literatura e cultura avaliação

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE TEOLOGIA E CIENCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE LETRAS

Nicole Verdan Bovoy Mariano

Avaliação final de Literatura e Cultura

Rio de Janeiro/RJ
2024
Modernização cultural: os modernismos da modernidade brasileira
Na virada do século XIX para o XX, o Brasil passou por diversos processos de transformação
social. A cultura, a própria sociedade, os valores e a identidade nacional começaram a ser
discutidos, com uma crescente busca por uma ruptura em relação à visão de nação então em
curso, que estava fortemente vinculada a influências culturais estrangeiras, especialmente
europeias. Nesse contexto, surgiram diferentes movimentos, e o modernismo se destacou
como o mais emblemático, ganhando destaque principalmente após a Semana de Arte
Moderna de 1922, que expôs alguns dos ideais defendidos por seus participantes.
Naquela época, a maioria das manifestações culturais, tanto na literatura quanto na música,
vinha de fora. Esse fato estava intimamente ligado ao pensamento colonial que estruturava o
Brasil em uma divisão hierárquica, onde as elites, associadas à "Casa Grande", e as culturas
populares, ligadas à "Senzala", eram antagônicas dentro da cultura brasileira, que por si só era
“Senzala" de culturas europeias. Assim, as influências externas dominavam, e as
manifestações culturais brasileiras eram frequentemente marginalizadas. A partir disso,
surgiram movimentos culturais, dentre os quais se encontrava o modernismo, como uma
forma de embate aos padrões estabelecidos, a fim de gerar um choque que aos poucos
redefiniria os valores artísticos e culturais. Paralelamente, porém, se davam outras formas de
expressão artísticas, como os Oito Batutas e Donga, que embora fossem inovadores, não
tiveram o mesmo prestígio histórico de ir para o Cânone. Manifestações culturais que já
existiam, mas que não pertenciam ao campo da cultura erudita, também foram
marginalizadas, em grande parte por questões políticas de classe.
Para a unificação de uma cultura brasileira, temos que encarar um primeiro desafio, o da
complexidade de um processo histórico da interação entre diferentes povos e tradições
multifacetados. Processo que começou no período colonial e perpetua até a atualidade, e
reflete o dinamismo entre a preservação de identidades culturais diversas e a busca por uma
unidade nacional. A formação de uma cultura especialmente brasileira envolve, então, o
embate entre a miscigenação – o encontro de etnias e culturas – e o entre a cultura erudita e
popular, os quais possuem tensões que geram debates sobre identidade, valores e
representações sociais.
A miscigenação foi fundamental para o entendimento da formação da identidade brasileira, e
é geralmente apresentada como a fusão das culturas indígena, africana e europeia,
frequentemente considerada um dos pilares da nossa cultura. Entretanto, essa visão de uma
"mistura pacífica" minimiza e romantiza os conflitos sociais, raciais e culturais que marcaram
a história do Brasil, pois na realidade, o processo de miscigenação foi um produto das
violências da escravidão e da expropriação das terras indígenas, que resultaram então no
apagamento e distorção das culturas originárias. Ainda assim, como consequência gerou
também um ambiente marcado pelo hibridismo, onde elementos africanos, indígenas e
europeus se entrelaçaram, criando formas de expressão artística, como a música, a dança, a
culinária e as festas populares. O resultado é uma identidade cultural que é simultaneamente
diversa e fragmentada, um campo em constante reconfiguração.
No século XIX, o Brasil buscou consolidar uma identidade nacional, um movimento que foi
impulsionado pelas elites, embora aos poucos fora se incorporando as camadas populares.
Esse processo se deu pela influência da independência de 1822, que separou politicamente o
Brasil de Portugal, mas não implicou numa ruptura imediata com os modelos culturais
europeus. O país, recém-independente, procurava então se afirmar no cenário nacional e
internacional, e isso refletia nas escolhas culturais que definiriam sua identidade.
Com a República, o período pré-modernista deu início a novas perspectivas sobre a
identidade brasileira e assim, o projeto de construção de uma nação era considerado
fundamental. Dessa forma, o modernismo se inseriu nesse contexto com suas rupturas e
inovações, no entanto, a grande questão ficava: qual "Brasil" deveria ser o ideal? Pois a
miscigenação gerava diversas versões do povo brasileiro, que se manifestavam de maneira
simultânea, entrelaçada e diversa.
Dessa máxima, consideramos o conceito de "entre-lugar", apresentado por Silvino Santiago
em seu texto O entre-lugar do discurso latino-americano, que ganha sua relevância. Esse
"entre-lugar" não é apenas uma metáfora geográfica, mas sim um espaço simbólico entre
realidades, identidades ou visões de mundo em conflito. O autor o descreve como um espaço
de múltiplas influências, onde não há uma identidade fixa, mas uma constante negociação
entre o que foi deixado para trás e o que está por vir. Esse conceito se aplica ao Brasil, onde a
convivência com a cultura europeia e a união de diferentes tradições culturais tornam as
identidades pessoais e coletivas cada vez mais plurais. Estar "entre" sugere, portanto, tanto
uma posição de vulnerabilidade quanto uma possibilidade de criação, refletindo as
transformações culturais e sociais do país.
Então, chegamos ao segundo embate do processo de construção da identidade cultural
brasileira: a tensão entre cultura erudita e cultura popular. A cultura erudita é aquela associada
às elites e à arte "alta" – a música clássica, a literatura formal e as artes plásticas tradicionais
–, que sempre esteve vinculada a modelos culturais europeus. Já a cultura popular, expressa
nas manifestações da massa – como o samba, o funk ou o cordel –, foi e segue sendo
frequentemente vista como menos sofisticada ou inferior. Esse dualismo reflete a divisão
social e as lutas por poder simbólico e cultural. Durante muito tempo, a cultura erudita, que
tinha raízes nas tradições europeias, foi considerada o padrão de "qualidade" cultural,
enquanto a cultura popular era marginalizada.
O etnocentrismo, um dos legados do colonialismo, também se reflete nesse dualismo. As
culturas africanas e indígenas eram frequentemente vistas como "primitivas" e
"incivilizadas", enquanto a cultura europeia era idealizada como um modelo de superioridade,
por isso foi preciso que movimentos como os Modernismos começassem a desafiar essa
visão, reivindicando o valor das culturas populares e propondo uma modernidade de fato
brasileira, afastada da imitação da Europa.
Esse fenômeno, porém, não se limita à relação entre as elites e as classes populares, mas
também à maneira como as culturas indígenas e africanas foram sistematicamente
marginalizadas e subalternizadas. Mesmo no século XX, houve uma luta constante para que
essas culturas fossem reconhecidas em sua totalidade, sem serem diluídas ou reinterpretadas
através de lentes eurocêntricas. Ainda na contemporaneidade podemos ver esse processo de
reivindicação cultural e como as manifestações populares – como as danças de rua ou as
religiões afro-brasileiras – continuam a ser tratadas com certo desdém por uma parte
significativa da sociedade.
Portanto, temos a formação de uma identidade cultural brasileira como um fenômeno que foi
e continua sendo um processo dinâmico e em constante negociação, que envolve a tensão
entre o que é considerado “autêntico" junto de uma busca por aceitação e celebração da
diversidade. Reconhecer a miscigenação como um fenômeno histórico e cultural, sem reduzi-
la a uma visão romântica, é fundamental para a construção de uma identidade que, em vez de
buscar homogeneizar as diversas tradições, abre espaço para a multiplicidade de saberes e
formas de ser no Brasil. Vê-se, por fim, como se deram as discussões de cultura, literatura e
arte no contexto do modernismo e da modernidade brasileira.

BIBLIOGRAFIA
"Gilberto Freyre: uma introdução a Casa-Grande & Senzala”. In: FREYRE, Gilberto. Casa-
Grande e Senzala. Editora Record.
SANTIAGO, Silvino. "O entre-lugar do discurso latino-americano". In: Uma literatura nos
trópicos. Ensaios sobre dependência cultural. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
https://sme.goiania.go.gov.br/conexaoescola/eaja/historia-modernismo-e-identidade-nacional-
no-brasil/
https://jornal.usp.br/cultura/primeiros-modernistas-exploraram-a-identidade-do-brasil/

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