A PROMESSA DE COMPRA E VENDA NO NCC REFLEXOS DAS INOVAÇÕES NAS ATIVIDADES NOTARIAL E REGISTRAL

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TÍTULO IX

Do Direito do Promitente Comprador

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento,
celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire
o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou
de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda,
conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do
imóvel.

A PROMESSA DE COMPRA E VENDA NO


NCC REFLEXOS DAS INOVAÇÕES NAS
ATIVIDADES NOTARIAL E REGISTRAL

Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza

1)Introdução;
2)O direito real do promitente comprador e a adjudicação compulsória;
3)A instrumentalização da promessa;
4) A aplicação dos arts. 467 a 471 aos compromissos decompra e venda;
5) Conclusões.
1) Introdução
A vigência do novo Código Civil trouxe inovações relativas aos compromissos de
compra e venda, contidas nos arts. 1.225, VII, 1.417, e 1.418, ensejando
reflexões no confronto com o art. 108 e com dispositivos de leis especiais não
expressamente revogadas pelo novel diploma. Exige abordagem, também, a
aplicação dos arts. 467 a 471, que cuidam do contrato com pessoa a declarar,
às promessas de compra e venda.

A promessa de compra e venda é espécie de contrato através qual uma pessoa,


física ou jurídica, denominada promitente ou compromitente vendedora, se
obriga a vender a outra, denominada promissária ou compromissária (ou
promitente) compradora, bem imóvel por preço, condições e modos pactuados.

A forma do contrato em foco, seus efeitos e sua execução têm sido alvo de
diversas discussões doutrinárias, dando origem a diferentes correntes
jurisprudenciais e merecendo, outrossim, atenção do legislador, com sucessivas
alterações nas normas referentes aos contratos de promessa de compra e
venda, culminando com a introdução, no Código Civil de 2002, dos arts. 1.417 e
1.418, que tratam do direito do promitente comprador.

As novas regras afetam, de forma induvidosa, algumas posições de


jurisprudência (conduzem à ineficácia, por exemplo, o verbete 239 da
Súmula do STJ., que dispensava o registro imobiliário para exercício do direito
à adjudicação compulsória), e exigem nova análise dos doutrinadores quanto a
lições embasadas na legislação anterior (relativas, por exemplo, à forma do
contrato).
Este estudo preliminar abordará, de forma sucinta, as questões quanto à forma
do contrato de promessa de compra e venda e os efeitos de seu registro, que
atinem às atividades notarial e registral, bem como o cabimento da
cláusula pro amico eligendo (art. 467 do C.C.) nos contratos em foco.
2) O direito real do promitente comprador e a adjudicação
compulsória.
O art. 1.088 do Código Civil de 1916, no dizer de Caio Mário da Silva Pereira
(Instituições de Direito Civil - Forense), é “o ponto de partida” da série de fases
em nosso direito envolvendo a promessa de compra e venda. Nos termos do
artigo citado, podia o promitente, antes de celebrado o contrato definitivo,
arrepender-se.

Maria Helena Diniz, no Curso de Direito Civil Brasileiro – Saraiva, sintetiza as


fases referidas pelo ilustre civilista mineiro, referindo-se à falta de escrúpulodos
promitentes vendedores que “preferiam, valendo-se do direito de
arrependimento, sujeitar-se ao pagamento das indenizações, que quase sempre
consistia na devolução do preço em dobro, a terem de passar a escritura
definitiva, o que seria desvantajoso, sob o prisma econômico”. A prática foi
coibida pelo Decreto-lei 58/37, que visando a segurança das relações jurídicas e
o bem-estar coletivo, conferiu ao promissário comprador direito real sobre
o lote compromissado. Prossegue a doutrinadora lecionando que o Decreto
3.079/38 estendeu às escrituras de promessa de compra e venda de
imóveis não-loteados os efeitos do Decreto-lei 58/37, sendo efetivamente
criado o direito real de promessa de venda com a alteração do art. 22 do
Decreto-lei 58/37 pela Lei 649/49, que dispôs no art. 1º que “os contratos, sem
cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda e cessão de
direitos de imóveis não-loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua
constituição ou deva sê-lo em uma ou mais prestações, desde que inscritos a
qualquer tempo, atribuem aos compromissários direito real, oponível a
terceiros, e lhes confere o direito de adjudicação compulsória” (com redação da
Lei 6.014/73). O art. 25 da Lei 6.766/79 atribui direito real a compromissos de
compra e venda, cessões e promessas de cessão, estando registrados,
atribuindo o art. 69 daLei 4.380/64 eficácia de direito real ao contrato de
promessa de cessão de compromisso registrado.
Divergem os doutrinadores quanto à classificação do direito real decorrente do
registro da promessa de compra e venda.

Não obstante alguns o entendam como direito real de gozo ou fruição, e outros
como direito real de garantia, antes mesmo da edição do novo Código Civil,
Caio Mário da Silva Pereira invocou Serpa Lopes para asseverar que a promessa
de compra e venda mais se aproximava de “uma categoria de direito real de
aquisição”. Maria Helena Diniz o enquadra como “direito real sobre coisa alheia
de aquisição”. Ocupa, pois, lugar à parte na classificação dos direitos reais,
“formando uma nova categoria”, segundo Arnoldo Wald (Direito das Coisas -
RT).

Decorrência do direito real é o exercício do direito à adjudicação compulsória,


execução coativa do contrato, com registro da carta de adjudicação
transferindo a propriedade do bem imóvel para o promissário comprador
adimplente.

A ausência do direito real de aquisição no rol dos direitos reais do Código Civil
de 1916, sendo previsto apenas em dispositivos esparsos da legislação
extravagante posterior, levou a jurisprudência a vacilar sobre a necessidade do
registro da promessa de compra e venda como requisito para a adjudicação
compulsória.

O verbete mais recente da súmula dos tribunais superiores, anterior à Lei


10.406/02, é o de nº 239, do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: “o
direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do
compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
Em boa hora o novo Código Civil, ao inserir o direito do promitente comprador
do imóvel no elenco dos direitos reais (art. 1.225, VII), e ao discipliná-lo nos
arts. 1.417 e 1.418, resolveu várias discussões sobre o instituto. O legislador,
ciente da evolução legislativa na proteção do promitente comprador, cônscio
também das divergências doutrinárias e jurisprudenciais atinentes à promessa
de compra e venda, andou bem ao trazer para o rol dos direitos reais o direito
do promitente comprador do imóvel, espancando, com as regras domiciliadas
nos arts. 1.417 e 1.418, as controvérsias sobre a classificação do direito real em
questão e sobre a adjudicação compulsória.

Com efeito, deve o direito do promitente comprador ser classificado como


direito real à aquisição do imóvel (art. 1.417, in fine). É efetivamente direito real
sobre coisa alheia, limitado, mas que assegura a execução coativa do contrato,
que se aperfeiçoará com a transmissão da propriedade. Distingue-se dos
direitosreais de garantia poisestes sãoacessórios,enquantoque aquele diz
respeito ao objeto do contrato, à substância do negócio jurídico. Quanto aos de
gozo e fruição, encerram-se em si mesmos.
Regulamentou, outrossim, a nova lei, a adjudicação compulsória, estabelecendo
no art. 1.418 que “o promitente comprador, titular de direito real, pode exigir
do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem
cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o
disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a
adjudicação do imóvel”. Ao cessionário do promitente comprador, que o
substitui na relação contratual, à evidência também cabe o direito à
adjudicação, desde que com título registrado.

Titular de direito real à aquisição é aquele que, nos exatos termos do art. 1.417,
registrou na serventia de registro de imóveis o instrumento de promessa de
compra e venda em que se não pactuou arrependimento.

Assim, é requisito indispensável para a adjudicação compulsória, dentre outros


(que aqui não serão analisados, por escapar ao objetivo), o registro do
instrumento de promessa. A Súmula 239 do STJ perdeu, portanto, eficácia
para os negócios celebrados na vigência do novo Código. Joel Dias Figueira Jr.,
em Novo Código Civil Comentado, coordenação de Ricardo Fiúza, Saraiva,
ressalta a perda de eficácia da súmula em mira, assinalando que o registro “se
trata de condição necessária definida no próprio art. 1.417 do CC, ou seja,
requisito que se opera ex lege para a configuração do próprio direito real, não
podendo ser rechaçado por orientação pretoriana, ainda que sumulada, nada
obstante perfeitamente adequada, antes do advento no novo CC”.
Ao exigir o registro da promessa sem cláusula de arrependimento para a
adjudicação, os art. 1.417 e 1.418 nada mais fazem do que ser fiéis ao sistema
que integram, posto que sendo o direito do promitente comprador direito real
(art. 1.225, VII), e adquirindo-se os direitos reais sobre imóveis constituídos ou
transmitidos por atos entre vivos pelo registro (princípio da inscrição – art.
1.227), é inafastável a necessidade do registro da promessa para que se torne
o promitente comprador titular de direito real e, então, possa exercê-lo erga
omnes. A segurança das relações jurídicas envolvendo promitente vendedor e
promitente comprador, bem como terceiros de boa-fé, só se faz presente com o
registro da promessa,poiseventualadjudicaçãocompulsóriaembasada em título à
parte do fólio real poderia não ser eficaz se, durante o trâmite do processo,o
bem fosse adquirido por terceiro de boa-fé, protegido pela prioridade
decorrente da prenotação de seu título. O contrato teria que serresolvido em
perdas e danos, não se atingindo o fim colimado pela adjudicação. O novo
Código, neste ponto, com acerto prestigia o registro e a segurança dele
decorrente.
3)A instrumentalização da promessa.
Na vigência do Código Civil de 1.916 prevaleceu o entendimento de que a
promessa de compra e venda de bem imóvel poderia ser celebrada, em
qualquer hipótese, por instrumento particular.

Não incluído no rol dos direitos reais na legislação então vigente o direito do
promitente comprador, acabou por predominar a corrente que defendia não ser
o instrumento público da substância do ato.

Bruno Mattos e Silva, em Compra de Imóveis, Atlas, afirma que o compromisso


de compra e venda “pode ser feito por simples instrumento particular”.

Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, Forense, colacionando decisões do


Supremo Tribunal Federal admitindo o instrumento particular na hipótese,
concluiu que “a promessa de venda com cláusula de irretratabilidade, seja o
seu instrumento público ou particular, arma-se, com a inscrição no Registro de
Imóveis, para a execução forçada, podendo versar sobre imóvel loteado,
incorporado ou livre de loteamento ou incorporação.” O renomado autor, ao
historiar o efeito compulsório da promessa de venda em face do vendedor, cita
a alteração do art. 22 do Decreto-lei 58/37 pela Lei 649/49, que alongou o
direito de adjudicação compulsória aos imóveis não loteados, e utilizou o termo
“contrato”, enquanto que na redação anterior constava “escritura”, o que
permitiu conclusão de que a troca foi intencional, para o fim da dispensa da
escritura pública.

Caio Mário da Silva Pereira menciona a controvérsia, a tendência da doutrina e


da jurisprudência na aceitação do instrumento particular, mas leciona que
“plantado no terreno do direito real de promessa de venda, não se poderia em
tese deixar de exigir a forma pública para a sua integração, uma vez que ela é
da substância do ato, em todos os contratos constitutivos ou translativos de
direitos reais sobre imóveis de valor superior à taxa legal, excetuado o penhor
agrícola” (art. 134, II, do CC de 1916) ressalvando a exceção por lei especial
quanto aos terrenos loteados.

Wilson de Souza Campos Batalha, em Comentários à Lei de Registros Públicos,


Forense, enfrenta a questão aprofundadamente, à luz da legislação anterior à
Lei 10.406/02. A tese da inexigibilidade do instrumento público nas promessas
de venda de imóveis, loteados ou não, e independentemente do valor, vingou
no dizer do autor por predominar em nosso Direito “a opinião de que o contrato
preliminar ou pré-contrato origina essencialmente uma obrigação de fazer - a
de contrair o contrato definitivo. Quem promete vender não pratica um contrato
translativo de domínio, consistindo a obrigação fundamental do promitente
num faciendi, não num dandi, aplicando-se à sua formação, por conseguinte, a
regra geral da liberdade de forma consagrada no art. 129 do Cód. Civ. – (de
1916). Ora, se a promessa de venda não é contrato translativo de domínio, não
há porque exigir, para a sua perfeição, a escritura pública”. Invocando Orlando
Gomes, o autor diferencia a executividade específica e a natureza real do
direito do promitente comprador, para rematar que o registro da promessa não
é a causa da admissibilidade da execução in specie, resultando do princípio
geral que toda obrigação deve ser cumprida como se pactuou, e da
irretratabilidade do compromisso. Assim, a adjudicação compulsória derivava
da irretratabilidade, e não do registro da promessa, o que acabou consagrado
pelo STJ (Súmula 239).
Maria Helena Diniz, em edição atualizada, de acordo com o novo Código Civil,
do Curso de Direito Civil Brasileiro, Saraiva, cita a exigência da escritura pública
pelo art. 108 do C.C. de 2002, mas assevera que “razões de ordem prática têm
levado nossos juízes e tribunais a aceitar sua constituição por instrumento
particular, pois a sua insegurança estaria contrabalançada pela exigência do
registro no Ofício de Imóveis, para que o compromissário-comprador adquirisse
o direito real”.

O advento do novo Código impõe a análise da instrumentalização da promessa


sob outros prismas, pois há dispositivos que infirmam argumentos utilizados
para sustentar que o instrumento particular é forma admissível para contratar a
promessa de compra e venda de qualquer bem imóvel.

O art. 108 da lei vigente é de teor seguinte: “Não dispondo a lei em contrário, a
escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à
constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre
imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no
País”.

O direito do promitente comprador é direito real (art. 1.225, VII), que se adquire
com o registro (art. 1.227).

À evidência, a promessa de compra e venda visa a constituição de direito real


sobre imóvel, e portanto é da substância do ato a escritura pública. A promessa
só terá eficácia, que é a aptidão para produzir efeitos (e dentre eles o de
constituir direito real pelo registro), se for lavrada por instrumento público,
ressalvadas as exceções, que se verão à frente.

O robusto argumento de que a execução da promessa se fincava na


irretratabilidade, e não no registro, e portanto útil seria o instrumento
particular, caiu por terra ante à conjugação dos arts. 1.417 e 1.418, pois a
adjudicação compulsória só pode ser agitada por titular de direito real, que se
adquire mediante registro na serventia registral imobiliária. As normas
mencionadas levaram à ineficácia a Súmula 239 do STJ, e garantem efetiva
segurança às relações jurídicas, pelos motivos expostos anteriormente.
Decorrendo da promessa direito real de aquisição, assegurado estará
o contrahere futuro em sendo adimplente o comprador, o que deixa claro que
não se trata de obrigação meramente pessoal, posto que há ingresso no campo
do direito real, exercitável erga omnes. O contrato preliminar de compra e
venda, considerando o direito real que visa a constituir, e a execução coativa
através da adjudicação, apresenta caracteres diversos dos demais contratos
preliminares, pois traz em seu bojo a possibilidade de sua execução com
alcance do exato fim do contrato definitivo, que é a transferência da
propriedade plena. Não se resolve simplesmente em perdas e danos. Em razão
da peculiar situação, o legislador editou normas especiais exigindo para a sua
celebração o instrumento público (art. 108), e dispondo sobre sua execução
(arts. 1.417 e 1.418), não se aplicando a regra geral do art. 462.
A civilista Maria Helena Diniz reconhece em sua obra, outrossim, que o
instrumento particular gera insegurança. Por seu turno, Eduardo José Martínez
Garcia, registrador espanhol, em seu artigo publicado na Revista de Direito
Imobiliário, RT, nº 48, aduz que “al analizar el fraude inmobiliario se señala
como uma de las causas el contrato privado...” Não há porque prestigiar o
instrumento particular contra literal disposição da lei.

A intervenção do tabelião, profissional do direito que deve atuar com


imparcialidade, garantindo publicidade, autenticidade, e especialmente eficácia
e segurança aos atos que pratica, deve ser estimulada, reservando-se o
instrumento particular para situações especialíssimas.

E situações há em que o instrumento particular éadmitido.

O art. 1.417, que cuida do direito do promitente comprador, refere-se à


promessa de compra e venda celebrada por instrumento público ou particular,
devendo o intérprete se socorrer do dispositivo que trata da forma dos negócios
jurídicos para verificar quando se utiliza o instrumento público ou o particular.
Em regra, o instrumento público, como já dito, é essencial à validade dos
negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou
renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o
maior salário mínimo vigente no País (art. 108). A contrario sensu, os negócios
que dizem respeito a imóveis de valor igual ou inferior ao limite fixado, podem
ser celebrados por instrumento particular. Contudo, a cautela recomenda a
utilização do instrumento público, com a assistência de profissional do direito e
observância de todas as normas para sua lavratura, gozando de presunções
que não alcançam os documentos particulares.
O art. 108 admite, outrossim, outras exceções, aos estabelecer a regra do
instrumento público “não dispondo a lei em contrário”. Não contém a lei
palavras inúteis.

Encontramos, na legislação extravagante anterior ao novo Código, exceções


que estão, S.M.J., em vigor .

Quanto à vigência da legislação extravagante ante o advento do novo Código


Civil, permanece íntegra naquilo que com ele não for incompatível.

As disposições especiais referentes aos instrumentos particulares constantes do


Decreto-lei 58/37, das Leis 4.380, 6.766 e 9.514 permanecem em vigor, no que
não houver confronto com a nova legislação. Seus dispositivos se baseiam em
razões diversas das que conduziram o legislador de 2002 a exigir o instrumento
público como regra. São outros o objeto, o espírito e fim das disposições
especiais.

Joel Dias Figueira Jr., na obra já citada, assinala que “continua em vigor toda a
legislação extravagante correlata ao tema referente ao compromisso de
compra e venda”.

Assim, em vigor o art. 11 do Decreto-lei 58/37, o art. 26 da Lei 6.766, o § 5º do


art. 61 da Lei 4.380 e o art. 38 da Lei 9.514, exceções a admitir o instrumento
particular.

Sucede que as situações são excepcionais.

A legislação relativa aos parcelamentos do solo (Decreto-lei 58/37 e Lei 6.766)


exige o depósito de um memorial no Registro de Imóveis, do qual consta o
contrato-tipo (Dec.-lei 58) ou o exemplar do contrato-padrão de promessa de
venda (Lei 6.766), tendo esta enumerado no art. 26 indicações obrigatórias do
contrato, visando a proteção do comprador. Qualquer pessoa pode examinar o
processo de loteamento e os contratos depositados, livre de emolumentos (art.
24). O contrato-padrão rege as relações entre as partes quando o devedor não
cumpre a obrigação (art. 27). Como se vê, há uma proteção à parte
teoricamente mais fraca na relação, que se sujeita a um contrato-padrão que
passou pela qualificação do registrador, consta de acervo público e que, como
contrato de adesão que é, merece interpretação mais favorável ao aderente,
nos termos da Lei 8.078 (Código do Consumidor) e dos arts. 423 e 424 do
Código Civil.
A Lei 4.380/64 está impregnada pelo interesse social, visando estimular a
construção de habitações de interesse social e o financiamento de aquisição da
casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda (art.
1º). As entidades autorizadas a contratar nos termos da lei operam sob
fiscalização do Poder Público e aplicam-se, assim como nos parcelamentos, as
normas que protegem o consumidor nos contratos de adesão. Ressalte-se,
contudo, que na hipótese não se tem atingidos os fins de economia de tempo e
despesas para o adquirente (previstos no texto legal), em razão dos
procedimentos adotados e dos valores cobrados pelas entidades do SFH.

Quanto à Lei 9.514/97, que tem por finalidade promover o financiamento


imobiliário em geral, aplica-se o que foi dito sobre a Lei 4.380/64.

As exceções contempladas são, portanto e como afirmado, especialíssimas.

Assim, em se tratando de promessa de compra e venda, admite-se o


instrumento particular apenas incidindo hipótese de lei extravagante ou
ocorrendo a exceção do art. 108 do Código Civil. Nos demais casos, é essencial
à validade do negócio jurídico a escritura pública.

Recebendo o registrador o instrumento particular de promessa de compra e


venda que não se enquadre nas exceções legais, deve qualificá-lo
negativamente, por não ser admitido a registro nos termos do art. 221 da Lei
6.015.

4)A aplicação dos arts. 467 a 471 aos compromissos de compra e


venda.
Inovação no direito pátrio, o contrato com pessoa a declarar é instituto já
regulado no direito civil português e italiano. O negócio jurídico é celebrado
com a inclusão da cláusula pro amico eligendo, que permite a um dos
contratantes indicar outra pessoa que o substitua na relação contratual,
adquirindo os direitos e assumindo as obrigações dele decorrentes.
O Desembargador e Professor paulista Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra
Principais Inovações no Código Civil de 2002, Saraiva, ao comentar o instituto,
diz que “trata-se de avança comum nos compromissos de compra e venda de
imóveis, nos quais o compromissário comprador reserva a si a opção de receber
a escritura definitiva ou de indicar terceiro para nela figurar como adquirente”.
Prossegue o Desembargador para afirmar que a cláusula “tem sido utilizada
para evitar despesas com nova alienação, nos casos de bens adquiridos com o
propósito de revenda, com a simples intermediação do que figura como
adquirente”.

Com efeito, a cláusula é plenamente aplicável aos compromissos de compra e


venda de imóvel. Não há óbice à sua adoção. Equivale em tal espécie de
contrato a verdadeira cessão dos direitos do promitente comprador, à qual anui
o promitente vendedor no momento da celebração do pacto. Efetivamente, ao
constituir a promessa de compra e venda direito real sobre coisa alheia com o
registro, tal direito passa a integrar o patrimônio do credor, e a substituição
deste na relação contratual, com a conseqüente alteração do titular do direito
real (oponível erga omnes), consuma cessão de direitos.
Maria Helena Diniz, ao discorrer sobre os efeitos jurídicos da promessa de
compra e venda , inclui a cessibilidade da promessa pelo promitente
comprador, “valendo a cessão independentemente do consentimento do
promitente-vendedor, ficando, contudo, solidário com o cessionário perante
aquele; entretanto, se houver a anuência do promitente vendedor, não há tal
solidariedade passiva”. A solidariedade mencionada pela civilista é também
referida por Arnoldo Wald (obra citada).
A relevância da inclusão da cláusula pro amico eligendo está em afastar a
solidariedade passiva do promitente comprador/cedente independentemente da
anuência do promitente vendedor no ato da cessão, pois antecipadamente a
admitiu ao contratar nos termos do art. 467 e seguintes da lei civil.
Jones Figueirêdo Alves, no Código Civil Comentado, sob a coordenação de
Ricardo Fiúza, afirma que “aceita a nomeação, retroagem os efeitos do vínculo
sobre o nomeado, ficando o contratante que exercita a faculdade da
cláusula pro amico eligendo, liberado de obrigação. A lei não trata do momento
da liberação, embora possa se concluir que o contratante originário retira-se do
contrato, quando a aceitação operar-se como declaração de vontade e pela
forma vinculada, ocorrendo a substituição”.
Em se tratando de promessa de compra e venda, a inclusão da cláusula em
questão, a meu ver, não evita qualquer despesa. Configurando cessão dos
direitos do promitente comprador, estando o título registrado, importará em
prática de atos no registro imobiliário e pagamento de tributos.

A aceitação da pessoa nomeada somente será eficaz de revestida da mesma


forma que as partes usaram para o contrato (parágrafo único do art. 468). Vale
dizer, exigido o instrumento público para o contrato, deve a aceitação se
revestir da mesma forma. Contudo, nos casos em que se admite o instrumento
particular, não há qualquer óbice que a aceitação se dê por escritura pública,
forma mais solene.

Sendo incapaz ou insolvente a pessoa nomeada, a substituição será ineficaz


com relação ao promitente vendedor, produzindo o contrato seus efeitos entre
os contratantes originários (arts. 470, II, e 471 do C.C).

A substituição do promitente comprador e a ineficácia da nomeação devem ser


objeto da prática de atos no registro imobiliário, que veremos a seguir.

Sendo cessão de direitos, a indicação, devidamente aceita pela pessoa


nomeada, celebrada pelo instrumento adequado com observância de todas as
normas legais aplicáveis, e estando a promessa de compra e venda registrada
(princípio da continuidade), deve ser objeto de registro, nos termos do art. 167,
I, 9, 18 e 20, da Lei 6.015.

O registrador deverá, na qualificação do título, verificar o respeito aos princípios


da especialidade e continuidade, e se estão preenchidos todos os demais
requisitos para uma qualificação positiva, inclusive quanto ao recolhimento do
imposto de transmissão (art. 289 da Lei 6.015) e à apresentação dos
documentos exigidos pela Lei 7.433, seja o instrumento público ou particular,
posto que ubi eadem ratio , ibi eadem legis dispositio.
O art. 155, I, da Carta Magna, estabelece que compete aos Estados e ao Distrito
Federal instituir impostos sobre a doação, de quaisquer bens ou direitos, e o
art. 158, II, dispõe que aos Municípios cabe instituir impostos sobre a
transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de direitos reais
sobre imóveis, exceto de garantia, bem como cessão de direitos a sua
aquisição. Constituindo o direito do promitente comprador direito real, que se
adquire com o registro, a sua transmissão, a título gratuito ou oneroso, importa
em fato gerador do tributo, devendo o oficial do registro de imóveis verificar a
legislação estadual, sendo gratuita a transmissão, ou a municipal, sendo
onerosa, fiscalizando assim o pagamento dos impostos devidos por força dos
atos que pratica em razão do ofício.
Registrada a cessão e verificada a ineficácia da nomeação, produzindo o
contrato seus efeitos entre os contratantes originários, deve o registro da
cessão ser cancelado por averbação (art. 248 da Lei 6.015).
Sendo insolvente o nomeado, o registro poderá ser cancelado por requerimento
unânime do promitente vendedor, promitente comprador e do cessionário, se
capazes, com as firmas reconhecidas, com esteio no inciso II do art. 250 da Lei
6.015. A intervenção tanto do promitente vendedor quanto a do promitente
comprador se impõe vez que as relações entre os mesmos voltarão a ser
regidas pelo contrato original, sendo indispensável a do insolvente
reconhecendo seu estado e a ineficácia da cessão. Embora inexigível que o
promitente vendedor tenha participado da cessão que deu origem ao ato
registrado, não o fez diretamente, mas com o mesmo anuiu ao celebrar o
compromisso com a cláusula pro amico eligendo.
Absolutamente incapaz o cessionário, entendo viável o cancelamento a
requerimento do interessado, desde que a incapacidade possa ser provada de
maneira incontestável, como na hipótese da menoridade (art. 3º, I, do C.C), ou
da interdição (art. 3º,II, do C.C), provadas por certidão do registro civil de
pessoas naturais, aplicando-se o inciso III do art. 250 da Lei 6.015.

Havendo litígio entre os interessados, ou sendo a incapacidade relativa, o


cancelamento deverá decorrer de decisão judicial trânsita (art. 250, I, da Lei
6.015).

Promovido o cancelamento, que é jurídico, o ato não mais produzirá efeitos.

5) Conclusões
5.1- É requisito indispensável para a adjudicação compulsória o registro da
promessa de compra e venda, perdendo eficácia a Súmula 239 do Superior
Tribunal de Justiça;

5.2- O instrumento público, em regra, é essencial à validade da promessa de


compra e venda. O instrumento particular só é admissível em se tratando de
imóveis de valor igual ou inferior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo
vigente no País, ou havendo previsão em lei extravagante (Ex.: Dec.-lei 58/37,
Lei 6.766);

5.3- As normas relativas ao contrato com pessoa a declarar, inseridas no Título


V, Dos Contratos em Geral, aplicam-se ao contrato de promessa de compra e
venda, por não haver qualquer incompatibilidade;

5.4- A indicação da pessoa nos termos da cláusula pro amico eligendo importa
em cessão dos direitos do promitente comprador; estando registrada a
promessa, há transferência de direito real sobre imóvel;
5.5- A cessão nos termos do item anterior importa em pagamento de tributos e
na prática de ato de registro no Registro de Imóveis;

5.6- A ineficácia da nomeação terá como conseqüência o cancelamento do


registro da cessão, por averbação, que se dará a requerimento dos interessados
ou por determinação judicial, dependendo de sua causa.

BIBLIOGRAFIA:

ALVES, Jones Figueiredo. Novo Código Civil Comentado, coordenação de


Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2.002.
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei de Registros Públicos. 2ª
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WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro, Direito das Coisas. 4ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1.980.
* EDUARDO PACHECO RIBEIRO DE SOUZA é Titular do Serviço Registral e
Notarial do 2º Ofício de Teresópolis - RJ., Vice-Presidente do Irib para o Estado
do Rio de Janeiro e ex-magistrado no Estado do Rio de Janeiro

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