OS PROCESSOS EDUCATIVOS NO BRASIL E SEUS PROJETOS PARA A CIVILIZAÇÃO E INCLUSÃO INDÍGENA
OS PROCESSOS EDUCATIVOS NO BRASIL E SEUS PROJETOS PARA A CIVILIZAÇÃO E INCLUSÃO INDÍGENA
OS PROCESSOS EDUCATIVOS NO BRASIL E SEUS PROJETOS PARA A CIVILIZAÇÃO E INCLUSÃO INDÍGENA
RESUMO:
O presente texto apresenta uma discussão acerca da história da educação escolar indígena
no Brasil abordando questões afetas à política indigenista e educacional, destacando os
interesses econômicos e políticos que estiveram e estão presentes nos diferentes projetos
destinados à instrução para a civilização e ou para a inclusão indígena. Neste processo,
destaca-se o papel das ordens religiosas católicas e protestantes que estiveram, em
diferentes momentos históricos, à frente de uma educação voltada à civilização. A partir da
década de 1990, em decorrência da crise econômica internacional dos anos de 1970, são os
organismos internacionais como a UNESCO e Banco Mundial com seus parceiros, que
passam a formular e orientar contundentemente, os projetos de inclusão social
direcionados, principalmente, às chamadas populações vulneráveis. Neste contexto, a
educação tem um papel preponderante.
Palavras-Chave: Educação Escolar Indígena, História, projetos Civilizatórios.
ABSTRACT
This paper presents a discussion about the history of indigenous education in Brazil
addressing issues affecting Indian policies and educational, highlighting the economic and
political interests that were and are present in different projects for education and for
civilization or for including indigenous. In this process, we highlightthe role of Catholic
and Protestant religious orders that were, at different moments in history, ahead of an
education geared to civilization. From the 1990s, due to the international economic crisis
of 1970, are international organizations as UNESCO and the World Bank with its partners,
which are to formulate and guidestrikingly, the social inclusion projects mainly directed at
calledvulnerable populations. In this context, education has a key role.
Keywords: Indigenous Education, History, Civilizing Projects
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estatais”, muitos índios foram expulsos ou exterminados pela ação violenta de particulares
para se apropriarem destes territórios e forjarem, muitas vezes com a anuência de
autoridades, documentos de propriedade da terra.
Nos últimos anos do século XIX, assistiu-se a influência dos positivistas na política
brasileira. Tal influência promoveu uma renovação na discussão acerca do que deveria ser
feito com as populações indígenas.
Para o tratamento da questão indígena foi criado, em 1910, sob a influência dos
positivistas, o SPI. Seguindo o pensamento do mestre Auguste Comte, à frente deste órgão,
os positivistas reafirmaram a institucionalização da tutela, instaurada em 1827, ao
defenderem a idéia de que os índios estavam ainda no período da infância da evolução do
espírito humano, merecendo um tratamento por parte do governo que proporcionasse a
evolução do estágio primitivo em que se encontravam para o estágio científico (civilizado)
em que estava a Humanidade.
Segundo Bittencourt (2000), o militar Candido Mariano da Silva Rondon, o
Marechal Rondon, tornou-se referência no tratamento da questão indígena em função de
seus métodos pacíficos de atração1 em áreas por onde passariam as redes telegráficas de
comunicação nas regiões do centro-oeste e norte do Brasil. Neste período a exploração
capitalista adentrara com intensidade os territórios indígenas por meio da construção de
estradas, ferrovias e das ostensivas lavouras de café.
Este órgão empenhou-se em promover a demarcação das terras indígenas
Trabalhando no sentido de pacificação dos índios, desta forma, o SPI colaborou para que o
projeto de assimilação e controle do Estado sobre estes povos fosse consolidado.
Os projetos educativos sob sua responsabilidade estão estudados, em partes, por
Amoroso (1998), e pesquisadores, por exemplo, do Museu Nacional, porém resta ainda
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[...] o trabalho de conversão junto aos grupos étnicos é tarefa do SIL [...]
O SIL, nos países onde atua, não é conhecido pelo seu trabalho
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Nesta agência, “a lingüística é sua marca de identidade. Seus membros podem ser
encontrados em congressos científicos, em publicações acadêmicas, nas associações de
lingüistas, ou ainda nas universidades como professores ou alunos”. (BARROS, 1994,
p.36). A autora afirma que a lingüística surgiu na missão como uma estratégia política para
facilitar a sua entrada na América Latina uma vez que o “perfil do cientista serviu para
manter oculto o de missionário, permitindo à missão manter alianças com governos
anticlericais, católicos ou ainda com indigenistas positivistas ou de esquerda”. que fixara
raízes na América Latina”. (BARROS, 1994, p.36)
Para consolidar os acordos realizados com o SIL, várias escolas foram construídas e
funcionavam como um setor burocrático dos Postos da FUNAI nas chamadas “reservas
indígenas”. Em diversas regiões do país, missionários do SIL tornaram-se responsáveis
pela codificação das línguas, alfabetização bilíngüe, elaboração de materiais didáticos
específicos e coordenação de projetos educativos. O objetivo desta agência missionária na
assimilação indígena fica claro na exposição do então diretor da missão neste continente:
Uma vez que pode ler e escrever, ainda que a princípio seja somente em
sua própria língua, acaba o complexo de inferioridade [do índio]. Começa
a se interessar em coisas novas. Se interessa em comprar artigos
manufaturados – implementos, moinhos, roupas etc. Para fazer tais
compras necessita trabalhar mais. A produção aumenta e logo o consumo
também. A sociedade inteira, menos o cantineiro e o bruxo, tiram
proveito. Descobre-se que o índio vale mais como homem culto do que
como força bruta sumida na ignorância. (TOWNSEND, 1949, p. 43)
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Isso envolvia, por sua vez, aptidões complexas, que exigiam uma
profunda educação das emoções, dos sentimentos e da vontade, a ponto
de fomentar o sacrifício permanente de disposições egoístas individuais e
a mais completa identificação dos indivíduos com suas parentelas, as
alianças que elas mantivessem e os interesses que elas pusessem em
primeiro lugar. (FERNANDES, 1975, p. 52)
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levando à redução das terras indígenas, à militarização das aldeias e à integração dos
índios à sociedade nacional.
No campo religioso, acirraram-se as disputas promovendo-se querelas entre
representantes das alas progressistas da Igreja Católica e evangélicos que, na maioria das
vezes, se furtam ao debate, raramente respondem às criticas e preferem continuar
intensificando o avanço de suas ações por sobre as Terras Indígenas instalando igrejas,
comercializando bíblias e outros produtos da fé (Cds, livros), usados para a conversão dos
indígenas.
O I Encontro Nacional de Trabalho sobre Educação Indígena, organizado pela
Comissão Pró-Índio/SP, em 1979 (CPI, 1981), reuniu estudos de antropólogos,
professores, indigenistas e membros de comunidades indígenas trazendo discussões sobre a
questão do bilingüismo. Destacou-se a necessidade de se pensar uma filosofia e uma
pedagogia da educação escolar indígena visando fazer da escola nas aldeias um elemento
de fortalecimento e de resistência à situação de contato com dois objetivos principais: a
revitalização da cultura tradicional do grupo e a apropriação do conteúdo da escola “dos
brancos” para um melhor relacionamento com a sociedade majoritária.
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É importante destacar que os anos de 1990 com seu projeto de globalização, são
objeto de estudos em muitas academias. Chamamos a atenção aqui para o Grupo de
Estudos sobre Política Educacional e Trabalho – GEPETO, do Centro de Educação da
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC que realiza, desde 1995, estudos acerca
dos documentos das políticas educacionais. Congregando pesquisadores de diferentes
instituições em Projetos de Pesquisa, o GEPETO evidencia que os anos de 1990 são férteis
na elaboração de uma política educacional de inclusão social devido à crise econômica
internacional, à adoção do neoliberalismo que promoveram o aprofundamento da pobreza.
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elaboração do que foi anunciado como a nova educação escolar indígena, consubstanciada,
principalmente pelas Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena
em 1992. (BRASIL, 1994).
A partir deste período foram inúmeros os documentos, a organização de eventos, a
divulgação de textos acadêmicos, os programas de formação de professores índios e não-
índios que atuam nas escolas indígenas, as premiações a projetos de educação diferenciada,
divulgação de diagnósticos e o apoio à elaboração de alguns materiais didáticos
diversificados.
Estas ações organizadas de forma simultânea e coordenadas por meio dos NEIs –
Núcleos de Educação Indígena, criados em quase todos os Estados brasileiros tiveram
como objetivo formular uma nova política para a educação escolar entre grupos indígenas,
fundamentada nos princípios do multiculturalismo e da interculturalidade.
O multiculturalismo é um conceito que teve sua origem no Canadá, nos anos de
1970. Refere-se ao reconhecimento legal da existência de diferentes grupos lingüístico-
culturais em um mesmo país, tendo sido adotado como uma estratégia política para pôr fim
ao movimento separatista canadense que havia se acirrado no final dos anos de 1960,
visando a autonomia política de centros econômicos controlados por anglófonos e
francófonos (FAUSTINO, 2006).
Neste mesmo período, nos Estados Unidos, ocorriam as lutas do movimento negro
e feminista por igualdade nos direitos civis, fim da segregação racial, inserção eqüitativa
no mercado de trabalho, acesso das minorias à educação e habitação. Após vários estudos
encomendados por diferentes governos, o multiculturalismo foi adotado nos anos de 1970
como uma política governamental, representada por ações afirmativas, a ser implementada
pelo Estado como mecanismo de incentivo a grupos discriminados e manutenção
equilibrada das forças antagônicas da sociedade.
Na Europa o ideário que orientou a formulação de uma política governamental para
o tratamento da diversidade cultural em diversos países, no início dos anos de 1980, foi a
interculturalidade que, anunciando o “surgimento” de uma “nova” sociedade (globalizada,
diversificada e informatizada), tornava necessária uma política educacional que
considerasse a existência de diferenças étnicas e culturais na construção de uma “nova”
democracia.
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A autora salienta que a emergência de um único tipo de pessoa, que seria “meta de
todos os sistemas educacionais do planeta”, estaria manifesta no “sujeito Delors”,
veiculado pelo chamado Relatório Delors (DELORS, 1998) encomendado pela UNESCO,
“Este sujeito seria indicado para todas as nações do globo por políticas públicas
internacionais para a educação, tecidas nas últimas décadas do século XX. A preocupação
central de tais políticas seria motivar os países membros das Nações Unidas para a
formação de cidadãos capazes de construir a paz, em meio ao fenômeno contemporâneo da
Globalização” (RIZO, 2005, p.10)
Corroboram estas informações, os estudos de (FONSECA, 1998; SIQUEIRA,
2000, 2001), ao evidenciarem que o Banco Mundial não só alterou sua ação como assumiu
a direção internacional na formulação de políticas educacionais para os “países clientes”
subordinando demais organismos a seus interesses. Este Banco vem financiando “uma
série de estudos e pesquisas sobre os diferentes setores da área social, cujo produto
constitui uma massa de informações que são utilizadas no momento da negociação de
acordos” (FONSECA, 1998, p. 49).
A educação escolar que fazia parte das reivindicações radicais do movimento
indígena por transformação social (HERNANDEZ, 1981) foi redirecionada, nos anos de
1990, para o interior da escola enfatizando a identidade, a língua, o cotidiano, o material
didático específico e o “treinamento” dos professores.
O pedagogo indígena Franco Gabriel Hernandéz, ao falar sobre as reivindicações
do movimento de professores indígenas no México nos anos de 1970, mostrou que –
diferentemente do projeto de educação formulado pelos organismos internacionais para o
continente latino-americano, nos anos de 1980/1990, o movimento indígena tinha um
projeto educacional que punha em evidência a luta de classes,
[...] uma educação escolar entre os índios deve ser capaz de responder ao
momento histórico tendo como objetivo lutar contra a dominação,
esclarecendo o sistema, as formas de exploração e as características
étnicas e de classe social da exploração, lutar contra a dominação cultural
valorizando e afirmando a identidade étnica, lutar contra a discriminação
racial demonstrando a igualdade de raças e o caráter étnico e classista da
discriminação, lutar contra a manipulação política assinalando a
manipulação da classe dominante e unir forças para a transformação
visando uma nova alternativa para a sociedade e na possibilidade de
mudança na estrutura da sociedade (HERNANDÉZ, 1981, p. 175).
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Algumas Considerações
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Referências
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Notas:
1
Os métodos de atração utilizados pelo SPI compreendiam a instalação de um acampamento próximo às
áreas com presença indígena ou nos caminhos percorridos por eles onde se usava a música, se depositavam
presentes, utensílios, alimentos e outras variadas estratégias de aproximação. Para um estudo sobre esta
questão ver a pesquisa de Niminon Suzel Pinheiro. Vanuire: conquista, colonização e indigenismo: oeste
paulista, 1912-1967. Tese de Doutorado-História/UNESP.
Recebido em 23/02/2011
Aprovado em 30/03/2011
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