trajetória social dos professores, bem como sua interação com as condições
objetivas que permeiam tal trajetória. O reconhecimento destes percursos e interações pode
ser entendido como ponto de partida para a compreensão da influência de momentos
vivenciados durante as experiências sociais de professores de forma a compreender melhor
fatores relevantes que compõem a atuação profissional.
A fim de ampliar a compressão sobre o objeto de pesquisa, bem como fundamentar e
localizar o estudo no debate acadêmico, foi realizado um levantamento de teses e dissertações
que consideram a temática referente à trajetória pessoal e profissional de professores e os
movimentos formativos que se destacam neste percurso. O levantamento foi realizado no site
do banco de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES).
Em um primeiro momento utilizou-se o descritor “trajetória social”, o período entre
2009 a 2019 e a opção “Educação” como filtro para área de conhecimento. Nesta pesquisa
foram localizados 21 trabalhos, dos quais apenas cinco apresentavam assunto referente à
docência, enquanto os demais traziam como foco análises relacionadas às trajetórias discentes
ou a figuras de prestígio no campo educacional, tal como estudos biográficos.
Em um segundo momento utilizou-se os termos “trajetória pessoal” e” trajetória
profissional”, aplicando-se os mesmos filtros anteriores. A pesquisa resultou em 75 trabalhos
que levaram em conta as trajetórias pessoal e profissional como tema entre o ano de 2009 a
2019 na área da educação. A tabela a seguir apresenta o resultado do levantamento realizado
por nível do estudo e ano de realização.
17

Tabela 1 – Pesquisa realizada na base de dados da CAPES com os descritores “Trajetória


pessoal e trajetória profissional”

ANO MESTRADO DOUTORADO TOTAL

2009 0 0 0

2010 0 0 0

2011 0 0 0

2012 0 0 0

2013 14 3 17

2014 14 1 15

2015 11 3 14

2016 7 2 9

2017 5 2 7

2018 4 3 7

2019 3 3 6

Total 58 17 75
Fonte: Formulado pela autora a partir do catálogo de teses da CAPES.

Mediante ao levantamento, nota-se que a maior produção de trabalhos se concentra em


dissertações, tendo poucas teses abordado o tema. Outro ponto que chama atenção diz respeito
ao ano de publicação dos trabalhos, em que o registro de produções ocorre apenas a partir de
2013.
Por meio da leitura dos resumos, observou-se número considerável de pesquisas que
abordam as trajetórias pessoal e profissional como processos formativos não formais.
Verificou-se que o assunto transita em diferentes abordagens e que em alguns estudos leva-se
em conta apenas a trajetória pessoal, enquanto em outros apenas a trajetória profissional.
Nota-se ainda a grande quantidade de trabalhos que consideram as histórias de vida dos
professores, seus saberes e suas práticas, além de estudos com viés biográfico.
Dentre os resultados obtidos, poucos estudos tratam da docência na educação infantil,
apenas quatro trabalhos do número total apresentam foco na investigação das trajetórias de
professoras da primeira etapa da educação básica. Abaixo o quadro indica os títulos
encontrados, o ano de publicação, a universidade e o nível de conhecimento em que foram
produzidos.
18

Quadro 1 – Estudos que apresentam como tema as trajetórias pessoal e profissional de


professores de educação infantil

Ano de Universidade/Nível de
Autor Título publicação conhecimento
Barros, Saberes docentes no contexto da Pontifícia Universidade
Adelir educação infantil: a prática 2015 Católica de Campinas/
Aparecida pedagógica em foco Mestrado
Marinho de.
Rangel, Narrativas de professoras de
Alexandra educação infantil: revisitando suas 2016 Universidade Federal do
Maria Vieira. trajetórias pessoais e profissionais Espírito Santo/ Mestrado
em momentos de formação
continuada
Vicente, Professoras de educação infantil Pontifícia Universidade
Andreza. bem-sucedidas: constituição da 2017 Católica do Paraná/
trajetória profissional e prática Mestrado
pedagógica
Tosta, Aprendizagem da docência: o que
Tawana revelam as trajetórias das 2019 Universidade Federal de
Domeneghi professoras de educação infantil São Carlos/Mestrado
Orlandi. da rede municipal de Ribeirão
Preto
Fonte: Formulado pela autora a partir do catálogo de teses da CAPES.

Tendo em vista o ano de publicação dos estudos destacados, evidencia-se que esses
foram produzidos em anos recentes e se concentram em programas de mestrado. Quanto aos
procedimentos metodológicos, uma breve análise dos trabalhos demonstrou que todos seguem
abordagem qualitativa.
Utilizando como instrumento de coleta de dados entrevistas semiestruturadas com
quatro professoras e observação in loco em duas unidades escolares de educação infantil, uma
de creche e outra de pré-escola, o estudo de Barros (2015) busca identificar os saberes
mobilizados por professoras de educação infantil nas práticas pedagógicas com crianças de
quatro meses a cinco anos e onze meses de idade. Para a autora os saberes da docência são
desenvolvidos ao longo da trajetória de formação inicial e da trajetória profissional.
Pautando-se na perspectiva Histórico-Cultural com abordagem na Pedagogia Histórico-
Crítica, Barros (2015, p.141) afirma ser importante que os professores “[...]se apropriem,
produzam, reproduzam e transformem a realidade à qual pertencem”. Assim, mediante as
análises dos dados coletados, a autora infere que ao estarem inseridos em um meio social e
cultural e em relações de trocas, os professores se apropriam da produção cultural humana no
decorrer de suas trajetórias de formação inicial e trajetória profissional.
No que concerne ao segundo estudo que compõe o quadro de trabalhos localizados no
levantamento, esse buscou investigar o modo como o uso de narrativas referentes às
19

trajetórias de professoras poderiam potencializar o processo formativo durante os momentos


de formação continuada. Realizado em um Centro Municipal de Educação infantil no
município de Serra no Estado do Espírito Santo, instituição de atendimento à criança de zero a
cinco anos, o trabalho teve como sujeitos de pesquisa vinte e quatro professoras, duas
pedagogas e uma diretora, a coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas narrativas.
Considerando o professor como “sujeito de sua prática pedagógica, capaz de produzir
a docência na interrelação com as determinações sócio-históricas e político-econômicas'',
Rangel (2016, p.27) sinaliza a importância da formação continuada sob a perspectiva de uma
condição coletiva que favorece trocas de experiências, a construção e compartilhamento de
saberes entre pares mediante as narrativas. Frente a tais considerações e análise dos dados
obtidos, a autora evidencia que as narrativas potencializam a formação continuada, embora as
políticas públicas do município em que a pesquisa é realizada não favorecem determinado
modelo. Assim, discute a necessária participação das professoras nos processos e elaboração
de momentos de formação continuada, de modo a considerar as narrativas docentes sobre suas
trajetórias e a escola como lócus de formação.
Elegendo a entrevista semiestruturada como instrumento de coleta de dados, Vicente
(2017), autora do terceiro estudo aqui destacado, investiga as trajetórias profissionais de
professoras de educação infantil bem-sucedidas, que atuam com crianças de quatro a cinco
anos, buscando compreender como tais trajetórias se constituíram. A autora chama atenção
para a escolha pela atuação na educação infantil relacionada às marcas da infância, bem como
ressalta os movimentos formativos e as influências da formação inicial e da formação
continuada, no entanto, aponta a falta de vivências que correlacionam a teoria com a prática
pedagógica ao longo dos cursos de formação inicial.
Sobre o último trabalho localizado, Tosta (2019) investiga os processos de
aprendizagem da docência de professoras de educação infantil tendo em vista as trajetórias de
vida, profissional e de formação. A autora considera que a aprendizagem da docência se dá
como um processo contínuo que ocorre desde as experiências do professor enquanto aluno
até sua formação inicial e continuada. No estudo realizado em uma unidade escolar de
educação infantil na cidade de Ribeirão Preto com três docentes e utilizando como
instrumento de coleta de dados a entrevista semiestruturada, Tosta (2019) evidencia que as
aprendizagens das professoras ocorrem mediante a processos de experiências pessoais e
profissionais, vivenciados como mães, produzidos por meio do contato com professores
durante a vida escolar quando alunas, nas relações entre pares e com as crianças na profissão,
20

na formação continuada, além dos momentos de formação inicial, no qual a literatura da área
corrobora com as aprendizagens destacadas.
Tendo em vista a quantidade de trabalhos localizados que trazem como foco a
educação infantil e aqui de forma breve apresentados, vale destacar que, para além de dar
suporte a este estudo, permitindo compreender como tem sido abordado determinado assunto
no campo acadêmico, o levantamento realizado evidencia o desprestígio no campo
educacional da primeira etapa da educação básica, principalmente da creche, demonstrando
sua desvalorização no campo acadêmico.
Nota-se que apenas o estudo produzido por Barros (2015) trata da creche, além do
atendimento à criança de quatro a cinco anos. Embora as pesquisas apresentadas tenham sido
realizadas em instituições de educação infantil, os demais estudos voltaram-se às discussões
referentes ao exercício docente no atendimento à criança de quatro a cinco anos.
Destacando a pouca presença das discussões sobre o atendimento de bebês e crianças
pequenas no início dos anos 1990, Haddad (1991) anuncia a necessidade e a importância de
pesquisas que trazem como tema a creche e a reconheçam como uma área legítima de
educação e desenvolvimento da primeira infância, de modo a reconhecer a evolução das
práticas e crenças sobre o cuidado de bebês e crianças pequenas.
Referente a tal desvalorização, Kuhlmann Jr. (1998), já no final da década, também
argumenta sobre o pouco reconhecimento de estudos que levam em conta a história da
primeira etapa da educação básica, bem como de seus profissionais.
Em um panorama mais atual, apresentando um mapeamento dos grupos e instituições
da área da educação que produziam pesquisas sobre a infância, a criança e a educação infantil
no ano de 2008, Silva, Luz e Faria Filho (2010), apontam a indicação de um aumento do
número de pesquisas e trabalhos relativos a essa etapa da educação básica, no entanto,
pontuam que ainda essa é pouco representada no conjunto da produção acadêmica na pós-
graduação brasileira.
Para Rocha e Gonçalves (2015) os efeitos de tais produções acadêmicas geram
discursos, que se relacionam e refletem diretamente na realidade social, criando implicações
nas práticas pedagógicas e nas concepções sobre bebês e crianças pequenas. Assim, as autoras
argumentam acerca da importância do aprofundamento em estudos que levam em
consideração as práticas com crianças de zero a três anos.
Ao realizarem mapeamento da produção nacional a partir da produção científica
brasileira produzida entre os anos de 2008 a 2011 que tinham como foco a educação das
crianças de zero a três anos no contexto da educação infantil, as autoras indicam aumento de
21

produções que se ocupam a estudar bebês e crianças pequenas e as práticas docentes que
compõem o trabalho com essa faixa etária. Em suas considerações apontam como possível
fator determinante que caracteriza tal aumento, a aprovação da Emenda Constitucional n. 59 2
de 2009 (BRASIL, 2009b), que determinou a extensão da obrigatoriedade da educação
infantil para as crianças a partir de quatro anos de idade, trazendo a problemática a ser
discutida quanto ao lugar da creche mediante determinada regulação.
No que concerne à questão, tendo em vista as tensões e disputas que se estabelecem no
campo educacional, principalmente em relação à creche e sua posição desvalorizada, é
importante destacar que o ano de 2009, ano escolhido para início do recorte temporal do
levantamento de teses e dissertações, representou para a educação infantil um ano de
transformações.
Como destacado por Rocha e Gonçalves (2015), em determinado período, a partir da
promulgação da Emenda Constitucional n. 59 de 2009 (BRASIL, 2009b), configurou-se a
obrigatoriedade do ingresso na educação infantil para crianças de quatro e cinco anos, sendo
facultativo para as crianças de zero a três anos em creches.
Tal determinação acabou por marcar ainda mais a cisão na primeira etapa da educação
básica, presente desde seus primórdios, em que a creche esteve relacionada aos órgãos ligados
à assistência social, sendo compreendida como uma instituição apenas de cuidado e
assistência, tal como um favor; enquanto a pré-escola esteve vinculada aos sistemas
educacionais, sendo entendida como etapa preparatória para a entrada no ensino fundamental.
Isso pois, mediante a obrigatoriedade à pré-escola, a oferta de vagas para a educação infantil
se concentrou apenas em uma parte da primeira etapa da educação básica, sendo priorizado o
atendimento de crianças maiores, reafirmando assim a condição da creche como uma
instituição voltada apenas a alguns setores da sociedade, como famílias de baixa renda e em
situação de vulnerabilidade, e não como um direito da criança e da família, tal como uma
instituição de funções socializadora e extraparental que deve dividir com a família a
responsabilidade do cuidado e educação de bebês e crianças pequenas, como salienta Haddad
(2002), assunto esse que também será abordado neste estudo.

2
Regulamentada pela Lei no 12.796, de 4 de abril de 2013 (BRASIL, 2013b), que alterou artigos da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), para dispor sobre a formação dos
profissionais da educação e dar outras providências, entre elas, a adequação da garantia de educação básica
obrigatória e gratuita dos quatro aos 17 anos.
22

Ainda referente ao ano em questão, vale destacar que esse também se caracteriza
como um período pós conquista do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação (FUNDEB), que embora reconheça a
educação infantil e reafirme o compromisso com a causa desta, de acordo com Rosemberg
(2016), necessita de trato ao ser levado em consideração, uma vez que, determinou o
enfrentamento de novas tensões, a saber:

i) a relutância persistente, de certos setores, em integrar as crianças de 0 a 3


anos nas políticas públicas de educação ao considerar o espaço privado, e
não o público, como o mais adequado para elas; ii) pela primeira vez a
educação infantil disputou publicamente recursos públicos; iii) tais recursos
serão partilhados pelo atendimento público e conveniado (ROSEMBERG,
2016, p. 173).

Ainda que caracterizado por tensões, tendo em vista as novas configurações que
marcaram essa etapa da educação básica e possivelmente estão relacionadas ao aumento de
pesquisas que trazem como tema a educação infantil, importa considerar que foi no ano de
2009 que se definiram as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(DCNEI) (BRASIL, 2009a) em 17 de dezembro de 2009, dada a aprovação da Resolução
CNE/CEB nº 5/2009 (BRASIL, 2009c). Reformuladas a partir de sua primeira publicação no
ano de 1999, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI)
(BRASIL, 2009a), constituíram-se como um grande marco legal em relação à história da
educação infantil brasileira ao dispor normativamente sobre os “[...]princípios básicos
orientadores do trabalho pedagógico comprometido com a qualidade e a efetivação de
oportunidades de desenvolvimento para todas as crianças” (OLIVEIRA et al., 2019, p. 28).
Mediante a breve análise dos estudos localizados e que levam em consideração a
primeira etapa da educação básica, nota-se a preocupação de ambas as pesquisas em discutir a
formação docente como um processo amplo e contínuo, relacionado às relações sociais que
permeiam as trajetórias pessoal e profissional dos professores de educação infantil.
Como afirmado, neste estudo, formação e prática pedagógica são compreendidas
como dimensões do trabalho docente diretamente relacionadas à dimensão pessoal dos
professores, logo às suas trajetórias sociais e às condições objetivas e influências que
permeiam os espaços sociais nos quais estiveram inseridos, principalmente no campo
educacional.
Considerar os processos experienciais da trajetória social dos professores exige certo
rigor. André (2010) afirma necessária cautela mediante conclusões precipitadas na realização
23

de pesquisas que levam em conta o fazer docente. A autora enfatiza a importante superação
do senso comum, inferindo que:

Não basta fixar-se em apenas uma das pontas do processo – fixar-se nas
representações, saberes e práticas do professor – deixando de articulá-los aos
contextos em que surgiram, às circunstâncias em que foram produzidas e às
medidas a serem tomadas para promover a aprendizagem da docência
(ANDRÉ, 2010, p. 176).

Mediante ao exposto, com o propósito de não se limitar à considerações de uma


análise reducionista, em que o professor é colocado no centro da investigação e único
responsável pela forma como age e concebe o exercício docente, a pesquisa envolvendo o
percurso social realizado pelos professores busca, em sua análise, a articulação entre trajetória
social de cada sujeito participante e a dimensão objetiva e as regularidades presentes nos
espaços sociais aos quais encontram-se inseridos durante os percursos de vida e da profissão.
Dada a relevância de se compreender que o professor, para além de sua dimensão
profissional necessita, ser abarcado em sua dimensão pessoal, esta pesquisa compreende o
docente como agente social, entendendo que a prática pedagógica se constitui para além dos
processos formais de formação, sendo também caracterizada pela trajetória social, em um
amplo movimento formativo relacionado à origem social e ao campo educacional.
Partindo do pressuposto que o professor é agente social, toma-se por referência nesta
dissertação a relação dialética que este possui com o mundo social. Para tanto, busca-se o
apoio em um referencial teórico que auxilia na compreensão da formação social dos sujeitos e
de suas práticas.
Tendo em vista estas considerações, a teoria sociológica de Pierre Bourdieu insere-se
como importante referência na compreensão do sujeito em constante ação no mundo social,
em um movimento no qual se constitui como agente, constitui suas práticas e reafirma os
campos sociais.
Medeiros (2009) aponta a possibilidade do uso da teoria sociológica de Pierre
Bourdieu em pesquisas sobre formação de professores. Em levantamento realizado entre os
anos de 1965 a 2004 na produção discente dos Programas de Pós-Graduação em Educação no
Brasil sobre o emprego da teoria do sociólogo francês, a autora verificou o uso de tal quadro
teórico de análise na compreensão da prática docente, da formação de professores, bem como
sobre acontecimentos do campo educacional. Segundo Medeiros (2009), tais estudos
consideram que as práticas docentes não são apenas uma construção intelectual, mas fruto da
24

incorporação de disposições e encontram-se enraizadas em contextos e histórias de vida, os


quais antecedem a profissão docente e estendem-se por toda a vida.
De acordo com Bourdieu (2003) a sociedade é composta por estruturas objetivas, as
quais estruturam as percepções e as ações dos sujeitos. O autor considera que as experiências
de vida não ocorrem de forma isolada, mas encontram-se inscritas em estruturas sociais, em
um movimento dialético entre agente e sociedade, sendo permeadas pelas interações, bem
como pelas condições materiais e simbólicas que estruturam os modos de agir e estar no
mundo. Como elemento mediador da relação entre agente e sociedade, utiliza-se do conceito
de habitus.
Bourdieu (2003) define habitus como um sistema de disposições, uma matriz cultural
incorporada como modo de percepção que orienta determinada forma de agir, modo de ver o
mundo. Em suas considerações o autor infere que tal condição é forjada pelos processos de
socialização vivenciados nos diferentes espaços sociais aos quais o indivíduo esteve inserido
durante sua trajetória social, sendo a família a principal instância formadora do habitus do
agente, o qual posteriormente pode ser reorganizado a partir de influências de outras
instâncias, tais como escola, trabalho e religião.
Ao permitir a compreensão das experiências sociais como condições ativas
depositadas em cada agente sob a forma de esquemas de pensamento, percepção e ação, a
noção de habitus utilizada como elemento analítico neste estudo auxilia na compreensão da
relação entre o trabalho realizado na creche e a trajetória social dos professores que nela
atuam. É possível partir da suposição que o conceito fornece argumentos válidos para a
fundamentação da ideia de que aspectos referentes à origem social e ao campo educacional,
tais como as condições objetivas e as interações vivenciadas como experiências sociais
contribuem para o engendramento de disposições para ação que orientam o trabalho
pedagógico na creche.
A investigação de disposições para ação incorporados em momentos de formação não
formal pode ser entendida como um campo fértil para compreender a formação e a prática
docente por meio dos condicionantes estruturantes presentes nos percursos pessoal e
profissional dos professores. O intuito pela compreensão da gênese de disposições presentes
na prática docente é detectar aspectos que constituem e orientam a prática pedagógica no
atendimento às crianças de zero a três anos.
Para além da noção de habitus, outro conceito importante a ser utilizado como
referência analítica neste estudo é a noção de campo.
25

Bourdieu (2019) apresenta em sua teoria praxiológica a noção de campo, em que


compreende a constituição da sociedade por microcosmos sociais autônomos, com lógicas e
interesses próprios, com leis sociais que o regem, lutas e disputas por bens simbólicos e
posições sociais baseadas em prestígio e poder, além da presença de leis de funcionamento
comum a todos os campos, as quais também influenciam as relações de forças interna.
Como ressalta Setton (2002), por se configurar desta forma, habitus e campo são duas
noções que se encontram em uma relação de mão dupla, necessitando uma da outra. Bourdieu
(2011) compreende as ações dos agentes como resultado do encontro entre o habitus e o
estímulo de um campo, em um movimento em que os agentes produzem práticas não
conscientes como produtos do habitus, ajustadas a uma determinada demanda social.
Tendo em vista estas reflexões acerca do conceito de habitus e da noção de campo,
faz-se de grande importância salientar que buscar compreender as disposições e os valores
que se manifestam nas práticas pedagógicas dos professores de creche exige que sejam
considerados para além dos espaços referentes à origem social, outros espaços em que o
docente esteve em sua trajetória social, tais como os espaços em que exerce sua profissão.
Como destaca Penna (2012b, p. 200), é preciso considerar que “ser professor implica ocupar
determinada posição no espaço social” e que tal posição expressa e constitui um habitus
determinado exigido no campo educacional, para que o professor permaneça nele inserido.
Nesse sentido, compreende-se que embora seja composta por especificidades, a
creche, ocupando posição desvalorizada, encontra-se inserida no campo educacional, o qual é
dotado de um habitus próprio, sob a perspectiva de que as experiências adquiridas neste
campo se articulam com a bagagem de experiências passadas e esquemas de pensamentos de
seus professores, de modo a constituir uma nova matriz orientando novos esquemas. Nas
considerações de Bourdieu (2003) os agentes modificam e incorporam novas disposições
conforme novas situações e diversos campos sociais percorridos.
Vale ressaltar que as profissionais em exercício docente no atendimento às crianças de
zero a três anos, nesta pesquisa, são consideradas sob a perspectiva de ocuparem a função de
Professoras de Educação Infantil (PEI), tendo em vista o reconhecimento do trabalho docente
na creche no quadro do magistério, tal como estabelecido na rede pública educacional que
aqui se analisa, e que, embora apresente especificidades, ainda é permeada por uma cultura
que marca a docência e o campo educacional.
Desta forma, verificar as disposições e os valores referidos à trajetória profissional dos
professores nesta etapa da educação básica, logo a este espaço social - campo educacional,
define-se como importante objetivo desta pesquisa juntamente com a apreensão de aspectos
26

relacionados à origem social. Assim, a análise das disposições para ação e dos valores
expressos na prática docente relaciona-se às estruturas objetivas referidas à origem social e ao
campo educacional, sendo levadas em conta as condicionantes estruturais existentes na
trajetória pessoal e no exercício docente nas escolas de educação infantil, especificamente nas
creches.
Os conceitos de habitus e campo apresentam-se como importantes instrumentos
analíticos da relação entre os valores e as disposições para ação que se apresentam na prática
docente e as condições sociais nas quais estiveram e estão inseridas as professoras de
educação infantil em exercício docente nas creches investigadas. O objetivo de apreender
aspectos da prática docente de professores de crianças menores de três anos, tais como valores
e disposições incorporados durante a trajetória pessoal e profissional, abordadas nesta
pesquisa como movimentos formativos não formais, possibilita compreender que o trabalho
docente não se dá desvinculado da trajetória social, nem do lugar social ocupado pelos
agentes e das condições objetivas e influências que permeiam tais percursos.
Além dos conceitos acima explicitados, cabe apresentar o conceito de prática
pedagógica aqui adotado, a partir da ideia formulada por Sacristán (1999b), em que a prática
docente se encontra relacionada às implicações do campo educacional.
Para Sacristán (1999b) a prática docente pode ser compreendida como um legado a ser
transmitido, uma cultura objetivada em forma de tradição acumulada que compõem a cultura
escolar. Segundo o autor, estas são compostas tanto por elementos da cultura escolar, bem
como por condutas, crenças, valores e formas de compreensão compartilhados pelos
professores.
Segundo Sacristán (1999b), dois conceitos auxiliam na compreensão da prática
docente como cultura compartilhada, são estes: habitus e institucionalização. O primeiro está
relacionado à forma como a prática é incorporada pelos professores, como disposição para
ação, enquanto o segundo diz respeito à condição da prática docente como um hábito
compartilhado, em que estão presentes regras que definem e determinam posições e relações,
sedimentadas como cultura escolar.
Knoblauch (2008), argumenta que aprender a ser professor envolve para além de
questões pedagógicas, uma trama de significados específicos à profissão, tais como valores,
rituais, normas e conhecimentos referidos à profissão docente e à cultura da escola, os quais
não são explicitamente ensinados nos cursos de formação, mas encontram-se arraigados como
uma cultura profissional docente que deve ser adquirida para adaptação no grupo e
desempenho profissional.
27

Frente a estas considerações vale afirmar que a constituição da prática docente para
além das condições intrínsecas aos sujeitos, apresenta relação com a realidade do sistema
educativo e outras instâncias sociais, com uma cultura objetivada compartilhada, referida ao
campo educacional e inscrita como uma condição objetivada (SACRISTÁN, 1999b).
Mediante as reflexões aqui apresentadas, frente aos caminhos desta pesquisa, vale
reafirmar que as práticas pedagógicas das professoras de educação infantil em exercício na
creche que foram investigadas são entendidas por meio de uma perspectiva em que os
profissionais atuantes nesta etapa da educação básica são compreendidos como agentes
sociais que constituem suas práticas de acordo com a relação dialética que possuem com o
meio social, bem como com as condições objetivas e relações nele presente.
A partir do exposto, a questão de pesquisa deste estudo é: Quais são os valores e
disposições incorporados em processos formativos não formais vivenciados nas trajetórias
pessoal e profissional de professoras de educação infantil que se apresentam em facetas da
prática pedagógica no trabalho com crianças de zero a três anos?
As questões específicas são:
i) Quais aspectos são possíveis de serem identificados nas trajetórias sociais de
professoras de educação infantil, evidenciando sua posição social?
ii) De que maneira as professoras compreendem a prática pedagógica na educação
infantil, especificamente na creche?
iii) Quais valores e disposições que mobilizam as professoras em suas práticas docente
que são referidos à origem social e ao campo educacional?
iv) Como as condições objetivas, referidas à origem social contribuem na elaboração
de valores e disposições que orientam o exercício docente com crianças de zero a
três anos?
v) Como as condições objetivas referidas ao campo educacional, contribuem na
elaboração de valores e disposições que orientam o exercício docente com crianças
de zero a três anos?
A partir das questões apresentadas, esta pesquisa tem por objetivo geral verificar
disposições incorporadas em processos formativos não formais vivenciados nas trajetórias
pessoal e profissional que se manifestam em facetas da prática pedagógica de quatro
professoras de educação infantil.
Como objetivos específicos almeja-se i) investigar a trajetória social das professoras
em exercício docente na creche, ii) apreender as formas como as professoras compreendem a
prática pedagógica na educação infantil, especificamente na creche iii) verificar valores e
28

disposições que mobilizam as professoras em suas práticas docente referidos à origem social e
ao campo educacional, iv) verificar o modo como as condições objetivas, referidas à origem
social contribuem na elaboração de valores e disposições que orientam o exercício docente
com crianças de zero a três anos , v) verificar o modo como as condições objetivas, referidas
ao campo educacional, contribuem na elaboração de valores e disposições que orientam o
exercício docente com crianças de zero a três anos.
Este estudo possui abordagem qualitativa, considerando que esse tipo de pesquisa
pretende captar o ponto de vista dos sujeitos, e o pesquisador procura analisar os dados em
detalhes, respeitando, no possível, a forma de registro ou transcrição e as opiniões obtidas
(BOGDAN; BIKLEN, 1999). Como instrumentos de coleta de dados elegeu-se a realização
de entrevistas semiestruturadas e aplicação de questionário.
A escolha desse procedimento se deu por conta da necessidade de maior aproximação
com o entrevistado, de modo que se sentisse mais à vontade, além da opção de maior
profundidade em um certo tema que esse procedimento possibilita.
Vale ressaltar novamente, que 2020 foi um ano tomado por condições adversas,
mediante a pandemia instaurada pelo novo coronavírus (COVID-19). Frente a esta conjuntura,
de forma a seguir os protocolos de distanciamento social, as entrevistas foram realizadas por
meio de encontro virtual, sendo utilizado o aplicativo de videoconferência Zoom Cloud
Meetings.
As entrevistas foram realizadas com quatro professoras de educação infantil da rede
municipal de Guarulhos em duas creches diferentes, buscando investigar em cada uma dessas,
uma dupla composta por uma professora com maior tempo de exercício e uma professora com
ingresso mais recente na rede municipal de ensino.
Optou-se por duplas iguais com o objetivo de busca por regularidades e/ou diferenças
entre as condições referidas à origem social e trajetória profissional das professoras ao se
considerar o momento e a forma de ingresso na rede educacional. A escolha por duas creches
justifica-se pelo esforço de uma análise que leva em conta as condições objetivas que
permeiam cada espaço social, compreendendo assim a creche como um subcampo do campo
educacional. A escolha das creches se deu em consonância com a escolha das professoras
participantes. Partiu-se da premissa de creches localizadas em diferentes territórios, uma
sendo uma mais central e outra mais periférica.
Além das entrevistas também foi aplicado questionário complementar via Google
Forms solicitando dados referentes à escolarização das professoras, bem como de seus
familiares, além de informações de cunho socioeconômico.
29

As entrevistas foram realizadas a partir de convite e aceitação por parte das


professoras. A elas foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 3 com
informações sobre a pesquisa - objetivos e metodologia -, assegurando-as e informando sobre
a participação voluntária; a possibilidade de desistência e sigilo das informações coletadas.
O aprofundamento buscado referiu-se a elementos atinentes à origem social e ao
espaço social no qual as professoras exercem a profissão docente, ou seja, ao campo
educacional. As entrevistas buscaram averiguar a trajetória social das professoras de educação
infantil. Tais trajetórias permitem compreender os contextos em que foram produzidas as
disposições para ação e os valores possivelmente verificados conforme suas percepções. Por
meio dos relatos sobre a percepção da prática docente na primeira etapa da educação básica
pretendeu-se averiguar valores e disposições incorporados em processos formativos não
formais durante a trajetória pessoal e trajetória profissional, bem como relacioná-los às
condições objetivas que permeiam ambos os processos.
Diante do exposto, a dissertação está organizada em cinco capítulos. O primeiro
apresenta o referencial teórico acerca dos conceitos analíticos que envolvem o estudo e foi
dividido em três partes, de modo a discutir a constituição pessoal e profissional do docente: a
primeira referente aos processos formativos não formais e à formação de professores em
sentido ampliado; a segunda sobre a constituição social do agente e suas disposições
conforme a teoria praxiológica de Pierre Bourdieu e por fim; a terceira que traz à luz os
processos de constituição da prática docente frente às condições objetivas e à um habitus
específico da profissão.
No segundo capítulo debate-se sobre a configuração da creche e sua função social,
tendo em vista a exposição de aspectos que constituem e marcam o atendimento à criança de
zero à três anos sob as implicações do campo educacional. Discorre-se ainda sobre o processo
de profissionalização docente na educação infantil, bem como sobre valores e discursos que
permeiam o magistério.
O terceiro capítulo é composto pela apresentação dos procedimentos metodológicos e
os caminhos seguidos pela pesquisa. Contando com breve resgate histórico do trabalho
docente na creche da rede municipal de Guarulhos, o capítulo ainda se constitui pela descrição
das professoras entrevistadas e das creches em que realizam o trabalho docente.

3
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) encontra-se no Apêndice C.
30

No quarto capítulo são apresentados os dados coletados por meio das entrevistas
semiestruturas e que dizem respeito às trajetórias pessoal e profissional das professoras. Neste
capítulo discute-se sobre as experiências sociais vivenciadas pelas docentes que se destacam
como aprendizagens desenvolvidas mediante as relações estabelecidas com os sujeitos e os
espaços sociais em que estiveram inseridas, ou seja, à família de origem e o campo
educacional.
Por fim, no quinto e último capítulo, expõem-se a análise dos dados atinentes às
condições de trabalho na creche, além dos processos formativos docentes.
31

1. TRAJETÓRIA PESSOAL E PROFISSIONAL NA CONSTITUIÇÃO DA PRÁTICA


DOCENTE

Neste estudo investigam-se valores e disposições incorporados ao longo da trajetória


pessoal e profissional de quatro professoras de educação infantil que se manifestam no
trabalho docente com crianças de zero a três anos.
Parte-se da ideia que aspectos que compõem a prática pedagógica de professores de
educação infantil são constituídos durante suas trajetórias sociais. Compreende-se que os
valores e as disposições para ação que se apresentam em facetas da prática docente das
professoras aqui investigadas são resultados de um conjunto de experiências sociais a que
foram submetidas nos diversos momentos da trajetória pessoal e profissional, estando também
relacionadas às condições objetivas que permeiam os diferentes espaços sociais percorridos
nestes processos, principalmente o campo educacional.
Considerando a problematização apoiada nesta pesquisa, de que o trabalho docente
encontra-se também relacionado às estruturas sociais em que estão inseridos os docentes,
sendo constituído pela maneira de agir e de ser, costumes, crenças, valores, percepções e
tantos outros aspectos incorporados ao longo de suas trajetórias sociais, este estudo
compreende o professor como agente social, sob a perspectiva de que elementos que orientam
suas práticas pedagógicas são adquiridos para além dos processos formais de formação,
durante suas trajetórias pessoal e profissional.
Tendo em vista essa premissa, entende-se a necessidade de apreensão dos processos de
constituição social dos sujeitos e de suas ações e percepções em consonância com o
reconhecimento de sua constituição como sujeito profissional. Neste sentido, toma-se por
referência nesta dissertação a relação dialética entre agente e meio social, com apoio em um
referencial teórico que auxilia na compreensão da formação social dos sujeitos e de suas
práticas, bem como os processos que envolvem a trajetória pessoal e profissional docente.
À vista de tais propósitos, este capítulo insere-se nesta dissertação como base para
referência teórica acerca dos conceitos analíticos que envolvem este estudo.
Em um primeiro momento discute-se formação docente em sentido amplo,
considerando a trajetória social, evidenciando-se os processos que constituem a formação de
professores de modo ampliado e a construção de suas práticas para além de processos formais.
Como segundo movimento, conceitos forjados por Pierre Bourdieu conforme a teoria
praxiológica são apresentados, como forma de fundamentar a compreensão sobre a
constituição social dos sujeitos, bem como de disposições para ação.
32

Por fim, tendo em vista que a trajetória social abarca os diversos momentos de
socialização, bem como os diversos espaços sociais percorridos pelos docentes, em um
terceiro movimento discute-se a constituição de um habitus docente, logo, de disposições para
ação referentes ao campo educacional.

1.1 Trajetória social como aspecto da formação docente e da prática pedagógica.

Neste estudo compreende-se a formação de professores como um processo amplo.


Leva-se em conta que a constituição da prática pedagógica ocorre para além dos processos
formais de formação docente, conforme trajetória social vivenciada nos diversos campos
sociais pelos quais perpassa o professor.
De forma a fundamentar tais reflexões, os apontamentos de Garcia (1999), que
definem a formação de professores como processo contínuo, conferem base a este estudo que
pretende verificar valores e disposições para ação que se expressam em facetas da prática
pedagógica de professoras de educação infantil e que estão relacionados às suas trajetórias
sociais.
Garcia (1999) aponta a necessidade em considerar que a atividade profissional dos
professores implica aprendizagens em situações formais e não formais. Segundo o autor, “a
docência é a única das profissões nas quais os futuros profissionais se veem expostos a um
período mais prolongado de socialização prévia” (GARCIA, 2010 p.13). O autor destaca que
a constituição profissional está em parte ligada aos diversos contextos de trabalho e “trata-se
de uma construção individual referida à história do docente e às suas características sociais,
mas também de uma construção coletiva derivada do contexto no qual o docente se
desenvolve” (GARCIA, 2010, p. 19).
Para Garcia (1999), além de ação técnica e instrumental, é importante compreender a
formação docente como um fenômeno complexo e diverso, o qual também apresenta uma
componente pessoal, uma vez que, é constituída por valores; metas e finalidades, condições
atribuídas por cada indivíduo durante o processo de aprendizagem.
Ao se referir aos percursos de formação de professores, Moita (1995) corrobora estas
reflexões ao argumentar que a formação docente não se limita a uma atividade de
aprendizagem situada em tempos e espaços específicos. Na concepção da autora, a história de
vida dos sujeitos também constitui seu processo formativo em um movimento em que a
interação nas relações pessoais, familiares e sociais, nas quais o indivíduo encontra-se
inserido, contribuem de forma direta ou indireta para sua formação.
33

Em estudo sobre a socialização de professores iniciantes, Knoblauch (2008) identifica


a trajetória pessoal como um processo formativo. Segundo a autora, as experiências
vivenciadas nos contextos familiar e social integradas às experiências vividas em diferentes
momentos da vida escolar antes e durante o preparo formal para o ingresso à carreira, bem
como as ocorridas no exercício da profissão, podem ser compreendidas como diferentes
momentos de formação do professor.
Em uma mesma direção, Lelis (2001) aponta a relação da dimensão pedagógica do
trabalho docente a outras esferas da vida social, não sendo as práticas utilizadas pelos
professores livres da posição que ocupam em dado espaço social. Lelis (2001) afirma que as
disposições profissionais em exercício docente são síntese viva de um conjunto de
experiências relativas às marcas da escolarização a que foram submetidos, aos processos de
formação prévia e à cultura da organização escolar na qual se construiu uma forma de ser
professor.
De acordo com Sacristán (1999b), a educação está relacionada às ações humanas,
estando presente nela a expressividade de cada pessoa que age em tal campo. Embora afirme
certo caráter pessoal, o autor salienta que devidas ações também precisam ser entendidas a
partir de uma relação social desenvolvida por meio da interação, de modo a não ser ressaltado
um individualismo isolado.
Diferenciando ação de prática educativa, Sacristán (1999b) afirma que as ações são
carregadas de características pessoais, sendo constituídas por marcas biográficas e pelas
interações a partir do contato com ações de outros sujeitos, enquanto “a prática educativa é
algo mais do que a expressão do ofício dos professores, é algo que não lhes pertence por
inteiro, mas um traço cultural compartilhado” (SACRISTÁN, 1999b p. 91). O autor define
assim a prática educativa como uma cultura objetivada presente na sociedade.
Conforme Sacristán (1999b), ação e prática educativa estão diretamente relacionadas.
Em seu ponto de vista, ao ser uma cultura compartilhada, a prática educativa que funciona
como um legado imposto, age como um capital operacional e normativo das ações, de modo
que, ao realizar suas ações a partir da prática educativa, o professor acaba por reproduzir uma
cultura acumulada. Embora afirme a possibilidade de escolha sobre a prática docente que tem
o professor, Sacristán (1999b) aponta a existente necessidade de tradição acumulada, sendo a
marca cultural - a prática educativa, prévia à ação dos docentes.
É preciso considerar ainda que tal prática educativa se encontra espalhada por
diferentes esferas sociais, não estando reduzida às escolas. Sacristán (1999b, p.91) menciona
que a prática educativa, tal como a cultura compartilhada, “tem sua gênese em outras práticas
34

que interagem com o sistema escolar e, além disso, é devedora de si mesma, de seu passado”,
estando imersa nas circunstâncias históricas em que surge. Neste sentido vale ressaltar que:

Assim como o pensamento sobre a educação não pode ser explicado sem
apelar a outras esferas do pensamento e da cultura, também as práticas
educativas não podem ser compreendidas sem ver como outras práticas
sociais projetam-se, incidem ou nelas provocam reações (SACRISTÁN,
1999b, p.91).

Partindo das problematizações referentes à formação em sentido amplo, frente aos


diversos aspectos que compreendem este processo e colaboram para constituição da prática
pedagógica, as contribuições de Sacristán (1999b) sobre a condição da prática educativa como
cultura acumulada levam à compreensão de que para além de dimensões pessoais, ao serem
levadas em conta as trajetórias sociais como processo formativo docente não formal, faz-se de
grande importância que seja reconhecida a conjuntura social em que se inscrevem tais
trajetórias. Assim, é preciso fazer valer a relação dialética entre agente e meio social, o qual é
constituído por estruturas objetivas, bem como por diversas culturas compartilhadas conforme
os campos sociais, e que em via de mão dupla acaba por reafirmar estas estruturas objetivas.
Tendo em vista as reflexões acerca da formação docente como processo contínuo e
amplo, bem como sobre a constituição da prática docente como uma cultura compartilhada,
vale ressaltar que neste estudo o docente é compreendido como agente social que se constitui
e constitui sua prática pedagógica por meio dos processos de socialização e de acordo com as
estruturas objetivas inscritas nos diversos espaços sociais percorridos durante sua trajetória
social.
De acordo com Berger e Luckmann (1985) é por meio da socialização que o indivíduo
se torna o que é, ao passo que é inserido no mundo objetivado de uma sociedade ou em um
setor desta. Os autores consideram que “as apreensões de mundo como realidade social são
construídas a partir do momento em que um indivíduo assume o mundo no qual os outros já
vivem” (BERGER; LUCKMANN, 1985, p.174). Segundo estas definições é conforme a
socialização com outros indivíduos que é dada a definição de realidade objetiva, já existente
anteriormente ao nascimento dos sujeitos.
Berger e Luckmann (1985) inferem que o processo de socialização pode ser
compreendido em duas fases, sendo a primeira, a socialização primária, referente ao que o
indivíduo experimenta na infância e pela qual o sujeito se torna meio da sociedade, e a
secundária, que diz respeito aos processos subsequentes que introduzem os sujeitos já
socializados em novos setores do mundo objetivado. De acordo com os autores, o processo
35

primário de socialização é o de valor mais importante e estrutura a socialização secundária, a


qual deve assemelhar-se à primeira.
Para Bourdieu (2003), a formação social dos indivíduos e de suas ações práticas
ocorre por meio dos processos de socialização. Em uma perspectiva que compreende a
relação dialética entre sujeito e meio social, Bourdieu (2003) afirma que são as regularidades
sociais, que associadas a um meio socialmente estruturado produzem disposições duráveis
que estruturam e geram as práticas e representações dos sujeitos. De acordo com o autor, a
conformação destas disposições ocorre por meio da interação com agências socializadoras
com as quais os agentes interagem durante suas trajetórias sociais.
Como elemento mediador da relação entre agente e sociedade, Bourdieu (2003) utiliza
o conceito de habitus. O habitus pode ser definido como uma aprendizagem incorporada
pelos agentes sociais em forma de disposições por meio dos processos de socialização, tais
processos conferem aos sujeitos o conhecimento de mundo, bem como a forma que agem no
mundo social.
Nesta pesquisa a noção de habitus é utilizada sob a perspectiva de levar à
compreensão os processos não formais de formação docente, possibilitando o entendimento
de que as ações, bem como os comportamentos e as percepções dos professores não ocorrem
de forma arbitrária, mas encontram-se relacionadas à disposições adquiridas e incorporadas ao
longo da constituição social do docente perante os diversos campos sociais percorridos.
Diante do exposto a utilização do conceito de habitus atrelado a outros conceitos neste estudo
refere-se ao objetivo de análise das disposições para ação que se apresentam em facetas da
prática docente no trabalho com crianças de zero a três anos em relação aos processos em que
o professor como agente social esteve inserido durante sua trajetória social.

1.2 A constituição do agente social e a incorporação de disposições para ação

A teoria sociológica de Pierre Bourdieu insere-se como importante referência na


compreensão do sujeito como um indivíduo em constante ação no mundo social, que se
constitui por meio das aprendizagens ocorridas nos processos de socialização, conforme
experiências e suas interações com outros agentes e inserção nas estruturas sociais.
Recusando o paradigma do estruturalismo, o qual classificava como objetivista, bem
como o da fenomenologia, compreendido como subjetivista, Bourdieu (2003) formulou a
teoria praxiológica de modo a propor uma abordagem epistemológica em que se encontrassem
articuladas de forma dialética sujeito e estrutura social. Segundo Bourdieu (2003), os sujeitos
36

não são simples resultados das estruturas, mas influenciados por processos externos nos quais
também se encontram ativos, podendo assim ser classificados como agentes sociais.
Bourdieu (2011) considera que o que é pessoal do indivíduo, subjetivo, é também
alicerçado socialmente, sendo orquestrado de forma coletiva em uma relação de
interdependência entre indivíduo e sociedade.
Ao partir da teoria praxiológica e como esforço para escapar da ideia de determinismo
da estrutura, entretanto sem favorecer as teorias sobre a liberdade do sujeito, Bourdieu
formulou alguns conceitos como habitus, campo, senso prático e estratégias, noções estas que
dão suporte às considerações e as análises desta pesquisa.
Originário no pensamento de Aristóteles e na escolástica medieval, tendo sua gênese
no conceito de hexis, definido por Aristóteles como um “um estado adquirido e firmemente
estabelecido do caráter moral que orienta nossos sentimentos e desejos em uma situação e,
como tal, a nossa conduta.” (WACQUANT, 2007, p.65), a noção de habitus é um conceito
reinterpretado que define a interiorização das condições históricas e sociais ao longo da
trajetória de um agente social.
Ao traçar historicamente a origem do habitus, Wacquant (2007) destaca que a noção
foi recuperada por Pierre Bourdieu em 1960, para forjar uma teoria disposicional da ação
capaz de reintroduzir a capacidade inventiva dos agentes sem retroceder ao viés das
abordagens subjetivas da conduta social, delineando-se desta forma como um conceito com o
objetivo de transcender a oposição entre o objetivismo e subjetivismo.
De acordo com Wacquant (2007 p.66) ao captar a forma como as estruturas objetivas
depositam-se nos sujeitos sob a forma de disposições duráveis que os levam a pensar, sentir e
agir de determinado modo, o habitus inscreve-se como uma noção mediadora entre indivíduo
e sociedade auxiliando no rompimento da ideia de dualidade entre as duas instâncias.
Conforme Bourdieu (2003), o habitus se constitui por meio das estruturas sociais que
permeiam a vivência dos sujeitos, podendo ser definido como a internalização de tais
estruturas objetivas. De forma mais explícita, segundo as considerações do sociólogo francês,
o habitus pode ser compreendido como produto da interiorização das condições objetivas sob
forma de disposições duráveis que estruturam as práticas e representações dos agentes sociais.
Bourdieu (2003) define habitus como:

Sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a


funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e
estrutura as práticas e as representações que podem ser objetivamente
“regulamentadas” e “reguladas” sem que por isso sejam o produto de
obediência a regras, objetivamente adaptadas a um fim, sem que se tenha a
37

necessidade de projeção consciente deste fim ou do domínio das operações


para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem
serem o produto da ação organizadora de um maestro (BOURDIEU, 2003,
p.53).

Nas palavras de Bourdieu (2003), habitus é um sistema durável de disposição que leva
o agente a perceber, sentir e agir. É uma estrutura estruturada pelas regularidades objetivas
que funciona como estrutura estruturante das ações e representações, de modo que a dimensão
social é inscrita no indivíduo por meio do condicionamento social que incide sobre as
estruturas mentais. Como define Wacquant (2007, p. 66), habitus é “história individual e
grupal sedimentada no corpo, estrutura social tornada estrutura mental”. Assim, cabe destacar
a seguinte afirmação:

O habitus é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que


incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular
desse mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepção deste mundo
como a ação nesse mundo (BOURDIEU, 2011, p. 144).

Pode-se afirmar que para Bourdieu (2003), a realidade social objetiva é incorporada
sob a forma de esquemas disposicionais. As percepções, as práticas e as escolhas do agente
vão sendo estruturadas por tais esquemas, funcionando como uma matriz de pensamento que
o sujeito utiliza imperceptivelmente para orientação de sua ação. Assim, as ações produzidas
seguem uma tendência ao ajustamento da realidade na qual foram gerados os esquemas que as
asseguram.
Setton (2002) evidencia que o conceito de habitus desenvolve a ideia que o agente
não é apenas resultado das determinações da realidade social e nem determinante desta. Como
afirma a autora, tal conceito possibilita pensar na relação entre os condicionamentos sociais
exteriores e a subjetividade dos sujeitos, permitindo compreender o modo como o homem se
torna um ser social. O habitus fundamenta a ideia que as ações e percepções não são livres e
conscientes ou ainda efeito mecânico de causas externas, uma vez que, permite a
compreensão das experiências sociais como condições ativas depositadas em cada agente sob
a forma de esquemas de pensamento, percepção e ação, podendo ser compreendido como uma
estrutura mental que ao mesmo tempo é individual e coletiva, inculcada nos agentes
submetidos à socialização (BOURDIEU, 2011).
Bourdieu (2003) refere-se ao habitus como um sistema de disposições conformadas
pela interiorização das estruturas sociais nos processos de socialização. Mediante aos seus
argumentos é possível inferir que a incorporação do habitus se dá por meio dos processos de
38

socialização do sujeito com o que denomina de instâncias socializadoras, tais como família,
escola, religião. De acordo com o autor, são nestes espaços, em que são incorporadas as
disposições que orientam as práticas e as representações dos agentes.
De modo a fundamentar a compreensão acerca da produção do habitus primário,
Bourdieu (2011) propõe a família como categoria social que oferece os modelos a serem
seguidos no mundo social. Para o autor, a família atua como princípio de estruturação de
futuras experiências, as quais contarão com influências posteriores referentes aos diversos
campos.
Ao definir a socialização junto à família, Bourdieu (2003) postula esta como primeira
instituição socializadora, a qual contribui com influências marcantes na formação dos
agentes.
Bourdieu (2011) analisa a família como um dos princípios da construção da realidade
social, sendo ela a primeira instituição estruturante pela qual o sujeito aprende a ser agente
social e a pertencer ao meio social.
Identificando uma ação pedagógica nos processos de formação por meio da
socialização, Bourdieu (2003) compreende esta primeira instância socializadora como um dos
princípios constitutivos do habitus, sendo responsável por forjar no agente, por meio da
transmissão de uma matriz cultural, um habitus enraizado, o qual denomina de habitus
primário. O habitus primário localiza-se como base no processo de estruturação de novos
habitus produzidos em outras instâncias formadoras no decorrer da trajetória social do agente.
As estruturas adquiridas nesta primeira fase de formação acabam por influenciar o sistema de
disposição adquirido posteriormente por meio de outras instâncias socializadoras,
comandando o processo de estruturação de novos habitus.
Por ser um sistema de disposição incorporado ao longo dos processos de socialização,
sendo produto da trajetória social do indivíduo, vale ressaltar que não é um sistema fechado,
podendo ser reestruturado conforme a relação entre agente e os espaços sociais em que está
inserido durante sua trajetória. Por ser um sistema aberto como define Bourdieu (2003), o
habitus está sujeito a novas experiências e encontra-se em constante reformulação, não sendo
proposto como destino. As experiências anteriores dos sujeitos encontram-se ativas no
indivíduo sob a forma de esquemas de percepção, ação e pensamento, enquanto as novas
experiências, sobrepostas às antigas, constituem uma nova matriz orientando novos
esquemas.
Considerando tal condição, a noção de campo inscreve-se também como importante
na discussão deste estudo. Bourdieu (2019) apresenta o conceito ao compreender a
39

constituição da sociedade por microcosmos sociais autônomos, com lógicas e interesses


próprios, com leis sociais que o regem, lutas e disputas por bens simbólicos e posições sociais
baseadas em prestígio e poder, além da presença de leis de funcionamento comum a todos os
campos, as quais também influenciam as relações de forças interna.
Thiry-Cherques (2006) ressalta a relação entre habitus e campo salientando a
necessidade de compreensão destas duas como noções entrelaçadas, em que uma necessita da
outra. Em uma mesma perspectiva, Setton (2002) esclarece a relação de mão dupla entre
habitus e a estrutura de um campo reafirmando a teoria de Bourdieu, a qual compreende as
ações dos agentes como resultado do encontro entre habitus e um campo em que, por meio de
interesses e estratégias compreendidos como motivações, os agentes produzem práticas
inconscientes como produtos do habitus ajustado a uma determinada demanda social.
Bourdieu (2011) aponta a relação de interdependência entre habitus e campo como
oposição à noção de cálculo consciente das ações. De acordo com suas colocações, o habitus
possui necessidade de adaptação a novas situações, de modo que as disposições duráveis
tendem a conformar e orientar as ações do agente em relação à realidade objetiva em que se
encontra inserido.
Como demonstra Setton (2002), tais reflexões, que abarcam o agente como produto da
história de campos sociais e de experiências acumuladas em suas trajetórias, permitem o
entendimento das ações, dos comportamentos, das escolhas ou das aspirações individuais
como resultados da relação entre um habitus e as pressões e estímulos de uma conjuntura de
um campo e não como produtos de planejamento ou um cálculo.
A relação entre habitus e campo e a implicação dessa nas aspirações, escolhas e
condutas dos agentes sociais pode ser melhor compreendida quando apresentadas as noções
de illusio e estratégia, como infere Setton (2002).
Bourdieu (2011) postula a noção de interesse dos agentes sociais. Denominada de
illusio, tal noção pode ser definida como “uma motivação inerente a todo indivíduo dotado de
um habitus em determinado campo” (SETTON, 2002, p. 64).
Ao definir a estruturação do campo como autônoma, possuidor de uma lógica
particular de funcionamento, caracterizado por interesses próprios e específicos e definido
como um campo de forças em que são impostas necessidades aos agentes nele envolvidos,
Bourdieu (2011) argumenta sobre o funcionamento do campo como um espaço de
possibilidades, tal como um jogo social historicamente construído, em que o agente vai
compreendendo seu sentido ao participar das atividades sociais. Assim, compreende a illusio
40

como o entendimento do agente social acerca de seu envolvimento com tal jogo social, como
algo que valha a pena, ou seja, como um interesse.
Por ser cada campo social dotado de um habitus a ele correspondente, os indivíduos
que estão inseridos em determinado campo, para serem capazes de compreender e acreditar
no jogo, necessitam incorporar tal habitus. Ao ser incorporado, o habitus permite ao agente o
senso prático, engendrando estratégias para a permanência no campo (BOURDIEU, 2011).
Mediante a estas considerações vale dizer que o habitus é essa “espécie de senso prático do
que se deve fazer em dada situação - o que chamamos, no esporte, o senso do jogo, arte de
antecipar o futuro do jogo inscrito, em esboço, no estado atual do jogo” (BOURDIEU, 2011,
p. 42).
De acordo com Bourdieu (2004), ao fazer parte de um dado espaço social, ao adquirir
o senso prático por meio de sua incorporação ao habitus, o agente social ajusta de forma
inconsciente suas estratégias às necessidades impostas pela configuração social do campo, de
forma que o jogo social jogado no campo se constitui em segunda natureza do agente. Tal
compreensão encontra-se diretamente ligada ao fato de, ao incorporar determinado habitus, o
agente social entender como natural o que se passa no jogo social. Para o autor, as ações dos
agentes estão relacionadas ao que o jogo demanda, no sentido que realizam o que
compreendem como o que deve ser feito, assim define que:

Os agentes sociais que têm o sentido do jogo, que incorporaram uma cadeia
de esquemas práticos de percepção e de apreciação que funcionam, seja
como instrumentos de construção da realidade, seja como princípios de visão
e de divisão do universo no qual eles se movem, não têm necessidade de
colocar como fins os objetivos de sua prática (BOURDIEU, 2011, p. 143).

Neste sentido, é possível afirmar que o habitus é ajustado a uma determinada demanda
social, e as estratégias que são adotadas regulam as práticas de forma inconsciente, como
produto da condição do habitus e da conjuntura do campo. Segundo Bourdieu (2011), as
estratégias são na realidade produto de disposições forjadas pelas necessidades do campo
social no qual o agente está inserido, estabelecidas por meio do senso prático adquirido
conforme as experiências sociais vivenciadas pelo agente social.
Embora compreenda a relação entre habitus e campo como responsável pela regulação
das estratégias que orientam as práticas dos agentes sociais, Bourdieu (2011) reafirma que
dada circunstância não pode ser entendida como uma obediência mecânica por parte do
agente. Em suas considerações o autor ressalta que o agente social que pode ser compreendido
como um bom jogador é aquele que a todo instante realiza o que é exigido pelo jogo, em um
41

movimento de invenção permanente, em que se adapta a situações variadas, as quais nunca se


apresentam como idênticas.
Partindo destas reflexões, Bourdieu (2019) afirma que o habitus apresenta improviso.
Para o autor, o agente é livre para invenção de improvisação e essa liberdade permite a
produção de inúmeros lances que o jogo possibilita, havendo assim também adaptações das
estratégias. Em suas palavras, embora incorporem regras e normas sociais, os agentes também
improvisam e elaboram novas estratégias, uma vez que se utilizam de uma infinidade de
esquemas, existindo aspectos de condutas que são imprevisíveis. Assim, vale ressaltar que
apesar de internalizar as condições do campo, das estruturas sociais, os agentes não são
apenas o reflexo ou resultado mecânicos de tais estruturas.

1.3 Constituição profissional docente: habitus, campo educacional e prática


pedagógica.

Reafirmando o objetivo desta pesquisa, a busca por explicitações acerca da gênese de


disposições que compõem a prática pedagógica na educação infantil insere-se como
importante ponto de discussão neste estudo. Como já pontuado, ao passo que é compreendido
como agente social, entende-se que o docente, durante sua trajetória social, incorpora
disposições para ação por meio dos processos de socialização com agências socializadoras, a
partir de experiências sociais vivenciadas nos diversos campos sociais percorridos em sua
trajetória social.
Wacquant (2004 p.04) aponta que o habitus não é réplica de apenas uma estrutura
social, mas de um conjunto dinâmico de “disposições sobrepostas em camadas que agrava,
armazena e prolonga a influência dos diversos ambientes sucessivamente encontrados na vida
de uma pessoa”. Nas considerações de Bourdieu (2003) os agentes modificam e incorporam
novas disposições conforme novas situações e diversos campos sociais percorridos.
Sabe-se que ao entrar em contato com o campo em que exerce sua profissão, o docente
é exposto à interação com a estrutura deste campo, bem como com outros agentes. Mediante a
tal fato, é possível considerar que as experiências adquiridas nestas interações, ao se
articularem com a bagagem de experiências passadas, acabam por incorporar e/ou modificar
os esquemas de pensamento e ação que orientam a prática docente.
Tendo em vista as considerações de Bourdieu (2003) sobre a constituição de
disposições para ação e a possibilidade de engendramento de novas disposições por meio da
reestruturação do habitus que opera como uma condição durável, mas não inflexível, pode-se
42

dizer que durante sua inserção na profissão o professor se adapta conforme o campo
específico em que se encontra, sendo o habitus ajustado às necessidades que as novas
situações requerem, de forma que novas experiências vão sendo adquiridas e por meio destas
sendo incorporadas novas disposições. Assim, cabe falar de um habitus incorporado junto ao
exercício profissional da docência.
Penna (2012b) relaciona a origem das ações dos professores à história incorporada no
professor em forma de disposições, oriundas do habitus familiar e da história inscrita no posto
em que deve ocupar como professor. Segundo a autora “ser professor implica ocupar
determinada posição no espaço social” (PENNA, 2012b, p.200) e tal posição ao expressar e
constituir um habitus determinado ao exercício, engendra disposições para ação as quais
orientam as tomadas de posição e julgamentos, favorecendo também as práticas.
Segundo Silva (2005) o conjunto de elementos que estruturam a prática, estabelecendo
o ser, o agir e o estar na profissão docente, ou seja, o habitus professoral, se desenvolve no ato
de ensinar e interagir na profissão docente. Assim, entende a escola como um espaço de
socialização, de aprendizagem e formação, em que ao exercer o ofício docente o professor
acumula experiências cotidianas desenvolvendo um saber prático a partir de suas práticas
individuais e coletivas. A autora infere ainda a possibilidade de incorporação de tais esquemas
de comportamento docente por meio de experiências vivenciadas como aluno nos diferentes
níveis de ensino. Em suas palavras, tal habitus inscreve-se como uma condição que se
constitui a partir das experiências de socialização no campo educacional e no exercício da
profissão “por meio de influências de condicionamentos advindos da cultura estruturada e
estruturante da escola, que subsiste na instituição na qual o sujeito desenvolve sua carreira
docente”. (SILVA, 2005, p. 161).
Neste mesmo sentido, dentre os processos de engendramento de valores e disposições
para ação que orientam o trabalho na creche entende-se também como importantes as
contribuições de Sacristán (1999b) acerca da prática educativa como uma cultura objetivada
inscrita no docente como habitus, situação que também acaba por forjar disposições que
orientam o modo de ser e agir dos professores.
Segundo Sacristán (1999b), os esquemas de comportamento profissional são
incorporados pelo professor desde experiências anteriores à entrada na profissão docente,
sendo forjado determinado habitus a partir das dimensões objetivas de atuação na escola, bem
como por elementos individuais e pela trajetória social dos professores. De acordo com o
autor, “o agente pedagógico é constituído dentro de uma cultura geral e dentro da subcultura
relativa às práticas presentes nelas” (SACRISTÁN, 1999b, p.89).
43

Ao discutir prática educativa como uma cultura acumulada, transmitida como um


legado, Sacristán (1999b) afirma sua incorporação em forma de habitus, em um movimento
em que as ações dos docentes são orientadas por essa cultura, levando os professores a agirem
da forma que agem sem que necessitem de prévio planejamento. O autor aponta assim, que a
prática educativa, ou cultura compartilhada, não exerce papel de um objeto estagnado no
passado, mas operacional, em que segue organizando as ações dos membros que
compartilham desta cultura. Ao nutrir as ações, a prática educativa é reforçada por essa
cultura compartilhada, gerando a ação dos professores e renovando a própria que permeia o
campo educacional. Assim, a prática educativa gera ações respaldadas nesta cultura
compartilhada, sendo a prática educativa cristalizada por meio destas ações.
Frente às condições em que se constituem as disposições para ação na profissão
docente, vale novamente destacar as reflexões de Setton (2002), ao compreender a
socialização a partir da definição de um processo contemporâneo de múltiplas influências e
diferentes matrizes culturais, propondo uma noção de híbrido ao habitus e habitus docente.
Isso leva a autora a discutir habitus, e entre eles o habitus docente, como um conjunto
de disposições híbridas constituídas a partir de um espaço plural em que influências de muitas
matrizes de cultura operam. Para a autora, a socialização ocorre em espaços plurais, forjando
disposições híbridas e disposições sincréticas, perdendo algumas características e obtendo
outras nas relações dialéticas com os mais variados campos (SETTON, 2002).
Setton (2002) afirma a dificuldade em se pensar uma realidade específica de contextos
tradicionais no mundo. A autora considera a constituição do habitus, bem como do habitus
docente por meio de diversas referências diferenciadas entre si, não havendo apenas um único
habitus docente, mas o resultado de um conjunto heterogêneo de experiências de formação
cultural que particulariza cada um. De acordo com suas reflexões, a família, a escola e a mídia
são instâncias socializadoras que são interdependentes e possuem uma dinâmica de maior
influência na produção de valores sociais e culturais. Assim, frente a estas condições, Setton
(2011) aponta a necessidade de compreender a prática docente de maneira mais complexa e
dinâmica, ao pensar o docente contemporâneo a partir da configuração de força entre as
agências socializadoras.
Tendo em vista as reflexões sobre os processos constitutivos das disposições para ação
que orientam o trabalho docente, considera-se neste estudo que por meio dos processos de
socialização e influências das mais variadas matrizes culturais dos diversos grupos sociais e
campos, ao longo da trajetória pessoal e profissional do docente, são incorporados os sistemas
de disposições para ação que configuram o habitus referente a esse exercício profissional, que
44

orientam a prática pedagógica, originando assim conjuntos de percepções, modos de ser e


fazer docentes.
Compreende-se que as estruturas sociais e os processos de socialização que estão na
base dos valores e disposições para ação que transparecem na prática pedagógica, bem como a
gênese destes elementos, permitem compreender a prática docente de professores de educação
infantil no trabalho com crianças de zero a três anos.
Bourdieu (2019) considera que são os desafios e as pessoas prontas para jogar e
dotadas de um habitus específico, estabelecido a partir do conhecimento e reconhecimento
das leis imanentes do jogo social, que permitem a existência dos campos. Nesta pesquisa,
compreende-se a educação infantil e especificamente a creche, etapa de educação básica em
que as professoras investigadas exercem a profissão docente, parte de um campo educacional
socialmente determinado, dotado de um habitus próprio e de estruturas sociais que estruturam
e são estruturadas pelas ações dos agentes nele inseridos, que são adquiridas como um senso
prático. Tendo em vista que se constitui como um espaço social, considera-se que dado campo
educacional apresenta regularidades e condições objetivas que o configuram. Neste sentido,
como uma etapa da educação básica, pode ser entendida como dotada de uma cultura
instituída do magistério, também sendo atravessada socialmente por valores e crenças.
Levando-se em conta que as percepções e as ações dos agentes são estruturadas por
meio de estratégias resultantes da relação entre habitus e um campo, este estudo se apoia na
ideia de que a constituição das práticas pedagógicas, verificadas por meio das percepções das
professoras participantes da pesquisa, está relacionada à história social incorporada nas
professoras na forma de disposições por meio dos processos de socialização, bem como à
história e às condições do campo educacional no qual as professoras participantes encontram-
se inseridas e ocupam lugar no espaço social.
Na esteira destas considerações, de modo a apreender a gênese das disposições e dos
valores que transparecem em facetas de suas práticas, faz-se necessário neste estudo que
sejam compreendidos os processos de constituição do habitus e suas relações com e no campo
educacional.
Interpreta-se que as ações e os valores relatados pelas professoras sobre o trabalho
docente que executam com crianças de zero a três anos podem ser compreendidos não apenas
como individuais, mas relacionadas a disposições do habitus de origem e do habitus do
campo educacional e como forma de estratégias constituídas a partir de estímulos da
conjuntura do campo educacional dotado de certa cultura social.
45

Frente ao exposto, leva-se em conta que as ações, escolhas, comportamentos e gostos


não são planejados e nem produtos da obediência de regra, mas respostas do sentido de um
jogo social, que leva o agente a escolher o que é melhor por meio de estratégias
inconscientes.
46

2 . CRECHE E CAMPO EDUCACIONAL

Como já afirmado, neste estudo, parte-se da concepção de prática docente como uma
cultura compartilhada, tradição acumulada condicionada institucionalmente e relacionada às
implicações do campo educacional, formulada por Sacristán (1999b).
Sacristán (1999b) propõe dois conceitos para a compreensão da prática educativa,
sendo eles habitus e institucionalização. O habitus compreende a forma como a cultura
acumulada é incorporada pelos professores em forma de disposições para ação, e a
institucionalização deixa ver a forma como tal tradição acumulada é tipificada em ações
habituais por meio de regras e coerção.
O autor destaca que as práticas educativas são práticas cristalizadas atreladas à
sobrevivência histórica da educação institucional e reproduzidas no campo educacional, nas
palavras o autor as práticas educativas:

Transformam-se em substratos muito arraigados na sociedade em geral e em


cada indivíduo, embora mantenham manifestações diferenciadas em
aspectos parciais e singularidades ligadas a cada professor e a tipologias de
centros ou de estilos educativos (SACRISTÁN, 1999b, p. 87).

Vale ressaltar que o presente estudo traz como foco o atendimento à criança de zero a
três anos, que como define o art. 30 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996), é realizado por meio de creches ou entidades
equivalentes sendo referente à educação infantil, primeira etapa da educação básica. Assim, as
práticas docentes aqui investigadas necessitam ser compreendidas a partir das especificidades
do trabalho docente nas creches.
Ao tratar sobre a educação infantil, Kuhlmann Jr. (1998, p.16) sugere que as
instituições de educação da criança pequena estão em estreita relação com questões que dizem
respeito “à história da infância, da família, da população, da urbanização, do trabalho e das
relações de produção, além de claro, com a história das demais instituições educacionais”, e
que compõem o exercício docente nesse âmbito.
Para Bujes (2002), os acontecimentos e efeitos referidos ao surgimento da escola
também ajustam-se à gênese da educação infantil, inclusive da creche, uma vez que, assim
como as instituições voltadas às crianças maiores, o
atendimento à criança pequena é cercado por características como: ocorre em espaço fechado,
a autoridade moral é encarada no professor ou em seu sucedâneo, incumbe na criança estatuto
de inferioridade, além de ser organizado para a transmissão de saberes de ordem disciplinar.
47

Ao discorrer sobre o surgimento das instituições de educação infantil, incluindo a creche, a


autora aponta que este esteve de certa forma relacionado ao surgimento da escola e do
pensamento pedagógico moderno, localizado entre o século XVI e XVIII.
Compreende-se aqui que a creche, ao estar inserida na primeira etapa da educação
básica, encontra-se diretamente relacionada às condições e implicações do campo
educacional. Mediante a essa condição, a discussão acerca de elementos que a constituem
define-se como importante, uma vez que auxilia na compreensão de uma tradição acumulada
condicionada institucionalmente, bem como proporciona o entendimento acerca da função
docente e o que se espera desta, deixando a ver marcas e valores que compõem o trabalho dos
professores.
De modo a compreender a forma como se constitui e como se configura o campo
educacional, tal como um campo de lutas e disputas dotado de valores, importa considerar o
processo de institucionalização da escola e de uma forma escolar, o modo como a concepção
de infância esteve relacionada a determinado fato, além do processo de profissionalização da
docência, situações essas que contribuíram diretamente com a delimitação de discursos, ideais
e jogos de poderes que estruturam determinado campo, condições estas que encontram-se
presentes também para a educação infantil. O modo como se consolidou a escola como espaço
formal de educação fornece pistas de como as escolas de educação infantil, incluindo a
creche, também foram sendo configuradas ao serem concebidos como espaços educativos.
É possível considerar que a discussão acerca da institucionalização da escola e da
docência referidas à constituição de uma forma escolar de socialização contribui para a
reflexão sobre a consolidação de uma cultura escolar, a qual permeia o campo educacional.
De acordo com Julia (2001, p.10) a cultura escolar pode ser definida como:

[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas


a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses
conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas
coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades
religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).

Segundo o autor, tais normas são impostas aos professores, os quais não se veem
livres de utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar a condução dos trabalhos
escolares. Para Penna (2011), os modos de ser e agir dos professores estão relacionados à
cultura escolar e ao que se espera ver concretizado por meio da escola, no caso deste estudo,
da creche, instituição relacionada ao campo educacional. A autora considera que as práticas
48

docentes também guardam relação com a percepção que o professor possui da atividade que
desempenha.
Partindo desta premissa, definem-se também como necessários os apontamentos sobre
como a função social do professor tem sido composta, bem como definida por valores
historicamente referidos ao magistério, uma vez que, encontra-se diretamente relacionada à
cultura escolar, conforme seu processo de institucionalização. Tais discussões são relevantes,
uma vez que, se considera que ser professor significa ocupar uma determinada posição social,
como ressalta Penna (2011), e que ocupar certa posição relaciona-se ao assentimento de
determinada visão de mundo referida a tal posição. Vale ressaltar que neste estudo as
profissionais em exercício docente no atendimento à criança de zero a três anos são
compreendidas sob a perspectiva de que ocupam a função de professoras de educação infantil,
tendo em vista o reconhecimento do trabalho docente na creche no quadro do magistério, tal
como estabelecido na rede pública educacional que aqui se analisa.
Dando importância ao histórico da institucionalização da escola e da docência é
importante compreender as especificidades que compõem a creche e sua configuração em
relação à escola atual. Assim, para além das condições que permeiam o campo educacional e
a função docente, importa discutir como tem se configurado a educação infantil como
primeira etapa da educação básica no campo educacional e mais especificamente
compreender a posição ocupada pela creche mediante as implicações de determinada cultura
escolar.
Partindo-se do exposto, este capítulo se divide em quatro partes. Na primeira
apresenta-se a discussão atinente à relação entre a creche, as concepções de infância e cultura
escolar, de modo a explanar a forma como em seu processo constitutivo tal instituição, ainda
que de cunho assistencialista, esteve relacionada à dispositivos educacionais que permanecem
até os dias de hoje. Na segunda discorre-se sobre a consolidação da profissão docente,
apresentando considerações acerca da função de professor, bem como os valores e discursos
que permeiam o magistério e especificamente a docência com crianças pequenas. Na terceira
insere-se o debate acerca da conjuntura e das finalidades da creche, tendo em vista a
exposição de aspectos que constituem e marcam o atendimento à criança de zero a três anos
como um campo desvalorizado socialmente. Por fim, na quarta e última parte enuncia-se
sobre o processo de profissionalização docente na educação infantil levando em conta a forma
como se configurou a profissão na creche por meio da formação docente.

.
49

2.1 Educação infantil, escola e infância

De modo a compreender as implicações do campo educacional e da cultura escolar nas


práticas pedagógicas é importante discutir a forma pela qual a instituição escolar foi sendo
constituída e os aspectos relacionados à sua gênese, de modo a apontar como tais
configurações que a caracterizam, no caso desta pesquisa com foco no atendimento à criança
pequena.
Respondendo às necessidades históricas perante a idade moderna, o estabelecimento
da escola como instituição social esteve relacionado às transformações econômicas e sociais
associadas ao desenvolvimento do capitalismo, à reorganização do campo político-religioso e
ao processo de urbanização, consolidando assim novas formas de socialização e transmissão
cultural (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001).
Vincent, Lahire e Thin (2001) dissertam sobre o momento em que a escola se torna
uma instituição social, e o ensino e a relação entre alunos e professores adquirem uma nova
forma organizacional. De acordo com os autores, a partir deste momento caracteriza-se um
novo modo de socialização, o qual definem como uma forma escolar das relações sociais. Tal
forma de socialização é estabelecida a partir da mudança na relação entre o saber e o fazer, até
então não reconhecidas como diferenciações, mas que a partir do momento em que a escola é
modificada para uma educação formal frente a idade moderna, torna-se um novo modo de
conceber as relações sociais, ou seja, uma forma escolar de socialização.
Segundo Vincent, Lahire e Thin (2001), um conjunto de traços adquiridos na
modernidade, tais como a prevalência de um universo separado para a infância, a imposição
de aprender conforme as regras, a organização racional do tempo e a multiplicação e repetição
de exercícios, dão origem e caracterizam o novo modo escolar de socialização. Nas palavras
dos autores, essa nova forma de relações define-se pela sujeição tanto dos professores quanto
dos alunos a regras impessoais que regulamentam o que ocorre dentro da escola, frente à
necessidade instaurada de se moldar sujeitos para uma nova ordem pública, conformando-se a
escola como o local em que se aprende a obediência às regras sociais.
Problematizando as modificações ocorridas na modernidade expressas nas novas
formas de socialização e nas novas aprendizagens que se fazem necessárias, caracterizadas
por um controle moral e por uma abordagem individualizante, Varela e Alvarez-Uria (1992)
discorrem sobre a instituição escolar como local legítimo de transmissão de conhecimentos e
saberes e a compreendem como uma maquinaria de governo da infância. Sobre as peças que
compõem esse maquinário, destacam como a definição de um estatuto da infância, a
50

emergência de um dispositivo institucional destinado à educação das crianças, a formação de


um corpo de especialistas sobre a infância, a destruição de modos de educação anteriores e,
por fim, a imposição da obrigatoriedade decretada pelos poderes públicos e sancionada pelas
leis.
Tendo em vista as breves considerações acerca da nova forma de educação que se
consolida na modernidade, chama a atenção o fato de a pedagogização dos conhecimentos e a
origem de uma nova forma de socialização se encontrarem, entre outros fatores, relacionadas
à nova concepção de infância e criança e à transformação destas em objetos de maior
relevância social e política.
Bujes (2002) destaca que a forma como a criança foi sendo entendida, principalmente
por meio dos discursos, levou às escolhas que se reservaram ao campo educacional. Em suas
palavras, o sujeito educacional - a criança, foi sendo constituído conforme as narrativas que
sobre ele se enunciaram, discursos estes propostos sob o desejo de poder em relação aos
sujeitos infantis. Ao analisar as ideias construídas sobre o atendimento educacional das
crianças, a autora aponta técnicas disciplinares que incidiram mediante determinado
atendimento.
Compreendendo a infância como uma fabricação da modernidade, Bujes (2002)
relaciona a invenção moderna do sentido de infância com o afã de controle das populações
infantis, sendo a educação formal o principal meio de se exercer esse controle. A autora indica
o projeto educacional moderno como um projeto civilizador que traz como objetivo o
estabelecimento de novas pautas de conduta para os seres humanos. Assim, considera que:

A noção moderna de infância que foi incorporada no discurso dos


moralistas, dos reformadores, dos ideólogos sociais e paulatinamente se
difundiu e foi apropriada por outras instâncias e instituições sociais, esteve
associada à produção de novos modos de educação para os sujeitos infantis,
especialmente voltados para a institucionalização das crianças (BUJES,
2002, p.51).

Nas palavras da autora (BUJES, 2002), as narrativas sobre a criança configuradas nas
obras dos reformadores humanistas e ideólogos sociais, as quais compreendiam a infância
como maleável, carente de razão e marcada pelo estigma do pecado, incidiram
significativamente sobre os movimentos de socialização e de educação das crianças nos
séculos XVI e XVII, dando início a uma série de iniciativas que aos poucos se disseminaram
pela Europa, marcando as novas práticas de cuidados, as relações entre adultos e crianças,
51

novas relações afetivas entre gerações, e sobretudo, as práticas de enclausuramento, ou seja,


da realização de educação em espaço formal e fechado.
De acordo com Bujes (2002), o ideal de desamparo da infância e a busca por sua
preservação, juntamente com o surgimento da noção moderna da infância, na qual identifica-
se a necessidade de cuidá-la e também educá-la, ocorreram associados à implementação do
moderno dispositivo pedagógico. Desse modo, o efeito das narrativas acerca da infância
colocaram-se como uma função regulatória na ordem pública e privada, contribuindo
inclusive para o estabelecimento de políticas sociais para a infância, entre elas a educação
infantil institucionalizada. Tais fatores abarcam também o atendimento de crianças pequenas,
tendo em vista os modos de educação que foram surgindo vinculados a uma forma de
organização social que esteve inicialmente a cargo da caridade e depois da filantropia, ainda
que não reconhecidos como educacionais em seu sentido escolar.
Ao discutir sobre as transformações perante o processo de remodelação das
instituições educativas, que até então estavam sob o domínio da igreja e na modernidade
passam para o poder do Estado, Bujes (2002) destaca as modificações sobre a infância
ocorridas a partir do século XVIII, momento em que a criança passa a ter importância como
objeto de atenção do Estado e do olhar científico, fato relacionado às transformações sociais e
políticas ocorridas na época, mas principalmente ligado ao projeto pensado pelo Iluminismo.
Em suas palavras, a condição sob a qual se encontravam os sujeitos infantis em relação à
diferenciação quanto aos adultos, ou seja, como seres em falta, imaturos e desprotegidos,
justificava tanto a intervenção familiar quanto a institucionalização da educação. Assim,
mediante ao entendimento sobre a infância como “um campo privilegiado de intervenção
social, de controle e regulação, de exercício de poder e de saber” (BUJES, 2002, p. 42), a
produção de saberes sobre a criança por meio da ciência a partir do século XVIII esteve
conectada à regulação das condutas dos sujeitos infantis e à instituição de práticas
educacionais voltadas a eles.
Segundo a autora, a ideia adultocêntrica emergente de que a criança por ser maleável,
poderia ser modelada; por ser frágil, requeria tutela; por ser rude, deveria ser encaminhada à
civilização, demonstrava a necessidade de governo da infância e do controle sobre a
população. Em suas considerações:

A constituição de novos saberes, especialmente nas chamadas Ciências


Humanas, e também a criação de instituições específicas para o atendimento
das crianças pequenas configuram-se como instrumentais ao projeto de
governo das populações. É assim que a educação institucionalizada vai se
52

constituir numa estratégia privilegiada de disciplinamento das populações


desde a mais tenra idade, fazendo a conexão entre o indivíduo e a sociedade
(BUJES, 2002, p. 67).

Vale ressaltar que o controle sobre o sujeito infantil e sobre a população sempre esteve
relacionado às condições de classe. Varela e Alvarez-Uria (1992) chamam atenção para o fato
de a instituição da infância estar ligada a uma condição de dominação e de poder, sob um
programa político de dominação. Os autores ressaltam que o enclausuramento da infância por
meio das instituições educacionais assumiu características diferentes conforme a classe social
a que se destinava tal educação:

A infância "rica" vai ser certamente governada, mas sua submissão à


autoridade pedagógica e aos regulamentos constitui um passo para assumir
"melhor", mais tarde, funções de governo. A infância pobre, pelo contrário,
não receberá tantas atenções, sendo os hospitais, os hospícios e outros
espaços de correção os primeiros centros-piloto destinados a modelá-la
(VARELA; ALVAREZ-URIA, 1992, p. 5).

Kuhlmann Jr. (1998) insere-se no debate, ao destacar que a creche necessita ser
compreendida desde seus primórdios como o primeiro degrau da educação, chamando atenção
ao fato de que o pensamento educacional não levar em conta a existência de elementos
comuns entre as instituições constituídas para atender segmentos sociais diferenciados. Em
suas palavras, há certa insistência na negação de caráter educativo das instituições associadas
a entidades ou propostas assistenciais, o que ocorre mediante a idealização de que a educação
apenas possui caráter positivo, emancipatório e neutro. Mediante a essa consideração, o autor
discorre sobre o caráter educativo presente até mesmo no atendimento histórico da educação
infantil denominado de assistencialista, ou seja, as creches.
Apresentando relatos e documentos sobre os atendimentos em creches e salas de asilos
na França, Kuhlmann Jr. (1998) debate sobre a condição pedagógica presente nestas
instituições, declaradas como sendo de caráter assistencial. Assim, infere a necessária
problematização acerca do processo histórico de constituição das instituições destinadas às
crianças pequenas pobres e os reais objetivos frente à função de guarda instituída, também
relacionada a um caráter educativo.
Para o autor, o assistencialismo como proposta educacional específica para este setor
social, destinado às crianças pequenas em situações precárias, configurava-se com o objetivo
de submissão, não apenas das famílias, mas das crianças das classes populares. Ao considerar
53

que a destinação de tais instituições ocorria apenas para uma parcela social, propõe a
compreensão desse atendimento a partir de uma concepção educacional, destacando:

A pedagogia das instituições educacionais para os pobres é uma pedagogia


da submissão, uma educação assistencialista marcada pela arrogância que
humilha para depois oferecer o atendimento como dádiva, como favor aos
poucos selecionados para o receber. Uma educação que parte de uma
concepção preconceituosa da pobreza e que, por meio de um atendimento de
baixa qualidade, pretende preparar os atendidos para permanecer no lugar
social a que estariam destinados. Uma educação bem diferente daquela
ligada aos ideais de cidadania, de liberdade, igualdade e fraternidade
(KUHLMANN JR, 1998 p.182/183).

De acordo com Kuhlmann Jr. (1998) algumas características da educação realizada


com as crianças demonstram certa prática intencional da educação assistencialista. Uma delas
seria o isolamento de meios passíveis de contaminação das crianças - tais como a rua,
oferecidos pelas instituições, enquanto a outra estaria relacionada à qualidade do atendimento.
Ambas as características, segundo o autor, estariam a cargo dos propósitos de uma educação
que pudesse preparar crianças pobres para o futuro conforme sua condição social, de modo
que não fossem levadas a pensar sobre certa realidade e se mantivessem em determinada
posição. Nas palavras de Kuhlmann Jr. (1998), esta era uma educação prevista para que as
crianças pobres se adaptassem à sociedade e se sentissem satisfeitas com os seus destinos. Até
mesmo perante as ações médico-higienistas, o autor aponta relação educacional, ao serem
definidas como uma educação higiênica, citando a matéria de puericultura que integrava o
currículo das escolas normais e também era apresentada às mães. Em suas considerações o
autor destaca as rígidas e detalhadas prescrições que constituíam um conjunto de interdições
minuciosas a se tomar como cuidado na pequena infância não apenas como normas de
descobertas da microbiologia, mas como ações disciplinadoras visando adestramento das
crianças para autonomização e individuação.
As considerações apontadas acerca da constituição das instituições educacionais e
dentre estas as que se destinavam à criança pequena demonstram que a consolidação do
campo educacional carrega raízes relacionadas a valores e normas relativos a uma nova ordem
moral, disciplinadora e de controle dos sujeitos infantis (BUJES, 2002). Para a autora, a
educação infantil não escapa de tais implicações e, ao assumir o modelo escolar, traz em sua
configuração características em comum com a educação de crianças maiores.
Ao discorrer sobre a rotinização nas instituições de atendimento de crianças de zero a
cinco anos, Barbosa (2006), assim como Bujes (2002), destaca a relação convergente entre a
configuração da escola e das creches. Para a autora, embora as instituições de assistência,
54

cuidados e educação para a primeira infância não estejam vinculadas diretamente às séries
iniciais do ensino fundamental, é possível encontrar na consolidação de determinados espaços
um processo que apresenta muitos pontos em comum, tais como:

[...] as classificações das crianças por grupos etários; a separação ou a


classificação das crianças por critérios de bons e maus, inteligentes e
deficientes; a idéia de que a cada grupo etário corresponde uma parte do
conteúdo; a repetição como estratégia de aprendizagem; a tutela e a
infantilização das crianças; a normalização dos alunos; o saber escolar como
algo desconectado da realidade social e política; o monopólio do professor
no planejamento e na organização dos cursos; a idéia de neutralidade e de
objetividade dos conhecimentos escolares; a organização do espaço
(rigidamente ordenado e regulamentado) e do tempo (com recortes
metódicos) como modos de disciplinarização e a educação moral, como falar
baixo, sentar-se corretamente, ficar imóvel por longos períodos de tempo,
etc. (BARBOSA, 2006, p.67).

De acordo com Barbosa (2006), determinadas práticas, que tiveram origem nas escolas
e colégios auxiliam a entender as formas de organização do trabalho nas creches e nas pré-
escolas. Frente às considerações aqui explanadas, cabe reafirmar o modo como a forma
escolar se faz presente na educação infantil.
Apoiando-se nas considerações de Bujes (2002), Barbosa (2006) e Kuhlmann Jr.
(1998) é possível compreender o modo como historicamente se instaurou o atendimento às
crianças pequenas: com caráter assistencialista, entretanto apresentando também objetivos
educativos e de controle disciplinador, bem como moral, principalmente com vistas à uma
parcela menos abastada da população, além de ter se configurado conforme as características
da escola para crianças maiores, fatos esses que permitem compreender a estreita relação
entre uma forma escolar que permeia o atendimento de cuidado e educação à crianças desde a
mais tenra idade.
Ao discorrer sobre a educação infantil e ao sentido desta, Freitas (2007) infere que tal
etapa da educação básica deveria se constituir como um universo de forma própria, um
universo específico. A partir desta consideração, o autor discute a necessária atenção ao
espectro que ronda a educação infantil e suas crianças, qual seja, o espectro da forma escolar.
Segundo Freitas (2007), ao se tornar escolar a educação manteve uma lógica interna a que
está sujeita e que, independente de suas variações, caracteriza o modo de ensinar e reitera a
forma escolar. Para o autor, determinada forma precisa ser afastada da primeira etapa da
educação básica, uma vez que esta possui suas especificidades. Desse modo, destaca que:

Assim como na escola, as categorias espaço, tempo, organização e práticas


no âmbito da educação infantil têm um conteúdo próprio que não admite a
55

condição reducionista de "etapa prévia" em relação ao período da


escolarização propriamente dita. Não se deve admitir que o trabalho com
crianças pequenas se desapegue de objetivos próprios para constituir-se mero
"degrau" para um arranque que só se sustenta no bojo das representações
sobre as "fases de formação” (FREITAS, 2007 p.9/10).

No que concerne à questão, Sarmento (2013, p.132) aponta que a primeira etapa da
educação básica continua presa a modelos institucionais que “conformam as práticas
quotidianas, que estabelecem as rotinas, que estruturam os projetos pedagógicos e que
regulam a organização do espaço, do tempo, das atividades e das avaliações”. Conforme suas
considerações, a educação da infância encontra-se presa a modelos pedagógicos fixos e não
traz à discussão uma análise sociológica das condições reais de existência da infância, da
escuta sensível dos modos de ser e de comunicar das crianças em sua concretude.
Em um esforço para compreender o papel da educação infantil na sociedade atual,
tendo em vista sua consolidação como primeira etapa da educação básica, Serrão (2012)
infere a necessária reflexão, de forma ampliada, sobre a função da escola na
contemporaneidade. Para tanto, realiza uma série de questionamentos e destaca como
essenciais os conceitos de cultura escolar e escolarização, a fim de que se compreenda a
função socialmente demandada à escola, e em especial à educação infantil. Ao apresentar tais
conceitos, suas definições e implicações, a autora chama atenção para a necessidade de se
levar em conta a discussão acerca da construção social da infância, bem como realizar a
análise das ações do Estado por meio de políticas públicas destinadas à educação infantil.
Para Oliveira (2002) as práticas educacionais com crianças de zero a três anos trazem
relação com quadros ideológicos debatidos conforme a ideia de criança e desenvolvimento
infantil que vão sendo construídos historicamente e socialmente.
Em uma mesma direção Abramowicz (2003) relaciona as práticas que se inscrevem
nas instituições de educação infantil à concepção de infância e criança presente na sociedade.
Segundo a autora:

A fabricação histórica e social das práticas educativo-pedagógicas e


assistencialistas das instituições de Educação Infantil, sempre esteve muito
próxima daquilo que cada momento histórico construiu, reservou e atribuiu
para o que é ser criança e ter uma infância. (ABRAMOWICZ, 2003, p.14).

Ao realizar uma análise sobre a infância na contemporaneidade, Sarmento (2013)


pontua a predominância de uma concepção que compreende determinado tempo social como
condição humana de pendor universal, marcada por etapas ou graus de desenvolvimento,
56

visão universalista essa que tende a ocultar diversos aspectos referentes à criança. Assim, o
autor considera que:

Ao fixar-se em modelos pedagógicos pré-estruturados, assentes em propostas


teóricas e pedagógicas que se fundam num sistema articulado de pressupostos
sobre o que é uma criança - assim totalizada como um objeto abstrato - uma
parte importante da educação infantil contemporânea ignora ou rasura a
realidade concreta das crianças que estão na creches, escolas e jardins de
infância, os seus códigos culturais, as suas pertenças étnicas e de classe, as
suas formas singulares de ser e de agir (SARMENTO, 2013, p.132).

Nas palavras de Sarmento (2013), as políticas hegemônicas têm realizado ações que
pretendem reduzir a educação a um conjunto de metas pautadas na ideia de dimensões
mensuráveis de desenvolvimento e aprendizagem, representando assim o que destaca como
uma tecnização que ignora a natureza política da ação educativa, dando espaço a intervenções
pedagógicas que tomam o sujeito infantil como sujeito educável segundo padrões pré
definidos, que não englobam em sua essência os contextos sociais de existência da infância.
Para Sarmento (2013), o fato de a educação da infância ser pensada fora do quadro
social de existência das crianças possui razão política e decorre da despolitização de toda a
educação e da educação infantil, a qual se desenvolveu e emergiu a partir de diferentes
origens e sob pressões sociais distintas, “em torno de projetos societais que afirmam o
primado da educação das crianças em torno de valores frequentemente conflituais”
(SARMENTO, 2013, p. 134), sendo estes:

[...] o resgate das gerações mais novas do obscurantismo religioso; a


proteção filantrópica; a promoção de um ideal de homem e cidadão; a
preparação precoce das elites; a ocupação e guarda das crianças para liberar
a força de trabalho das suas mães; a construção da igualdade social pela
educação universal; a promoção de ideias nacionalistas; a prevenção do
insucesso escolar; a segregação eugenia dos “desvalidos”; a compensação do
déficit socioeconômico das famílias pobres; a expansão da criatividade
infantil; os direitos das crianças, etc. (SARMENTO, 2013, p. 134).

Apontando a sonegação da natureza política da educação infantil, Sarmento (2013)


discute sobre a ampliação de tal condição frente a adoção da economia capitalista. Assim,
destaca dois vetores dominantes do capitalismo que considera importantes para a discussão:
“a globalização hegemônica no plano das relações políticas, econômicas e sociais, à escala
mundial e o individualismo institucionalizado, no plano das relações interpessoais e da
construção social das subjetividades” (SARMENTO, 2013, p. 140). Em suas palavras, a
57

infância tem sido produzida na contemporaneidade respondendo a tais exigências do


capitalismo avançado.
Conforme Sarmento (2013), caracterizada por um desenvolvimento econômico sem
precedentes históricos e pela prevalência de uma economia fortemente competitiva, a
globalização, ao produzir agravamento das desigualdades sociais, impacta a infância em
sentido ambivalente. De um lado marca as diferentes possibilidades de vida das crianças de
meio sociais distintos, tendo em vista uma heterogeneidade das infâncias. Enquanto de outro,
possibilita a difusão universal dos direitos das crianças, que embora compreenda contradições
entre lei escrita e prática, [...] constitui um impulso essencialmente generoso e, sobretudo,
exprime uma concepção da criança que é profundamente renovada: a criança cidadã,
competente e participativa” (SARMENTO, 2013, p. 139).
Em um mesmo sentido, o individualismo institucionalizado, expressão cultural da
globalização, relacionado a um encorajamento à postura de competitividade, em que se
solicita a disputa pelas oportunidades de processos tais como emprego; lugares sociais;
posições de poder; entre outros, também se caracteriza por uma condição ambígua. Ao mesmo
tempo em que enfraquece identidades coletivas, se exprimindo nas crianças, desde as mais
pequenas, em atitudes orientadas para a competitividade, se assenta também no princípio da
autonomia, princípio esse que, mediante às condições de tal individualismo necessita ser
delineado juntamente com a solidariedade a partir da mediação dos professores, dada a
importância das relações humanas.
Mediante às condições em que se encontra inserida a infância na contemporaneidade,
Sarmento (2013) chama atenção para o papel a ser assumido pela educação infantil, sendo
convocada a responder determinadas necessidades decorrentes do mundo frente às relações e
à diversidade em que vivem as crianças. Para o autor, tal movimento deve ocorrer sem
modelos pré-formatados, sendo sempre atualizada determinada missão da educação infantil,
tendo em vista as mutações da realidade social, podendo assim funcionar como uma via
segura de adequação da infância, a afirmação dos direitos das crianças como orientação
política de tal possibilidade.
A considerar a relação entre a concepção de infância e de criança socialmente
instiuidas ao longo do tempo e a configuração de uma cultura escolar que se consolida no
campo educacional, esta seção buscou discutir o caráter educativo atrelado à creche e suas
implicações, bem como relacionar determinada condição à infância, de modo a discutir
também como atualmente se tem olhado para a educação infantil e seus sujeitos.
58

Procurou-se demonstrar o modo como inclusive a educação de crianças pequenas,


mesmo que sob o olhar assistencialista, também esteve à mercê de um modelo escolar que
tinha como objetivo o controle, a imposição da moral e da disciplinarização.
As considerações aqui explanadas auxiliam na discussão acerca das implicações do
campo educacional sobre o atendimento na educação infantil, de uma cultura escolar que se
consolida, bem como sobre uma forma escolar reiterada nos espaços educacionais. Neste
sentido, é importante considerar que tais implicações também marcam a profissão docente na
creche.

2.2 Aspectos da função docente e valores práticos do magistério

Conforme afirmado, a função docente encontra-se relacionada à cultura escolar. Ao


definir cultura escolar, Julia (2001) a destaca composta por normas e finalidades que se
inscrevem na instituição escolar. O autor apresenta ainda a relação entre tal cultura e a função
desempenhada pelo professor, os conteúdos ensinados e as práticas desenvolvidas em
determinado espaço.
Levando em consideração as afirmações de Julia (2001), definem-se como necessários
a este estudo os apontamentos referentes à função docente. Assim, importa considerar o
processo histórico de constituição da profissão, bem como a discussão acerca dos valores e
discursos que permeiam o magistério. Tais apontamentos permitem ampliar o entendimento
de aspectos que se destacam atualmente no exercício docente.
Discutir sobre a função do professor de educação infantil e especificamente de creche
se configura como uma tarefa desafiadora ao se ter em conta uma etapa que é parte da
educação básica, mas se constitui por necessidades diferenciadas, principalmente ao se
considerar o processo de profissionalização docente das profissionais atuantes em creches.
Embora determinado processo tenha se realizado de forma diferenciada, vale
considerar, como postulado por Xavier (2014) que, apesar da heterogeneidade e da
fragmentação que marcam a docência, tendo em vista as diferenciadas etapas da educação,
encontram-se presentes na profissão ações que caracterizam uma identidade e cultura em
comum, tais como os consensos e representações sociais, modos de agir e interagir. Frente a
essas considerações, compreende-se que, embora apresente especificidades, a profissão
docente na creche também é permeada por uma cultura que marca a docência.
Relacionada ao processo de institucionalização da escola no mundo moderno, a
constituição da docência remonta às condições de modificação de uma educação que deixa de
59

ocorrer por meio de práticas artesanais, por meio de impregnação cultural, como salienta
Nóvoa (1991), e se torna formal e organizada a partir da necessidade de instrução popular
com o estabelecimento dos Estados modernos.
Conforme relatam referências históricas, é a partir do controle do Estado e sob a nova
forma de conhecimento especializado e formal que se inicia o processo de constituição da
profissão docente, por meio do preparo de professores para que exerçam determinada função.
Embora relacione a este período a profissionalização da atividade docente, Nóvoa
(1991, 1999) aponta que a gênese da função se localiza no seio de algumas congregações
religiosas que se transformaram em verdadeiras congregações docentes, anteriormente à
estatização da escola. Tal função não especializada era exercida como ocupação secundária de
religiosos ou leigos de diversas origens. Segundo Nóvoa (1991), embora a função docente
tenha se constituído a partir do processo de estatização, por meio da elaboração de um saber
técnico e de profissionalização, tal função permaneceu relacionada a normas, valores e
atitudes referentes à ordem moral e religiosa, bem como a um corpo de saberes e técnicas
organizados em torno de princípios e estratégias de ensino, o qual atravessou toda a história
profissional docente.
Tendo em vista o reconhecimento da gênese da função docente relacionada à igreja e
ao Estado, compreende-se que um conjunto de normas e valores presentes no campo
educacional encontram-se relacionados à missão e vocação, bem como são relacionados a
ações de controle e disciplinarização.
Segundo Penna (2011), a constituição histórica da escola como instituição social e as
condições objetivas em que o professor é posto a exercer a docência a fim de ensinar e educar
outros seres humanos, contribuem para que os professores compreendam que a moralização e
a disciplinarização se inscrevem como a principal tarefa a ser desenvolvidas por eles.
Tardif e Lessard (2005) apontam para visões normativas e moralizantes impostas à
docência, as quais se interessam por formular o que os professores devem ou não fazer. Em
suas palavras, tais visões “têm suas raízes históricas no ethos religioso da profissão de
ensinar, que é antes de tudo um trabalho orientado por uma ética do dever com forte conteúdo
religioso” (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 36). Os autores também apontam como parte da
função docente a disciplinarização, uma vez que é posto ao professor o dever de educar e
instruir alunos. Assim, afirmam:

Os professores são, assim, convidados a trabalhar constantemente a partir


dessa dupla função que lhes confere ao mesmo tempo um papel de agente
moral e de "instrutor". O ensino, portanto, é uma profissão moral e,
60

juntamente, um trabalho de instrução. Trata-se, assim, de um elemento


invariável que estrutura tanto a tarefa quanto a identidade dos professores,
marcando, ao mesmo tempo, toda a sua experiência do ofício (TARDIF;
LESSARD, 2005 p. 75).

Ser um agente moral marca o exercício docente, além de ser prática educativa que se
estabelece institucionalmente. Para além de determinadas marcas, há que se considerar
também que ao se tornar estatizada, a função docente acabou por se relacionar às demandas
do Estado, como destaca Nóvoa (1999).
Mediante a situação que coloca a função docente em relação ao Estado, importa levar
em conta que, para além de tais valores relacionados à ordem moral e disciplinadora, o
magistério é definido pelas necessidades sociais às quais o sistema educativo encontra-se
ligado, do que decorre uma profissionalidade posta como ideal, como demonstra Sacristán
(1999a). Nas palavras do autor, o ensino se configura como uma prática social que não está
relacionada apenas à interação entre professores e alunos, essa também se constrói como
reflexo da cultura e contextos sociais aos quais pertence, tais como o sistema social, sistema
educativo e a escola.
Para Sacristán (1999a, p. 65), a profissionalidade docente configura-se por aspectos
relacionados a valores, currículos, práticas metodológicas ou de avaliação, podendo ser
definida como a “[...]afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto de
comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade
de ser professor”, sendo manifestada por meio de diversas funções, tais como: “ensinar,
orientar o estudo, ajudar individualmente os alunos, regular as relações, preparar materiais,
saber avaliar, organizar espaços e atividades etc.” (SACRISTÁN, 1999a, p. 77).
Sobre a especificidade da função docente, Contreras (2012) considera que não deva
ser definida apenas pelas práticas dos professores, nem também por um conjunto de
aspirações, uma vez que possuem grande carga simbólica e podem ocultar o sentido real da
prática do ensino. Em suas palavras, para que seja possível entender às características e
qualidades do ofício de ensinar, faz-se necessário discutir tudo o que se diz sobre esse ofício
ou o que dele se espera, além de se levar em conta o que esse não deveria ser. Assim, define
que a profissionalidade “se refere às qualidades da prática profissional dos professores em
função do que requer o trabalho educativo” (CONTRERAS, 2012, p.82).
Para Contreras (2012), fundamentar a profissionalidade sob tal ótica, ou seja, a partir
do que o trabalho docente requer e impõe, bem como da forma como os professores realizam
sua prática profissional, significa “não só descrever o desempenho do trabalho de ensinar, mas
61

também expressar valores, qualidades e características profissionais, enquanto expressam seu


sentido em função do que requer a prática do ensino” (CONTRERAS, 2012, p.82).
Tendo em vista determinada definição, Contreras (2012) considera que a
profissionalidade apresenta três dimensões: a obrigação moral, que se refere a uma prática
ética e humanizada, atrelado ao contexto de formação de desenvolvimento dos estudantes e
tendo a premissa de transformação da realidade; o compromisso com a comunidade, que se
refere à importância do compartilhamento de práticas profissionais, abrangendo a relação com
a comunidade e o reconhecimento da necessidade da participação da sociedade na educação;
e, por fim, a competência profissional, a qual não se reduz à racionalidade apenas, mas
considera que os professores refletem sobre as experiências que vivenciam e a partir de então
elaboram suas práticas.
Ao discorrer sobre a função docente, Roldão (2007) remonta ao fato de que esta se
constituiu mediante a um complexo processo de profissionalização relacionado à
institucionalização da escola e ao reconhecimento de um conhecimento profissional
específico. Assim, aponta a ação de ensinar como distintiva do docente e permanente no
tempo, apesar de tal natureza específica ser uma construção histórico-social em permanente
evolução. Em suas considerações, tal função que distingue a profissão nas sociedades atuais já
não é definível pela simples passagem do saber, mas caracterizada pela figura da dupla
transitividade e pelo lugar de mediação, em que se faz aprender alguma coisa a alguém e tal
ato só se faz efetivo quando corporizada tal ação no destinatário.
Ao levar em conta a configuração atual do ato de ensinar, Roldão (2007) afirma que,
ao ser reconhecido como distintivo da profissionalização docente, como um saber próprio da
profissão, necessita ser problematizado. Ainda, indica ser essencial que tal função seja
clarificada, uma vez que, “existe uma estreitíssima ligação entre a natureza da função e o tipo
de conhecimento específico que se reconhece como necessário para a exercer” (ROLDÃO,
2007, p.97). Assim, afirma que:

No caso dos professores, quer a função, quer o conhecimento profissional se


têm mutuamente contaminado, por um lado, por uma tendência para a
difusão envolvida de uma discursividade humanista abrangente, que não
permite aprofundar a especificidade da função nem do saber; por outro lado,
e no extremo oposto, por uma orientação para a especificação operativa,
associada à redução do ensino a acções práticas que se esgotam na sua
realização, em que o saber é mínimo e a reflexão dispensável, e que acabam
traduzindo-se numa tecnicização da actividade. Nenhuma destas tendências
se constitui em produtora credível de desenvolvimento e afirmação
profissional (ROLDÃO, 2007, p.97).
62

Frente às considerações de Roldão, (2007), tendo em vista as observações referentes à


difusão de uma discursividade humanista, da qual a função docente tem sido influenciada,
faz-se necessário considerar outro aspecto que compõe a função docente, qual seja, os
discursos postulados no campo educacional.
Ao tratarem sobre o discurso que se faz presente no campo educacional, Pereira e
Andrade (2006) dissertam sobre a concepção de formação humana que ronda determinado
espaço social. Os autores apontam duas modalidades que se definem como linhas de
pensamento referentes às concepções acerca da formação humana. A primeira diz respeito à
filosofia da consciência, a qual defende a formação humana para a constituição de sujeitos
livres, autônomos, criativos e conscientes, enquanto a segunda diz respeito à injunção
normativa do consenso pedagógico, em que se compreende que a formação humana deve
tomar rumos para a obtenção de características ideais entendidas como socialmente
desejáveis, “que é o senso comum erudito sobre as coisas da educação e da escola”
(PEREIRA; ANDRADE, 2006, p. 207).
Os autores apontam que em ambas as modalidades as condições da formação humana
se expressam por meio de noções como: formação integral do educando, educação para a
emancipação, humanização, formação de sujeitos competentes e participativos, educação para
a autonomia do ser, plenitude educacional e ética. Assim, afirmam que as duas modalidades
se complementam, ao passo que também se dão como parciais em alguns aspectos, visto que,
ambas se reduzem “à enunciação de um arbitrário sociológico, e por consequência normativo
(de como deve ser a formação humana)” (PEREIRA; ANDRADE, 2006, p. 208). Tais
compreensões sobre o dever ser da formação humana se apresentam no campo educacional
em um movimento em que são transfiguradas em ideologias que se impõem às práticas
efetivadas pelos professores, marcadas por um ideal de sujeito a ser formado.
Tendo em vista que tais discursos permeiam o campo educacional, faz-se de grande
importância que se reflita sobre como tem sido marcada a profissionalidade do professor, bem
como os conhecimentos específicos a ele requeridos, tal como postula Roldão (2007).
Mediante as considerações acerca do que se estabelece como parte da função docente,
pode-se afirmar que a docência é definida pelas funções que este profissional deve
desempenhar, bem como é marcada por valores sedimentados pelo processo de
institucionalização e referidos ao campo educacional.
Na esteira dessas considerações, é importante destacar que o magistério foi marcado
por um processo histórico de feminização. Tal configuração histórica também auxilia na
63

compreensão acerca dos valores que compreendem e marcam a posição social de determinada
função.
Na creche, como já discutido, tal característica inseriu-se na função desde seus
primórdios, quando o cuidado da criança pequena ainda não era concebido como docência.
Delineada predominantemente pelo trabalho de mulheres e pela ausência de necessidade de
formação profissional, a função docente na educação infantil se configurou de forma que
foram cristalizados e naturalizados conceitos e concepções sobre o papel da mulher no
trabalho com crianças pequenas.
Em pesquisa sobre a construção de identidades das profissionais de educação infantil,
Cerisara (2002a) pontua que assim como concebido pelo senso comum, os depoimentos por
ela obtidos em sua pesquisa demonstraram a ideia de que trabalhar com crianças pequenas é
uma extensão da função de cuidado enxergada como feminina dentro da família. Frente a tais
apontamentos, o estudo denota a situação de desvalorização do trabalho com crianças na
creche ao verificar que somente é classificado como competente e profissional o trabalho
realizado no sentido de caráter escolar-formal, sem estar ligado à substituição maternal.
Arce (2001) caracteriza e debate a presença do mito da mulher como educadora nata
construído na imagem da professora de educação infantil. A autora constata a construção de
imagens idealizadas do ser criança e do ser mulher, sem que sejam colocados em discussão os
papéis sociais de tais sujeitos. Em suas palavras, é possível perceber a imagem do profissional
de educação infantil associada ao ambiente doméstico e ligada fortemente ao mito da
maternidade, da educadora nata, da mulher como rainha do lar. Segundo a autora, ao longo da
história tem sido reforçada a imagem do profissional de tal área como “a da mulher
"naturalmente" educadora, passiva, paciente, amorosa que sabe agir com bom senso, é guiada
pelo coração [...]” (ARCE, 2001. p.167).
Tais valores socialmente associados à mulher acabam por se sedimentar como valores
atinentes ao magistério, e não apenas na educação infantil. Ao analisar necrológios de
professores paulistas publicados durante os anos de 1980 a 1990, Pereira (2000) verificou
valores atribuídos aos docentes. Segundo o autor, os escritos trazem à luz valores e
disposições do magistério paulista à época.
Dividindo as avaliações dos necrológios em dois eixos opostos: valores dominantes,
referidos ao polo masculino, a partir de adjetivos expressos reservados às melhores carreiras,
e, valores dominados, reservados ao polo feminino, diante dos adjetivos utilizados para
qualificar as carreiras dos agentes que ocuparam postos discretos no magistério, Pereira
(2000) destaca a dicotomia que se estabelece entre carreiras masculinas e femininas, ainda
64

mais marcantes no magistério. Entre os adjetivos verificados para o primeiro grupo


destacavam-se: ilustre, grande, elevado espírito público, capacidade inconteste, veemente,
devotado, entusiasta, enquanto para o segundo seguiam os adjetivos: bondoso, simples,
amável, tranquilo, operoso, cumpridor dos deveres, vocacionado. Adjetivos associados ao
polo feminino e relacionados à posição desvantajosa nos jogos sociais.
Para além de valores sedimentados sobre a docência compreendida como atividade
feminina e que concorrem para a desvalorização do trabalho docente, vale destacar que o fato
de ser realizado com crianças também acaba por agregar alguns valores. Valores esses que se
encontram diretamente relacionados às diversas dificuldades e desafios presentes na função
docente.
Ao realizar uma análise sobre os preconceitos e tabus que rondam o magistério,
Adorno (2003), verifica certa rejeição, bem como desvalorização da profissão, originárias de
um pensamento social. Em suas considerações, tais concepções relacionam-se de forma
negativa ao cotidiano docente, causando danos ao magistério.
Adorno (2003), considera que para além do aspecto material, tais percepções resultam
em situações de dificuldades, para além de objetivas, que de alguma maneira dificultam a boa
realização da função docente.
Apresentando termos pejorativos de qualificação aos professores, Adorno (2003)
busca compreender os preconceitos que permeiam o ofício docente. Em análise sobre tais
colocações, aponta que determinados termos demonstram a não compreensão social da
educação como uma prática emancipatória enquanto exercício da profissão docente. Além
disso, afirma que tais termos pejorativos carregam a ausência da seriedade, qualidade
reconhecida em outras atividades profissionais.
Frente a tais considerações, Adorno (2003) discute a desvalorização do professor,
principalmente daqueles que exercem a profissão diretamente com crianças, diferentemente
dos professores universitários que apresentam maior prestígio, o que seria uma exceção para a
profissão.
De acordo com Adorno (2003) a autoridade do professor está relacionada ao seu
conhecimento, o que é válido apenas no ambiente escolar, não possuindo assim autoridade no
meio social tal como os juristas, soldados, entre outros. Dessa forma, compreende que não lhe
é delegado o poder sobre a sociedade, aplicado a todos os cidadãos, mas apenas a disciplina
exercida sobre crianças. Esse fato confere um desvalor ao professor, revelando também
infância como instância desvalorizada e desprezada socialmente.
65

Assim como Adorno (2003), Pereira (2003) compreende que tanto dificuldades
materiais como simbólicas permeiam a profissão docente. Para o autor, a profissão se
apresenta sob condições ambíguas de valor e desvalor, que necessitam ser compreendidas. Em
esforço para entender valores e julgamentos produzidos por professores de duas associações
da categoria docente em São Paulo na década de 1980, o autor verifica que determinado grupo
profissional embora seja dominado por baixos salários e de pauperização, ao ocuparem uma
profissão relacionada ao vínculo com o Estado agregam valor simbólico a sua posição social.
Frente ao estudo, Pereira (2003) identificou a organização dos valores do magistério a
partir de dois polos concorrentes, sendo estes: i) o ethos missionário da profissão, “
caracterizado por um conjunto de valorações que denotam invariavelmente o sentido
vocacional do professor (carisma), além da renúncia e do desprendimento do magistério, ao
lado de esforços e abnegação” os quais estiveram mais relacionados à professoras primárias;
ii) o ethos do trabalho, “conjunto de valorações mais tendentes a ressaltar as virtudes
laboriosas do trabalhador educacional e as capacitações propriamente pedagógicas do
professorado”, o qual esteve presente em sua maioria entre os professores e professoras
licenciados (PEREIRA, 2003, p. 82).
Mediante às considerações de Pereira (2003), nota-se novamente o sentido de missão e
vocação relacionado ao trabalho realizado por mulheres e com crianças menores.
Ao se ter como objetivo investigar valores e disposições para ação que se expressam
em facetas da prática de professoras de creche, faz-se de grande importância que sejam
considerados os contextos sociais, bem como a forma como determinada função é
compreendida socialmente. Assim, tendo em vista determinadas necessidades, as reflexões
aqui apresentadas buscaram discutir o modo como se compõe a função docente, tendo em
vista seu processo de institucionalização, bem como os valores que compõem o magistério,
principalmente quando relacionado ao trabalho com crianças pequenas, situações essas que se
relacionam diretamente ao trabalho realizado pelos professores.

2.3 Creche: as implicações de um campo desvalorizado socialmente

Neste estudo, compreende-se a creche como um subcampo do campo educacional, no


qual ocupa uma posição desvalorizada.
De modo a discutir suas características e finalidades evidenciando determinada
posição, bem como se relaciona com uma cultura escolar, esta seção apresenta apontamentos
66

sobre a consolidação de tal instituição, bem como discute como atualmente tem acontecido o
atendimento à criança de zero a três anos.
Tendo em vista que a creche se insere na educação infantil é importante considerar
que conforme se apresenta nos dias de hoje, a primeira etapa da educação básica pode ser
compreendida como resultado de sua trajetória histórica e social, a qual imprimiu marcas nas
representações de sua função social, bem como nas práticas docentes que nela se inscrevem.
Com objetivos e públicos distintos, a educação infantil se configurou historicamente
por meio de duas redes paralelas. Enquanto de um lado se deu o atendimento às crianças das
camadas mais pobres da população com idade de zero a três anos em creches estruturadas por
meio de órgãos ligados à promoção e bem-estar social, do outro ocorreu o atendimento de
crianças de quatro a seis4 anos por meio dos jardins de infância e pré-escolas, vinculados aos
órgãos e sistemas educacionais (SILVA, 2001; KUHLMANN JR., 1998).
Atualmente reconhecida como parte da primeira etapa da educação básica, a creche
teve sua origem marcada pelo caráter assistencial-filantrópico e pelo provimento por meio da
iniciativa privada, junto ao atendimento aos filhos de famílias pobres que precisavam
trabalhar.
Referências históricas inferem que a criação da creche se deu como resposta aos novos
problemas decorrentes da industrialização e da urbanização, transformações sociais que
afetaram diretamente a estrutura familiar. De acordo com Freitas e Biccas (2009), Haddad
(1991) e Kuhlmann Jr. (1998), as primeiras creches surgiram no século XVIII, na Europa, e
no século XIX na América do Norte.
Didonet (2001) aponta que dada a partida ao emprego de mão de obra feminina na
Europa, a nova configuração, resultado da Revolução Industrial, acabou por provocar
mudanças na forma de cuidar e educar crianças. Em igual sentido, frente à disseminação de
indústrias, ao crescimento da urbanização e à demanda de liberação das mulheres ao mercado
de trabalho, as primeiras creches surgiram no Brasil no início do século XX.
Para além da liberação da mulher ao trabalho, é importante ressaltar que o surgimento
da creche foi acompanhado por um movimento de estabelecimento de padrões de educação e

4
Atualmente a educação infantil compreende o atendimento à criança de zero a cinco anos conforme a Lei Nº
11.274, de 6 de fevereiro de 2006 (BRASIL, 2006a), que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996), dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula
obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. A lei altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996. Nesta pesquisa utiliza-se a compreensão do atendimento à criança de zero a seis anos
quando trazidos dados históricos referentes ao atendimento em sua respectiva época.
67

responsabilização da mulher pelos cuidados ao marido e aos filhos, atuando como um local de
aconselhamento de mulheres julgadas incompetentes para tais tarefas. Destaca-se neste
período a propagação de critérios de cuidados apropriados às crianças como forma de
prevenção de situações como a morte ou vagabundagem, na qual as mulheres de classes
abastadas viam a oportunidade de estender seu papel fora do lar e instruir as mulheres das
camadas populares a serem boas donas de casa e cuidarem adequadamente de seus filhos
(HADDAD, 1991). Além disso, à creche também era atribuído o atendimento de crianças
filhas de mães solteiras, abandonadas e órfãs. Segundo Didonet (2001, p. 12), “durante
bastante tempo, orfanato e creche eram quase sinônimos”.
Sendo restrita à esfera médica dos higienistas e sanitaristas, as discussões sobre as
creches e sobre a educação da criança pequena se configuraram muito mais como objeto de
propostas higienistas do que educadoras. Frente a tais condições, verifica-se que a origem da
creche no Brasil se deu vinculada à pobreza, ao abandono e às sociedades de proteção à
infância, ocupando um lugar que pretendia suprir uma suposta falta moral e uma carência
econômica das famílias. Haddad (1991) observa que a relação estabelecida entre família e
creche se configurou como uma relação de favor e não de dever social, na qual era salientada
a incompetência dos familiares em arcar com as responsabilidades junto aos filhos.
Tendo em vista tais condições, vale destacar que até meados da década de 60 não
foram produzidos planos ou programas referentes à área de atendimento às crianças e famílias
e nem realizada a ampliação de atendimento. Um ponto a ser destacado é a falta, na LDB n.
4.024 de 1961 (BRASIL, 1961), de inovações significativas para a educação das crianças em
idade de frequentar a creche, que tratou apenas das situações de pré-escola; isto pois, o
atendimento de crianças de quatro a seis anos estava relacionado aos sistemas de educação,
enquanto as creches estavam ligadas aos órgãos de saúde e assistência (FREITAS; BICCAS,
2009).
Destacam-se como mudanças significativas referentes às instituições de atendimento à
criança de zeros a três anos, as modificações ocorridas a partir da década de 70, durante o
processo de redemocratização após a Ditadura Militar, período em que diversos movimentos
sociais recomeçaram a lutar por direitos que haviam sido suprimidos ou não garantidos com o
regime autoritário. O período caracterizou-se pela expansão de creches em todo o país.
Entretanto, importa considerar que tal ampliação foi realizada por meio do repasse de recursos
públicos a entidades filantrópicas e/ou comunitárias, as quais operavam muitas vezes de
maneira precária, como destacam Campos, Fuülgraf e Wiggers (2006). Em meio às tantas
discussões, uma educação compensatória com vistas à compensação de supostas carência
68

cultural, deficiência linguística e defasagem afetiva de crianças provenientes das camadas


populares passou a ser defendida por políticas educacionais voltadas à criança de zero a seis
anos (KRAMER, 2006). Frente à condição pela qual se deu determinada expansão, é
importante considerar que as orientações básicas das políticas favoráveis à instituição
mantiveram-se enquanto políticas compensatórias e ainda vinculadas aos programas de
promoção social e ao trabalho materno.
Reconhecidas em suas prerrogativas de direito na Constituição Federal de 1988
(BRASIL, 1988), apenas após grandes pressões unificadas de diversos setores junto à
Assembleia Constituinte, tanto a creche como a pré-escola passaram a ocupar espaço no
cenário educacional brasileiro, virando alvo de diversas discussões.
Atualmente definida como primeira etapa da educação básica, a educação infantil
passou a ser reconhecida de tal forma a partir da consolidação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB) Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), a qual define em seu art. 29:

A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade


o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da
família e da comunidade.

Embora determinada definição tenha contribuído com implicações positivas à área ao


conceber a criança como sujeito de direito; dispor sobre os princípios de valorização dos
profissionais e preocupar-se com o estabelecimento de padrões de qualidade pelos sistemas de
ensino, é importante considerar que tal modificação originou embates que até os dias de hoje
marcam o atendimento à criança pequena.
Ao discutir a nova condição da educação infantil, Rosemberg (2016) ressalta que o
consenso estabelecido pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente - ECA em 1991 (BRASIL, 1990) – que delineou o campo de
direitos da criança –, embora tenham sido fundamentais, uma vez que estabeleceram as bases
de uma concepção nacional de educação infantil, foram ainda superficiais. Neste sentido, a
autora frisa a necessária reflexão acerca das tensões configuradas mediante tal mudança, as
quais em suas palavras, situam-se tanto no plano dos valores como no plano de alocação de
recursos econômicos e sociais.
De modo a problematizar a forma e o contexto em que se inscreveram as definições
legais e as consequências dessas, Rosemberg (2016, p.172/173) destaca que:
69

Quando a mobilização pela EI atingiu o Brasil não tínhamos um modelo


firmado, não sabíamos como fazer. Acreditávamos em soluções milagrosas.
Conhecíamos a escola primária como educação para a infância. E orfanatos
como instituições para a infância pobre. Daí termos abrigado experiências
nem sempre favoráveis às mães e às crianças. Para o sistema educacional
brasileiro público é uma experiência completamente nova esta de acolher
crianças tão pequenas, especialmente os bebês. Além disso: a de assumir a
integração entre cuidar e educar.

Ao evidenciar as novas formulações para a educação infantil e as dificuldades


enfrentadas, a autora discute o modo como tem se configurado o atendimento à criança
pequena. Em suas considerações argumenta sobre a grande dívida histórica do país com os
sujeitos infantis, tendo em vista o descaso com estes, uma vez que, poucos foram e ainda são,
os recursos reservados ao cuidado de bebês e crianças pequenas nos setores da política social,
tais como a saúde, cultura, saneamento básico, falta de vagas e baixa qualidade de creches e
pré-escolas, entre outros.
Citando o relatório da Comissão UNESCO/OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico) de 2005, Rosemberg (2016) apresenta importantes dados que
constituem o documento e permitem a compreensão sobre a forma precária pela qual tem se
dado o atendimento educacional à criança pequena, a saber: i) a creche encontra-se em pior
situação do que a pré-escola; ii) as creches comunitárias se apresentam em pior situação que
as demais; iii) as formações de professores ocorrem de forma precária, oferecem poucas
oportunidades de estágio em creche e dão pouca atenção ao desenvolvimento infantil na faixa
etária de crianças de zero a seis anos; iv) as atividades das crianças em creches e pré-escolas
são rígidas e presas a rotinas empobrecidas; v) ocorre pouca divulgação e uso das diretrizes
curriculares no cotidiano dessas instituições; vi) não há integração entre educação infantil e
ensino fundamental, havendo entre as etapas uma cisão.
Rosemberg (2016, p. 179) demonstra, levando em conta a discussão referente aos
marcos legais e suas implicações à educação infantil, a necessária cautela e compreensão
crítica acerca do que vem sendo reservado à criança pequena e à sua família. Em suas
palavras, a primeira etapa da educação básica se apresenta de forma instável, sendo ameaçada
constantemente a um rebaixamento para soluções milagrosas e de ocasião, estando assim a
dificuldade de uma “construção contínua da identidade e de competências para a instalação de
um modelo sólido de instituição educacional pública para crianças pequenas com qualidade e
equidade”, diretamente relacionada à determinada condição em que se encontra o atendimento
de cuidado e educação de crianças pequenas.
70

Tendo em vista as contribuições de Rosemberg (2016), referentes aos desdobramentos


a partir dos marcos legais para a educação infantil, cabe a este estudo, sob tal perspectiva,
tentar compreender as implicações que atualmente permeiam o atendimento à criança de zero
a três anos. Neste sentido, importa levar em conta que determinada instituição se encontra
subordinada à dificuldade de definição do seu papel enquanto instituição com características
próprias, uma vez que se constituiu por meio de uma trajetória pensada à sombra da família,
da prática profissional voltada ao papel de guarda, substituta materna e do combate à pobreza
e à mortalidade infantil (HADDAD, 1991).
De acordo com Haddad (2002), ao ter sido concebida como um mal necessário, a
creche ficou marcada como uma instituição a se recorrer em caso de extrema necessidade,
ocupando o lugar da falta de família, visão esta que contribuiu diretamente para uma cisão de
atribuições entre família e Estado, de modo que à primeira se inscreveu a responsabilidade
pelo cuidado e a socialização de crianças pequenas, enquanto ao segundo coube a
responsabilização pela educação dos maiores. Nas palavras da autora, determinada cisão
acarretou diretamente “[...] disparidades nos programas de creche e pré-escola, quanto aos
objetivos, critério de seleção da clientela, tamanho do grupo, divisão etária, razão adulto-
criança, horário de funcionamento, jornada de trabalho, perfil e formação profissional”
(HADDAD, 2002, p.91).
Referente a esta situação, tendo em vista certa cisão e as disparidades nos programas
das instituições de educação infantil, Bujes (2001, p.16/17) destaca as duas condições que têm
percorrido a noção de experiência educativa nas creches e pré-escolas:

Quando se trata de crianças das classes populares, muitas vezes a prática tem
se voltado para as atividades que têm por objetivo educar para a submissão,
o disciplinamento, o silêncio, a obediência. De outro lado, mas de forma
igualmente perversa, também correm experiências voltadas para o que
chamo de "escolarização precoce”, igualmente disciplinadoras, no seu pior
sentido. Refiro-me a experiências que trazem para a pré-escola,
especialmente, o modelo da escola fundamental, as atividades com lápis e
papel, os jogos ou atividades realizadas na mesa, a alfabetização ou a
numeralização precoce, o cerceamento do corpo, a rigidez dos horários e da
distribuição das atividades, as rotinas repetitivas, pobres e empobrecedoras.

Em um mesmo sentido, Rosemberg (2016) aponta como duas forças que ainda
ameaçam a efetivação do direito à educação e ao cuidado das crianças pequenas e do direito
dos pais, e principalmente o das mães, ao trabalho extradoméstico: a escolarização precoce da
criança de zero a cinco anos e a assistencialização das creches ou da oferta de vagas em
creches para as crianças pobres.
71

É importante frisar que a existência de tais forças opostas que conferem determinada
fragmentação a uma mesma etapa educacional encontra-se diretamente relacionada às
políticas educacionais que, como resposta às pressões pela expansão de ofertas de vagas,
fragmentam o atendimento às crianças de zero a cinco anos. Enquanto de um lado se
encontram as creches de caráter não obrigatório e com menor oferta de vagas, do outro, em
caráter de obrigatoriedade, localiza-se o atendimento às crianças de quatro a cinco anos em
escolas.
Segundo Rosemberg (2016, p.175) “a distribuição de recursos para os diferentes
níveis educacionais, historicamente, tem discriminado a educação infantil, a criança
pequena”. Oferecendo dados sobre os investimentos na educação, a autora aponta que o
atendimento à criança de zero a três anos é precário, apresentando déficit de oferta de vagas e
recursos. Sobre isso, cabe enfatizar que tal déficit de oferta é ainda mais intenso para grupos
sociais mais necessitados, em que a qualidade de oferta é precária.
No que concerne à questão, Serrão (2012) discute a expansão do atendimento
historicamente concentrado na faixa etária mais próxima ao ensino fundamental, o que pode
ser compreendido como melhor aceitação social da escola como um lugar legítimo para a
educação das crianças mais velhas, o que não ocorre com a faixa etária mais nova atendida
nas creches. A autora destaca como outro aspecto que contribui para expansão do atendimento
às crianças maiores em detrimento da creche, a compreensão de que a pré-escola pode ser
desenvolvida nos moldes do ensino fundamental, por se adaptar mais facilmente às estruturas
das escolas de determinada etapa, “para qual nossa sociedade e, em especial, os setores
responsáveis pelas políticas públicas educacionais já tem certo conhecimento acumulado para
operacionalizar tal expansão” (SERRÃO, 2012, p.128).
De acordo com Serrão (2012), o fato de as creches terem sido concebidas para atender
crianças advindas das camadas populacionais de baixa renda tem dificultado a plena conquista
da sua legitimidade como instituição coletiva de cuidado e educação da criança pequena. Tal
situação encontra-se relacionada ainda à forte representação social de que a educação de
crianças bem pequenas deva ocorrer no âmbito privado, ou seja, em casa, sob a
responsabilidade de mulheres.
Mediante as problematizações aqui expostas fica evidente a desvalorização do
atendimento à criança de zero a três anos. Tais considerações permitem ainda compreender as
implicações e especificidades que permeiam a creche, que aqui é compreendida como um
subcampo que se inscreve no campo educacional.
72

A partir das ponderações de Rosemberg (2016) e Haddad (2002), é possível relacionar


a desvalorização do trabalho nas creches à dificuldade do reconhecimento de seu caráter
coletivo de cuidado e educação da criança pequena. Haddad (1991, p.25) aponta que por ter
atuado desde sua origem em um campo que não era legítimo, a instituição “tem se justificado
como paliativo, não se configurando enquanto instituição permanente, que necessita de
recursos próprios para sobreviver”, o que leva a entender que essa não tem sido abordada
como um local específico e de valor próprio, sendo inclusive desvalorizado o trabalho docente
que nela se realiza, assunto debatido mais adiante.
Tendo em vista as considerações acerca do percurso histórico da educação infantil e
especificamente da creche e de sua identidade, nota-se certa dicotomia quanto ao que diz
respeito à compreensão ao domínio a qual pertence, gerando tensões e indefinições acerca de
sua função social. De acordo com Cerisara (2002a) há um grande conflito que permeia a
creche e encontra sua gênese na oscilação da identidade da instituição entre duas condições: o
domínio doméstico, privado, cuja responsável tem sido culturalmente a mãe e/ou mulheres; e
o domínio público da escola formal, cuja responsabilidade tem sido relegada a professores.
Dando importância a esta situação vale destacar a condição que permeia a educação
infantil frente ao binômio cuidar e educar, o qual se relaciona também ao percurso histórico
de tal instituição. Sobre isso, Montenegro (2005, p. 77) aponta que “a história da tensão entre
assistência e educação marcou grande parte da trajetória da educação infantil no Brasil,
principalmente das creches, e constitui uma das origens da separação entre cuidado e
educação observada atualmente em creches e pré-escolas”.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI)
(BRASIL, 2009a), as instituições da primeira etapa da educação básica devem cuidar e educar
de crianças, de forma que se constituam como espaços privilegiados de convivência com
vistas à construção de identidades coletivas e ampliação de saberes e conhecimentos de
diferentes naturezas, compartilhando e complementando a educação e o cuidado das crianças
com as famílias. Assim, importa destacar que:

Educar de modo indissociado do cuidar é dar condições para as crianças


explorarem o ambiente de diferentes maneiras (manipulando materiais da
natureza ou objetos, observando, nomeando objetos, pessoas ou situações,
fazendo perguntas etc) e construírem sentidos pessoais e significados
coletivos, à medida que vão se constituindo como sujeitos e se apropriando
de um modo singular das formas culturais de agir, sentir e pensar. Isso
requer do professor ter sensibilidade e delicadeza no trato de cada criança,
e assegurar atenção especial conforme as necessidades que identifica nas
crianças (BRASIL, 2013a, p.89).
73

Embora cuidar e educar se apresentem como condições indissociáveis e dispostas às


instituições de educação infantil, tem se verificado na prática que estas duas ações têm sido
entendidas de forma estreita, de modo que o cuidar está atrelado à creche e ao atendimento de
crianças de classes populares sob o olhar assistencialista, enquanto o educar é avistado sob a
perspectiva de práticas escolarizantes reservadas às crianças de quatro a cinco anos.
Para Haddad (2002), o paralelismo entre o caráter assistencial e o educativo não será
alcançado apenas pela legitimidade legal, uma vez que o sistema educacional não considera
aspectos que vão além da dimensão ensino-aprendizagem escolar. Dada a condição, a autora
aponta como necessário o olhar para questões maiores, tais como a revisão dos programas de
creches e pré-escolas, de modo a propor que possam levar em conta tanto as necessidades da
criança como as necessidades de suas famílias, buscando assim romper com o caráter de
cuidado custodial e escolarizante, o que ocorre tendo em vista a ênfase ora posta sob o direito
da criança, ora sob o direito da família. Segundo a autora, a creche precisa ser reconhecida
como instituição de grande papel social, uma vez que:

Numa perspectiva macrossocial, as instituições de cuidado e educação


infantil têm sido apontadas como uma das medidas mais efetivas para
conciliar responsabilidades familiares, ocupacionais e sociais, colaborando
com a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres e
apoiando a família no seu papel parental (HADDAD, 2002, p.93).

Frente a tal perspectiva macrossocial, Haddad (2002) afirma como importante a


compreensão acerca das funções socializadora e extraparental de cuidado assumidas pelas
instituições de educação infantil, mediante as transformações que têm atingido as
configurações familiares na atualidade, o que tem gerado a necessidade de espaços
alternativos para cuidado e educação de crianças pequenas.
De acordo com a autora, no Brasil o processo de definição de uma política nacional de
educação infantil não tem levado em consideração a dimensão macrossocial do cuidado
infantil, entendido na intersecção entre a esfera privada da família e os assuntos de ordem
pública, como aqui discutido. Em suas palavras, para que seja possível um salto qualitativo na
direção de uma unidade para a primeira etapa da educação básica, torna-se fundamental que
as instituições de educação infantil sejam “concebidas na sua multifuncionalidade, fazendo
convergir as funções sociais e educacionais e, assim, contemplando outras dimensões da
existência humana” (HADDAD, 2002, p.94). Deste modo, propõe como essencial que a
educação infantil possa:
74

Promover o desenvolvimento infantil em todos os aspectos, físico, afetivo,


moral, espiritual e intelectual; prezar pelo bem-estar das crianças,
oferecendo-lhes um ambiente seguro, prazeroso, lúdico e estimulante, assim
como oportunidades de convívio com outras crianças e adultos; possibilitar
aos pais combinar atividade profissional com responsabilidade familiar;
promover a igualdade entre homens e mulheres e otimizar a capacidade dos
pais no seu papel parental são funções que devem estar em pé de igualdade
com a dimensão ensino-aprendizagem e não relegadas a plano secundário
(HADDAD, 2002, p. 94).

Bujes (2001) e Rosemberg (2016) revelam como tem se dado as experiências


educacionais na primeira etapa da educação básica, indicando que ocorrem em sentido oposto
ao que Haddad (2002) define como fundamental para as instituições de educação infantil. Ao
discutirem sobre a forma como a criança tem sido compreendida atualmente, as autoras
observam a presente ideia de que a infância seja apenas um momento de passagem, o qual
precisa ser atravessado tendo como objetivo apenas o futuro. Mello (2021), em uma mesma
direção, indica a presença de concepções e práticas profundamente marcadas por preconceitos
contra a criança pequena. De acordo com a autora, na cultura adultocêntrica que nos foi
ensinada e ainda é compartilhada entre professores e professoras, impera uma concepção de
criança como ser passivo e incapaz.
Para além disso, Barbosa (2010) salienta que, dado a prevalência à educação de
crianças maiores por meio das legislações, dos documentos, da bibliografia educacional e das
propostas pedagógicas, as singularidades das crianças de zero a três anos e especialmente dos
bebês se encontram submetidas às compreensões sobre o desenvolvimento e a educação das
crianças mais velhas, em grande parte das instituições.
Tendo em vista tais concepções que permeiam a creche e as formas como tem se
realizado o atendimento educacional e de cuidado de bebês e crianças pequenas, há que se
considerar a necessária e urgente clareza sobre a posição da primeira infância. É preciso que
se tenha em vista que essa é uma etapa preparatória para a vida, que se configura como etapa
curta, sendo fundamental lembrar que a criança vive a humanidade hoje, bem como sua
cidadania, ao mesmo tempo que constitui as bases para o futuro (ROSEMBERG, 2016).
Assim, vale destacar como essencial o reconhecimento da criança como:

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas


cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca,
imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e
constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura
(BRASIL, 2009).
75

Neste sentido, levando em consideração a educação infantil como etapa educacional


que se constitui por necessidades diferenciadas, bem como se relaciona a uma função
socializadora e extraparental de cuidado e educação de crianças pequenas, faz-se
indispensável que se considere tal período de vida pelo qual a primeira etapa da educação
básica se responsabiliza, caracterizado por marcantes aquisições, tais como: “a marcha, a fala,
o controle esfincteriano, a formação da imaginação e da capacidade de fazer de conta e de
representar usando diferentes linguagens” (BRASIL, 2013a). E que, para além da dimensão
orgânica presente nestas instâncias de desenvolvimento, outras capacidades tais como
“discriminar cores, memorizar poemas, representar uma paisagem através de um desenho,
consolar uma criança que chora etc.”(BRASIL, 2013a) não se desenvolvem de modo
universal e biológico por meio de um amadurecimento, mas são produzidas nas relações com
o mundo material e social a partir das relações que se estabelecem com parceiros mais
experientes, ou seja, entre crianças e adultos bem como entre as crianças, e são essenciais no
processo de desenvolvimento dos sujeitos infantis.
Segundo Barbosa (2010) é por meio das relações interpessoais e da convivência entre
as crianças e destas com os adultos que são oferecidos elementos para a construção da
sociabilidade e constituição subjetiva de cada criança, possuindo as interações expressiva
relevância na construção das identidades pessoal e coletiva da criança.
Ao afirmar sua singularidade e atribuir sentidos às diversas experiências por meio das
diferentes linguagens, “a criança desde pequena não só se apropria de uma cultura, mas o faz
de um modo próprio, construindo cultura por sua vez” (OLIVEIRA, 2010, p.5). Deste modo,
necessita estar envolvida com as diferentes linguagens, em condições em que seja valorizado
o lúdico, as brincadeiras e as culturas infantis.
De acordo com Oliveira (2010), é por meio das brincadeiras, dentre outras atividades
que se fazem presentes na educação infantil, que a criança tem a oportunidade de imitar o
conhecido e construir o novo, aprendendo assim a assumir diferentes papéis, se colocar no
lugar do outro, bem como construir sua identidade e desenvolver habilidades variadas. Para
Kishimoto (2010) a brincadeira caracteriza-se como importante ferramenta de expressão da
criança, sob a qual ela aprende e se desenvolve ao ter a oportunidade de explorar o mundo dos
objetos, das pessoas, da natureza e da cultura. Assim define:

Para a criança, brincar é a atividade principal do dia-a-dia. É importante


porque dá a ela o poder de tomar decisões, expressar sentimentos e valores,
conhecer a si, aos outros e o mundo, de repetir ações prazerosas, de partilhar,
expressar sua individualidade e identidade por meio de diferentes
76

linguagens, de usar o corpo, os sentidos, os movimentos, de solucionar


problemas e criar (KISHIMOTO, 2010, p. 1).

Mediante às determinadas necessidades, cabe destacar o que propõe o artigo 29 da Lei


de Diretrizes e Bases (LDB) (BRASIL, 1996), o qual dispõe como papel da educação infantil
o desenvolvimento integral da criança de até cinco anos, em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Assim, tendo em vista tal definição, faz-se de grande importância considerar a
necessidade de que o currículo das instituições de educação infantil seja concebido como um
conjunto de práticas que visam o desenvolvimento integral de crianças de zero a cinco anos
por meio da articulação das experiências e de seus saberes com os conhecimentos que fazem
parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, como definem as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2009a). E,
para além disso, tragam como eixos norteadores as interações e brincadeiras, de modo que
sejam garantidas experiências diversas, bem como compreendam cuidar e educar como ações
indissociáveis.
Para tanto, destaca-se como essencial que as ações e as práticas docentes dos
profissionais em exercício na etapa referida possibilitem determinadas situações. Assim,
compreende-se como elemento importante em determinado processo a formação docente, o
qual será tratado na próxima seção.
As problematizações aqui expostas buscaram debater aspectos da configuração da
educação infantil, especificamente da creche. Compreender como esta etapa da educação tem
se definido, explicitando facetas do campo educacional, bem como discutindo as implicações
às quais encontra-se subordinada importa a este estudo à medida em que o entendimento das
finalidades e aspectos auxiliam a compreender as condições objetivas que se impõem aos
professores que atuam nesta etapa educacional.

2.4 As profissionais da creche e a formação docente na educação infantil

Como discutido anteriormente, a carreira docente na creche é marcada por


especificidades. Quanto ao que diz respeito à docência na educação infantil, Conceição e
Bertonceli (2017, p.64), determinam que essa “coloca-se como um tema desafiador, ao se
considerar os impactos de sua constituição histórica, bem como as atuais demandas políticas
da área”.
77

Vinculada a uma identidade feminina, em que se estabelecia associação com o


trabalho doméstico e com a maternagem, a profissão docente na creche se manteve
caracterizada como uma atividade que necessitava de pouca qualificação (CERISARA,
2002a).
Para Conceição e Bertonceli (2017, p.64) tal caracterização, que remonta ao processo
histórico de constituição da instituição, revela que o trabalho desenvolvido nas creches com a
tenra idade constitui-se como precarizado, prevalecendo a desvalorização do trabalho docente
exercido em determinado espaço educacional, o que acaba por dificultar também a construção
da identidade docente de tais profissionais.
Denominadas “pajem”, “atendente”, “auxiliar” e, até mesmo, “babá”, além de
tradicionalmente vinculadas à área de assistência social, as profissionais atuantes na creche,
até promulgação da Lei de Diretrizes e Bases, Lei 9.394 em 1996 (BRASIL, 1996), não
contavam com nenhuma exigência de qualificação profissional e tinham a função equiparada
às atividades menos valorizadas na sociedade (CAMPOS, 2008).
Em trabalho apresentado no Encontro Técnico sobre Política de Formação dos
Profissionais da Educação Infantil, MEC/COEDI5, em 1994, Campos (1994) afirma que eram
mulheres com baixa instrução e baixos salários que se dispunham a realizar as tarefas como
limpar, cuidar, alimentar e evitar riscos de quedas e machucados, controlando e contendo um
certo número de crianças nas creches.
Sobre a situação, Rosemberg (1994) aponta a ideia presente de que bastava ser boa
mãe ou boa tia para que as mulheres estivessem inseridas na educação infantil, com a qual não
havia preocupação. A forte prevalência de um dado dom feminino imperava sobre uma
formação mais sistematizada, especializada e profissional.
Como já explanado, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988
(BRASIL, 1988), as creches e pré-escolas passaram a ser alvo cada vez mais de diversas
discussões. Em meio às mudanças na expansão de atendimentos e redefinição da função
social das instituições de educação infantil, as consequências encaminhadas pela nova

5
Realizado em abril de 1994 em Belo Horizonte, promovido pelo Departamento de Políticas Educacionais da
Secretaria de Educação Fundamental, através da Coordenação Geral de Educação Infantil, o Encontro Técnico
sobre Política de Formação do Profissional de Educação Infantil reuniu especialistas de renome, profissionais
dos sistemas de ensino, de agências de formação e de outras organizações atuantes na área e representantes dos
Conselhos de Educação de âmbito federal e estadual. Com o objetivo de discutir a importância da formação
especializada dos professores da Educação Infantil, o encontro resultou no documento “Por uma política de
Formação do Profissional de Educação Infantil”, reunindo os textos das palestras proferidas.
78

deliberação exigiram novos olhares ao campo do que hoje se define como primeira etapa da
educação básica, bem como aos profissionais que ali trabalhavam.
Silva (2001) aponta que a constatação de que a imensa maioria dos profissionais que
atuavam nas instituições de educação infantil não possuíam habilitação em magistério e/ou ao
menos a escolaridade fundamental, resultou na produção de grandes debates em torno da
importância e da necessidade de formação e habilitação desses profissionais. De acordo com a
autora, já a partir de 1980 se instala o debate acerca do reconhecimento da educação infantil
como atividade educacional, tendo como objetivo o rompimento com as visões
assistencialistas, relacionadas principalmente à creche.
Com os novos olhares em relação à infância, a questão dos profissionais que atuavam
na primeira etapa da educação básica se constituiu como importante aspecto relacionado à
qualidade do ensino na educação infantil e sua articulação com a educação básica. Como
forma de incorporar as orientações da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) e nortear a
política de atendimento de crianças de zero a seis anos, passaram a ser publicadas pelo
Ministério da Educação (MEC) diretrizes sintetizadas em princípios que conceituavam a
educação infantil como primeira etapa da educação básica e que ressaltavam a importância da
formação de seus profissionais, bem como documentos e propostas curriculares. A situação
também demandou a implementação de políticas públicas relacionadas à formação.
Intitulado “Por uma Política de Formação do Profissional de Educação Infantil” o
documento publicado em abril de 1994 discutia “[...] a necessidade e a importância de um
profissional qualificado e um nível mínimo de escolaridade para atuar em creches e pré-
escolas como condição para a melhoria da qualidade da educação.” (BRASIL, 2004, p. 10).
Em seus princípios, reforçava a educação infantil como fundamental na formação dos
cidadãos, apontando assim a importância de formação especializada de seus professores,
definindo que:

A formação do professor é reconhecidamente um dos fatores mais


importantes para a promoção de padrões de qualidade adequados em
educação, qualquer que seja a modalidade. No caso da criança menor [...] a
capacitação específica do profissional é uma das variáveis que maior
impacto causam sobre a qualidade do atendimento (BRASIL, 1994b, p. 11).

Em dezembro do mesmo ano, a publicação de diretrizes sob o documento denominado


“Política Nacional de Educação Infantil”, definia como objetivos ligados à expansão de oferta
de tal etapa, o fortalecimento da concepção de que a educação e o cuidado eram aspectos
79

indissociáveis das ações dirigidas às crianças e a promoção de melhoria da qualidade do


atendimento em instituições que atendiam crianças de zero a seis anos.
Referente à formação especializada, frisava-se:

Esta concepção de Educação Infantil, que integra as funções de educar e


cuidar em instituições educativas complementares à família, exige que o
adulto que atua na área seja reconhecido como um profissional. Isto implica
que lhe devem ser assegurados condições de trabalho, plano de carreira,
salário e formação continuada condizentes com seu papel profissional
(BRASIL, 1994a, p.19).

É possível notar que em ambas as publicações se destaca a presença de contribuições


a respeito da importância da formação dos profissionais de educação infantil. Entretanto,
como apontam estudiosos do tema, tais propostas ainda que presentes, atuavam de forma
isolada e discreta, uma vez que a educação infantil ainda não fazia parte da educação básica.
Mediante ao avanço do neoliberalismo no Brasil e no mundo, a década de 1990 esteve
marcada por profundas transformações no campo educacional.
Tratando a educação como uma necessidade para o desenvolvimento dos países,
encontros internacionais que debatiam novas concepções acerca da educação, tais como o de
Jomtien, na Tailândia, impulsionaram a preocupação com a formação de professores os quais,
em conjunto com a educação, passaram a ser considerados agentes fundamentais para as
mudanças econômicas do século XXI (SOKOLOWSKI, 2013).
Tendo em vista as novas demandas do mundo do trabalho em conformidade com os
organismos financeiros educacionais, o governo brasileiro adaptou os sistemas de ensino às
políticas econômicas da nova ordem mundial, dando espaço às competências individuais para
o mercado em detrimento do conceito de formação humana. A educação passou a ser
defendida como aspecto central do desenvolvimento econômico e importante elemento na
superação dos problemas de desigualdade social (SOKOLOWSKI, 2013; BELLO;
RODRIGUES, 2012). Frente a tal condição, políticas que se referem à formação docente, tais
como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/ 1996 (BRASIL, 1996),
passaram a ser implementadas, definindo a elevação em nível superior da titulação dos
professores da educação básica como uma das metas a serem alcançadas para a melhoria da
educação.
Também reconhecendo a educação infantil como primeira etapa da educação básica, a
Lei de Diretrizes e Bases, Lei nº 9.394/ 1996 (BRASIL, 1996) tornou-se um marco importante
quanto às condições e necessidades de formação especializada dos professores de educação
80

infantil. Foi a partir da integração das creches e pré-escolas ao sistema de ensino que a
escolaridade mínima para o exercício profissional em determinados espaços tornou-se
obrigatória. Sobre isto, faz-se de grande importância destacar o artigo 89, o qual definiu que
“as creches e pré-escolas existentes ou que venham a ser criadas deverão, no prazo de três
anos, a contar da publicação desta Lei, integrar-se ao respectivo sistema de ensino (BRASIL,
1996).
A lei impulsionou a exigência de formação dos profissionais que se encontravam em
exercício com as crianças menores, da mesma forma que se seguia aos professores que
trabalhavam com as séries iniciais do ensino fundamental, definindo em seu artigo 62 que:

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível


superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e
institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do
ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal
(BRASIL, 1996, p. 22).

Embora tenha se reconhecido a importância da formação em nível superior dos


professores atuantes na educação básica, as condições e possibilidades pelas quais se
concretizaram os processos de formação docente trazem à luz importantes reflexões frente aos
modos como essa foi instituída.
Em seu Art. 87, § 4º, a Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996) determinou o que
denominou de “Década da Educação”, período entre 1997 e 2007, como o prazo em que as
políticas de formação profissional para educação básica deveriam prever a formação dos
professores em nível superior. Em relação aos profissionais que atuavam diretamente com
crianças em creches, pré-escolas e séries iniciais do ensino fundamental, determinou-se que
até o final da década definida todos deveriam possuir formação em nível superior, podendo
ser aceita formação em Nível Médio, na modalidade Normal.6
Tendo em vista tais definições, as exigências em relação à formação em nível superior
acabaram por promover alguns embates, “exigindo a expansão das oportunidades de vagas em
cursos de Pedagogia e criação de cursos que atendessem a demanda de docentes em
exercício” (BELLO; RODRIGUES, 2012, p.212).

6
No entanto, em decorrência da impossibilidade de os municípios se adequarem à qualificação exigida e pelo
fato de a exigência da formação em nível superior não ser implementada em território nacional no prazo decenal,
o parágrafo foi revogado pela Lei 12.796 em 2013 (BRASIL, 2013b).
81

Autores como Cerisara (2002b) e Campos (2008) destacam a criação de sistemas de


ensino que passaram a organizar programas de formação para docentes de suas redes por meio
de parcerias com universidades públicas, particulares e comunitárias como justificativa pelas
condições estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996).
Cerisara (2002b) salienta que apesar da participação e ampla discussão que ocorreu na
construção das políticas educacionais nos segmentos que defendiam a educação como um
bem público e não como uma mercadoria comercializável, prevaleceram as concepções
encaminhadas pelo governo, dando sustentação ao projeto que criou o curso Normal Superior
nos institutos superiores de educação. Nas palavras da autora, a constituição de documentos
relativos à formação das professoras de educação infantil e primeiras séries do ensino
fundamental esteve relacionada a dois projetos distintos presentes nos embates políticos, onde
de um lado encontrou-se o movimento organizado de educadores defendendo a formação
como parte da luta pela valorização e profissionalização do magistério, os quais entendiam as
universidades como local privilegiado para tal formação, enquanto do outro encontrou-se o
projeto defendido pelo Conselho Nacional de Educação, propondo formação técnico-
profissionalizante com amplas possibilidades de aligeiramento ao retirar a formação das
professoras de educação infantil das universidades, reduzindo o papel da professora a mera
executora de tarefas.
Sobre isso, a autora aponta que embora a definição de formação específica em nível
superior possa ser vista como um avanço na direção da profissionalização da área, a criação
dos institutos superiores diante de tal deliberação e novas demandas, demonstram relatividade
quanto ao efetivo avanço. Isto, pois, a lei aqui referida engendrou mecanismos que
possibilitaram o aligeiramento da formação por meio da criação de uma nova modalidade de
curso, o curso Normal Superior.
Vale ressaltar que o curso Normal Superior já era existente desde os primeiros tempos
da República, ofertado pela Escola Normal Superior nos Institutos Superiores de Educação,
formando por muito tempo profissionais para educação infantil no âmbito de pré-escolas e
jardins e séries iniciais do ensino fundamental. Recriado pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB)
(BRASIL, 1996), como aponta Kishimoto (1999), o curso Normal Superior gerou polêmicas
ao propor um curso em que o cuidar e o educar apareciam fragmentados, ofertava menor
tempo de formação e desqualificava o quadro de profissionais responsáveis pelo curso.
A saber, a organização do curso se dava da seguinte forma:
82

O normal superior apresenta um projeto pedagógico com 3200 horas,


utilizando adequadamente os dispositivos legais do aproveitamento de
estudos. Nesse sentido, ao egresso do curso de magistério, em nível médio,
atribui-se 800 horas, como aproveitamento de estudos correlatos. A prática
de ensino de 800 horas pode também ser efetuada no próprio local em que o
professor trabalha. Logo, são mais 800 horas que são atribuídas ao aluno.
Sobram 1600 horas, que podem ser cursadas em dois anos. O normal
superior restringe-se, em síntese, a um curso de 1600 horas (KISHIMOTO,
1999, p. 72).

Outro aspecto que inquietou os especialistas foi a separação entre a formação


profissional e a universitária, nas palavras de Kishimoto (1999, p. 74):

O curso normal superior fora do contexto universitário deixa de oferecer a


diversidade, essencial para a formação docente, não se beneficia do caldo
cultural propiciado pelas reflexões sobre as ciências da educação aliadas ao
tratamento dos conteúdos, em um espaço que se torna pedagógico,
transformando-se em campo fértil de flexibilidade, ações criativas e
estratégias de aprendizagem.

Além disso, os cursos reservavam mais espaço para o trabalho com questões relativas
ao ensino nas séries iniciais do ensino fundamental, do que sobre o desenvolvimento das
crianças de zero a seis anos, apresentando para esta etapa da educação básica, pouco espaço
na grade curricular.
Diante das condições de precarização da formação das professoras de educação
infantil tendo em vista os cursos Normais Superiores, Kishimoto (1999) reflete sobre a
permanência da antiga concepção de que, para atuar com crianças de zero a seis anos, não são
necessárias muitas especificações. Na visão da autora, tal ideia parecia ser a repercutida diante
as propostas do Conselho Nacional de Educação, que se distanciavam da necessidade de uma
formação profissional qualificada, desencadeando consequências de várias naturezas como
preconceitos, baixos salários, baixa identidade do profissional, poucas expectativas de
profissionalização, entre outras, levando à desvalorização e desprestígio.
É importante frisar que a formação nos cursos normais foi objeto inclusive de um
decreto presidencial, o Decreto n.º 3.276 (BRASIL, 1999) que, de acordo com seu artigo 3º,
parágrafo 2º, destacava que a formação de professoras de Educação Infantil e dos anos iniciais
do ensino fundamental deveria ser realizada “exclusivamente” em cursos normais superiores o
que, após amplas mobilizações realizadas pelo movimento em defesa da formação dos
professores, levou à edição do Decreto nº 3.554/2000 (BRASIL, 2000), onde se substituiu a
palavra “exclusivamente” por “preferencialmente”.
83

Em contrapartida, para além dos cursos Normais Superiores, apontados pelas autoras
como cursos aligeirados e que não traziam em suas formulações as concepções de bebês e
crianças pequenas, há ainda que se considerar que os cursos de Pedagogia também se
configuraram como opção aligeirada e esvaziada da formação docente, principalmente ao se
levar em conta que esses também ocorreram na modalidade a distância, tendo em vista a
necessidade de alcance de uma grande demanda de docentes a realizar formação em nível
superior.
Frente às exigências da nova Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), o curso de
Pedagogia tornou-se uma das principais opções de formação para o magistério. Tal fato pode
ser relacionado à reformulação do curso ocorrida a partir dos anos 1980, a qual se deu tendo
como objetivo a busca pelo estabelecimento da docência como base da identidade profissional
dos profissionais da educação, passando a situar como atribuição dos cursos de Pedagogia a
formação de professores para a educação infantil e para as séries iniciais do ensino de 1º grau
(ensino fundamental) (SAVIANI, 2009).
De acordo com Bello e Rodrigues (2012), a formação em âmbito superior preconizada
pela Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996) exigiu a expansão de oportunidades de vagas
em cursos de Pedagogia, de modo que fosse possível atender a demanda de docentes em
exercício, o que impulsionou a expansão da educação superior na modalidade a distância.
Conforme as autoras, foi na referida lei, que a Educação a Distância (EaD) encontrou respaldo
legal para a institucionalização, marcando a década de 1990 como período de início efetivo de
entrada dessa modalidade nas instituições de ensino superior no país. No que concerne à
questão, Barreto (2015, p.681) destaca sobre a preconização da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) (BRASIL, 1996):

Acompanhando a tendência mundial, ela determina que os professores de


todos os níveis educacionais sejam formados em curso superior. Não sem
motivo, a mesma lei passa a considerar a educação a distância (EaD) como
modalidade de educação formal em todos os níveis de ensino, o que favorece
a expansão da formação docente exigida.

Ao discutirem sobre a expansão acelerada da educação superior na modalidade a


distância, Bello e Rodrigues (2012) apontam que as vagas eram reservadas em sua maioria à
formação inicial de professores da educação básica em exercício, mas que no entanto, com o
passar do tempo, os cursos também foram sendo procurados por estudantes que almejavam a
docência. De acordo com as autoras, o modelo de educação a distância (EaD) constituiu-se
para o Estado e para alguns grupos de especialistas como uma maneira viável e eficiente de
84

alcançar a grande quantidade de professores em menor tempo possível em relação à formação


inicial, fato esse que contribuiu para o início de um “processo de implantação de programas e
cursos pré-secundários oferecidos à distância por universidades públicas e privadas”
(BELLO; RODRIGUES, 2012, p.210). Vale destacar que para além das universidades,
surgiram também pelo país experiências desenvolvidas em parceria com secretarias de
educação de estados e municípios.
Utilizando como referência dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio
Teixeira (INEP), Bello e Rodrigues (2012) destacam o crescimento substancial das matrículas
dos cursos de Pedagogia na modalidade à distância desde sua implementação. De acordo com
as autoras, no ano de 2010, 50% das matrículas dos cursos de Pedagogia estavam
concentradas na modalidade a distância. Além disso, o curso também se destacou como o
curso com maior percentual de matrículas dentre os cursos de graduação inscritos em tal
modalidade, sendo responsável por cerca de 34,2% da totalidade de alunos matriculados nesse
tipo de curso no Brasil.
Em um mesmo sentido, apresentando dados relevantes do Censo da Educação
Superior de 2001 e 2011, Barreto (2015) realiza comparação significativa indicando a
evolução dos números de matrículas na modalidade a distância nos cursos em nível superior,
bem como da oferta pela iniciativa privada. A autora infere que entre o período de 2001 a
2011 as matrículas na educação a distância saltaram de 0,6% para 31,6%, aumentando o
número de estudantes nos cursos de Pedagogia de 29,3% para 65,7%. Ainda de acordo com
Barreto (2015), os dados do Censo demonstram que no ano de 2011 a oferta de cursos de
Pedagogia prevaleceu pelas instituições privadas, as quais se responsabilizavam por 77,5%
das matrículas do curso, sendo a maior concentração das matrículas referentes à educação a
distância também realizadas por estas instituições, correspondendo a 87,8% do total.
Em um panorama atual, tendo por base os dados do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Anísio Teixeira (INEP) do ano de 2019, verifica-se que cerca de 43,9% das
matrículas no ensino superior correspondem à modalidade a distância, sendo destas 36,7%
referente às licenciaturas. Das licenciaturas, 48,3% das matrículas dizem respeito ao curso de
Pedagogia. No que tange às matrículas nos cursos de Pedagogia, essas, no ano em questão,
corresponderam a 71% na modalidade a distância, sendo a maior concentração de tais
matrículas na rede de atendimento privada, correspondendo a 97,6% do total.
Levando em consideração a comparação os dados trazidos por Bello e Rodrigues
(2012) e os dados atuais brevemente apresentados, nota-se a preocupante expansão da
educação a distância (EaD), principalmente ao se considerar o curso de Pedagogia, atualmente
85

responsável pela formação inicial de professores para o exercício docente na educação infantil
e anos iniciais do ensino fundamental.
Mediante a expansão dos cursos em nível superior, tendo em vista as exigências da Lei
de Diretrizes e Bases (LDB) (BRASIL, 1996), Barreto (2015) reflete sobre os problemas
decorrentes de qualidade e de características assumidas pelos cursos de Pedagogia frente a tal
condição. Conforme a autora, as características predominantes da expansão se deram pela
iniciativa privada e por meio da educação a distância, situações que são preocupantes por duas
razões. Primeiro, pelo fato de a multiplicação de campi e matrículas em várias regiões do país
por meio de um grande número de instituições privadas transformadas em empresas com
interesses de mercado não ter se dado com um cuidado especial em relação à atividade de
ensino e nem acompanhada do desenvolvimento efetivo da capacidade de produção de
conhecimentos novos por meio da pesquisa. E, em segundo lugar, porque a rápida expansão
dos cursos de educação a distância e a grande improvisação dos seus projetos pedagógicos,
bem como a elevada evasão que se registra nesta modalidade demonstram que tal formato
deixa muito a desejar.
Analisando trabalhos que traziam como tema a educação a distância, em esforço para
compreender os efeitos de tal formação sobre o desenvolvimento profissional e pessoal de
professores, Bello e Rodrigues (2012) enunciam que, de acordo com os resultados obtidos,
foi possível verificar a presença de diversos problemas apontados pelas pesquisas que
analisaram os cursos de Pedagogia na modalidade a distância.
Segundo as autoras, dentre as considerações e discussões trazidas pelos estudos, os
quais tratavam em sua maioria de cursos voltados para a formação inicial de professores que
já atuavam nas redes públicas de ensino, foi possível notar a percepção mais aguçada tanto
dos pesquisadores como dos cursistas quanto às críticas em relação aos cursos oferecidos, os
quais se referiam tanto às instituições privadas como às instituições públicas. Destacaram-se
nas pesquisas analisadas considerações sobre as dificuldades técnicas, a falta de equipamentos
adequados, desconhecimento do uso de equipamentos e falta de capacitação dos formadores
na utilização dos recursos, além da falta de familiaridade dos cursistas com o uso de
computadores. Além disso, de acordo com as autoras, observou-se que a concentração de
procura pela modalidade de ensino se deu na população com características em comum, tais
como: baixo poder aquisitivo, formação básica deficitária e pouco tempo disponível para o
estudo individual.
Tendo em vista as considerações aqui expostas, referentes à constituição da formação
docente após a prerrogativa de formação em nível superior determinada pela Lei de Diretrizes
86

e Bases (LDB) (BRASIL, 1996), é possível compreender que tal formação se deu de forma
aligeirada, relacionada a baixos orçamentos e por meio de cursos de curta duração, tendendo a
um nivelamento por baixo, tal como destacam Saviani (2009), Cerisara (2002b) e Campos
(2008), ao discorrerem sobre o Normal Superior, bem como apresentam a problemática Bello
e Rodrigues (2012) e Barreto (2015), ao considerarem os cursos superiores na modalidade à
distância e em instituições privadas com interesses empresariais.
Ao realizar análise sobre formação docente e o contexto brasileiro em que essa se
inscreve, Saviani (2009) chama atenção para o fato de que tais características persistiram e
ainda persistem, mesmo que instauradas as Diretrizes Curriculares Nacionais para Curso de
Pedagogia (DCNCP), instituídas pela Resolução CNE/CP nº 01, de 15 de maio de 2006
(BRASIL, 2006b).
Relacionadas à busca pela definição de identidade do pedagogo, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (DCNCP) (BRASIL, 2006b), homologadas
após um processo extenso de discussão que perdurou durante o ano de 2005, se constituíram
de modo a definir o curso de Pedagogia e a função do pedagogo. Tendo em vista a extinção
das habilitações, o curso destinou-se a formar profissionais para atuação nos variados âmbitos
educativos, sob o preenchimento de diversas funções, dentre elas o exercício da docência com
diferentes faixas etárias.
Por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia (DCNCP)
(BRASIL, 2006b) instituiu-se que os cursos formassem o profissional para o exercício da
docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, nos cursos de ensino
médio - na modalidade normal-, em cursos de educação profissional na área de serviços e
apoio escolar e em outras áreas nas quais fossem previstos conhecimentos pedagógicos. Para
além disso, preconizou-se que os egressos pudessem atuar também na área educacional como
pesquisadores, bem como gestores de processos educativos e da organização e no
funcionamento de sistemas e de instituições de ensino, englobando suas atividades:

I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de


tarefas próprias do setor da Educação;
II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de
projetos e experiências educativas não-escolares;
III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo
educacional, em contextos escolares e não-escolares (BRASIL, 2006b).

Levando em conta tais definições, evidencia-se o quanto foram ampliadas as funções


dos egressos de determinado curso, sendo o curso de Pedagogia definido como uma
87

licenciatura para a docência polivalente da educação infantil e dos anos iniciais do ensino
fundamental, diferentemente dos cursos de Pedagogia anteriores e do curso Normal Superior,
os quais previam habilitações específicas.
Frente às transformações pelas quais passou o curso de Pedagogia, e tendo em vista as
discussões acerca das críticas referentes à sua configuração, importa ainda considerar os
apostilamentos em diplomas de egressos dos cursos de graduação de Pedagogia anteriores à
instituição das Diretrizes, realizados a partir da Resolução CNE/CES nº 9, de 4 de outubro de
2007 (BRASIL, 2007b) - fundamentada pelo Parecer CNE/CES nº 171/2007 que propunha o
estabelecimento de normas para o apostilamento do direito ao exercício do magistério da
Educação Infantil em diplomas de cursos de graduação em Pedagogia.
A resolução aqui referida compreendia o direito ao apostilamento para os concluintes
do curso de Pedagogia - com as antigas habilitações, que desejavam exercer o magistério na
educação infantil. Tal apostilamento era realizado mediante a exigência de que os egressos
tivessem cursado com aproveitamento os componentes curriculares relacionados à:

I – Estrutura e Funcionamento da Educação Básica ou equivalente;


II – Metodologia da Educação Infantil ou equivalente; e
III – Prática de Ensino-Estágio Supervisionado na Educação Básica, com
carga horária mínima de trezentas horas, de acordo com o disposto no art.
65, da Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 2007).

Vale ressaltar, que o reconhecimento de determinados componentes curriculares se


dava pelas próprias instituições de ensino responsáveis pela expedição do diploma, as quais
deveriam analisar o conjunto de estudos, estágios e atividades profissionais dos alunos para
decidir sobre o cumprimento da exigência referida. Para os alunos egressos anteriormente à
edição da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) (BRASIL, 1996), não havia restrição de carga
horária referente à Prática de Ensino-Estágio Supervisionado.
Inicialmente, o apostilamento foi autorizado para os egressos ou concluintes do curso
de Pedagogia até o final do ano de 2007, decisão alterada pela a Resolução CNE/CES n° 9, de
4 de outubro de 2007 (BRASIL, 2007), que passou a considerar os apostilamentos para os
estudantes concluintes do curso de graduação em Pedagogia, Licenciatura até o final de 2010.
Essa forma de compreender a formação demonstra desconsideração à necessidade de
um olhar específico para o trabalho docente com crianças pequenas.
As problematizações frente à forma como se configurou e tem se configurado a
formação para exercício docente na educação básica e nela a formação para a atuação na
88

educação infantil levam à reflexão e deixam a ver como tais processos foram sendo
preconizados de forma fragilizada, aligeirada, bem como esvaziada.
Saviani (2009, p. 148) chama atenção para a precariedade das políticas formativas no
Brasil “cujas sucessivas mudanças não lograram estabelecer um padrão minimamente
consistente de preparação docente para fazer face aos problemas enfrentados pela educação
escolar em nosso país”.
Para Barreto (2015), mesmo passando por reformas educacionais, basicamente
mantém-se inalterada a formação genérica nos cursos de Pedagogia, a qual pretende preparar
professores de educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, especialistas em
educação, diretores e supervisores.
Em uma análise interpretativa acerca dos cursos de Pedagogia, Pimenta et. al. (2017),
afirmam a indefinição do campo pedagógico e a dispersão do objeto da Pedagogia e da
atuação profissional docente tendo em vista o grande leque de atribuições definidas pelas
Diretrizes Currriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (DCNCP) (BRASIL, 2006b).
Em crítica aos modelos de cursos investigados, os autores salientam que tais formações se
mostram frágeis, superficiais, fragmentadas, sem foco, além de generalizantes e que por isso
acabam por não formar o pedagogo e, tampouco, um professor polivalente para a educação
infantil e anos iniciais do ensino fundamental.
Dando importância que este estudo traz como foco a docência na primeira etapa da
educação básica, faz-se necessário considerar a forma como tem sido realizada a formação
para o exercício docente com crianças menores de três anos, tendo em vista as diversas
atribuições do pedagogo oferecidas pela formação em cursos de Pedagogia. Neste sentido,
cabe indagar como a compreensão sobre a formação para atuar na primeira etapa da educação
básica se dá nas universidades, centros universitários e faculdades.
Em pesquisa sobre a presença da educação infantil nos currículos de formação de
professores, Kiehn (2007), ao analisar as matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia em
universidades públicas federais do Brasil que ofereciam habilitação em educação infantil no
ano de 2005 - período anterior à aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso
de Pedagogia (DCNCP) (BRASIL, 2006b), revela a existência de uma justaposição ou
adequação às metodologias específicas de ensino desenvolvidas para os anos iniciais do
ensino fundamental. Segundo a autora, tal configuração aponta duas questões a serem levadas
à reflexão, a primeira relacionada à falta de especificidade da formação do professor de
crianças menores de cinco anos, mediante ao pouco tempo dedicado a tais conhecimentos na
composição dos currículos, tendo em vista a escolha da habilitação apenas no último ano de
89

curso. A segunda é referente à transposição das práticas de cunho escolarizantes para a


educação infantil, ficando invisibilizadas as práticas educativo-pedagógicas com crianças de
zero a três anos.
Com base na análise dos currículos, Kiehn (2007) destaca a pouca existência e até
mesmo a falta de conhecimentos sobre a educação de crianças pequenas e da infância nos
cursos de Pedagogia por ela investigados, conhecimentos esses que, segundo a autora,
poderiam contribuir efetivamente na formação docente, tendo em vista os desafios colocados
para os professores de educação infantil.
Referente ao período posterior a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Curso de Pedagogia (DCNCP) (BRASIL, 2006b), em pesquisa que envolveu a análise
de documentos curriculares dos cursos de Pedagogia nos anos de 2010 e 2011, Albuquerque,
Rocha e Buss-Simão (2018) verificaram a presença de um novo reordenamento das matrizes
curriculares dos cursos, evidenciando a presença das crianças e da infância nos currículos
analisados, tendendo ao reconhecimento da especificidade da docência na educação infantil.
Segundo as autoras, os resultados das análises apontam para indicação de um movimento de
ruptura em relação às conjunturas anteriores, visto a percepção de as crianças e a infância
começarem a ocupar um lugar de importância nos currículos dos cursos de Pedagogia, ao
serem identificadas como objeto de preocupação de diversas áreas de conhecimento,
consolidando a inserção de teorizações sobre a infância na formação docente.
No entanto, embora observem tais modificações, Albuquerque, Rocha e Buss-Simão
(2018) verificaram também a permanência de abordagem teórico-metodológica conteudista
referente a aspectos relacionados à pré-escola, permanecendo na invisibilidade a creche e os
bebês, o que em suas palavras:

Significa dizer que, apesar do esforço em buscar subsídios para uma


formação que contemple a educação da infância em sua especificidade, ainda
prevalece a centralidade do processo de escolarização e da ideia de criança-
aluno, na formação docente (ALBUQUERQUE; ROCHA; BUSS-SIMÃO,
2018, p.22).

Partindo das análises das duas pesquisas, levando em conta os dois períodos perante a
definição das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (DCNCP)
(BRASIL, 2006b), faz-se notável a presença de algumas transformações quanto ao que se
refere à consideração da infância e das crianças nos currículos dos cursos de Pedagogia.
Entretanto, apesar do referido aumento de determinadas concepções frente ao reordenamento
das matrizes curriculares após as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia
90

(DCNCP) (BRASIL, 2006b), chama atenção o fato de que assuntos e conhecimentos que
envolvem crianças menores, bebês e as especificidades da creche ainda são pouco
considerados, permanecendo uma abordagem que tem como princípio as práticas
escolarizantes.
As considerações até aqui apresentadas trazem à luz algumas reflexões referentes aos
processos de formação aos quais estiveram submetidos os professores de educação infantil,
bem como a forma em que se concretizaram as políticas públicas para tanto. Mediante a tais
reflexões, é possível notar que a educação infantil é desvalorizada no campo educacional,
aspecto que também transparece nos processos de formação docente, ao não ter suas
especificidades reconhecidas nas políticas de formação, logo, nos movimentos formativos que
seguem determinadas regulações.
No que concerne à questão, Kramer (2002) afirma que o trabalho do profissional de
educação infantil é compreendido como uma função de menor valor, a qual necessita de
pouca qualificação. A autora argumenta que determinada ideia encontra-se diretamente
relacionada à condição do magistério na educação infantil, principalmente ao que diz respeito
ao exercício docente com crianças menores de três anos, o qual é associado ao papel
entendido socialmente como desempenhado por mulheres, como o trabalho doméstico, o
cuidado e a socialização infantil.
Campos, Füllgraf e Wiggers (2006), destacam a importância da formação prévia e em
serviço dos professores ou educadores que trabalham diretamente com crianças, sendo esta
inclusive um dos principais critérios de qualidade utilizados internacionalmente para avaliar a
qualidade das escolas de educação infantil. Em sentido complementar, Kammer (2002)
também afirma a importância da formação docente dos professores da primeira etapa da
educação básica, uma vez que, essa encontra-se relacionada para além do aprimoramento da
ação profissional e melhora da prática docente, ao direito de todos os professores, bem como à
conquista da população de uma escola pública de qualidade.
Dada importância a tal processo, a formação docente necessita oferecer uma base de
saberes que compreendam as especificidades infantis, requerendo a preocupação em integrar
o cuidado e a educação nas propostas educativas da rotina diária das crianças, focando a
aprendizagem e o desenvolvimento global da criança pequena.
Reconhecer a importância da educação infantil como primeira etapa da educação
básica é fundamental, no entanto, também é importante que se leve à reflexão os riscos de
transposição de práticas em uma perspectiva preparatória para o ensino fundamental, uma vez
que dada situação ocorre em condições de formação docente, que por muito tempo se deu de
91

forma precária, sendo esquecidas as especificidades da educação infantil e principalmente da


creche.
A interpretação equivocada e por vezes ainda presente de duas dimensões existentes
na primeira etapa da educação básica, como destacado na seção anterior, bem como o
processo de constituição de uma política para a formação docente para atuar na educação
infantil que não considera suas especificidades, contribuem para a permanência de uma visão
polarizada entre cuidar e educar. Neste sentido, há que se considerar, como destaca Cerisara
(2002b, p.334), que:

Falar em professora de educação infantil é diferente de falar em professora


de séries iniciais e isso precisa ser explicitado para que as especificidades do
trabalho das professoras com as crianças de 0 a 6 anos em instituições
coletivas públicas de educação e cuidado sejam respeitadas e garantidas.

Assim, frente às problematizações que permeiam a formação de professores e


encontram-se relacionadas ao trabalho docente na primeira etapa de educação básica, há que
se considerar, assim como demonstra Kishimoto (1999, p.61) que:

É preciso eliminar preconceitos arraigados da tradição brasileira, como o de


que o profissional que atua com crianças de 0 a 6 anos não requer preparo
acurado equivalente ao de seus pares de outros níveis escolares, o que
demonstra o desconhecimento da natureza humana e de sua complexidade,
especialmente do potencial de desenvolvimento da faixa etária de zero a seis
anos.

Neste estudo compreende-se que a prática docente dos professores em exercício na


educação infantil está associada às posições que os docentes ocupam no espaço social e
também às estruturas sociais que constituem suas trajetórias pessoal e profissional, estando
assim a dimensão pedagógica do trabalho desses profissionais relacionada a outras esferas da
vida social para além do processo formativo formal. No entanto, ao se ter em conta o trabalho
docente na educação infantil é inevitável que se considere os processos formais de formação
docente de tais profissionais, uma vez que, assim como objetivou-se discutir nesta seção, tais
processos encontram-se também relacionados à constituição da profissão nesta etapa da
educação básica e à desvalorização profissional resultante de sua trajetória histórica, logo, ao
lugar social ocupado por estes professores.
92

3 . CAMINHOS DA PESQUISA

O campo em que se inscreve este estudo diz respeito à educação infantil,


especificamente quanto ao que se refere ao atendimento à criança de zero a três anos no
município de Guarulhos.
Neste capítulo apresentam-se os caminhos da pesquisa, evidenciando-se o
procedimento metodológico adotado, os instrumentos utilizados para a coleta de dados, bem
como a descrição da trajetória dos sujeitos investigados e das respectivas creches em que
atuam. Contextualiza-se ainda a rede municipal de educação de Guarulhos, com vistas à
educação infantil, bem como ao trabalho docente na creche no município.

3.1 Educação infantil na rede municipal de Guarulhos

Com a população estimada em 1.392.1217 habitantes, Guarulhos encontra-se


localizado na região metropolitana de São Paulo, ocupando a posição de segundo maior
município paulista. Sobre a rede municipal de educação, essa atende as etapas de educação
infantil, ensino fundamental, educação especial e educação de jovens e adultos.
Tendo em vista a primeira etapa da educação básica, vale destacar que o presente
estudo tem como foco o trabalho docente com crianças de zero a três anos.
Em Guarulhos, as crianças dessa faixa etária são atendidas pelas Escolas Pública de
Guarulhos (EPG)8, sendo os profissionais em exercício nestas condições denominados de
Professores de Educação Infantil (PEI). Importa considerar que o mesmo atendimento
também é prestado por instituições parceiras, creches conveniadas à prefeitura. Contudo, o
foco desta pesquisa diz respeito à primeira situação aqui citada.
De acordo com as informações da Secretaria de Educação (SE) 9, creches e pré-escolas
separam-se entre Ciclo I e Ciclo II da educação infantil, dividindo-se o atendimento à criança
de zero a cinco anos da seguinte maneira: para a criança de zero a três anos são destinados:
Berçário I, Berçário II e Maternal, enquanto para a criança de quatro a cinco anos os Estágio I

7
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
8
A rede municipal em que se desenvolve este estudo não se utiliza da nomenclatura “creche” para a definição
dos espaços físicos de atendimento às crianças de zero a três anos, uma vez que este é realizado muitas vezes nos
mesmos locais de atendimento a outras etapas de ensino.
9
Informações obtidas no website: http://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/ite/escola/index.php?p=16
93

e Estágio II, sendo os professores que atuam nas primeiras condições ocupantes da função de
Professor de Educação Infantil (PEI), enquanto das duas últimas os Professores de Educação
Básica (PEB).
Em consonância com as decisões nacionais, Guarulhos inicialmente configurou o
atendimento à criança de zero a três anos relacionado à assistência social. Até o ano de 2001 a
responsabilidade da creche esteve sob a Secretaria de Assistência Social (SAS), contando o
município com apenas seis instituições, das quais três foram construídas pela prefeitura, uma
cedida pelo Lions Clube10, outra construída pelo Governo Federal e uma vinda da Secretaria
da Promoção Social do Estado de São Paulo (CARDOSO, 2006). O número crescente de
creches da rede própria se deu apenas a partir de 2001. De acordo com Oliveira (2012), tal
fato relaciona-se ao deslocamento do atendimento às crianças pequenas para a Secretaria de
Educação (SE), bem como à substituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização dos Profissionais de Educação (FUNDEF) pelo Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de
Educação (FUNDEB).
Dentre as 197 escolas que nos dias de hoje atendem à educação infantil, 43 delas são
responsáveis pelo atendimento à criança de quatro a cinco anos, 64 atendem crianças de zero
a três anos e 90 são instituições parceiras, conveniadas que também atendem crianças de zero
a três anos.
A considerar tais informações, chama atenção a quantidade de instituições
conveniadas que atendem bebês e crianças pequenas, sendo essa, maior do que a referente ao
atendimento ofertado pela rede própria.
No que diz respeito à quantidade de matrículas na primeira etapa da educação básica
no município, de acordo com as informações da Secretaria de Educação (SE), atualmente, no
ano de 2021, 57.85011 crianças encontram-se matriculadas na educação infantil nas Escolas
Públicas de Guarulhos (EPG), sendo 26.325 em idade de zero a três anos e 31.525 em idade
de quatro a cinco anos. Abaixo, o quadro apresenta a quantidade de matrículas atuais. Vale
destacar que dentre as informações apresentadas não se contabiliza a quantidade de crianças

10
Organização internacional não-governamental.
11
Informações obtidas no website da Secretaria de Educação (SE) de Guarulhos. Disponível em:
http://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/ite/escola/index.php?p=16.
94

em atendimento nas instituições conveniadas, uma vez que tais dados não são divulgados no
website da Secretaria de Educação (SE).

Quadro 2 – Quantidade de matrículas na Educação Infantil da rede pública de Guarulhos em


2021

Berçário I 5099
Ciclo I Berçário II 8804
Maternal 12422
Estágio I 14873
Ciclo II Estágio II 16652
Fonte: Secretaria de Educação (SE) de Guarulhos12

Tendo em vista a breve exposição do modo como se configura a primeira etapa da


educação básica no município em que este estudo se realiza, cabe apresentar a forma como o
trabalho docente dos Professores de Educação Infantil (PEI) em exercício nas creches se
estabelece, além do modo com tal profissão foi sendo consituida em consonância com a
história do atendimento à criança pequena em Guarulhos. No subitem a seguir são destacados
alguns dados históricos, bem como discutidos aspectos que compõem a organização de
determinado ofício na rede municipal em questão.

3.1.1 O trabalho docente em creche na rede pública de Guarulhos

O reconhecimento da profissão docente dos professores de educação infantil (PEI) em


Guarulhos foi marcado por lutas por melhores condições de trabalho e de carreira, tendo em
sua linha de frente principalmente as mulheres. Anteriormente à instituição da função de
Professor de Educação Infantil (PEI) e às condições de trabalho definidas atualmente no
município, o trabalho na creche configurava-se de forma diferente.
De acordo com os estudos de Oliveira (2012), a função exercida pelos profissionais na
instituição até o ano de 2001 era a de recreacionistas e monitores, que entre outras atribuições,
exerciam a docência com crianças de zero a três anos. A condição de escolaridade para a
realização do concurso e ingresso era o ensino fundamental completo.

12
Informações obtidas no website da Secretaria de Educação (SE) de Guarulhos. Disponível em:
http://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/ite/escola/index.php?p=16.
95

Em 2002, mediante o primeiro concurso para a função de Agente de Desenvolvimento


Infantil (ADI), a função dos profissionais já em exercício na rede foi alterada, passando a ser
o ensino médio o requisito para o ingresso na profissão.
A partir de 2007, os concursos “passaram a ter como exigência mínima de formação o
ensino médio na modalidade Normal ou o curso superior de Pedagogia”. (OLIVEIRA, 2012
p.62). Já entre os anos de 2008 e 2012 a Secretaria de Educação (SE), com o objetivo de
formar em nível superior os profissionais atuantes nas creches, ofertou a todos os
profissionais o curso de Licenciatura plena em Pedagogia por meio de um convênio realizado
com uma instituição de ensino superior privada. Vale destacar que anteriormente, no ano de
2002, por meio de uma parceria com a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (Unesp) foi ofertado aos Professores de Educação Básica (PEB) o curso de Licenciatura
plena em Pedagogia. Denominado “Pedagogia Cidadã”, o programa de formação na época
teve suas vagas remanescentes ocupadas por recreacionistas, sem caráter obrigatório.
Traçando o histórico da creche em Guarulhos e de suas profissionais, Oliveira (2012)
ressalta a marcante trajetória profissional das mulheres para constituição profissional do
exercício docente na creche e para a obtenção de melhores condições de trabalho. A autora
destaca como conquista da classe em 2008, após intenso movimento de greve, a alteração da
carga horária de quarenta horas semanais para trinta e três horas, sendo destas: trinta horas em
trabalho com crianças, enquanto três horas semanais eram reservadas ao trabalho de Hora-
Atividade (HA).
Sobre a função de Professor de Educação Infantil (PEI) esta foi instituída apenas em
2011 em substituição à função de Agente de Desenvolvimento Infantil (ADI), mediante a
formação de um grupo de trabalho que teve por objetivo discutir as reivindicações da
categoria e negociar com a Secretaria de Educação (SE). A alteração ocorreu para os
professores que possuíam formação em ensino médio na modalidade Normal ou formação em
nível superior com Licenciatura em Pedagogia. A partir da alteração da função, a jornada de
trabalho também sofreu mudanças passando a ser de trinta horas semanais com direito a cinco
hora-atividade remuneradas por semana, sendo três delas na escola e duas em local de livre
escolha (OLIVEIRA, 2012).
96

Atualmente o ingresso na função de Professor de Educação Infantil (PEI) é realizado


por meio de concurso público, tendo como exigência mínima de formação 13 nível superior em
curso de licenciatura, de graduação plena, em Pedagogia ou Nível Médio, na modalidade
Normal. A carga horária de trabalho desses profissionais ainda se configura em trinta horas
semanais, sendo cinco destas reservadas aos horários de formação.
O quadro de Professores de Educação Infantil (PEI) é formado por 1.388 profissionais,
dentre eles 17 permanecem como Agente de Desenvolvimento Infantil tendo em vista a não
realização de formação em nível superior ou em Nível Médio na modalidade Normal14.
No que concerne à organização das escolas em relação à razão aluno e professores, a
educação infantil no município de organiza conforme as definições das Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Básica (BRASIL, 2013a). De acordo com o documento, se recomenda
a proporção de seis a oito crianças por professor no caso de crianças de zero e um ano; de
quinze crianças por docente no caso de criança de dois e três anos, e, de vinte crianças por
adulto nos agrupamentos de crianças de quatro e cinco anos. Assim, a rede municipal em
questão se organiza da seguinte maneira quanto ao número de professores e crianças
matrículadas:

Quadro 3 – Relação número de professores e número de matrículas na Educação Infantil no


município de Guarulhos

Professores Matrículas
Berçário I 3 25
Berçário II 3 25
Maternal 2 30
Estágio I 1 30
Estágio II 1 30
Fonte: Secretaria de Educação (SE) de Guarulhos15

Vale destacar que determinadas quantidades de crianças por adulto nem sempre se
concretizam, uma vez que, por meio de ordem judicial novas matrículas são realizadas. No
caso do aumento do número de crianças, são incluídos nos agrupamentos mais um Professor

13
Informações retiradas do Edital de abertura n° 10/2019-SGE01 do concurso público para Professor de
Educação Infantil. Disponível em:
https://documento.vunesp.com.br/documento/stream/MTQ3MTg3NQ%3d%3d
14
Informação cedida pela Secretaria de Educação (SE).
15
Art. 16 da portaria nº 17/2020-SE.
97

de Educação Infantil (PEI), profissional este que se encontra na situação de professor


volante16.
Neste subitem foram apresentados de forma breve alguns aspectos relacionados à
carreira docente dos Professores de Educação Infantil (PEI) em exercício docente no
município de Guarulhos, contexto de realização da pesquisa, no subitem a seguir são descritos
os procedimentos metodológicos adotados neste estudo.

3.2 Procedimentos metodológicos

Neste subitem são apresentados os procedimentos metodológicos e os caminhos


seguidos pela pesquisa, tendo em vista a exposição dos instrumentos de coleta de dados
utilizados, a definição dos sujeitos investigados, a descrição sobre o processo de aproximação
de tais sujeitos, bem como a apresentação de suas trajetórias e a das creches em que atuam.
Duarte (2002) chama atenção para a importância da definição de um objeto de
pesquisa, uma vez que, este permitirá a escolha pela alternativa metodológica mais adequada
ao que se pretende.
Cabe relatar que a delimitação do objeto de pesquisa que aqui se apresenta se deu de
forma processual e por meio do uso de referenciais teóricos com o objetivo de discutir
questões relacionadas à prática pedagógica no trabalho docente na primeira etapa da educação
básica, levando em conta processos formativos não formais. Tal percurso possibilitou a
compreensão do que se pretendeu verificar, permitindo a escolha da melhor alternativa
metodológica, bem como os instrumentos de coleta de dados mais adequados a se utilizar.
Atendendo ao objetivo desta pesquisa, o qual se define por investigar as disposições
para ação que transparecem na prática pedagógica de professoras de educação infantil, este
estudo segue abordagem qualitativa, que, como definem Bogdan e Biklen (1999), se desdobra
em analisar e descrever experiências complexas. Segundo os autores, a pesquisa qualitativa
pretende captar o ponto de vista dos sujeitos. Nela, o pesquisador procura analisar os dados
em detalhes, respeitando, no possível, a forma de registro ou transcrição e as opiniões obtidas.

16
Os professores volantes são os docentes que não possuem local fixo de trabalho. Estes, completam o quadro
docente nos agrupamentos com maior número de crianças a depender da necessidade ou assumem vagas abertas
pelo afastamento de outros professores que possuem local fixo de exercício. Os docentes nesta situação ficam à
disposição da Secretaria de Educação (SE) a depender de suas necessidades, podendo ser deslocados a qualquer
momento para qualquer local que compreenda as atividades de sua função, no caso a de Professor de Educação
Infantil (PEI).
98

Mediante a abordagem definida, optou-se pela coleta de dados por meio de entrevistas
semiestruturadas e questionário complementar. A entrevista semiestruturada apresenta
estrutura flexível, sendo caracterizada por um conjunto de questões previamente definidas, as
quais podem sofrer alterações durante a sua realização. Laville e Dionne (1999, p.188),
definem que a entrevista semiestruturada se configura como “[...] uma série de perguntas
abertas, feitas verbalmente em uma ordem prevista”, elaboradas de acordo com os objetivos e
hipóteses da pesquisa, apoiadas em um quadro teórico.
De acordo com Zago (2003, p.287), “os instrumentos adotados na coleta de dados
somente ganham sentido quando articulados à problemática de estudo”. Tendo em vista a
necessidade de compreensão de aspectos presentes nas trajetórias pessoal e profissional das
professoras investigadas, a escolha pelos instrumentos se deu tendo como objetivo o
aprofundamento em questões referentes às experiências sociais vivenciadas em tais trajetórias,
de modo a possibilitar a compreensão acerca dos contextos em que se inscreveram tais
experiências, bem como captar os pontos de vista e as concepções das professoras acerca do
trabalho na creche.
Tendo em vista as configurações da entrevista semiestruturada e as vantagens de seu
uso como instrumento de coleta de dados nesta pesquisa, o processo de construção do roteiro
de questões pré-definidas se deu juntamente à construção do objeto de estudo e em
consonância com a constituição do referencial teórico utilizado para a análise. Durante esse
percurso, algumas questões foram incluídas, enquanto outras foram alteradas. Para melhor
organização dos assuntos, de forma que estes pudessem ser tratados em maior totalidade, as
perguntas foram divididas em blocos. Além disso, visando melhor coleta de informações,
algumas modificações, tais como alteração de ordem de algumas perguntas, bem como a
forma de indagação, foram realizadas no roteiro após cada entrevista realizada.
Prevendo-se a necessidade de informações mais objetivas e precisas, tais como de
cunho socioeconômico, bem como sobre escolaridade e formação das professoras
investigadas e seus familiares, utilizou-se como instrumento complementar à entrevista um
pequeno questionário.
Vale ressaltar que 2020 foi um ano tomado por condições adversas, mediante a
pandemia instaurada pelo novo coronavírus (COVID-19). Frente a esta conjuntura, de forma a
seguir os protocolos de distanciamento social, as entrevistas foram realizadas por meio de
encontro virtual, de forma não presencial, sendo utilizado o aplicativo de videoconferência
Zoom Cloud Meetings. A escolha pelo aplicativo entre outras opções se deu pela maior
facilidade de uso, principalmente para as professoras investigadas, não sendo necessário
99

cadastro em alguma plataforma, apenas o download e instalação do aplicativo nos dispositivos


móveis ou computadores das participantes.
O aplicativo permitiu a gravação da entrevista, sendo possível a coleta até mesmo da
imagem das professoras enquanto respondiam as questões. Assim como afirma Zago (2003,
p.299), é importante considerar que:

A gravação do material é de fundamental importância, pois, com base nela, o


pesquisador está mais livre para conduzir as questões, favorecer relação de
interlocução e avançar na problematização. Esse registro tem uma função
também importante na organização e análise dos resultados pelo acesso a um
material mais completo do que as anotações podem oferecer e ainda permitir
novamente escutar as entrevistas, reexaminando seu conteúdo.

O questionário, também pensado frente às condições de distanciamento social, foi


constituído via Google Forms e respondido pelas professoras por meio da disponibilização de
link. O roteiro de entrevista, bem como o modelo de questionário utilizados são
disponibilizados no apêndice17 desta dissertação.
É importante frisar que a participação neste estudo se deu mediante convite e aceitação
por parte das professoras. Foi entregue às docentes um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, o qual as informa sobre a pesquisa - objetivos e metodologia -, e as assegura, de
modo a informá-las sobre a participação voluntária; a possibilidade de desistência e sobre
sigilo das informações coletadas. Ressalta-se ainda que o projeto de pesquisa foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp, tendo sido autorizada pela Secretaria de
Educação (SE) de Guarulhos a realização do estudo em duas creches da rede pública.
As entrevistas foram realizadas com quatro professoras de educação infantil em
exercício docente em duas creches distintas da rede municipal de Guarulhos. A decisão sobre
o número de professoras a serem investigadas se deu devido ao necessário aprofundamento
em termos dos questionamentos sobre a trajetória social de cada uma, o que demandaria uma
entrevista longa.
Sobre a quantidade de entrevistas, Zago (2003, p.297) afirma que na pesquisa em
profundidade, não é essencial que a quantidade de entrevistas seja numerosa. Entretanto, vale
destacar que mediante a esta situação, compreende-se necessária cautela para que não seja
realizada generalização com base em uma amostra mal formada. Neste sentido, destaca-se a

17
Roteiro de entrevista localizado no apêndice A; Questionário localizado no apêndice B.
100

importância em ponderar critérios de seleção dos sujeitos, entendendo que esta amostra não
será representativa em uma pesquisa qualitativa.
De acordo com Duarte (2002), a definição de critérios para que sejam selecionados os
sujeitos que compõem o universo de investigação se inscreve como uma ação de grande
importância nos estudos qualitativos. Tal definição está diretamente relacionada à qualidade
das informações que permitirão construir a análise e chegar à compreensão mais ampla do
problema delineado.
Conforme dados apresentados anteriormente, vale ressaltar que o quadro de
profissionais em exercício na creche na rede pública de Guarulhos é composto por professores
com diferentes tempos e formas de ingresso na profissão e na rede municipal em questão,
condição esta que também se configurou como um ponto de análise.
Frente às diferentes condições de entrada na rede municipal, que caracteriza o quadro
de professores de educação infantil de Guarulhos, principalmente em relação a formação
inicial, definiu-se como critério para escolha das professoras participantes o ingresso na
primeira etapa da educação básica na rede de ensino, buscando-se assim por dois grupos
diferentes, sendo estes:

● Professoras com maior tempo de ingresso na rede municipal, com entrada


anterior à instituição da função de Professor de Educação Infantil (PEI) no município e
sem formação no curso superior de Pedagogia;

● Professoras com menor tempo de entrada na rede municipal, na função de


Professor de Educação Infantil (PEI) e ingresso com curso superior de Pedagogia.

A escolha por dois grupos com condições de ingresso distintas se deu com o intuito de
compreender e confrontar as informações sobre as condições objetivas que levaram ambos os
grupos à entrada no campo educacional, tendo em vista possíveis regularidades e/ou
diferenças entre as condições referidas à origem social e trajetória profissional, além de
possíveis posições hierárquicas entre professores mais antigos e professores com igresso mais
recente na profissão que marcam as realações sociais no campo educacional.
Tendo como premissa o primeiro critério, adotou-se como segunda condição que a
investigação fosse realizada com profissionais em exercício em duas creches diferentes, sendo
elas uma central e a outra periférica. A escolha por duas creches distintas se deu com o
objetivo de verificar a existência de diferentes organizações e condições objetivas que
101

permeiam cada um destes espaços, compreendendo assim as creches como subcampos do


campo educacional, levando-se em conta a particularidade de cada uma dentro de uma mesma
rede municipal.
Outro critério adotado foi a permanência das professoras por mais de um ano na
creche em que estavam em exercício. Levou-se em conta tal recorte de tempo tendo em vista
as diferentes condições de trabalho vivenciadas no ano de 2020 mediante a crise sanitária e a
instituição de trabalho remoto. Compreendeu-se como necessário considerar as experiências
anteriores ao distanciamento social e às novas configurações do ambiente em que
trabalhavam.
Com base nestes pressupostos, foi formada em cada creche uma dupla composta por
uma professora com maior tempo de exercício no trabalho com crianças de zero a três anos e
uma professora com ingresso mais recente na rede municipal de ensino.

3.3 Aproximação dos sujeitos de pesquisa

Levando-se em conta a condição das creches estarem fechadas e com a realização de


trabalho remoto frente às medidas de segurança de isolamento social adotadas em face à
situação de pandemia, a aproximação com os sujeitos de pesquisa foi realizada sem o
intermédio de contato com as creches.
A busca pelas professoras se deu a partir do levantamento de dados sobre a
classificação de pontuação conforme plano de carreira. No município de Guarulhos as
professoras com maior tempo em exercício profissional ocupam as primeiras posições de
classificação.
A lista de classificação é disponibilizada às creches para que seja realizado o
acompanhamento das pontuações. Dessa forma, o acesso à lista do ano de 2019 foi possível,
visto que a pesquisadora também se inscreve no quadro de Professores de Educação Infantil
(PEI) da rede municipal em questão. A partir da lista de pontuação foi possível encontrar as
professoras que ocupavam as primeiras posições da classificação. A ideia era que fosse
realizado primeiro o contato com as professoras com maior tempo de exercício na rede de
ensino e após o aceite fosse realizado o contato com as professoras com menor tempo de
exercício profissional no município, tendo como critério que estas fizessem parte de um
mesmo grupo escolar.
Por meio dos nomes, a procura pelas docentes seguiu via redes sociais, uma vez que já
se instaurava a crise sanitária e as creches permaneciam fechadas.
102

Na tentativa de uma aproximação não invasiva, foram enviadas solicitações de


amizade via Facebook para seis professoras selecionadas pela lista de classificação, entre as
seis professoras estavam professoras com maior tempo de inserção na rede e professoras com
menos tempo. Após o aceite da solicitação, uma mensagem, em forma de convite, foi enviada
de modo a explicar sobre a pesquisa e verificar o desejo de participação. Duas das professoras
retornaram a mensagem, o que possibilitou o início de um diálogo.
Frente às condições necessárias de realização via encontro virtual, as duas professoras
interessadas alegaram não se sentirem confortáveis para a conversa, principalmente por
questões tecnológicas, desistindo do convite.
Tendo em vista a dificuldade em contatar as professoras por meios que não fossem
formas virtuais, partiu-se para outra estratégia.
Até determinado momento optava-se pela escolha de professoras que não tivessem
vínculo com a pesquisadora, tendo em vista algumas dificuldades que se encontram quando
há estabelecida relação entre pesquisador e sujeito de pesquisa. Entretanto, frente às
condições escassas e as dificuldades encontradas conforme as condições de isolamento social,
uma saída encontrada foi a procura de profissionais conhecidas por colegas ou professoras de
grupos escolares que a pesquisadora já havia integrado, mas que ainda assim não tivesse
trabalhado diretamente com as colegas.
Após novas tentativas de contato e convite sem sucesso com professoras indicadas, a
opção que se seguiu foi pela segunda, acima descrita. Assim, chegou-se à Professora Elisa18,
professora ingressante na rede municipal como recreacionista há 20 anos e atualmente na
função de professora de educação infantil em uma creche em um bairro de localidade mais
extrema do município de Guarulhos, aqui denominada como EPG Adélia Prado19, creche em
que a autora desta dissertação atuou no ano de 2015 como professora volante.
Partindo do aceite de Elisa, foram contatadas professoras da mesma creche que se
encaixassem no critério de ingresso na rede com o curso superior de Pedagogia e já na função
de Professor de Educação Infantil (PEI), chegando-se assim em Amanda, professora na rede
municipal há oito anos e em exercício na EPG Adélia Prado desde 2016, não tendo conhecido
a pesquisadora.

18
Adotou-se nomes fictícios para todas as participantes do estudo, assim como para as creches em que atuam.
19
Nome fictício.
103

Partindo-se do aceite das professoras em exercício docente em uma creche periférica,


a busca iniciou-se por professoras em exercício em creches centrais. A dificuldade para
encontrar dupla nestas creches se deu devido à grande rotatividade que se observa em creches
de regiões centrais, devido ao adicional de estímulo à permanência20 ofertado pelo município
para o trabalho em creches mais afastadas do centro. Tendo em vista esta condição, a
dificuldade esteve relacionada ao encontro de professoras com mais de um ano de vínculo
com a creche, visto que, muitas das vagas remanescentes são preenchidas por professoras
volantes, que ao fim do ano vão para escolha de locais de exercício para o ano seguinte.
Frente à adversidade para encontrar professoras com menor tempo de ingresso na rede
municipal em exercício nas creches centrais, e que possuíssem mais de um ano de vínculo
com a creche em questão, após grande procura foi possível encontrar, por meio da ajuda de
colegas, professoras que se encaixassem no perfil buscado e que aceitassem participar das
entrevistas. Essas professoras foram localizadas em uma creche em que a pesquisadora atuou
como professora volante em 2018, e aqui denominada de EPG Antonieta de Barros21. Assim,
chegou-se à professora Rita, que ingressou na rede municipal há 21 anos na função de
recreacionista e à professora Fabiana, ingressante na rede há três anos com o curso superior de
Pedagogia e na função de Professor de Educação Infantil (PEI).
O quadro de professoras investigadas se configurou da seguinte forma:

Quadro 4– Caracterização das professoras investigadas


Professora Creche em que atuam Tempo de atuação na rede Tempo de atuação
municipal de Guarulhos na creche atual
Elisa EPG. Adélia Prado 20 anos 11 anos
Amanda EPG. Adélia Prado 8 anos 5 anos
Rita EPG Antonieta de Barros 21 anos 11 anos
Fabiana EPG Antonieta de Barros 3 anos 2 anos
Fonte: Formulado pela autora

Para além da problemática que envolvia necessária disponibilidade para conversa por
meio de encontro virtual, em alguns retornos sobre o convite para participação foi possível

20
Conforme Decreto Municipal nº 2.4212 de 15 de fevereiro de 2007, o adicional de estímulo à permanência
corresponde à gratificação adicional de vinte por cento de calculado sobre o padrão remuneratório de servidores
que prestam serviços em zona rural e em regiões isoladas da área urbana, de difícil acesso.
21
Nome fictício
104

notar certa insegurança de algumas professoras frente à participação no estudo, tendo algumas
delas relacionado tal insegurança ao fato da pesquisadora estar atuando na Secretaria de
Educação (SE).
À vista destes relatos, levando-se em conta que a relação de pesquisa, apesar de se
distinguir da maioria das trocas de existência comum, ainda assim é uma relação social que
exerce efeitos, podendo gerar tipos de violência simbólica (BOURDIEU, 2012), como forma
de reduzir ao máximo este tipo de violência, buscou-se durante as entrevistas o
desenvolvimento de uma escuta ativa e metódica como propõe Bourdieu (2012). A proposta
de escuta ativa e metódica, ao contrário de uma não-intervenção durante a entrevista, pode ser
identificada como ações a serem tomadas durante o procedimento, tais como, disponibilidade
total em relação ao entrevistado, a adoção de proximidade com a linguagem, submissão à
singularidade de sua história particular, conhecimento das condições objetivas, entre outras
(BOURDIEU, 2012).

3.4 As creches

Este estudo tem por foco a investigação das trajetórias pessoal e profissional de
professores de educação infantil. Tendo em vista esta condição, compreende-se como central
para a coleta de dados a participação dos sujeitos de pesquisa. Entretanto, levando-se em
conta que as trajetórias não ocorrem de forma isolada e estão relacionadas ao campo em que
ocorrem, se faz de grande importância que sejam contextualizados os espaços sociais em que
as professoras estão inseridas.
Zago (2003) destaca a importância da observação em relação à complementaridade da
entrevista. Segundo a autora, o local em que a entrevista ocorre pode ajudar na produção de
dados ou até mesmo produzir constrangimentos. Uma forma de observação a complementar
as entrevistas das professoras investigadas seria a realização das entrevistas nas creches em
que atuam. Entretanto, mediante as condições necessárias de isolamento social em que as
entrevistas foram realizadas, por meio de um encontro virtual, não foi possível.
Ainda que não tenha sido possível a realização das entrevistas nas creches em que as
professoras atuam, a contextualização destes espaços contribui com a pesquisa, ao passo que
se relacionam com as condições objetivas de trabalho que permeiam o exercício docente.
105

A descrição física do espaço foi relatada pelas próprias professoras em conversa após
a entrevista, bem como também partem da memória da pesquisadora, já os dados quantitativos
foram retirados do Portal da Secretaria de Educação de Guarulhos22.
Assim como a identidade das professoras foi preservada, as creches serão
representadas por nomes fictícios.

E.P.G Adélia Prado

A Escola Pública de Guarulhos (EPG) atende apenas crianças de zero a três anos,
sendo assim caracterizada apenas como creche. Esta encontra-se localizada em um bairro
periférico, a aproximadamente 19 km da região central de Guarulhos.
O bairro, um dos mais antigos do município, conta com linhas de ônibus, ruas
asfaltadas e quantidade considerável de comércios como pequenos mercados, padarias,
restaurantes e lanchonetes, lojas de roupas e calçados, fonte de renda e trabalho de seus
moradores. Apesar de tal configuração, observa-se o grande número de trabalhadores que
saem diariamente em direção ao centro do município. Seu entorno é caracterizado por casas
simples, além de muita vegetação de área ainda não ocupada e um pequeno córrego que corta
a região. Os bairros vizinhos apresentam a mesma configuração.
Para além da única creche municipal, o bairro conta com mais algumas unidades de
atendimento à criança pequena que, no entanto, são creches conveniadas ou particulares.
A unidade que aqui se descreve atende às crianças no período da manhã e da tarde e
possui 320 crianças matriculadas. Seu quadro de funcionários é formado por 31 professores,
coordenadora pedagógica, diretora, vice-diretora, uma assistente de gestão, além de dois
profissionais responsáveis pela limpeza, três cozinheiras e dois controladores de acesso que
realizam revezamento entre os dias.
De porte pequeno, a unidade apresenta como espaços: seis salas, as quais não contam
com solário; fraldário; cozinha e pequeno refeitório; secretaria; sala de direção; sala de
coordenação; pequeno playground com escorregador de plástico e pequeno circuito de
madeira.

22
Dados quantitativos referentes ao número de matrículas retirados no website da Secretaria de Educação (SE)
de Guarulhos. Disponível em: http://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/ite/escola/index.php?p=15.
106

E.P.G Antonieta de Barros

Localizada em um bairro próximo à região central do município, a Escola Pública de


Guarulhos (EPG) atende além da educação infantil, o ensino fundamental I. O atendimento é
realizado nos períodos da manhã e da tarde.
O bairro conta com poucos comércios, tais como padarias e pequenos mercados. Nele
se observam duas realidades distintas. De um lado, especificamente atrás da creche,
encontram-se famílias em situação de vulnerabilidade e parcos recursos financeiros -
residentes em um conjunto habitacional de médio porte; do outro localizam-se grandes casas
caracterizando moradores de classe média.
Não são encontradas no bairro outras unidades de atendimento à criança pequena.
Creches, tanto da rede municipal como conveniadas e particulares são localizadas apenas em
outros bairros próximos.
A EPG conta com a matrícula de 694 alunos. Destas, 439 crianças pertencem à
educação infantil, sendo 180 crianças com idade entre de zero a três anos, e 259 crianças com
a idade de quatro a cinco anos.
O quadro de Professores de Educação Infantil (PEI) é formado por 33 profissionais. A
escola ainda conta com duas coordenadoras pedagógicas, uma responsável pela creche e outra
responsável pela pré-escola e ensino fundamental, uma vice-diretora, diretora, cinco
cozinheiras - sendo duas para a creche, quatro funcionários responsáveis pela limpeza, duas
assistentes de gestão e três controladores de acesso que realizam revezamento entre os dias.
A escola pode ser considerada como de médio a grande porte. No entanto, o espaço
reservado à creche pode ser definido como pequeno. Entre os espaços da unidade estão: cinco
salas reservadas para o atendimento de crianças de zero a três anos, as quais contam com
solário compartilhado; fraldário; duas cozinhas e dois refeitórios, sendo os menores
reservados ao preparo das refeições das crianças de zero a três anos; sete salas para uso do
ensino fundamental I; sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE); quadra
esportiva; amplo pátio externo; playground pequeno com os seguintes brinquedos: gira-gira,
escorregador e balanço; secretaria; sala de professores; sala de direção; sala de coordenação e
estacionamento.
107

3.5 Sujeitos de pesquisa e suas trajetórias

Apresenta-se neste subitem aspectos que marcam as trajetórias das professoras


investigadas.

3.5.1 Elisa

Elisa tem 54 anos, nasceu em Guarulhos, se autodeclara como mulher preta, é casada
e possui três filhos. Há 25 anos reside na mesma casa, própria, em um bairro afastado do
centro do município de Guarulhos. Seu esposo é supervisor de manutenção industrial e
graduado em Automação Industrial. Um de seus filhos está cursando Graduação, enquanto os
outros dois realizam Pós-Graduação lato sensu.
Formada em Pedagogia, Elisa possui licenciatura plena e atua na rede municipal no
atendimento à criança de zero a três anos há 20 anos.
Seus pais, vindos da Bahia para Guarulhos, trabalhavam como operador de guindaste
e empregada doméstica, tendo os dois realizado trabalho rural em suas cidades natal. Sobre a
escolarização de seus pais, a professora afirma a não finalização dos primeiros anos do ensino
fundamental.
Elisa possui três irmãos, sendo ela uma das mais velhas. Segundo seu relato, teve uma
infância em que passou por muitas dificuldades financeiras. Em sua fala, relembra algumas
brincadeiras no quintal com os irmãos quando a família foi morar com a avó.
O início de sua trajetória escolar se deu no primeiro ano do ensino fundamental, aos
sete anos e em escola pública. Sobre a trajetória escolar, Elisa destaca em suas falas a
importância da escolarização para seus pais, que sempre incentivaram seus filhos para que
desenvolvessem o contato com a escola, apesar das dificuldades financeiras.
Ainda sobre a fase escolar, Elisa relata admiração por professoras que estiveram
presentes em sua trajetória. Cursou toda educação básica em escola pública.
Elisa ingressou na rede municipal no ano de 2000 na função de recreacionista, a qual
define como função de cuidadora social, por meio de concurso público e com o ensino médio
completo. Ingressou na função com aproximadamente 30 anos e já com duas filhas.
Anteriormente a esta profissão, trabalhou como balconista, recepcionista, em linha de
produção e como vendedora.
108

Em 2002 realizou graduação em Pedagogia pelo programa de formação Pedagogia


Cidadã oferecido pela prefeitura de Guarulhos em parceria com a Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP).
Sobre a escolha para a profissão docente, Elisa afirma que esse não era um de seus
desejos, mas, estratégia de sobrevivência:

Eu vou ser sincera para você, eu tive uma experiência lá mesmo no SESI
[instituição que cursou o ensino médio] de ficar numa sala com crianças
pequenas e essa era uma profissão da qual eu não queria de jeito nenhum.
Eu pensava: “Eu podia fazer qualquer coisa, e se eu for alguma coisa, mas
ser professora não”. Na realidade o que me levou a ser professora foi a
necessidade. Na época que eu entrei para trabalhar nessa área eu entrei na
prefeitura para ser como se fosse uma cuidadora social, porque o concurso
da época não pedia qualificação nenhuma, era necessário o mínimo
possível, era o ensino fundamental, e o ensino o fundamental I apenas
(Elisa).

Em suas falas destaca a desvalorização sofrida pelas profissionais ingressantes na rede


de ensino anteriormente à formação no curso superior e à transformação da função em
Professores de Educação Infantil (PEI).
Elisa atua há 11 anos na EPG Adélia Prado, onde possui sede.

3.5.2 Amanda

Amanda tem 36 anos, nasceu em Guarulhos, se autodeclara como mulher branca, é


casada e possui dois filhos em idade escolar, o mais velho finalizando o ensino médio e a
mais nova cursando o ensino fundamental I. Amanda possui casa própria e reside com o
esposo e filhos em um bairro afastado do centro do município de Guarulhos, o mesmo que
Elisa. Há 16 anos a família reside no mesmo lugar. Seu esposo exerce a profissão de
coordenador de galvanoplastia e está realizando especialização em administração industrial.
Professora na EPG Adélia Prado há cinco anos, Amanda possui licenciatura plena em
Pedagogia, curso realizado presencialmente em instituição privada. Atualmente está cursando
pós-graduação em psicopedagogia hospitalar presencial, tendo já cursado pós-graduação lato
sensu na modalidade de educação a distância (EaD) nas áreas de Arte e Educação, Educação
infantil, Ludopedagogia, Gestão escolar, Neurociência e Autismo.
Durante a infância, Amanda residiu no mesmo bairro em que mora atualmente. Seu
pai exercia o ofício de inspetor de qualidade, tendo finalizado o ensino médio. Sua mãe não
109

finalizou o ensino fundamental I, e para complementar as despesas da casa exerceu por um


tempo o trabalho de empregada doméstica,
Em suas falas, Amanda destaca a relação de proximidade com toda a família, relata
sobre passeios para represa e praia e também sobre a forma como costumava brincar, entre as
brincadeiras favoritas destaca o gosto pela brincadeira de escolinha, dizendo sempre querer
ser a professora.
Sobre a trajetória escolar, Amanda relata ter iniciado a escolarização na educação
infantil, mais especificamente na pré-escola, com aproximadamente cinco anos, em uma
escola particular não muito próxima à sua residência. Sobre esta época, Amanda afirma o
gosto de ir à escola e relembra de sua professora, descrita como uma professora mais brava e
rígida.
Sobre a sua relação com a escola, relembrando suas professoras e a preocupação de
seus pais com sua escolarização:

Quando eu era criança eu gostava de ir [para a escola]. No fundamental eu


tive professoras muito legais, tanto que me lembro até hoje de uma
professora. Hoje eu digo que ela parecia a professora Helena do Carrossel,
era professora Vera. Me lembro dela até hoje. Ela era muito carinhosa e eu
era bochechudinha, então eu me lembro de chegar e ela vim logo apertar as
minhas bochechas que ficavam até vermelhas. Eu gostava muito, gostava de
ir porque ela era aquela professora assim, que fazia a gente ter vontade de
ir para escola. [...] Meus pais sempre acharam que era muito importante
estudar, tanto que quando eu estava no ensino médio meu pai sempre falava
para não me preocupar em arrumar emprego (Amanda).

Seu primeiro emprego, logo após a finalização do ensino médio, foi em uma rede de
restaurantes fast-food no aeroporto Internacional de Guarulhos. Apesar de registrada, Amanda
relata cargas horárias extensas e trabalho pesado durante o período em que exerceu o ofício.
Amanda conta ter engravidado aos 19 anos, pouco tempo após sua entrada na rede de
restaurantes; assim, indica as precárias condições de trabalho e a dificuldade em acompanhar
o filho como motivações que a levaram optar pela mudança de emprego. Recebeu a indicação
de uma colega para uma vaga de auxiliar de informática em um colégio particular próximo ao
centro de Guarulhos. Sem registro e sem nenhum benefício aceitou o emprego, dadas as
condições de trabalho referentes à carga horária de seis horas diárias e aos finais de semana de
folga.
Amanda destaca que o trabalho no colégio particular trouxe a ela muitas
aprendizagens. A professora aponta que a vivência no ambiente escolar despertou o desejo
pelo curso de Pedagogia, até então nunca compreendido como um sonho ou possibilidade.
110

Amanda cursou por três anos Pedagogia, conciliando a graduação com o trabalho de
auxiliar de informática no colégio particular. Após um tempo, seu cargo no colégio passou a
ser de auxiliar de coordenação e, já quase ao final do curso de Pedagogia, passou a dar aulas
de informática para a educação infantil na mesma rede do colégio particular, mas no
município de São Paulo, localização ainda mais distante de sua residência.
Prestou concurso para ingresso na rede municipal com a função de Professor de
Educação Infantil (PEI) em 2010, ao final da graduação. O ingresso na rede ocorreu no ano de
2012, como professora volante, tendo atuado em três creches anteriormente à entrada na EPG
Adélia Prado, na qual está há cinco anos e possui sede.

3.5.3 Rita

Rita tem 47 anos, nasceu em Santo André, região metropolitana de São Paulo, se
autodeclara como mulher parda, é solteira e possui uma filha em idade escolar, cursando o
ensino fundamental II em escola privada. A professora possui casa própria em um bairro
próximo ao centro do município de Guarulhos, onde vive há cinco anos com a filha.
Durante a infância, Rita residiu em diferentes cidades mediante as exigências do
trabalho de seu pai, que desempenhava a profissão de engenheiro civil. Vindo da França para
o Brasil, possuía ensino superior, curso realizado em sua cidade natal.
Sobre sua mãe, a professora conta que nasceu na Bahia, onde exercia o ofício de
lavadeira e teria conhecido seu pai. Ao migrar para São Paulo, juntamente com o esposo,
passou a não exercer atividades remuneradas. O irmão mais velho, cerca de quatorze anos,
cursava o ensino superior enquanto Rita ainda estava em idade escolar. Seus pais se
separaram ainda quando criança, passando a morar apenas com a mãe e o irmão, o que
conforme seu relato, resultou em dificuldades financeiras.
Referente ao ingresso na vida escolar, Rita relembra que esse se deu na educação
infantil, especificamente na pré-escola aos seis anos de idade e em instituição privada,
enquanto a realização das demais etapas ocorreu em escolas públicas, tendo repetido o
terceiro ano do ensino fundamental.
Em suas falas, Rita destaca os problemas vivenciados pela família, relacionados à
ingestão de bebida alcoólica pela mãe e à não presença do pai no cotidiano da família, não
sendo para a professora uma ação comum durante sua infância o acompanhamento dos pais
em sua trajetória escolar. Por outro lado, descreve a boa relação com o irmão mais velho, o
111

qual considerava como um exemplo a ser seguido, além de relatar sempre ter gostado de
frequentar a escola, comentando sobre sua dedicação. Assim, destaca:

Eu acho que quem eu mais admirava nesta família era meu irmão, só que ele
também era ausente porque ele estudava. Trabalhava de dia e estudava de
noite, ele fazia faculdade na época em que estávamos com meu pai ainda.
Eu acho que meu melhor espelho foi meu irmão. [...] Eu sempre gostei, até
falo para minha filha que as lições eu fazia todas sozinhas (Rita).

Ainda sobre a fase escolar, Rita relembra de uma professora com quem teve contato
no ensino fundamental e a marcou por ser uma pessoa carismática e ter respeito pelas
crianças. A professora conta ainda que essa mesma docente a reteve no terceiro ano por falta
de boas notas na disciplina de língua portuguesa, o que a teria marcado ainda mais.
Seu primeiro emprego, logo após a finalização do ensino médio, foi em um mercado,
tendo também trabalho no aeroporto, local em que uma colega de trabalho a informou sobre o
concurso para recreacionista na rede municipal de Guarulhos e a teria convidado para realizar
a prova. Além disso, anteriormente ao chamado para ingresso na função de recreacionista
trabalhou em loja de shopping.
Rita ingressou na rede municipal por meio de concurso público no ano de 1999 com
25 anos e sem filhos, na função de recreacionista. Assim como Elisa, realizou em 2002
graduação em Pedagogia pelo programa de formação Pedagogia Cidadã, oferecido pela
prefeitura de Guarulhos em parceria com a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (UNESP).
Durante sua trajetória profissional na rede educacional transitou por algumas creches,
apontando como o motivo de tais mudanças a não adaptação aos locais e a busca por creches
próximas à sua casa. Além de ter atuado em algumas instituições de atendimento às crianças
de zero a três anos, Rita, durante um período de sua carreira docente, optou por realizar
concurso interno para exercer função administrativa nas secretarias de escolas obtendo,
segundo seu relato, um salário apenas um pouco maior do que na profissão docente. Sobre
determinado ofício, afirma ter trabalhado seis anos na função de assistente administrativo e
que gostava muito, tendo retornado à docência apenas por conta do nascimento da filha e do
reconhecimento dos professores de educação infantil no quadro do magistério, o que garantiu
o plano de carreira, consequentemente o aumento do salário e a diminuição da carga horária,
ficando o valor do salário maior ao que recebia na função de assistente administrativo.
Atualmente Rita atua EPG Antonieta de Barros, onde está há 11 anos.
112

3.5.4 Fabiana

Fabiana tem 43 anos, nasceu em Belo Horizonte, se autodeclara como mulher parda, é
casada e possui dois filhos em idade escolar, o mais novo finalizando os anos iniciais do
ensino fundamental e a mais velha cursando os anos finais da mesma etapa. A família possui
casa própria em um bairro próximo ao centro do município de Guarulhos, onde reside há mais
de 13 anos. Seu esposo exerce o ofício de motorista de caminhão de forma autônoma e possui
o ensino médio completo.
Até os sete anos de idade a professora residiu em Belo Horizonte, período que define
como um intervalo de boa condição financeira da família. Morou por pouco tempo no interior
de Rondônia na casa do avô após dificuldades financeiras, e também na capital paulista.
Seu pai completou o ensino fundamental I e realizou durante toda a vida profissional
atividades relacionadas a trabalhos manuais. Nascido na Bahia, segundo Fabiana, ele teria ido
para Belo Horizonte aos 17 anos em busca de oportunidades de emprego, onde constituiu uma
pequena empresa de instalação e manutenção de pisos de tacos, empresa essa que acabou indo
à falência quando a professora ainda era pequena. Sobre sua mãe, Fabiana conta que também
finalizou o ensino fundamental I e que exerceu atividade remunerada em uma chácara como
ajudante por pouco tempo, mediante ao enfrentamento de dificuldades financeiras à chegada
na cidade de São Paulo.
Referente à sua trajetória escolar, Fabiana relata ter frequentado escola privada na
educação infantil e escolas públicas na realização das demais etapas. De acordo com seu
depoimento, iniciou sua trajetória escolar aos quatro anos de idade, ainda em Belo Horizonte.
Sobre determinada fase, discorre sobre o desejo desde muito pequena por frequentar a escola,
além do gosto pela instituição. As recordações acerca da educação infantil demonstram
também a preocupação de seus pais com sua escolarização, assim destaca:

Eu fiz educação infantil, mas foi em escola particular. Eu me lembro que eu


queria muito estudar. O meu irmão foi primeiro para a educação infantil e
eu também queria muito ir, então a minha mãe acabou me colocando muito
pequenininha. Eu me lembro do lanche, do cheiro do lanche, lá eu comia
misto quente. Eu tinha uns quatro ou cinco anos. Eu tenho até hoje uma foto
vestida de bailarina (Fabiana).

Dentre os docentes com os quais teve contato durante sua trajetória escolar, Fabiana
relembra de uma de suas professoras da educação infantil associando-a a uma pessoa muito
113

carinhosa. Também cita um professor, com quem teve contato posteriormente no ensino
médio, indicando o que compreendia como vontade e prazer do docente em dar aula.
Fabiana teve sua vida profissional iniciada após a finalização do ensino médio, em um
grande laboratório farmacêutico na linha de produção, permanecendo na empresa durante 13
anos. Comentando sobre o período em que ocupou determinado ofício, a professora relata
sobre as dificuldades em conciliar o horário de trabalho com o cuidado dos dois filhos, tendo
optado pela saída do emprego e encontrado no curso de Pedagogia em educação a distância
(EaD), assim como relata, uma opção para conciliar o tempo em que estaria em casa com o
desejo de retorno aos estudos, além da oportunidade de ingresso em uma nova profissão.
Formada em Pedagogia na modalidade de ensino a distância (EaD) por instituição de
ensino privada, Fabiana concluiu a licenciatura em três anos enquanto cuidava dos filhos
ainda pequenos. Além da licenciatura, a professora realizou curso de pós-graduação lato sensu
em ensino lúdico, também por meio de uma instituição privada na modalidade de educação a
distância (EaD).
Professora na EPG Antonieta de Barros há dois anos, Fabiana está em exercício
docente na rede municipal de Guarulhos há apenas três anos, sendo entre as professoras
investigadas a que apresenta menor tempo de ingresso na rede municipal. Além de professora
de educação infantil no município analisado, Fabiana acumula cargo na cidade de São Paulo,
tendo ingressado no ano de 2015. Em São Paulo, ocupa a função de professora de educação
infantil e fundamental, optando, em suas palavras, por sempre trabalhar com crianças de
quatro a cinco anos nas Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI).
114

4 TRAJETÓRIAS, VALORES E CAMPO EDUCACIONAL

Ao investigar valores e disposições para ação incorporados em processos formativos


não formais e que se apresentam em facetas da prática pedagógica de professoras de educação
infantil em exercício docente na creche, buscou-se compreender o modo como as condições
objetivas referidas à origem social e ao campo educacional contribuem, dentre outros fatores,
na configuração de tais valores e disposições que orientam o trabalho docente na creche.
Mediante à necessidade de analisar elementos atinentes ao espaço social no qual as
professoras exercem a docência, ou seja, ao campo educacional e à creche, bem como
aspectos que marcam suas posições sociais quanto à origem social, pretendeu-se averiguar as
trajetórias pessoal e profissional das quatro docentes investigadas por meio de entrevistas
semiestruturadas e questionário complementar. Tais trajetórias permitem compreender os
contextos em que foram produzidas as disposições para ação e os valores possivelmente
verificados conforme as percepções das professoras sobre a prática pedagógica e o trabalho
docente que realizam na creche.
Os dados foram organizados em quatro chaves de análises, as quais expressam as
condições objetivas, bem como discutem as possíveis experiências sociais que permearam e
permeiam os espaços sociais em que estiveram inseridas as professoras participantes do
estudo.
Embora as entrevistas tenham sido realizadas com docentes pertencentes a dois grupos
diversificados quanto ao tempo de ingresso na rede municipal de Guarulhos e em atuação em
duas creches diferenciadas, foram observadas regularidades frente às concepções que
expressam sobre a prática e o trabalho docente na creche, além de aspectos que marcam suas
posições sociais de origem. Frente a essas questões, as chaves de análises compõem os
seguintes eixos:

• Trajetória social e docência: valores e disposições referidos à origem social;


• Entre cuidar e educar: aspectos da função docente, cultura escolar e função social
creche;
• Condições de trabalho na creche: precarização e desvalorização do magistério com
crianças de zero a três anos e precariedade das condições materiais;
• As aprendizagens da profissão docente: formação inicial, socialização com os pares e
formação continuada
115

Tais eixos são apresentados neste capítulo e no seguinte. Neste primeiro e que aqui se
apresenta traz-se à discussão aspectos referentes às trajetórias pessoal e profissional das
professoras e que de alguma forma configuram valores e disposições que se expressam em
suas práticas pedagógicas com crianças de zero a três anos. São consideradas nesta seção as
experiências sociais vivenciadas pelas docentes e que se destacam como aprendizagens
desenvolvidas mediante as relações estabelecidas com os sujeitos e os espaços sociais em que
estiveram inseridas, ou seja, à família de origem e o campo educacional e a creche.
Já o quinto capítulo é composto pela análise de dados atinentes às condições de
trabalho nas instituições de atendimento à criança de zero a três anos, dos movimentos
formativos informais vivenciados pelas professoras investigadas em suas trajetórias
profissionais, além da formação em sentindo formal realizada pelas docentes, aspectos esses
também diretamente relacionados à constituição de suas práticas docentes.

4.1 Trajetória social e docência: valores e disposições referidos à origem social

Nesta investigação formação e prática docente são compreendidas em sentido


ampliado, de modo que os processos formativos não formais, tais como as experiências
sociais vivenciadas ao longo das trajetórias pessoal e profissional de professoras em exercício
docente em creches contribuem, entre outros fatores, para a configuração de valores e
disposições que se expressam nas práticas pedagógicas com crianças de zero a três anos.
Levando em conta a necessidade de averiguar o modo como as condições objetivas
referidas à origem social contribuem no processo de incorporação de valores e disposições,
neste subitem são apresentados dados atinentes à origem social das quatro professoras
investigadas.
Conforme apresentado ao longo desta dissertação, o conceito de habitus, elaborado
por Pierre Bourdieu e aqui utilizado como ferramenta analítica auxilia a compreender a
relação entre prática docente na creche e a trajetórias sociais das professoras que nela atuam.
Partindo desta premissa, a análise dos dados que aqui se apresenta está relacionada à busca
por aspectos do habitus das famílias de origem das professoras investigadas com o objetivo de
captar as aprendizagens desenvolvidas por meio dos processos de socialização primária.
De acordo com Bourdieu (2011), o aprendizado desenvolvido na família, encontra-se
relacionado à classe, logo, às condições objetivas que se desprendem de determinada posição
social. Segundo o autor, tal aprendizado transforma-se em um guia prático que orienta as
116

ações e as classificações dos agentes, servindo de base para novos aprendizados processados
nos diversos espaços sociais em que o agente se encontra inserido.
Na perspectiva de Bourdieu (2015b), a trajetória social do agente está diretamente
atrelada à posição ocupada por ele na estrutura social. Tal posição, conforme o autor, é
configurada segundo o volume de capitais que um grupo ou classe possui em determinado
espaço social, considerando especialmente os capitais econômico, cultural e social. Em suas
palavras (BOURDIEU, 2015c), os capitais são distribuídos de forma desigual, o que
desencadeia um princípio de diferenciação que regula o espaço social e define a pertença de
classe.
Tendo em vista tais reflexões, a este estudo importa captar a posição social ocupada
pelas famílias de origem das professoras, bem como associar as condições objetivas que
envolvem determinada posição à configuração de valores e disposições incorporados pelas
professoras investigadas.
Mediante as considerações de Bourdieu (2011; 2015b) acerca das posições sociais, é
possível identificar nos relatos das professoras a posição ocupada pelas famílias de origem.
Os relatos sobre escolarização dos pais, bem como de suas atividades profissionais auxiliam
na compreensão, uma vez que informam sobre o capital cultural:

Minha mãe era empregada doméstica e meu pai trabalhava em guindaste


pesado. Minha mãe, ela tem um problema de leitura que até hoje a gente
não sabe [...]. Minha mãe, se não me engano, fez só até o terceiro ano do
fundamental I e o meu pai fez até a quarta série. Meu pai, ele não escreve
muito bem[...] (Elisa).

A minha mãe trabalhou por um tempo como empregada doméstica e meu pai
trabalhava como inspetor de qualidade. O meu pai tem o ensino médio e a
minha mãe fez até o ensino fundamental I (Amanda).

O meu pai aprendeu com a necessidade. [...]. Ele já trabalhou em obra,


como carpinteiro, motorista de ônibus [...]. Ele gostava muito de cálculo e
sempre foi muito bom em matemática mesmo tenho estudado só até a
quarta série [...]. Quando a gente cresceu um pouco, quando viemos para
São Paulo, a minha mãe sentiu necessidade de trabalhar, ela não tinha
mais do que o ensino fundamental I, então ela trabalhava em uma chácara
que tinha perto da nossa casa (Fabiana).

Minha mãe era lavadeira de roupa, ela morava na casa em que meu pai se
hospedou para poder fazer essa obra lá na Bahia[...]. Então, até aí, a minha
mãe dizia que só sabia assinar o nome e que alguém ensinou isso para ela
(Rita).

Além do capital cultural, os depoimentos das professoras concedem informações que


orientam a compreensão acerca do capital econômico. Nos relatos são identificados
117

momentos de dificuldades financeiras durante a infância, bem como um modo de vida


simples:

Meus pais são baianos e eles sofreram muito, eles trabalhavam lá com
plantação, era um tempo muito sofrido [...]. Antigamente tinha uns lugares
que eles jogavam retalhos fora e minha mãe ia nesses lugares, apesar de ela
trabalhar, ela ia nesses lugares e pegava esses retalhos para fazer roupa
para gente [...] (Elisa).

Eu nasci no centro de Guarulhos e com três anos eu fui morar onde eu moro
até hoje, no bairro Soberana, periferia de Guarulhos[...]. Teve uma época
que passamos por dificuldades [...]. Nessa época a minha mãe trabalhou. Eu
me lembro que minha mãe trabalhou de doméstica, fazendo limpeza,
trabalhava por diária. [...]. Essa fase foi bem difícil, porque era assim, o
que ganhava era para comer. Eu me lembro que ela trabalhava o dia,
chegava em casa, já passava no mercado e comprava um arroz, um feijão,
uma carne [...] (Amanda).

Quando os meus pais ainda estavam juntos, em que ele era o mantenedor,
não passamos por dificuldades, mas depois que ele foi embora, aí sim ficou
difícil. Meu irmão que já trabalhava passou a ser o responsável pela casa.
Então tudo mudou, era outra realidade, foi bem difícil (Rita).

Em São Paulo a gente pagava aluguel e nós tínhamos uma vida bem
simples, morávamos em Itapevi. Eu me lembro que nessa época de Itapevi a
gente ia em um lugar como se fosse o CEAGESP de São Paulo, a gente ia
para pegar o que sobrava, sabe? Minha mãe se lembra disso com muita
tristeza (Fabiana).

Tais informações revelam pertencimento às camadas populares, bem como


demonstram a origem de famílias que trabalhavam muito para que pudessem se manter.
Mediante aos depoimentos das professoras, nota-se que o trabalho se destaca como valor nas
famílias de origem. A necessidade de se fazer sacrifícios frente às atividades profissionais são
marcadas nos depoimentos das professoras Elisa e Fabiana:

Meu pai trabalhava, né? Ele só vinha algumas vezes no ano, ele trabalhava
viajando e minha mãe trabalhava o dia inteiro fora[...]. São só 20 anos que
meu pai e minha mãe vivem juntos todos os dias e eles se veem todos os dias.
A minha mãe via meu pai três, quatro vezes por conta do trabalho. Eu me
lembro que a minha mãe também trabalhava fora como empregada
doméstica e ela ainda lavava roupa para fora. Era filho, cuidava da casa e
era só trabalho, trabalho e trabalho… e eu entendo, né? Porque é aquela
coisa, é pobre, tem que trabalhar (Elisa).

Meu pai aprendeu muito cedo que ele precisava, na verdade, é que ele
dependia do trabalho. Ele foi para trabalhar em Belo Horizonte muito novo,
praticamente na adolescência, tinha 17 anos só. Então, ele aprendeu muito
cedo o valor do trabalho, que ele precisava trabalhar (Fabiana).
118

Quanto às professoras Amanda e Rita, o valor referido ao trabalho fica mais evidente
nos relatos sobre honestidade, e pode ser compreendido na relação com a posição social
ocupada pelas suas famílias. A honestidade neste sentido está relacionada a um movimento de
busca por mobilidade social ascendente por meio de um esforço marcado pelo aspecto moral.
É o trabalho honesto, realizado com esforço e correção:

Eles sempre deixaram bem claro que ser pobre não é defeito nenhum, mas
que sempre tinha que ser honesto, independentemente de onde estivesse,
com quem estivesse, sempre era preciso ser honesto (Amanda).

Nós somos espelhos dos nossos pais, então acho que refletia isso, o fato de
eles serem honestos, meu pai trabalhador, minha mãe boa dona de casa
(Rita).

Vale ressaltar que as condições materiais de ambas as famílias também se relacionam


à valorização dada ao trabalho. Conforme é possível verificar nos relatos, o trabalho intenso
era uma necessidade, devido às condições econômicas.
Outro aspecto presente nas declarações das docentes diz respeito à mobilização dos
pais para que se mantivessem na escola, compreendendo a escolarização como importante. É
possível notar inclusive no relato de uma delas as dificuldades financeiras enfrentadas pela
família e o esforço investido para que pudessem ter acesso à escolarização:

[...]“Ah, não tem dinheiro para ir não sei aonde”, mas o dinheiro para ir à
biblioteca não faltava. “Mãe, eu preciso fazer um trabalho não sei onde”,
"Está aqui o dinheiro”. “Ah eu quero comprar um doce” “Não tem
dinheiro!”, mas o dinheiro para o trabalho da escola tinha. O que era para
escola tinha que ter. Ela não deixava faltar, eles não deixavam faltar de
jeito nenhum (Elisa).

De acordo com Bourdieu (2015a, p. 46) “[...] cada família transmite a seus filhos, mais
por vias indiretas que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores
implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre coisas, as atitudes
face ao capital cultural e à instituição escolar”. Nas palavras do autor, as atitudes a respeito da
escola, da cultura escolar, bem como da concepção acerca do futuro que essa pode oferecer,
em grande parte, relacionam-se à expressão de valores implícitos ou explícitos atinentes à
posição social de determinado grupo social.
Em relação à escolarização, observa-se o valor aplicado à escola quando as
professoras relatam sobre a distância de suas casas até as unidades escolares. Chama atenção
em alguns dos depoimentos o ingresso em instituições particulares para realização do pré-
primário, em momento anterior à ampliação da obrigatoriedade da frequência nesse nível
119

educacional, situação também relacionada ao esforço financeiro feito para que tivessem
acesso à escola. As situações trazidas pelas professoras demonstram a valorização da família
em torno da escolarização:

Ela ficava em uma ladeira, antigamente chamava picadinha. Ela não ficava
perto da minha casa. Tinha mato de um lado e mato do outro e a gente
saía o “trilinho” de criança andando até a escola. A gente ia andando e
voltava (Elisa).

Eu lembro que na época era prézinho. Era uma escola privada e não era
muito próxima, era uma caminhadinha boa para chegar lá (Amanda).

Eu fiz educação infantil na escola particular. Eu me lembro que eu queria


muito estudar. Minha mãe acabou me colocando muito pequenininha
(Fabiana).

Eu fiz um ano de “prézinho” quando eu tinha cinco anos. Não era perto da
minha casa, era em outro bairro porque não tinha no meu bairro, não
tinha em todo lugar. Mas isso nem era problema, minha mãe pagava uma
moça para me levar de carro, na época não era perua era um carro cheio de
crianças e íamos assim, eu ia com essa mulher (Rita).

Tendo em vista que as formas de se relacionar com o trabalho e com a escolarização


expressam um ethos de classe, ao ser incorporado, nota-se que esse ethos se manifesta como
valor em sentido prático para as professoras, o que pode ser observado nos depoimentos sobre
o ingresso na vida profissional desde cedo, como descrevem as falas ao narrarem sobre a
realização de diversos tipos de trabalho em suas trajetórias logo após a finalização da
educação básica:

E eu quando entrei no ensino médio já pensava: “Ah, eu quero trabalhar.”


Quando eu fiz quinze anos, já pensava que queria trabalhar, queria
trabalhar no Mc Donald’s, queria mesmo trabalhar[...] Eu foquei, estudei e
quando eu terminei, no último mês, em dezembro foi que eu arrumei um
emprego e comecei a trabalhar (Amanda).

Trabalhei fora da rede em empregos diversos, depois eu vim trabalhar na


prefeitura. Fui balconista, recepcionista, trabalhei em produção, vendedora,
toda a sorte de trabalho que era necessário ter eu fazia, porque na nossa
época quem tinha formação era só quem tivesse mais dinheiro mesmo
(Elisa).

Assim que terminei o ensino médio eu comecei a trabalhar em uma empresa,


um laboratório fechado, a fábrica deles. Lá eu trabalhava na linha de
produção, operando máquina (Fabiana).

Quando eu terminei o colegial, eu arrumei um emprego no mercado e fiquei


trabalhando. Eu arrumei um emprego no mercado com 17 anos, fui
trocando de emprego, trabalhei em uma loja e aí fui trabalhar no aeroporto.
120

Depois, antes de entrar na prefeitura, trabalhei de novo em loja, mas na loja


do shopping que tinha acabado de abrir (Rita).

Bourdieu (2015b) argumenta que as aprendizagens relacionadas ao habitus, adquirido


nas relações familiares mediantes certas condições objetivas, produzem ações comumente
organizadas que podem funcionar como estratégias de reprodução com o objetivo de melhorar
ou manter a posição social de determinado grupo nas estruturas de classe.
Nota-se que possivelmente os investimentos educativos transmitidos pelos pais das
professoras compreendiam estratégias que visavam a possibilidade de ascensão social por
meio do trabalho garantido pela escolarização, entretanto, tais estratégias se relacionam ao
que lhes era entendido como possivelmente plausível, ou seja, como observado, à
escolarização na educação básica.
Os depoimentos das professoras indicam o empenho dos pais para que pudessem
estudar, alcançando certo nível de escolarização que lhes possibilitassem inserção no mundo
do trabalho. Assim, apesar do investimento da família de origem na escolarização das
professoras, tal ação demonstra como objetivo frente ao futuro, atingir apenas certo ponto de
escolaridade, não fazendo parte do que era almejado pelas famílias, o alcance de maiores
níveis de formação.
As professoras relatam o investimento dos pais na educação básica e apontam a
formação superior como uma realidade distante:

Meus pais sempre acharam que era muito importante estudar, tanto que
quando eu estava no ensino médio meu pai sempre falava para não me
preocupar em arrumar emprego[...]E meu pai falava para eu não me
preocupar, que eu tinha que terminar os meus estudos, focar neles até o
ensino médio. Porque assim, minha família nunca teve o hábito de fazer
faculdade. Da minha família fui a primeira que fez faculdade. Então,
falavam para focar no estudo até o ensino médio. Então, eu foquei, estudei
e quando eu terminei, no último mês, em dezembro foi que eu arrumei um
emprego e comecei a trabalhar (Amanda).

Eu lembro de uma coisa que quando eu terminei o ensino médio eu nunca


tinha ouvido falar em faculdade. Aí, eu terminei o ensino médio e eu lembro
que eu estava lá na Praça Tereza Cristina e encontrei uns, dois, três amigos
do ensino médio que era da minha sala aí ele falou assim: “você vai para
faculdade? Qual faculdade você vai fazer?” E eu: “Faculdade? Que
faculdade"? Foi aí que me chamou atenção, mas era uma coisa tão fora da
minha realidade que me chamou atenção, porém da mesma forma que eu
pisquei, eu também esqueci, porque ele era muito fora da minha realidade
(Elisa).

Eu finalizei o terceiro ano do médio e parei de estudar. Na verdade, eu


acho que os professores me achavam muito inteligente na época, né?
Porque eles me perguntavam qual faculdade eu ia fazer, sempre
121

perguntavam e eu dizia que não ia fazer nenhuma. E eles me perguntavam o


porquê e eu dizia que era porque eu não tinha dinheiro para pagar a
faculdade (Rita).

Eu terminei o ensino médio com 17 anos e depois disso nunca mais fiz
nada, eu nunca mais pisei em uma sala de aula. Não imaginava que
faculdade era para mim [...] (Fabiana).

A condição de investimento na escolarização até determinado ponto sugere que,


mediante a posição social ocupada pela família, a escolarização na educação básica era
compreendida como estratégia de ascensão social ou melhoria de vida frente à posição social
ocupada, mas também às alternativas objetivas que possuíam. “Na maior parte dos casos, as
famílias têm aspirações estritamente limitadas pelas oportunidades objetivas” (BOURDIEU,
2015a, p.51).
De forma a explicitar as ideias de Bourdieu, Nogueira e Nogueira (2002) destacam
que é partir da formação ocorrida no ambiente social e familiar, a socialização primária, que
os agentes incorporam um conjunto de disposições para ação que são típicas de uma
determinada posição social. Os autores relembram que conforme as experiências de êxito e de
fracasso vividas em suas trajetórias, os grupos sociais constroem um conhecimento prático
sobre o que é possível ou não de ser alcançado pelos seus membros dentro da realidade social,
bem como compreendem as formas mais adequadas de agir mediante suas posições. Assim,
cabe destacar sobre os investimentos das famílias de origem na escolarização básica que:

Dada a posição do grupo no espaço social e, portanto, de acordo com o


volume e os tipos de capitais (econômico, social, cultural e simbólico)
possuídos por seus membros, certas estratégias de ação seriam mais seguras
e rentáveis e outras seriam mais arriscadas (NOGUEIRA; NOGUEIRA,
2002, p.22).

A partir da observação de mobilidade social relacionada ao exercício da docência e à


preocupação com a escolaridade presente na família de origem, que se manifesta como um
valor, é possível identificar tal valor expresso em estado prático no investimento que essas
professoras fazem com relação à formação de seus filhos, mas já com a presença dos planos
de alcance de uma formação mais prolongada:

Na verdade, nunca foi um objetivo assim: “Ah, vou fazer faculdade”, como
vejo que é hoje com o meu filho. Ele já está fazendo o ensino médio
pensando, se preparando para faculdade (Amanda).

O presente da gente marcante eram os livros para o nosso conhecimento.


Não tinha nada de importante! Minha mãe falava assim: “eu não tenho
nada para dar, eu só posso dar de garantia para você isso daí, o estudo. E
122

eu vou ser sincera, é o que eu faço para os meus filhos! O que eu posso
garantir para você, essa é a porta para você correr atrás porque isso
ninguém vai tirar de você (Elisa).

Além disso, os valores frente ao trabalho observados nos relatos das professoras se
manifestam na forma como se referiram ao trabalho que exercem com crianças de zero a três
anos. Os relatos sobre as práticas pedagógicas por elas realizadas apontam para a presença de
atitudes como o empenho e dedicação no trabalho que exercem na educação infantil:

A gente vai tentando se encaixar, a gente se adapta ao ambiente, né?


Porque se formos deixar de fazer porque não tem isso ou aquilo, a gente
não trabalha, né? (Amanda).

Eu acho que assim, eu tento me aprimorar ou tento concretizar os meus


pensamentos, as minhas ânsias para que a criança atinja a aprendizagem
porque também é uma aflição quando a criança não te corresponde e você
ficar ali buscando estratégias para que ela demonstre pelo menos que ela
tá ficando interessada[...] Mas a outra sala não quer e aí eu vou deixar de
fazer? Então, eu acho que o espaço de deixar de fazer leva o que? Ao nada
(Elisa).

Então, eu acho que mesmo me esforçando tanto, eu ainda deixo a desejar,


sabe? Eu gosto muito das coisas muito bem organizadas (Fabiana).

Então, deixa, faz sua vontade [sobre outra professora que optava por
realizar propostas diferentes] que eu trabalharei do mesmo jeito. Com a
bandeirinha de um jeito ou de outro, continuarei trabalhando e me
empenhando para fazer o melhor (Rita).

No que concerne ao valor relacionado à escolarização, nota-se que para as famílias de


origem e professoras tal processo é compreendido como estratégia de ascensão social. Neste
sentido, observa-se que não são questionados pelas docentes aspectos que marcam a cultura
que se desprende do sistema escolar, sendo manifestado certo movimento de submissão às
normas e ao conhecimento propagado pela escola. Observa-se que tal situação se expressa nas
práticas docentes com as crianças. Nota-se que para as professoras a escolarização das
crianças compreende parte importante do trabalho que realizam, o que será discutido no
próximo subitem.
Ademais, observa-se que frente às aprendizagens que as professoras tiveram na
família de origem quanto à valorização da escolarização e do trabalho como esforço decorrem
juízos classificatórios, expressos nas relações com as famílias das crianças atendidas nas
creches. As professoras compreendem como necessária a participação das famílias na vida
escolar dos filhos e possuem concepções sobre as formas corretas dos responsáveis realizarem
a educação das crianças:
123

[...]porque às vezes a gente se perde pensando assim:“Ah, porque a mãe é


relaxada, a mãe é isso”, mas aí a gente não olha para criança, não é?
(Amanda).

Eu lembro que a gente ficava muito nervosa com aquela mãe, porque ela
não ia à reunião (Elisa).

Ainda, ao serem levadas em conta a posição social da família de origem das


professoras e a valorização do trabalho e da escolarização, se pode estabelecer relação com o
ingresso na profissão docente.
Conforme os depoimentos, a entrada para o campo educacional esteve diretamente
relacionada às condições objetivas de vida das professoras, não sendo exatamente escolhas
pessoais. As professoras relatam:

Na realidade o que me levou a ser professora foi a necessidade. Na época


em que eu entrei para trabalhar nessa área eu entrei para ser como se fosse
uma cuidadora social, porque o concurso da época não pedia qualificação
nenhuma (Elisa).

Eu nunca tive vontade...Não, na verdade, nunca foi um objetivo assim: “Ah,


vou fazer faculdade” e de Pedagogia [...]. Quando eu terminei o Ensino
Médio eu comecei a trabalhar, comecei a trabalhar no aeroporto [...]
(Amanda).

Olha, eu caí de paraquedas nessa profissão. No aeroporto, onde eu


trabalhava, uma colega minha me disse que ia sair um concurso público e
me chamou para prestar. Ela me disse que era para ser recreacionista, para
cuidar de criança. Eu nem sabia o que era recreacionista. Eu, na dúvida,
ficava: “Ah, eu não sei, eu não sei”. Então, eu decidi que ia fazer a
inscrição. Eu até li o edital, mas se você me perguntar o que tinha no edital
eu não me lembro, não sei dizer o que tinha. E foi assim, prestei e passei
(Rita).

Eu entrei para a Pedagogia por acaso. Eu trabalhava numa empresa, na


verdade eu trabalhei em uma indústria farmacêutica por 13 anos. Eu me
casei, fui mãe, tudo lá dentro da empresa, lá eu trabalhava a noite. Como eu
tinha os dois filhos pequenininhos não dava mais para trabalhar a noite. Aí,
eu precisava faltar. Meus pais moram em Minas eu não tinha ajuda
(Fabiana).

Em estudo sobre a identidade docente de professoras de educação infantil, Oliveira et


al. (2006) chamam a atenção para dados como os traços de experiências parecidos entre as
profissionais em exercício docente na creche e que dizem respeito à trajetória de vida anterior
ao ingresso na primeira etapa da educação básica. De acordo com as autoras, parte do grupo
das docentes entrevistadas era composto por mulheres provenientes de camadas populares,
que ainda jovens precisaram deixar os estudos para ajudar no orçamento doméstico ou foram
124

excluídas e reprovadas pela escola, dando início ao mercado de trabalho no período da


adolescência como costureiras, recepcionistas, telefonistas, caixas de supermercado, operárias
em fábricas de papelão, metalúrgicas, serventes em hospital, entre outras. Diante as
semelhanças entre as trajetórias de vida anterior ao ingresso na educação infantil, Oliveira et
al. (2006) destacam também o aparecimento de formas de iniciação ao trabalho na creche por
meio de atividades hegemonicamente desempenhadas pelas mulheres na sociedade, restritas
ao âmbito doméstico e consideradas de cuidado como as de domésticas, babás, auxiliares no
cuidado de irmãos etc.
Tendo em vista tais verificações, as autoras (OLIVEIRA et al, 2006) apontam a
possibilidade de relacionar as experiências de vida e as atividades exercidas anteriormente por
essas professoras ao ingresso delas na educação infantil, seja pelo fato de não ser exigida
nenhuma qualificação para tal cargo ao ingressarem antes das exigências quanto a formação,
seja pela feminização da atividade de cuidado e educação de crianças de zero a cinco anos.
Tal como demonstra a pesquisa de Oliveira et al. (2006), observa-se que em um
primeiro momento, a entrada de Elisa e Rita na profissão se evidencia como uma estratégia de
inserção ao mercado de trabalho, visto que ingressaram como recreacionistas. No entanto, a
formação profissional realizada posteriormente e que lhes conferiu o título docente, se destaca
como estratégia de ascensão, prevendo investimentos para a obtenção de maior volume de
capital cultural e social. Além disso, opera também como forma de se manterem e ascenderem
no campo educacional, uma vez que este é marcado por posições, lutas e disputas. Tal
situação pode ser verificada mediante aos depoimentos sobre a realização da licenciatura em
Pedagogia em 2002, ofertada pela rede municipal:

Não, não tinha essa dinâmica de obrigação para continuar no trabalho


[quando questionada se o curso de formação profissional teve caráter
obrigatório para as recreacionistas na época]. Era um trabalho voltado
para o social, era apenas social. Só depois de 2005, não, se eu não me
engano em 2010, foi que tudo mudou, foi depois disso que para entrar era
preciso ter Pedagogia. (Elisa).

Eu aceitei por conta da carreira[...]. Eu não ia conseguiria fazer se não


fosse assim [...]. Era status e olha que nem faz tanto tempo, eu me formei em
2005, faz 16 anos, mas era outro valor (Rita).

No caso das professoras que ingressaram na rede municipal com a formação em


Pedagogia, embora Amanda afirme a escolha pela profissão docente relacionada ao gosto
adquirido ao trabalhar como professora auxiliar em um colégio particular, seu ingresso na
profissão também demonstra escolha não pessoal, mas sim, consequente, como no caso de
125

Elisa e Rita, de condições objetivas. Para Amanda a profissão docente se tornou uma
alternativa para que pudesse permanecer no mercado de trabalho e cuidar do filho, bem como
relacionada à ascensão social, compreendendo o campo educacional como possibilidade,
prevendo maior volume de capital cultural, social e econômico, tendo em vista seus empregos
anteriores. O mesmo pode ser observado em relação à Fabiana. Nos depoimentos as
professoras pontuam:

Quando eu trabalhava no aeroporto, eu saia de casa e meu filho estava


dormindo, eu voltava e ele estava dormindo e aí eu chorava: “Ele não vai
me reconhecer como mãe, porque ele não me vê, só dorme”[...]. Eu ficava
preocupada com meu filho. Eu queria trabalhar menos para cuidar dele
[...]. Como eu comecei a trabalhar lá [no colégio particular como
professora auxiliar de informática], eu comecei a viver dentro de um
ambiente escolar, assim eu fui me interessando, fui gostando. Um dia eu
cheguei em casa e disse para meu marido: “Eu vou fazer Pedagogia.” Eu
dizia que estava adorando trabalhar na escola, no colégio da Polícia, que
estava muito bom. E ele disse para mim: “Então vai”. E eu fui, fui atrás da
faculdade (Amanda).

E eu pensei então que eu queria voltar a estudar, eu ia ficar em casa mesmo,


sem fazer nada, só cuidando das crianças. A Pedagogia era o curso mais
barato, mas aí eu pensei, em que eu vou usar a Pedagogia? Ah, eu vou usar
na educação dos meus filhos. Então, eu pensei em me formar em Pedagogia
para ajudar na educação dos filhos. Quando eu já estava fazendo eu gostei
do curso e tudo mais [...]. Ser professora com duas crianças é muito bom
porque você não trabalha em uma empresa fechada, eu tenho mais
flexibilidade de poder sair, conseguir dar uma passada ali, preciso ir ao
médico eu consigo, é bem diferente, principalmente como mãe e mesmo com
dois cargos (Fabiana).

Frente aos relatos apresentados, nota-se que as condições objetivas de vida das
professoras, que se relacionam à origem social, logo à posição ocupada por suas famílias de
origem, também se encontram vinculadas às relações de gênero socialmente estabelecidas.
“Ser mulher implica determinada forma socialmente constituída de ser e estar no mundo, que
diz respeito a valores e modos de pensar [...]” (PENNA, 2011, p.200).
Em pesquisa sobre as condições de vida e de trabalho de professoras dos anos iniciais
do ensino fundamental, Penna (2011) verificou aspectos marcantes relacionados à docência e
gênero. Ao discutir a escolha de professoras pelo magistério em relação às condições
objetivas que permearam as trajetórias sociais de tais docentes, a autora argumenta que “a
mulher é submetida ao trabalho de socialização que tende a negar suas prioridades, desejos e
vontades, o que faz com que aprenda a valorizar virtudes negativas como paciência e
abnegação, tão presentes no magistério” (PENNA, 2011, p. 201).
126

Conforme discutido no segundo capítulo, o magistério na educação infantil,


especificamente na creche, é exercido em sua maioria por mulheres. Tal condição vincula-se
também à desvalorização da função, principalmente por essa ter sido por muito tempo
compreendida em relação ao trabalho materno e ao ideário de atributos socialmente
compreendidos como femininos, tais como a docilidade, amor e paciência.
Além das necessidades relacionadas ao cuidado dos filhos, socialmente imposta a
muitas mulheres, outro aspecto relacionado ao gênero que chama a atenção é, de acordo com
os depoimentos, o fato de o magistério ser compreendido pelas docentes como uma função
que de certa forma traz relação com a maternidade. Observou-se nos relatos a vinculação
realizada pelas professoras entre as ações de cuidados com os filhos e o trabalho que realizam
nas creches, assunto esse que será aprofundado nas próximas seções
Partindo dos relatos das professoras é possível notar que o ingresso à docência além de
diretamente relacionado às condições objetivas em relação à origem social, também se
relaciona ao fato de serem mulheres, de modo a lhes oportunizar a manutenção de uma dupla
jornada, dividida entre os cuidados dos filhos e o trabalho fora de casa. Assim, o magistério
tornou-se uma alternativa de acesso à profissionalização, também ao se constituir como uma
opção plausível, inclusive economicamente acessível, além de uma oportunidade de ascensão
social, tornando-se assim um trabalho apropriado tanto para as professoras com maior tempo
de ingresso na rede, como para as professoras com entrada mais recente na creche.
Tal relação com o trabalho, compreendido como apropriado, pode ser verificada em
algumas falas. Frente aos depoimentos não se verifica a ideia de vocação, contudo, os relatos
confirmam a satisfação que as professoras exprimem ao realizarem determinada função, o que
demonstra a ideia de identificação com o que realizam:

Olha eu acho que hoje eu gostaria de realizar mais, mas eu sigo satisfeita.
Eu gosto do que eu faço, não foi o que eu escolhi, mas eu me encontrei nessa
profissão (Elisa).

Gosto muito do que eu faço. Faço com amor, tanto que tem até uma briga
assim com meu marido, porque a gente construiu uma casa no interior e ele
quer abrir uma padaria. Aí, eu falo para ele que eu não me vejo largando a
minha profissão para ir para lá (Amanda).

Me sinto cem por cento satisfeita, eu sou realizada no meu trabalho [...] O
que eu sei fazer é isso e talvez eu não faça do melhor jeito possível, mas eu
tenho certeza de que eu faço o melhor que eu posso fazer, isso eu sei por que
eu sinto (Rita).
127

Ainda de acordo com os depoimentos das professoras, suas trajetórias indicam um


movimento de mobilidade social em relação à família de origem. Um dos pontos que
representa tal mobilidade é a formação profissional das professoras, as quais relatam ser a
primeira integrante da família a realizar curso superior, acumulando assim maior volume de
capital cultural em relação aos pais, o que para as professoras e famílias é compreendido
como motivo de orgulho:

Então, aquela coisa, meus pais que não tinham formação, para eles virem a
filha indo para faculdade, trabalhando como professora para eles é
gratificante. É gratificante! É como eu ver os meus filhos terminando a
faculdade, exercendo uma profissão, ver eles trabalhando, pensar que eles
estudaram e estão correndo atrás da vida (Elisa).

Eu acho que é um orgulho para eles, para eles eu acho que um orgulho, ter
sido a primeira a fazer uma faculdade, passar no concurso. Então, é um
orgulho (Amanda).

Eles [familiares] me admiram muito pela força de vontade e eu sempre fui


muito paparicada, então agora não é diferente porque eu sempre fui o
orgulho e ser professora reforçou aquela ideia errada que eles tinham de
que eu era inteligente, porque quando você fala que você é professora todo
mundo liga com a inteligência, que não quer dizer nada disso. Passar no
concurso também é motivo de orgulho para eles, o que não é para qualquer
um, logo em quatro concursos (Fabiana).

Também é possível notar ascensão em sentido econômico, uma vez que se observam
diferenças entre suas infâncias e as infâncias de seus filhos, bem como mudanças quanto às
dificuldades financeiras enfrentadas quando crianças. Assim, relatam as professoras:

Eu acho que a situação financeira mudou bastante, em relação a eu e ao


meu esposo trabalharmos. Como os dois trabalham as coisas ficam bem
mais fáceis, são bem diferentes. Então eu acho que são oportunidades bem
diferentes para os meus filhos (Amanda).

Eram situações difíceis [se refere às necessidades financeiras que da


família de origem], diferente das que temos hoje e que ficou marcado pela
forma negativa. Onde tinha disponibilidade de ganho de alguma coisa para
as crianças, meus pais iam atrás [...]. Sobre a questão de ganho financeiro,
acho que a minha família está bem. Eu contribuo com meu esposo, meus
filhos.

Eu acho que tivemos infâncias muito diferentes. Eles têm muito mais acesso
à informação, acesso à brinquedos, à boas escolas [...]. Em questão
financeira é bem diferente também (Fabiana).

Nesta seção pretendeu-se analisar elementos relacionados à origem social, logo, às


condições objetivas que permearam as trajetórias sociais das quatro professoras participantes
128

deste estudo. Buscou-se localizar, perante os depoimentos, indícios que apontam para
possíveis valores e disposições relacionados à posição social da família de origem das
docentes investigadas e que de alguma forma se apresentam na prática pedagógica que
exercem no trabalho com as crianças na creche.
Os relatos demonstraram a valorização do trabalho e da escolarização, ambos
relacionados à posição social das famílias de origem das professoras investigadas. Além
disso, destacou-se a escolha pela profissão docente, não como escolha pessoal, mas vinculada
às condições objetivas relacionadas às suas trajetórias sociais, apontando também para as
questões de gênero que envolvem a docência e principalmente o trabalho na creche, o que
também se relaciona à configuração de valores que se expressam na docência com as crianças
nas creches, tal como será discutido nas próximas seções.

4.2 Entre cuidar e educar: aspectos da função docente, cultura escolar e função social
da creche

Para além dos valores e disposições referidos à origem social, destacados na seção
anterior, nesta pesquisa buscou-se verificar elementos relacionados às condições objetivas
referidas ao espaço social em que as professoras exercem a docência, ou seja, o campo
educacional e a creche.
Como discutido ao longo do trabalho, considera-se que o atendimento à criança de
zero a três anos, mediante ao seu histórico, ocupa posição desvalorizada no espaço social,
sendo permeado por tensões e implicações de suas especificidades.
Frente a tais considerações, pretendeu-se averiguar como o campo educacional e a
cultura escolar que desse se consolida, bem como a posição social de desvalor das creches em
seu interior contribuem na configuração de valores e disposições que orientam o trabalho com
bebês e crianças pequenas. Assim, as concepções acerca das práticas docentes na creche
foram analisadas de modo a relacionar as percepções que as professoras possuem às
condições objetivas que permeiam determinada instituição e a profissão docente nesta etapa
da educação básica.
Dentre as grandes tensões que permeiam a educação infantil, encontram-se as relações
estabelecidas a partir das concepções que envolvem o binômio cuidar-educar, condição ligada
diretamente à função social da creche, isso pois, como discutido nos capítulos anteriores,
ainda que reconhecida em sua prerrogativa de direito, a primeira etapa da educação básica
129

configura-se como uma etapa cindida, não estando clara o suficiente a relação indissociável
entre essas duas ações.
Embora cuidar e educar se apresentem como condições indissociáveis e dispostas às
instituições de educação infantil, tal como estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2009a), o que tem se verificado na prática é que
a compreensão destas duas ações têm ocorrido de forma estreita (BUJES, 2001; HADDAD,
2002; COSTA, 2014).
Frente ao questionamento sobre o papel da educação infantil, observa-se que as
professoras entrevistadas compreendem como finalidade da primeira etapa da educação básica
a responsabilidade sobre a educação de crianças pequenas. Em um primeiro momento notou-
se que para as docentes, a creche se constitui como um espaço que a criança frequenta com o
intuito de que sejam desenvolvidas determinadas aprendizagens, para além do cuidar:

[...]eu tenho que me preocupar também com a formação educacional dela


[...]. Eu tenho que me preocupar com a saúde dela, com o cuidar dela, mas
eu tenho que acrescentar alguma coisa nessa criança. Eu vou passar o
tempo todo cuidando dela? Só cuidando dela? O que mais vou ofertar para
ela? nada? (Elisa).

Eu falava para as mães assim: “Vocês acham que eles vêm para creche,
que eles vêm só para brincar, só que eles aprendem brincando. Tudo o que
a gente faz com eles tem uma intencionalidade, todas as brincadeiras que a
gente faz. Ir no Parque? Eles não estão jogados lá no parque, eles estão
aprendendo (Amanda).

[...]eles estão ali para aprender. Eu falo isso para eles, sempre digo: vocês
querem ficar sentados, descansando? Descansem em suas casas, aqui vocês
não estão para isso, vão fazer alguma coisa (Rita).

Os depoimentos das professoras expressam o que definem como suas funções em


relação ao trabalho docente com as crianças. Manifestam-se em suas falas a compreensão de
que são diretamente responsáveis pelo ensino de aspectos relacionados a aprendizagens
escolares:

Eu trabalho com o maternal, as crianças têm cerca de três anos. Eu gosto de


trabalhar e pensar que essa criança… Bom, eu não tenho que preparar ela,
mas ao mesmo tempo ir preparando para o que vem pela frente (Elisa).

Eu acho que é importante ser professora de educação infantil. É ensinar,


mas também é cuidar (Amanda).

Ser professora é pegar aquela criança que está com vontade de tudo e que
não sabe o que é e você só conduz, sabe? Ele vai entrar ali naquele nosso
ambiente e você vai apresentar coisas novas para ela (Rita).
130

Embora apontem a função educacional na creche, verifica-se que não há a mesma


convicção em relação às crianças menores atendidas na instituição, apesar de demonstrarem
preocupação durante a entrevista em reafirmar o sentido educativo para os bebês.
Amanda, por exemplo, destaca que os bebês no berçário I se desenvolvem ao brincar
no parque, no entanto, ao comentar sua preferência afirma ter dificuldade no exercício
docente com crianças menores, ao levar em conta que o trabalho com essa faixa etária
demanda o cuidado, não abarcando muito, em seu entendimento, a prática pedagógica. Em um
mesmo sentido, Rita e Fabiana comentam sobre o exercício docente no berçário I, ponderando
que há menos retorno por parte dos bebês sobre as aprendizagens que ocorrem:

O berçário I é muito gostoso de trabalhar, só que o berçário I é muito


cuidado e assim, a prática pedagógica é muito difícil trabalhar com os
pequenininhos. A gente trabalha, lógico, a parte pedagógica, a gente conta
história, a gente canta, a gente faz atividades, mas é muito menos do que a
gente consegue trabalhar no maternal. No maternal a gente consegue
desenvolver muito mais atividade (Amanda).

Eu vejo a minha proposta melhor no maternal, de autonomia, de papel, o


retorno vem melhor assim. Eu gosto porque é mais fácil de lidar, não tem
fralda, é mais fácil de conversar com as crianças e existe um retorno mais
rápido. Você vai fazer uma atividade com berçário I e eles ficam com
nojinho do papel, com medo do papel, enquanto as do maternal não (Rita).

Quando entrei eu fui para um berçário II que eu acho que é uma faixa etária
maravilhosa, maravilhosa porque te dá o espaço que o berçário I não dá,
apesar de ser fofo[...] Eu acho que o berçário II dá esse respiro, para você
curtir a sala, para você conseguir enxergar algumas coisas, porque nos
mais pequenininhos [se refere ao berçário I] você não consegue enxergar
porque você quer mais socorrer, não é? É mais para socorrer do que
qualquer outra coisa e no berçário II não, lá você dá risada quando eles
chutam, dá pulo porque eles já sabem chutar, porque brincam pra lá e pra
cá. Aquele que não conseguia começou a chutar e você já consegue ver o
avanço e tudo mais (Fabiana).

Os relatos sobre as práticas com as crianças maiores do maternal, em comparação com


as práticas com bebês do berçário I, marcam a concepção que o processo educativo de maior
importância se dá por meio de atividades realizadas pelo professor, por meio de práticas
escolarizantes, em que as profissionais se sentem “mais professoras” ao poderem realizar tais
ações com as crianças mais velhas da creche, obtendo assim o que consideram como um
retorno positivo da função que realizam.
131

Tristão (2005) chama atenção para o fato de que ações que ocorrem com bebês não
são compreendidas como parte do processo educacional, levando em consideração o que se
compreende por processo educativo, tendo como régua o preceito capitalista e sua lógica
estruturante, que valoriza a obtenção de resultados rápidos. Assim, destaca que:

Apesar da simultaneidade de coisas que acontecem em um berçário, onde há


diversas crianças com necessidades e anseios específicos (um chora, outro
quer dormir, um quer colo, outro quer brincar, um está com a fralda suja,
outro caiu...), com os bebês existem coisas que acontecem de forma muito
lenta e não imediatamente evidentes, ou seja, o tempo dos bebês não é o
tempo da sociedade de um modo geral (TRISTÃO, 2005, p. 4).

Para a autora, a prática docente com bebês é caracterizada pela sutileza das ações
cotidianas que a compõem, as quais passam despercebidas como experiências constitutivas do
contexto educativo da creche. Em suas considerações, determinada concepção encontra-se
relacionada também à visão adultocêntrica que impossibilita que seja legitimado o jeito
próprio das crianças sentirem, serem e agirem no mundo.
Na contramão do que consideram as professoras sobre as aprendizagens dos bebês, é
preciso considerar que determinado espaço e fase da vida envolvem a importância das
relações, da comunicação, além da organização dos espaços para que seja contemplada a
atividade autônoma dos bebês e crianças pequenas na vida escolar, de modo que seja rompida
a concepção presente na cultura adultocêntrica da criança como um ser passivo e incapaz
(MELLO, 2021). “Educar bebês não significa apenas a constituição e a aplicação de um
projeto pedagógico objetivo, mas colocar-se, física e emocionalmente, à disposição das
crianças, o que exige dos adultos comprometimento e responsabilidade” (BARBOSA, 2010,
p. 5).
Citando as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI)
(BRASIL, 2009a), Barbosa (2010) destaca três aspectos imprescindíveis na constituição de
propostas para a educação de bebês em espaços coletivos, sendo o primeiro a compreensão
dos bebês como sujeitos de direitos e de história, de modo a torná-los protagonistas no projeto
educacional; o segundo “a defesa de uma sociedade que reconheça, valorize e respeite a
diversidade social e cultural e que procure construir a igualdade de oportunidades
educacionais entre as crianças” (BARBOSA, 2010, p.3); e o terceiro a valorização das
relações interpessoais entre crianças e destas com adultos, relações estas que oferecem
elementos para a construção da sociabilidade e constituição subjetiva de cada criança.
132

A fala da professora Fabiana sobre as aprendizagens das crianças expressa a


concepção da criança menor como um sujeito ainda a ser construído:

Eu acho que a criança é muito pura, ainda mais nessa faixa etária, depois,
tadinhos, eles são influenciados pelo meio, pelas outras coisas, mas quando
eles são pequenininhos assim eles são tão puros, são tão dependentes, não
é? E dá para se plantar. Eles são tão férteis, não é? Dá para plantar tanta
coisa. Eu acho que eles são solo fértil nessa faixa etária, elas são as
sementes boas em que se deve plantar (Fabiana).

Ao discutir sobre a educação da criança pequena, Bujes (2001) afirma que essa deve
envolver dois processos indissociáveis: cuidar e educar. A autora pontua que a inserção das
crianças no mundo não seria possível sem atividades voltadas simultaneamente a estas duas
instâncias.
Mediante a polarização que se instaura perante a estas duas ações na educação infantil,
em que o cuidar muitas vezes significa o desenvolvimento de atividades voltadas para
cuidados primários como: sono, higiene e alimentação, Bujes (2001) chama atenção para o
que de fato configura determinada atividade a ser realizada. Assim, afirma que o cuidar inclui
preocupações que:

[...]vão desde a organização dos horários de funcionamento da creche,


compatíveis com a jornada de trabalho dos responsáveis pela criança,
passando pela organização do espaço, pela atenção aos materiais que são
oferecidos como brinquedos, pelo respeito às manifestações da criança (de
querer estar sozinha, de ter direito aos seus ritmos, ao seu “jeitão") até a
consideração de que a creche não é um instrumento de controle da família,
para dar apenas alguns exemplos (BUJES, 2001, p.16).

De acordo com a autora, o cuidado da criança pequena não está relacionado apenas ao
seu direito, mas também à possibilidade de que homens e mulheres possam exercer de forma
mais ampla seus papéis como cidadãos(ãs) e trabalhadores(as), uma vez que, ao determinar
exigências de trabalho a sociedade passa a ter obrigação de prover ambientes seguros,
acolhedores, instigadores com adultos preparados.
Em um mesmo sentido, Costa (2014) aponta a necessária compreensão acerca das
ações de cuidado sob uma rede de significações mais ampla, como um conjunto de
concepções mais abrangentes, para além da satisfação de condições exclusivamente orgânicas
na criança.

Na educação infantil é possível afirmar que os cuidados estão associados à


sobrevivência e ao desenvolvimento da identidade da criança, de todas as
133

crianças. Um desenvolvimento que não é isolado em si mesmo, mas que se


encontra envolvido em um tempo histórico. Um processo que é
proporcionado por sujeitos protagonistas e com seus componentes
individuais, físicos, psíquicos e culturais. As interações entre participantes
do cuidado ocorrem a partir de inúmeras possibilidades, criança-educadora,
criança-mãe, criança-criança. Os cenários ligados ao cuidar se configuram
em espaços físicos diferentes, mas profundamente articulados, pelo objetivo
comum do cuidado à criança (COSTA, 2014, p.68).

Nas considerações da autora, embora ocorra um grande salto nas políticas públicas
educacionais, em que passam a ser valorizadas e são impulsionadas diretrizes fundamentais
para a primeira etapa da educação básica, de modo a enfatizar o direito da criança ao cuidado
e a educação, o binômio cuidar e educar parece ainda não ser bem compreendido.
Para as professoras entrevistadas, nota-se que o cuidar ainda é entendido em seu
sentido assistencialista e de cuidados primários, como destacam Bujes (2001) e Costa (2014).
Ao relatarem sobre as necessidades de cuidado na creche, as professoras relacionam tais
necessidades a situações específicas, tendo o olhar voltado apenas para crianças em estado de
vulnerabilidade:

Ai, eu vou me preocupar com o que? Se a criança está suja, porque tenho
que dar banho nela, vou me preocupar se ela está com piolho, que são
coisas que tenho que me preocupar (Elisa).

[...]a gente ainda tem que ter essa visão de um olhar para o cuidado,
porque às vezes a gente se perde pensando assim: “Ah, porque a mãe é
relaxada, a mãe é isso, mas a gente não olha para criança, né? A gente tem
que ter esse olhar cuidadoso na criança (Amanda).

Além disso, observa-se que ao se referirem às ações com crianças um pouco maiores,
não se fazem presentes termos relacionados ao cuidado, mas indicações sobre aprendizagens e
atividades de cunho escolar.
Ao relatarem sobre suas práticas, as professoras referem-se ao trabalho dos demais
colegas da escola, com exceção às suas parceiras de sala, como diferente do que realizam. Em
suas falas, se colocam em posição de destaque ao definirem que os demais colegas não
exercem o trabalho docente da forma que acreditam que deveriam, de acordo com o que
defendem ser necessário para a creche.
Mesmo se colocando em uma posição diferenciada das colegas ao afirmarem oposição
às atividades compreendidas como atividades escolarizantes, verifica-se conforme os relatos
sobre suas práticas docentes que elas também são mantidas pelo olhar pedagogizado, o que
134

pode ser observado nas falas sobre as brincadeiras e outras atividades sempre atreladas à uma
finalidade educativa:

Era um coração gigante, que a gente encheu de bola de crepom. Eles


colocaram um monte de bolinhas de crepom e é assim que eles vão
aprendendo também (Fabiana).

[...] que nem na hora do brinquedo, gostávamos de trabalhar as cores,


brincando eles estavam aprendendo. A gente dizia: “Olha, vamos guardar
os brinquedos, vamos guardar as pecinhas, eu quero todas as pecinhas
amarelas”. Desse jeito elas iam pegando as pecinhas amarelas. Aí a gente
trocava e pedia: “Agora eu quero todas as pecinhas vermelhas” aí, eles iam
pegar as vermelhas. Eles iam por cores e então, eles iam todos aprendendo
[...] (Amanda).

Tem criança que vai para o parque e fica grudado com a gente, eu já digo
“Sai daqui, vai lá brincar, vai descobrir, vai explorar, entrar nesse mato,
vai procurar o negócio que eu escondi, porque até isso é aprender, não é?
(Rita).

Finco (2007) destaca que muitas das atividades do cotidiano de creches e pré-escolas,
ainda que propiciem a brincadeira, acabam por controlar os corpos e o brincar, tornando-os
escolarizados. A autora observa que determinada atividade muitas vezes é limitada a um
tempo e espaço, o que a torna uma condição educativa relacionada apenas a uma finalidade
externa e superficial de um jogo educativo.

Ao instituir tempo e lugar para as brincadeiras, a cultura escolar parece que


procura garantir um tempo para a educação racional do corpo das crianças,
aliado a uma parte recreativa, que funcionaria como isca para atraí-las
(FINCO, 2007, p.96).

Kishimoto (2010) define a brincadeira como um direito, uma ação livre iniciada e
conduzida pela criança, sem hora estabelecida para início e sem a exigência de um produto
final. A autora compreende a educação infantil como um período de extrema importância para
a introdução das brincadeiras.
Conforme discutido neste estudo, são definidos pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2009a) como eixos norteadores das
práticas pedagógicas na educação infantil, as interações e as brincadeiras.
Tendo em vista tais eixos, Kishimoto (2010, p.3) destaca como momentos importantes
que devem ser oportunizados na primeira etapa da educação básica levando em conta as
brincadeiras: i) as interações com os professores, o que auxilia no conhecimento do mundo
social, oportuniza maior riqueza, complexidade e qualidade às brincadeiras, “especialmente
135

para bebês, são essenciais ações lúdicas que envolvam turnos de falar ou gesticular, esconder
e achar objetos”; ii) as interações com outras as crianças, o que garante a construção,
recriação e conservação da cultura e repertório lúdico infantil; iii) interação com os
brinquedos e materiais, fundamental para o conhecimento do mundo dos objetos; iv) interação
entre criança e ambiente, situação em que a organização dos espaços influencia, facilitando ou
dificultando a realização das brincadeiras e interações; e por fim, v) a relação entre a
instituição e a família, que permite a integração da cultura popular e dos brinquedos e
brincadeiras que a criança conhece no projeto pedagógico.
Ainda sobre o brincar, Dornelles (2001) aponta tal ação como uma das formas de
expressão e comunicação da criança em que a cultura infantil é perpetuada e renovada. Para a
autora, mediante a brincadeira as crianças desenvolvem formas de convivência social,
recebem e modificam conteúdos, além de adquirirem novos saberes, incorporando-os a cada
novo brincar. Compreendendo a brincadeira como principal atividade do cotidiano da criança,
Dornelles (2001) argumenta sobre a importância de se assegurar e garantir nas instituições de
educação infantil condições que envolvam apenas o prazer de brincar.
Os relatos das professoras acerca das brincadeiras demonstram que determinada
atividade é compreendida mediante finalidades educativas, uma vez que estas são realizadas
sob a condição de direcionamentos e comandos, tal como recurso para aprendizado.
Mediante a análise dos depoimentos, verifica-se que o olhar pedagogizado quanto ao
trabalho com crianças maiores não é percebido. As professoras compreendem a creche como
um lugar em que as crianças frequentam para que possam aprender. Assim, postulam como
necessária a realização de atividades voltadas a estas questões. Pode-se relacionar
determinadas condutas à concepção que possuem sobre o que se espera da escola, bem como
da função do professor, tendo como parâmetro o sistema educacional e suas demandas.

A consolidação da educação infantil como primeira etapa da educação básica


define-se como uma conquista, entretanto, contraditória. Se por um lado
determinada mudança concedeu ganhos ao ser colocada em condições de
maior atenção por meio de políticas educacionais, por outro, acarretou por
meio dessas mesmas políticas a concepção de uma etapa fragmentada e
relacionada às mesmas condições educacionais que as demais etapas, de
forma que a infância passa a ser nada mais do que um momento de
passagem, que precisa ser apressado como, aliás, tudo em nossa vida
(BUJES, 2001, p. 17).

Neste sentido, cabe destacar a dificuldade quanto ao desprendimento da forma escolar,


mesmo sendo a creche uma etapa de necessidades tão específicas. Para Vincent, Lahire e Thin
136

(2001) a forma escolar não tem cessado de se estender e se generalizar para se tornar o modo
de socialização legítimo e dominante de nossas formações sociais, tendo se imposto esta
como referência não consciente. Assim, afirmam que:

Quando se observam, hoje, as relações entre adultos e crianças nas nossas


formações sociais, fica patente a propensão de transformar cada instante em
um instante de educação, cada atividade das crianças em uma atividade
educativa, isto é, uma atividade cuja finalidade é formá-las, formar seus
corpos, formar seus conhecimentos, formar sua moral. Sendo que todos esses
aspectos são indissociáveis (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001, p.43).

Em pesquisa sobre práticas pedagógicas na educação infantil e relações de poder, Lira


(2008) problematiza as relações existentes no contexto educacional estruturado para crianças
pequenas. Em suas considerações a autora aponta forte pedagogização das práticas presentes
na educação infantil, revelando a grande priorização de procedimentos pedagógicos
tradicionais, o que em sua concepção acaba por deteriorar experiências tais como o brincar.
Segundo a autora:

[...] embora o momento histórico atual esteja marcado por uma maior
organização das ações e discussões que incluem novas concepções
educacionais de atendimento à infância, a maioria das práticas ainda
apresenta muitos problemas, resultado de incompreensões e
desentendimentos sobre as necessidades das crianças (LIRA, 2008, p.319).

Ainda de acordo com Lira (2008), as formas de organizar e conduzir as práticas na


educação infantil estão relacionadas a uma intenção reguladora e disciplinadora dos
indivíduos.
Localiza-se na fala das professoras a ideia de indisciplina quando se referem à
algumas crianças. Tal representação revela valor à disciplina por parte das docentes e a
concepção de que crianças, mesmo que pequenas, necessitam se comportar como alunos e se
manterem contidas:

Eu me lembro de um acontecimento, nós tínhamos um menino que era


muito arredio e ele dava muito trabalho na escola [...]. O nome dessa
criança era Murilo23e ele dava muito trabalho e ele já estava ali há vários
anos, desde o berçário (Elisa).

23
Nome fictício
137

E as crianças viam que a dinâmica dele [uma das crianças] era de


violência, era de desafiar o professor, porque a gente falava para as
crianças: “Gente, o que o Enzo24 está fazendo é correto?”. E as crianças
respondiam juntas que não era. Perguntávamos então: “O que tem que
fazer?” E eles já respondiam: “Tem que ser bonzinho” (Rita).

Barbosa (2006) discute a consequência das concepções sobre a infância criadas ao


longo da modernidade e a existência de diferentes planos sobre a educação e o cuidado das
crianças pequenas. Levando em conta a forma como surgiram as instituições de atendimento a
tais sujeitos, a autora destaca que decorreram da divisão de grandes espaços de contenção
social, sendo orientadas por propostas de ações baseadas inicialmente em princípios religiosos
e caritativos, e complementadas por conhecimentos técnicos e científicos a partir do
desenvolvimento da ciência, passando a ser ditadas normas da boa educação para a pequena
infância. Segundo Barbosa (2006), tal configuração resultou em um processo de padronização
do comportamento das crianças e de rotinização das atividades a serem realizadas na creche e
nas pré-escolas a partir da estruturação de espaços específicos para os cuidados, com a
educação de crianças pequenas ocorrendo em mundos fechados, ordenados e regulamentados,
com atividades previamente programadas e com o uso de materiais específicos em tempos
cronometrados.
Ao questionar os significados da infância e os pressupostos que sustentam os
discursos acerca da educação na atualidade, Bujes (2002) afirma que se concebe uma forma
de infância que já está posta há tempos, em que não há questionamentos. Em suas palavras, tal
definição de sujeito educacional, principalmente da criança, tem sido constituída pelos
discursos institucionais, formulações científicas e meios de comunicação. Para Varela e
Alvarez-Uria (1992) as definições atuais de criança não são uma forma natural e nem eterna,
mas uma instituição social ligada a práticas familiares, modos de educação e às classes
sociais.
Os relatos das professoras deixam a ver marcas da concepção de infância e de sujeito
educacional que orientam suas ações. As práticas relatadas pelas professoras encontram-se
dessa forma também relacionadas à visão que possuem e como reproduzem tais sujeitos. A
falta de compreensão das especificidades da educação e cuidado de bebês e crianças pequenas
demonstra a concepção de infância que vai ao encontro dos diversos discursos do campo

24
Nome fictício
138

educacional sobre a uma forma escolar que deste se consolida e impera frente a uma cultura
escolar, definindo o que é ser e como deve ser este aluno, frente às condições disciplinares.
Silveira e Abramowicz (2010) argumentam sobre as expectativas sociais e saberes que
determinam um bom aprendiz, ocorrendo a produção de determinado sujeito por meio de
aprendizagens que se dão para além dos diversos espaços sociais, também na escola, sendo o
professor um dos responsáveis por tais ensinamentos. Para as autoras:

[...] a produção do bom aprendiz ocorre em vários sentidos: ensinam às


crianças certas regras de como se comportar, a necessidade de uma certa
imobilidade, o silêncio enquanto exigência de aprendizagem, obediência às
ordens dadas pelos adultos e o esquadrinhamento em relação à adequação do
uso do espaço escolar " (SILVEIRA; ABRAMOWICZ, 2010, p.56).

Finco (2007) destaca que além das marcas de escolarização e controle dos corpos,
outra forma de controle que também precisa ser discutida diz respeito às marcas de distinção
entre os corpos de meninos e meninas. Para a autora, tais marcas são naturalizadas e
reproduzidas por meio de mecanismos sociais e técnicas que normatizam, disciplinam,
regulam e controlam os corpos, constituindo comportamentos, verdades e posturas sobre o ser
menino e menina.
O minucioso processo de feminização e masculinização dos corpos que se inscreve no
controle dos sentimentos, no movimento corporal, no desenvolvimento de habilidades, entre
outros aspectos, que se relacionam diretamente às expectativas que a sociedade e a cultura
carregam, refletem diretamente em ações e percepções presentes nas instituições sociais,
inscritas de forma sutil e não percebidas (FINCO, 2007). Sobre o assunto, Finco e Vianna
(2009, p.273) destacam:

Muitas vezes, instituições como família, creches e pré-escolas orientam e


reforçam habilidades específicas para cada sexo, transmitindo expectativas
quanto ao tipo de desempenho intelectual considerado “mais adequado”,
manipulando recompensas e sanções sempre que tais expectativas são ou não
satisfeitas. Meninas e meninos são educados de modos muito diferentes,
sejam irmãos de uma mesma família, sejam alunos sentados na mesma sala,
lendo os mesmos livros ou ouvindo a mesma professora. A diferença está
nas formas aparentemente invisíveis com que familiares, professoras e
professores interagem com as crianças.

De acordo com Finco e Vianna (2009, p.274), as formas de controle disciplinar


ocorrem de modo diferenciado entre meninos e meninas e estão diretamente “relacionadas ao
controle do corpo, à demarcação das fronteiras entre feminino e masculino e ao reforço de
139

características físicas e comportamentos tradicionalmente esperados para cada sexo nos


pequenos gestos e nas práticas rotineiras”.
No que concerne à questão, Silveira e Abramowicz (2010) constatam as diferentes
relações estabelecidas frente a meninos e meninas em escolas de educação infantil. As autoras
refletem sobre o fato de por muitas vezes serem adotados por professores modelos estreitos
sobre o feminino e masculino. Determinada situação se apresenta na fala de uma das
professoras, em que demonstra a ideia de que meninas sejam ou devam ser mais disciplinadas
do que meninos:

Foi um Maternal muito da pesada. Eram dezesseis meninos, mais meninos


do que meninas na sala, então, era uma sala muito agressiva. Era uma
sala que eles brigavam assim de rolar no chão, era uma coisa absurda
(Amanda).

Embora os depoimentos analisados indiquem a valorização da disciplina,


demonstrando o que as professoras a compreendem como a forma que as crianças precisam
assentir, é importante considerar que o valor à disciplinarização também se relaciona às
condições objetivas concernentes às condições de trabalho, que serão discutidas mais adiante.
Os relatos que evidenciaram suas concepções sobre a indisciplina de algumas crianças
estiveram também relacionados às queixas quanto à organização das creches, bem como sobre
o número excedente de crianças por sala.
Os depoimentos aqui apresentados, que expressam as preferências das professoras
pelo trabalho com as crianças maiores da creche, indicam a compreensão do papel educativo
da instituição apenas sob ações que se relacionam a atividades escolarizantes, práticas
pedagogizadas, enquanto as ações de cuidado reservam-se aos bebês e/ou ainda, às crianças
em estado de vulnerabilidade.
A observação destes aspectos levantados mediante aos depoimentos das professoras e
que marcam o trabalho realizado nas duas creches da rede pública de Guarulhos, deixa a ver
que, o próprio atendimento à criança de zero a três anos é permeado por uma cisão, indicando
assim que a prática docente e a concepção acerca das necessidades e direito das crianças e
suas famílias quanto ao acesso à creche são compreendidos pelas professoras de forma
diferenciada quando levada em conta a faixa etária das crianças de zero a três anos, sendo
essas divididas entre bebês e crianças um pouco maiores.
Ao se referirem ao desempenho do trabalho com as crianças maiores, as falas das
professoras demonstram uma visão em que são privilegiadas atividades escolarizantes, que
vão ao encontro da cultura escolar. Tais práticas, que priorizam o trabalho voltado para
140

processos de escolarização em detrimento de ações de cuidado, marcam essas últimas como


desvalorizadas.
Reitera-se aqui que “ser professor implica ocupar determinada posição no espaço
social” (PENNA, 2012b, p. 200) e tal posição ao expressar e constituir um habitus
determinado ao exercício, engendra disposições para ação as quais orientam as tomadas de
posição e julgamentos, favorecendo também as práticas.
Segundo Bourdieu (2004), ao inserir-se em um determinado espaço social dotado de
um habitus específico o agente social, de forma inconsciente, ajusta suas estratégias às
necessidades impostas pela configuração social do campo, de forma que o jogo social jogado
neste espaço social se constitui em segunda natureza do agente. Para o autor, as ações dos
agentes estão relacionadas ao que o jogo demanda, no sentido que realizam o que
compreendem como o que deve ser feito.
Mediante a estas considerações, as condutas das professoras podem ser
compreendidas como estratégias realizadas a partir do senso prático que adquirem ao adentrar
no campo educacional e ocupar determinada posição social na creche.
É possível que, ao trabalharem com crianças maiores, as docentes se apropriem do
discurso sobre as especificidades da educação infantil, como por exemplo a importância do
brincar, e se utilizem desse discurso – sem perceber – para realizarem seu trabalho de acordo
com as necessidades imanentes ao campo educacional e suas condições objetivas, tais como
as condições de trabalho (que serão discutidas mais adiante); a cultura escolar; a posição
social da função docente. Para além disso, a posição desvalorizada do trabalho com crianças
menores, entendido como apenas referido ao cuidado, também marca as ações e concepções
sobre o trabalho na creche.
Dessa forma, nota-se que as professoras agem nas instituições a partir de valores
presentes no campo educacional ao mesmo tempo que se utilizam de referências de valores
atinentes à educação infantil.
141

5 CONDIÇÕES DE TRABALHO, FORMAÇÃO DOCENTE E CAMPO


EDUCACIONAL

Neste capítulo são apresentados dados atinentes às condições de trabalho e formação


docente relacionadas ao campo educacional e à creche.
Frente ao objetivo de verificar a forma como as condições objetivas deste espaço
social se relacionam a valores e disposições que se expressam em facetas da prática de
professoras de educação infantil, as condições de trabalho, bem como as aprendizagens da
função docente que se desenvolvem no atendimento à criança e zero a três anos identificam-se
como pontos importantes a serem abordados nesta discussão.

5.1 Condições de trabalho na creche: precarização e desvalorização do magistério


com crianças de zero a três anos e precariedade das condições materiais

Dando importância às condições objetivas referidas ao campo educacional, faz-se


necessário a este estudo compreender as condições de trabalho das professoras investigadas,
estabelecendo relações com a desvalorização do magistério, principalmente quanto às
professoras de educação infantil. Tais situações que rondam o trabalho na creche também
caracterizam as condições objetivas vivenciadas pelas docentes e trazem consequências para
suas práticas, bem como demonstram as relações sociais em que estão inseridas.
No que tange às condições do trabalho do professorado, essas são compreendidas e
analisadas mediante duas perspectivas, a saber: expressa pela precarização do trabalho,
condição essa referente à aspectos relacionados à carreira docente que envolvem elementos
como a jornada de trabalho, salário, formas de remuneração, formação continuada, direitos
trabalhistas, desvalorização social, dentre outros; e pela precariedade pertinente às condições
materiais de exercício docente que abrangem as estruturas físicas e materiais das escolas.
Ao discutir sobre as condições de trabalho que envolvem o magistério, Hypolito
(2012) pontua a necessária consideração da precarização da profissão. Afirmando a
interconexão entre a valorização docente e as condições de trabalho, o autor reconhece que
tais situações estão imbricadas com o conceito de precarização, o qual atinge diretamente as
condições objetivas e subjetivas de realização do trabalho relacionado ao magistério.
No debate sobre a precarização do trabalho docente, Sampaio e Marin (2004)
destacam que os problemas atinentes à tal situação não são recentes, mas crescentes e
constantes e estão relacionados às condições de formação e de trabalho dos professores, às
142

condições materiais, como: salário baixo e ausência de atratividade na carreira; ausência de


materiais pedagógicos; organização da escola e número de alunos por sala; quantidade de
turmas e escolas em que o professor trabalha; bem como a outras dimensões da escolarização.
Quanto ao magistério na educação infantil e a formação necessária ao seu exercício,
Conceição e Bertonceli (2017) discutem a forma como o processo histórico da primeira etapa
da educação básica contribuiu diretamente para que o trabalho desenvolvido com bebês e
crianças pequenas fosse compreendido, bem como se constituísse como precarizado, sob um
olhar reducionista no sentido de desqualificação do trabalho educativo, sendo assim,
desvalorizado o exercício docente com determinada faixa etária.
De acordo com Vieira e Souza (2010), o fato de ter se constituído como um ofício
relacionado ao gênero feminino acabou por naturalizar o vínculo da função docente nesta
etapa da educação básica às funções maternas e de trabalho doméstico, o que contribuiu
diretamente para a desprofissionalização de determinado exercício profissional. No
entendimento das autoras, tal situação favoreceu o assentimento da ideia da docência com
crianças pequenas como um dom, tendo em vista a concepção de vocação da mulher na
educação dos filhos, o que colaborou também com a justificativa de baixos salários ao se ter
em vista um trabalho realizado por amor, com bases em relações afetivas e sem necessidade
de qualificação.
Tal como aponta Cerisara (2002a), por muito tempo o trabalho nas instituições de
educação infantil não se diferenciou dos trabalhos manuais mais desvalorizados.
Tendo em vista que este estudo foi realizado com dois grupos distintos de professoras
no que diz respeito ao ingresso na profissão docente, os relatos evidenciaram diferentes
aspectos de suas condições de trabalho quanto ao tempo de exercício no magistério.
As condições às quais as professoras com maior tempo de entrada na rede municipal -
que iniciaram como recreacionistas - estiveram sujeitas, demonstram grandes dificuldades e
evidenciam o desprestígio da função ao não serem reconhecidas inicialmente como docentes,
bem como não possuírem formação em nível profissional. Além disso, demonstram a
precarização da profissão ao serem analisadas as condições que abarcam salário, carga horária
e intensificação do trabalho.
Verifica-se no relato das professoras Elisa e Rita, a descrição de jornadas extensas e
horas cumpridas para além do período de trabalho e má remuneração:

Eram tempos muitos difíceis. Você entrava oito horas da manhã e saía às
cinco horas da tarde, isso quando dava a sorte de sair esse horário. Quando
143

não, você saía sete, oito, nove. Tinha meninas que ficavam lá até às onze
horas da noite porque o pai não ia buscar a criança e aí a gente não podia
sair[...] Eu ganhava pouco, era R$565,00 e nós ficamos ganhando isso por
quase dez anos (Elisa).
Naquela época eu vinha da rotina de dar banho, era muito o lado social,
tirávamos piolho, cortávamos as unhas, éramos mais babá. Eu não entrei na
sala para ensinar, a gente cuidava, éramos babás de criança. Era muito
complicado e cansativo, fora que o salário era muito baixo e ficávamos o dia
todo (Rita).

Outro aspecto presente nos depoimentos diz respeito ao tipo de trabalho realizado,
dada a forma de ingresso na profissão sem formação em nível profissional, fazendo com que
tivessem que realizar diferentes tipos de atividades. Os depoimentos demonstram a
indefinição de quais seriam suas funções frente ao trabalho com crianças pequenas, marcando
a posição de desvalorização e desprestígio profissional:

Eu cheguei lá no primeiro dia, falei com a diretora e ela: “Mas você faz o
que?” Aí eu falei assim: “eu não tenho a mínima ideia”. Então, eu fiquei
ajudando na cozinha, ajudando um pouco na secretaria, cuidava de criança,
fazia a aplicação de flúor que tinha nessa época. Até mesmo se precisasse
comprar alguma coisa, era eu quem ia comprar. Era esse tipo de coisa. Eu
era uma “faz tudo” na realidade (Elisa).

Quando eu entrei, a moça me disse que eu ia trabalhar de segunda a sexta,


que eu ganharia aquele valor e ficaria em uma escola [...] Nós ficávamos
dentro da sala e se a criança quisesse ir ao banheiro era eu quem a
acompanhava, era esse tipo de trabalho. Depois de um tempo, eles colocaram
um ônibus na escola, a prefeitura fornecia esse ônibus para levar e buscar as
crianças em casa, como um transporte escolar. Nosso trabalho então virou o
acompanhamento dessas crianças nesse transporte. Nós éramos reduzidas a
andar nos ônibus com as crianças, nós éramos monitoras (Rita).

Certo desprestígio também é verificado quando Elisa e Rita se referem às


participações em eventos formativos da rede municipal e a forma como eram tratadas pelos
formadores da Secretaria de Educação (SE):

Bom, tinha essa parte porque ninguém sabia a que veio a recreacionista.
Era um mundo diferente porque nós somos da época em que nas formações
mandavam a gente calar a boca. Diziam: “calem a boca suas feirantes,
vocês não estão na feira”. Então, são coisas assim que ficaram para trás,
mas nós passamos. Eu me lembro desse dia, da sala cheia e a uma das
palestrantes que nos conhecia, nervosa falou assim: “Quem não for
professor, pode sair da sala. Não pode ficar. Já sabe que não pode ficar!”
(Elisa)

Éramos recreacionistas e por isso éramos muito discriminadas. Não


tínhamos formação, nem magistério e as professoras de educação básica
144

tinham. Então, para aceitar a gente no grupo foi bem complicado. Nós
éramos a escória. Sabe aquelas crianças que são escolhidas por último no
time porque não sabem jogar? [...]Nós éramos uma minoria, todos diziam
que entramos pelas portas do fundo da prefeitura (Rita).

O relato das professoras sobre as condições de trabalho no tempo em que ainda


atuavam nas funções anteriores às de professor de educação infantil deixam a ver a posição
ocupada no campo educacional por tais profissionais. Assim, vale destacar que o campo
educacional se constitui como um campo desprestigiado socialmente e, dentro dele, a
educação infantil ocupa a posição mais desprestigiada.
Compreendida como uma profissão desvalorizada, a docência apresenta maior
desprestígio quando relacionada ao trabalho com crianças de zero a cinco anos, encontrando-
se em posição ainda inferior as professoras que trabalham em creches.
Ao discutir sobre o desprestígio do magistério na educação infantil, Cerisara (2002a)
aponta três fatores que contribuem para tal condição de desvalor, a saber: i) a realização da
atividade profissional diretamente ligada à criança; ii) a idade dos educandos; e iii) a
necessidade de proximidade com o corpo do educando, em que quanto mais a atividade se dá
relacionada à sobrevivência, menor o prestígio do profissional.
Para Kuhlmann Jr. (1998), o entendimento sobre a educação infantil como etapa de
menor importância está diretamente relacionado ao fato dessa ser destinada às crianças
pequenas, o que também demonstra a desvalorização dos sujeitos infantis.
Mediante aos depoimentos de Elisa e Rita, cabe destacar as posições hierárquicas
existentes no campo educacional, no qual as professoras de educação infantil se encontram
em posição de maior desvalorização. A fala de Elisa sobre o não reconhecimento do trabalho
realizado na creche ilustra determinadas concepções que circulam entre os professores de que
o trabalho na instituição se dá de forma simplória, sem a necessidade de ações específicas que
levem em conta as necessidades infantis:

[relata sobre o seminário realizado no curso de Pedagogia] [...]eu me


lembro que o meu grupo tinha entre cinco e seis pessoas de educação
infantil, de creche. Uma vez nós levamos material das crianças e eles
ficaram assim abismados com a produção das crianças: “Nossa, mas eles
não fizeram isso” “Sim, fizeram” “E de onde veio esse trabalho?” ''Veio de
livro tal, veio disso e tal” e eles não acreditavam. Na primeira apresentação
a gente só levou os trabalhos que eles produziam. Ai, no segundo momento,
o que que nós percebemos? É que nós tínhamos que levar as fotos para
que eles pudessem ver que a gente não estava mentindo e que aquilo era
verídico. Então, foi onde começaram a conhecer o trabalho da creche, o
trabalho que era desenvolvido lá. (Elisa).
145

No que tange às falas das professoras Amanda e Fabiana, com ingresso mais recente
na rede municipal, também foram observados apontamentos relacionados à precarização do
trabalho docente na creche mediante algumas situações que se diferenciam das relatadas pelas
professoras mais antigas, mas que também demonstram a situação a que estão expostos os
Professores de Educação Infantil (PEI) do munícipio, principalmente os professores
iniciantes.
Sobre o ingresso de Amanda na rede, a professora descreve situações que demonstram
a precariedade dessas condições. Destacando sua experiência como professora volante ao
início da carreira, Amanda descreve sua insegurança ao participar dos processos de escolha de
local de exercício, bem como as situações pelas quais passam os colegas na mesma situação:

Na época, eu me lembro que eu fui uma das últimas da escolha. O pessoal


que estava na frente escolheu tudo, nisso acabaram as vagas, eu falei para a
moça que estava organizando: “Meu Deus, agora? O que acontece com
esse pessoal? Acabaram as vagas e ainda tem um monte de gente.” Ai a
moça falou: “Agora terão as vagas dos volantes”[...] Eu graças a Deus não
rodei muito, não, porque eu vejo colegas de profissão que rodam muito, vão
de volante e ficam uma semana, aí já vai para outra. (Amanda).

Para além da insegurança, outra questão muito latente expressa nos depoimentos das
duas professoras diz respeito ao lugar em que são posicionadas quando das escolhas de turma,
ocupando sempre as posições que são consideradas de menor valor dentro da creche, neste
caso, o trabalho com os bebês. Fabiana e Amanda comentam sobre o fato de trabalharem por
muito tempo nas salas que atendem a menor faixa etária da creche:

Desde que eu entrei nesta escola eu havia apenas trabalhado no berçário I


(Amanda).

E como sempre o berçário I é o que sobra para quem está entrando,


porque as professoras mais velhas não querem pegar, não é qualquer um
que pega o berçário I. Chega a parecer até um castigo, porque quem está
começando precisa estar no berçário I (Fabiana).

As falas das professoras expressam o lugar de desprestígio do trabalho com bebês, que
“sobra” para as novatas, mais uma vez evidenciando que o desvalor social atribuído a essa
função se sedimenta com um valor prático no exercício da docência, ou seja, entre as
professoras. Ainda, tais excertos permitem refletir sobre a posição de desvantagem com que
os professores novatos e/ou ingressantes são tratados nas instituições. Tal situação demonstra
uma posição hierárquica entre professoras com maior tempo de exercício docente e
professoras novatas.
146

Tendo em vista a desvalorização da educação infantil, bem como das práticas que
rondam a creche e que por muito tempo estiveram atreladas à uma imagem de princípios
assistencialistas e de reprodução do cotidiano do trabalho doméstico e da maternagem
(CERISARA, 2002 a; ARCE, 2001), vale considerar que tal desvalorização também está
atrelada ao desvalor do trabalho que é entendido como feminino.
Tiriba (2010) sinaliza as diferenciações em relação ao valor social atribuído ao
trabalho realizado por homens e mulheres, afirmando o cuidado como uma das principais
dimensões que deixam a ver tal disparidade. De acordo com a autora, a sociedade confere
importância diferente aos papéis atribuídos a homens e mulheres. Enquanto aos homens se
impõe a dedicação e preocupação com dinheiro e o trabalho formal, as mulheres são
responsabilizadas pelo que é socialmente compreendido como de menor importância, ou seja,
ao que está relacionado à esfera do privado, como a organização da casa, o cuidado e
alimentação dos filhos, o conforto da família, entre outros. “Podemos, em síntese, dizer que os
homens cuidam das coisas, as mulheres cuidam das pessoas”. (TIRIBA, 2010, p.408).
Como discutido ao longo do estudo, a forma como o senso comum compreende o
trabalho docente na creche – de modo a desconsiderar todas as especificidades nele
implicadas, além de não compreender a importância do cuidado e educação de bebês e
crianças pequenas como um direito para além do âmbito privado – também marca as práticas
docentes presentes na instituição, principalmente as relacionadas ao cuidado, como práticas de
menor valor, uma vez que, embora sejam ações indissociáveis do ensino, são compreendidas
como separadas, marcando também a profissão docente nesta etapa da educação básica.
Hypolito (2012) afirma que a valorização do exercício docente está ligada a aspectos
internos e externos à profissão. Assim, o autor agrega à discussão a noção de caráter subjetivo
das condições de trabalho, atinentes às dimensões emocionais de determinado ofício e que
impactam de alguma forma a vida e o trabalho no magistério. Tais questões dizem respeito ao
ritmo, a sobrecarga, a intensificação de trabalho, além da satisfação nas atividades que
desempenham no trabalho. Ao trabalharem em condições desprestigiadas, as professoras
compreendem seu trabalho da mesma forma.
Para Penna (2011, p.65), “as precárias condições de trabalho às quais os professores
encontram-se submetidos expressam descaso com a educação, o que é percebido pela
sociedade”, o que determina a forma como o próprio profissional se vê e como é visto
socialmente.
Durante as entrevistas, Fabiana e Rita comentam sobre o fato de serem mães,
relacionando ao entendimento que possuem acerca do trabalho a ser realizado na creche,
147

dando a entender que a função da professora nesta instituição se encontra, sobretudo,


relacionada às experiências como mãe:

Eu sou uma mãe muito cuidadosa, então esse cuidado é claro que eu levo
para a sala de aula, não é? Eu vou me preocupar com a troca, vou me
preocupar com isso e com aquilo, mas não é todo mundo que é assim. Então,
vai colocar uma pessoa sem ter noção? As pessoas talvez sejam assim por
não serem mães, por não terem esse cuidado, por não terem vivido isso e
não porque não são cuidadosas, mas por não terem aprendido mesmo
(Fabiana).

E eu me dei muito bem [sobre o início da profissão na creche] porque eu


tinha uma criança dentro de casa e eu sabia, eu sei o que a criança quer
(Rita).

Os depoimentos das professoras em relação ao fato de terem filhos e por isso


acreditarem que se saem bem no trabalho na creche demonstram que as docentes entendem
que as necessidades que emanam do trabalho com crianças de zero a três anos estão
relacionadas a tal condição, o que pode estar relacionado ainda ao mito da maternidade, à
imagem da educadora nata, como argumenta Arce (2001).
Além disso, a visão que possuem sobre o trabalho na creche como um trabalho
simples, que não exige conhecimentos específicos para realização, fato esse que demonstra o
desconhecimento sobre a relevância social e política do trabalho com crianças de zero a três
anos, pode ser verificada nos depoimentos acerca da forma como se organizam em relação ao
planejamento, marcando a atividade como apenas burocrática, não considerando as
necessidades das crianças.

Para o planejamento a gente utiliza a experiência. Para falar a verdade,


falando por mim, eu posso dizer que não se usa o QSN, se usa a experiência.
Você vai lá e o pessoal diz que vamos falar de determinado eixo, aí, você
vai, busca na memória e encontra. Então, vamos fazer isso e aquilo e acaba
sendo automático. Ninguém vai consultar um documento oficial, se faz pela
experiência. A gente até participa do movimento de ler ele reconstruir e
tudo mais, mas na prática acho que é experiência. Agora, então, é só no
Youtube, Google, vai lá, pesquisa e pega uma atividade e pronto (Rita).

Para fazer o planejamento eu me sentava, ia fazendo e perguntando: “Está


bom, gente?”, porque também era uma coisa que ficava a Deus dará e eu
me preocupava, eu falava: “Gente, se a gente não fizer vai ter uma hora que
a gente vai…” Bom, eu pelo menos faço não porque eu preciso ser
cobrada, mas eu preciso entregar, entendeu? Isso é comigo, entre eu e o
papel. Então, mesmo que não venha a gestão aqui perguntar se está pronta
tal coisa, eu preciso ter. Por isso eu falo que farei e depois elas olham para
ver se está tudo ok. Ai, eu vou preenchendo e assim vai ficando. E sempre
acabam sendo as mesmas coisas, “Tudo bem ser quadra?” (Fabiana).
148

Ao discutir a forma como tem sido concebido o planejamento na primeira etapa da


educação básica, Ostetto (2007) aponta que o instrumento por vezes se reduz à uma tarefa
burocrática com finalidades de prestação de contas, tal como uma documentação sem
significado ou relação com a prática nas creches e pré-escolas. De acordo com a autora,
embora seja compreendido de tal modo, o planejamento marca a intencionalidade do processo
educativo, necessitando assim ser entendido como condição fundamental para o
reconhecimento das necessidades das crianças.
Frente às considerações realizadas mediante as análises dos relatos das professoras,
evidencia-se que a visão que as docentes possuem sobre o trabalho na creche vai ao encontro
da condição de desvalorização de tal grupo profissional e também dessa etapa educacional,
desvalorização relacionada ao histórico da instituição e do trabalho nela realizado. Assim, é
possível afirmar que tal visão não se constitui individualmente, mas também se configura
perante as atribuições sociais de reconhecimento de determinada atividade profissional.
Tendo em vista tais reflexões, a situação em que se encontra o trabalho docente na
creche também pode ser verificada quanto ao que apontam as professoras sobre o que
compreendem como valorização do ofício que realizam.
Embora as quatro docentes acreditem que o trabalho que executam não é socialmente
valorizado, o que demonstram em suas falas ao afirmarem que poderiam ganhar mais ou que
as famílias das crianças atendidas e os próprios colegas desvalorizam seus trabalhos, as
professoras valorizam a profissão, e sentem certo prestígio em ocupar a função. Assim
definem:

Eu gosto do que eu faço, não foi o que eu escolhi, mas eu me encontrei nessa
profissão[...] Como diz o meu esposo, se eu reclamar, eu estou sendo mal-
agradecida com Deus, porque Deus abençoou muito a nossa vida, abrindo
essa porta que eu achava que lá atrás não era nada está vendo? Olha só o
portão que é! (Elisa).

Eu acho que assim, na sociedade não é muito valorizado, porque a gente


não é muito valorizado, não é? Mas eu não sei se é porque eu gosto do que
eu faço que eu tenho prazer em fazer o que eu faço. Então, para mim que
sou professora, para mim é muito gratificante. Eu tenho orgulho de ser,
sabe? [...] Gosto muito do que eu faço. Faço com amor (Amanda).

Eu sou realizada. Ser professora é pegar aquela criança que está com
vontade de tudo e que não sabe o que é e só conduz, sabe? Ele vai entrar
ali naquele nosso ambiente e você vai apresentar coisas novas para ele
(Rita).
149

Ao serem interrogadas sobre o que lhes conferia satisfação, as professoras afirmaram


que possuem como prêmio a própria valorização das crianças, o afeto. Para elas, o resultado
de realizarem o que é previsto em suas visões sobre a profissão docente é compreendido como
algo que se orgulham. Assim, pontuam:

O que me faz bem é o carinho das crianças, a retribuição que vem deles. É
que nem eu falei, de você ver que criança gosta de você, que você é
professora daquela sala e o seu aluno gosta de ir para escola, sabe?
(Amanda)

Eu acho que é uma relação de troca porque esse carinho, essa coisa, esse
cuidado eu acho que eles também dão. Na verdade, eu acho até que eles dão
mais, porque você está ali porque você é paga para aquilo e o deles não, o
carinho que eles têm para você é de graça, é espontâneo né? Eles estão ali
para receber e para dar. Então, acho gratificante (Fabiana).

No entanto, ao destacarem o carinho da criança como recompensa é possível que


reforcem o lugar social de desprestígio que ocupam no campo educacional, descuidando de
ressaltar, por exemplo, os aspectos sociais envolvidos no trabalho com crianças pequenas.
Ao considerar as reflexões desprendidas dos relatos dos dois grupos de professoras
entrevistadas, frente à precarização e desvalorização do trabalho docente na creche, nota-se
que ambos os grupos apresentam elementos que demonstram tal posição ocupada no campo
educacional. Contudo, é possível observar que tais condições ocorrem de forma um pouco
diferenciada tendo em vista o tempo de carreira das professoras.
Os depoimentos das professoras mais antigas demonstraram a forma principalmente
como se organizou e se deram as condições de trabalho na creche no início de suas carreiras,
com vistas à precarização e ao desvalor da profissão relacionadas sobretudo à falta de
formação profissional e o não reconhecimento da função docente na creche.
Mediante a tal condição, vale destacar que o espaço de tempo a que se referem,
compreende o período anterior ao reconhecimento da profissão docente na creche no quadro
do magistério e a plano de carreira no município de Guarulhos, fato ocorrido em 2010,
mediante a Lei Municipal nº 6.711/10 (Plano de Carreira, Cargos e Salários do Quadro do
Magistério Público do Município de Guarulhos) (GUARULHOS, 2010), revendo a Lei
Municipal nº 6.058/05 (GUARULHOS, 2005). Tal reconhecimento contemplou as
professoras com o estatuto docente e a denominação de Professor de Educação Infantil (PEI),
estabelecendo aumento salarial para aquelas que possuíam licenciatura plena na área da
educação ou o Ensino Médio com curso Normal e “aumento salarial de 124%, índice acima
do que foi dado as outras categorias, como forma de reparar anos de descaso e esquecimento
150

das professoras”, (OLIVEIRA, 2012, p. 117), sinalizando para uma valorização nesse
contexto.
Citando o art. 206, inciso V da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988),
Jacomini e Penna (2016) chamam a atenção para o fato de que a valorização dos profissionais
de educação deve contemplar os planos de carreira. Além disso, pontuam como necessidades
a serem garantidas por esse, tendo em vista a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996), aperfeiçoamento profissional, piso salarial, progressão na carreira,
condições adequadas de trabalho e carga de trabalho que contemple período reservado a
estudos, planejamento e avaliação.
Sobre as modificações referentes às condições de trabalho, logo, relacionadas à
valorização docente, frente à Lei Municipal nº 6711/10 (GUARULHOS, 2010) que dispõe
sobre a revisão da estrutura, da organização, do funcionamento da carreira e da remuneração
do magistério público do município de Guarulhos, as professoras destacam o acontecimento
como positivo, dando ênfase principalmente ao que tange a remuneração e carga horária.
Assim, afirmam:

Foi implantado o plano de carreira que multiplicou o salário dos


professores [...] E mudou muito, cem por cento, porque tivemos a formação,
trabalhamos anos com a formação, mas sem a remuneração adequada.
Somente depois do plano de carreira, que foi em 2010, é que melhorou
(Rita).

Sim, mudou. Quando comecei a trabalhar eu ganhava 565 reais e nós


ficamos ganhando isso por quase dez anos e mesmo assim era filho, era
casa, trabalho, faculdade.... Então, era uma luta e é uma crescente. Se você
não estudar, não vai chegar! [se refere à necessidade de realizar cursos de
formação para progressão na carreira] (Elisa).

Quanto à questão relacionada à remuneração, vale pontuar que atualmente as


Professoras de Educação Infantil (PEI) possuem salário equiparado com os Professores de
Educação Básica (PEB).
Um ponto interessante a ser destacado diz respeito às mudanças de cargo realizadas
por Rita, que ocorreram duas vezes e anteriormente ao plano de carreira contemplar as
profissionais de creche. Segundo a professora, o desejo pela mudança ocorreu tendo em vista
a busca por melhores condições de trabalho, relacionadas principalmente ao salário e a
jornada de trabalho, o que demonstra a intensificação do trabalho na creche.

Quando a minha colega foi para a casa abrigo, ela me dizia que era
maravilhoso e que eu deveria ir para lá também. Então, eu fui. Lá era outra
151

realidade também, eles eram adolescentes. Trabalhei dois anos lá e


apareceu outro concurso interno, era para trabalhar nas secretarias da
escola como assistente de gestão, que é a parte administrativa. Prestei esse
concurso para ganhar 100 reais a mais, mas eu prestei. Trabalhei por 6
anos na secretaria da escola. Lá a minha realidade era outra, eu saí de um
período de oito horas de dentro de sala muito cansativo. Na secretaria era
rotineiro, mas era com papel né? (Rita).

Referente às questões atuais, quando questionadas sobre suas condições de trabalho, as


docentes indicaram problemas relacionados apenas à infraestrutura. Não estiveram presentes
especificamente relatos relacionados à carreira, carga horária e remuneração, por exemplo, o
que demonstra avanço mediante às modificações após a implementação do plano de carreira,
ou até mesmo convergência ao fato de tais professoras advirem das camadas populares, e o
exercício docente significar ascensão em relação às suas famílias de origem.
No que tange a questão, as professoras demonstram considerar a docência uma
carreira segura, a qual contribuiu financeiramente de forma satisfatória para a composição da
renda familiar. Evidenciando melhorias em suas condições de vida, quando questionadas
sobre as mudanças após a entrada na profissão docente afirmam:

Eu acho que melhorou, tanto a questão financeira, como de ter mais


conforto, de trabalhar meio período, de conseguir ter um final de semana
para aproveitar com a família. Eu acho que melhorou bastante, sim e eu
hoje eu digo que eu tenho uma tranquilidade, uma vida mais tranquila
(Amanda).

Então eu acho que mudou tudo. Financeiramente mudou muito também, eu


pude dar muitas coisas para os meus filhos e eu pude ter uma vida muito
melhor, graças a Deus. Quando eu trabalhava no laboratório já era uma
empresa muito boa, mas como professora e sendo mãe de duas crianças, é
muito bom, porque não é uma empresa fechada, eu tenho mais flexibilidade
de poder sair, conseguir dar uma passada ali, preciso ir ao médico eu
consigo, é bem diferente, principalmente como mãe e mesmo com dois
cargos. Tudo mudou para melhor (Fabiana).

Vamos dizer que poderia ganhar muito mais, mas o que eu ganho é muito
satisfatório, ganho muito mais do que muitos pais de família. É um emprego
seguro. Eu não posso reclamar, não posso! (Elisa).

Assim como relatado, as condições de trabalho docente são compreendidas neste


estudo para além da precarização do trabalho do professorado, sendo relacionadas também à
precariedade das condições materiais de exercício da profissão, situação essa diretamente
ligada à qualidade do atendimento educacional.
Para Oliveira et al. (2019), os critérios de qualidade do trabalho na educação infantil
devem abranger desde as condições de trabalho dos profissionais que nela atuam como as
152

condições de funcionamento das escolas, tendo em vista aspectos como razão aluno/professor,
tamanho das salas, diversidade de materiais didáticos, entre outros aspectos.
Ao se discutir a questão da qualidade na educação, em estudo realizado com
professores de educação infantil, Locatelli e Vieira (2019) buscaram compreender a relação
do trabalho docente com os processos de políticas educacionais voltadas a tal etapa da
educação básica. Por meio de informações sobre o perfil e a percepção dos docentes acerca de
suas condições de trabalho, as autoras verificaram que embora as últimas décadas tenham sido
preenchidas por avanços em relação às condições de trabalho, no que diz respeito à dimensão
estrutural e às relações de trabalho, ainda assim se observa a não consolidação de uma
educação infantil comprometida com a qualidade da educação e o bem-estar das crianças e
profissionais.
Em levantamento sobre a qualidade na educação infantil no Brasil, Campos, Füllgraf e
Wiggers (2006) pontuam que mediante as pesquisas que tratam de determinado assunto nota-
se que as instituições responsáveis pelo cuidado e educação de crianças de zero a cinco anos
não contam com os recursos materiais e estruturais necessários para a realização de um
atendimento de qualidade.
De acordo com Assis (2014), a falta de recursos materiais e humanos acabam por
influenciar na concretização do objetivo de promover o desenvolvimento integral da criança
por meio das múltiplas linguagens.
Levando em consideração tal condição, na qual está inserido o trabalho docente nas
instituições de educação infantil, para além de questões relacionadas à carreira docente e ao
ingresso na profissão, as professoras também foram questionadas sobre as dificuldades que
encontram para a realização do trabalho docente. Sobre isso, relataram não encontrar tantas
condições ruins, afirmando conseguirem lidar com tais circunstâncias.
Ainda que não tenham realizado muitas queixas, é possível verificar nos depoimentos
das professoras condições de precarização do trabalho do professorado.
Dentre as facetas que compõem as condições de trabalho docente, Sampaio e Marin
(2004) destacam a quantidade de alunos por turma e a razão entre professor e alunos como
dois grandes elementos que incidem sobre a precarização do trabalho do professor. Tal
condição também esteve presente nas entrevistas com as professoras, que se referiram ao
grande número de crianças por sala, expondo a situação como um dificultador do trabalho nas
creches:
153

Nossa sala estava sempre cheia [período anterior à pandemia], eram


sempre os 30 alunos [...]. Quando falta aluno, quando são só os 20, eu
considero que seja a quantidade ideal para a sala ficar boa, mas é questão
da sala ser pequena porque é menor, então parece que ela fica abarrotada
(Amanda).

Um dificultador do trabalho também é a quantidade de crianças e isso


talvez também seja pelo espaço. Se fosse uma quantidade grande e você
tivesse mão de obra e espaço, talvez não influenciasse tanto. É que é tipo
assim: “Ah, você está reclamando de uma sala com quatro professoras e
35 crianças?”. Não! Eu estou reclamando de uma micro sala com quatro
professoras e 35 crianças. Então, eu acho que as duas coisas juntas são
muito difíceis. Pouco espaço e muita criança! (Fabiana).

Era uma professora para ficar com 29 crianças para cuidar de um menino
porque a criança dava muito trabalho. Nossa, isso é desgastante e você tem
que se virar com o que tem [...] (Rita).

Embora nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (BRASIL, 2013a)


seja recomendada a proporção de seis a oito crianças por professor no caso de crianças de
zero a um ano, de quinze crianças por docente no caso de crianças de dois a três anos, e de
vinte crianças por adulto nos agrupamentos de crianças de quatro a cinco anos, o que se
observa mediante aos depoimentos das professoras é que ainda que seja respeitada a razão
entre professor e aluno, o fator espaço também se torna um importante elemento a ser
considerado.
Vale destacar que no município de Guarulhos a quantidade de crianças em relação ao
número de adultos por sala segue determinada recomendação, sendo no berçário I o número
de 25 crianças matriculadas para três professoras; no berçário II de 25 crianças para três
docentes e no maternal 30 de crianças para duas professoras. Contudo, importa considerar que
no caso do aumento do número de matrículas de crianças mediante ordens judiciais, mais um
Professor de Educação Infantil (PEI) é incluído nos agrupamentos, profissional este que se
encontra na situação de professor volante, situação que, mediante ao depoimento das
professoras, ainda assim não altera as condições precárias de trabalho, uma vez que a questão
de salas cheias envolve, para além do número de profissionais, a necessidade de espaços
maiores e bem estruturados, principalmente no que concerne ao trabalho com crianças
pequenas.
Ao levar em conta o cenário geral de precariedades instauradas na educação infantil e
relacionadas ao seu histórico de desvalorização, Horn (2004) aponta como um dos aspectos
mais evidentes desta situação de precariedade, a organização dos espaços. A autora chama
atenção para o fato de os ambientes nas instituições de educação infantil traduzirem as
154

concepções de criança, de educação, de ensino e aprendizagem, além da visão de mundo e de


ser humano dos educadores que nestes cenários atuam. Para Horn (2004) o espaço não é
apenas físico, ele atravessa as relações, sendo parte delas.
Em uma mesma direção, Menezes (2010, p.102) discute sobre a organização dos
espaços e a interferência desses na prática pedagógica, no desenvolvimento infantil e na
aprendizagem da criança. De acordo com a autora, “analisar os espaços das instituições
infantis é imprescindível para a construção de uma proposta pedagógica que vise à qualidade
do desenvolvimento biológico, psicológico, cognitivo, afetivo e social da criança”.
Durante as entrevistas, duas das professoras apontaram o espaço físico em que
trabalham como um dificultador no exercício docente com crianças pequenas. Elisa e
Amanda, ao tratarem da EPG Adélia Prado25 relataram a falta de ambiente amplo e as
dificuldades encontradas devido às decisões tomadas em relação às modificações na creche
sem que sejam levadas em consideração as necessidades das crianças e, portanto, as
necessidades das professoras no exercício de seu trabalho.

Na unidade em que trabalho, se eu quiser uma terra, se eu quiser uma


areia por exemplo, eu vou ter que levar, porque antes tinha a terra, mas era
assim: “Ah não, suja a escola!” Então vamos colocar grama. “Ah, mas a
grama a criança carrega para dentro da escola. “Então vamos cimentar”.
Aí, cimentou e acharam que ficou legal (Elisa).

O espaço é muito pequeno. Eu acho que falta muita área externa para a
gente trabalhar, a gente fica muito preso. Lá é uma escola muito pequena,
o parque é bem pequenininho, cimentado. Então, as áreas externas são
muito poucas. Eu sinto falta disso, eu acho que isso é ruim, essa questão
assim da escola ser pequena prejudica bastante o trabalho em relação aos
alunos (Amanda).

No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), o


espaço físico e social é concebido como um importante fator a ser considerado quanto ao que
diz respeito ao desenvolvimento global da criança. De acordo com o documento, as
instituições de educação infantil devem promover espaços organizados e seguros em que as
crianças possam se sentir acolhidas e encorajadas a vencer desafios.
Já as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009a)
definem que para a efetivação de seus objetivos as propostas pedagógicas das instituições
devem prever condições para o trabalho coletivo e para a organização de materiais, espaços e

25
Nome fictício
155

tempos que assegurem entre outros aspectos o reconhecimento das especificidades etárias e
das singularidades individuais e coletivas das crianças, bem como promovam interações entre
as crianças.
Os apontamentos do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(BRASIL, 1998), as reflexões acerca da importância dos espaços e de sua organização quanto
ao que diz respeito às necessidades das crianças, logo das necessidades das professoras para o
exercício do trabalho docente, bem como as exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil (BRASIL, 2009a) em contraponto com o que relatam as duas
professoras sobre o ambiente em que trabalham, levam à reflexão sobre como tem se
configurado o atendimento às crianças pequenas nas creches e pré-escolas, ainda em direção
oposta a um atendimento de qualidade e que leve como aspecto principal as especificidades e
necessidades dos sujeitos infantis.
Na esteira destas considerações, ressalta-se a importância de que as creches possam
contar com espaços em que seja possível o desenvolvimento global das crianças, de modo que
sejam possibilitadas experiências variadas, em que estejam presentes o contato com a
diversidade de produtos culturais, tal como previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil (BRASIL, 2009a). Neste sentido, importa considerar que:

A estruturação dos espaços escolares é elemento essencial na construção do


projeto educativo, constituindo-se em poderoso auxiliar da aprendizagem. A
gestão dos espaços infantis necessita de um planejamento consequente e de
ações coletivas que envolvam toda a equipe de profissionais da escola, assim
como toda a comunidade escolar (MENEZES, 2010, p. 103).

Para além dos espaços, os materiais também se constituem como instrumentos


importantes para o desenvolvimento das aprendizagens das crianças, logo, do trabalho
docente nas instituições de educação infantil. “As crianças exploram os objetos, conhecem
suas propriedades e funções e, além disso, transformam-nos nas suas brincadeiras, atribuindo-
lhes novos significados” (BRASIL, 1998, p.71).
Da mesma forma que argumenta sobre a necessária organização dos espaços nas
instituições de educação infantil, Horn (2004) destaca como elemento indissociável de tais
espaços os materiais, os quais em suas palavras, também auxiliam no desenvolvimento das
crianças ao desafiarem-nas a transformar e criar. Segundo a autora, “é fundamental a criança
ter um espaço povoado de objetos com os quais possa criar, imaginar, construir e, em
especial, um espaço para brincar[...]” (HORN, 2004, p.19).
156

Tendo em vista a importância de materiais e o desenvolvimento de possibilidades de


uso destes, com vistas a proporcionar à criança experiências diversificadas, considera-se a
importância de que as instituições de atendimento às crianças e zero a cinco anos possam
oferecer materiais e brinquedos de qualidade.
Sobre o uso e oferta de brinquedos na educação infantil, Kishimoto (2010) apresenta
algumas ponderações. De acordo com a autora, a escolha de determinados materiais exige
alguns aspectos a serem considerados, tais como ser “durável, atraente, adequado e apropriado
a diversos usos; garantir a segurança e ampliar oportunidades para o brincar; atender à
diversidade racial, não induzir a preconceitos de gênero, classe social e etnia; não estimular a
violência; incluir diversidade de materiais e tipos” (KISHIMOTO, 2010, p.2), sendo
necessária a substituição dos mesmos quando fora das condições de uso. Além disso,
Kishimoto (2010) também destaca as várias possibilidades que envolvem o uso de brinquedos
diversos, tais como brinquedos tecnológicos, industrializados, artesanais e produzidos pelas
crianças, professoras e pais.
Ao contrário do que se preveem Horn (2004) e Kishimoto (2010) para um
atendimento de qualidade e boas condições de trabalho tendo em vista o uso de materiais e
brinquedos, o depoimento de Elisa acerca do descontentamento com materiais pedagógicos,
tais como a falta de brinquedos de boa qualidade, deixam a ver a situação de precariedade
também referente às condições materiais que se concentram na creche.

Eu lembro que uma vez a escola comprou muitos carrinhos, muitos


carrinhos, só que os carrinhos eram quase descartáveis, então brincava e
quebrava, brincava e quebrava. Cada dia um carrinho. Um dia a gente
estava juntando para jogar os carrinhos fora. Tinha só as caçambas, tinha
só aquela parte de baixo com as rodinhas, sem rodinha, aquela coisa toda!
Um dia juntámos tudo isso para poder jogar fora (Elisa).

Neste subitem pretendeu-se apresentar a análise de dados coletados a partir das


entrevistas realizadas com as quatro professoras referentes às condições objetivas em que
realizam o trabalho docente, e que contribuem na configuração de valores e disposições para
ação que se expressam em facetas da prática pedagógica com crianças de zero a três anos.
Ao se ter em conta o objetivo de verificar o modo como as condições objetivas
referidas ao campo educacional contribuem na elaboração de valores e disposições que
orientam o exercício docente com crianças de zero a três anos, é preciso considerar que tal
campo educacional é marcado por jogos de poder e disputas, podendo ser a desvalorização
social da profissão docente na creche caracterizada como uma condição objetiva que permeia
157

o trabalho docente, diretamente relacionada às condições do trabalho do professorado,


contribuindo na configuração de valores e disposições que orientam a prática nas instituições
de atendimento às crianças de zero a três anos.
Os relatos sobre as condições de trabalho das professoras entrevistadas demonstram a
precarização e a desvalorização da docência, ainda mais quando se considera o período
anterior ao reconhecimento da função de Professor de Educação Infantil (PEI) e a necessidade
de formação em nível profissional. Mais do que a desvalorização da docência, a análise dos
dados revela também a desvalorização da infância, dos sujeitos infantis, do trabalho que
envolve o cuidado e a educação da criança pequena, sendo ainda compreendido como uma
função a ser realizada não como um trabalho.
Dessa forma, tendo em vista a desvalorização da educação infantil e principalmente do
atendimento à criança de zero a três anos, relacionado ao seu contexto histórico, pode-se
afirmar que o reconhecimento social do profissional que nele atua e de seu trabalho
encontram-se sujeitos às implicações de desprestígio. Tais condições e a percepção das
professoras sobre aspectos que constituem o trabalho na creche demonstram e marcam a
posição por elas ocupada em determinado espaço social.
Na esteira destas considerações, cabe salientar, tal como pontua Kramer (2002, p.
125), que tal concepção que se apresenta perante determinada condição “[...] camufla as
precárias condições de trabalho, esvazia o conteúdo profissional da carreira, desmobiliza os
profissionais quanto às reivindicações salariais e não os leva a perceber o poder da profissão”.
Além disso, somadas às reflexões acerca da desvalorização social das profissionais em
exercício docente nas creches e que se sedimentam em valores práticos no trabalho docente,
importa considerar as condições materiais que envolvem a dificuldade na realização do
trabalho nas instituições e, no caso deste estudo, atinentes principalmente aos espaços e
materiais. Tais condições que demonstram a precariedade no trabalho e atendimento na
educação infantil também se comportam como elementos que interferem no trabalho docente
e na prática pedagógica na creche.

5.2 As aprendizagens da profissão docente: formação inicial, socialização com pares e


formação continuada

Nesta pesquisa são levadas em conta as trajetórias pessoal e profissional de


professoras de educação infantil com o objetivo de compreender de forma ampliada a
formação e a prática docente. A vista disso, cabe ressaltar alguns dos processos formativos
158

pelos quais passam os professores, bem como discutir suas percepções acerca destes. Tais
processos tornam-se importantes, uma vez que, se relacionam à constituição da prática
docente. Para tanto, neste subitem analisam-se aspectos da formação inicial, formação
contínua, bem como dos momentos de socialização entre pares vividos pelas professoras
investigadas.
Mediante ao fato de o estudo considerar como sujeitos de pesquisa docentes de dois
grupos diferenciados, sendo o primeiro referente às professoras com maior tempo de ingresso
na rede municipal de Guarulhos e entrada na creche sem formação profissional, e o outro,
composto por professoras com menor tempo de entrada na educação infantil do município
seguindo as exigências de formação em nível superior em curso de licenciatura em Pedagogia
ou Nível édio na modalidade Normal, os dados coletados por meio das entrevistas
demonstraram as diferentes organizações e formatos das licenciaturas realizadas pelas quatro
professoras participantes do estudo.
Sobre a formação profissional das docentes com maior tempo de trabalho nas creches,
em licenciatura em Pedagogia, cabe destacar que essa foi realizada após o ingresso na
profissão, especificamente no ano de 2002 por meio do Programa Pedagogia Cidadã ofertado
pela Secretaria de Educação (SE) de Guarulhos em parceria com a Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Ao iniciarem na creche como recreacionistas, Elisa
e Rita apresentavam apenas o ensino médio como nível de escolarização.
Ao relatarem sobre a entrada no programa de formação, as professoras enfatizam o
fato de suas participações terem ocorrido por meio da ocupação de vagas remanescentes, uma
vez que, no período em que cursaram a licenciatura, a iniciativa tinha como foco os
professores em exercício nas primeiras séries do ensino fundamental.
Mediante a condição em que realizaram a licenciatura em Pedagogia e a necessidade
de se compreender a importância que conferem à formação docente, questionou-se à Elisa e
Rita os motivos de terem optado pela participação no programa de formação. Ao responderem
à pergunta, as duas professoras pontuam que consideram o processo formativo importante
para carreira docente. Assim, fazem referência à busca pelo que definem como conhecimento
teórico, considerando que já possuíam o domínio sobre as formas de agir com as crianças nas
creches.

Eu aceitei por conta da carreira. Eu pensava: já que estou aqui inserida, já


sei fazer algo, já tenho a prática, agora vou buscar a teoria. Fui de trás
para frente. Eu já tinha a prática, só não tinha a de alfabetização, mas
tinha a prática com os pequenos. Então eu pensei em abraçar, era uma
oportunidade única. Eu não ia conseguir fazer se não fosse assim. Na época
159

a gente ganhava muito pouco, não dava para conviver e pagar faculdade.
Não era como hoje que todo mundo tem faculdade. Era status e olha que
nem faz tanto tempo, eu me formei em 2005, faz 16 anos, mas era outro
valor. Antes era muito valorizado, era único, surreal e estudar ainda na
Unesp? Aí, era mais ainda, foi um presentão (Rita).

Naquela época nós tínhamos a prática, mas não tínhamos a teoria[...]. Esta
formação acrescentou na importância do meu conhecimento teórico e
empírico. Não é isso? Essa era uma palavra que na época usava-se muito.
Então, eu precisava disso! [...]. Passamos no concurso e ainda tivemos o
privilégio de ter uma formação (Elisa).

As falas das professoras sobre o conhecimento acerca da prática a ser realizada com
bebês e crianças pequenas sem que contassem com formação profissional marcam a
concepção de que para trabalhar com determinada faixa etária as ações a serem realizadas
encontram-se principalmente relacionadas à conhecimentos tácitos.
É interessante observar que embora compreendessem possuir domínio das ações a
serem realizadas com bebês e crianças pequenas nas creches, o trabalho das professoras nas
instituições não se via reconhecido socialmente como função de valor, justamente ao se levar
em conta o grande número de professores sem formação profissional ou com baixo nível de
escolarização, o que contribuiu para a constituição de uma concepção de prática
desvalorizada.
As afirmações das professoras sobre o processo formativo realizado por meio do
programa oferecido pela prefeitura demonstram a possível associação entre a realização do
curso de Pedagogia e a valorização da formação em nível superior como elemento que lhes
poderia conferir socialmente certo prestígio, visto que, apontam durante as entrevistas que a
função de recreacionistas que ocupavam e a não exigência de formação para exercício do
cargo, dentre outros aspectos, as conferia posição de desvalor na rede municipal. Tal situação
aparece marcada em uma das falas de Elisa:

Tínhamos muitas brigas com ela [vice-prefeita]. E ela falava assim: “Se
você quer conversar comigo, se você quer discutir comigo, vai estudar!”
Aquilo me marcou e não somente a mim, mas a maioria de nós (Elisa).

Ainda sobre as considerações acerca da formação profissional, os relatos também


indicam a forma como as docentes conceberam a oportunidade de realizarem o ensino
superior. Tal como foi possível verificar nos depoimentos, as professoras reconhecem a
oportunidade como um privilégio, um presente, concepção essa que também pode estar
relacionada ao valor referido à escolarização como estratégia de ascensão social ou melhoria
160

de vida frente a posição ocupada por elas, tendo em vista o fato de pertencerem a famílias de
origem das camadas populares, como já exposto.
Comentando sobre a situação de a formação em Pedagogia ter sido realizada enquanto
já exerciam a profissão docente na creche, ainda que a função de professora não fosse
reconhecida, Elisa e Rita ressaltam as dificuldades enfrentadas diante uma rotina cansativa
tendo em vista as condições precárias de trabalho nas instituições conciliadas à formação
realizada no contraturno do horário em que estavam nas creches. Nos depoimentos, as
professoras também apontam a dificuldade no acompanhamento do conteúdo previsto, bem
como relatam sobre a forma como se organizava o curso e ocorriam as aulas:

Tivemos uma dificuldade muito grande porque era Unesp, né? Unesp! Nós
não estávamos preparados para aquilo e eu não estou falando de nós aqui
da creche, mas nós na rede toda. Então, o que acontecia? A gente não sabia
nem do que se tratava. Estávamos lendo ali, mas não sabíamos nem do que
se tratava. Todo mundo cobrava da faculdade e houve um levante muito
grande, porque a nossa coordenadora de aula, não ia lá na frente e ficava
dando aula expositiva. Então, teve um embate muito grande porque as
pessoas pediam que ela fosse expositiva. Era muito interessante nesse
sentido, porque você queria voltar sempre nas questões anteriores. A gente
dizia assim: “ah, mas você não explicou”, e ela dizia: “isso eu não tenho
que explicar, você tem que ir atrás, você tem que criar o seu saber” Nossa,
era um embate muito grande (Elisa).

A gente estudava por módulos, não tínhamos todas as matérias. Nós


estudávamos um módulo em seis meses que no fim do semestre fechava e
guardava, arquivava e aí ia para outro assunto. Então, era assim, estudou
seis meses, fecha, guarda e arquiva. Era assim, era bem cansativo e difícil
de acompanhar. Era muito ruim. Na minha sala éramos só duas as
professoras que tinham vindo da creche, então éramos muito discriminadas
por sermos recreacionistas. Uma coisa marcante para mim foi que a minha
professora era católica, dessas bem fervorosas e todo dia que chegávamos
ela fazia uma roda para a gente falar palavras que nos fizessem bem. Eu
não participava. Até podia ser que fosse uma forma de fazer as pessoas se
sentirem bem, mas depois de um dia de tanto trabalho eu não queria não,
eu queria só ouvir o que ela tinha para falar e ir embora porque
trabalhávamos o dia inteiro, dávamos banho nas crianças e tinha dia que
duas vezes ou mais, era muito cansativo, era como linha de produção e nós
ainda éramos cobradas (Rita).

Além disso, também comentam sobre as precárias condições quanto à estrutura física e
material do local em que ocorria a formação. A seguinte fala de Rita ilustra a situação:

Era um professor para todas as matérias, de sábado tínhamos que ir para lá


ter uma teleconferência, coisa que na época ninguém nem sabia o que era.
Era péssima a imagem, a internet era muito ruim na época. Aparecia a
pessoa e você nem sabia quem era, o som cortava. A faculdade era uma
adaptação. Era um galpão com algumas cadeiras com aqueles braços para
161

escrever e um quadro. E essa era nossa faculdade, era bem precária a


situação. É assim, né, a gente poderia estudar em um chão de terra como é
a realidade de muita gente no país e para quem mora fora também, mas
para a gente que mora em uma cidade, não é, né? Era tudo um cambalacho
(Rita).

No que tange à formação das professoras com ingresso mais recente na rede
municipal, vale destacar que ambas realizaram Licenciatura em Pedagogia em instituições
privadas, tendo os cursos três anos de duração. Amanda cursou em um Centro Universitário
localizado no município de Guarulhos, no período vespertino, horário de contraturno do
emprego que mantinha em um colégio particular como professora auxiliar de informática, e
Fabiana na modalidade de ensino a distância (EaD) em uma Universidade do município de
São Paulo, após ter optado pela saída do emprego que mantinha na linha de produção de um
laboratório farmacêutico.
Tal como Elisa e Rita, Amanda comenta sobre seu esforço para que pudesse realizar o
curso de Pedagogia enquanto trabalhava como professora auxiliar no colégio particular, já
Fabiana, relata sobre o retorno aos estudos demonstrando valorização da possibilidade de
cursar o ensino superior enquanto acompanhava os dois filhos em casa.

Comecei a estudar lá no período vespertino [faculdade] e era maravilhoso


porque eu trabalhava no colégio até uma hora da tarde e chegava cedo na
faculdade para estudar. E eu falo que o primeiro ano da faculdade foi o
ano que eu mais estudei, eu aproveitava esse tempinho entre uma hora da
tarde até às três (Amanda).

Depois desse tempo todo fora da escola ter tido contato com uma instituição
de ensino foi muito bom. Tanto que as aulas eram online, mas eu pegava
no caderno e escrevia, porque na minha cabeça eu tinha que voltar de
onde eu parei. Para mim foi bom por conta disso, porque eu tinha duas
crianças pequenininhas, então, eu aproveitava o horário que eles estavam
dormindo. Colocava eles na cama para estudar, porque durante o dia eu
não conseguia por serem dois e eu estar sozinha. Para mim então foi boa
essa rotina. Foi bom ter uma rotina diferente, como mãe (Fabiana).

Tendo em vista os diferentes moldes em que foram realizadas as formações em nível


superior das professoras, faz-se necessário considerar, conforme discutido nesta dissertação, a
situação de aligeiramento e precarização da formação docente.
Mediante às condições em que foram realizadas as licenciaturas em Pedagogia,
destacam-se alguns aspectos que marcam as formações em nível superior das quatro
professoras, tanto no que diz respeito ao formato dos cursos, como às condições precárias em
que estes foram oferecidos, como ilustram os depoimentos.
162

Considerando dados, ações de governo e interfaces com outras dimensões das políticas
educacionais, Barreto (2015) problematiza as implicações das políticas de formação de
professores. A autora reflete sobre os problemas decorrentes de qualidade e de características
assumidas pela expansão dos cursos. Para além disso, argumenta que “as fragilidades relativas
à qualidade dos cursos de licenciatura de modo geral não podem ser atribuídas apenas às
condições recentes de sua expansão” (BARRETO, 2015, p.687), mas estas, se encontram
presentes também na composição dos currículos presos à modelos arquétipos, que remontam
aos períodos iniciais dos sistemas de ensino.
Para Barreto (2015) inscrevem-se nos programas de formação docente a dificuldade da
criação de espaços híbridos de formação, nos quais estejam integrados componentes
acadêmicos, teóricos, pedagógicos e de saberes construídos no exercício da profissão. Neste
sentido, a autora pontua como necessário que o preparo para a profissão docente considere
também os problemas que ocorrem dentro da escola.
Conforme exposto anteriormente, Rita e Elisa realizaram a formação em nível superior
enquanto já exerciam função na creche, o que leva a considerar que, anteriormente ao
ingresso no curso de licenciatura em Pedagogia, as professoras já estavam em contato com as
experiências cotidianas que emergiam no trabalho realizado nas creches.
De acordo com os relatos, para as professoras que já estavam inseridas no atendimento
à criança pequena, a formação oferecida pelo programa Pedagogia Cidadã se deu de forma
descontextualizada. Assim, as docentes apontam que o curso oferecido não levou em conta a
posição que já ocupavam nas instituições.
Pode-se relacionar determinada situação à expansão dos cursos para a formação em
nível superior de professores leigos em exercício docente, mediante as novas exigências de
formação frente à Lei de Diretrizes e Bases (LDB) (BRASIL, 1996), que de modo a dar conta
de tais definições resultou na criação de sistemas de ensino que passaram a organizar
programas de formação para docentes de suas redes, contando com opções de cursos
aligeirados, precários e muitas vezes esvaziados, como discutido no segundo capítulo.
Os relatos de Amanda, professora formada em Pedagogia por instituição privada
também demonstram aspectos relacionados à problemática de um curso em nível superior
aligeirado, ao ter sido realizado em três anos, além de outros aspectos que serão apresentados
mais adiante nesta seção.
Destacam-se também as condições da licenciatura em Pedagogia realizada por
Fabiana, na modalidade a distância, sendo apresentada pela docente como uma oportunidade
de realização do ensino superior mediante à sua condição.
163

Sobre o assunto, ao analisar trabalhos que trazem como tema o ensino superior na
modalidade a distância, Bello e Rodrigues (2012), apontam que a Educação a Distância (EaD)
representou para os cursistas participantes dos estudos uma alternativa para a democratização
do acesso ao ensino superior, tendo em vista a possibilidade de obtenção de diploma que não
seria possível de outra forma mediante inúmeras dificuldades como por exemplo a falta de
tempo, distância física em relação aos locais de formação, entre outros, o que também foi o
caso de Fabiana.
No entanto, ao se ter em vista a possível democratização do ensino superior via
determinado modelo de formação, é preciso considerar que, assim como pontuam Bello e
Rodrigues (2012), embora a educação a distância (EaD) possa ser entendida como uma das
formas de acesso a cursos como a Pedagogia, essa precisa ser questionada e analisada de
forma crítica, de modo que possa ocorrer pautada em experiências de formação de boa
qualidade a serem propiciadas nos cursos e não a graves percalços como puderam verificar as
autoras mediantes as análises realizadas em diversos estudos sobre o ensino superior na
modalidade a distância.
Sobre o modelo de formação realizado, Fabiana, em uma de suas falas, apresenta
crítica a tal modalidade, afirmando que o processo poderia ter sido melhor caso tivesse sido
realizado presencialmente. A fala da professora ainda concede informação sobre o perfil das
colegas cursistas, indicando situações muito próximas das suas.

Porém, eu acho assim, que se você tiver a oportunidade de fazer


presencial, eu acho que é muito mais rico. Eu acho a troca muito
interessante, com os outros, em uma sala que seja de 20 alunos que fosse o
caso, já seria uma troca maravilhosa. E no EaD não tem isso, porque se
eles pedem para juntar grupos para fazer trabalho, você não se junta. Na
maioria das vezes os estudantes são mães e aí já vão adiantando tudo
sozinhas e se reunindo depois, só para fechar alguma coisa, pois, cada uma
já levou uma parte adiantada porque teve que deixar um filho com alguém
ou cuidar deles… então assim, realmente o curso online é para quem
precisa mesmo (Fabiana).

No que se refere à formação docente dos professores de educação infantil, autores


como Rosemberg (1994), Kramer (2002) e Campos (2008) apontam ser um dos importantes
aspectos na garantia de uma educação de qualidade. No entanto, embora tal condição da
primeira etapa da educação básica esteja relacionada à formação docente, estudiosos sobre o
tema também demonstram a forma como tem sido tratado o atendimento à criança de zero a
cinco anos nos cursos de Pedagogia.
164

Tal como pontua Campos (2008), bem como neste estudo se discutiu anteriormente,
raramente questões específicas do atendimento em creches são abordadas nos currículos de
formação de professores. Assuntos como o desenvolvimento infantil de bebês e crianças
pequenas, alimentação, saúde, o trabalho com as famílias, os direitos da mulher, o significado
do brincar e a importância das interações e socialização em ambientes coletivos, por exemplo,
dificilmente são levados em consideração, dando espaço a outros temas. Sobre tal situação
vale ainda ressaltar o grande leque de atribuições de que precisa dar conta o curso de
Pedagogia, tendo em vista a formação de um profissional para atuação em diversos campos
em tão pouco tempo, como definem as Diretrizes Curriculares Nacionais para Curso de
Pedagogia (DCNCP), instituídas pela Resolução CNE/CP nº 01, de 15 de maio de 2006
(BRASIL, 2006b).
Frente a problemática, levando em conta a necessidade de compreender a concepção
das professoras, bem como se organizaram as licenciaturas realizadas com vistas à educação
infantil, perguntou-se sobre os cursos de Pedagogia que participaram. Ao tecerem
considerações acerca de suas experiências formativas, as professoras apontam pouco contato
com a primeira etapa da educação básica na formação em nível superior que realizaram:

Tive muito pouco sobre a educação infantil no curso, muito pouco mesmo.
[...]eu acho que assim, ainda precisava um campo muito maior para que a
faculdade conhecesse o que acontece dentro das escolas de educação
infantil (Elisa).

Não tivemos nada muito voltado para educação infantil, mas na verdade,
me lembro que eles queriam é provaram por “a mais b” que se pode
aprender brincando (Rita).

Eu tive algo sobre a educação infantil, mas acho que foi pouco. Sei que era
algo muito relacionado à ideia de que a educação infantil é início de tudo,
que é onde tudo começa e que tudo o que você vai fazer, você tem que
aprender a fazer ali. Agora o nome da disciplina, o que era separado
certinho, eu não me lembro. Não era nada específico, algo de se dizer
assim: “agora vamos tratar sobre educação infantil”. Mas assim, foi
falado algo sobre (Fabiana).

A faculdade ajudou, mas na parte teórica. Não tivemos aula prática. Aula
sobre a educação infantil eu tive um pouco de teoria mesmo. Teve uma
disciplina de educação infantil que era focada…Bom, teve essa disciplina
de educação infantil só e uma de ensino fundamental (Amanda).

A partir dos depoimentos é possível notar que conforme suas concepções, a formação
em nível superior com a qual tiveram contato, embora tenha levado em conta assuntos sobre a
educação infantil, estes ocorreram de forma insuficiente, sendo pouco discutidos e inseridos
165

em outras temáticas, não sendo assim específicos. Desta forma, as falas desatacam também
indícios de processos precários de formação docente vivenciados pelas professoras.
Conforme aponta Barreto (2015), mesmo contando com reformas educacionais,
basicamente mantém-se inalterada a formação genérica nos cursos de Pedagogia, a qual
pretende preparar professores de educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental,
especialistas em educação, diretores e supervisores. De acordo com a autora, ainda que
ocorram ensaios de mudanças nos cursos, em diferentes regiões brasileiras, a fraca capacidade
de institucionalização acaba por se destacar neste processo. Segundo a autora, “o campo da
reconceitualização pedagógica no âmbito dos cursos de formação docente está decididamente
voltado para as exigências acadêmicas feitas pelas agências reguladoras a todos os cursos
superiores” (BARRETO, 2015, p. 688). Além disso, destaca-se também o fato de o grande
número de instituições privadas terem se transformado em empresas com interesse de
mercado.
Neste sentido, importa considerar que Elisa e Rita realizaram as formações
anteriormente às definições das Diretrizes Curriculares Nacionais para Curso de Pedagogia
(DCNCP) (BRASIL, 2006a), enquanto Amanda e Fabiana cursaram a licenciatura após
determinado marco. Sobre esta situação, vale destacar que, ainda que a realização dos cursos
tenha ocorrido em períodos distintos, a percepção das professoras acerca do movimento
formativo que realizaram convergem nos dois grupos.
Ao não contarem com uma formação profissional voltada às especificidades da
educação infantil e ao trabalho na creche, as professoras consideram que as aprendizagens da
docência dizem respeito principalmente aos momentos de desenvolvimento do exercício da
função docente na escola, mediante as práticas realizadas nas instituições que trabalham ou já
trabalharam.
Guarnieri (2005) identifica certa unilateralidade e reducionismo quando se trata da
formação de professores quanto ao que diz respeito à relação teoria e prática, em que ora se
coloca grande peso ao conhecimento teórico acadêmico, ora às situações geradas pelas
práticas pedagógicas no exercício da profissão, concepção essa que carrega suas raízes no
modelo de racionalidade técnica.
No que concerne à questão, Garcia (2010, p.14) aponta que “os estudantes em
formação costumam perceber que tanto os conhecimentos como as normas de atuação
transmitidos na instituição de formação pouco têm a ver com os conhecimentos e as práticas
profissionais”. Nota-se tal constatação referente à relação entre teoria e prática na fala das
professoras, quando mencionam a sua formação em nível superior. Assim, as docentes
166

consideram que muitas de suas aprendizagens sobre o trabalho na educação infantil foram
adquiridas no exercício da própria profissão:

Eu acho que a faculdade não ajudou. Ajudou zero. A gente sempre aprende
na prática com os colegas, aprendemos até não fazer certas coisas, não é
verdade? Porque tem o exemplo negativo que você olha e diz que é aquilo
que você não quer. Então esse é um aprendizado. Na maioria das vezes, eu
te juro que é isso o que a gente aprende mais (Rita).

O que eu aprendi foi na prática mesmo, foi no dia a dia, quando eu fui
para o batente [...]. O dia a dia, o “vamos ver”, desenvolver uma atividade
eu aprendi na prática, porque assim, montar uma atividade, fazer um plano
de aula, a gente aprende lá [se refere à faculdade], mas, o dia a dia ali que
você vai lá e tem uns problemas, tem um aluno que tem problema, e a forma
como vai agir, é na prática (Amanda).

Foi um ano muito gostoso, de muito aprendizado, inclusive muito mais do


que a minha faculdade. Porque teoria é uma coisa, não é? E não que a
faculdade não tenha me ajudado, mas é que eu falo que nela é mais o
entender as coisas, de onde que tudo parte, mas assim, o que acontece
mesmo, acho que a profissão ela acontece na prática [...]. Eu aprendo a
ser professora todo dia (Fabiana).

É interessante destacar que tanto as professoras com ingresso mais recente na rede
municipal quanto as professoras mais antigas descrevem momentos de aprendizagens
mediante ao processo de inserção profissional. Para Garcia (2010) tal período define-se como
parte importante na trajetória de um professor, uma vez que, é nele em que ocorre a
transmissão da cultura docente (os conhecimentos, modelos, valores e símbolos da profissão),
a integração desta cultura às práticas, além da adaptação à escola e aos modos de organização
do trabalho na instituição em que são desenvolvidas as atividades.
Em um mesmo sentido, Guarnieri (2005) afirma que o professor ao adentrar à
profissão docente, a partir do exercício de sua função, aprende. Para a autora, de modo que
lhe é apresentada a cultura escolar como um padrão, o docente incorpora rotinas, tarefas,
procedimentos, bem como valores expressos em tal cultura, os quais são considerados como
adequados pelos professores mais antigos.
Ao analisarem os saberes mobilizados pelos professores na prática cotidiana, Tardif &
Raymond (2000) verificaram que os professores trazem no exercício do trabalho
conhecimentos e manifestações de saberes provenientes de variadas fontes e diferentes
naturezas. Assim, os autores destacam que:

A ideia de base é que esses “saberes” (esquemas, regras, hábitos,


procedimentos, tipos, categorias etc.) não são inatos, mas produzidos pela
socialização, isto é, através do processo de imersão dos indivíduos nos
167

diversos mundos socializados (famílias, grupos, amigos, escolas etc.), nos


quais eles constroem, em interação com os outros, sua identidade pessoal e
social (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 218).

De acordo com Tardif & Raymond (2000), tais saberes definem-se como plurais,
compósitos, heterogêneos e temporais, sendo constituídos mediante as trajetórias vivenciadas
pelos professores a partir das experiências e trocas com pares no contexto pessoal e
profissional, proporcionando subsídios que auxiliam na atuação da profissão.
Para Penna (2012a), o conjunto de esquemas práticos que o professor mobiliza em sua
ação é adquirido, entre outros aspectos, pela experiência. De acordo com a autora, as
aprendizagens que compõem parte do ofício docente e ocorrem na inserção do professor no
campo educacional não ocorrem de forma intencional.
Sobre o ingresso na profissão e as aprendizagens desenvolvidas em determinada
época, as professoras entrevistadas afirmam certas aprendizagens que se relacionam ao fazer
docente nas creches e escolas:

Quando eu entrei para a creche [se refere à primeira creche em que atuou]
foi interessante, porque eu fui muito privilegiada, eu trabalhei com uma
menina, o nome dela é Marcia [...]. Eu aprendi uma coisa com ela, ela
dizia assim: “Não, eu não posso ficar aqui o dia inteiro com uma criança e
ela fazendo nada. Eu tenho que pensar em alguma coisa para ela fazer”
(Elisa).

A primeira vez na creche para mim foi tudo muito novo, ali eu tive uma
noção de como seriam as trocas e essas coisas, porque eu não sabia de
nada disso da creche, de como cuidar na creche. Como eu te disse, não foi
falado, isso não tivemos na faculdade, isso eu posso te garantir... Então, lá
eu fui tendo essa noção que precisaria trocar, alimentar as crianças e tudo
mais (Fabiana).

Ainda sobre as aprendizagens para o exercício da função docente, as docentes


destacam as interações com os pares também como influências do trabalho que realizam:

Eu sempre acho que aquilo que eu sei é menos, então eu tento buscar trocar
com outras pessoas ou buscar formações das quais elas justifiquem esse
meu pensamento e essa minha ação [...]A minha maneira de pensar e de
trabalhar eu vou dizer para você que tem muita influência das pessoas que
eu trabalho. Eu gosto de observar as outras pessoas trabalhando que é para
poder aprender com elas (Elisa).

A gente sempre vai aprendendo com os colegas. Quando estamos cansados


aparece algo que faz a gente pensar, aí chega por exemplo uma professora
nova na escola que traz algo que você ainda não fez ou te desperta a fazer
alguma coisa nova. Aí você se anima, tenta fazer de novo, recomeçar. Então
são essas reciclagens e isso é muito bom, muito gostoso. Que nem quando
168

apareceu uma professora nova lá e fez um livro assim assado e eu fiquei


admirada, passei a observar ela, para também mudar, reciclar (Rita).

Eu vou aprendendo com os colegas, vou observando, às vezes vou atrás


também pesquisar e assim a gente vai melhorando (Amanda).

Buscando problematizar a profissionalização docente, Lüdke e Boing (2004)


argumentam que o contexto institucional ocupa lugar de destaque nos processos de
socialização dos professores. De acordo com os autores, cada instituição se compõe como um
microcosmo em que professores, alunos, funcionários, famílias interagem, o que influencia
diretamente na atuação dos profissionais que nela atuam.
Tendo em vista tais reflexões, frente às aprendizagens docentes dada a entrada no
campo educacional, importa considerar as formas como tais movimentos ocorrem dentro das
creches investigadas, de modo a compreender como se configura a instituição como um
campo de lutas e disputas, principalmente quanto ao que diz respeito às relações estabelecidas
entre professoras com maior tempo de ingresso na rede e professoras com ingresso mais
recente na profissão. É também mediante ao contato com a cultura escolar e as tensões que se
desprendem desta, tais como as posições hierárquicas e conflitos em que os docentes mais
novos possuem a necessidade de se adaptar, que o professor se torna profissional (PENNA,
2012a).
Ao discutir a forma como se estabelece o poder de decisão de professores em início de
carreia mediante suas práticas no contexto de inserção profissional, Vieira, Hypolito e Duarte
(2009) consideram que um conjunto de discursos se produz sobre esses com a função de
normalizá-los, regulando suas práticas e decisões de acordo com condutas compreendidas
como legitimas na efetivação do processo educativo.
Nas palavras dos autores, tais práticas discursivas, assentadas em uma tradição e nos
discursos que desta se derivam, agem sobre o trabalho docente e processos de significação
que nele são produzidos, contribuindo para o estabelecimento de representações do que é a
docência e sua identidade.
Compreendendo a tradição como herança cultural, legado de crenças transmitidas,
Vieira, Hypolito e Duarte (2009) consideram que a propagação de certa tradição busca
produzir coesão moral no corpo social. Dessa forma, se impõe um controle rígido ao novo
integrante, de modo a garantir que este não destoe das formas de trabalho consagradas pela
tradição naquele espaço social:
169

Os dispositivos de controle efetivam-se por meio das relações sociais


internas à escola marcadas por discursos de apelo à tradição. Seus efeitos
servem para sinalizar a prática desejada na escola e quais os riscos que
devem ser evitados: o rompimento da coesão do grupo de docentes e a não-
aprendizagem de alunos e alunas, que podem ferir as rotinas do local de
trabalho e alterar as relações de poder ali consagradas (VIEIRA;
HYPOLITO; DUARTE, 2009, p. 227).

De acordo com Vieira, Hypolito e Duarte (2009, p. 232), os dispositivos de controle


conservadores se inscrevem nas relações entre professores antigos e professores iniciantes
com o intuito de que sejam perpetuados “[...] significados que têm efeitos na produção de
sentidos, formando um sistema de representação cultural que legitima uma ideia de escola tal
como é definida pela tradição e pelos discursos das políticas curriculares e educativas”.
Frente ao depoimento de Amanda e Fabiana, professoras com menos tempo na rede
municipal, foi possível verificar aspectos que marcam as relações entre professoras antigas e
professoras novatas nas respectivas creches em que atuam, indicando a existência de posições
hierárquicas que demarcam determinado subcampo - a creche. Quando questionadas sobre as
relações com as professoras com maior tempo de exercício docente nas instituições em que
atuam, as professoras afirmam se sentirem em posição de desvantagem tendo em vista o
tempo de profissão, o que as leva a realização de ações que nem sempre compreendem como
boas. No entanto, as professoras também afirmam realizar o trabalho de acordo com o que
compreendem como correto buscando estratégias para tanto. Assim descrevem:

Eu acho que existe sim posições hierárquicas. Eu acredito que tenha sim, eu
percebo que tem. Não é assim, questão de eu sei mais, mas é assim, eu
estou aqui há mais tempo você acabou de chegar, então… assim. Eu
acredito que tem sim[...]. Eu vou fazendo o que eu pretendo para mostrar
que eu também sou tanto professora quanto elas que já estão ali há mais
tempo. Não é porque eu acabei de chegar que eu também não sou capaz,
mostro que eu irei continuar e um dia eu vou chegar também na posição que
ela está ali, no tempo de trabalho dela (Amanda).

Na primeira escola em que trabalhei, quando eu via alguma coisa que não
gostava eu podia mudar eu mudava, mas isso não dependia só de mim
porque ainda estava chegando. Então mesmo você tendo força de vontade,
sozinha você não consegue, porque senão você acaba batendo de frente
com algumas professoras mais velhas e aí acaba virando um lugar horrível
de trabalhar e é ali que você precisa estar todo dia [...]. E assim, nós duas
éramos as que ficavam quietas [ela e mais uma professora novata que
compunha o trio de trabalho], sabe? Só obedecendo, mas estava tudo lindo
porque tudo que a mais velha queria fazer a gente era disposta fazer
também, porque depois ela também ajudava no que queríamos (Fabiana).
170

Ainda sobre as relações formativas estabelecidas no espaço em que trabalham, nota-se


que todas as professoras se sentem julgadas pelos demais colegas. É interessante destacar que,
apesar de fazerem parte de um grupo diferente, tendo em vista o tempo de ingresso na rede
pública e profissão docente, ambas revelam a mesma angústia dentro da profissão. Tal
situação demonstra mais uma vez as relações de forças e lutas que permeiam determinado
espaço social. Os relatos expressam as situações:

A resistência que eu tinha com o tipo de trabalho que eu fazia lá atrás, no


meu início, eu estou voltando a ter de uns três, quatro anos para cá [...]. É
eu ter que fazer coisas e ter que trabalhar com coisas das quais eu não
acredito, porque eu vejo que uma gama maior do grupo faz e eu e minha
colega de sala somos minoria. Visto que a maioria pratica, então você é
levada a fazer. É muito difícil fazer uma coisa que você não acredita
(Elisa).

Tem até problema de que às vezes a gente é muito julgada[...]. Então, eu


acho que o que é desgosto é isso, às vezes ser julgado pelos próprios amigos
de profissão (Amanda).

O ruim então é o profissional que está trabalhando com você. Porque se


você está no berçário II é pior ainda, porque são duas pessoas para não
aceitar a tua ideia, sabe? Quando aceita beleza, mas quando não… E
geralmente as minhas as pessoas não aceitam. E não é que eu queira
revolucionar, jamais! Ainda mais pensando nisso, percebendo o olhar que
as pessoas têm para mim, aí é que eu me intimido e já nem quero mais ir,
porque o pessoal fala que a gente faz para se aparecer. Se tem uma coisa
que eu odeio é a outra classe falar que você quer fazer para competir, que
você quer fazer para aparecer. Isso não existe isso, isso só existe na cabeça
do doente, na do outro não existe (Rita).

A gente levava as crianças para a grama e eles não queriam pisar na


grama. Nós tirávamos as meias e as outras professoras achavam um
absurdo tudo aquilo, sabe? Éramos vistas como as três loucas. O pessoal
julgava bastante (Fabiana).

Dando importância aos julgamentos produzidos nas relações que se desprendem entre
as professoras nas creches, a discussão acerca da produção da profissão docente por meio de
uma identidade constituída frente à docência se coloca como ponto importante a ser inserido
no debate sobre a constituição de saberes no exercício profissional e a possível reprodução de
aspectos que compõe a cultura escolar.
Segundo Garcia, Hypolito e Vieira (2005) é por meio dos discursos em que se define a
categoria docente e como essa deve agir, que se produz uma parcela de condições necessárias
para a fabricação e regulação da conduta dos professores. De acordo com os autores, a gestão
da identidade profissional docente, que ocorre por meio dos discursos vinculados por grupos e
171

indivíduos que disputam o espaço acadêmico ou que estão na gestão do Estado, está
diretamente relacionada à tarefa central de governo e de condução do sistema educacional e
escolar de uma nação.
Em um mesmo sentido, Hypolito (2010) propõe como constituintes de determinado
processo de constituição identitária as ações do Estado gerencial e as políticas educativas, que
em suas palavras, possuem caráter regulador tornando as identidades docentes mais
adequadas a empreendimentos educativos.
Corroborando a ideia acerca da construção da identidade docente vinculada à gestão
do Estado, Garcia e Anadon (2009) argumentam sobre a constituição de uma autoimagem de
docência a partir de políticas educacionais, tais quais podem ser compreendidas como
dispositivos de recomposição dos mecanismos de regulação social no interior dos aparatos
educacionais e escolares.
Partindo das reflexões aqui explanadas, acerca da identidade docente, quando
principalmente relacionada ao Estado como agente centralizador que regula determinado
ofício, compreende-se a necessidade de trazer à luz alguns aspectos que marcam certa
condição regulatória, ainda que as docentes aqui investigadas componham o quadro de
professores de educação infantil, mais especificamente em exercício docente na creche,
espaço social que também é composto por uma identidade profissional. Conforme
argumentado anteriormente, ainda que em atuação na creche, as professoras de educação
infantil ocupam posição social constituída por uma cultura e identidade comum à docência.
As considerações frente à construção da identidade docente auxiliam na compreensão
de como as demais professoras que atuam nas duas creches investigadas, de acordo com o que
relatam as docentes investigadas, entendem como deve se organizar e ser realizado o trabalho
docente, tendo em vista a imagem que se consolida mediante a construção do que é ser
professor, ou seja, da identidade docente.
Os dados analisados com vistas às aprendizagens desenvolvidas frente ao ingresso na
profissão e ao processo de socialização com os pares no exercício docente apontam que ao
exercerem a docência as professoras também incorporam saberes, bem como elementos que
marcam as práticas e rotinas nas creches.
Nota-se mediante às falas das professoras sobre as formas como se organizam as
relações nas creches, que tais situações também são constitutivas de seus saberes e são
mobilizados no exercício docente. Além disso, também é possível observar que as relações
que se desprendem da socialização entre pares estão atreladas às condutas das professoras, o
172

que pode ser percebido quando afirmam que realizam ou deixam de realizar algo tendo em
vista alguns julgamentos.
Sobre isso, vale destacar que tais práticas por muitas vezes podem estar relacionadas à
uma cultura escolar que se consolida no campo educacional e marca o magistério, ainda mais
quando levada em conta o que se concebe como identidade docente. Dessa forma, embora
compreenda-se a vivência prática mediante a inserção profissional e a socialização docente
como importante aspecto da formação de professores, faz-se necessário levar em conta que
este não deve ser valorizado como a principal forma de desenvolvimento das aprendizagens
que envolvem a docência (PENNA, 2012a).
De acordo com Penna (2011, p.56), “a investigação de aspectos relacionados à
formação desencadeada no professor em processos de socialização na escola é fundamental
para a compreensão da cultura escolar e seus mecanismos de continuidade e possibilidades de
ruptura”. Assim, tais processos devem ser questionados, uma vez que:

A conduta do professor é produto da forma escolar, que pressupõe certos


espaços, certas atividades, ou seja, coordenadas organizativas que
demandam ações a serem realizadas, das quais os docentes rapidamente se
apropriam. Essas ações se transformam em práticas, que se cristalizam na
cultura escolar, estabelecendo modos de agir próprios à escola. (PENNA,
2011, p.145).

Tal como discutido, a formação obtida mediante a experiência se coloca em posição


de importância, constituindo parte dos saberes que compõem a profissão docente como
apontam Tardif, Lessard e Lahaye (1991). Contudo, assim como discutem os mesmos autores,
é importante se ter em vista que tais saberes só fazem sentido quando confrontados com a
formação para a docência, de modo a proporcionar pensamento crítico e reflexivo, de forma
que tal formação adquirida nas relações frente a função docente não seja reduzida ao
cumprimento de tarefas rotineiras.
Para Guarnieri (2005) de fato algumas das aprendizagens da profissão docente só são
iniciadas no exercício do ofício, no entanto, mediante a tal consideração a autora aponta a
necessidade de se levar em conta que a depender da posição que ocupa o professor, entre
aprendiz-professor em formação ou professor aprendiz em exercício, as situações de
aprendizagens se colocam de forma diferentes e ainda assim são existentes, não podendo ser
reduzidas à apenas uma dessas duas condições. Neste sentido, vale ressaltar que “teoria e
prática não estão de maneira alguma dissociadas, pois são o ponto de partida e de chegada do
processo de formação” (SANTOS; SPAGNOLO; STÖBAUS, 2018, p.76).
173

Sobre a formação inicial docente, Imbernón (2004) defende que a sua estrutura
necessita possibilitar uma análise global das situações educativas, de modo que os professores
sejam dotados de uma bagagem sólida nos âmbitos social, cultural, contextual, pessoal,
assumindo a tarefa educativa em toda sua complexidade.
De acordo com Silvestre (2011), é nesta etapa em que são fornecidas as bases para a
construção de um conhecimento especializado. Assim, a condição da formação inicial e seus
moldes também se encontram em íntima relação com o desenvolvimento profissional e se faz
de grande importância que sejam considerados.
Tendo em vista determinada situação, torna-se importante que o professor compreenda
o estabelecimento das relações entre prática docente, contexto de trabalho em que se situa tal
prática e formação teórico-acadêmica inicial, o que segundo Guarnieri (2005) só é possível
mediante ao desenvolvimento da capacidade de reflexão crítica que proporcione a este
profissional o entendimento de sua própria situação enquanto profissional.
Dessa forma, no que concerne à educação infantil, importa considerar que o docente
que atua com criança necessita “[...] assumir a reflexão sobre a prática, o estudo crítico das
teorias que ajudam a compreender as práticas, criando estratégias de ação, rechaçando receitas
ou manuais. O eixo norteador precisa ser a prática aliada à reflexão crítica [...] (KRAMER,
2002, p. 129).
Contudo, conforme alerta Guarnieri (2005), para que ocorra a capacidade reflexiva
crítica faz-se necessário o envolvimento não só do professor, mas de grupos de professores de
modo que em conjunto possam buscar saídas para conflitos, dificuldades e problemas
relacionados à prática que se inscrevem no cotidiano das escolas. Neste sentido, importa
também levar em conta os momentos de formação permanente como outra possibilidade para
a constituição de professores críticos reflexivos.
Silva Junior (2015) discute a importância de os professores se formarem para além das
universidades e dos centros de formação, em seu contexto de trabalho, junto aos seus alunos e
no interior dos limites e dos saberes de sua categoria profissional.
Para Barreto (2015) as mudanças das práticas educativas requerem estratégias e
demandam um tempo para consolidar-se, que não é o tempo de duração dos cursos de
formação continuada. Neste sentido, a autora considera necessária a proposta de formação
permanente, que assim como um projeto de um novo modelo de formação inicial, leve em
conta o professor como agente, a escola como locus e um espaço público de formação.
Corroborando a ideia, Candau (1996) coloca como necessário o deslocamento do
locus da formação continuada de professores da universidade, tornando como referência
174

fundamental de formação o reconhecimento e a valorização do saber docente. Segundo a


autora, a escola se constitui como um locus de formação a partir das experiências dos
professores. “No cotidiano ele aprende, desaprende, reestrutura o aprendido, faz descobertas
e, portanto, é nesse locus que muitas vezes ele vai aprimorando sua formação” (CANDAU,
1996, p.144)
Não obstante, quanto a essa possibilidade, Candau (1996) aponta a necessária ressalva
em relação a alguns aspectos. De acordo com a autora, é preciso estar atento às formas para
que tal objetivo seja alcançado, visto que a prática mecânica e repetitiva acaba por não
favorecer tal processo. Assim, argumenta sobre a necessidade de tal prática se constituir como
reflexiva, de modo que seja possível identificar problemas e resolvê-los, constituindo-se esta
como uma prática coletiva, construída em conjunto por todo corpo docente.
No debate acerca do desenvolvimento profissional docente, Santos, Spagnolo e
Stöbaus (2018, p. 75), destacam que esse encontra-se intrinsecamente ligado à pessoa, não
apenas ao profissional, dispensando assim qualquer dualidade entre as duas dimensões.
Partindo desta premissa, os autores pontuam como importante “(re)encontrar melhores
espaços de interação entre as dimensões pessoais e profissionais, permitindo aos professores
apropriar-se dos seus próprios processos de formação e (re)ssignificar sua profissionalidade
docente”. Em suas palavras, a formação:

[...] deve ser compatível com determinado contexto sociopolítico e


econômico, comprometida com perspectivas emancipatórias. Também
implica preparar professores para momentos incertos, para mudanças.
Significa articular a formação pessoal com a profissional, sendo uma forma
de encontro e confronto com suas próprias experiências vivenciadas, pois se
trata de um processo coletivo de construção docente, de reflexões em
conjunto. Por fim, atitudes de colaboração e solidariedade são muito
necessárias e pertinentes nesse contexto, através da descoberta do outro, do
desenvolvimento do pensamento crítico e do processo reflexivo (SANTOS;
SPAGNOLO; STÖBAUS, 2018, p.76).

Desse modo, os autores consideram que “o processo de aprendizagem dos professores


deve considerar seus conhecimentos prévios e suas vivências, já que sua formação deve
incluir atividades práticas, encontros entre pares que promovam espaços de diálogos
compartilhados sobre o ser professor.” (SANTOS; SPAGNOLO; STÖBAUS, 2018, p. 76).
No que concerne a questão, referente a momentos de diálogos e formação permanente
no contexto das creches, observa-se perante os depoimentos das professoras que estes não
ocorrem em nenhum dos dois grupos pertencentes às duas creches em que atuam as duplas
investigadas. Isso, pois, embora apontem as aprendizagens por meio da socialização com os
175

pares, evidencia-se tal movimento com maior força frente à relação estabelecida com suas
respectivas colegas de sala, uma vez que não vivenciam muitos momentos de troca com os
demais professores das instituições, uma queixa de três das docentes entrevistadas. Para elas
tais momentos são importantes para as trocas de saberes, bem como para o trabalho coletivo:

Então, eu sinto meio que essa falta de troca com os colegas também
pessoalmente. É muito fechado, o pessoal é muito fechado. É cada um na
sua sala (Amanda).

Nós tivemos há uns anos, uns bons anos de troca. Eu tenho uma ideia, eu
não sei se diferente, tanto eu quanto a minha parceira de sala atual. A
minha porta está sempre aberta. Eu gosto de aprender, gosto de ver que às
vezes eu faço uma coisa e o outro vai lá e faz. Faz a mesma coisa e sai o
resultado totalmente diferente, eu acho isso muito interessante. Então, abre
as possibilidades de eu aprender coisas diferentes. Mas, o que eu percebo é
que as pessoas estão se fechando. O espaço não está para troca e não digo
só para troca em relação ao trabalho, mas até para as interações com as
crianças (Elisa).

Eu acho que essa troca com as outras salas é fundamental, porque fora da
Hora Atividade você não tem essa chance, oportunidade. Então para que
essa troca exista com as outras professoras na escola em um geral e gestão
e tudo mais é só na hora atividade, porque a gestão também não vai na sala
ver o que está acontecendo ou o que está precisando. Então, na hora
atividade é fundamental para o restante do corpo escolar, agora na sala de
aula é na prática, com a colega é na prática e até mesmo o planejamento
(Fabiana).

Observa-se certa falta de diálogo entre pares na instituição no que se refere à discussão
acerca da realização de práticas adequadas, bem como sobre as dificuldades encontradas no
cotidiano. Não há assim a reflexão sobre o fazer docente em sentido de reconstrução de ações
que atendam de forma integral o desenvolvimento das crianças.
Neste sentido, outro ponto a ser destacado diz respeito ao período de Hora Atividade
desenvolvido pelas professoras, que na rede municipal de Guarulhos é estipulado como um
espaço formativo.
Ao realizarem estudo de revisão com análise documental e analisarem resumos de
teses e dissertações que tratam sobre a formação continuada de professores da educação
básica, Penna, Bello e Jacomini (2018) verificaram que o trabalho coletivo, a troca de
experiências entre os professores, e a problematização da realidade foram aspectos apontados
pelas pesquisas como situações que pudessem levar os docentes a se tornarem mais
autônomos, criativos profissionais e condutores da sua própria prática pedagógica.
Conforme apresentado anteriormente, no município de Guarulhos, as professoras de
educação infantil contam com a carga horária de 30 horas semanais, sendo destas, cinco horas
176

reservadas como espaço formativo, das quais três horas devem ocorrer nas unidades
escolares/creches (Hora Atividade), ou seja, em forma de trabalho coletivo, enquanto as
outras duas em espaços da preferência do professor. Embora sejam determinadas tais
especificações frente à jornada de trabalho, os relatos das professoras apontam para outra
situação. As docentes afirmam que não sentem a utilização dos horários estabelecidos em suas
jornadas como um espaço formativo ou um espaço para trocas entre pares:

Precisa dizer a verdade? Nós não temos momentos formativos. Se você


pensar do lado positivo você tem livre arbítrio para você fazer o que quiser,
então você não tem que estar dentro daquela sala escutando. Por exemplo,
há um tempo tinha uma coordenadora que só lia texto e todo mundo
reclamava. Era uma leitura do texto e assinar o livro da ata, de presença.
Depois veio uma outra que socializava, aí o pessoal sofria porque tinha que
socializar. Eu achava o maior barato a socialização porque o pessoal via o
trabalho um do outro e pensava, poxa eu posso usar isso (Rita).

Falando da nossa hora atividade, particularmente, se ela tem agregado


alguma coisa? Não, não tem agregado nada. Não há trocas oportunizadas
(Elisa).

Eu acho que eu sinto falta da formação nessas horas atividades, falta das
que são mais formativas. Eu acho que as horas atividades da escola onde
estou é muito diferente e sinto essa falta. Eu já passei por escolas que as
horas atividades eram formativas, que a coordenadora vinha com texto que
liamos e debatíamos e lá não tem muito isso. Lá é muito assim, a hora-
atividade usada para decidir alguma coisa, para dar algum recado
(Amanda).

Lá não temos esses momentos. Lá nós nos reunimos apenas quando tem o
CPCC para falar o que a gente pretende fazer naquele período. No CPCC
somos todas divididas por salas, por exemplo, os berçários I se juntam e
conversam e é dessa forma e só. Daí para a frente não tem o
acompanhamento, só quando tem algo para fazer, por exemplo, demanda
que veio da secretaria para ser respondida. Mas discutir o que está sendo
feito, não (Fabiana).

Ainda sobre a situação em que se inscreve a não utilização dos horários de trabalho
coletivo nas creches vale destacar que estes se consolidam como um direito dos professores, a
ser utilizado como espaço formativo, que, no entanto, não tem cumprido sua função.
Nesta seção pretendeu-se discutir os processos formativos nos quais estiveram
inseridas as quatro professoras participantes deste estudo. Desta forma, destacaram-se como
pontos de debate tanto os processos formativos formais – licenciatura em Pedagogia -, como
os processos não formais, ocorridos mediante as experiências vivenciadas no exercício do
magistério na creche.
177

A análise dos dados aqui apresentada indica que, de acordo com as professoras
entrevistadas, suas formações em nível superior ofereceram poucos subsídios sobre o trabalho
a ser realizado com bebês e crianças pequenas, o que as leva a considerar que a maioria de
suas aprendizagens ocorreram no exercício docente.
No que concerne às aprendizagens desenvolvidas frente à inserção profissional, os
depoimentos destacaram o reconhecimento de aprendizagens ocorridas mediante à prática da
profissão, principalmente com vistas aos momentos e trocas com os pares. Sobre tais
aprendizagens, chama-se atenção para a possibilidade de reprodução de aspectos da cultura
escolar, bem como de uma identidade docente regulada pelo Estado que também vai ao
encontro de tais aspectos.
Ao considerar os movimentos formativos frente à formação continuada das
professoras, observou-se que esses não ocorrem nas creches, não havendo momentos para
discussões que possam levar à reflexão as ações e o trabalho consolidado nas instituições.
A função docente com bebês e crianças pequenas vem se constituindo como um
campo em construção e possui características específicas que vão além de uma forma escolar.
Neste sentido, deve-se ter em vista que determinada etapa educacional demanda saberes
docentes que contemplem as especificidades das crianças pequenas. É essencial considerar
que as escolas de educação infantil possuem características diferentes das escolas de ensino
fundamental, o que confere propostas de educação diferenciada, demandando profissionais
formados e comprometidos com o conhecimento. O professor nesta etapa da educação básica
não ministra aulas, embora preveja intencionalidade educativa.
Dando importância às considerações que se desprendem da análise aqui apresentada e
das especificidades da educação infantil e da creche, vale ressaltar o importante papel da
formação inicial de professores, bem como da formação permanente. Tais movimentos
formativos necessitam subsidiar o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo do
professor, de modo a levá-lo à compreensão e ao questionamento de práticas cristalizadas que
expressam traços da cultura escolar, bem como concepções equivocadas sobre o trabalho com
as crianças de zero a três anos, além do reconhecimento político e social de determinada etapa
educacional. Ainda que tais processo se façam de grande importância na formação inicial e
continuada, importa ainda considerar os percalços que envolvem as duas situações e a difícil
efetivação de processos formativos de qualidade, tal como discutido neste trabalho.
178

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve por objetivo verificar valores e disposições incorporados em


processos formativos não formais e que se expressam em facetas da prática pedagógica de
professoras de educação infantil em exercício docente na creche.
Partindo da compreensão que as trajetórias sociais configuram movimentos formativos
não formais, partiu-se da concepção de que tais processos não ocorrem em um vazio, mas se
relacionam a questões mais amplas, que envolvem as diversas experiências sociais
vivenciadas pelas professoras aqui investigadas, as relações que se desprendem dessas
relações, bem como as condições objetivas que permeiam os espaços sociais em que
estiveram inseridas as professoras.
Dando importância a tais reflexões, considerou-se a análise de aspectos referidos à
origem social das docentes entrevistadas tendo em vista suas trajetórias pessoais; e também as
trajetórias profissionais, considerando as experiências vivenciadas no campo educacional com
foco no trabalho na creche. Como ferramentas analíticas recorreu-se aos conceitos de habitus
e campo, formulados por Pierre Bourdieu. Tais conceitos fundamentaram a discussão acerca
da relação entre os valores e disposições configurados, que de alguma forma se expressam na
prática das professoras investigadas, e suas trajetórias.
Ao se levar em conta que a dimensão pessoal não se desvincula da constituição
profissional docente, tal como pontuam Nóvoa (1995), Mizukami e Betti (1997), Goodson
(1995), Moita (1995) e Lelis (2001), foram consideradas nas entrevistas semiestruturadas
questões que permitissem o aprofundamento nas trajetórias pessoais das professoras, de modo
a investigar possíveis aprendizagens desenvolvidas por meio dos processos de socialização
primária, os contextos em que ocorreram tais processos e a posição social ocupada pelas
famílias de origem.
Frente à análise dos dados atinentes às trajetórias pessoais das professoras foi possível
verificar, a partir da concepção que explanaram sobre o trabalho que realizam, com vistas às
suas práticas e às relações que estabelecem com as crianças nas creches, que suas ações estão
relacionadas, entre outros fatores, a valores incorporados como aprendizagens processadas na
família de origem, tendo em vista a posição social ocupada pelo grupo familiar.
Os depoimentos das quatro professoras demonstraram regularidades quanto ao que se
refere à pertença de classe, apontando para origem de famílias das camadas populares, tendo
em vista indícios como o baixo grau de escolaridade dos pais, o modo de vida simples e os
momentos de dificuldades financeiras enfrentados pelas docentes durante a infância. Vale
179

destacar que a posição social ocupada pelas famílias de origem relaciona-se diretamente à
valorização do trabalho e da escolarização, valores observados mediante os relatos das
professoras. Observou-se que tais valores, que expressam um ethos de classe, se manifestam
em sentido prático para as docentes em suas práticas. Assim, verificou-se determinada relação
do trabalho como valor nas falas em que as professoras apontam atitudes de empenho,
dedicação e esforço nas funções exercidas na creche, enquanto o valor à escolarização se
expressou nas práticas relatadas junto às crianças. Para as professoras a escolarização
compreende parte importante do trabalho que realizam como docentes. É interessante pontuar
que ambos os valores destacados vão ao encontro das demandas do campo educacional e do
magistério, além do que, não são questionados pelas professoras, tendo em vista que
compreendem a escola tal como possibilidade de mobilidade social, estando assim submissas
às normas e conhecimentos propagados pela escola.
Além dos valores referidos à posição social das famílias de origem, verificou-se que a
relação estabelecida pelas professoras com a docência na creche também expressa marcas da
posição social que ocupam como mulheres. As condições objetivas relacionadas à atuação em
instituições de educação infantil permitiram compreender a forma como a docência com
crianças de zero a três anos é compreendida pelas professoras, configurando valores que
compõem suas práticas. Sobre esse aspecto, destacaram-se nos depoimentos a relação
estabelecida pelas professoras entre o fato de serem mães e a escolha pela docência, seja pelas
condições objetivas relacionadas à necessidade de conciliarem a dupla jornada de trabalho
formal com o trabalho doméstico e cuidado dos filhos, além da possibilidade de realização de
curso superior e ingresso no mundo do trabalho, seja pela concordância que realizam entre o
curso de Pedagogia e a docência com o fato de serem mães.
Para além dos valores e disposições referidos à origem social, buscou-se verificar
elementos relacionados às condições objetivas referidas ao espaço social em que as
professoras exercem a docência, ou seja, o campo educacional e a creche. Ao investigar
determinado campo, considerou-se que o atendimento à criança de zero a três anos, mediante
ao seu histórico, ocupa posição desvalorizada no espaço social, sendo permeado por tensões e
implicações de suas especificidades.
Partindo desta perspectiva, no que tange às circunstâncias que envolvem o trabalho
docente na creche e a docência nesta etapa da educação básica, ao investigar os contextos em
que ocorreram as trajetórias profissionais das professoras e as condições objetivas que destas
se desprendem, foi possível identificar alguns aspectos que marcam as práticas docentes no
trabalho com crianças de zero a três anos.
180

Observou-se que perante à compreensão que possuem acerca do papel da educação


infantil e das demandas do campo educacional, as professoras realizam certa separação das
ações cuidar e educar, produzindo assim uma cisão no grupo de crianças que é atendido nas
creches. Em suas falas, as docentes pontuam a preferência pela realização do trabalho com
crianças um pouco maiores, ao levarem em conta que o trabalho com bebês demanda apenas
ações de cuidado, não abarcando muito, como entendem, uma prática pedagógica.
Foi possível verificar, mediante a tais considerações que ao trabalharem com as
crianças um pouco maiores, tendo em vista a realização de práticas pedagogizadas e de cunho
escolarizantes, que vão ao encontro da cultura escolar, tais como brincadeiras e outras
atividades sempre atreladas a finalidades educativas, as professoras se sentem “mais
professoras”, obtendo assim o que consideram por parte das crianças maiores um retorno
positivo da função que realizam, o que segundo elas não é possível na relação com os bebês.
Tal compreensão, que prioriza o trabalho voltado para processos de escolarização em
detrimento de ações de cuidado na função docente, marcam essas últimas como
desvalorizadas.
Diante às concepções das professoras acerca do trabalho que realizam com as crianças
na creche, foi possível considerar que as práticas docentes que demonstram aspectos da
cultura escolar, realizadas principalmente com as crianças um pouco maiores, guardam
relação com as necessidades imanentes ao campo educacional e suas condições objetivas.
Assim, compreende-se que possivelmente ao trabalharem com crianças maiores, as docentes
se apropriam do discurso sobre as especificidades da educação infantil, como por exemplo a
importância do brincar, e se utilizam desse discurso – sem perceber – para realizarem o que
compreendem como parte da função docente, qual seja, ensinar crianças, prática essa que
também se relaciona ao valor atribuído à escolarização, referido à origem social. Nesta
perspectiva, notou-se que as professoras, dentre outros aspectos, agem nas creches a partir de
valores presentes no campo educacional ao mesmo tempo que se utilizam de referências de
valores atinentes à educação infantil e à suas origens sociais.
No que concerne às condições de trabalho na creche, ou seja, às condições objetivas
que se desprendem do trabalho docente, estas foram verificadas sob duas perspectivas: a
primeira referente à precarização do trabalho, tendo em vista aspectos relacionados à carreia
docente e que envolvem elementos como a jornada de trabalho, salário, formas de
remuneração, formação continuada, direitos trabalhistas, desvalorização social, dentre outros;
e a segunda atinente à precariedade quanto às condições materiais de exercício docente que
abrangem as estruturas físicas e materiais das escolas.
181

Os depoimentos das professoras com maior tempo de ingresso na rede municipal


ilustraram situações de precariedade no trabalho em determinada etapa da educação básica
quando considerados os baixos salários recebidos, a extensa jornada de trabalho realizada e a
intensificação do trabalho nas creches anteriormente às exigências de formação profissional e
o reconhecimento das profissionais no quadro do magistério do munícipio.
Frente aos dados coletados e que expressaram condições referentes à carreira foi
possível verificar que maior que o desprestigio que permeia a profissão docente, encontra-se a
desvalorização do magistério com bebês e crianças pequenas. Pode-se considerar que certo
desprestigio está relacionado, entre outros fatores, à construção de uma concepção que
historicamente compreendeu o trabalho nas creches como um ofício que não demandava
necessária qualificação, uma vez que, por muito tempo esse esteve correlacionado à
substituição da família e ao trabalho materno.
Ao se levar em conta a posição de desvalor ocupada pela creche e suas profissionais
no campo educacional, evidenciou-se que o desprestígio e a percepção das professoras sobre
aspectos que constituem o trabalho na instituição demonstram e marcam a posição por elas
ocupada em determinado espaço social. Assim, nota-se que o não reconhecimento do
magistério na creche como um trabalho de valor social colabora para a realização de práticas
simplificadas pelas professoras. Os relatos apontaram para a concepção de que as
necessidades que emanam do exercício docente com crianças de zero a três anos estão
relacionadas à condição de terem filhos, em que as professoras acreditam realizar um bom
trabalho nas instituições tendo em vista suas experiências relacionadas à maternidade. Para
além disso, os depoimentos acerca da forma como se organizam em relação ao planejamento e
que demonstram a atividade como um procedimento burocrático também deixam a ver a
concepção de que o trabalho com bebês e crianças pequenas não demanda muitas
especificações, podendo ser realizadas de forma mais espontânea.
Mediante às considerações realizadas frente as análises dos relatos das professoras
sobre as condições objetivas que permeiam o trabalho docente na creche e se relacionam à
desvalorização da função no campo educacional, evidenciou-se que a visão que as docentes
possuem sobre o magistério na creche vai ao encontro da condição de desvalorização social
de tal grupo profissional e também dessa etapa educacional, desvalorização essa relacionada
principalmente ao histórico da instituição e de seus profissionais. Tal situação permite
compreender que determinada visão, verificada conforme os relatos das professoras, não se
constitui individualmente, mas se configura perante às atribuições sociais de reconhecimento
182

de determinada atividade profissional, influenciando diretamente nas práticas docentes das


professoras.
Ainda quanto ao que se refere às condições de trabalho nas instituições de atendimento
à criança de zero a três anos, compreendeu-se que somadas às reflexões acerca da
desvalorização social das profissionais em exercício docente nas creches e que se sedimentam
em valores práticos no trabalho docente, as condições materiais, no caso deste estudo,
atinentes principalmente aos espaços e materiais, também se comportam como elementos que
interferem no trabalho docente e na prática pedagógica na creche. Os relatos das professoras
demonstraram a situação precária de ambas as creches no que concerne aos espaços, que não
levam em consideração as necessidades das crianças e, logo, do trabalho das professoras,
além de situações relacionadas ao grande número de crianças por sala.
Ao serem levadas em conta as trajetórias pessoal e profissional de professoras de
educação infantil, buscou-se compreender de forma ampliada a formação e a prática docente.
A vista disso pretendeu-se, além de considerar as condições objetivas referidas à origem
social e ao campo educacional, ressaltar alguns dos processos formativos pelos quais passam
os professores, bem como discutir suas percepções acerca destes, uma vez que esses, ao se
relacionarem às aprendizagens desenvolvidas para o magistério estão diretamente ligados à
prática docente.
Ao serem considerados os processos formativos pelos quais passaram as professoras,
foi possível identificar que tanto as professoras mais antigas da rede, como as professoras com
menor tempo de ingresso na creche, estiveram inseridas em formações em nível superior que
se realizaram de forma precária e aligeirada. Os depoimentos das quatro professoras
investigadas demonstraram que tais processos formativos levaram pouco em conta assuntos e
temas referentes à educação infantil. Mediante a essa condição, notou-se que para as docentes,
o processo de maior aprendizagem do magistério ocorreu por meio das experiências que
tiveram frente à imersão na profissão e a socialização com os pares.
Ao relatarem sobre as aprendizagens desenvolvidas por meio da prática realizada nas
creches as professoras destacaram as relações estabelecidas com os colegas em suas
trajetórias profissionais. No que tange às relações que se inscrevem nas creches e marcam
determinados espaços sociais como um campo de lutas e disputas, foi possível verificar a
existência de posições hierárquicas entre professoras mais antigas e professoras novatas, em
que as professoras com menor tempo de ingresso na rede, em posição de desvantagem,
acabam por assumir o compromisso com uma tradição existente no campo educacional e nas
183

organizações das creches, marcando assim a possível reprodução de práticas compartilhadas


pelos professores sem que sejam questionadas.
Os relatos das professoras demonstraram ainda a falta de momentos formativos nas
instituições. De acordo com as docentes, não são utilizados os horários de trabalho coletivo
para a realização de formações. Assim, observou-se a falta de trocas oportunizadas entre pares
em ambas as creches, não havendo desta forma o diálogo reflexivo acerca da realização de
práticas adequadas, bem como sobre as dificuldades encontradas no cotidiano.
Nesta pesquisa pretendeu-se compreender alguns aspectos que marcam a prática
docente de professoras em exercício docente em duas creches.
Tal como discutido neste trabalho, a educação infantil, e aqui especificamente a
creche, segue em processo de constituição de sua identidade, o que também ocorre com os
profissionais que nela atuam. Embora tenham ocorrido avanços no que concerne ao
atendimento à criança de zero a três anos, este ainda se encontra permeado por tensões e
implicações que ora correspondem às demandas do campo educacional, ora se veem
relacionadas ao atendimento assistencialista, cunho materno e em substituição à família.
As concepções acerca da prática docente com crianças de zero a três anos que se
destacaram nas entrevistas permitiram compreender aspectos das implicações do campo
educacional e de uma cultura escolar que se consolida e se impõe à educação infantil e à
creche, que por um lado apresenta traços de valorização social e que contribuem para o
reconhecimento da creche como espaço de cuidado e educação de bebês e crianças pequenas;
mas que também contribuem para a compreensão do trabalho nas creches configurado por
ações simplórias, sem a necessidade de grandes reflexões para sua realização, desvalorizado
frente ao campo educacional.
As dificuldades do reconhecimento da creche como um local específico de valor
próprio também marcam o processo de constituição da identidade docente exercida nesta
etapa da educação básica. Desta forma, nota-se que a posição ocupada pelas professoras nas
creches é marcada por aspectos de uma cultura docente em comum, em que são ressaltados
pontos atinentes à cultura e forma escolar de socialização, pedagogizando as práticas
educativas com crianças pequenas. De outro lado, são evidenciados valores atinentes ao
histórico assistencialista da creche, relacionados principalmente ao trabalho materno, o que
contribui para que seja reconhecido como um trabalho desvalorizado. É possível notar que as
práticas que se desprendem do exercício docente nestas instituições, muitas vezes ocorrem
cindidas, em que a ação de educar é compreendida sob uma forma escolarizada, enquanto o
cuidar relaciona-se apenas às questões de vulnerabilidade e relativas à bebês.
184

Diante das conclusões alçadas perante este estudo, infere-se que as práticas docentes
das professoras investigadas se encontram diretamente relacionadas às condições objetivas
que permeiam suas trajetórias, condições essas, referentes principalmente à profissão docente
e ao espaço em que exercem o magistério, qual seja, o campo educacional e a creche.
Ao demonstrar tais resultados, os apontamentos aqui destacados orientam para a
discussão de possíveis aprofundamentos que tragam como problemática a formação docente
dos profissionais atuantes em creche, além de outras tantas questões como as condições de
trabalho que se desprendem nesta etapa da educação básica, bem como fundamentalmente
sejam questionadas as políticas educacionais que envolvem o atendimento à bebês e crianças
pequenas.
Frente às especificidades do trabalho docente na educação infantil, explicitadas nas
Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2009a), destaca-se assim a
importância de se refletir sobre o papel do profissional que atua nessa etapa da educação
básica.
O atendimento de qualidade na creche requer a compreensão e valorização de suas
especificidades na relação com a infância. Dessa forma, cabe considerar que ser professor de
creche não é o mesmo que ser professor de ensino fundamental. A profissão docente na
creche ainda segue em construção, em busca de um perfil e de uma identidade, exigindo assim
profissionais que compreendam um projeto de educação, com intencionalidade, no entanto
não escolar, mas centrado no desenvolvimento da criança e de suas necessidades, tendo em
vista sua fase de desenvolvimento.
Embora a formação profissional para atuação na primeira etapa da educação básica
seja reconhecida, é preciso questionar como essa formação ocorre, debatendo os subsídios
formativos ofertados aos futuros professores nos cursos de Pedagogia que, como discutido
neste estudo, apresentam diversas problemáticas, principalmente relacionadas às políticas e
reformas educacionais atreladas às transformações neoliberais. Ainda, é relevante
problematizar as ações que têm sido realizadas nas próprias creches, uma vez que, conforme
demonstram os dados aqui apresentados, o trabalho nas instituições se vê permeado por
condições que favorecem a reprodução de práticas cristalizadas nestes espaços, sendo
compartilhadas por meio dos processos de socialização e entrada no exercício docente.
Frente à exposição de tais aspectos que marcam o trabalho docente na creche e as
práticas pedagógicas neste espaço social, importa considerar tal como ressalta Oliveira
(2002), que a inclusão da creche no sistema de ensino necessita ir além de investimentos nas
condições de trabalho de seus profissionais, para que de fato seja compreendida sua função
185

social e política, investimentos na formação permanente, de modo que seja possível repensar
o modelo internalizado sobre o que é a instituição escolar na educação infantil:

Para muitos, este deve aproximar-se de um modelo (antiquado, mas em


muitos lugares ainda não ultrapassado) de ensino fundamental com a
presença de rituais (formaturas, suspensões, lições de casa), longos períodos
de imobilidade e de atenção a uma única fonte de estímulos. Mas a creche
envolve novas concepções de espaço físico, nova organização de atividades
e o repensar rotinas e, especialmente, modificar a relação educador-criança e
a relação creche-família (OLIVEIRA, 2002, p.82).

Assim sendo, tal formação permanente, seja ofertada por instâncias educacionais,
redes públicas municipais ou relacionada aos movimentos organizados pelas creches,
necessitam levar em conta as reflexões acerca de uma cultura escolar que se sedimenta no
campo educacional, a desvalorização da primeira infância e do trabalho com esta faixa etária,
além de discussões sobre as funções macrossocial da creche, tal como demonstra Haddad
(2002).
No entanto, cabe destacar que, embora a formação permanente e principalmente os
movimentos formativos que partam da própria creche se constituam como importante
aspectos no reconhecimento da instituição como um local de valor próprio, há ainda que se
considerar que, apesar de a formação do professor se destacar como importante, se
considerada de forma isolada não garante por si só a qualidade no atendimento nas creches e a
solução de questões e implicações que permeiam o trabalho docente nestas etapa da educação
básica
Neste sentido, há que se levar em conta também os inúmeros obstáculos relacionados
aos sistemas educacionais e suas políticas, uma vez que, conforme discutido no segundo
capítulo, a educação infantil ainda se vê fragmentada e secundarizada pelo poder público,
tendo em vista o direito reservado às crianças e o financiamento, sendo assim priorizadas
outras etapas educacionais, o que ressalta socialmente a falta de reconhecimento da
importância social e política da educação infantil e principalmente da creche.
186

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188

obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas


suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e
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198

APÊNDICE A – ROTEIRO DA ENTREVISTA

Bloco 1 - Trajetória pessoal

Infância, família e cultura

1. Conte um pouco sobre sua infância e sua família (tentar resgatar informações referente às
condições sociais da família durante a infância. Local onde nasceu e as memórias de como
vivia).
2. Onde você morava? Como era a casa e quem morava com você? Foi necessário a mudança
do local de vivência em algum momento? Por qual motivo?
3. Seus pais trabalhavam? Quais eram as suas profissões? Como eles aprenderam o ofício
realizado?
4. Qual a formação dos seus pais?
5. Passaram por alguma dificuldade?
6. Onde você mora atualmente?
7. Durante a infância, quais os tipos de passeios que sua família costumava realizar? Ia ao
teatro, cinema, shows? E atualmente?
8. Referente a leitura, quais eram os hábitos de sua família? E atualmente?
9. Em sua infância quem eram os responsáveis pela organização da casa, elaboração de
refeições, cuidados com irmãos?
10. Você acha que a sua infância foi diferente da infância de seus filhos?
11. Como eram seus pais?

Infância e trajetória escolar

1. Frequentou creche ou instituição e educação infantil?


2. Caso não tenha frequentado educação infantil, com quantos anos passou a frequentar a
escola? Pública ou privada? Onde se localizava?
3. Você gostava de frequentar a creche/escola? Por quê? Quais são suas lembranças?
4. Qual era o sentido da escola para os seus pais?
5. Seus irmãos também frequentavam a escola?
6. O que diziam sobre a escola em que estudava?
7. Você mantinha contato com professores fora da escola durante a infância?
199

8. Havia professores na família?


9. Algum desses professores influenciou em sua escolha pela profissão docente?

Bloco 2 - Formação profissional

1. Qual a sua formação profissional? Como ela foi realizada?


2. Qual foi a duração do curso?
3. Há quanto tempo se formou?
4. Em qual instituição se formou?
5. Como e por que optou por essa formação?
6. Como eram as aulas? (Tentar compreender a didática do curso em questão)
7. Você gostava dessas aulas?
8. Quais das disciplinas que cursou e considera que mais tenha ajudado no exercício docente
na creche? O que você aprendeu?
9. Havia alguma disciplina específica referente à Educação infantil, mais especificamente
sobre crianças de 0 a 3 anos? Comente.
10. O que mais te ajudou no curso e o que ficou faltando em sua opinião?

Bloco 3 – Creche, campo educacional e prática docente

1. Por que escolheu a profissão docente?


2. Há quanto tempo trabalha na educação e na educação infantil?
3. E na rede de Guarulhos?
4. Como foi o ingresso na rede?
5. Qual sua formação de ingresso?
6. Por que optou pela creche?
7. Há quanto tempo está nesta creche?
8. Por quantas creches já passou?
9. Por que escolheu essa?
10. Acumula cargo ou trabalha em algum outro lugar?
11. Pretende prestar algum outro concurso?
12. Como foi ou está sendo o início de sua carreira? Como foi a recepção dos colegas, da
gestão, da comunidade?
13. Você pode escolher unidade escolar, sala e parceiros de sala?
200

14. Como você classifica sua relação com os demais funcionários? (Colegas e gestão)
15. Descreva a rotina de sua sala e sua(s) colegas.
16. O que vocês costumam fazer com as crianças?
17. O que você acredita que seja importante para a faixa etária que você trabalha?
18. O que você gosta no trabalho com essa faixa etária?
19. O que te incomoda no trabalho com essa faixa etária?
20. Qual é sua maior dificuldade nos momentos em que está em exercício com as crianças?
21. Quais são os momentos em que você acredita que ocorram as trocas de experiências e
aprendizagens entre pares?
22. O que você aprendeu/tem aprendido na prática, ao ingressar na profissão, que não havia
aprendido anteriormente? Como você julga essas aprendizagens? Acredita que estão certas ou
erradas? Por quê?
23. Você concorda com a forma de trabalho de outras professoras da escola? Elas são
professoras iniciantes ou professoras mais experientes?
24. Costuma haver formação continuada para professores na rede? E na escola? Você
costuma participar? O que acha sobre?
25. Como é feito o planejamento? Como vocês se organizam quanto às várias ideias que
aparecem? Utilizam algum documento norteador?
26. O que acha do planejamento?
27. Como são os momentos de H.A?
28. O que você considera sobre suas condições de trabalho? (Referente a quantidade de
crianças, salário, espaço físico, materiais) Comente um pouco.

Bloco 4 - Representações Sociais

1. Para você qual é a função social da escola?


2. Como você considera que tenha aprendido a ser professora?
3. O que é ser professora da creche? Qual seu papel?
4. O que você acredita que seja um bom trabalho a ser realizado na educação infantil/creche?
5. Como você acha que deve ser a relação entre criança e professora?
6. O que você vê de diferente sobre o trabalho na creche no dia de hoje? Tinha concepções
que hoje não tem mais? Ao que você relaciona estas mudanças?
7. O que mudou na sua vida após o ingresso na profissão?
8. Você se sente bem com seu trabalho? Está satisfeita como o que realiza? Por quê?
201

9. Pretende continuar a exercer a profissão?


10. Acha que a vida melhorou ao exercer a docência?
11. É filiada ao sindicato? Exerce alguma militância política?
202

APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO

Identificação

1) Nome
2) Idade
3) Cidade e Estado em que nasceu
4) Bairro/cidade em que reside
5) Gênero que se identifica

6) Em relação à cor/raça/etnia, você se considera:


( ) Amarelo(a)
( ) Branco(a)
( ) Indígena
( ) Pardo(a)
( ) Preto(a)
( ) Prefiro não responder
( ) Outro

7) Estado civil:
( ) Casado(a)/ mora com um(a) companheiro(a)/ união estável
( ) Separado(a) / divorciado(a) / desquitado(a)
( ) Solteiro(a)
( ) Viúvo(a)

8) Você tem filhos: ( ) sim ( ) não


9) Quantidade

10) Quantas pessoas residem com você? Quem são?

11) Identifique sua faixa salarial:


( ) De R$ 3.000,00 a R$ 4.000,00
( ) De 4.000,00 a 5.000,00
( ) Acima de 5.000,00

12)Identifique sua renda familiar mensal:


( ) De R$ 3.000,00 a R$ 4.000,00
( ) De 4.000,00 a 5.000,00
( ) De 5.000,00 a 6.000,00
( ) Acima de 6.000,00

13) Na sua família, quem mais contribui para a renda familiar?


( ) Eu
( ) Meu(minha) cônjuge ou companheiro(a)
( ) Mãe
( ) Pai
( ) Meus pais igualmente
( ) Meus pais e irmãos igualmente
( ) Irmão/irmã
( ) Meu(s) filho(s)
203

( ) Outra pessoa

14) Escolaridade

Formação básica:
( ) Ensino regular ( ) Educação de Jovens e Adultos (EJA)
( ) Escola pública ( ) Escola privada

Formação inicial:
( ) Ensino médio/técnico ( ) Graduação ( ) Curso Normal Superior
( ) Curso presencial ( ) Educação à distância (EaD)
Área
Ano de conclusão
Instituição

Formação complementar:
( ) Graduação ( ) Pós-graduação
( ) Curso presencial ( ) Educação à distância (EaD)
Área
Ano de conclusão
Instituição

Formação continuada:
( ) Realizada pelo município ( ) Outras instituições
( ) Curso presencial ( ) Educação à distância (EaD)
Cursos:
Ano de realização:

Escolaridade familiar

15) Mãe:
Escolaridade:
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Superior completo
( ) Superior incompleto
( ) Curso de Pós-graduação completo
( ) Curso de Pós-graduação incompleto

Sua mãe está realizando alguma das modalidades acima? Se sim, qual? Em caso de cursos de
Graduação ou Pós-graduação, especificar área.

16) Pai:
Escolaridade:
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Médio completo
204

( ) Ensino Médio incompleto


( ) Superior completo
( ) Superior incompleto
( ) Curso de Pós-graduação completo
( ) Curso de Pós-graduação incompleto

Seu companheiro(a) está realizando alguma das modalidades acima? Se sim, qual? Em caso
de cursos de Graduação ou Pós-graduação, especificar área.

17) Companheiro(a):
Escolaridade:
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Superior completo
( ) Superior incompleto
( ) Curso de Pós-graduação completo
( ) Curso de Pós-graduação incompleto

Seu companheiro(a) está realizando alguma das modalidades acima? Se sim, qual? Em caso
de cursos de Graduação ou Pós-graduação, especificar área.

18) Filho(a):

Escolaridade
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Superior completo
( ) Superior incompleto
( ) Curso de Pós-graduação completo
( ) Curso de Pós-graduação incompleto

Seu filho(a) está realizando alguma das modalidades acima? Se sim, qual? Em caso de cursos
de Graduação ou Pós-graduação, especificar área.

19) Filho(a):
Escolaridade
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Superior completo
( ) Superior incompleto
( ) Curso de Pós-graduação completo
( ) Curso de Pós-graduação incompleto
205

Seu pai está realizando alguma das modalidades acima? Se sim, qual? Em caso de cursos de
Graduação ou Pós-graduação, especificar área.

20) Filho:
Escolaridade
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Superior completo
( ) Superior incompleto
( ) Curso de Pós-graduação completo
( ) Curso de Pós-graduação incompleto

Seu filho(a) está realizando alguma das modalidades acima? Se sim, qual? Em caso de cursos
de Graduação ou Pós-graduação, especificar área.
206

APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título do Projeto de Pesquisa: Origem social e campo educacional: estudo sobre aspectos
da prática docente de professoras de creche.

Pesquisador Responsável: Marieta Gouvêa de Oliveira Penna.

Local onde será realizada a pesquisa: A pesquisa tem como locus duas creches da rede
pública de Guarulhos e será realizada de forma não presencial por meio de ambiente virtual
utilizando-se o aplicativo Zoom Cloud Meetings.

Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), da pesquisa acima


especificada. O convite está sendo feito a você porque seu tempo de exercício na educação
infantil da rede pública de Guarulhos, bem como sua função na creche estão relacionados aos
objetivos da pesquisa a ser realizada. Sua contribuição é importante, porém, você não deve
participar contra a sua vontade.

Antes de decidir se você quer participar, é importante que você entenda porque esta pesquisa
está sendo realizada, todos os procedimentos envolvidos, os possíveis benefícios, riscos e
desconfortos que serão descritos e explicados abaixo.

A qualquer momento, antes, durante e depois da pesquisa, você poderá solicitar maiores
esclarecimentos, recusar-se a participar ou desistir de participar. Em todos esses casos você
não será prejudicado, penalizado ou responsabilizado de nenhuma forma.

Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora
responsável Marieta Gouvêa de Oliveira Penna, nos telefones (11) 3675-0244, celular (11)
99933-7437 e e-mail: [email protected]. Se você tiver alguma dúvida sobre os seus
direitos como participante nesta pesquisa ou questões éticas, você poderá entrar em contato
com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, situado Edifício
Octávio de Carvalho na Rua Botucatu, 740 Sala 557, Vila Clementino, São Paulo, pelos
telefones (11) 5571-1062 ou (11) 5539-7162, às segundas, terças, quintas e sextas, das 09:00
às 12:00hs, ou pelo e-mail <[email protected]>.

Todas as informações coletadas neste estudo serão confidenciais (seu nome jamais será
divulgado). Somente o pesquisador e/ou equipe de pesquisa terão conhecimento de sua
identidade e nos comprometemos a mantê-la em sigilo. Os dados coletados serão utilizados
apenas para esta pesquisa.

Após ser apresentado(a) e esclarecido(a) sobre as informações da pesquisa, no caso de aceitar


fazer parte como voluntário(a), você deverá rubricar todas as páginas e assinar ao final deste
documento elaborado em duas vias. Cada via também será rubricada em todas as páginas e
assinada pelo pesquisador responsável, devendo uma via ficar com você, para que possa
consultá-la sempre que necessário.

INFORMAÇÕES IMPORTANTES QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE A


PESQUISA

Justificativa para realização da pesquisa: Com o objetivo de investigar valores e


disposições para ação incorporados em processos formativos não formais vivenciados na
trajetória social e que se apresentam em facetas da prática pedagógica no trabalho com
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crianças de zero a três anos, a pesquisa que aqui se apresenta compreende a prática e a
formação docente de forma ampliada, por meio da análise de aspectos relacionados às
trajetórias pessoal e profissional das professoras investigadas.Verificar a gênese dos valores e
disposições que se apresentam em facetas das práticas pedagógicas implica compreender os
processos vivenciados pelas professoras participantes durante suas trajetórias sociais como
situações formativas não formais, uma vez que, neste estudo leva-se em conta que as práticas,
as percepções e as escolhas docentes são estruturadas por tais disposições incorporadas
mediante as experiências sociais nos diversos campos sociais percorridos pelo docente.
Neste sentido, a relevância da pesquisa se justifica pela necessidade de ampliação de estudos
referentes à formação ampliada e práticas do professor de educação infantil e especificamente
da creche, de forma a contribuir para o avanço de discussões a respeito da valorização da
primeira etapa da educação básica e dos profissionais que nela atuam, servindo de suporte
para o entendimento e a análise de forma crítica e consciente de questões relacionadas à
reprodução de certas práticas presentes nas creches, dando subsídio para discussões referentes
à formação continuada de professores e seus desdobramentos.

✔ Objetivos da pesquisa: A pesquisa tem por objetivo geral verificar valores e


disposições incorporados em processos formativos não formais vivenciados nas trajetórias
pessoal e profissional que se manifestam em facetas da prática pedagógica. Como objetivos
específicos almeja-se i) investigar a trajetória social das professoras de educação infantil, ii)
apreender as formas como as professoras compreendem a prática pedagógica no trabalho com
crianças de zero a três anos, iii) verificar valores e disposições que mobilizam as professoras
em suas práticas docentes e que são referidos à origem social e ao campo educacional, iv)
verificar o modo como as condições objetivas, referidas à origem social contribuem na
elaboração de valores e disposições que orientam o exercício docente com crianças de zero a
três anos v) verificar o modo como as condições objetivas, referidas ao campo educacional
contribuem na elaboração de valores e disposições que orientam o exercício docente com
crianças de zero a três anos.

✔ População da pesquisa: Quatro professoras de educação infantil da rede municipal de


Guarulhos em exercício em duas creches diferentes, buscando investigar em cada uma dessas,
uma dupla composta por uma professora com maior tempo de exercício e uma professora com
ingresso mais recente na rede municipal de ensino.

✔ Procedimentos aos quais será submetido(a): Será realizada entrevista semiestruturada, a


qual se caracteriza por um conjunto de questões abertas elaboradas de acordo com os
objetivos e hipóteses da pesquisa. As questões encontram-se divididas por assuntos. Mediante
a pandemia instaurada pelo novo coronavírus – (COVID-19), de forma a seguir os protocolos
de distanciamento social, as entrevistas serão realizadas por meio de encontro virtual, sendo
utilizado o aplicativo de videoconferência Zoom Cloud Meetings. A entrevista será gravada
utilizando-se o recurso do aplicativo, sendo posteriormente transcrita para fins de análise. Os
excertos das entrevistas que serão citados passarão por um processo de textualização.
Dependendo do desenvolvimento do assunto, o procedimento de entrevista terá duração de
aproximadamente uma hora e trinta minutos. Também será aplicado questionário
complementar via Gloogle Forms, buscando captar informações sobre escolarização dos
familiares das participantes e dados de cunho socioeconômico.

✔ Riscos em participar da pesquisa: A pesquisa pode oferecer risco de desconforto ou


constrangimento aos sujeitos no momento da entrevista. Por isso, todas as questões de ética
serão resguardadas, de modo que, sejam construídas relações não invasivas e respeitosas,
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garantindo-se sigilo nas informações e identificação de todos os participantes do estudo. A


qualquer momento da pesquisa o consentimento poderá ser retirado, sem penalidades ou
prejuízo. Garante-se aqui o direito de não responder a qualquer questão, sem necessidade de
explicação ou justificativa. Fica garantido também o direito de acesso ao teor do conteúdo do
instrumento de coleta (tópicos que serão abordados) antes de responder as perguntas, para
uma tomada de decisão informada. O acesso às perguntas será realizado somente depois que
tenha dado o seu consentimento. Para participar deste estudo não haverá nenhum custo, nem o
recebimento de qualquer vantagem financeira.

✔ Benefícios em participar da pesquisa: O estudo não trará benefícios econômicos


diretos aos participantes envolvidos na pesquisa. Os benefícios indiretos obtidos serão de
ordem pedagógico-científica, por meio da contribuição com pesquisas referentes a rede
municipal de Guarulhos, o aumento de pesquisas que levem em consideração a creche e as
práticas dos professores que nela atuam, a contribuição com a valorização dos profissionais de
educação infantil, bem como com as possibilidades de possíveis desdobramentos sobre a
formação continuada.

✔ Privacidade e confidencialidade: Serão tomados todos os cuidados para que sua


integridade seja preservada. Será assegurado o sigilo sobre sua identidade e da escola, assim
como a dos demais sujeitos participantes, adotando-se nomes fictícios. Não serão divulgadas
quaisquer informações sem o seu explícito consentimento e de todos os envolvidos na
pesquisa. Nomes e materiais não serão identificados em nenhuma publicação que possa
resultar deste estudo.

✔ Acesso a resultados parciais ou finais da pesquisa: Os resultados da pesquisa estarão à


disposição de todos os participantes quando finalizada. O nome ou o material que indique sua
participação não será liberado sem a permissão dos mesmos.

✔ Custos envolvidos pela participação da pesquisa: A participação na pesquisa não


envolve custos, tampouco compensações financeiras. Se houver gastos, como de transporte e
alimentação, eles serão ressarcidos pela pesquisadora responsável;

✔ Danos e indenizações: Se ocorrer qualquer problema ou dano pessoal durante ou após os


procedimentos aos quais o Sr. (Sra.) será submetido(a), lhe será garantido o direito a
tratamento imediato e gratuito na Instituição, não excluindo a possibilidade de indenização
determinada por lei, se o dano for decorrente da pesquisa.

Consentimento do participante

Eu, abaixo assinado, declaro que concordo em participar desse estudo como voluntário(a) de
pesquisa. Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) sobre o objetivo desta pesquisa, que
li ou foram lidos para mim, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos
e benefícios decorrentes de minha participação e esclareci todas as minhas dúvidas. Foi-me
garantido que eu posso me recusar a participar e retirar meu consentimento a qualquer
momento, sem que isto me cause qualquer prejuízo, penalidade ou responsabilidade. Autorizo
a divulgação dos dados obtidos neste estudo mantendo em sigilo minha identidade. Informo
que recebi uma via deste documento com todas as páginas rubricadas e assinadas por mim e
pelo Pesquisador Responsável.

Nome do(a) participante:_______________________________________________________


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Endereço;___________________________________________________________________
RG:__________________________; CPF: ______________________
Assinatura: __________________________ local e data:________________________

Declaração do pesquisador

Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária, o Consentimentos Livre e Esclarecido


deste participante (ou representante legal) para a participação neste estudo. Declaro ainda que
me comprometo a cumprir todos os termos aqui descritos.

Nome do Pesquisador:_________________________________________________________
Assinatura:____________________________Local/data:_____________________________

Nome do auxiliar de pesquisa/testemunha: _________________________________________


Assinatura:____________________________Local/data:_____________________________

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