Prescrição Farmacêutica Uma Revisão Sobre Percepções e Atitudes

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DOI: 10.1590/1413-81232022279.

19972021 3531

Prescrição farmacêutica: uma revisão sobre percepções e atitudes

revisão review
de pacientes, farmacêuticos e outros interessados

Pharmacist prescribing: a review of perceptions and attitudes


of patients, pharmacists and other interested professionals

Diego Carneiro Ramos (https://orcid.org/0000-0003-0024-3259) 1,2


Lorena Ferreira (https://orcid.org/0000-0001-5707-5677) 3
Genival Araujo dos Santos Júnior (https://orcid.org/0000-0002-5618-1846) 4
Lorena Rocha Ayres (https://orcid.org/0000-0003-4346-5281) 5
Carolina Dutra Degli Esposti (https://orcid.org/0000-0001-8102-7771) 1

Abstract Pharmacist prescribing is a growing Resumo A prescrição farmacêutica é uma expe-


reality in some developed counties, with varied riência em expansão em alguns países desenvol-
health systems. Understanding the contribution vidos, com diferentes sistemas de saúde. Conhecer
that this activity can offer in the healthcare pro- a contribuição que essa atividade pode desempe-
cess, and investigating its acceptance is of utmost nhar no processo de assistência à saúde e investi-
importance for the countries that implement and gar sua aceitação é de fundamental interesse para
regulate this type of system. This literature review os países que a regularam. Este estudo de revisão
aimed to design a state-of-the-art academic inves- de literatura, portanto, objetivou desenhar o esta-
tigation on the perception, opinions, and attitudes do da arte da investigação acadêmica sobre per-
in the context of pharmacist prescribing practices cepção, opiniões e atitudes no contexto da prática
1
Programa de Pós- in countries that have adopted this system. To da prescrição farmacêutica em países que a adota-
Graduação em Saúde achieve this, the present study conducted an inves- ram. Para isso, realizou-se investigação nas bases
Coletiva, Universidade
Federal do Espírito Santo. tigation of the Medline, Scopus, Embase, SciELO, de dados MEDLINE, Scopus, Embase, SciELO e
Av. Marechal Campos and Lilacs databases, resulting in the selection of LILACS, resultando na seleção de 17 estudos. Da
1468, Maruípe. 29047- 17 studies. From the analysis of the articles, three análise dos artigos, emergiram três categorias de
105 Vitória ES Brasil.
diegocarneiroramos@ categories of discussion arose: “understanding of discussão: “compreensão da prática e benefícios
gmail.com the practice and perceived benefits”, “acceptance percebidos”; “aceitação e adesão à prática”; “bar-
2
Centro das Ciências and adherence to the practice, and “hindrances reiras à prática”. Os resultados mostraram aceita-
Biológicas e da Saúde,
Universidade Federal do to the practice”. The results showed varied accep- ção e percepções variáveis nos diferentes públicos,
Oeste da Bahia. Barreiras tance and perceptions among the different publi- dependendo, entre outras questões, do nível de co-
BA Brasil. cs, depending, among other questions, on the level nhecimento e experiência dos pacientes e dos pro-
3
Instituto Capixaba de
Ensino, Pesquisa e Inovação of knowledge and experience of the patients and fissionais de saúde, do perfil do farmacêutico ou
em Saúde, Secretaria health professionals, on the profile of the pharma- da modalidade de prescrição. Este estudo aponta
Estadual de Saúde do cists, or on the prescribing modality. This study alguns desafios envolvidos na prática da prescri-
Espírito Santo. Vitória ES
Brasil. highlights some challenges involved in the practi- ção farmacêutica e seus achados podem ser úteis
4
Centro de Ciências Exatas, ce of pharmacist prescribing, and its findings can para sugerir caminhos para o fortalecimento da
Naturais e da Saúde, be useful in suggesting a means through which to prática.
Universidade Federal do
Espírito Santo. Alegre ES strengthen the practice. Palavras-chave Atenção à saúde, Farmacêuticos,
Brasil. Key words Health care, Pharmacists, Medical Prescrições de medicamentos, Prática profissional
5
Instituto de Biotecnologia, prescriptions, Professional practice
Universidade Federal de
Catalão. Catalão GO Brasil.
3532
Ramos DC et al.

Introdução Nos Estados Unidos, atualmente 49 esta-


dos permitem ao farmacêutico prescrever sob o
As funções e responsabilidades de todos os pro- modelo de prescrição dependente. O primeiro
fissionais de saúde passaram por uma grande estado, Washington, o fez no ano de 1979. Lá a
transformação no começo do século XXI. Nesse autorização para o farmacêutico prescrever ad-
contexto, destaca-se a implementação da prescri- vém de um Acordo de Prática Colaborativa com
ção farmacêutica por profissionais de saúde não um prescritor independente13. Somado a esse ce-
médicos em muitos países, incluindo Austrália, nário, há experiências estaduais de regulação de
Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Rei- prescrição dependente, baseadas em acordos de
no Unido1, com o objetivo de contribuir para a prática colaborativa estaduais, ou seja, sem a ne-
melhoria da atenção à saúde, proporcionando cessidade de consulta médica prévia14.
acesso mais seguro e eficiente aos medicamentos, Em Israel, coexistem a prescrição dependen-
otimizando o uso das habilidades dos profissio- te e a independente, regulamentadas respectiva-
nais de saúde2,3. mente em 2014 e 201615. Na Austrália, o farma-
Apesar da diversidade de modelos de prescri- cêutico pode prescrever apenas medicamentos
ção utilizados nos diferentes países, de maneira que não necessitem de prescrição médica, volta-
geral, pode-se apontar duas modalidades: a pres- dos para situações específicas de saúde, os trans-
crição dependente e a prescrição independente. tornos menores2. Na Nova Zelândia, o farmacêu-
Na dependente, há um diagnóstico prévio e um tico é autorizado a prescrever desde 2013, sendo
plano de manejo clínico, desenvolvido em cola- uma prescrição do tipo dependente, com o far-
boração com pacientes e seus médicos. Nela o macêutico trabalhando em prática colaborativa
farmacêutico pode selecionar, monitorar, modi- com outros profissionais de saúde16.
ficar ou descontinuar a farmacoterapia4-6. A expansão da prescrição em todos as nações
Na prescrição independente, o farmacêutico citadas tem estimulado a produção acadêmica
é responsável por avaliar o paciente, iniciar a te- em países em que ainda não há a regulamenta-
rapia e gerenciar os desfechos clínicos. Diante de ção da prescrição farmacêutica. Pesquisadores se
um paciente já diagnosticado por um médico e mobilizam para produzir informações relevantes
em tratamento, o farmacêutico decide, sem ne- que possam sustentar o planejamento da incor-
cessidade de um acordo colaborativo, pela reno- poração dessa inovação, como as expectativas
vação da prescrição, adaptação ou nova prescri- dos farmacêuticos e a identificação de fatores que
ção. Em qualquer das situações, o farmacêutico possam interferir numa possível implementação
segue uma lista de medicamentos pré-definidos da prática. Há na literatura registros desses estu-
que regula seu alcance para prescrição5,7. dos, por exemplo, no Qatar17, na Nigéria18 e em
O Reino Unido e o Canadá são os dois países Malta19.
com maior experiência na prática da prescrição Toda mudança requer observação e análise.
farmacêutica. No Reino Unido, a prescrição de- A prescrição farmacêutica no Brasil foi regulada
pendente foi introduzida em 2003 e a indepen- recentemente e ainda pode ser considerada uma
dente em 20068. Nesse contexto, ser prescritor inovação na prática profissional, uma vez que
não médico é uma aquisição de título profissio- data de 2013. Stewart et al.1 consideram que duas
nal e exige treinamento e validação9. questões são cruciais na implementação de novas
A prescrição farmacêutica no Canadá é do práticas de prescrição não-médicas: desenvolvi-
tipo dependente e independente, abrangendo ba- mento de modelos sustentáveis de atendimento e
sicamente três modalidades de execução: 1) con- pesquisa de avaliação robusta e rigorosa.
tinuação das prescrições existentes; 2) adaptação Assim, conhecer o estado da arte da prescri-
das prescrições existentes; e 3) início de novas ção farmacêutica no mundo faz-se necessário
prescrições. As modalidades possíveis e a necessi- para subsidiar o planejamento e a avaliação de
dade de acordos colaborativos variam conforme políticas e intervenções no Brasil. Diante desse
a província10,11. Hoje, em todas as 11 províncias cenário, este estudo tem como objetivo explorar,
do país é possível renovar ou modificar as pres- por meio de uma revisão de literatura, a percep-
crições; em nove pode-se realizar uma substitui- ção, as opiniões e as atitudes de pacientes, popu-
ção dentro do mesmo grupo terapêutico e em lação geral, profissionais de saúde e farmacêuti-
oito podem ser iniciadas novas prescrições para cos a respeito da prescrição farmacêutica.
transtornos menores12.
3533

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Metodologia A combinação dos termos, bem como os re-
sultados encontrados para cada plataforma de
Este é um estudo de revisão de literatura sobre a base eletrônica, são apresentados detalhadamente
prescrição farmacêutica em países que a adota- no Quadro 1.
ram, desenvolvido a partir da seleção sistemática Critérios de seleção foram aplicados visando
da literatura científica. alcançar os objetivos da pesquisa. Os critérios de
A pergunta norteadora que caracteriza a pri- inclusão para a seleção do material foram: 1) pu-
meira etapa da presente pesquisa foi: qual a opi- blicação nos últimos dez anos, de junho de 2010
nião, percepção, experiência e recepção da prática a junho de 2020; 2) artigos em língua portugue-
da prescrição farmacêutica por qualquer grupo sa, inglesa ou espanhola; 3) disponível com texto
de partes interessadas (farmacêuticos, outros pro- completo em uma das bases de dados utilizadas,
fissionais de saúde, pacientes, gestores em saúde e via acesso da rede institucional do pesquisador;
sociedade em geral)? 4) abordagem qualitativa ou mista; e 5) publica-
Na etapa seguinte foram definidas as seguin- ção no formato de artigo. Os critérios de exclu-
tes bases de dados para a busca dos artigos: ME- são adotados foram: 1) o espaço de prática dos
DLINE (National Library of Medicine); Scopus; sujeitos dos estudos, quando aplicável, ser ex-
Embase; SciELO (Scientific Electronic Library clusivamente ou majoritariamente em ambiente
Online); e LILACS (Literatura Latino-Americana hospitalar; 2) o estudo estar relacionado apenas
e do Caribe em Ciências da Saúde). O levanta- ao ensino de habilidades ou atributos de prescri-
mento foi realizado em junho de 2020 e ajustado ção não-médica; 3) envolver como participan-
para os seguintes filtros: período de publicação tes exclusivamente graduandos ou a maioria ser
nos últimos dez anos; e idioma inglês, português constituída por profissionais de saúde não farma-
e espanhol. cêuticos; 4) artigo de revisão, editorial, artigo de
Para a busca dos artigos, foram utilizados ter- opinião, relatório, carta ou comunicação livre, ca-
mos livres e suas combinações nos três idiomas pítulo de livros ou resumo de evento; e 5) artigos
trabalhados nesta revisão de literatura, já que os que fugiam do escopo temático pretendido.
termos indexados nos Descritores em Ciências O processo de seleção dos artigos, que começa
da Saúde (DeCS) e no Medical Subject Headings com a exportação dos resultados das bases de da-
(MESH) não contemplavam o objetivo da pes- dos, foi feito com o suporte do software Zotero. As
quisa. etapas que se seguem nesse processo são a exclu-
Na busca, descritores foram utilizados com são dos duplicados e o julgamento dos estudos,
auxílio do operador booleano OR, resultando na observando se estavam adequados aos critérios de
seguinte combinação: “prescri* farmacêutic*” OR inclusão e de exclusão e se atendiam aos objeti-
“prescri* colaborativ*” OR “prescri* suplemen- vos da pesquisa. A esquematização do processo de
tar” OR “prescri* independente” OR “prescri* seleção dos trabalhos é apresentada na Figura 1.
não-médica”. Para as bases MEDLINE, Scopus Para caracterizar as publicações selecionadas
e Embase, foram usados os termos em inglês para esta revisão de literatura, foram extraídas as
(“pharmacist prescri*” OR “collaborative pres- seguintes variáveis: autor principal; ano de publi-
cri*” OR “supplementary prescri*” OR “indepen- cação; local do estudo; objetivos; metodologia;
dent prescri*” OR “non-medical prescri*”). Para sujeitos participantes; modalidade de prescrição;
SciELO e LILACS nos idiomas inglês, português limitações; e conclusões.
e espanhol. A base Lilacs foi acessada via Biblio- Para a análise qualitativa de conteúdo, foi
teca Virtual de Saúde (BVS). O caractere “*” foi efetuada a leitura, a análise e a interpretação de
usado ao final de alguns termos para aumentar cada artigo, utilizando-se a análise de conteúdo
seu alcance, abrangendo terminologias diferentes, temática, proposta por Minayo20, que empreende
como prescrição e prescritor, além de sinônimos a exploração do material de maneira sistemática,
para o mesmo termo, como prescription e prescri- visando a interpretação subjetiva de textos e a
bing. apresentação dos achados de maneira organiza-
Como as bases LILACS e SciELO não apresen- da e categorizada. O processo de análise permi-
taram resultados, uma nova busca foi realizada, tiu sua classificação em três categorias empíricas:
apenas nessas duas bases, com a combinação sim- “compreensão da prática e benefícios percebidos”,
ples dos termos “prescrição” AND “farmacêutica”, “aceitação e adesão à prática” e “barreiras à prá-
nos idiomas português, inglês e espanhol. tica”.
3534
Ramos DC et al.

Quadro 1. Estratégias de busca e resultados nas bases de dados selecionadas.


Número de
Base Termos de busca
publicações
Medline “pharmacist prescri*” OR “collaborative prescri*” OR “supplementary prescri*” OR 514
“independent prescri*” OR “non-medical prescri*”
Scopus “pharmacist prescri*” OR “collaborative prescri*” OR “supplementary prescri*” OR 673
“independent prescri*” OR “non-medical prescri*”
Embase “pharmacist prescri*” OR “collaborative prescri*” OR “supplementary prescri*” OR 959
“independent prescri*” OR “non-medical prescri*”
SciELO pharmacist AND prescribing 28
SciELO prescrição AND farmacêutica 63
SciELO prescripción AND farmacéutica 86
Lilacs pharmacist AND prescribing 22
Lilacs prescrição AND farmacêutica 283
Lilacs prescripción AND farmacéutica 190
Fonte: Autores.

Publicações identificadas nas bases de dados


Identificação

Medline (514), Scopus (673), Embase (959),


SciELO (177) e Lilacs (495)
(n = 2.818)

Remoção dos artigos duplicados


(n = 1.329)

Estudos selecionados para leitura de


título e resumo
Seleção

(n = 1.489)

Excluídos baseados nos critérios de


inclusão e exclusão (n = 1185)
Não é sobre prescrição não-médica:
888
Prescrição não-médica de outros
profissionais: 132
Prescrição farmacêutica, mas não
atende ao objetivo da revisão: 165
Estudos selecionados para leitura
integral
(n = 304)
Elegibilidade

Excluídos baseados nos critérios de


inclusão e exclusão (n = 287)
Resumos, artigos opinião, revisões,
editoriais: 219
Artigo não acessível: 16
Não atende ao objetivo da revisão: 52
Inclusão

Publicações selecionadas
(n = 17)

Figura 1. Fluxograma de seleção dos estudos.

Fonte: Autores.
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Resultados dos estudos eram somente sobre prescrição de-
pendente, 23% apenas acerca de prescrição inde-
A busca em todas as bases de dados somou um pendente e 59% não faziam distinção, incluindo
total de 2.818 publicações. Quando concluídas os dois modelos. Os estudos analisados foram
todas as etapas de seleção, chegou-se ao número desenvolvidos nos contextos das seguintes loca-
de 17 artigos, que foram incluídos nesta revisão lidades: Reino Unido (41,2%), Canadá (47,0%) e
de literatura. Algumas variáveis das publicações, Estados Unidos (11,8%).
que as caracterizam, foram organizadas nos qua- A partir da análise do material selecionado,
dros 2 e 3. formaram-se categorias empíricas: “compreen-
A maior parte dos estudos foram publica- são da prática e benefícios percebidos”, “aceitação
dos nos anos de 2013 (23%), 2015 (18%) e 2019 e adesão à prática” e “barreiras à prática”.
(18%). Quanto ao modelo de prescrição, 18%

Quadro 2. Caracterização dos estudos incluídos na revisão da literatura quanto a autor principal, ano de publicação, local
do estudo, objetivos, metodologia e sujeitos participantes do estudo.
Autor Local Sujeitos
principal, ano do Objetivos Metodologia participantes do
de publicação estudo estudo
Famiyeh21 Canadá Descrever a opinião dos usuários Estudo descritivo utilizando Usuários
(2019) de farmácias comunitárias sobre a entrevistas semiestruturadas
prescrição de farmacêuticos e identificar individuais
fatores que influenciam seu apoio aos
serviços de prescrição farmacêutica
Feehan22 Estados Investigar a percepção de demanda Estudo descritivo utilizando Usuários;
(2016) Unidos à prescrição de farmacêuticos e as entrevistas individuais farmacêuticos;
barreiras à prática no ambiente da servidores públicos
farmácia comunitária da gestão da saúde
Hobson23 Reino Explorar as opiniões dos pacientes Entrevistas em profundidade Usuários
(2010) Unido sobre o desenvolvimento de prescrição realizadas em pacientes de
não-médica quatro regionais de saúde
Hughes24 Canadá Avaliar o que “prescrever” significa Entrevistas telefônicas Farmacêuticos
(2014) para os farmacêuticos em Alberta e semiestruturadas
a aplicação da prescrição na prática
farmacêutica
Irwin25 Estados Caracterizar percepções públicas Análise retrospectiva, Não se aplica
(2019) Unidos de contracepção hormonal transversal e mista de
autoadministrada por farmacêuticos comentários publicados em
por meio de comentários publicados resposta a artigos online
em resposta a artigos de notícias on-line
Isenor26 Canadá Identificar a relação entre barreiras Pesquisa eletrônica em todos Farmacêuticos
(2018) e facilitadores à prescrição de os farmacêuticos registrado na
farmacêuticos província-alvo da pesquisa
Lane27 Reino Investigar o que os sujeitos interessados Grupo focal e entrevistas Médicos;
(2020) Unido na implantação de serviço de farmacêuticos;
prescrição farmacêutica em um lar de profissionais de
idosos consideraria como barreiras e lares de idosos;
facilitadores para essa implementação residentes e
parentes
Lloyd28 Reino Explorar as experiências dos Coorte de farmacêuticos que Farmacêuticos;
(2010) Unido farmacêuticos e seus mentores de obtiveram autorização de médicos
treinamento pelo menos 12 meses após prescrição. Grupos focais com
os farmacêuticos serem qualificados farmacêuticos e entrevistas
como prescritores suplementares semiestruturadas com os
mentores.
continua
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Ramos DC et al.

Quadro 2. Caracterização dos estudos incluídos na revisão da literatura quanto a autor principal, ano de publicação, local
do estudo, objetivos, metodologia e sujeitos participantes do estudo.
Autor Local Sujeitos
principal, ano do Objetivos Metodologia participantes do
de publicação estudo estudo
Makowsky29 Canadá Entender quais fatores influenciam Entrevistas semiestruturadas Farmacêuticos
(2013) a adoção de prescrições pelos com farmacêuticos de
farmacêuticos usando um modelo para diferentes campos de prática
a Difusão de Inovações nos serviços de
saúde
Mccann30 Reino Fornecer uma compreensão da Entrevistas semiestruturadas Farmacêuticos;
(2012) Unido prescrição de farmacêuticos na médicos; atores-
perspectiva de farmacêuticos, colegas chave
médicos e outras partes interessadas na
Irlanda do Norte
Mccann31 Reino Explorar as perspectivas dos pacientes Grupos focais com pacientes Pacientes
(2015) Unido que foram atendidos por farmacêuticos que foram atendidos por
prescritores farmacêutico prescritor
independente
Maclure32 Reino Explorar as opiniões do público escocês Questionário enviado via Sociedade em geral
(2013) Unido sobre a prescrição não médica postal, de maneira aleatória a
cidadãos escoceses
Mcintosh33 Reino Explorar os pontos de vista e reflexões Entrevistas telefônicas Farmacêuticos
(2016) Unido de graduados em farmácia ainda sem semiestruturadas com
registro de prescritor sobre a prescrição farmacêutico não registrados
farmacêutica como prescritores
Norman34 Canadá Explorar a aceitabilidade e a viabilidade Questionários seguidos por Farmacêuticos
(2015) do fornecimento independente de entrevistas estruturadas em
anticoncepcionais em farmácias da todas as farmácias rurais e
província de British Columbia uma amostra de farmácias
comunitárias urbanas em
British Columbia
Pokskic35 Canadá Verificar as percepções iniciais do Análise de documentos e Integrantes do
(2014) governo da província de Ontário e dos entrevistas com informantes- governo local;
grupos de interessados em​​ relação à chave integrantes de
perspectiva de concessão de autoridade organização
prescritiva para farmacêuticos profissional
farmacêutica;
integrantes de
organização
profissional médica
Schindel36 Canadá Ampliar a compreensão da visão dos Grupos focais homogêneos de Farmacêuticos;
(2013) farmacêuticos sobre o desenvolvimento farmacêuticos e estudantes de Estudantes
profissional e identificar suas farmácia. graduação
necessidades de aprendizagem
Schindel37 Canadá Analisar a cobertura da mídia Análise de discurso utilizado Não se aplica
(2019) jornalística sobre o farmacêutico para examinar uma amostra
prescritor um ano antes e dois anos de textos de jornais publicados
após a prescrição ser implementada. abrangendo um ano antes e
dois anos após a legislação de
prescrição farmacêutica entrar
em vigor
Fonte: Autores.
3537

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Quadro 3. Caracterização dos estudos incluídos na revisão da literatura quanto a modalidade de prescrição, limitações do estudo e
conclusões dos autores do estudo.
Autor
principal, Modalidade
Limitações do estudo Conclusões
ano de de prescrição
publicação
Famiyeh21 Dependente e A amostra é de conveniência e não é A disposição de utilizar os serviços varia e depende do
(2019) independente representativa para uma extensão dos tipo de serviço de prescrição, sendo maior pela percepção
resultados a outros ambientes ou grupos de conveniência pessoal, mas inibida pela percepção da
de sujeitos que não os mesmos da falta de acesso dos farmacêuticos às informações clínicas,
pesquisa preocupações com a colaboração farmacêutico-médica
e inexperiência do usuário com o uso dos serviços de
prescrição de farmacêuticos
Feehan22 Não definido Os dados apresentados, por serem de Os consumidores geralmente resistentes a prescrição por
(2016) pelos autores exploração qualitativa, podem não farmacêuticos, tendo dificuldade de se desvencilhar da
apresentar a demanda real por prescrição visão do farmacêutico dispensador. Os farmacêuticos
farmacêutica em geral apoiaram a prescrição em condições bem definidas. As
barreiras incluíam pouca consciência sobre a prescrição
farmacêutica e o treinamento do farmacêutico
Hobson23 Não definido Amostra considerada limitada As preocupações sobre governança clínica, privacidade
(2010) pelos autores e espaço aumentaram. Os participantes reconheceram o
conhecimento e a acessibilidade dos farmacêuticos
Hughes24 Não definido Os autores não apresentaram limitações Os farmacêuticos apresentaram uma variedade de
(2014) pelos autores maneiras de descrever o significado da prescrição,
mas regularmente descrevendo um alto grau de
responsabilidade. As definições de prescrição evoluíam
à medida que os farmacêuticos adquiriam experiência
com a prescrição
Irwin25 Independente As respostas foram limitadas aos A percepção pública reconhecia vários benefícios, como
(2019) sujeitos com acesso à internet e interesse o aumento do acesso à saúde, a redução de gravidezes
suficiente para ler e responder ao texto não intencionais e o apoio à autonomia individual.
E reconhecia que esses benefícios precisariam ser
equilibrados com preocupações sobre segurança e
questões logísticas associadas à prestação de serviços
clínicos em um ambiente de farmácia comunitária
Isenor26 Não definido Baixa taxa de resposta; procedimento de A estrutura de domínios teóricos mostrou-se útil
(2018) pelos autores coleta de dados não permitiu aprofundar para identificar variadas barreiras e facilitadores para
questões respondidas de maneira a prescrição farmacêutica. Os três domínios teóricos
insuficiente, nem esclarecer questões não que os entrevistados mais positivamente associados à
compreendidas pelos respondentes prescrição foram Conhecimento, Reforço e Intenções
Lane27 Independente Possibilidade de viés pelos participantes A introdução de um farmacêutico prescritor foi bem-
(2020) terem sido autosselecionados e, portanto, vinda, mas condicionada a: uma função claramente
talvez tivessem expectativas favoráveis do definida; colaboração entre médicos, farmacêuticos
papel do farmacêutico prescritor e podem e equipes dos lares; diálogo sobre o desenvolvimento
não ter capturado as opiniões de indivíduos do serviço com residentes e familiares, baseado na
mais propensos a resistir à inovação confiança e na comunicação efetiva
Lloyd28 Dependente Os autores não apresentaram limitações A prescrição de farmacêuticos foi aceita na prática,
(2010) mas não é amplamente prevalente. Em grande
parte, isso pode ser atribuído a barreiras logísticas e
organizacionais, e não a tensões interprofissionais
continua

Compreensão da prática e benefícios serviços de saúde têm conhecimento escasso so-


percebidos bre a prescrição farmacêutica, com poucos tendo
já experimentado um atendimento acompanha-
No geral, os estudos analisados nesta revisão do da prescrição por este profissional21-23,31. Os
de literatura demonstraram que os usuários de usuários costumam fazer observações positivas a
3538
Ramos DC et al.

Quadro 3. Caracterização dos estudos incluídos na revisão da literatura quanto a modalidade de prescrição, limitações do estudo e
conclusões dos autores do estudo.
Autor
principal, Modalidade
Limitações do estudo Conclusões
ano de de prescrição
publicação
Makowsky29 Dependente e O viés de resposta sugeriria que os A prescrição era dependente das seguintes variáveis:
(2013) Independente farmacêuticos que responderam inovação, adotante, prontidão do sistema, configuração
provavelmente prescreveriam; da prática, comunicação e influência
metodologia não seguiu observações
ao longo do tempo e não tem o
relacionamento oferecido por entrevistas
presenciais
Mccann30 Dependente e Os autores não apresentaram limitações Embora acredite-se que os prescritores farmacêuticos
(2012) Independente eram especialistas em medicamentos e muito focados
do ponto de vista de segurança e precisão, sentiu-se
que eles podem não estar equipados para lidar com
pacientes com condições complexas da mesma forma
que um médico
Mccann31 Independente Número pequenos de participantes e os A prescrição farmacêutica é amplamente aceita e
(2015) achados pouco generalizáveis os pacientes a percebem positivamente. Apesar das
atitudes positivas, havia uma falta geral de consciência
desse novo modo de prática
Maclure32 Não definido Falta de clareza se as respostas ao Os achados identificam apoio à prescrição não médica,
(2013) pelos autores instrumento são decorrentes do interesse mas indicam a necessidade de prescritores não médicos
do respondente ou decorrem das se envolverem mais com o público em geral
perguntas da pesquisa. Os resultados
do estudo também são limitados pelo
potencial de viés (recrutamento, resposta
e conveniência social)
Mcintosh33 Não definido Baixa taxa de resposta, amostra pequena e Graduados em farmácia estavam ansiosos para treinar
(2016) pelos autores falta de generalização dos resultados para como prescritores, embora reconhecendo a necessidade
outros países de primeiro adquirir experiência prática. Eles viam a
prescrição como uma função apropriada, mas estavam
perfeitamente cientes das barreiras em torno da
estratégia organizacional
Norman34 Independente Os autores não apresentaram limitações. A divisão de tarefas para prescrever contracepção
(2015) hormonal de forma independente é altamente aceitável
e viável.
Pokskic35 Não definido Incapacidade de recrutar gestores do Opiniões amplamente diferentes foram expressas pelo
(2014) pelos autores governo do mais alto nível hierárquico governo de Ontário e pelas organizações farmacêuticas,
para as entrevistas, gerando limitações por um lado, e organizações profissionais médicos,
para compreensão dos fatores políticos por outro, sobre o impacto potencial do farmacêutico
que orientam a definição da agenda e prescrevendo na segurança do paciente e no acesso à
escolhas políticas atenção primária.
Schindel36 Não definido A taxa de resposta da pesquisa foi baixa As necessidades de aprendizagem manifestadas pelos
(2013) pelos autores e, portanto, os dados da pesquisa podem participantes refletiram os papéis atuais e futuros
não ser representativos de todos os dos farmacêuticos. Os farmacêuticos valorizavam o
farmacêuticos da província e de outras credenciamento e a certificação como mecanismos para
regiões do país construir conhecimento e confiança. Os farmacêuticos
enfatizaram o aspecto social do desenvolvimento
profissional contínuo
Schindel37 Não definido Resultados apresentam generalização Os textos abordaram questões variadas a respeito
(2019) pelos autores limitada para outras regiões do país da prescrição farmacêutica, como qualificação,
diagnóstico, segurança do paciente, apoio médico e
conflito de interesses. Resultados destacam as tensões
entre as perspectivas dos farmacêuticos e dos médicos
sobre os papéis prescritos
Fonte: Autores.
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respeito das funções tradicionais do farmacêuti- Os benefícios da prática também podem
co, valorizando seus conselhos23, porém tendem ser percebidos por profissionais de saúde. Para
a não reconhecer as possibilidades envolvidas os farmacêuticos, a prescrição proporcionaria
na prescrição farmacêutica ou têm receio de sua maior acesso dos pacientes a medicamentos es-
execução22. senciais, diminuiria custo para os pacientes, pro-
Apesar do pouco conhecimento dos usuários moveria comodidade e poderia reduzir a pressão
acerca da prescrição farmacêutica21-23,31, ela se sobre o sistema de saúde22,34.
destaca em relação às prescrições possíveis por Em estudo em uma província canadense35
profissionais não médicos. Na Escócia, apesar de com profissionais das associações da classe far-
vários profissionais de saúde serem autorizados macêutica e gestores locais, estes apontaram
a prescrever, a prescrição farmacêutica é melhor muitos benefícios em uma proposta de implanta-
reconhecida pela população e sinônimo de pres- ção da prescrição farmacêutica independente na
crição não-médica32. província: aumento do acesso dos pacientes aos
Essa situação de desconhecimento pode mu- serviços de atenção primária à saúde; melhoria
dar quando os usuários passam pela experiência dos resultados dos pacientes por meio da melho-
de receber uma prescrição de um farmacêutico, ria da continuidade da terapia medicamentosa;
como mostrou estudo do Reino Unido31, em que reduções de eventos adversos aos medicamentos;
os usuários enxergavam vantagens na prescrição e diminuição dos custos com cuidados de saúde,
farmacêutica, uma vez que consideravam que por meio do redirecionamento dos gastos para
esse profissional tinha maior conhecimento so- profissionais de saúde menos custosos.
bre medicamentos, interações e efeitos colaterais Médicos britânicos e canadenses viam, na
do que os médicos. Reconhecem que cada pro- incorporação de um farmacêutico prescritor
fissional de saúde deve usar suas habilidades de em suas equipes de trabalho, vantagens como:
forma complementar: diagnóstico (médico) e colaboração na divisão de trabalhos e responsa-
gerenciamento da terapia medicamentosa (far- bilidades, permitindo que o farmacêutico preen-
macêutico). chesse uma lacuna de atividades a que o médi-
Além disso, usuários elencavam como van- co pouco se dedicava integralmente por exercer
tagens: aumento do tempo para consultas; in- múltiplas tarefas; revisão da farmacoterapia; e
formações aprofundadas fornecidas sobre seus gerenciamento da terapia medicamentosa28. Em
medicamentos e maior sensação de controle e outro estudo, no Reino Unido, a inclusão de um
propriedade de sua condição médica31. Numa farmacêutico prescritor em um lar de idosos foi
provável implantação do trabalho de um farma- visto por médicos e farmacêuticos como capaz
cêutico prescritor em um lar de idosos no Reino de contribuir para o enfrentamento de doenças
Unido, os pacientes visualizaram a inserção como crônicas, em que as revisões da farmacoterapia
uma proposta muito positiva, atuando como um são complexas pelas múltiplas comorbidades dos
canal necessário e útil de comunicação oportuna residentes27.
e tranquilizadora sobre medicamentos27. Em estudo com médicos britânicos, os farma-
Para a população em geral, a prática traz be- cêuticos eram úteis especialmente para pacientes
nefícios individuais e coletivos. Individuais, pois com múltiplas morbidades, por sua formação
enxergavam a conveniência de precisar de menos em farmacologia possibilitar uma visão ampliada
consultas médicas, e coletivos porque enxer- sobre o paciente. O conhecimento geral de medi-
gavam benefícios para o sistema de saúde, por camentos pelo farmacêutico era visto como uma
exemplo a redução da carga horária dos médi- vantagem, por sua atenção aos detalhes, e por
cos e, consequentemente, maior foco destes em isso poderia prescrever com segurança32.
pacientes com necessidades mais complexas21,32.
Outra vantagem era que a prescrição adequada Aceitação e adesão à prática
poderia incluir a alteração das prescrições atu-
ais dos médicos em caso de efeitos adversos ou Os pacientes sugeriram que um aumento da
a prescrição independente em situações claras de popularidade do farmacêutico prescritor junto à
cuidados urgentes ou em prescrição para doenças população estaria diretamente ligado ao tempo
menores22. O aumento do acesso a medicamen- natural que leva para os pacientes construírem
tos em situações em que havia barreiras de acesso uma imagem de relacionamento com esse far-
aos serviços médicos ou demandas pessoais que macêutico prescritor23, assim como com outros
dificultavam a busca pelo médico também foram profissionais prescritores, como os enfermeiros,
apontados como benefícios visualizados25. que segundo os autores possuem maior aceitação
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Ramos DC et al.

da população por sua prática de prescrição de em um atendimento melhor e mais eficiente para
medicamentos por serem mais facilmente reco- os pacientes30.
nhecidos pelo cuidado em saúde. Estudo com farmacêuticos canadenses apon-
Na percepção dos farmacêuticos, os médicos tou que até mesmo as concepções que esses têm
e os enfermeiros veem como positivo a prescri- da prática prescritiva impactam na adesão deles
ção farmacêutica em um ambiente institucional à atividade. Aqueles que traziam uma definição
colaborativo, pois assim podem dividir a carga de mais integrada da prescrição ao processo de cui-
trabalho, permitindo se concentrarem em outras dado em saúde geralmente possuíam mais inicia-
tarefas clínicas28. Os farmacêuticos acreditam que tiva para prescrever de maneira independente24.
os médicos são mais receptivos se a prescrição es- No estudo de Makowsky et al.29, os farmacêu-
tiver dentro de um escopo limitado22. ticos que achavam que havia poucas vantagens
Ainda há certo receio da sociedade acerca das em prescrever eram menos propensos a prescre-
funções prescritivas do farmacêutico, com apoio ver ou a obter a autorização de prescrição, assim
variável. A maioria do público-alvo da pesquisa como aqueles que não acreditavam que a prescri-
de Maclure et al.32, constituída de cidadãos, su- ção fazia parte de seu papel profissional. Os au-
geria que farmacêuticos só deveriam prescrever tores também observaram que os farmacêuticos
para doenças menores ou medicamentos que eram menos propensos a prescrever em situações
consideravam de baixo risco, dentro de sua com- mais complexas, nas quais o paciente utiliza-
petência e apropriados ao seu campo de prática. va vários medicamentos, tinha um diagnóstico
Mas os autores notaram também, nas respostas pouco claro ou não se encaixava nas diretrizes
dos sujeitos, que ter uma experiência prévia com clínicas típicas. De outro modo, em situações em
farmacêuticos ou ter um farmacêutico de con- que o farmacêutico sentia domínio do problema,
fiança os tornava mais receptivos à prescrição a intenção de prescrever era maior. Quando os
desses profissionais. farmacêuticos tinham hábito prescritivo, eles
Quando médicos e farmacêuticos parecem mencionavam vantagens da prescrição para sua
discordar sobre o papel prescritivo do farmacêu- própria prática profissional, como aumento do
tico, o discurso sobre a segurança do paciente é seu senso de profissionalismo, melhoramento
geralmente o ponto central das opiniões confli- da autoimagem como profissional de saúde e da
tantes. Esse desencontro acontece em relação à própria satisfação no trabalho.
prescrição independente. Enquanto médicos di- O campo da prática e a modalidade da pres-
ziam que a prescrição do farmacêutico significa crição exercem impactos diferentes sobre a ado-
um perigo para os pacientes, os farmacêuticos ção da prescrição. Em um estudo longitudinal no
também questionavam a segurança da prescrição Reino Unido com farmacêuticos um ano após
médica, dada a magnitude dos problemas rela- receberem a autoridade prescritiva, apenas 25%
cionados com medicamentos que ocorrem em prescreviam ativamente, sobretudo na área hos-
locais sem prescrição de farmacêutico, e argu- pitalar, com pouca ou nenhuma atividade em ou-
mentavam que, em vez de gerar prejuízo, a pres- tros ambientes, e essencialmente na modalidade
crição de farmacêuticos aumentaria a segurança dependente28.
por meio do envolvimento mais proativo deles na
gestão da terapia medicamentosa do paciente35,36. Barreiras à prática
Foi notável nos estudos que os farmacêuticos
têm uma noção muito clara de responsabilidade Nos estudos selecionados para a revisão, os
no ato de prescrever. Isso, por vezes, gerava certo pacientes manifestavam alguns receios a respeito
temor inicial de prescrever, mas que ia se dissi- da prescrição farmacêutica: aprovavam a prescri-
pando com a experiência. Além disso, contribuía ção só em casos menos graves23, condições crôni-
para que eles documentassem bem o processo cas, nas quais haveria certo controle21 ou áreas de
prescritivo e ampliassem o tempo e a atenção atuação pré-determinadas31. Desconfiavam que
sobre outras funções tradicionais, como revisão os farmacêuticos não teriam acesso às informa-
da situação clínica dos pacientes e o monitora- ções clínicas de registro médico necessárias para
mento da farmacoterapia24,29. Os farmacêuticos fazer uma avaliação21, ou mesmo se preocupa-
também valorizavam a prescrição sob um con- vam em relação ao sigilo sobre esses dados23.
texto de equipe interprofissional para a gestão Os estudos com farmacêuticos mostraram
de pacientes com condições de longo prazo e que estes têm grande interesse na prática da pres-
multimorbidades, pois poderia trazer diferentes crição, mas manifestam, como barreiras para a
vantagens para o exercício prescritivo, resultando prática, uma necessidade de maior treinamento,
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aquisição de conhecimento e desenvolvimento de rização para prescrever na modalidade indepen-
habilidades22,26,29,37. Essa necessidade pode não se dente na maioria das províncias, é fundamental
mostrar homogênea, pois dependia do perfil do que o farmacêutico saiba as condições para ob-
farmacêutico com relação ao número de anos na tê-la. Mesmo assim, estudos observaram que a
prática, ao ambiente da prática (comunidade ou maioria dos farmacêuticos desconhecia certos
hospital), à educação prévia e ao status de auto- pré-requisitos para obter a autorização de pres-
rização para prescrição adicional37. Nesse estudo crição ou as práticas de prescrição possíveis24,29.
canadense, os autores notaram que farmacêuti-
cos com muito tempo de experiência (mais de 20
anos) e em ambiente de trabalho não-colabora- Discussão
tivo (farmácia comunitária) relatavam com mais
ênfase a necessidade de treinamento adicional. Esta é a primeira revisão de literatura escrita em
Farmacêuticos recém-formados do Reino português sobre a prescrição farmacêutica prati-
Unido, ainda sem registro e treinamento, de- cada no mundo. Foram exploradas as experiên-
monstraram preocupação sobre sua própria cias e visões dos pacientes, bem como as opiniões
competência para prescrição, ressaltando falta de do público geral, dos farmacêuticos, dos médicos
habilidades diagnósticas, sentindo-se mais con- e demais interessados em relação à prescrição
fortáveis com a prescrição no modelo dependen- farmacêutica, apresentando um caráter explora-
te, que necessita de um pacto com um profissio- tório sobre a recepção da atividade por distintos
nal médico33. públicos.
A falta de estratégia organizacional que esti- Outros trabalhos de revisão sobre o assun-
mule a prescrição farmacêutica, o receio de um to5,6,16,38-40 foram publicados em outros idiomas.
aumento de responsabilidade e da carga de tra- Essas revisões, de maneira geral, notaram que as
balho eram apontados como barreiras à iniciação barreiras para a implantação da prática da pres-
da prescrição. Somam-se a esses fatores a falta de crição não-médica (incluindo farmacêutica) são
financiamento específico para a atividade, a bu- multifatoriais e que, para a prática ser bem-su-
rocracia envolvendo o plano de gerenciamento cedida, deve envolver todas as partes interessa-
clínico, a falta de apoio governamental das regio- das, em uma abordagem coordenada. Questões
nais de saúde e sua relutância em criar estímulos pessoais, de compreensão sobre qual sua “área de
para a prática. Outro ponto citado foi a falta de competência” e do relacionamento entre os pro-
conhecimento geral dos demais profissionais de fissionais de saúde, foram relevantes para a pres-
saúde sobre a prática28,33. crição ocorrer. E o impacto da atividade prescri-
No estudo de Feehan et al.22, os farmacêuticos tiva nas opiniões e resultados dos pacientes e nas
que não tinham interesse em prescrever alega- opiniões dos médicos e outros profissionais de
vam falta de treinamento, somado à preocupação saúde era geralmente positivo.
quanto à reação de médicos e outros prestadores Pode-se considerar que a literatura que aborda
de cuidados de saúde, que poderiam não ser re- o assunto ainda é limitada aos países que regula-
ceptivos à prática, entendendo a prescrição far- rizaram a prescrição farmacêutica há mais tempo
macêutica como uma ameaça ao seu negócio e, e apresentam variedade maior na prática, como
de forma mais sutil, à sua posição profissional. Reino Unido e Canadá. No Canadá, as possibilida-
A falta de um ambiente de trabalho em equi- des de prescrição farmacêutica diferem por pro-
pe mostrava-se, para os farmacêuticos, uma bar- víncia, e isso se refletiu nos resultados, com maior
reira à iniciação da prescrição. Em um estudo número de estudos na província de Alberta, onde
com farmacêuticos recém autorizados a prescre- a prática encontra-se mais avançada.
ver28, os sujeitos acreditavam que os farmacêuti- Esta revisão de literatura não encontrou arti-
cos hospitalares estavam em uma posição ideal gos publicados com experiências brasileiras sobre
para a prescrição dependente e enxergavam di- o assunto. Essa ausência é um achado importante,
ficuldades de execução da prescrição na prática que sinaliza uma ainda incipiente produção aca-
da farmácia comunitária, muito pela distância dêmica nessa área no Brasil, o que provavelmente
natural do prescritor independente e pela maior reflete uma prática não consolidada da prescri-
facilidade, no ambiente hospitalar, de acesso aos ção farmacêutica no país. Essas afirmações en-
registros dos pacientes. contram maior consistência quando os autores,
O conhecimento sobre a própria regulação da de forma experimental (fora da coleta de dados
prescrição se faz relevante para a adoção da prá- aqui apresentados), aumentaram a amplitude da
tica. No Canadá, como é preciso obter uma auto- pesquisa (literatura cinzenta) para buscar artigos
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Ramos DC et al.

de experiências brasileiras. Ação que também não grupo de sujeitos interessados, apontando: facili-
logrou êxito. A ausência de estudos a respeito da dade de acesso ao farmacêutico; melhores resul-
prática no Brasil faz com que sejam necessários tados do paciente; melhor uso das habilidades e
estímulos para que ela ocorra, tornando a com- conhecimentos dos farmacêuticos; boa comuni-
preensão da prática em outros países um cami- cação com o farmacêutico prescritor; e redução
nho possível para a exploração do tema. da carga de trabalho do médico5,16.
Este estudo de revisão notou que os pacientes Sobre a adesão do farmacêutico à prescrição,
e o público geral (não-pacientes) costumam ex- o que se notou na presente revisão é que ela não
pressar diferentes visões sobre a expansão da atu- é homogênea, estando relacionada à percepção
ação farmacêutica na prescrição21-23,25,27,31,32. São que esse profissional tem da própria atividade
favoráveis, de maneira geral, à prescrição, mas de prescrição, da percepção de seu papel pro-
receosos quanto aos limites da prática, e muitas fissional, das exigências que acredita haver para
vezes desconhecem como ocorre a prescrição far- prescrever e do ambiente de trabalho onde está
macêutica e a capacitação dos farmacêuticos para inserido.
o ato21-23,25,27,31,32. Notou-se que muito do desco- Para Hughes et al.24, o conceito de prescrição
nhecimento da prática vinha da falta de vivência farmacêutica é relativamente novo e pode exigir
nesse atendimento com um farmacêutico31,32. uma redefinição da identidade profissional. As-
O processo de consolidação de novas práticas sim, à medida que mais farmacêuticos expandem
profissionais pode se mostrar demorado. A pro- sua prática dentro do contexto das estruturas
fissão farmacêutica no mundo viveu profunda legislativas, é bem possível que suas visões sobre
transformação histórica. A partir da expansão prescrição e identidade profissional também evo-
da industrialização dos medicamentos, a função luam.
tradicional de produzir o medicamento para o Barreiras relacionadas ao ambiente de traba-
paciente praticamente deixou de existir e o far- lho (tempo adequado, estrutura da farmácia, ga-
macêutico precisou encontrar outro modelo de rantia de privacidade e acesso a dados), regulação
prática na farmácia comunitária. Essa nova e ne- (preocupações relacionadas à responsabilidade)
cessária direção da prática farmacêutica demo- e apoio de outros profissionais (relacionamento
rou a acontecer, mas hoje se afirma na proposta farmacêutico-médico) estavam presentes. Barrei-
de tratar o paciente como o foco principal, em ras semelhantes foram identificadas em revisão
um esforço de proporcionar para o paciente re- feita por Zhou et al.6
sultados satisfatórios na saúde, melhorando sua Apesar das barreiras descritas, os farmacêu-
qualidade de vida41,42. No contexto brasileiro, em ticos, quando prescreviam, viam efeitos muito
que as demandas por atenção à saúde não são positivos para sua satisfação profissional, para a
plenamente atendidas e a farmácia comunitária qualidade do atendimento farmacêutico-pacien-
acaba por ocupar lugar como estabelecimento te e para a melhoria da assistência à saúde. Para
de saúde mais acessível à população, a autome- Lloyd et al.28, exercer a prescrição gera transfor-
dicação e a indicação terapêutica tornaram-se mação na confiança do farmacêutico e no con-
práticas comuns43. Uma transição de um cená- tato com o paciente, com melhorias percebidas
rio de automedicação e indicações informais de na continuidade, qualidade e segurança do aten-
medicamentos por balconistas e farmacêuticos dimento.
para uma prática documentada e profissional de A investigação de barreiras à execução de
prescrição farmacêutica representa um objetivo uma prática inovadora em uma profissão tradi-
traçado pela regulação da prescrição farmacêu- cional é essencial para traçar caminhos de estí-
tica no Brasil, com a resolução CFF n° 586/1344. mulo à sua prática. Como argumentam Batra et
Neste estudo, pacientes e público geral tende- al.45, uma única mudança legislativa pode não ser
ram a demonstrar mais apoio quando possuíam suficiente para alterar a prática de forma eficaz e
histórico de atendimento com um farmacêutico rápida. Então é preciso conhecer as particulari-
prescritor. A percepção desse público era de que: dades da adesão à prática para desenhar estraté-
os farmacêuticos fornecem informações minu- gias de superação.
ciosas; são acessíveis e didáticos; investem tempo Quanto ao ambiente de prática, esta pesqui-
para determinar o melhor tratamento e a segu- sa observou que naqueles onde o farmacêutico
rança dos medicamentos; e são abertos a explicar trabalha em parceria com outros profissionais de
o suficiente sobre a condição médica do pacien- saúde, especialmente médicos, a prescrição far-
te21. Outras revisões também encontraram pon- macêutica acontece com maior fluidez, em geral
tos de vistas e experiências positivas do mesmo de forma colaborativa. Já os farmacêuticos que
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trabalham de maneira independente costumam da associação médica se opunham à prescrição
sentir maior dificuldade e receio de prescrever. farmacêutica, argumentando que colocaria em
Para Weiss e Sutton46, mesmo com a autorização risco a segurança do paciente, em contraste, do-
para prescrever, farmacêuticos podem se enxer- cumentos das organizações farmacêuticas argu-
gar como subordinados dentro de uma hierar- mentavam justamente o contrário. Esse tipo de
quia dominada pela medicina, buscando uma conflito também foi apontado em estudos em
aprovação do médico antes de prescrever medi- outros países que buscam a expansão da autori-
camentos. dade prescritiva do farmacêutico2.
Foi comum os farmacêuticos manifestarem Uma limitação do presente estudo diz res-
demanda por mais treinamento e capacitação, peito à escolha dos idiomas inglês, português e
seja para começar a prescrever ou prescrever de espanhol, pois, apesar de proporcionarem uma
maneira independente. Quando os entrevistados busca abrangente, podem não ter contemplado
sentiam que tinham as habilidades necessárias materiais publicados em outros idiomas nas ba-
para a atividade, eram mais propensos a fazê-la. ses. Outra limitação é a não ampliação dos tex-
Quando mostram o receio de farmacêuticos tos para além dos que foram encontrados nas
iniciarem a prescrição26,33, os resultados servem plataformas de pesquisa, porém essa medida foi
de alerta para uma reorganização dos programas necessária diante do objetivo do estudo. Por fim,
educacionais de formação de graduação para a é também importante considerar que, apesar do
profissão. É necessário que preparem o farma- esforço de considerar bases de dados de grande
cêutico com habilidades clínicas e gerenciais que relevância na área de pesquisa em saúde, a estra-
o capacitem para propor a implementação de tégia metodológica adotada não pressupõe uma
novos serviços farmacêuticos, como a prescri- revisão exaustiva de todos os artigos já produzi-
ção dentro das organizações em que trabalharão. dos sobre o assunto.
Farmacêuticos motivados a aplicar seus conheci-
mentos e habilidades proporcionarão aumento
no apoio da sociedade, dos outros profissionais Considerações finais
de saúde e da própria categoria farmacêutica à
atividade prescrita. Diante da literatura científica encontrada a par-
McIntosh et al.33, observando o cenário no tir desta revisão, pode-se concluir que existe uma
Reino Unido, sugerem como provável caminho variedade de percepções das partes interessadas
uma revisão da formação de farmacêuticos e do sobre a prescrição farmacêutica. O público em
treinamento de pré-registro para um possível pro- geral costuma mostrar desconhecimento a res-
grama integrado que leve à graduação e ao regis- peito da prática, com apoio variado. A atividade
tro, promovendo uma contextualização da apren- da prescrição farmacêutica foi regulada há mais
dizagem de forma mais clinicamente focada. de dez anos no Reino Unido e no Canadá, mas
Nos EUA, onde a prescrição é majoritaria- ainda é desconhecida para grande parte de sua
mente dependente, a expansão da prescrição tem população. Sendo assim, entende-se que um tem-
acontecido com rapidez, de maneira variável a po maior é necessário para que uma nova prática
depender do estado e com novos modelos de prá- seja de amplo conhecimento da população.
tica47. Esse avanço é acompanhado pelo desejo da Os estudos mostraram que a prescrição far-
categoria profissional, que manifesta o interesse macêutica em geral é aceita na prática, mas não
em exercer a atividade48. Adams et al.13 acreditam amplamente prevalente. Em grande parte, isso
que, à medida que o público e outros prestado- pode ser atribuído a barreiras logísticas e orga-
res de serviços de saúde se acostumarem mais nizacionais. Embora os farmacêuticos estejam
com a ideia de prescrição farmacêutica, modelos sendo treinados como prescritores, as mudanças
de prescrição independente (pouco comuns nos estruturais e organizacionais necessárias para
EUA) se tornarão mais amplamente utilizados apoiar essa mudança não aconteceram em con-
para uma gama mais ampla de medicamentos. junto. Para aumentar a difusão dessa inovação
O apoio condicional dos médicos à modali- prática, uma reorganização radical das estruturas
dade da prescrição farmacêutica tornava propí- tradicionais pode ser considerada.
cio a existência de conflito de narrativas, o que Os resultados deste estudo mostram que
foi visualizado em um estudo35 que aponta con- avanços na área da prescrição farmacêutica são
fronto nas visões da Associação Farmacêutica recentes e já significativos, mas que a categoria
de Ontário e da Associação Médica de Ontário. profissional farmacêutica ainda está diante de
Enquanto os representantes e os documentos grandes e inúmeros desafios para consolidar a
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Ramos DC et al.

prática no campo da atenção à saúde. Estudos provisão de atividades clínicas que envolvam o
que objetivem conhecer as barreiras de aceitação acompanhamento farmacêutico.
e da adesão à prática da prescrição farmacêuti- Apesar de os resultados não mostrarem pes-
ca são fundamentais para o direcionamento de quisas executadas no Brasil, o conhecimento da
ações educativas que visem contornar essas difi- experiência internacional é extremamente válido
culdades. Por ser uma inovação em saúde, é es- para antecipar cenários possíveis no país. Desta-
perada uma resistência natural à mudança, em ca-se, também, que mais estudos são necessários
um campo tão tradicional quanto a assistência para que seja possível conhecer com mais pro-
à saúde. A vantagem que os farmacêuticos pos- fundidade a prática da prescrição farmacêutica
suem nesse campo é a confiança da população na nos países que a adotaram.

Colaboradores

DC Ramos contribuiu com a concepção do es-


tudo, delineamento metodológico, busca, análise
e interpretação dos dados, e redação do artigo. L
Ferreira e GA Santos Júnior colaboraram na revi-
são do manuscrito. LR Ayres e CDD Esposti con-
tribuíram na concepção do estudo, delineamento
metodológico, revisão do manuscrito e aprova-
ção da versão final a ser publicada.
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