OS PROCESSOS EDUCATIVOS NO BRASIL E SEUS PROJETOS PARA A CIVILIZAÇÃO E INCLUSÃO INDÍGENA

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OS PROCESSOS EDUCATIVOS NO BRASIL E SEUS PROJETOS PARA A


CIVILIZAÇÃO E INCLUSÃO INDÍGENA

Rosangela Célia Faustino


Universidade Estadual de Maringá - UEM

RESUMO:
O presente texto apresenta uma discussão acerca da história da educação escolar indígena
no Brasil abordando questões afetas à política indigenista e educacional, destacando os
interesses econômicos e políticos que estiveram e estão presentes nos diferentes projetos
destinados à instrução para a civilização e ou para a inclusão indígena. Neste processo,
destaca-se o papel das ordens religiosas católicas e protestantes que estiveram, em
diferentes momentos históricos, à frente de uma educação voltada à civilização. A partir da
década de 1990, em decorrência da crise econômica internacional dos anos de 1970, são os
organismos internacionais como a UNESCO e Banco Mundial com seus parceiros, que
passam a formular e orientar contundentemente, os projetos de inclusão social
direcionados, principalmente, às chamadas populações vulneráveis. Neste contexto, a
educação tem um papel preponderante.
Palavras-Chave: Educação Escolar Indígena, História, projetos Civilizatórios.

THE EDUCATIONAL PROCESS IN BRAZIL AND YOUR PROJECTS TO


CIVILIZATION AND INCLUSION OF INDIGENOUS

ABSTRACT
This paper presents a discussion about the history of indigenous education in Brazil
addressing issues affecting Indian policies and educational, highlighting the economic and
political interests that were and are present in different projects for education and for
civilization or for including indigenous. In this process, we highlightthe role of Catholic
and Protestant religious orders that were, at different moments in history, ahead of an
education geared to civilization. From the 1990s, due to the international economic crisis
of 1970, are international organizations as UNESCO and the World Bank with its partners,
which are to formulate and guidestrikingly, the social inclusion projects mainly directed at
calledvulnerable populations. In this context, education has a key role.
Keywords: Indigenous Education, History, Civilizing Projects

A ocupação dos territórios brasileiros e a educação escolar indígena

Dados de diferentes instituições (ISA, 2004; IBGE 2005) demonstram que


atualmente existem no Brasil mais de 220 povos indígenas somando uma população
autodeclarada de aproximadamente 730 mil índios falantes de cerca de 180 línguas
diferentes. Estes números, embora imprecisos devido às dificuldades de recenseamento
com populações que se movimentam em seus territórios, tem uma importância real na
medida em que se observa que, desde o processo de colonização do Brasil, escravidão e
catequese até a ocupação recente dos territórios brasileiros, os indígenas sofrem grandes
extermínios populacionais e culturais.

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No processo de ocupação, privatização das terras e dos meios de produção, os


projetos de educação escolar têm mostrado objetivos que se coadunam com os interesses
da política dominante. Neste texto, são abordados aspectos da história da educação escolar
indígena no Brasil fazendo uma análise sobre como este, em diferentes períodos históricos,
se organizou em paralelo às políticas de ocupação do espaço e adaptação dos indígenas,
seja pela civilização ou inclusão, às formas de trabalho da sociedade de mercado.
No contexto da expansão mercantil européia, a busca de riquezas produziu o
extermínio de muitas etnias indígenas no Brasil e, de forma geral, em toda a América
Latina. Os dados populacionais do período da expansão européia não são seguros, mas há
fontes que indicam a existência, à época, de milhares de grupos indígenas diferenciados
entre si que ocupavam territórios nas mais diferentes regiões. Estes grupos representam
sociedades organizadas etnicamente para a produção e reprodução da vida.
A falta de registros históricos no período e o apagamento da memória dificultam o
conhecimento da experiência histórica, das instituições, dos sistemas de valores, da
produção e disseminação do conhecimento e da concepção de mundo dos povos indígenas
que pereceram por epidemias, guerras e escravização devido à marcha européia por sobre
os territórios a serem “conquistados”. Logo de chegada, o objetivo do projeto colonizador
foi inserir estas populações no sistema mercantil como mão-de-obra escrava a ser utilizada
na exploração de riquezas comercializáveis. O indígena chamado de “selvagem” foi
submetido à “civilização” tendo sido colocado, pela força das armas, em uma situação de
exploração e submissão.
Neste projeto de extração de riquezas, no Brasil, a educação escolar exerceu um
papel fundamental. Por meio da instrução e evangelização, objetivou-se ensinar aos
indígenas a língua dominante (o português) e os costumes civilizados para que os
indígenas abandonassem sua forma “primitiva” de viver e se integrassem à civilização.
Por meio da educação, a empresa da colonização logrou aliar a exploração da força
de trabalho dos indígenas com a submissão via catequese e instrução. Para tanto, as [...]
atividades escolares se desenvolveram de forma sistemática e planejada: os missionários [...]
dedicaram a ela muita reflexão, tenacidade e esforço. (SILVA; AZEVEDO, 1995, p. 149)
A política educacional do período era concernente ao modelo de colonização
conduzido pela metrópole portuguesa, desta, destacava-se o caráter moralista sendo
prioridade educativa da Companhia de Jesus, inserir nas culturas pagãs do “novo mundo”
noções de civilidade, de ordem, de disciplina, de respeito à hierarquia e obediência aos
dogmas cristãos. Buscava-se aprender e codificar as línguas indígenas e, por meio da
instrução, traduzir ou realizar versões de textos doutrinários nas línguas nativas para serem
usados na catequização dos indígenas.
Este processo não permitiu a apreensão e registro das línguas nativas em sua
riqueza e diversidade. Estudos realizados por Meliá (1989, p. 9) demonstram que [...] O
desejo de entender a língua do outro trazia embutida a vontade de ser entendido, e o que deveria ser
entendido em primeiro lugar era uma nova mensagem: a “doutrina cristã” [...].
Para além da exploração à qual foi submetida a grande maioria da população pobre, e não
apenas os nativos, recai sobre este processo parte da responsabilidade pelo fato de a escrita não ter
sido compreendida e incorporada pelos indígenas as suas tradições. “Produto do colonialismo, essa
concepção de escrita e de alfabetização sustenta por sua vez a relação colonial. De meio de
expressão, a escrita passa a ser instrumento de opressão”. (MELIÁ, 1989, p. 9)
A política de disciplinarização do indígena para o trabalho alienado, por meio da
evangelização, foi um processo que seguiu em paralelo às demais ações da conquista.
Quando da expulsão dos jesuítas, na metade do século XVIII, foi instituído o Diretório dos
Índios que proibiu o uso da língua materna indígena forçando à aprendizagem e uso da
língua geral.

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O Diretório tinha como objetivo principal a completa integração dos


índios a sociedade portuguesa, buscando não apenas o fim das
discriminações sobre estes, mas a extinção das diferenças entre índios e
brancos. Dessa forma, projetava um futuro no qual não seria possível
distinguir uns dos outros, seja em termos físicos, por meio da
miscigenação biológica, seja em termos comportamentais, por intermédio
de uma série de dispositivos de homogeneização cultural (GARCIA,
2007, p.24).

Posteriormente, outras ordens religiosas, principalmente os Capuchinhos,


assumiram a educação dando continuidade ao projeto de civilização dos territórios para
extração de riquezas e da força de trabalho de seus habitantes.
Apesar de toda a força empreendida para a dominação, no século XIX os povos
indígenas ainda apresentavam grande resistência à integração por meio de lutas e
confrontos que garantiam a manutenção de parte de suas tradições. Esta resistência pode
ser verificada, por exemplo, no início do século, quando, na chegada da família real ao
Brasil, em 1808. O primeiro ato administrativo do rei D. João VI foi declarar guerra aos
índios para atender ao apelo dos colonos e por entender que os povos nativos, insistindo
em continuar vivendo em suas terras, com suas tradições e organizações, estavam
atrapalhando o projeto da Coroa Portuguesa que se configura pela expansão e domínio
sobre territórios ainda não totalmente explorados.
A instalação da família real no Brasil promoveu algumas mudanças políticas,
porém não se alteraram os objetivos da conquista. Conforme Silva e Azevedo (1995), o
primeiro Projeto Constitucional de 1823, em seu título XIII, art. 254, propôs a criação de
estabelecimentos para a “catechese e civilização dos índios”. Os autores afirmam que a
Constituição, outorgada em 1824, foi omissa sobre esse ponto e o Ato Adicional de 1834,
em seu Art. 11, atribuiu competência às assembléias legislativas provinciais para promover
cumulativamente com as assembléias e governos gerais a catequese e a civilização do
indígena por meio do estabelecimento de colônias.
Esta proposta visada atenuar o confronto entre indígenas e mercadores das terras
que aqui vinham explorar. Porém, as províncias não dispunham de uma estrutura
administrativa e militar, adequadas para oferecer segurança aos negócios. São inúmeros os
relatos de historiadores demonstrando os conflitos.
Em relação à instrução, Mota (1998), em um estudo sobre o IHGB – Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e as propostas de integração dos povos indígenas ao
Estado Nacional, afirma que em 1841 o militar, diplomata e historiador Francisco Adolfo
de Varnhagen encaminhou proposta para o estudo das línguas indígenas. O Senador propôs
que o Instituto pedisse ao governo imperial a instalação de diversas escolas bilíngües, que
se imprimissem dicionários das línguas indígenas e que se criasse uma seção de etnografia
indígena no IHGB. Para Varnhagen o conhecimento da língua e dos costumes nativos
seriam importantes instrumentos na conversão do índio em ser civilizado.
Paralelamente a estas propostas “amenas” de dominação, a política da guerra,
extermínio e submissão se manteve por todo o século XIX (MOTA, 1998). Data deste
período a criação de aldeamentos nos quais os indígenas foram confinados perdendo o
direito de ir e vir pelos vastos territórios sobre os quais, por milhares de anos, haviam
constituído seus modos de vida.
Os aldeamentos representaram mais uma faceta da violência contra os povos
indígenas, na medida em que separou famílias, misturou etnias historicamente rivais,
disseminou um maior número de doenças, profanou territórios sagrados, coibiu o uso da

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língua materna ao mesmo tempo em que forçava à aprendizagem da língua dominante e


colocou os índios em uma situação de extrema pobreza e dependência.
O Decreto 426, de 24 de julho de 1845, que contem o Regulamento Acerca das
Missões de Catequese e Civilização dos Índios regulamentou a vida nas missões dando
ênfase à ocupação das terras, instrução, catequese e formação para o trabalho, conforme
excertos a seguir.
Art. 1º...
§ 3º Precaver que nas remoções não sejão violentados os Indios, que quizerem ficar nas
mesmas terras, quando tenhão bem comportamento, e apresentem um modo de vida industrial,
principalmente de agricultura. Neste ultimo caso, e emquanto bem se comportarem, lhes será
mantido, e ás suas viuvas, o usufructo do terreno, que estejão na posse de cultivar.
...
§ 7º Inquerir onde ha Indios, que vivão em hordas errantes; seus costumes, e linguas;
e mandar Missionarios, que solicitará do Presidente da Provincia, quando já não estejão á sua
disposição, os quaes lhes vão pregar a Religião de Jesus Christo, e as vantagens da vida social.
...
§ 18. Propor á Assembléa Provincial a creação de Escolas de primeiras Letras para os
lugares, onde não baste o Missionario para este ensino.
19. Empregar todos os meios licitos, brandos, e suaves, para atrahir Indios ás Aldêas; e
promover casamentos entre os mesmos, e entre elles, e pessoas de outra raça.
...
§ 26. Promover o estabelecimento de officinas de Artes mecanicas, com preferencia das
que se prestão ás primeiras necessidades da vida; e que sejão nellas admittidos os Indios,
segundo as propensões, que mostrarem.
...
Art. 6º Haverá um Missionario nas Aldêas novamente creadas, e nas que se acharem
estabelecidas em lugares remotos, ou onde conste que andão Indios errantes. Compete-lhe:
§ 1º Instruir aos Indios nas maximas da Religião Catholica, e ensinar-lhes a Doutrina
Christã.
...
§ 6º Ensinar a ler, escrever e contar aos meninos, e ainda aos adultos, que sem
violencia se dispuzerem a adquirir essa instrucção.
Fonte: BRASIL, leis e Decretos. Câmara dos Deputados. Decreto nº 426, de 24 de Julho de 1845.

Com esta regulamentação, pretendia o império brasileiro organizar a vida nas


missões imprimindo uma nova organização social entre os indígenas, para tanto, a
catequização, instrução, formação para o trabalho “industrial”, a convivência e os
casamentos com não-índios foram estimulados e representaram fatores preponderantes no
processo civilizatório. Diferentemente dos jesuítas que detinham certa autonomia na
condução dos aldeamentos, os missionários, referidos no Decreto 426/1845, eram
contratados como funcionários do governo e serviam nas missões apenas como assistentes
educacionais e religiosos.
Devido às transformações no mundo do trabalho, neste período tem início a
chegada ao Brasil de grupos populacionais de imigrantes europeus pobres, atraídos por
promessas de enriquecimento. O Estado Brasileiro, para salvaguardar a ordem da
propriedade privada das terras, aprova em 1850, a Lei de Terras. Esta legislação foi
extremamente prejudicial aos índios pois o que havia restado de terras no processo de
colonização, foi-lhes expropriado, incorporado ao patrimônio nacional e posteriormente
vendido em pequenas glebas aos imigrantes, ficando os índios apenas com o usufruto, e
dos pequenos espaços por eles habitados.
Para Bittencourt (2000) o fator mais marcante deste período foi a criação do
Ministério da Agricultura que passou a responder pela questão indígena em âmbito
nacional. Com este procedimento, afirma Bittencourt (2000), diversas aldeias indígenas
foram extintas formalmente e os seus habitantes condenados a virarem posseiros sem terra
e a perderem suas características culturais específicas. Como posseiros, vivendo em “terras

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estatais”, muitos índios foram expulsos ou exterminados pela ação violenta de particulares
para se apropriarem destes territórios e forjarem, muitas vezes com a anuência de
autoridades, documentos de propriedade da terra.
Nos últimos anos do século XIX, assistiu-se a influência dos positivistas na política
brasileira. Tal influência promoveu uma renovação na discussão acerca do que deveria ser
feito com as populações indígenas.

A modernização do Brasil e as populações indígenas

Com a proclamação da República em 1889 e o discurso da “necessidade de


modernizar o país” a questão indígena começa a ser pensada de forma diferente.
Estudiosos (MONSERRAT, 1989) afirmam que no período teve início uma política mais
abrangente no sentido de “proteção” aos povos indígenas. José Mauro Gagliardi (1989)
assim se refere ao falar das políticas indigenistas (particularmente a criação do SPI –
Serviço de Proteção ao Índio) no final do século XIX e início do século XX:

A intervenção do Estado ocorreu num momento dramático, na passagem


do século XIX para o século XX, a expansão rápida do capitalismo no
campo gerou diversos focos de conflito entre o indígena e o
empreendedor capitalista. (GAGLIARDI, 1989, p. 19)

O trabalho de assimilação e integração dos povos indígenas ainda estava sob a


responsabilidade da Igreja Católica, porém, após alguns anos da proclamação da
República, em 1908 houve um eloqüente debate no Brasil, influenciado pelo humanismo e
laicismo positivista, em torno da questão indígena que imprimiu algumas mudanças na
política indigenista.

A fundação do SPI e seu conteúdo laico são produtos do processo


histórico que aboliu a escravidão, introduziu o trabalho assalariado,
proclamou a República e secularizou o Estado, a educação, os cemitérios,
o casamento e outras instituições. (GAGLIARDI, 1989, p. 22)

Para o tratamento da questão indígena foi criado, em 1910, sob a influência dos
positivistas, o SPI. Seguindo o pensamento do mestre Auguste Comte, à frente deste órgão,
os positivistas reafirmaram a institucionalização da tutela, instaurada em 1827, ao
defenderem a idéia de que os índios estavam ainda no período da infância da evolução do
espírito humano, merecendo um tratamento por parte do governo que proporcionasse a
evolução do estágio primitivo em que se encontravam para o estágio científico (civilizado)
em que estava a Humanidade.
Segundo Bittencourt (2000), o militar Candido Mariano da Silva Rondon, o
Marechal Rondon, tornou-se referência no tratamento da questão indígena em função de
seus métodos pacíficos de atração1 em áreas por onde passariam as redes telegráficas de
comunicação nas regiões do centro-oeste e norte do Brasil. Neste período a exploração
capitalista adentrara com intensidade os territórios indígenas por meio da construção de
estradas, ferrovias e das ostensivas lavouras de café.
Este órgão empenhou-se em promover a demarcação das terras indígenas
Trabalhando no sentido de pacificação dos índios, desta forma, o SPI colaborou para que o
projeto de assimilação e controle do Estado sobre estes povos fosse consolidado.
Os projetos educativos sob sua responsabilidade estão estudados, em partes, por
Amoroso (1998), e pesquisadores, por exemplo, do Museu Nacional, porém resta ainda

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uma farta documentação do SPI que carece de sistematização e análises de pesquisadores


da área de educação. Desde as missões do século XIX aos poucos internatos mantidos por
irmandades católicas nas primeiras décadas até a metade do século XX, apesar do caloroso
debate que se instalara no Brasil acerca da importância da educação para o
desenvolvimento da nação, há poucos estudos que tratam especificamente da educação dos
indígenas.
No início da segunda metade do século, o SPI encontrava-se desgastado pelo
processo de demarcação das terras indígenas. Sofrera por parte de fazendeiros, políticos e
da imprensa, denúncias de corrupção, arrendamento de terras, venda de madeira,
escravização e maus tratos aos índios.
No campo das idéias, alguns liberais se opunham aos positivistas na questão
indígena, criticavam severamente a atuação do SPI e solicitavam que o Estado aceitasse a
“contribuição” de evangélicos missionários norte-americanos que se encontravam já
instalados em países da América Latina,

O SPI, realmente degrada e corrompe os nativos, bastando lembrar, o


hábito de presentear as mulheres com vestidos sem, previamente, torná-
las aptas, quando as roupas se estragam, para adquirir outras novas. Em
algumas aldeias indígenas administradas por esse serviço, um regime
letal e absorvente tem levado os indígenas a praticarem o infanticídio, a
fim de que os filhos “não se tornem escravos dos brancos”. [...] O próprio
método tradicional da escola primária está a merecer, também, uma
reforma, parecendo que se deve adotar a lição preconizada por Ethel
Emilia Wallis e por ela empregada na campanha de alfabetização dos
ameríndios mexicanos. (PINTO, 1958, p. 117)

No início da década de 1960, o Golpe Militar impôs violentas mudanças na política


brasileira. Em relação aos indígenas, no ano de 1967, foi criada a FUNAI – Fundação
Nacional do Índio em substituição ao SPI.
Em seus primórdios, a Funai teve a função principal de apoiar a política do governo
militar na integração dos povos indígenas com a finalidade de facilitar a conquista da
Amazônia. O Estatuto do Índio, lei 6.001 (BRASIL, 1973), promulgada no governo de
Emilio Garrastazu Médici em 1973, ainda em vigor, legalizou a transferência forçada de
grupos indígenas para outras regiões quando o governo julgar que seu território possua
interesse para o capital e a segurança do país. Por esta legislação, os povos indígenas não
exercem o controle das riquezas que se encontram em suas terras, destas, eles só possuem
o uso e não a propriedade.
O governo militar, fez uso da FUNAI também para promover uma significativa
alteração na política de educação escolar indígena. Foi estabelecido convênio com a
agência missionária norteamericana Summer Institut of Linguistics – SIL.
Os estudos de Barros (1994, p.36) demonstram que o SIL é uma missão evangélica
especializada na tradução do Novo Testamento para línguas ágrafas fazendo parte de um
grupo missionário nos Estados Unidos que inclui a Jungle Aviation and Radio Service
(JAARS) e a Wycliffe Bible Translators (WBT). Segundo a pesquisadora, as três
instituições não estão ligadas a nenhuma Igreja em particular mas representam a terceira
missão evangélica americana em relação ao número de membros e a segunda no Brasil
depois da New Tribes Mission.

[...] o trabalho de conversão junto aos grupos étnicos é tarefa do SIL [...]
O SIL, nos países onde atua, não é conhecido pelo seu trabalho

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proselitista, mas por seus trabalhos científicos no estudo de línguas


ágrafas e pela sua contribuição nos projetos de educação bilíngüe [...]. Na
América Latina, eles são os responsáveis pela educação indígena oficial
em uma série de países.

Nesta agência, “a lingüística é sua marca de identidade. Seus membros podem ser
encontrados em congressos científicos, em publicações acadêmicas, nas associações de
lingüistas, ou ainda nas universidades como professores ou alunos”. (BARROS, 1994,
p.36). A autora afirma que a lingüística surgiu na missão como uma estratégia política para
facilitar a sua entrada na América Latina uma vez que o “perfil do cientista serviu para
manter oculto o de missionário, permitindo à missão manter alianças com governos
anticlericais, católicos ou ainda com indigenistas positivistas ou de esquerda”. que fixara
raízes na América Latina”. (BARROS, 1994, p.36)
Para consolidar os acordos realizados com o SIL, várias escolas foram construídas e
funcionavam como um setor burocrático dos Postos da FUNAI nas chamadas “reservas
indígenas”. Em diversas regiões do país, missionários do SIL tornaram-se responsáveis
pela codificação das línguas, alfabetização bilíngüe, elaboração de materiais didáticos
específicos e coordenação de projetos educativos. O objetivo desta agência missionária na
assimilação indígena fica claro na exposição do então diretor da missão neste continente:

Uma vez que pode ler e escrever, ainda que a princípio seja somente em
sua própria língua, acaba o complexo de inferioridade [do índio]. Começa
a se interessar em coisas novas. Se interessa em comprar artigos
manufaturados – implementos, moinhos, roupas etc. Para fazer tais
compras necessita trabalhar mais. A produção aumenta e logo o consumo
também. A sociedade inteira, menos o cantineiro e o bruxo, tiram
proveito. Descobre-se que o índio vale mais como homem culto do que
como força bruta sumida na ignorância. (TOWNSEND, 1949, p. 43)

O propósito de inserir os povos indígenas no sistema de mercado foi mascarado


pela ação religiosa de conversão, evangelização e pela educação bilíngüe bicultural. No
Brasil os positivistas, por sua filiação ao laicismo, haviam barrado a entrada do SIL, mas
esta agência se instalara no México, nos anos de 1930, com o apoio de antropólogos e
indigenistas de lá conseguindo desenvolver seu projeto piloto que seria, a partir do término
da Segunda Guerra Mundial e da expansão do comércio internacional, negociado com
outros países.
De acordo com Barros (1994), durante a Segunda Guerra Mundial, a experiência de
campo dos lingüistas americanistas teve sucesso como método para aprendizagem de
línguas estrangeiras por parte das forças armadas. Então, na década de 50, a “UNESCO
internacionalizou o método, recomendando o uso da língua materna na alfabetização de
crianças em todo o mundo”. (BARROS, 1994, p. 24)
Os objetivos do SIL eram a conversão do índio à fé cristã e sua inserção pacífica no
sistema produtivo. Segundo estudiosos da educação escolar indígena, a missão apresentou
um caráter inovador em relação às missões anteriores, “ao invés de abolir as línguas e as
culturas indígenas, a nova ordem passou a ser a documentação destes fenômenos em
caráter de urgência, sob a alegação dos famigerados riscos iminentes de desaparecimento,
e a diferença deixou de ser um obstáculo para se tornar um instrumento do próprio método
civilizatório.” (SILVA; AZEVEDO, 1995, p. 151), por isso teria causado um impacto
positivo entre alguns intelectuais e setores administrativos da sociedade.

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Os missionários do SIL, amparados pelo Informe Meriam de 1928 (COLLET,


2003), defendiam que as escolas indígenas na América Latina deveriam, não só alfabetizar
na língua materna como organizar o currículo com base nos conhecimentos indígenas,
fomentando conteúdos de suas culturas. Segundo uma missionária e alfabetizadora do SIL,
“a educação deve ser vinculada à vida diária para ter sentido na comunidade indígena [...]
ao se formular um programa de ensino bilíngüe deve-se dar consideração ao ponto de vista
do indígena” (NEWMAN, 1975, p. 70).
O estudo de Warren e Berendzen (1976) afirma que nos Estados Unidos, com a
aplicação das recomendações apresentadas pelo Relatório Merian, no período que
compreende os anos de 1934 até 1940, houve um “renascimento cultural” na educação
indígena quando esta começou a trabalhar com o ensino bilíngüe/bicultural na escola e
produzir material didático na língua materna, incentivando a participação de autores
indígenas.
Na América Latina predominava a concepção de que “a escola deveria ser o
principal instrumento de integração da população indígena ao Estado Nacional”
(BARROS, 1994, p. 20). Segundo a autora, o programa de educação bilíngüe do SIL foi,
então, recebido com simpatia em meios intelectuais, devido ao uso da língua indígena e à
localização da escola na própria aldeia, considerados sinais de avanço ao serem
comparados com as experiências anteriores de catequese e dos internatos das missões
católicas. Nos internatos, as crianças eram retiradas de suas famílias, ficavam reclusas,
eram submetidas a uma rigorosa disciplina de trabalho e orações diárias e proibidas de
falar sua língua.
Além da “pesquisa lingüística” e da codificação da língua, os
missionários/professores realizavam “investigações” entre os índios para conhecer aspectos
de sua cultura e ouvir suas reivindicações em relação à escola. Os resultados destes
trabalhos se transformavam em fontes para a elaboração do material didático a ser utilizado
e nas estratégias de alfabetização.

A crise econômica mundial o esgotamento do regime militar e a redemocratização do


país

Os anos de 1970 foram marcados pela grande crise econômica internacional


(FAUSTINO, 2006) que culminou com o arrefecimento da base de sustentação dos
governos militares na América Latina, momento em que os movimentos sociais
organizados adquiriram maior visibilidade.
Do ponto de vista religioso, no período operou-se na Igreja Católica uma mudança
de abordagem sobre a questão indígena, a partir das reuniões de Medelin ocorrida em 1968
e Puebla em 1978. O CIMI – Conselho Indigenista Missionário, ligado à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, criado em 1972, teve sua existência marcada pela crítica à
atuação tradicional da Igreja entre as populações indígenas e propôs novas linhas de ação
pastoral tendo como objetivos principais a serem alcançados a autodeterminação dos povos
e a defesa de suas terras.
Nas ruas os movimentos sociais eclodiam com bandeiras de democratização,
ampliação dos direitos de cidadania, igualdade e melhores condições de vida. A estes se
juntaram segmentos indígenas organizados em diferentes associações.
Nas universidades, o processo de abertura política possibilitou o desenvolvimento
de cursos de pós-graduação bem como a emergência de novos estudos. Na área de ciências
humanas começaram a ser realizadas diversas investigações acerca da temática indígena.

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Na antropologia a idéia de que os índios no Brasil estavam em processo de extinção


começou a ser combatida pela antropologia cultural. Corrente que se contrapôs ao discurso
proveniente do Estado e outros setores da sociedade que afirmavam não existir mais
“índios puros” no Brasil. Afirmava-se que os indígenas haviam perdido suas culturas, não
viviam mais da caça e da pesca, se alimentavam de produtos industrializados, não
praticavam mais rituais de cura, tratavam-se com fármacos, usavam roupas dos brancos,
ouviam rádio, estudavam nas escolas dos brancos e praticavam o comércio. Com muita
freqüência, este discurso é utilizado nas discussões sobre a demarcação das terras, pois visa
legitimar a idéia de que, tendo perdido suas culturas, os índios não precisavam mais de
grandes extensões territoriais para sobreviver.
As pesquisas acadêmicas, realizadas com o apoio de fontes diversificadas
(principalmente orais), entendem ser a cultura um elemento dinâmico e em constante
transformação. Mostraram que os povos indígenas resistiram aos cinco séculos de
exploração, extermínio e violência, conservaram sua língua – em muitas das etnias –, parte
de suas tradições, seus mitos, recriaram sua cultura e continuaram lutando pela
permanência em seus territórios tradicionais com a demarcação de suas terras.
Internacionalmente, as políticas envolvendo questões étnicas e culturais vinham
recebendo maior atenção nos anos finais da Segunda Grande Guerra Mundial. Os Estados
Unidos estavam recrutando pesquisadores e investindo recursos em pesquisas sobre cultura
para conhecer melhor os inimigos de guerra e concorrentes no sistema de mercado.
Exemplo disso é a encomenda feita à Ruth Benedic de panfletos destinados às tropas em
batalha e do trabalho que resultou na publicação de “O crisântemo e a espada”, obra que se
propôs a mostrar os elementos culturais mais marcantes da sociedade japonesa apontando
estratégias para a hegemonia e vitória norte-americana na Guerra.
No imediato pós-guerra, A UNESCO – Organização Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura se encarregou de formular e promover o projeto de
educação das minorias étnicas em diferentes lugares do mundo. No Brasil, em meados da
década de 1950, em convênios realizados com o Ministério da Educação a UNESCO
começou investindo em estudos que viabilizaram a vinda de cientistas sociais estrangeiros
para criar um centro de pesquisa com o objetivo de conhecer a situação educacional e
cultural do país e elaborar políticas educacionais e de desenvolvimento.
Em relação à questão indígena, um dos primeiros trabalhos acerca da educação,
financiado pela UNESCO, foi o de Florestan Fernandes, Notas sobre a educação na
sociedade Tupinambá, elaborado nos anos de 1950 e publicado no início da década de
1970. Esta foi a primeira abordagem que polemizou com estudos anteriores – sob
orientação positivista e do determinismo biológico – cujas discussões remetiam para a
afirmação de que a educação indígena, com suas barreiras e limitações, aniquilava o
indivíduo frente ao grupo não permitindo o desenvolvimento da criatividade e da liberdade
intelectual. Na concepção positivista, afirma o autor, a educação indígena era rudimentar e
muito simples, pois se dava por meio da imitação/reprodução e tinha como objetivo apenas
garantir a perpetuação das antigas tradições às novas gerações. A este respeito, o estudo de
Fernandes (1975) constatou que

é preciso tanto talento e capacidade criadora para “manter” certas formas


de vida, ao longo do tempo e através de inúmeras alterações
concomitantes ou sucessivas das condições materiais e morais da
existência humana, quanto para “transformar” certas formas de vida,
reajustando-as constantemente às alterações concomitantes ou sucessivas
das condições de existência humana. (FERNANDES, 1975, p. 37)

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Para este autor não se tratava, simplesmente, de polarizar se as qualidades e


energias intelectuais das crianças e jovens índios estavam sendo desenvolvidas na direção
da estabilidade ou da mudança social. Seria importante tentar compreender e explicitar
quais eram as exigências da situação e em que medida elas eram atendidas pelos
comportamentos postos em prática no grupo. Este estudo evidenciou que a educação
indígena não objetivava preparar o homem para a experiência nova, mas prepará-lo para
conformar-se aos outros, sem perder a capacidade de realizar-se como pessoa e de ser útil à
coletividade como um todo. Isto significa dizer que o indivíduo era orientado tanto para
“fazer” certas coisas como para “ser” homem ou mulher, segundo certos ideais de pessoa
humana.
Fernandes (1975) afirmou que seria equivocado separar esse tipo de educação
daquela que se ministrava nas escolas da sociedade majoritária, como se estivéssemos
diante de mundos inconciliáveis e antagônicos, pois, além do propósito fundamental
comum, de converter o indivíduo em ser social – ideal da escola pública ocidental –, devia-
se ter claro o premente incentivo à formação de aptidões orientadas no mesmo sentido.
Fernandes (1975) declarou que, assim, as sociedades humanas procuram modelar a
personalidade dos seus membros utilizando a educação como uma técnica social de
manipulação da consciência, da vontade e da ação dos indivíduos.
A educação Tupinambá foi caracterizada por Fernandes (1975, p. 42) como uma
educação cujas particularidades demonstraram: 1) o sentido comunitário da educação uma
vez que os conhecimentos produzidos eram acessíveis a todos (de acordo com as
prescrições resultantes dos princípios de sexo e idade, sendo portanto a herança social
compartilhada de forma ampla); 2) a ausência de tendências apreciáveis à especialização e
3) acesso igualitário de participação na cultura. Estes elementos associados ao próprio
nível sócio-cultural da tecnologia Tupinambá permitiam que a transmissão da cultura se
fizesse por meio de intercâmbio cotidiano, por contatos pessoais e diretos, sem o recurso a
técnicas de educação sistemática e a criação de situações sociais caracteristicamente
pedagógicas.
Neste processo, todos os adultos são educadores e todas as crianças e jovens são
aprendizes. Segundo Fernandes (1975),

[...] ninguém se eximia do dever que convertia a própria ação em modelo


a ser imitado [...] os adultos, em geral e os velhos em particular recebiam
essa sobrecarga de uma maneira que não os poupava, já que tinham de
dar o exemplo e por isso estavam naturalmente compelidos a agir como
autênticos mestres. (FERNANDES, 1975, p. 44)

O autor mostrou que na sociedade Tupinambá, todos tinham a responsabilidade de


acumular uma ampla bagagem de conhecimentos, educando a memória para armazenar
lembranças e ensinamentos que seriam perpetuados por via oral, educando a capacidade de
agir para corresponder às normas, prescritas ou exemplares, de fazer as coisas.

Isso envolvia, por sua vez, aptidões complexas, que exigiam uma
profunda educação das emoções, dos sentimentos e da vontade, a ponto
de fomentar o sacrifício permanente de disposições egoístas individuais e
a mais completa identificação dos indivíduos com suas parentelas, as
alianças que elas mantivessem e os interesses que elas pusessem em
primeiro lugar. (FERNANDES, 1975, p. 52)

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Neste sentido, Fernandes (1975) concluiu que a educação na sociedade indígena é


uma educação permanente. Somente os velhos podem considerar-se sábios, portadores de
conhecimentos amplos, profundos e completos sobre todas as questões que os envolvem
possuindo certos requisitos para participar de todas as atividades capazes de revitalizar
estes conhecimentos.
Outro conhecido trabalho de investigação sobre a educação indígena é o de Egon
Schaden (1976) que também participava do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
patrocinado pela UNESCO no Brasil. Estudando a educação Guarani, uma das maiores
etnias em termos numéricos no Brasil, Schaden (1976) alertou os pesquisadores da
temática sobre o perigo das generalizações e da lacuna existente nas pesquisas no Brasil
acerca das questões indígenas em geral, e da educação mais especificamente. O
pesquisador afirmou que “devemos precaver-nos contra a tendência muito comum de
encarar os povos primitivos como essencialmente similares uns aos outros”. (SCHADEN,
1976, p. 23). Salientou ser fundamental à compreensão do processo educativo numa etnia
indígena e o conhecimento aprofundado do sistema sócio-cultural a que ele corresponde.
Tanto o estudo de Fernandes (1975) como o de Schaden (1976) demonstraram que
a liberdade e participação da criança na vida do grupo são componentes importantes na
educação indígena; com estas a criança vai adquirindo, aos poucos, o conhecimento e os
necessários padrões de comportamento para a vida em sociedade.
Estes estudos lograram afirmar que os povos indígenas, de forma geral, têm um
vasto conhecimento da geografia (do espaço habitado), da biologia (principalmente da
botânica), conhecendo os ciclos da natureza, a fauna e a flora, as montanhas, os rios, os
peixes, os animais, o clima. Têm conhecimentos médicos, identificam doenças por meio
dos sintomas apresentados e conhecem tratamentos, técnicas e medicamentos naturais
capazes de combater muitas doenças. Têm conhecimentos de agricultura sabendo as épocas
de plantio e de colheita, o manejo/conservação das sementes e os cuidados que se deve ter
com a terra.
Os conhecimentos produzidos são apreendidos pelas novas gerações por meio da
experiência, da imitação e da oralidade (educação pela palavra, como dizem os Guarani).
As crianças indígenas, de forma geral, brincam com liberdade, participam da vida dos
adultos, acompanham os pais e parentes nas atividades diárias – trabalho, religiosidade,
lazer – e com isto vão desenvolvendo a compreensão dos elementos que as circundam.
Em termos de educação escolar indígena, neste período, destaca-se o trabalho
realizado pelo antropólogo Silvio Coelho dos Santos, Educação e sociedades tribais
(1975), com o apoio da instituição americana The Ford Foundation. Esta investigação
realizada nas escolas indígenas da região sul demonstrou as limitações dos projetos oficiais
de educação escolar do período, fazendo críticas ao indigenismo promovido pelo órgão
oficial do regime militar, a FUNAI. Segundo Santos (1975), esta política educacional
fundamentava-se na concepção de que a educação, por si só, introduziria mudanças
significativas na vida indígena. Em outro estudo sobre o tema, o autor informa que

A escola funciona em termos de setor burocrático do Posto, onde alguns


personagens se preocupam, em horas determinadas do dia e durante
meses certos do ano, em transmitir rudimentos de leitura, escrita e
operações aritméticas para as crianças em idade escolar. [...] não havia e
não há, nos organismos oficiais responsáveis pela proteção, qualquer
orientação para o exercício do magistério entre populações tribais [...] a
escola passa a ser um simples setor destinado a permitir o assalariamento
de alguns personagens estratégicos. [...]. (SANTOS, 1987, p. 277)

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No Final dos anos de 1970 ampliaram-se os estudos sobre a temática. Bartolomeu


Meliá, estudioso da cultura Guarani, na obra intitulada Educação indígena e alfabetização
(1979), combateu o pressuposto, muito em voga na época, de que as sociedades indígenas
estavam se extinguindo bem como os discursos que afirmavam não terem os índios um
processo sistematizado de criação e divulgação de conhecimentos. O autor lançou
importantes questionamentos acerca da educação que vinha sendo proposta aos povos
indígenas. Para ele, a concepção de educação indígena não é limitada, ao contrário, é
ampla e democrática.

A educação é o processo pelo qual a cultura atua sobre os membros da


sociedade para criar indivíduos ou pessoas que possam conservar essa
cultura. [...] Educar é, enfim, formar o tipo de homem ou de mulher que,
segundo o ideal válido para a comunidade, corresponda à verdadeira
expressão da natureza humana. (MELIÁ, 1979, p. 36)

Os estudos deste autor levaram-no a concluir que a educação indígena é gradativa,


permanente e acompanha o amadurecimento da pessoa nas etapas que vão desde o
momento da gravidez e do parto (nos rituais envolvidos), à primeira infância, num estreito
relacionamento com a mãe. Na segunda infância, quando a criança já participa das
atividades rotineiras de acordo com a divisão sexual do trabalho, à puberdade, momento de
uma educação mais intensa e de alguma iniciação, quando participa efetivamente do
trabalho e dos rituais, à maturidade, quando se torna chefe de família e continua a
aprender; até a velhice, quando se torna respeitada por seus conhecimentos adquiridos ao
longo da vida. Para Meliá (1979), toda criança quando nasce “cai num chão cultural muito
fértil” e o objetivo da educação indígena é tornar esta criança uma autêntica representante
de sua própria cultura, integrá-la às normas, à ordem religiosa e simbólica e às tradições da
comunidade à qual ela pertence.
Os estudos sob esta perspectiva representam, para Meliá (1979), um período no
qual se inicia a busca de alternativas para a construção de projetos educativos que, ao
mesmo tempo em que possibilitariam o conhecimento da cultura da sociedade majoritária –
na busca de uma relação mais equilibrada de contato –, permitiriam o reconhecimento e a
valorização do conhecimento proveniente da comunidade indígena na qual se inserisse.
A busca de alternativas ocorreu, principalmente, em fóruns de discussões
organizados no início dos anos de 1980 tendo a participação de entidades representadas por
antropólogos, lingüistas, indigenistas e lideranças entre alguns povos indígenas. As
discussões (MONSERRAT, 1989; CPI, 1981) caracterizaram-se pela crítica ao modelo
oficial vigente, defesa da educação bilíngüe, laica e identificação das causas do “desastre
educativo” nas escolas destinadas aos povos indígenas.
As discussões do período realizaram a crítica à ação civilizadora das missões
religiosas por meio da educação, explicitaram o objetivo do Estado na assimilação do índio
ao sistema produtivo, reafirmaram a necessidade de diferenciar educação indígena de
educação escolar indígena e propuseram a utilização dos ideais da pedagogia do oprimido
de Paulo Freire na ação pedagógica. Destacou-se ainda a relevância da elaboração de
textos de leitura e materiais didáticos em línguas indígenas a serem realizados com a
participação dos índios.
O órgão de tutela, a FUNAI, tornou-se um dos principais alvos da crítica. Foi
culpabilizado pelas mazelas educacionais e recebeu severas críticas devido ao fato de ter
agido de acordo com os interesses das frentes de expansão do capital, representadas pelas
grandes companhias agropecuárias, madeireiras, mineradoras, hidrelétricas e outras,

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levando à redução das terras indígenas, à militarização das aldeias e à integração dos
índios à sociedade nacional.
No campo religioso, acirraram-se as disputas promovendo-se querelas entre
representantes das alas progressistas da Igreja Católica e evangélicos que, na maioria das
vezes, se furtam ao debate, raramente respondem às criticas e preferem continuar
intensificando o avanço de suas ações por sobre as Terras Indígenas instalando igrejas,
comercializando bíblias e outros produtos da fé (Cds, livros), usados para a conversão dos
indígenas.
O I Encontro Nacional de Trabalho sobre Educação Indígena, organizado pela
Comissão Pró-Índio/SP, em 1979 (CPI, 1981), reuniu estudos de antropólogos,
professores, indigenistas e membros de comunidades indígenas trazendo discussões sobre a
questão do bilingüismo. Destacou-se a necessidade de se pensar uma filosofia e uma
pedagogia da educação escolar indígena visando fazer da escola nas aldeias um elemento
de fortalecimento e de resistência à situação de contato com dois objetivos principais: a
revitalização da cultura tradicional do grupo e a apropriação do conteúdo da escola “dos
brancos” para um melhor relacionamento com a sociedade majoritária.

Pensou-se, assim, numa reunião que possibilitasse a identificação de


problemas comuns às várias experiências atuais e a busca de caminhos
para a construção de uma educação formal adequada às necessidades
reais dos povos indígenas no país. (SILVA, 1981, p. 10)

Em relação ao bilingüismo estes primeiros encontros identificaram duas posições


básicas sobre qual deveria ser a língua usada no processo de alfabetização: aqueles que
defendiam que a alfabetização deveria ser feita em português e os que defendiam que
deveria ser feita na língua materna. Entre os defensores da alfabetização em português
estavam muitos índios justificando a urgente necessidade do domínio desta língua nas
escolas devido às situações de contato. A alfabetização em língua materna se apresentava
como um problema porque requeria a participação de lingüistas e professores bilíngües e
os estudos acerca das línguas indígenas, fora do esquema religioso do SIL, estavam apenas
se iniciando.
Em termos de metodologias e conteúdos, os participantes do Encontro chegaram à
conclusão de que, devido à diversidade sócio-cultural apresentada por cada etnia indígena,
seria muito difícil o estabelecimento de orientações ou regras que padronizassem ações
para todas as escolas nas diferentes Terras Indígenas. Defenderam, então, que o projeto
educacional destas escolas deveria ser realizado com base na realidade de cada povo com a
ampla participação dos professores.
Em relação ao professor, que atua na escola indígena, ser índio ou não-índio,
pensou-se na possibilidade da própria comunidade fazer a seleção e preparação do
educador garantindo seu salário para que ele pudesse desenvolver uma pedagogia
libertadora, conforme as idéias de Paulo Freire. Neste sentido, foram feitos alguns
encaminhamentos visando a formação de grupos de educadores, de contato com entidades
de apoio à causa indígena, organização de projetos e cursos para a formação de professores
em áreas indígenas sob a orientação de que fossem registradas e divulgadas todas as
experiências a serem desenvolvidas.
A OPAN – Operação Anchieta, a partir do início dos anos de 1980, organizou
encontros no Estado do Mato Grosso para tratar da educação escolar indígena. Nestes
participaram pesquisadores, indigenistas e pessoas ligadas à formação de professores ou
envolvidas com projetos alternativos de educação escolar entre povos indígenas. O livro A
conquista da escrita: encontros de educação indígena, publicado em 1989, apresentou o

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resultado das discussões realizadas no período sobre formação de recursos humanos,


currículo, oficialização das escolas indígenas, elaboração de material didático, introdução
de línguas ágrafas à escrita, métodos de alfabetização e de ensino-aprendizagem na escola
indígena e práticas que vinham sendo desenvolvidas entre diferentes povos indígenas da
região.

A década de 1990 e a institucionalização de uma “nova” política de educação escolar


indígena

É importante destacar que os anos de 1990 com seu projeto de globalização, são
objeto de estudos em muitas academias. Chamamos a atenção aqui para o Grupo de
Estudos sobre Política Educacional e Trabalho – GEPETO, do Centro de Educação da
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC que realiza, desde 1995, estudos acerca
dos documentos das políticas educacionais. Congregando pesquisadores de diferentes
instituições em Projetos de Pesquisa, o GEPETO evidencia que os anos de 1990 são férteis
na elaboração de uma política educacional de inclusão social devido à crise econômica
internacional, à adoção do neoliberalismo que promoveram o aprofundamento da pobreza.

A América Latina e o Caribe sofreram mudanças de caráter econômico e


social que puseram em causa a organização capitalista tal como existira
até pelo menos início dos anos de 1980, quando a reestruturação
produtiva passou a ser seu modo privilegiado de organização. Em razão
desse fato, foram desencadeados mecanismos de reconversão profissional
para a adaptação do trabalhador ao novo ordenamento. Esse movimento
de natureza econômica e social, durante os anos de 1990, foi
acompanhado de reformas, com destaque para a educação.
(EVANGELISTA, 2004, p.2)

No Brasil, nos embates travados entre os diferentes interesses de classe – na


derrocada do regime militar – os movimentos sociais lograram conquistar avanços na
cidadania por meio de um programa de reformas constitucionais (direito de voto, eleições
diretas, pluralismo partidário, legitimidade ao direito de greve, de associação e filiação
sindical, plebiscitos, referendos e outros). Estendido para todos – inclusive aos povos
indígenas –, este programa tinha como objetivo a redemocratização neoliberal sem prejuízo
à estrutura do sistema capitalista.
O ajuste neoliberal realizado aqui, nos anos de 1990, consentiu uma incipiente
autonomia política que correspondeu, segundo mostra o estudo de Rizo (2005, p. 16), aos
interesses de mudanças jurídicas impostas aos países latino-americanos. Esta política
viabilizaria a permanência das demandas do sistema de mercado e de acumulação por
expropriação.
Assim, a reforma promovida pelo capital objetivou “um modelo de máquina
pública mais flexível e ágil, capaz de corresponder rapidamente às demandas de uma
economia volátil, pois desta reforma dependeria a sobrevivência dos países deste
continente no jogo do mercado global” (RIZO, 2005, p. 16). Segundo a autora, tentou-se
com isso criar um novo modelo de Estado, esvaziado de seu sentido assistencial e que
operaria como uma instância apenas orientadora de políticas descentralizadas.
Sabendo que esta política é extremamente difícil de ser viabilizada, a curto e médio
prazo, em países de economia periférica cujos índices de pobreza são altíssimos e,
portanto, explosivos, o futuro foi sendo cuidadosamente planejado pelas elites. Além do

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discurso do desenvolvimento econômico com identidade, as forças hegemônicas,


articuladas aos organismos internacionais, investiram grandes esforços nas reformas
educacionais destinadas aos países periféricos, nos anos de 1990, com projeções para todo
o século XXI. Um exemplo é o Relatório Delors (UNESCO, 1996) com seu novo projeto
civilizacional, cujas palavras de ordem são “diversidade cultural e autonomia do sujeito”.
Este documento, traduzido para centenas de línguas concomitantemente, propõe a
autonomia, o reconhecimento e o respeito pelas diferentes culturas para lograr aceitação e
consenso na consolidação de seu plano de integração.
O projeto de autonomia para os povos indígenas se voltou, primeiro, contra a tutela.
Tratou-se de buscar um elemento “principal”, a ser responsabilizado pela situação em que
se encontram os povos indígenas: a FUNAI. Na política neoliberal de descentralização e
sucateamento das instituições públicas, outros órgãos foram criados para coordenar a
“nova” política indigenista inaugurada com a Constituição de 1988. O desgaste da FUNAI
com o fim do regime militar e a vertiginosa crítica recebida por parte da academia e dos
movimentos sociais, abriram espaço para o redirecionamento das verbas à novas
instituições. Neste processo, destacaram-se as organizações não-governamentais, em sua
maioria, de capital privado.
Na área de saúde, as verbas e o poder de decisão foram retirados da FUNAI e
repassados para a FUNASA. Em seu curto período de existência, pesam sobre esta
instituição, inúmeras criticas provenientes do indígenas em relação ao mal uso das verbas e
à precária situação da saúde indígena no país.
Na área de educação, a formulação e execução da “nova” política de educação
intercultural foi atribuída ao Ministério da Educação. Digo nova, entre parênteses porque
uma análise neste campo, que leve em consideração a história da política destinada à
educação envolvendo povos indígenas (FAUSTINO, 2006) evidencia ser a atual política de
educação escolar indígena, o desdobramento e continuidade das políticas anteriores, que
datam, pelo menos, da década de 1940.
O Estado segurou, por meio da FUNAI, como não poderia deixar de ser, a questão
da posse e usufruto das terras pelos povos indígenas, assunto que afeta os interesses dos
proprietários. Sendo o acesso à terra a questão determinante para a sobrevivência indígena
que, sem ela não pode reproduzir suas culturas, e, sendo esta de propriedade privada na
sociedade capitalista, os centros de poder buscam enfatizar outras questões (cultura,
educação, saúde) para escamotear a questão central.
A este respeito, Moya (1998, p. 8) indica que

[...] as mais importantes e visíveis modificações normativas têm ocorrido


nas legislações de educação e cultura, deixando desarticulados os espaços
relativos aos direitos estratégicos dos povos como a territorialidade ou o
acesso à terra, às condições de equidade e respeito a suas peculiaridades,
aos serviços e necessidades fundamentais: capital, crédito, tecnologia,
controle da cadeia produtiva e de circulação, poder jurisdicional, governo
e governabilidade local, religiosidade, saúde etc.

A força do projeto de inclusão social via cultura e educação se evidencia ao


observarmos que anos de 1990 a política para a educação escolar das minorias étnicas foi
reelaborada, concomitantemente, em todo o continente latino-americano. (FAUSTINO,
2006). No Brasil este processo teve início com o Decreto n. 26/1991, que retirou da
FUNAI e atribuiu ao MEC – Ministério da Educação, a competência para coordenar as
ações referentes a esta modalidade de ensino. Para tanto, o MEC criou a Assessoria de
Educação Escolar Indígena e o Comitê de Educação Escolar Indígena dando início à

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elaboração do que foi anunciado como a nova educação escolar indígena, consubstanciada,
principalmente pelas Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena
em 1992. (BRASIL, 1994).
A partir deste período foram inúmeros os documentos, a organização de eventos, a
divulgação de textos acadêmicos, os programas de formação de professores índios e não-
índios que atuam nas escolas indígenas, as premiações a projetos de educação diferenciada,
divulgação de diagnósticos e o apoio à elaboração de alguns materiais didáticos
diversificados.
Estas ações organizadas de forma simultânea e coordenadas por meio dos NEIs –
Núcleos de Educação Indígena, criados em quase todos os Estados brasileiros tiveram
como objetivo formular uma nova política para a educação escolar entre grupos indígenas,
fundamentada nos princípios do multiculturalismo e da interculturalidade.
O multiculturalismo é um conceito que teve sua origem no Canadá, nos anos de
1970. Refere-se ao reconhecimento legal da existência de diferentes grupos lingüístico-
culturais em um mesmo país, tendo sido adotado como uma estratégia política para pôr fim
ao movimento separatista canadense que havia se acirrado no final dos anos de 1960,
visando a autonomia política de centros econômicos controlados por anglófonos e
francófonos (FAUSTINO, 2006).
Neste mesmo período, nos Estados Unidos, ocorriam as lutas do movimento negro
e feminista por igualdade nos direitos civis, fim da segregação racial, inserção eqüitativa
no mercado de trabalho, acesso das minorias à educação e habitação. Após vários estudos
encomendados por diferentes governos, o multiculturalismo foi adotado nos anos de 1970
como uma política governamental, representada por ações afirmativas, a ser implementada
pelo Estado como mecanismo de incentivo a grupos discriminados e manutenção
equilibrada das forças antagônicas da sociedade.
Na Europa o ideário que orientou a formulação de uma política governamental para
o tratamento da diversidade cultural em diversos países, no início dos anos de 1980, foi a
interculturalidade que, anunciando o “surgimento” de uma “nova” sociedade (globalizada,
diversificada e informatizada), tornava necessária uma política educacional que
considerasse a existência de diferenças étnicas e culturais na construção de uma “nova”
democracia.

É imperioso repensar o papel da Sociedade, do Estado e das instituições


educativas e a acção dos educadores e dos professores neste contexto
econômico, social e político mais complexo, trespassado por
desigualdades e exclusões dos mais variados tipos, nomeadamente as que
se relacionam com a identidade e a diversidade. [...] Falamos da educação
para os valores, para a paz, para a cidadania, para os direitos humanos e
igualdade de oportunidades, para a tolerância e convivência, de educação
anti-racista e antixenófoba. [...] a propósito dos modelos de educação
multi-intercultural, pensamos nos contributos de Jonh Dewey em relação
à educação democrática. (PERES, 2002, p. 4)

O projeto da diversidade cultural enfatizou a questão da cultura atribuindo à


educação intercultural e bilíngüe a responsabilidade pelo alívio da pobreza e promoção da
autonomia dos povos indígenas. Com esta estratégia, o Estado absorveu demandas
tentando transformar elementos da mobilização política indígena em política indigenista
oficial.

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Estudos (DALE, 2004) demonstram que o discurso da educação específica e


diferenciada aos indígenas propagandeados nos anos de 1990 não se coadunam com as
políticas educacionais atuais

Chegamos ao século XXI com um raro panorama da educação mundial.


Sistemas nacionais de ensino tão padronizados quanto os de hoje, tanto
em seus princípios orientadores de ações educativas como em suas
formas organizacionais, nunca haviam existido.[...]. Com esta, os
modelos educacionais – e logo, as pretensões para a formação de todas as
pessoas do mundo – se voltam para educações cada vez mais próximas a
um só conceito de educação. As nações se aproximam em sua definição
de educação formal, não só pela semelhança dos sistemas educacionais,
mas também por postularem anseios de formação para os futuros
cidadãos - e modelos de ser humano – bastante parecidos. (RIZO, 2005,
p.10),

A autora salienta que a emergência de um único tipo de pessoa, que seria “meta de
todos os sistemas educacionais do planeta”, estaria manifesta no “sujeito Delors”,
veiculado pelo chamado Relatório Delors (DELORS, 1998) encomendado pela UNESCO,
“Este sujeito seria indicado para todas as nações do globo por políticas públicas
internacionais para a educação, tecidas nas últimas décadas do século XX. A preocupação
central de tais políticas seria motivar os países membros das Nações Unidas para a
formação de cidadãos capazes de construir a paz, em meio ao fenômeno contemporâneo da
Globalização” (RIZO, 2005, p.10)
Corroboram estas informações, os estudos de (FONSECA, 1998; SIQUEIRA,
2000, 2001), ao evidenciarem que o Banco Mundial não só alterou sua ação como assumiu
a direção internacional na formulação de políticas educacionais para os “países clientes”
subordinando demais organismos a seus interesses. Este Banco vem financiando “uma
série de estudos e pesquisas sobre os diferentes setores da área social, cujo produto
constitui uma massa de informações que são utilizadas no momento da negociação de
acordos” (FONSECA, 1998, p. 49).
A educação escolar que fazia parte das reivindicações radicais do movimento
indígena por transformação social (HERNANDEZ, 1981) foi redirecionada, nos anos de
1990, para o interior da escola enfatizando a identidade, a língua, o cotidiano, o material
didático específico e o “treinamento” dos professores.
O pedagogo indígena Franco Gabriel Hernandéz, ao falar sobre as reivindicações
do movimento de professores indígenas no México nos anos de 1970, mostrou que –
diferentemente do projeto de educação formulado pelos organismos internacionais para o
continente latino-americano, nos anos de 1980/1990, o movimento indígena tinha um
projeto educacional que punha em evidência a luta de classes,

[...] uma educação escolar entre os índios deve ser capaz de responder ao
momento histórico tendo como objetivo lutar contra a dominação,
esclarecendo o sistema, as formas de exploração e as características
étnicas e de classe social da exploração, lutar contra a dominação cultural
valorizando e afirmando a identidade étnica, lutar contra a discriminação
racial demonstrando a igualdade de raças e o caráter étnico e classista da
discriminação, lutar contra a manipulação política assinalando a
manipulação da classe dominante e unir forças para a transformação
visando uma nova alternativa para a sociedade e na possibilidade de
mudança na estrutura da sociedade (HERNANDÉZ, 1981, p. 175).

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Os centros de poder, com suas forças hegemônicas, se apropriaram das bandeiras de


lutas indígenas, operando uma “limpeza no terreno” por meio da eliminação do conteúdo
revolucionário. Disseminou-se as idéias de inclusão, interculturalidade, autonomia,
participação... e tantos outros conceitos que foram sendo, posteriormente, incorporados
pelos discursos e ações indígenas.
Tendo o movimento indígena se afastado deste referencial, deixa-se de perceber,
muitas vezes, a manipulação operada pelas forças hegemônicas e que, muitos dos avanços
conquistados com a nova política indigenista são parciais e conjunturais – negociados para
atender aos ditames da política do capital internacional e às reivindicações de grupos
indígenas organizados – mas, por seu caráter compensatório, não representam
transformações estruturais e duradouras.

Algumas Considerações

Para discutir a problemática educacional relativa aos povos indígenas não é


suficiente admitir a situação, de resto óbvia, degradante em que vivem os povos indígenas
que, historicamente, foram expropriados de suas terras e viram exterminados contingentes
imensos de seu povo, no Brasil e fora dele, não há a mesma obviedade quando se trata de
procurar as explicações para esse fenômeno. Atribuir tal situação às diretrizes emanadas de
agências internacionais, que tornam o país caudatário de uma intervenção nefasta no que
tange aos interesses dos índios, não é suficiente.
Se não é desconhecido o fato de que a grande maioria dos povos indígenas da
América Latina vive abaixo da linha de pobreza; que habitam regiões de extrema miséria
em países periféricos, dependentes dos desideratos das economias centrais; que desde os
primeiros anos da colonização portuguesa no Brasil os povos indígenas vêm perdendo seus
territórios; que tem sido obrigados a se integrar, abandonar ou ressignificar suas tradições;
que a colonização lançou mão da escravidão, do roubo, do assassinato e da subordinação
desses povos para garantir a acumulação original; que na atualidade pouco sobrou a estes
povos; tendo sido obrigados a suportar a subalternização de sua força de trabalho,
perdendo suas formas de sustentabilidade tradicionais tendo que enfrentar o desemprego e
a assistência, ao lado de outros excluídos, não é conhecido ou discutido suficientemente o
que sustenta tais condições. Os povos indígenas não apenas perderam suas terras, mas
viram suas condições de sobrevivência serem apropriadas pelos detentores dos meios de
produção tendo sido obrigados a conviver com a apropriação privada do que antes lhes
garantia a vida.
Esse processo, próprio da colonização, veio eivado de procedimentos perversos no
plano da construção de uma perspectiva que punha os habitantes deste continente na
condição de bárbaros, cruéis, pagãos, feiticeiros e pueris, para assim justificar a
implantação de um projeto político evangelizador que objetivava torná-los seres
civilizados.
Considerando este contexto, observa-se que a “nova” política de educação escolar
indígena, formulada pelo MEC há vinte anos contabilizou poucas mudanças. Sobre os
materiais diversificados elaborados ou apoiados pelo governo – um dos elementos mais
propagandeados pelo MEC e seus assessores são limitadíssimos em termos de quantidade e
abrangência – são raros estudos que os tenham analisado do ponto de vista do conteúdo e
do ideário que veiculam.
Embora se reconheça alguns avanços, de forma geral, as escolas situadas nas Terras
Indígenas continuam com baixa qualidade de ensino, falta de instalações e mobiliários

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adequados, falta de projetos bilíngües eficientes do ponto de vista do ensino e da


aprendizagem; poucos são os professores indígenas que tem curso superior, que atuam
como pesquisadores, os materiais diversificados elaborados, em sua maioria, são pouco
utilizados nas rotinas da escola. No Paraná, não se alterou a instabilidade dos professores
indígenas que continuaram ocupando a função por meio de Processos Seletivos
Simplificados por tempo determinado.
Ainda poucas são as pesquisas e publicações, com o apoio do Estado que possam
dar suporte às ações pedagógicas dos professores; as propostas pedagógicas diferenciadas
caminham muito lentamente; não se alterou o modelo de ensino da língua materna na
escola, proposto pelo SIL, comprovadamente incapaz de promover à oralidade, trazer para
a escola os etnoconhecimentos, concomitante ao domínio da leitura e escrita para
ampliação do acesso aos conhecimentos universais, pelas comunidades indígenas.

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Notas:
1
Os métodos de atração utilizados pelo SPI compreendiam a instalação de um acampamento próximo às
áreas com presença indígena ou nos caminhos percorridos por eles onde se usava a música, se depositavam
presentes, utensílios, alimentos e outras variadas estratégias de aproximação. Para um estudo sobre esta
questão ver a pesquisa de Niminon Suzel Pinheiro. Vanuire: conquista, colonização e indigenismo: oeste
paulista, 1912-1967. Tese de Doutorado-História/UNESP.

Recebido em 23/02/2011
Aprovado em 30/03/2011

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