Apostila Do Curso Saude Mental Do Adulto

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SUMÁRIO

Política Nacional de Saúde Mental................................................................................. 4

E o que pode ser entendido como uma intervenção em saúde mental? .......................... 5

Ações terapêuticas comuns aos profissionais da Atenção Básica .................................. 6

O cuidado que dá certo em saúde mental ....................................................................... 7

O profissional de Saúde como um interlocutor para a pessoa em sofrimento ............... 8

Potência do acolhimento................................................................................................. 9

A definição de cuidado, sofrimento, pessoa e território ............................................... 11

Interdependência: Sofrimento de pessoas, famílias, comunidades, territórios ............. 17

Territórios existenciais e coesão social ........................................................................ 18

A abordagem da Redução de Danos na Atenção Básica .............................................. 19

Família e sofrimento psíquico: o desafio do protagonismo familiar ............................ 24

A lógica da Atenção Básica à saúde e os recursos para o trabalho com a família


enquanto protagonista do cuidado ............................................................................................ 25

Abordagem familiar: ferramentas e recomendações .................................................... 27

Algumas recomendações para o trabalho com família ................................................. 30

Cuidado da Pessoa que sofre........................................................................................... 34

Situações de saúde mental comuns na Atenção Básica ................................................ 34

Instrumentos de intervenção psicossocial .................................................................... 65

Práticas integrativas e complementares ........................................................................ 71

Medicina Tradicional Chinesa (MTC) ......................................................................... 72

Homeopatia................................................................................................................... 74

Fitoterapia e plantas medicinais ................................................................................... 75

Medicina Antroposófica ............................................................................................... 76


Reatribuição de sintomas somáticos sem explicação médica ....................................... 77

Referências ................................................................................................................. 109


Política Nacional de Saúde Mental

A atual política de saúde mental brasileira é resultado da mobilização de


usuários, familiares e trabalhadores da Saúde iniciada na década de 1980 com o
objetivo de mudar a realidade dos manicômios onde viviam mais de 100 mil pessoas
com transtornos mentais. O movimento foi impulsionado pela importância que o tema
dos direitos humanos adquiriu no combate à ditadura militar e alimentou-se das
experiências exitosas de países europeus na substituição de um modelo de saúde
mental baseado no hospital psiquiátrico por um modelo de serviços comunitários com
forte inserção territorial. Nas últimas décadas, esse processo de mudança se expressa
especialmente por meio do Movimento Social da Luta Antimanicomial e de um projeto
coletivamente produzido de mudança do modelo de atenção e de gestão do cuidado: a
Reforma Psiquiátrica.
Ainda na década de 1980, experiências municipais iniciaram a
desinstitucionalização de moradores de manicômios criando serviços de atenção
psicossocial para realizar a (re)inserção de usuários em seus territórios existenciais.
Foram fechados hospitais psiquiátricos à medida que se expandiam serviços
diversificados de cuidado tanto longitudinal quanto intensivo para os períodos de crise.
A atenção aos portadores de transtornos mentais passa a ter como objetivo o pleno
exercício de sua cidadania, e não somente o controle de sua sintomatologia. Isso
implica em organizar serviços abertos, com a participação ativa dos usuários e

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formando redes com outras políticas públicas (educação, moradia, trabalho, cultura
etc).
O desafio que se coloca é, ao invés de criar circuitos paralelos e protegidos de
vida para seus usuários, habitar os circuitos de trocas nos territórios da sociedade. Isso
leva o desafio da saúde mental para além do SUS, já que para se realizar ele implica na
abertura da sociedade para a sua própria diversidade.
A aprovação de leis estaduais alinhadas com esses princípios ao longo da
década de 1990 reflete o progresso desse processo político de mobilização social não
só no campo da Saúde como também no conjunto da sociedade. Normativas federais
passam a estimular e regular a nascente rede de serviços de base territorial. Em 2001,
após mais de dez anos de tramitação no Congresso Nacional, é sancionada a Lei nº
10.216 que afirma os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Os princípios do movimento
iniciado na década de 1980 tornam-se uma política de estado. Na década de 2000, com
financiamento e regulação tripartite, amplia-se fortemente a rede de atenção
psicossocial (Raps), que passa a integrar, a partir do Decreto Presidencial nº
7508/2011, o conjunto das redes indispensáveis na constituição das regiões de saúde.
Entre os equipamentos substitutivos ao modelo manicomial podemos citar os Centros
de Atenção Psicossocial (Caps), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os
Centros de Convivência (Cecos), as Enfermarias de Saúde Mental em hospitais gerais,
as oficinas de geração de renda, entre outros. As Unidades Básicas de Saúde cumprem
também uma importante função na composição dessa rede comunitária de assistência
em saúde mental, conforme buscaremos mostrar ao longo desse caderno.
Nascidas com a redemocratização, a reforma sanitária e a reforma psiquiátrica
são parte de um Brasil que escolheu garantir a todos os seus cidadãos o direito à saúde.
Não é por acaso que, tanto no campo da Atenção Básica quanto da Saúde Mental,
saúde e cidadania são indissociáveis.

E o que pode ser entendido como uma intervenção em saúde mental?

Os profissionais de Saúde costumam refletir consigo e por vezes ficam em


dúvida sobre quais situações de sua realidade cotidiana necessitam de intervenções em
saúde mental. Ao escrever este caderno, imaginamos que, algumas vezes todo

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profissional de Saúde já tenha se sentido inseguro, surpreso ou sem saber como agir
assim que identificou uma demanda de saúde mental. Também acreditamos ser
provável que em algumas destas situações o profissional se sente improvisando, ou
usando a intuição e o bom senso. Pois bem, para início de conversa, podemos dizer que
estas reflexões e sensações são comuns à prática em saúde. Contudo, sentir-se sem
chão ou sem um saber técnico específico não é indicativo suficiente para definir que
uma intervenção em saúde mental possa estar equivocada.
Entendemos que as práticas em saúde mental na Atenção Básica podem e
devem ser realizadas por todos os profissionais de Saúde. O que unifica o objetivo dos
profissionais para o cuidado em saúde mental devem ser o entendimento do território e
a relação de vínculo da equipe de Saúde com os usuários, mais do que a escolha entre
uma das diferentes compreensões sobre a saúde mental que uma equipe venha a se
identificar.
Mesmo os profissionais especialistas em saúde mental elaboram suas
intervenções a partir das vivências nos territórios. Ou seja, o cuidado em saúde mental
não é algo de outro mundo ou para além do trabalho cotidiano na Atenção Básica. Pelo
contrário, as intervenções são concebidas na realidade do dia a dia do território, com as
singularidades dos pacientes e de suas comunidades. Portanto, para uma maior
aproximação do tema e do entendimento sobre quais intervenções podem se configurar
como de saúde mental, é necessário refletir sobre o que já se realiza cotidianamente e o
que o território tem a oferecer como recurso aos profissionais de Saúde para contribuir
no manejo dessas questões. Algumas ações de saúde mental são realizadas sem mesmo
que os profissionais as percebam em sua prática.

Ações terapêuticas comuns aos profissionais da Atenção Básica

Abaixo, apresentamos algumas ações que podem ser realizadas por todos os
profissionais da Atenção Básica, nos mais diversos dispositivos de cuidado
(CHIAVERINI, 2011):
• Proporcionar ao usuário um momento para pensar/refletir.
• Exercer boa comunicação.
• Exercitar a habilidade da empatia.
• Lembrar-se de escutar o que o usuário precisa dizer.

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• Acolher o usuário e suas queixas emocionais como legítimas.
• Oferecer suporte na medida certa; uma medida que não torne o usuário
dependente e nem gere no profissional uma sobrecarga.
• Reconhecer os modelos de entendimento do usuário.

O cuidado que dá certo em saúde mental

As intervenções em saúde mental devem promover novas possibilidades de


modificar e qualificar as condições e modos de vida, orientando-se pela produção de
vida e de saúde e não se restringindo à cura de doenças. Isso significa acreditar que a
vida pode ter várias formas de ser percebida, experimentada e vivida. Para tanto, é
necessário olhar o sujeito em suas múltiplas dimensões, com seus desejos, anseios,
valores e escolhas. Na Atenção Básica, o desenvolvimento de intervenções em saúde
mental é construído no cotidiano dos encontros entre profissionais e usuários, em que
ambos criam novas ferramentas e estratégias para compartilhar e construir juntos o
cuidado em saúde.
Os profissionais de Saúde realizam diariamente, por meio de intervenções e
ações próprias do processo de trabalho das equipes, atitudes que possibilitam suporte
emocional aos pacientes em situação de sofrimento. Serão apresentadas e
desenvolvidas ao longo deste caderno algumas destas atitudes. Neste capítulo
apresentaremos duas delas:

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O profissional de Saúde como um interlocutor para a pessoa em
sofrimento

Não raramente, os profissionais oferecem atenção e tempo para a escuta, o que


permite um espaço de desabafo para o paciente. A atitude de desabafar e de escutar o
desabafo é comum no dia a dia de muitas pessoas, independentemente de elas
exercerem um ofício profissional relacionado à saúde. Por ser considerada uma prática
do senso comum e não uma técnica específica do profissional de Saúde, a oferta para
escutar atentamente o desabafo pode parecer algo menor se comparado a outras
condutas técnicas. Contudo, essa desvalorização do espaço para a escuta não invalida
sua importância e potência, principalmente no trabalho na Atenção Básica. É uma
primeira ferramenta a ser utilizada pelo profissional de Saúde para que o paciente
possa contar e ouvir o seu sofrimento de outra perspectiva, por intermédio de um
interlocutor que apresenta sua disponibilidade e atenção para ouvir o que ele tem a
dizer. A partir dessa aposta, entendemos que o usuário encontrará no profissional de
Saúde uma pessoa interessada por sua vida e em lhe ajudar. Na medida em que a
unidade de Atenção Básica e seus trabalhadores consigam oferecer o cuidado em saúde
ao longo do tempo, torna-se possível fortificar uma relação de vínculo, e então têm-se
maiores condições de ouvir do usuário aquilo que ele tem a nos contar.
Por vezes o usuário não se dá conta da relação de seus conflitos e seus
sofrimentos com aquilo que ele fala, pensa ou faz. Ter o profissional de Saúde da
Atenção Básica como um interlocutor pode ser uma via para lidar com esses
sofrimentos cotidianos, muitas vezes responsáveis por somatizações ou complicações
clínicas. O exercício de narrar seus sofrimentos, ter a possibilidade de escutar a si
mesmo enquanto narra, além de ser ouvido por um profissional de Saúde atento, por si
só, já pode criar para o usuário outras possibilidades de olhar para a forma como se
movimenta na vida e suas escolhas, além de também ofertar diferentes formas de
perceber e dar significado aos seus sofrimentos. Outras vezes, caberá ao profissional
de Saúde, a partir daquilo que ouviu ou percebeu, devolver ao paciente algumas ofertas
para lidar com situações que aumentam o sofrimento. A segurança para realizar estas
orientações virá do vínculo produzido com o usuário ao longo do tempo. Cabe destacar
que isso é possível justamente porque o profissional de Saúde se dispôs e soube se
colocar como este interlocutor.

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Potência do acolhimento
O acolhimento realizado nas unidades de Saúde é um dispositivo para a
formação de vínculo e a prática de cuidado entre o profissional e o usuário. Em uma
primeira conversa, por meio do acolhimento, a equipe da unidade de Saúde já pode
oferecer um espaço de escuta a usuários e a famílias, de modo que eles se sintam
seguros e tranquilos para expressar suas aflições, dúvidas e angústias, sabendo então
que a UBS está disponível para acolher, acompanhar e se o caso exigir, cuidar de
forma compartilhada com outros serviços.
Estes encontros com os usuários oferecem ao profissional a possibilidade de
conhecer as demandas de saúde da população de seu território. Com este
conhecimento, a equipe de Saúde tem como criar recursos coletivos e individuais de
cuidado avaliados como os mais necessários ao acompanhamento e ao suporte de seus
usuários e de sua comunidade. No campo da Saúde Mental, temos como principais
dispositivos comunitários os grupos terapêuticos, os grupos operativos, a abordagem
familiar, as redes de apoio social e/ou pessoal do indivíduo, os grupos de convivência,
os grupos de artesanato ou de geração de renda, entre outros. Estes dispositivos
também podem ser úteis na abordagem de problemas de saúde de outros campos e,
neste caderno, alguns capítulos serão dedicados a abordar a especificidade de cada um
destes recursos no campo da Saúde Mental, com olhar específico para a Atenção
Básica.

As expectativas e o sofrimento do profissional de Saúde no cuidado em saúde


mental

Pois bem, vamos falar sobre essa sensação de insegurança que permeia as
intervenções de saúde mental. Boa parte da formação dos profissionais de Saúde tem
orientado o seu foco de trabalho na doença. Por essa razão, entre outras, muitas das
expectativas que temos acerca de como lidar com os casos de saúde mental são de
acabar com os sintomas que os usuários expõem. No âmbito da Saúde Mental, muitas
vezes não conseguiremos corresponder a esta tradição e expectativa. E devemos
realmente perguntar se os sintomas manifestados pelos usuários são as causas dos seus
problemas ou se tais sintomas também não estão realizando uma função de indicar que

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algo não vai bem com aquele usuário.
Alguns dos medos revelados pelos profissionais de Saúde sobre o manejo das
demandas de saúde mental são justificados por essa expectativa de cura. Os
profissionais alegam não saber o que falar ou perguntar, tem receios de piorar o quadro
dos pacientes de saúde mental, ou entendem que este campo do saber não lhes é
acessível.
Quando um trabalhador de Saúde conta a um colega sobre uma situação de
saúde mental é comum, virem à cabeça de ambos, questionamentos sobre como lidar
com o caso. Pois bem, sabemos que no contexto da Atenção Básica vivenciamos
diferentes sensações, emoções e sentimentos no convívio com usuários e colegas de
equipe. Neste contexto, é pertinente que questionemos os conhecimentos que temos, as
técnicas que utilizamos, as atitudes e intervenções que realizamos em combinação com
usuários e colegas. E se aprofundamos tais questionamentos, acabamos por refletir
acerca do que iremos perguntar quando estivermos frente a frente com aquele usuário.
Este exercício de reflexão deve ser feito tendo no horizonte que nem sempre haverá
como definir perguntas ou afirmações corretas.
Já mencionamos neste capítulo que o trabalho na Atenção Básica é
longitudinal, ou seja, que o cuidado à saúde das pessoas deve acontecer ao longo do
tempo, independentemente do usuário estar com alguma doença. Portanto, trata-se de
um acompanhamento processual. A proximidade com o usuário, seu território e sua
realidade vão auxiliar a construção deste processo de cuidado em que se espera uma
fortificação do vínculo entre profissional de Saúde e usuário. Por tratar-se de um
processo, mesmo que o profissional se sinta na obrigação de orientar algo ao paciente
em resposta àquilo que este demanda, nem sempre haverá necessidade da pressa.
Por vezes, a sensação de não saber o que se está fazendo pode causar um
sentimento de desconforto, impotência, auto depreciação e até mesmo de culpa nos
trabalhadores de Saúde. Não é nada incomum escutar o relato de um usuário sobre
alguma situação comovente e procurar um colega de trabalho para desabafar ou pedir
uma orientação. No entanto, não há nada de errado nesta atitude. Ela apenas demonstra
claramente que os trabalhadores de Saúde não são insensíveis às situações ocorridas
nos encontros com os usuários. O profissional também tem a necessidade de desabafar
e conseguir visualizar sob outras perspectivas as emoções que o encontro com um
usuário lhe suscitou. A dificuldade de lidar emocionalmente com estes encontros pode
propiciar distanciamento ou resistência ao trabalho com a saúde mental. Portanto, é

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preciso que o profissional realize um esforço de separar emocionalmente as suas
vivências: os valores pessoais das vivências e os valores pessoais dos usuários que
acompanha. Por vezes, pode ocorrer ao trabalhador de Saúde desejar que o usuário
mude aspectos da vida em função de valores pessoais do profissional, os quais podem
não estar em sintonia com a autonomia e os valores pessoais dos usuários. No entanto,
para lidar com isso, é preciso discutir os casos em equipe em espaços protegidos, ou
procurar suporte com equipes de apoio matricial.
É preciso cuidado para que as intervenções de saúde não se transformem em
regras rígidas, sob a consequência de que estas ações estejam apenas baseadas na
remissão dos sintomas, descontextualizadas da vida do usuário e do território em que
ele vive. É preciso que o usuário possa se perguntar sobre a relação do seu sofrimento
com a manifestação sintomática que está acontecendo. Ainda que necessárias para
alguns casos, nem sempre intervenções que se orientem diretamente à supressão dos
sintomas estarão aliadas a uma intervenção positiva na vida do usuário.
Ao longo deste caderno procuraremos discutir de que formas podemos
enfrentar os desafios que se colocam para a realização do cuidado em saúde mental na
Atenção Básica. Terminamos este capítulo propondo um exercício de reflexão, para
que o leitor possa refletir acerca de como está lidando diante das demandas de saúde
mental.

A definição de cuidado, sofrimento, pessoa e território

No mundo ocidental, a maioria de nós, mesmo sem nos darmos conta, enxerga
o mundo a partir de uma separação total entre a mente e o corpo, de forma que um não
se mistura com o outro de modo algum. Diferentes pensadores contribuíram para a
produção desse modo de ver o homem e para a produção desse dualismo mente/corpo
que não nos ajuda a intervir eficazmente no processo de saúde-doença. O filósofo
Descartes, conhecido como o “fundador da filosofia moderna”, dizia que mente e
corpo se tratavam de duas substâncias diferentes. Platão, muito antes, separava o
mundo da matéria, onde tudo é mutável, imperfeito e perecível, do mundo das ideias,
que são eternas, perfeitas e imutáveis. E hoje, esse tipo de visão de mundo se manifesta
quando dizemos que “fulano não tem nada, é psicológico”. Logo, não é de se
surpreender que exista uma enorme dificuldade para que a relação entre estes dois

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campos se configure em um campo de produção conjunta. Na prática, quem lida com
um não lida com o outro.
Desta forma, entendemos que é necessário não só construir um espaço
alternativo de intersecção entre atributos diferentes, mas sim desenvolver uma visão
que supere esta distinção rígida entre mente e corpo em que os fenômenos destas
classes aparentemente distintas sejam compreendidos como parte de um todo integrado
que nos constitui e nos produz.

Em direção a novos objetos de cuidado em saúde, pela vida da Atenção


Básica: cuidado do sofrimento de pessoas

Eric Cassell, importante médico de família americana, aponta para o fato


cotidianamente observável de que existem pessoas que sofrem e não estão doentes (ou
enfermas), e muitas podem estar gravemente doentes (e enfermas) e mesmo assim não
sofrer. A partir daí a obra de Cassell direciona-se a construir esse novo modelo, e nos
ajudar a compreender do que se trata cuidar de pessoas que sofrem. Ao longo deste
capítulo, iremos explorar o alcance de tal equação que comporta três noções
aparentemente simples – cuidado, sofrimento e pessoa – com destaque para a rica
articulação que ela traz ao campo da Saúde Mental na Atenção Básica.
A Saúde Mental e Atenção Básica são campos que convergem a um objeto
comum e o que está em jogo em ambos é a superação das limitações da visão dualista
do homem, a construção de um novo modelo dinâmico, complexo e não reducionista e
a orientação para novas formas de prática na área de Saúde.

O que é uma pessoa?


Toda pessoa tem uma vida passada e as memórias de uma pessoa com tudo o
que ela viveu, aprendeu e experimentou fazem parte da sua vida presente e de como
ela enxerga o mundo. “Roubar das pessoas seu passado, negar a verdade de suas
memórias, ou zombar de seus medos e preocupações fere as pessoas. Uma pessoa sem
passado é incompleta”, diz Cassell.
Toda pessoa tem uma “vida futura” em que deposita seus sonhos, expectativas
e crenças quanto ao futuro que influenciam muito a vida presente. Muitas vezes, um
grande sofrimento pode causar temor em perder essa sua vida futura em virtude de
algum problema de saúde.
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Toda pessoa tem uma vida familiar repleta de papeis, identidades constituídas a
partir da história familiar, propiciando sentimento de pertencimento. As experiências e
histórias familiares também constituem a pessoa.

Toda pessoa tem um mundo cultural. Esse mundo influencia a saúde, a


produção de doenças, define valores, relações de hierarquia, noções de normal e
patológico, atitudes consideradas adequadas frente aos problemas da vida e propicia
isolamento ou conexão com o mundo.
Toda pessoa é um ser político com direitos, obrigações e possibilidades de agir
no mundo e na relação com as pessoas. Problemas de saúde podem contribuir para que
a pessoa se sinta impotente nesta esfera, ou que se considere incapaz de ser tratada
como seus pares em suas reivindicações e possibilidades de ação.
Toda pessoa tem diversos papéis: pai, mãe, filho, profissional, namorado,
amante, amigo, irmã, tio etc. A vivência de cada um deles envolve diferentes relações
de poder, de afeto, de sexualidade etc. As pessoas também são cada um desses papéis,
que podem ser prejudicados em situações de agravo à saúde, além de serem mutáveis.
Toda pessoa tem uma vida de trabalho, que está relacionada a seu sustento e,
possivelmente, de sua família. Muitas pessoas consideram-se úteis por meio do
trabalho, e muitos quase definem a própria identidade por aquilo que fazem. Toda
pessoa tem uma vida secreta, na qual deposita amores, amizades, prazeres e interesses
que não são compartilhados com outras pessoas importantes de sua vida. Todos nós
possuímos necessidade de exercer atividades de automanutenção, de autocuidado e de
lazer.
Um sofrimento considerável pode surgir se uma pessoa é privada de qualquer

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uma ou várias dessas esferas e, ao ignorar isso, o profissional de Saúde deixa de
abordar uma importante causa de sofrimento.
Toda pessoa tem um corpo com uma organicidade e anatomia singular
composto por processos físicos, fisiológicos, bioquímicos e genéticos que o
caracterizam. Mas, além disso, toda pessoa tem um corpo vivido, que é muito diferente
do corpo estudado na Anatomia, na Biologia e na Bioquímica. Cada um tem uma
relação com o próprio corpo que envolve história pessoal, pontos de exteriorização de
emoções, formas de ocupar o espaço e de se relacionar com o mundo. O corpo é ao
mesmo tempo dentro e fora de mim, podendo ser fonte de segurança e orgulho, ou de
ameaça e medo.
Toda pessoa tem uma autoimagem, ou seja, como ela atualmente se vê em
relação a seus valores, a seu mundo, a seu corpo, e àqueles com quem ela se relaciona.
Toda pessoa faz coisas, e sua obra no mundo também faz parte dela.
Toda pessoa tem hábitos, comportamentos regulares dos quais pouco se dá
conta, que afetam a própria vida e a dos outros e que podem ser afetados por
problemas de saúde.
Toda pessoa tem um mundo inconsciente, de modo que faz e vive um grande
número de experiências que não sabe explicar como e por quê.
Toda pessoa tem uma narrativa de si e uma dos mundos, algo que junte todas as
experiências de vida passadas, presentes e o que se imagina do futuro, em um todo,
que “faça sentido” para aquela pessoa.
Quase toda pessoa tem uma dimensão transcendente, que se manifesta na vida
diária com valores que podem ou não ter a ver com religião. É a dimensão que faz com
que a pessoa se sinta como parte de algo atemporal e ilimitado, maior que sua vida
comum – seja Deus, a história, a pátria ou qualquer coisa que ocupe esse lugar na vida
de um indivíduo.
E assim por diante, em uma lista tão grande quanto à complexidade e à
criatividade de cada vida.
À medida que as pessoas interagem com os ambientes em que vivem, essas
esferas, que compõem as pessoas, vão se constituindo e formando sua própria história,
cada uma seguindo uma dinâmica própria com regras e parâmetros para um modo de
viver específico. Paralelamente, as esferas influenciam umas às outras, e cada uma ao
conjunto que é a pessoa, ou seja, embora autônomas, são interdependentes.
Podemos visualizá-las como um grupo de bolas magnéticas de diferentes

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tamanhos, as quais se mantêm acopladas, unidas, porém sem perder suas existências
individuais, formando algo como um grande cacho de uvas. Em suas dinâmicas
particulares estabelecem relações de complementariedade, de concorrência, de
antagonismos, de sinergias, de sincronias e dissincronias, de mútua alimentação, de
saprofitismos, parasitismos etc. O todo dessas esferas e todas suas relações compõem o
que chamamos de uma pessoa, que pode se apresentar dos modos os mais distintos e
aparentemente incongruentes ou incoerentes, mas a estabilidade fluida dessas esferas
que giram e rodam umas sobre as outras, constituindo um sistema aberto, nos dá a
sensação de identidade. A identidade é vivida e percebida pela preservação de um
conjunto de correlações entre tais esferas, que embora estejam em constante
movimento, tende a manter um conjunto mais ou menos regular de correlações entre
si, o que nos explica porque sentimos que somos os mesmos embora saibamos que nos
transformamos a cada dia.

O que é o sofrimento?
Pois bem, é sobre essa pessoa complexa, descrita
anteriormente, que emergem os fenômenos os quais damos o
nome de doenças. Deixando as questões causais e as redes de
determinações, podemos entender a doença como sendo o
surgimento de uma nova dimensão, uma nova esfera no conjunto
preexistente. Esta nova esfera vai influir nas outras esferas de
acordo com as relações que se estabelecerem entre elas e pelos deslocamentos e
modificações das correlações prévias.
Sofrimento não é o mesmo que dor, embora a dor possa levar a um sofrimento,
mas não é qualquer dor que nos faz sofrer. Da mesma forma, o sofrimento não
equivale a uma perda, embora as perdas possam, ocasionalmente, nos fazer sofrer.
Sendo assim, partindo desta perspectiva multidimensional e sistêmica proposta
por Cassell, podemos entender o sofrimento como essa vivência da ameaça de ruptura
da unidade/identidade da pessoa. Tal modelagem nos permite que a abordagem do
sofrimento psíquico – seja ele enquadrado nas situações descritas como sofrimento
mental comum ou nos casos de transtornos graves e persistentes, como as psicoses –
possa adquirir maior inteligibilidade e estratégias de ação mais racionais, abrangentes,
e menos iatrogênicas. Frente a este objeto, as intenções, os objetivos e as metas por
trás das ações do profissional de Saúde se modificam. Sendo assim, torna-se

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fundamental para o profissional da AB manter-se atento às diversas dimensões do
sujeito que se apresenta a sua frente.
O que é cuidado?
Tendo em vista que cada pessoa é um conjunto de dimensões diferentes com
relações distintas entre cada esfera, devemos, em cada encontro com a pessoa que
sofre, dar atenção ao conjunto dessas esferas, em uma abordagem integral, e assim
identificar quais transformações ocorreram, como cada mudança influiu em cada uma
das esferas, quais correlações estão estagnadas ou ameaçadas, enfim, o que está
provocando adoecimento e o que está em vias de causar adoecimento. Da mesma
forma, devemos identificar que esferas ou relações propiciam mais movimento,
estabilidade e coesão ao conjunto. Poderemos então elaborar estratégias de intervenção
em algumas ou várias dessas esferas, dentro de uma sequencia temporal, e buscando
reintroduzir uma dinâmica de dissipação das forças entrópicas para reduzir o
sofrimento e promover a retomada da vida. O esforço em realizar esse exercício com
os usuários e os familiares pode se chamar de Projeto Terapêutico Singular.
Ou seja, um projeto terapêutico é um plano de ação compartilhado composto
por um conjunto de intervenções que seguem uma intencionalidade de cuidado integral
à pessoa. Neste projeto, tratar das doenças não é menos importante, mas é apenas uma
das ações que visam ao cuidado integral. Um Projeto Terapêutico Singular deve ser
elaborado com o usuário, a partir de uma primeira análise do profissional sobre as
múltiplas dimensões do sujeito. Cabe ressaltar que esse é um processo dinâmico,
devendo manter sempre no seu horizonte o caráter provisório dessa construção, uma
vez que a própria relação entre o profissional e o usuário está em constante
transformação.
É difícil resistir à tendência de simplificações e à adoção de fórmulas mágicas.
Mesmo quando nos propomos a transformar nossa prática em algo aberto e complexo,
enfrentaremos dificuldade e angústia por não saber lidar com situações novas.
Carregamos conosco nosso passado de formação reducionista (seja biológica ou
psicológica) e frente ao desconhecido podemos nos sentir impotentes, de modo que é
fácil recair em explicações simplistas, que nos permita agir de acordo com um
esquema mental de variáveis seguras e conhecidas. Ao focarmos no sofrimento,
corremos assim o risco, enquanto profissionais de Saúde, de negligenciar as dimensões
da pessoa que esteja indo bem, que seja fonte de criatividade, alegria e produção de
vida, e ao agir assim, podemos influenciá-la também a se esquecer de suas próprias

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potencialidades.
Quando alguém procura um serviço de Saúde, acredita-se estar com um
problema que algum profissional deste serviço possa resolver. Cabe ao profissional de
Saúde estar atento ao problema, porém sem perder de vista o todo, de modo que possa
com cada sujeito perceber e criar novas possibilidades de arranjo para lidar com o
problema. O profissional de Saúde não deve olhar fixamente para o sofrimento ou a
doença, ou apenas a queixa, mas deve se lembrar que seu trabalho é produzir vida de
forma mais ampla, e para isso cuidar de maneira integral.

Interdependência: Sofrimento de pessoas, famílias, comunidades,


territórios

Convidamos o leitor a um rápido exercício de visualização. Exploramos


largamente a modelagem de pessoa como um conjunto de dimensões interdependentes,
um sistema aberto, que mantém certa estabilidade e noção de unidade, mas em
constante transformação. Se olharmos com atenção, perceberemos que as famílias
podem ser compreendidas da mesma forma, sendo as dimensões compostas por cada
membro da família, a casa, as ruas, os animais de estimação etc. O mesmo se aplica à
comunidade, que engloba cada pessoa em suas famílias e em outras redes de relações
como: ruas, escolas, templos religiosos, parques, sistema político, financeiro etc. Se
formos além, podemos ver relações entre cidades, estados, países, planetas, e enfim,
todo o universo. Podemos olhar muito de perto, dentro de cada pessoa, o conjunto de
células, de estruturas internas às células, de moléculas, átomos, partículas subatômicas
etc.
Neste conjunto de interconexões, o profissional de Saúde não está fora, como
um cientista em seu laboratório poderia acreditar que está. Cada profissional é também
uma pessoa, um conjunto de dimensões interdependentes, e está relacionado ao meio
em que vive também em uma relação de interdependência. Sua história, seus medos e
seus próprios sofrimentos estarão lá quando estiver em contato com cada usuário, e é
justamente por também ter todas essas dimensões que é possível perceber a existência
delas no outro. Da mesma forma, cada encontro faz com que o conjunto coeso da
pessoa que é o profissional também se modifique um pouco, e cada ação executada
pelo profissional cria algum nível de transformação não só no usuário atendido, mas na

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família, na comunidade e no próprio serviço de Saúde.

Territórios existenciais e coesão social

Atenção Básica prima pela organização territorial dos serviços de Saúde. A


concepção de território com a qual iremos trabalhar engloba a dimensão da
subjetividade e contribui para enriquecer as possibilidades de abordagens de território
no campo da Saúde.
O território é um componente fundamental na organização dos serviços da
Atenção Básica, pois é a partir deles que se estabelecem limites geográficos e de
cobertura populacional que ficam sob a responsabilidade clínica e sanitária das equipes
de Saúde. Mas a noção geográfica de território, enquanto espaço físico com limites
precisos, não é suficiente para dar conta da sociodinâmica que as pessoas e os grupos
estabelecem entre si.
A noção de território-vivo, de Milton Santos, considera as relações sociais e as
dinâmicas de poder que configuram os territórios como lugares que tomam uma
conotação também subjetiva. Na Saúde também utiliza-se a concepção de territórios
existenciais de Guattari (1990). Os territórios existenciais, que podem ser individuais
ou de grupo, representam espaços e processos de circulação das subjetividades das
pessoas. São territórios que se configuram/desconfiguram/reconfiguram a partir das
possibilidades, agenciamentos e relações que as pessoas e grupos estabelecem entre si.
Incorporar a concepção de territórios existenciais implica considerar não
apenas as dimensões subjetivas daqueles que são cuidados, os usuários, mas também a
subjetividade dos trabalhadores de Saúde. E trabalhar com saúde pressupõe que os
próprios trabalhadores de Saúde permitam deslocamentos em seus territórios
existenciais, já que a principal ferramenta de trabalho em saúde mental é a relação.
A coesão social tem sido sugerida como um indicador de saúde dessas
coletividades. Entre as situações que podem ameaçar a coesão social, encontramos: a
desigualdade socioeconômica; as migrações; a transformação política e econômica; as
novas culturas do excesso; o aumento do individualismo e do consumismo; as
mudanças nos valores tradicionais; as sociedades em situação de conflito ou pós-
conflito; a urbanização rápida; o colapso do respeito à lei e a economia local baseada
nas drogas (ONU, 2012). Algumas respostas possíveis às ameaças da coesão social

18
passam pela ampliação e articulação de políticas públicas intersetoriais, pelo estímulo
dos grupos comunitários existentes e pela melhoria das condições sociais em geral.
A Atenção Básica também tem contribuições nesse campo, sobretudo por meio
do desenvolvimento de tecnologias leves e intervenções que possibilitem a
configuração/ desconfiguração/reconfiguração dos territórios existenciais individuais e
coletivos. Deslocar o olhar da doença para o cuidado, para o alívio e a ressignificação
do sofrimento e para a potencialização de novos modos individuais e grupais de estar
no mundo aponta na direção de concepções positivas de saúde mental. E alguns
indicadores que podem ser levados em consideração neste sentido incluem:
a) o desenvolvimento de novos modos de grupalidade, de maneira a
estimular uma maior participação das pessoas nas decisões de um grupo, na produção
de benefícios que extrapolem os interesses pessoais e na ampliação da autonomia desse
grupo;
b) a valorização da criatividade com o exercício do pensamento divergente,
das atividades simbólicas e abstratas e da interação social;
c) a utilização do tempo livre, o tempo de lazer e repouso;
d) o desenvolvimento de uma consciência social que aborde, de maneira
crítica, os problemas individuais, grupais e sociais em geral (ROSSI, 2005).
As questões aqui apresentadas implicam em considerar que há dimensões
individuais, grupais e sociais na produção do sofrimento e que, portanto, também as
respostas devem focar intervenções nesses diferentes âmbitos.
Ao longo dos próximos capítulos deste caderno, iremos aprofundar as
perspectivas aqui apresentadas e oferecer elementos que ajudem a compor uma caixa
de ferramentas diversificada para que os profissionais que atuem em Atenção Básica
possam dar conta de diversas situações de sofrimento, incorporando as diferentes
esferas das pessoas, famílias e comunidades nas estratégias de cuidado.

A abordagem da Redução de Danos na Atenção Básica

A Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2012) inclui entre o conjunto


de ações que caracteriza uma atenção integral à saúde a promoção e a proteção, a
prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e
a manutenção da saúde. A inclusão da redução de danos como uma das ações de Saúde
19
desta política pressupõe sua utilização como abordagem possível para lidar com
diversos agravos e condições de saúde.
Atuar em uma perspectiva da redução de danos na Atenção Básica pressupõe a
utilização de tecnologias relacionais centradas no acolhimento empático, no vínculo e
na confiança como dispositivos favorecedores da adesão da pessoa, conforme já
apresentado no tópico sobre Projeto Terapêutico Singular.
Assim, embora a estratégia de redução de danos seja tradicionalmente
conhecida como norteadora das práticas de cuidado de pessoas que tem problemas com
álcool e outras drogas, esta noção não se restringe a esse campo por ser uma
abordagem passível de ser utilizada em outras condições de saúde em geral. Há,
portanto, duas vertentes principais a respeito da Redução de Danos (COMTE et al.,
2004):
1) a Redução de Danos compreendida como uma estratégia para reduzir danos
de HIV/DST em usuários de drogas e
2) a Redução de Danos ampliada, concebida como conceito mais abrangente,
no campo da Saúde Pública/Saúde Coletiva, por abarcar ações e políticas públicas
voltadas para a prevenção dos danos antes que eles aconteçam (DIAS et al., 2003).
Apesar das diferenças apontadas entre essas perspectivas, um ponto em comum
a ambas é a construção de ações de redução de danos tomando como fundamental a
valorização do desejo e das possibilidades dos sujeitos para os quais estão orientadas
essas ações. Ou seja, ambas as perspectivas pressupõem o diálogo e a negociação com
os sujeitos que são o foco da ação.
Essa centralidade no sujeito, considerando seus desejos e possibilidades,
caracteriza a redução de danos como uma abordagem em saúde menos normalizadora e
prescritiva, pois se evita ditar ou impor, a partir da autoridade profissional, quais
seriam as escolhas e atitudes adequadas ou não a serem adotadas. Assim, atuar em uma
perspectiva de redução de danos na Atenção Básica pressupõe a utilização de
tecnologias relacionais centradas no acolhimento empático, no vínculo e na confiança
como dispositivos favorecedores da adesão da pessoa, aspectos já apresentados no
tópico sobre Projeto Terapêutico Singular.
Considerando especificamente a atenção aos problemas de álcool e outras
drogas, a estratégia de redução de danos visa minimizar as consequências adversas
criadas pelo consumo de drogas, tanto na saúde quanto na vida econômica e social dos
usuários e seus familiares. Nessa perspectiva, a redução de danos postula intervenções

20
singulares que podem envolver o uso protegido, a diminuição desse uso, a substituição
por substâncias que causem menos problemas, e até a abstinência das drogas que criam
problemas aos usuários (VIVA COMUNIDADE; CRRD, 2010).
Também é necessário trabalhar o estigma que a população, os trabalhadores de
Saúde e os próprios usuários de drogas têm sobre esta condição, de maneira a superar
as barreiras que agravam a sua vulnerabilidade e marginalidade e dificultam a busca de
tratamento. Lidar com os próprios preconceitos e juízos sobre o que desperta o
consumo de drogas é fundamental para poder cuidar das pessoas que precisam de
ajuda por esse motivo. A clandestinidade associada ao uso de drogas ilícitas cria medo,
dificulta a busca de ajuda e agrava o estado de saúde física e psíquica dessas pessoas.
Um aspecto relevante na utilização de abordagens de redução de danos tanto
para problemas de álcool e outras drogas quanto para outras condições crônicas é sua
centralidade no que a pessoa que busca ajuda deseja e consegue fazer para lidar com
seu problema. Desse modo, por meio da redução de danos é possível cuidar dos
problemas de saúde de maneira menos normalizadora e prescritiva, evitando ditar
quais seriam os comportamentos adequados ou não.
Operar em uma lógica de redução de danos também exige trabalhar com a
família da pessoa que usa drogas, que muitas vezes é quem procura os serviços de
Atenção Básica. Acolher o familiar e ofertar possibilidade de apoio inserindo-o em
atividades coletivas como grupos de terapia comunitária podem ajudá-lo a lidar com o
sofrimento.
Diversas são as ações de redução de danos possíveis de realizar com usuários
de álcool e outras drogas na Atenção Básica em Saúde e nos demais serviços da Rede
de Atenção Psicossocial. Mesmo naqueles casos em que a situação parece complexa e
sem muitas alternativas.
Pessoas com problemas com drogas geralmente não buscam as unidades de
Saúde espontaneamente. São seus familiares que costumam buscar ajuda. Uma
maneira de aproximar-se destes usuários pode ser por meio de visitas domiciliares e
agendamentos de consultas para uma avaliação clínica mais geral, não necessariamente
abordando seu problema com drogas. A criação de vínculo deve ser a meta inicial.
A construção de uma proposta de redução de danos deve partir dos problemas
percebidos pela própria pessoa ajudando-a a ampliar a avaliação de sua situação. No
caso de pessoas com problema em relação ao álcool, podem se sugerir cuidados de
praxe como não beber e dirigir; alternar o consumo de bebida alcoólica com alimentos

21
e bebidas não alcoólicas; evitar beber de barriga vazia; beber bastante água, optar por
bebidas fermentadas às destiladas, entre outras sugestões.
Usuários de crack podem ser orientados a não compartilhar cachimbos, pois
possuem maior risco de contrair doenças infectocontagiosas caso tenham feridas nos
lábios, geralmente ressecados pelo uso do crack e queimados pelo cachimbo. Casos
complexos exigem criatividade e disponibilidade da equipe de Saúde para a oferta de
cuidado. Por exemplo, um usuário de crack em situação de rua, com tuberculose ou
Aids e baixa adesão ao tratamento medicamentoso pode ser estimulado a um
tratamento supervisionado, negociando-se o fornecimento da alimentação diária no
momento da administração da medicação, na própria unidade de Saúde. E nos finais
de semana é possível articular uma rede de apoio que possa assumir este cuidado.
Muitos outros desdobramentos são possíveis adotando a perspectiva da redução
de danos, dependendo das situações e dos envolvidos. E uma determinada linha de
intervenção pode ter seu escopo ampliado à medida que o vínculo é ampliado. Assim,
a redução de danos nos coloca ante questões gerais às demais intervenções de saúde
como a necessidade de reflexão sobre o que norteia a produção do cuidado. Um
cuidado emancipatório pautado pela ampliação dos gradientes de autonomia visa
ajudar a pessoa a desvelar e lidar com suas escolhas. Um cuidado tutelar, disciplinador,
prescritivo e restritivo predetermina e estabelece, a partir de critérios externos, aquilo
que a pessoa deve fazer e como deve se comportar (MERHY, 2007).
Em síntese, a adoção da perspectiva da redução de danos pressupõe uma
abertura para o diálogo, a reflexão, os questionamentos e a avaliação contínua das
intervenções. Abordagens baseadas na redução de danos implicam em levar em conta a
vulnerabilidade das pessoas e dos coletivos. A noção de vulnerabilidade,
compreendida enquanto o resultado de interações que determinam a maior ou menor
capacidade de os sujeitos se protegerem ou se submeterem a riscos, possibilita a
singularização das intervenções e converge com as ideias já apresentadas, a respeito do
Projeto Terapêutico Singular (PTS) (OLIVEIRA, 2000).
O PTS e a redução de danos ajudam, assim, a operacionalizar a perspectiva de
uma clínica ampliada, que possibilita a emergência de dimensões subjetivas e a
reconfiguração dos territórios existenciais, tanto dos trabalhadores em saúde quanto
daqueles que eles cuidam. A dimensão processual desse modo de produção do cuidado
ancora, mas, ao mesmo tempo, projeta a construção da integralidade em saúde na
perspectiva de autonomia e emancipação dos sujeitos e coletivos

22
O que é família?

Antes de qualquer proposição de trabalho com família, necessário será entender


o que é família em sua complexidade, suspendendo juízos de valor, conceitos
fechados, lineares e prontos, os quais produzem uma concepção reducionista de
família. Pode ser útil compreender família como um sistema aberto e interconectado
com outras estruturas sociais e outros sistemas que compõem a sociedade, constituído
por um grupo de pessoas que compartilham uma relação de cuidado (proteção,
alimentação, socialização), estabelecem vínculos afetivos, de convivência, de
parentesco consanguíneo ou não, condicionados pelos valores socioeconômicos e
culturais predominantes em um dado contexto geográfico, histórico e cultural.
Cada família é uma família na medida em que cria os seus próprios problemas e
estrutura as suas formas de relação, tendo suas percepções, seus vínculos e suas
especificidades próprias. Não existe família enquanto conceito único; existem
“configurações vinculares íntimas que dão sentimento de pertença, habitat, ideais,
escolhas, fantasias, limites, papéis, regras e modos de se comunicar que podem (ou
não) se diferenciar das demais relações sociais do indivíduo humano no mundo”
(COSTA, 1999, p. 76). Mas, “a família, seja ela qual for, tenha a configuração que
tiver é, e será, o meio relacional básico para as relações no mundo, da norma à
transgressão dela, da saúde à patologia, do amor ao ódio” (COSTA, 1999, p. 78).
Cada família tem uma cultura própria em que circulam seus códigos: normas de
convivência, regras ou acordos relacionais, ritos, jogos, crenças ou mitos familiares,
com um modo próprio de expressar e interpretar emoções e comunicações. As ações
são interpretadas em um contexto de emoções e de significados pessoais, familiares e

23
culturais mais amplos. Tais emoções geram ações que formam o enredo do sistema
familiar e constroem a história singular de cada família, que se transforma com o
tempo, com a cultura e com as mudanças sociais.
Dessa forma, o tema Família refere-se a uma realidade muito próxima a cada
um de nós. O significado, o sentido, os sentimentos despertados são diferentes de
acordo com a experiência de cada um e sua história familiar. Isso, muitas vezes,
dificulta a percepção e o entendimento dos profissionais de Saúde em relação às
configurações familiares dos usuários, pois suas referências individuais, culturais e
sociais são diferentes. O olhar, o escutar, o observar, o perceber e o entender a
diversidade da forma de viver em família são fortemente influenciados pelas
concepções de família, pelas crenças e valores de cada profissional, mas essas barreiras
culturais e de comunicação podem ser enfrentadas a partir de uma abordagem que
favoreça a reflexão, o diálogo, a escuta e o acolhimento do usuário.

Família e sofrimento psíquico: o desafio do protagonismo familiar


A reforma psiquiátrica brasileira traz imensas contribuições na forma de
conceber e perceber a família no contexto do cuidado em saúde mental. Antes de sua
implementação, a forma de tratamento disponível para as pessoas em sofrimento
psíquico era baseada no isolamento e na exclusão, sendo os sujeitos privados do
contato com sua família e com a sociedade. Não havia investimentos na mobilização
das famílias como participantes importantes no tratamento, já que o indivíduo era visto
de maneira isolada e como doente.
A principal diretriz da Política Nacional de Saúde Mental, inspirada na reforma
psiquiátrica brasileira, consiste na redução gradual e planejada de leitos em hospitais
psiquiátricos, priorizando concomitantemente a implantação de serviços e ações de
saúde mental de base comunitária, capazes de atender com resolubilidade os pacientes
que necessitem de atenção (BRASIL, 2005). Dentro dessa perspectiva, a família é
requisitada como parceira dos novos serviços e reafirmada como um dos possíveis
espaços do provimento de cuidado (ROSA, 2004), passando a ser concebida como
necessária e aliada no cuidado de seu familiar em sofrimento psíquico.
Dessa forma, o que se almeja não é simplesmente a transferência da pessoa
com sofrimento mental para fora dos muros do hospital, entregando-o aos cuidados de
quem puder assisti-lo ou largando-o à própria sorte. Espera-se o resgate ou o
estabelecimento da sua cidadania, “o respeito a sua singularidade e subjetividade,
24
tornando-o como sujeito de seu próprio tratamento sem a ideia de cura como o único
horizonte. Espera-se, assim, a autonomia e a reintegração do sujeito à família e à
sociedade” (GONÇALVES; SENA, 2001, p. 51).
Os profissionais de Saúde, em muitas situações, esperam que a família aceite e
cuide da pessoa em sofrimento psíquico intenso sem se dar conta de que não estão lhe
oferecendo suporte nem orientações (KOGA, 1997); ou percebem o familiar como um
simples informante das alterações apresentadas pela pessoa em tratamento, que deve
seguir passivamente suas prescrições de tratamento. Considerar a família como
protagonista do cuidado reabilitador é um verdadeiro desafio. Ao acolher suas
demandas e dificuldades de convívio com um familiar em sofrimento psíquico intenso,
o profissional promove o suporte possível para as solicitações manifestas (COLVERO
et. al., 2004).
Essas famílias possuem demandas das mais variadas ordens, entre elas: a
dificuldade de lidar com as situações de crise, com os conflitos familiares emergentes,
com a culpa, com o pessimismo por não conseguir vislumbrar saídas para os
problemas, pelo isolamento social a que ficam sujeitos, pelas dificuldades materiais da
vida cotidiana, pelas complexidades do relacionamento com esse familiar, pela
expectativa frustrada de cura e pelo desconhecimento da doença propriamente dita
(COLVERO et. al., 2004).
Torna-se fundamental considerar que o provimento de cuidado doméstico à
pessoa com sofrimento psíquico é um trabalho complexo, historicamente retirado da
família e que agora lhe está sendo restituído. Esse cuidado requer disponibilidade,
esforço, compreensão, capacitação mínima, inclusive para que os cuidadores
encontrem estratégias para lidar com frustrações, sentimentos de impotência e culpa,
ou seja, com suas próprias emoções.

A lógica da Atenção Básica à saúde e os recursos para o trabalho com a família


enquanto protagonista do cuidado

A Estratégia Saúde da Família (ESF), eixo estruturante da Atenção Básica à


Saúde, concebe a família de forma integral e sistêmica, como espaço de
desenvolvimento individual e grupal, dinâmico e passível de crises, inseparável de seu
contexto de relações sociais no território em que vive. A família é, ao mesmo tempo,
objeto e sujeito do processo de cuidado e de promoção da saúde pelas equipes de
25
Saúde da Família.
Na ESF o vínculo entre os profissionais de Saúde, a família e a comunidade é
concebido como fundamental para que as ações da equipe tenham impacto positivo na
saúde da população. Esse vínculo de confiança vai sendo fortalecido por meio da
escuta, do acolhimento, da garantia da participação da família na construção do Projeto
Terapêutico Singular (PTS), da valorização da família enquanto participante ativa do
tratamento etc.
Na metodologia de trabalho das equipes de SF, o cadastramento das famílias e
o diagnóstico da situação de saúde da população permitem que os profissionais
prestem atenção diferenciada às famílias em situação de risco, vulnerabilidade e/ou
isolamento social. As famílias com pessoas em sofrimento psíquico intenso e usuárias
de álcool e outras drogas necessitam de atenção especial, e um primeiro passo nesse
sentido é instrumentalizar os agentes comunitários de Saúde (ACS) na identificação
dessas situações. Vecchia e Martins (2009) ressaltam que a estratégia de atender
prioritariamente as famílias com maiores dificuldades psicossociais é importante,
desde que tal priorização não produza estigmatizações, levando em consideração o
dinamismo e a complexidade da vida de cada família.
A Estratégia Saúde da Família, por ter como ação as visitas mensais aos
moradores de uma determinada área, possibilita que pessoas e famílias em situação de
maior risco sejam atendidas. Podem ser pessoas que não comparecem às consultas, que
não solicitam ajuda (por exemplo, as que fazem uso prejudicial de drogas), que sofrem
atos de violência, que estão em risco de suicídio ou em cárcere privado. Enfim,
pessoas que muito necessitam e pouco ou nada demandam (LANCETTI, 2006).
Outro aspecto fundamental diz respeito ao prontuário familiar, que contém os
prontuários individuais e é utilizado por todos os membros da equipe de Saúde. Essa
organização facilita o acesso a todas as informações da família, sua história, queixas
ou motivos das consultas, atenção recebida, problemas e formas de enfrentamento,
dinâmica de relacionamento familiar etc.
As reuniões de equipe possibilitam a discussão de casos, o planejamento e
avaliação de ações, a troca de conhecimentos, a abordagem interdisciplinar,
constituindo-se em mais um recurso fundamental do cuidado em saúde mental.
O acolhimento é outro recurso, transversal a todas as práticas, percebido como
importante na construção de uma postura profissional baseada em receber, escutar e
tratar de forma humanizada as famílias e suas demandas. Acolhimento implica também

26
na responsabilização dos profissionais pela condução da proposta terapêutica e na
corresponsabilização das famílias por sua saúde (KENNETH et. al. 2004).
Por fim, é importante que as equipes de Atenção Básica garantam a
participação da família na construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS) de cada
paciente, além de estimularem-na a participar de debates sobre o tema em reuniões dos
conselhos locais e nas conferências de Saúde. Assim, a família também contribuirá na
construção, na implementação e no acompanhamento de políticas públicas de atenção
à saúde mental.
Em síntese, as equipes de SF têm um campo fértil para trabalharem de forma
integral e participativa com pessoas em sofrimento psíquico e suas famílias, apesar da
abundância de práticas contrárias ao que estamos propondo, isto é, práticas centradas
no indivíduo, que fragmentam o sujeito, especialismos etc. Nos cursos de graduação da
área da Saúde, estudos sobre família e ferramentas que auxiliem seu acompanhamento
são muito pouco comuns, o que impõe sérios limites quando os profissionais de Saúde
se veem diante da necessidade de realizar intervenções baseadas em uma abordagem
familiar. A educação permanente tem se configurado uma importante estratégia de
enfrentamento dessas dificuldades.
Uma forma especialmente interessante de educação permanente é o apoio
matricial oferecido pelas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) – que
se constitui em retaguarda especializada para as equipes de SF. Essa parceria entre
ambas as equipes é concebida sob a forma de cor-responsabilização pelos casos e se
desenvolve por meio de discussões e consultas conjuntas, construção de projetos
terapêuticos singulares, intervenções com as famílias e as comunidades, realização de
grupos, discussão de casos clínicos etc.

Abordagem familiar: ferramentas e recomendações


Para uma abordagem familiar é importante aliar conhecimentos científicos e
tecnológicos às habilidades de observação, comunicação, empatia e intervenção, o que
requer aperfeiçoamento de competências profissionais. Na abordagem familiar,
considera-se que a saúde da família vai além da soma da saúde dos indivíduos. Sendo
assim, espera-se que a equipe de Atenção Básica à Saúde seja capaz de identificar e
desenvolver as seguintes especificidades:
– Conceituar família e considerar sua complexidade.

27
– Cuidar com base na experiência da família ao longo do tempo, ou seja,
sua história pregressa, atual e perspectivas futuras.
– Trabalhar com todos da família, tanto doentes como sadios.
– Que a família enquanto um sistema é afetada pela mudança de qualquer
um de seus membros.
– Reconhecer que a pessoa mais sintomática (doente) da família também
pode mudar com o tempo.
– Promover apoio mútuo e compreensão entre os membros da família
sempre que possível.
– Levar em conta o contexto social e cultural da família na facilitação de
suas relações com a comunidade.
Outro aspecto importante é a contradição família pensada versus família vivida
e a sua outra face família estruturada versus família desestruturada, apoiada em uma
visão sistêmica inclusiva e não conservadora que reconhece múltiplas estruturas
familiares que nada mais são do que formas diferentes de ser família e que vão
ganhando contornos específicos por intermédio do tempo e das peculiaridades do
espaço geográfico, social e cultural (SOARES; PAGANI; OLIVEIRA, 2005).
Consolidada tal compreensão, os profissionais terão critérios para avaliar o
enredo, a estrutura e a dinâmica do sistema familiar, elaborando um plano de trabalho
multidisciplinar com as estratégias mais adequadas e possíveis. Sugerem-se formas de
atuação da equipe que fortaleçam: (1) a competência da família em garantir a
sobrevivência material dos seus membros utilizando sua rede social primária (parentes,
amigos e vizinhos), as instituições e as redes sociais comunitárias; (2) suas relações
afetivas e novas possibilidades de agir, pensar e conviver; (3) sua participação social e
comunitária enquanto exercício de cidadania. Essa atuação pode ser realizada de
diferentes maneiras, como:
– Oferecimento de acolhimento, escuta regulares e periódicas;
– Grupos de orientação aos familiares;
– Grupos de cuidado aos cuidadores;
– Intervenções domiciliares que diminuam a sobrecarga da família
cuidadora;
– Oferecimento de dispositivos da rede social de apoio onde os familiares
cuidadores de pessoas com sofrimento psíquico possam ter garantido também espaços

28
de produção de sentido para sua vida, vinculadas a atividades prazerosas e
significativas a cada um.
Aqui exemplificamos algumas ferramentas úteis para o trabalho com família.
Vale ressaltar que devido às diversidades e às singularidades, muitas vezes será
necessário buscar outras ferramentas ou até mesmo criar sua própria ferramenta de
trabalho com família.
I: ENTREVISTA FAMILIAR:
Objetiva realizar a caracterização do sistema familiar (estrutura, desenvolvimento e
funcionamento familiar, condições materiais de vida, estado de saúde dos integrantes,
rede social da família etc.).
II: GENOGRAMA:
O Genograma Familiar é uma representação gráfica da família. Identifica suas
relações e ligações dentro de um sistema multigeracional (no mínimo três gerações).
Instrumento amplamente utilizado na Terapia Familiar, na formação de terapeutas
familiares, na Atenção Básica à Saúde e, mais recentemente, em pesquisas sobre família
(CARTER; MCGOLDRICK, 1995; MINUCHIN, 1999).
III. ECOMAPA:
O Ecomapa, tal como o Genograma, integra o conjunto dos instrumentos de avaliação
familiar. Entretanto, enquanto o Genograma identifica as relações e ligações dentro do
sistema multigeracional da família, o Ecomapa identifica as relações e ligações da
família com o meio onde ela vive. Foi desenvolvido em 1975 por Ann Hartman. É uma
representação gráfica do sistema ecológico da família. Identifica os padrões
organizacionais da família e a natureza das suas relações com o meio, mostrando-nos o
equilíbrio entre as necessidades e os recursos da família.
IV. F.I.R.O: Fundamental Interpersonal Relations Orientation (Orientações
Fundamentais nas Relações Interpessoais):
Objetiva compreender melhor o funcionamento da família estudando as suas relações
de poder, comunicação e afeto. A família é estudada nas dimensões de inclusão,
controle e intimidade. Essa ferramenta é bastante útil quando a família se depara com
situações que provocam crises familiares e demandam negociações e alterações de
papéis entre os seus membros, tais como problemas de saúde, mudanças, doenças
agudas e crônicas, hospitalizações etc. Também é utilizada na avaliação de problemas
conjugais ou familiares, para entender como a família está lidando com alterações no

29
ciclo da vida (WILSON; TALBOT; LIBRACH, 1996).

V. P.R.A.C.T.I.C.E.
Objetiva a avaliação do funcionamento da família de um paciente específico. Fornece
informações sobre a organização familiar e o posicionamento da família diante dos
problemas enfrentados, possibilitando o manejo daquele caso específico. Essa
ferramenta foca no problema, permite uma aproximação esquematizada para
trabalhar com a família, facilita a coleta de informações e a elaboração da avaliação
com construção de intervenção (MOYSÉS; SILVEIRA FILHO, 2002).
Presenting problem (problema apresentado)
Roles and structure (papéis e estrutura)
Affect (afeto)
Comunication (comunicação)
Time of life cycle (fase do ciclo de vida)
Illness in family (doença na família)
Copingwith stress (enfrentamento do estresse)
Ecology (meio ambiente, rede de apoio)
VI. DISCUSSÃO E REFLEXÃO DE CASOS CLÍNICOS:
Discussão e reflexão de casos com equipe multiprofissional - discussão dos casos
clínicos, estudo de caso etc.
VII. PROJETO TERAPÊUTICO DE CUIDADO À FAMILIA:
Permite conhecer e construir um projeto terapêutico de cuidado para a família. O
Projeto Terapêutico é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas a
partir da discussão em equipe interdisciplinar, com apoio matricial, se necessário, e
com a participação da família na sua elaboração.

Algumas recomendações para o trabalho com família


Solymos, Maricondi e Soares (2009) apontam que o profissional que trabalha
com família precisa aperfeiçoar em si mesmo os seguintes aspectos fundamentais: uma

30
existência sem preconceitos, a disponibilidade para os outros e a capacidade de se
desfocar do problema.
• Uma existência sem preconceitos consiste em saber agir diante dos
acontecimentos da vida. Esta postura exige saber reconhecer e valorizar o que ocorre
em detrimento daquilo que se deseja; interessar-se pelo cotidiano e modo de vida das
pessoas e não unicamente por suas fraquezas ou doenças; acolhê-las respeitando seu
ritmo e o ritmo dos acontecimentos.
• Uma disponibilidade para os outros significa uma flexibilidade pessoal
em relação aos modos, tempos e lugares das pessoas e suas famílias.
• Uma habilidade para se desfocar do problema significa não se restringir
a ele. Vale dizer, significa centrar a atenção nas possibilidades de vida que as pessoas e
as famílias também têm. Desse modo nasce a percepção de que as dificuldades podem
ser equacionadas paulatinamente e que a melhor intervenção é aquela que permite que
a própria família assuma a responsabilidade de encontrar os meios para o seu
enfrentamento.
Além desses três aspectos, cabe também ressaltar algumas dicas práticas para o
trabalho com família:
• Pense em suas próprias experiências com sua família (família atual e
família de origem) e rememore histórias de sofrimento psíquico e/ou uso de álcool e
drogas de parentes, amigos e vizinhos, identificando quais são seus valores, crenças e
mitos sobre tudo isso... Faça essa reflexão individualmente e depois com a sua equipe
de Saúde.
• Evite julgamentos baseados em qualquer tipo de preconceito. Só será
possível conversar com uma família em prol do seu desenvolvimento se você puder
ouvi-la sem julgar ou recriminar.
• Priorize atendimento mais imediato às famílias com maiores
dificuldades psicossociais.
• Identifique pessoas que podem auxiliar no cuidado em saúde mental.
Pode ocorrer que essas pessoas não pertençam ao grupo familiar de origem.
• Observe como a família se coloca no espaço físico de atendimento, ou
seja, onde cada pessoa senta ou se distribui no local onde é atendida. Essa observação
lhe permitirá perceber alguns aspectos dos papéis familiares. Por exemplo, um filho
adulto ao se colocar ao lado da mãe e não permitir seu pai ali se situar, pode indicar
uma relação simbiótica entre mãe e filho e um pai com dificuldade de ocupar o seu

31
lugar. Perguntas muito simples podem auxiliar muito. No exemplo, a pergunta poderia
ser: “como é para o senhor ceder seu lugar ao seu filho?”.
• Observe como a família se comunica, se as mensagens são claras ou
obscuras, e busque auxiliar na comunicação.
• Auxilie a família na diminuição da culpa, do desamparo e da
desesperança diante das crises e das dificuldades enfrentadas no dia a dia com a pessoa
em sofrimento psíquico. Permita que tais sentimentos sejam expressos.
• Reconheça e valorize os saberes e os recursos encontrados pela família
na convivência diária com o sujeito em sofrimento psíquico.
• Fique atento(a) aos movimentos saudáveis, ainda que sejam mínimos, e
discuta-os com a família. Muitas vezes, a convivência diária não permite perceber tais
mudanças.
• Construa com as famílias alternativas de mudança e de promoção dos
cuidados familiares da pessoa com sofrimento psíquico e/ou uso de álcool e drogas. Há
um saber acumulado sobre este assunto que poderá ajudá-lo(a) muito na compreensão
dos modos de ser, viver e conviver em família.
• Promova sempre o diálogo e a troca de experiências entre todos, nas
reuniões com a(s) família(s), nas consultas e visitas domiciliares. Desse modo, todos
terão a oportunidade de se expor a mudanças e compreender o que está acontecendo.
Isso amplia possibilidades de obtenção de resultados eficazes.
• Crie o hábito de fazer anotações sobre cada atendimento realizado e,
sempre que possível, discuta seu trabalho com seus colegas de equipe, compartilhando
dúvidas, certezas, limites e possibilidades. Registros escritos preservam histórias,
constroem histórias...
• Não se assuste, nem reaja com base em fortes sentimentos, positivos ou
negativos, que determinadas pessoas e famílias mobilizam. Nessas situações, melhor
será adiar uma resposta ou conduta clínica e buscar ajuda de sua equipe de Saúde ou
supervisão especializada.
• Caso seu município possua Centros de Atenção Psicossocial (Caps),
Nasf ou equipes de Saúde Mental, busque discutir situações em que você tem mais
dificuldade de manejo clínico. As equipes desses serviços, além de auxiliar na conduta
clínica, também podem apoiar na organização e na realização de ações de saúde mental
envolvendo a família no território.
As visitas domiciliares são ferramentas fundamentais para o cuidado à família.

32
Entre as questões importantes de se trabalhar nas visitas domiciliares, é importante que
o profissional:
• Identifique quem são os cuidadores da pessoa com sofrimento psíquico
e/ou uso de álcool e drogas, procurando envolvê-los na conversa.
• Faça com eles uma lista dos cuidados que a pessoa com sofrimento
psíquico e/ou uso de álcool e drogas recebe deles.
• Organize essa lista de cuidados classificando-os de acordo com
prioridades discutidas e consensuadas entre todos: membros da equipe de Saúde e
cuidadores familiares.
• Observe e registre quais cuidados estão faltando.
• Converse com os cuidadores familiares para, juntos, identificarem as
causas das dificuldades e buscarem soluções alternativas.
• Faça uma lista das pessoas, grupos e instituições que compõem a rede
social da família, definindo metas para a sua ampliação, se for o caso.

Considerações finais
Para um cuidado integral em saúde mental, a abordagem familiar é
fundamental. Ela deve estar comprometida com o rompimento, com a lógica do
isolamento e da exclusão, fortalecimento da cidadania, protagonismo e
corresponsabilidade. Mas, estruturar uma abordagem a partir da família exige dos
profissionais de Saúde abertura e visão ampliada, isto é, uma visão que acolha as
diferentes constituições familiares e os diferentes sentimentos que os cuidados no
campo da Saúde Mental mobilizam.
Quando o foco é a família, torna-se fundamental a abordagem que vai além das
dificuldades e de soluções previamente estabelecidas. Assim, por exemplo, uma ação
de fortalecimento dos cuidados familiares à pessoa com sofrimento psíquico e/ou
usuária de álcool e outras drogas não deve estar apoiada naquilo que falta; pelo
contrário, a ação deve nascer do que existe de recursos e fortalezas em cada família.
Esse modo de ver e cuidar pode representar um importante princípio orientador que
estimula a participação da família no processo de enfrentamento de dificuldades,
quaisquer que elas sejam.
O fortalecimento das equipes de Saúde da Família é de suma importância para
a saúde mental. A educação permanente pode impulsionar mudanças das práticas em
saúde, estimulando a construção de ações mais inclusivas das populações vulneráveis,
33
como é o caso das famílias com pessoas com sofrimento psíquico e/ou usuárias de
álcool e outras drogas.
O aprofundamento e utilização das diferentes ferramentas de abordagem
familiar indicadas neste documento podem instrumentalizar as equipes no
entendimento de cada família e sua inclusão como protagonistas do cuidado.

Cuidado da Pessoa que sofre

Situações de saúde mental comuns na Atenção Básica

Os trabalhadores de Saúde da Atenção Básica (AB) sabem por experiência


própria que são muitas as pessoas que buscam ajuda profissional por causa de
sofrimento mental, geralmente com queixas de tristeza e/ou ansiedade. Também é
frequente que os profissionais da AB identifiquem nos usuários tristeza e/ou ansiedade
importantes, ainda que não haja queixa explícita nesse sentido. Pesquisas realizadas no
Brasil e no mundo confirmam essa impressão. Cerca de uma em cada quatro pessoas
que procuram a AB tem algum transtorno mental segundo a CID-10. Outros estudos
mostram que se incluirmos também aqueles que têm um sofrimento mental pouco
abaixo do limiar diagnóstico (os chamados casos subclínicos) a proporção chega a uma
pessoa em sofrimento a cada duas pessoas que procuram a AB (GOLDBERG, 1995;
BUSNELLO, 1983; MARI, 1987; FORTES, 2008). Esses dados epidemiológicos
fazem com que muitos autores usem a expressão transtorno mental comum para
identificar as entidades clínicas pesquisadas nesses estudos.
Há ainda dois outros conjuntos de situações em que os cuidados de saúde
mental na AB ganham relevo, apesar de raramente serem motivados por uma demanda
do usuário. A primeira são os problemas relacionados ao uso do álcool, que são
frequentes na população brasileira, atingindo cerca de um em cada dez adultos. A
segunda são os chamados transtornos mentais graves e persistentes, que incluem a
esquizofrenia e as psicoses afetivas (transtorno bipolar do humor). Esses são bem
menos frequentes, cerca de dois em cada 100 adultos, mas trazem grande impacto na
saúde global das pessoas.
Vamos usar o conhecimento de pesquisas, usando o conceito de doença como

34
as citadas acima, revelam sobre quem são as pessoas que sofrem e são atendidas na AB
e sobre como se expressa seu sofrimento. Mas vamos manter nosso enfoque na pessoa
que sofre. Por três razões apresentadas a seguir.
• Pessoas que sofrem. Em primeiro lugar porque, como já dissemos
anteriormente, tomar a pessoa, e não a doença, como ponto de partida enriquece a
compreensão do que a motiva a procurar ajuda e, portanto, permite um cuidado que se
adapta à diversidade de todas as pessoas e, ao mesmo tempo, dá conta da integralidade
de cada pessoa. As pessoas procuram ajuda na AB porque sofrem, e não porque tem
uma doença. Muitos dos que sofrem e procuram atendimento, estão de fato doentes,
mas dificilmente a doença explica todo seu sofrimento. O maior desafio dos serviços
de Saúde, no entanto, é cuidar daqueles que estão doentes sem sofrer e dos que sofrem
sem estar doentes. São os que estão doentes sem sofrer que fazem do diabetes mellitus,
da hipertensão e da obesidade os fatores de risco mais comuns para as doenças cárdio e
cerebrovasculares. São os que sofrem sem estar doentes que lotam as agendas da AB e
inflam as estatísticas de prevalência de depressão e de ansiedade.
Nesse ponto, vamos lembrar que não é a doença apenas que mobiliza os
cuidados dos profissionais de Saúde, mas sim pessoas que sofrem e, doentes ou não,
buscam ajuda. Portanto, dizer que uma pessoa não está doente, não significa que ela
não necessita de cuidado.
• Sofrimento não é doença. Em segundo lugar, as formas de expressão
mais frequentes do sofrimento (mental) na AB não podem ser facilmente categorizadas
como doenças. O que sabemos da sua fenomenologia indica que não há definição clara
do que é patológico e que essas formas são diversas e complexas demais para caberem
em meia dúzia de categorias diagnósticas. Além disso, não há um único marcador
biológico com utilidade clínica para essas formas de sofrimento. Por fim, toda
investigação causal, seja ela biológica, psicológica ou sociológica sobre essas formas
mais comuns de sofrimento mental aponta para um grande número de fatores de
vulnerabilidade, que interagem de forma dinâmica ao longo da história de vida de cada
pessoa, sem que nenhum deles seja determinante.
De fato, se quisermos ficar dentro do referencial médico, parece mais razoável
utilizar o conceito de síndrome clínica, ou seja, um agrupamento de sinais e sintomas,
que costumam se apresentar associados e seguir um determinado padrão de evolução.
• Estigma e sofrimento. Em terceiro lugar porque o estigma da expressão
doença mental (ou mesmo o eufemismo transtorno mental) é grande e significa um

35
sofrimento adicional para quem o carrega. Portanto, ainda que entre profissionais de
saúde seja útil usar no cotidiano expressões que condensem informação, precisamos
nos interrogar sobre o sentido que essas expressões carregam na comunidade.
A expressão doença mental e seus eufemismos podem induzir a pessoa, seus
familiares e sua comunidade a, pelo menos, dois erros comuns.
Primeiro erro, doença mental faz pensar em causa genética, hereditária, que
determina e limita as possibilidades da vida para a pessoa. Isso simplesmente não é
verdade para as formas mais frequentes de sofrimento mental na AB. Não há nenhuma
evidência desse grau de causalidade genética (KENDLER, 2006).
Segundo erro, associar a ideia de doença a um julgamento moral sobre a
pessoa. Muitos dizem que o deprimido, ou o alcoólatra, é no fundo um fraco. Ou, no
sentido inverso, é comum taxar um criminoso violento de doente mental
(esquizofrênico, drogado). Isso é tão absurdo quanto dizer que todo torcedor de futebol
é violento. Uma minoria, de fato, é violenta. Mas será que a violência está associada ao
fato de torcer ou a um contexto mais complexo? E como saber se existe uma
intensidade de torcida a partir da qual o torcedor se torna violento? Ninguém se
preocupa com isso quando diz que um amigo é torcedor doente. É o tipo de comentário
que trata com carinho a peculiaridade de uma pessoa, alguém que sai da norma, mas
que nem por isso perde seu lugar na comunidade. O mesmo não acontece quando se
diz que alguém é doente mental. A peculiaridade da histérica ou da paniquenta, do
bêbado ou do hipocondríaco transforma-se em rótulo que afasta a pessoa de seu lugar
na família, no trabalho ou mesmo na agenda do profissional de Saúde.

O que chamamos de sofrimento mental comum?

Quem trabalha ou estuda o sofrimento mental na AB sabe que tristeza,


desânimo, perda do prazer de viver, irritabilidade, dificuldade de concentração,
ansiedade e medo (às vezes na forma de crises) são queixas comuns dos usuários. Com
frequência, quem se queixa de uma delas, também se queixa de muitas das outras. Ou
seja, são queixas que costumam estar associadas. Por outro lado, muitos desses
mesmos usuários que relatam os fenômenos acima, também apresentam queixas como
mudança no sono e apetite (por vezes para mais, por vezes para menos), dores
(frequentemente crônicas e difusas), cansaço, palpitações, tontura ou mesmo alterações
gástricas e intestinais (GOLDBERG, 2005).

36
A essa altura, vocês já terão reconhecido que estamos falando aqui daquilo que
conhecemos como sintomas depressivos, ansiosos e de somatização. De fato, as
síndromes mais frequentes na AB são a depressiva, ansiosa e de somatização (as
chamadas queixas físicas sem explicação médica).
Ocorre que na AB, a maioria dos usuários que apresenta uma dessas três
síndromes também apresenta uma ou mesmo duas das outras síndromes. Ou seja,
existem mais quadros mistos do que puros. Mas ainda, os pesquisadores observaram
que essas três síndromes também compartilham fatores de risco e tem um curso clínico
semelhante (GOLDBERG, 2005). Por fim, muitas pessoas têm episódios intermitentes
de intensificação dessas síndromes, alternando períodos com pouca ou nenhuma
sintomatologia, com períodos de mais intensidade (que fecham diagnóstico) e de
menos intensidade (os chamados quadros subclínicos) (NICE, 2011).
Por causa da intersecção dessas três síndromes e de sua evolução flutuante,
podemos pensar nelas como dimensões diferentes do sofrimento mental comum, ao
invés de considerar cada síndrome como um diagnóstico ou categoria em separado.
Isso evita que se sobreponham comorbidades ou que se sucedam diagnósticos no
tempo que nada mais são do que intensidades diferentes da mesma combinação de
sintomas (GOLDBERG, 2000; JUDD, 1998). Aprendemos desde cedo que a ciência e
a arte da clínica residem em buscar um diagnóstico que dê conta do conjunto dos sinais
e dos sintomas de uma mesma pessoa no decorrer de sua evolução clínica.
Portanto, há razões suficientes para defender que as manifestações mais
comuns do sofrimento mental na AB fazem parte de uma única síndrome clínica com
três grupos ou dimensões de sintomas que se combinam: tristeza/desânimo, ansiedade
e sintomas físicos (somatização).
O Quadro 2, no final desse capítulo, relaciona o sofrimento mental comum às
principais categorias diagnósticas listadas na Classificação Internacional da Atenção
Básica (Ciap2) e na Classificação Internacional das Doenças (CID-10).

Compreendendo a pessoa que sofre em seu contexto de vida


Epidemiologistas e clínicos procuram compreender, ainda que usando métodos
diferentes, em que contexto se produz o sofrimento mental comum de populações, para
uns, e pessoas para outros. Estudos populacionais no Brasil e no mundo identificaram
uma série de características individuais que estão mais associadas a essa forma de
sofrimento. Essas características interagem e se combinam com outras, ainda não
37
identificadas, para determinar o grau de vulnerabilidade de cada pessoa a essa forma
de manifestação de sofrimento. A seguir, vamos discutir os principais aspectos do
contexto de vida de uma pessoa que estão associados ao sofrimento mental comum.
Vulnerabilidade: gênero, pobreza, cor da pele e desigualdade
Mulheres têm cerca de duas vezes mais chance de apresentar essa forma de
sofrimento do que os homens. Essa diferença está mais provavelmente relacionada à
diferença de gênero (papéis sociais da mulher e do homem) do que à diferença
biológica de sexo. Há também que se considerar que as diferenças de gênero
influenciam não apenas a vulnerabilidade ao sofrimento como também suas formas de
expressão. Isto é, podem haver formas socialmente melhores aceitas de sofrimento
para cada gênero. Homens, por exemplo, têm muito mais problemas relacionados ao
uso de substâncias psicoativas do que mulheres.
A pobreza também está
relacionada a um risco mais elevado
de sofrimento mental comum. No
Brasil, estudos apontaram baixa
escolaridade e menor renda como
fatores de risco (PATEL, 2003;
LORANT, 2003). A inserção das
pessoas no mundo do trabalho
também está relacionada ao
sofrimento mental. As pesquisas
mostram, como era de se esperar, que o desemprego aumenta a vulnerabilidade ao
sofrimento mental. E entre os empregados, aqueles que descrevem sua inserção no
trabalho como exigindo alto desempenho com pouca autonomia ou que sentem um
desequilíbrio pronunciado entre esforço e reconhecimento relatam mais sofrimento do
que o restante dos empregados (STANSFELD, 2006).
Uma importante pesquisa feita no Brasil mostrou ainda que a vulnerabilidade
das mulheres ao sofrimento mental comum é ainda maior entre as que se identificam
como negras e pardas (segundo o IBGE) e entre aquelas com menor renda.

Desestabilização: eventos de vida e seus significados

38
Além de fatores estruturais como gênero, cor da pele, renda, escolaridade e
trabalho, fatores conjunturais também aumentam o risco de sofrimento mental. É
muito frequente que as pessoas relatem que algum acontecimento marcante em suas
vidas tenha precedido o aparecimento do sofrimento.
Pesquisas mostraram que, na maioria das vezes, o que torna esses
acontecimentos marcantes é o desencadeamento de sentimentos de humilhação ou de
sentir-se sem saída. A humilhação está normalmente associada à perda de um vínculo
importante (uma separação conjugal, por exemplo), um ato de delinquência vindo de
alguém próximo (ter um filho preso) ou ainda a situações que são vividas como uma
diminuição da pessoa diante da sua comunidade (sofrer violência doméstica, ser
despejado, ter um filho que usa drogas ou largou os estudos etc.). Já a sensação de
sentir-se sem saída foi relacionada a eventos que de alguma forma confirmam a
impossibilidade de mudar uma situação vivida como punitiva. Por exemplo, a tentativa
fracassada de mudar uma relação conjugal abusiva, um conflito mais intenso no
ambiente de trabalho, quando não se tem a opção de mudar de emprego, ou, ainda, o
diagnóstico ou o agravamento de uma doença crônica incapacitante ou que ameace a
vida da pessoa. Outros eventos descritos como marcantes em pesquisas envolviam a
perda de uma relação significativa, como a morte de um parente próximo. E, por fim,
alguns eventos foram descritos como marcantes por desencadearem sensação de medo
(episódios de violência urbana) e nesse caso estavam mais associados a sentimentos de
ansiedade do que de tristeza e desânimo (BROWN; HARRIS, 1978; HARRIS, 2000;
BROWN, 2002).
Resiliência: temperamento e apoio social
Se for verdade que a grande maioria do sofrimento mental comum está
relacionada a algum evento de vida marcante, nem todos os que passam por situações
como as descritas acima sofrem a ponto de buscar ajuda no sistema de saúde. As
pesquisas também mostram que traços que podem ser descritos como fazendo parte do
temperamento ou personalidade de uma pessoa, somados aos fatores estruturais
(gênero, pobreza etc.) já mencionados, podem combinar-se para atenuar ou
intensificar, prolongar ou encurtar o sofrimento de alguém que passa por um evento de
vida desestabilizador. É provável que essas características de personalidade tenham
diferentes graus de determinação genética, ainda que sempre modulados por fatores
ambientais, principalmente no período de desenvolvimento da criança (KENDLER;
PRESCOTT, 2006).
39
O traço de temperamento mais mencionado está relacionado à autoestima.
Autoestima elevada é um protetor do sofrimento mental comum. Já a baixa autoestima
é um sentimento que pode colorir diversas situações e cuja origem é frequentemente
relacionada tanto às primeiras experiências de vinculação afetivas na infância quanto à
qualidade das principais relações afetivas no presente (BROWN, 2002).
Por fim, o que emerge como um importante fator protetor para o sofrimento
mental é a presença e a qualidade das relações que possuímos com pessoas próximas.
São pessoas que podem nos oferecer, nos momentos de crise, apoio emocional (escuta,
validação dos sentimentos), apoio material (ajuda para cuidar da casa quando estou
doente, emprestar dinheiro) ou apoio para buscar recursos que ajudem a resolver meus
problemas (desde a indicação de onde posso buscar tratamento até uma oportunidade
de emprego, informação). É a percepção de que se pode contar com esse apoio social
que exerce um fator protetor, principalmente contra a persistência do sofrimento
mental mais intenso (BRUGHA,1995).
O que discutimos até agora nos mostra que o sofrimento mental comum é o
resultado do impacto emocional na vida da pessoa, da sua condição social, do seu
temperamento, da sua história de vida e da sua rede de apoio. Que o profissional de
Saúde compreenda esse contexto para cada uma das pessoas que o procuram, é
condição necessária, e às vezes suficiente, para produzir saúde.

Impacto do sofrimento mental comum na saúde


Há evidências sólidas que o sofrimento mental comum tem um impacto
significativo em alguns dos mais prevalentes agravos à saúde. Seja como fator de
risco, seja piorando a aderência ao tratamento, ou ainda piorando o prognóstico,
pesquisas que estudaram sintomas depressivos e ansiosos mostraram que esses estão
relacionados à doença cárdio e cerebrovascular e também ao diabetes. E isso ocorre
mesmo quando esses sintomas não são suficientes para fechar diagnóstico de acordo
com critérios padronizados de pesquisa. A dependência de substâncias psicoativas
também se revelou associada ao curso de doenças infecciosas, principalmente no que
se refere à aderência ao tratamento. Muito significativos são os estudos que associam
problemas mais graves de saúde mental, como depressão e psicose puerperal a
prejuízos na saúde dos bebês. O quadro a seguir mostra uma síntese dos resultados de
diversos estudos relacionando problemas de saúde mental a problemas de saúde física.
Quadro 1 – Associação entre problemas de saúde mental e outros agravos
40
à saúde
T. Mental é T. Mental T. Mental
fator de risco piora piora
aderência ao prognóstico
tratamento
Doenças não infecciosas
Depressão/ansiedade e 4 2 3
doença coronariana
Depressão e AVC 3 0 3
Depressão/ansiedade e 1 3 3
diabetes
Doenças infecciosas
Dependência química e 2 3 3
HIV/aids
Alcoolismo e tuberculose 2 3 3
Depressão/ansiedade e 0 3 0
tuberculose
Saúde materno-infantil
Depressão puerperal e déficit 3 0 0
no desenvolvimento do bebê
Psicose puerperal e 4 ND ND
mortalidade infantil
Legenda: 4= associação forte confirmada por meta-análise ou revisão
sistemática;3= associação consistente confirmada por diversos estudos; 2=
associação confirmada por um estudo; 1= associação inconsistente; 0= nenhuma
associação confirmada; ND= dados inexistentes
Fonte: Adaptado a partir de Prince et al, 2007.

Esses estudos indicam a necessidade de uma abordagem integral na clínica,


posto que aquilo que didaticamente dividimos em saúde mental e em saúde do corpo,
na realidade das pessoas que sofrem encontra-se absolutamente inter-relacionado.

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Alcoolismo: detecção e intervenção breve

O abuso de álcool é a situação mais comum que encontramos na Atenção


Básica. A abordagem ao alcoolismo na Atenção Básica tem como objetivo a detecção
precoce de problemas relacionados, além da integração do tratamento de outras
patologias agravadas pelo álcool, como, por exemplo, a hipertensão. Recomenda-se
que o generalista avalie o padrão de consumo de álcool como rotina, desde a
adolescência. A pessoa dependente de hoje já percorreu uma longa trajetória de uso
crescente do álcool. Ao longo dessa trajetória, essa pessoa certamente encontrará um
profissional de saúde, geralmente da Atenção Básica, que terá a oportunidade de
perceber o risco desse uso crescente e intervir. Neste nível de cuidado, é possível
reconhecer sinais e sintomas de abuso de álcool, discutir o risco envolvido, fazer
orientações contrárias ao consumo abusivo nas famílias e encaminhar os pacientes para
serviços especializados quando indicado. É importante que se mostre claramente as
consequências clínicas, psicológicas e sociais do uso contínuo de álcool. Os
profissionais de Saúde também devem considerar o abuso ou a dependência de álcool
como uma possível causa de sintomas de ansiedade ou depressão.
Como detectar o uso abusivo de álcool? Existem alguns questionários já
consagrados e de fácil uso dos quais se podem lançar mão na Atenção Básica. Um
deles é conhecido como Audit. Ele é composto por dez perguntas que investigam o
padrão de uso de álcool nos últimos 12 meses. Cada resposta gera uma pontuação. O
valor da soma das dez pontuações indica a presença e a intensidade dos problemas
relacionados ao álcool. Veja o questionário a seguir:

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AUDIT – TESTE PARA IDENTIFICAÇÃO DE PROBLEMAS
RELACIONADOS AO USO DE ÁLCOOL
1. Com que frequência você toma bebidas alcóolicas?
(0) Nunca [vá para a questão 9)
(1) Mensalmente ou menos
(2) de 2 a 4 vezes por mês
(3) de 2 a 3 vezes por semana
(4) 4 ou mais vezes por semana
2. Quando você bebe, quantas doses você consome normalmente?
(0) 1 ou 2
(1) 3 ou 4
(2) 5 ou 6
(3) 7a9
(4) 10 ou mais
3. Com que frequência você toma 5 ou mais doses de uma vez?
(0) Nunca
(1) Menos de uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias
Se a soma das questões 2 e 3 for 0, avance para as questões 9 e 10.
4. Quantas vezes, ao longo dos últimos 12 meses, você achou que não
conseguiria parar de beber uma vez tendo começado?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias
5. Quantas vezes, ao longo dos últimos 12 meses, você, por causa do álcool,
não conseguiu fazer o que era esperado de você?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente

43
(4) Todos ou quase todos os dias
6. Quantas vezes, ao longo dos últimos 12 meses, você precisou beber pela
manhã para se sentir bem ao longo do dia após ter bebido bastante no dia anterior?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias
7. Quantas vezes, ao longo dos últimos 12 meses, você se sentiu culpado ou
com remorso depois de ter bebido?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias
8. Quantas vezes, ao longo dos últimos 12 meses, você foi incapaz de lembrar o
que aconteceu devido à bebida?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias
9. Alguma vez na vida você já causou ferimentos ou prejuízos a você mesmo
ou a outra pessoa após ter bebido?
(0) Não
(2) Sim, mas não nos últimos 12 meses
(4) Sim, nos últimos 12 meses
10. Alguma vez na vida algum parente, amigo, médico ou outro profissional da
Saúde já se preocupou com o fato de você beber ou sugeriu que você parasse?
(0) Não
(2) Sim, mas não nos últimos 12 meses
(4) Sim, nos últimos 12 meses

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Equivalências de Dose Padrão
CERVEJA: 1 chope/1 lata/1 longneck (~340ml) = 1 DOSE ou 1 garrafa = 2 DOSES
VINHO: 1 copo comum (250ml) = 2 DOSES ou 1 garrafa (1l) = 8 DOSES
CACHAÇA, VODCA, UÍSQUE ou CONHAQUE: meio copo americano (60ml) = 1,5
DOSES ou 1 garrafa = mais de 20 DOSES
UÍSQUE, RUM, LICOR etc: 1 dose de dosador (40ml) = 1 DOSE
A partir do valor da soma das dez respostas, você deve orientar a sua conduta:
Escores Intervenção
0–7 Prevenção primária
8 – 15 Orientação básica
16 – 19 Intervenção breve e monitoramento
20 – 40 Encaminhamento para serviço especializado

Transtornos mentais graves e persistentes: esquizofrenia e psicoses afetivas


A Atenção Básica desempenha importante papel no diagnóstico precoce, no
início rápido do tratamento, na manutenção do tratamento farmacológico dos quadros
estáveis e na reabilitação psicossocial para os quadros de psicose. Além disso, é
importante afirmar que, mesmo os pacientes acompanhados por serviços
especializados da rede de atenção psicossocial (como os Caps), devem continuar sendo
acompanhados pela rede básica de Saúde, já que, além de demandas psiquiátricas e
psíquicas, esse usuário precisa continuar sendo assistido em suas necessidades clínicas.

45
Diagnóstico precoce e intervenção na crise

A proximidade com os usuários e a possibilidade de acompanhar


longitudinalmente as famílias fazem da Atenção Básica a instância privilegiada para a
suspeita diagnóstica precoce das psicoses.
Quadros psicóticos primários em jovens, principalmente a esquizofrenia,
podem se iniciar com períodos de retração social e queda do rendimento escolar. Esse
comportamento deve estar acompanhado de delírios ou alucinações. Lembrando que
delírios são crenças, verossímeis ou não, que apesar de se basearem em evidências
ambíguas, ou até mesmo bizarras, são mantidas pela pessoa com uma convicção que
não é compartilhada pelos seus próximos. As alucinações, que por vezes estão na raiz
dos delírios, são alterações da sensopercepção do real, vividas como reais pela pessoa.
As alucinações mais frequentes são auditivas. As pessoas também podem apresentar
desorganização ou infantilização do discurso e do comportamento. Esses sintomas
aparecem no espaço de semanas ou poucos meses. Às vezes, a pessoa esconde os
sintomas, o que exige criar uma relação de confiança e investigar em detalhes os
relatos. Para confirmação ou exclusão do diagnóstico é necessário apoio de
profissionais de saúde mental.

46
Outros quadros psicóticos combinam-se com alteração do humor. São as
psicoses afetivas mencionadas na Classificação Internacional da Atenção Básica (ver a
seguir). Os delírios e alucinações podem surgir em um contexto de fortes sintomas
depressivos. Ou ainda do que chamamos de sintomas maníacos. A mania, nesse
sentido, é um oposto da depressão. Caracteriza-se por uma sensação de bem-estar e
onipotência incomuns à pessoa. Aceleração da fala, impulsividade (nos gastos de
dinheiro, na sexualidade), desinibição, bom humor, dificuldade de concentrar-se e
diminuição do sono são sintomas comuns e podem combinar-se entre si. Os sintomas
surgem no período de semanas e, também nesse caso, é necessário recorrer ao apoio de
profissionais de Saúde Mental para fechar um diagnóstico.
A maior facilidade para realizar atendimentos em domicílio e os vínculos que
as equipes de Atenção Básica fazem com as famílias podem possibilitar intervenções
rápidas e efetivas na crise (ver seção a seguir).

Seguimento de longo prazo e reabilitação psicossocial

Nos quadros psicóticos estáveis, mesmo em regiões com recursos suficientes,


os generalistas podem compartilhar o cuidado do transtorno mental com o psiquiatra,
diminuindo o número necessário de visitas ao psiquiatra. Na realidade atual do SUS, é
grande o número de pacientes portadores de psicoses crônicas que são acompanhados
quase que exclusivamente por generalistas. O problema é que muitos se limitam ao
fornecimento de medicação.
Para ir, além disso, também é necessário apoio próximo de profissionais de
Saúde Mental. Um pacote mínimo de cuidado na Atenção Básica deve incluir
intervenções psicoeducacionais simples e, principalmente, a intermediação de ações
intersetoriais. Essas visam aumentar a capacidade das pessoas que sofrem com
transtornos mentais graves e persistentes de exercitarem sua cidadania. Ou seja,
estudar, trabalhar, ganhar dinheiro, fazer amigos, namorar, frequentar espaços
públicos, participar das decisões que influenciam em sua vida. Essas são ações que
dependem de inserção no território, e é por isso que a Atenção Básica tem tanto a
contribuir e aprender com o trabalho dos Caps.
Além disso, há que prover cuidado para as comorbidades clínicas frequentes
nessa população, um aspecto frequentemente negligenciado. Por sofrer em razão da
esquizofrenia e da reação de exclusão social em sua comunidade, muitas pessoas
47
parecem que perdem o direito aos cuidados de saúde integral. Hipertensão e diabetes,
por exemplo, podem inclusive ser agravados por algumas das medicações mais usadas
no tratamento das psicoses.

As situações de crise na saúde mental

O alvoroço, a desorganização, a confusão, o comportamento violento são


algumas das características mais facilmente associadas a situações de crise na saúde
mental. O choro, o isolamento, a tristeza, a apatia, a insegurança são algumas das
expressões que igualmente denotam que algo não vai bem com o sujeito, e que o fazem
merecedor da atenção daqueles que convivem com ele.
A incerteza, a ameaça, a insegurança e o medo são alguns dos sentimentos que
podem fazer-se presentes nessas situações, tanto para o sujeito dito em crise quanto
para os que convivem com ele, produzindo uma configuração social, marcada por
severas dificuldades de comunicação e expressão entre os envolvidos, o que termina
por amplificar o problema e gera uma sensação de urgência profundamente
mobilizadora.
Assim, como em uma bola de neve, familiares, vizinhos, amigos, transeuntes e
inclusive os profissionais que são chamados a prestar socorro nessas situações podem
ser arrastados a emitirem respostas e comportamentos automáticos que nem sempre
são os mais adequados para fazer face aos problemas a serem enfrentados.
Assim, o sentimento de despreparo para realizar uma intervenção que seja
socialmente e tecnicamente adequada para fazer diante dessas situações não é menor
no leigo, do que a que acomete os profissionais de Saúde em geral. Desse modo, a
abordagem das situações que envolvem este tipo de componente psíquico-mental tende
a ser inadequadamente atribuída aos especialistas em detrimento das múltiplas
possibilidades que todo profissional de Saúde tem para operar satisfatoriamente nestas
condições.

O que é crise afinal?

A palavra crise vem do grego krísis, que significava, na sua origem, momento
de decisão, de mudança súbita; separar, decidir, julgar. Na história da Medicina,
segundo antigas concepções, constituía um momento decisivo para evolução de uma
48
doença para cura ou para morte. Para os chineses significa, ao mesmo tempo, risco e
oportunidade.
No caso das crises psíquicas, o desarranjo, o desespero, as vozes, visões ou a
eclosão psicótica expressam também uma tentativa de cura ou de resolução de
problemas e sofrimentos cruciais na vida da pessoa, de um núcleo familiar e
comunitário. Em saúde mental os sintomas não necessariamente devem ser suprimidos,
muitas vezes eles devem ser acolhidos e suportados – considerando aqui ofertas de
suporte adequadas.
As crises psíquicas são suportadas, muitas vezes, por igrejas, terreiros e outras
formas culturais. Somente parte delas é tratada pela Psiquiatria. Muitos atores podem
ser acolhedores de pessoas em crise: médicos de família, agentes de Saúde,
enfermeiros, vizinhos ou outros.
É preciso ampliar conceitos e superar o olhar apenas episódico garantindo um
cuidado continuado. A crise faz parte do cotidiano dos sujeitos que estão
constantemente lidando com momentos que geram desorganização em sua vida.

O que fazer?
A sensação de não ser capaz de se aproximar de uma pessoa em situação de
crise é bastante comum tanto no profissional de Saúde quanto na população em geral.
Tal convicção deve-se em parte aos séculos de isolamento e exclusão ao quais vem
sendo submetidas pessoas que vivenciam a experiência da loucura. Um elemento a ser
considerado na superação desta aparente limitação é o reconhecimento, por parte do
profissional, do intenso sofrimento vivenciado pelo usuário. Também é importante a
constatação de que a crise é inerente à existência humana, constituinte do processo do
viver, presença marcante nas diferentes formas de viver a vida.
Consideraremos as situações de crise como fenômenos essencialmente
relacionais, como conflito ou quebra de consenso entre um sujeito e outro sujeito,
mesmo que em algumas situações este outro pareça ser ele mesmo. Portanto, trata-se
de situações cuja questão central é como restabelecer uma relação consensual e
contratual, com responsabilidades compartilhadas entre as partes.
Muitas vezes, nestas situações, desde o lugar do profissional, a grande tentação
é assumir o lugar de juiz da contenda, buscando estabelecer o certo e o errado, o que
invariavelmente leva a tomar a causa de uma das partes ou, no limite tornar-se uma
terceira parte na contenda. Ao invés disso, entendemos que o papel do profissional

49
deve ser o de mediar as partes e buscar reestabelecer um consenso entre as mesmas.
Discutir crise requer considerar vários elementos que perpassam pelas
dimensões da clínica, da cultura, das histórias singulares dos sujeitos e dos recursos
disponíveis no seu contexto familiar e social. A atenção à crise está associada
prioritariamente à oferta de uma atenção longitudinal nos contextos de vida das
pessoas.
Contudo, alguns pressupostos devem ser considerados como norteadores para
fundamentar a organização da rede na perspectiva de acolher, abordar e cuidar de
pessoas em situação de crise no território:
• Evitar a internação psiquiátrica e sustentar o usuário no seu contexto de
vida com o apoio da Rede de Atenção Psicossocial (Raps).
• Potencializar e qualificar todos os pontos da Rede de Atenção
Psicossocial para desenvolver intervenção nas situações de urgência/ emergência e no
cuidado longitudinal.
• A exclusão de hospital psiquiátrico do circuito assistencial, anulando a
oferta de leitos e a valorização da existência de serviços de urgência e emergência
psiquiátrica nesta instituição.
• A internação precisa ser considerada como último recurso e quando
necessária, como instrumento do Projeto Terapêutico Singular (PTS) e não como
resposta a uma situação específica. Devendo também, quando necessário, ser realizada
prioritariamente nos Caps, com a lógica do acolhimento integral, e nos hospitais gerais
de forma articulada com a rede.
É de suma importância lembrar que ao acolher uma pessoa em situação limite
deve-se ter em mente que a crise não deve ser compreendida como condição pessoal,
localizada no interior da pessoa que a manifesta, mas ela é produzida nas relações e
contextos de vida do usuário. É fundamental a compreensão da crise como um
fenômeno constituído entre os sujeitos, costumeiramente em cenários de conflitos
exacerbados, ruptura de consensos, esgarçamento das relações e busca ineficaz de
comunicação.
Diante disto, a intervenção terapêutica deve dirigir-se não somente para o
usuário, mas também para a produção de consensos possíveis entre as partes
envolvidas, a partir do reconhecimento de interesses singulares. O profissional deve
investir na mediação entre o usuário e seu conjunto de relações, visando à inclusão, à
legitimação e à corresponsabilização dos envolvidos na produção de novas pactuações,

50
ainda que provisórias. Reinstaurar o diálogo, coloca-se simultaneamente como
objetivo e ação terapêutica.
Entre as pactuações a serem produzidas devem constar as ações a serem
desenvolvidas no processo de cuidado. A comunicação com o usuário deve ser
verdadeira e exercida o mais claramente possível, assim como devem ser explicitadas
as propostas de intervenção. Medidas involuntárias devem ser utilizadas tão somente
como excepcionalidade, depois de esgotadas todas as tentativas de diálogo, e em
situações pontuais.
É fundamental ainda que o profissional possa contribuir para favorecer a
distinção entre a identidade e a atitude do usuário. Uma atitude supostamente
agressiva, por exemplo, não coloca necessariamente o seu autor como agressivo em
seu conjunto de relações. Deve-se buscar compreender motivações, tensões, enfim, as
condições nas quais a ação do usuário se desenvolveu, contextualizando as ações.
Não é incomum que comportamentos estranhos tantas vezes presentes em
situações limites sejam aceitos como inerentes à crise sem que possíveis significados
lhe sejam atribuídos. Ações e expressões do usuário não devem ser interpretadas tão
somente como manifestação natural da crise, sem significado singular. Cabe ao
profissional apoiar os envolvidos na produção de possíveis sentidos com os quais se
deve buscar dialogar, permitindo diferentes possibilidades de ser e estar no mundo.
Não há local específico e unicamente responsável por acolher às situações de
crise. A abordagem às situações de crise deve acontecer no local onde se encontra o
usuário, ou seja, em seu circuito de vida ou de cuidado: casa, rua, UBS, Caps, pronto-
socorro etc., não sendo de exclusividade do profissional médico ou mesmo do
profissional de Saúde.
Manifestar disponibilidade de escuta, negociar processualmente a aproximação
são posturas fundamentais para a busca de encontro com o usuário. Para que haja
reciprocidade nas relações é necessário que haja compartilhamento de poder.
Historicamente a pessoa em situação de crise tem seu poder de decisão cerceado, seja
pela experiência de sofrimento psíquico, seja pelas pessoas e instituições ao seu redor.
Nesse sentido, qualquer tentativa de aproximação deve buscar, a cada momento, a
anuência do usuário.

51
Especificidades do cuidado em saúde mental para crianças e adolescentes na
Atenção Básica

Não é raro mães, pais, avós ou cuidadores trazerem crianças e adolescentes aos
serviços de Saúde, especialmente aos da Atenção Básica, com queixas que podem estar
relacionadas a questões de saúde mental: ‘não obedecem em casa e/ou na escola’, ‘são
muito inibidas’, ‘não falam’, ‘agem de maneira inadequada’, entre várias outras
situações onde o comportamento da criança ou do adolescente é apontado como o foco
do problema a ser tratado.
Há também demandas originadas pelas escolas, que acabam por levar os
pais/responsáveis aos serviços de Saúde: “vim aqui porque a escola falou que este
menino precisa de atendimento psicológico ou de tomar um remédio para os nervos”,
“a professora disse que só fica com ele se tiver um laudo”, e assim por diante. Essas
demandas na grande maioria das vezes eram (e ainda são) encaminhadas para um
neurologista infantil. Grande parte dessas crianças acaba por realizar exames de
eletroencefalograma, sendo que apenas em uma desprezível minoria dar-se-á o achado
de ondas indicadoras de algumas formas de epilepsia. A grande maioria não apresenta
alterações, ou aponta resultados anormais inespecíficos. Os pais/responsáveis
retornam, então, aos serviços de Saúde pedindo uma nova resposta ou outra solução,
pois o “exame deu normal, mas o menino ainda não para quieto”.
Diante das queixas trazidas por pais ou escolas, da complexidade envolvida no
esclarecimento de situações que podem afetar crianças e adolescentes e fazê-los
manifestar sofrimento por meio de formas diversas, da inoperância de recursos

52
tecnológicos em elucidar problemas de saúde mental (por exemplo, o
eletroencefalograma ou a tomografia computadorizada praticamente não têm valor
elucidativo no que se refere ao comportamento ou ao sofrimento de uma pessoa), e dos
mitos e crenças que são transmitidos geração após geração é que vamos apontar alguns
princípios e reflexões sobre diferentes maneiras de cuidar de crianças, adolescentes e
de suas famílias quando problemas comportamentais são motivos de busca por
serviços de saúde, via Atenção Básica (AB).

Para iniciar a conversa

É recente o reconhecimento de que crianças e adolescentes apresentam


problemas de saúde mental e de que esses problemas podem ser tratados e cuidados.
Em função disso, tem havido esforços no sentido de ampliar o conhecimento sobre tais
problemas e sobre suas diversas formas de manifestação, assim como tem sido
consenso a necessidade de ser construída uma rede de serviços e de ações, capazes de
responder pela complexidade de questões envolvidas na saúde mental infantil e
juvenil.
Ao contrário da crença popular, estudos epidemiológicos apontam que
problemas de saúde mental em crianças e adolescentes são comuns: atingem cerca de
10% a 20% deles, dependendo da metodologia utilizada para estimar a prevalência
(OMS, 2001). No Brasil, estudos recentes apontam uma taxa de prevalência entre
10,8% e 12,7% (FLEITLICH-BILYK; GOODMAN, 2004; ANSELMI et al., 2009).
Em relação aos tipos de problemas encontrados, verificou-se que os mais comuns são
ansiedade (5,2% – 6,2%), problemas de conduta/comportamento (4,4% – 7,0%),
hiperatividade (1,5% – 2,7%) e depressão (1,0% – 1,6%). Autismo e problemas
correlatos apresentam taxa de prevalência abaixo de 1%. Dados da Pesquisa Nacional
de Saúde do Escolar (PeNSE) apontaram que 71,4% dos alunos já havia
experimentado bebida alcoólica, sendo que 27,3% referiram consumo regular de álcool
e 9,0% problemas com uso de álcool; 8,7% informaram experimentação de outras
drogas.
Muitos estudiosos e profissionais da Saúde pública têm utilizado
prioritariamente, no caso da saúde mental infantil e juvenil, a noção de ‘problemas de
saúde mental’ no lugar da de ‘transtornos mentais’. As classificações atuais (CID X e
DSM IV), ao agruparem as queixas sob a rubrica de transtornos têm se mostrado
53
insuficientes para fazer frente à diversidade de influências (culturais, sociais,
familiares e do próprio desenvolvimento infantil) que contam para o estabelecimento
de hipóteses diagnósticas na população em questão.
Os estudos epidemiológicos também demonstram haver
impactos negativos, advindos de problemas não tratados ou
cuidados, na sociabilidade e na escolaridade, que tendem a
persistir ao longo dos anos. A maioria dessas crianças e
adolescentes não recebem cuidados adequados, ou mesmo não
tem acesso a qualquer serviço ou ação de saúde compatível
com suas necessidades. A Atenção Básica tem uma importante
função na ampliação do acesso e na redução de estigmas e
preconceitos, podendo ser efetiva no manejo de muitas situações, mesmo naquelas que
exigem parceria com serviços específicos de saúde mental.
Para que possa ser resolutiva e contribuir para a melhoria do cuidado, a AB
necessita aumentar sua acuidade para as diferentes e inventivas formas de expressão
dos problemas que as crianças e jovens apresentam, e para oferta de suporte a eles e
suas famílias. As dificuldades dos profissionais da AB na identificação de problemas
em saúde mental nessa população envolvem diferentes aspectos, sendo mais comum a
identificação de problemas com componentes somáticos (enurese, encoprese, bruxismo
etc.), ou de transtornos específicos do desenvolvimento (aprendizagem e linguagem).
Depressão e ansiedade são raramente, ou nunca, aventadas para a infância e
adolescência; e a hipótese de transtorno de conduta geralmente é feita de modo
bastante genérico e, muitas vezes, resultado apenas de valores morais ou normativos
(TANAKA; LAURIDSEN-RIBEIRO, 2006). Essas dificuldades estão relacionadas,
em grande medida, ao caráter recente do reconhecimento de que na infância e na
adolescência há possibilidade de emergência de sofrimento psíquico, que requererá
acolhimento e cuidado.

Valores e princípios do atendimento em saúde mental de crianças e


adolescentes
Apenas no início do século XXI, o Estado brasileiro, por meio do Sistema
Único de Saúde (SUS), estabeleceu responsabilidades e diretrizes para o cuidado em
saúde mental de crianças e adolescentes. Anteriormente, esta responsabilidade ficava a
cargo de entidades filantrópicas e educacionais que, mesmo não vocacionadas para

54
este atendimento, recobriam o hiato aberto pela ausência de proposições políticas e de
diretrizes públicas para a orientação do cuidado (COUTO, 2004).
Desde 2002, entretanto, o Ministério da Saúde (MS) vem investindo recursos e
dispondo orientações para superar essa lacuna histórica de assistência às crianças e
adolescentes por parte da saúde mental. Em 2005, estabeleceu orientações para
efetivação da política pública de saúde mental infantil e juvenil (BRASIL, 2005), que
vem impactando positivamente a construção da rede de serviços para esta população.
As diretrizes atuais da saúde mental estão alinhadas com os princípios estabelecidos no
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – que afirmam a criança e o adolescente
como sujeitos de direito; com as bases éticas do Movimento da Reforma Psiquiátrica –
que defende o direito à inclusão social da pessoa com transtorno mental; e também
com as deliberações da III e IV Conferências Nacionais de Saúde Mental, realizadas
respectivamente em 2001 e 2010 – que propõem a montagem de um sistema
intersetorial e abrangente diante da complexidade de demandas que envolvem a saúde
mental dessa população, nomeado Rede Pública Ampliada de Atenção à Saúde Mental.
Do ponto de vista da saúde mental, cada criança e adolescente é um sujeito
singular e deve ser abordado a partir dessa condição. Isso significa dizer que cada um
tem sua própria história, seu jeito de ser, seu modo de aprender as experiências por que
passa, suas questões subjetivas, familiares e sociais, suas dificuldades, e suas tentativas
de solução. Mesmo que tenham diagnósticos semelhantes, são pessoas únicas, que
vivem sob dinâmicas familiares também próprias e, como tais, devem ser tratadas e
respeitadas.

Como cuidar da saúde mental de crianças e adolescentes segundo estes


princípios?
Primeiramente é importante lembrar o princípio do SUS de acesso e
acolhimento universal, direito de todo cidadão. Mais do que oferta de serviços, o
acesso é considerado um modo de acolher, ouvir e responder a cada um e a cada
situação que vive. É um momento privilegiado para o estabelecimento de vínculos,
para a escuta respeitosa das questões que preocupam a família, para escuta do que a
própria criança ou adolescente tem a dizer ou transmitir, assim como é uma
oportunidade imprescindível para o recolhimento dos pontos relevantes que poderão
orientar o trabalho a ser feito e a resposta a ser dada.
Como algumas situações demandarão o encaminhamento para outros serviços,

55
um destaque especial é dado à orientação de que este encaminhamento não se reduza a
um procedimento burocrático de referenciamento (tão comum nos modelos
tradicionais de assistência, quando era feito por intermédio de um papel de referência e
contrarreferência). A orientação atual é a de um encaminhamento implicado, em que
aquele que encaminha se corresponsabiliza e participa ativamente de todo o processo
de chegada do caso a seu novo destino. Mesmo depois disso, permanece atento e ativo
no acompanhamento da situação. Para enfrentar a sobrecarga que poderia advir, caso
todo esse trabalho fosse feito sem uma lógica planejada e pactuada, a noção de rede é o
diferencial, mesmo sem suprimir a sobrecarga derivada da coordenação do cuidado em
rede. Isso quer dizer que, de maneira corresponsável, cada um dos serviços,
trabalhadores e demais envolvidos operam em parceria, discutem e pactuam as
direções a seguir, avaliam os efeitos das estratégias e, desta forma, constroem uma
rede de suporte para cada situação ou caso específico. Nada disso seria possível sem a
noção de território, fundamento preciosíssimo para a saúde mental e para a AB. Mais
do que uma população adscrita (esta é necessária para possibilitar o real conhecimento
dos casos a serem cobertos), a ideia de território tem relação com as geografias
subjetivas, culturais, afetivas que cada sujeito, criança ou não, desenha para si. O
território é o lugar psicossocial do sujeito, a partir do qual seu cuidado ganha sentido e
relevância. Fora dele, o ato do cuidado é pura imposição e, frequentemente, gera
fracasso e abandono. Particularmente com crianças e adolescentes, é comum que
diferentes instituições e setores públicos estejam envolvidos na sua história, a começar
pela família. Dessa forma, a intersetorialidade é um princípio ainda mais importante do
trabalho em saúde mental com essas crianças e jovens, e deve orientar parcerias
permanentes com todos os implicados, especialmente com a educação, a assistência
social, a justiça e os direitos – setores historicamente relevantes na assistência às
crianças e aos adolescentes brasileiras.
O que está em ação aí é a noção de uma rede pública ampliada de atenção em
saúde mental para crianças e adolescentes, onde vários setores, instituições,
profissionais, meninos, meninas, jovens e comunidades se corresponsabilizam em
nome da construção de uma vida menos atormentada para cada um, segundo as
possibilidades que lhes são próprias.

Rede Ampliada de Atenção à Saúde Mental e o papel da Atenção Básica

56
As crianças e adolescentes frequentam com assiduidade as Unidades Básicas de
Saúde (UBS) por vários motivos e estes momentos de contato representam
oportunidades importantes para acolhimento, observação e aconselhamento das
famílias, mesmo quando a queixa não é explicitamente relacionada com a saúde
mental.
A interface da AB com as escolas do território também possibilita a
implementação de ações de promoção da saúde mental e prevenção de problemas nesta
área. Em muitas situações, a unidade de saúde se limita a referendar o
encaminhamento da escola para um especialista. É fundamental, no entanto, que a
equipe invista em uma mudança de paradigma: as escolas devem ser vistas também
como pontos de saúde ampliados, onde são possíveis desde ações de promoção e
prevenção, até mesmo intervenções em situações de gravidade. O território detém
muitos recursos valiosos que podem ser disponibilizados e arranjados para compor
projetos terapêuticos efetivos. Os setores da educação, assistência social e justiça, além
da saúde em geral, e da saúde mental em particular, devem se implicar na busca de
processos de trabalhos mais coletivos em prol de resultados melhores e mais justos
voltados para a melhoria da saúde mental dessas crianças e adolescentes. Muitas vezes
o compartilhamento de um caso concreto, de uma menina ou menino real em situação
complexa que extrapola setores compartimentalizados, pode desencadear ações
efetivas, potencializadas pelas contribuições e tomadas de responsabilidade dos vários
atores/ setores envolvidos (COUTO; DELGADO, 2010).

Fatores de risco e proteção

A ocorrência da maioria dos problemas de saúde mental é determinada por um


conjunto de fatores. O impacto de cada fator varia de problema para problema, e de
criança para criança. Existem fatores que estão fortemente associados com o
desenvolvimento dos transtornos mentais, e outros que têm efeitos protetores.
Tradicionalmente há três principais domínios que merecem consideração: social,
psicológico e biológico. É importante ressaltar que, na prática, os fatores não se
apresentam de forma isolada, mas interagem de forma dinâmica. De forma geral,
entende-se que a somatória de vários fatores de risco é mais importante para o
desencadeamento dos transtornos do que um fator isolado.
O conhecimento desses fatores, tanto os de risco como os de proteção, permite
57
o desenvolvimento de estratégias e ações de prevenção e tratamento dos problemas de
saúde mental.

Quadro 2 – Fatores de risco e de proteção selecionados para saúde mental


de crianças e adolescentes
Domínio Fatores de risco Fatores protetores
S a) Família – Cuidado parental – Vínculos familiares fortes;
oc
ial
inconsistente; – Oportunidades para
– Discórdia familiar excessiva; envolvimento positivo na
– Morte ou ausência abrupta de família.
membro da família;
– Pais ou cuidadores com
transtorno mental;
– Violência doméstica.
b) Escola – Atraso escolar; – Oportunidades de
– Falência das escolas em envolvimento na vida da
prover um ambiente interessante e escola;
apropriado para manter a assiduidade – Reforço positivo para
e o aprendizado; – Provisão conquistas acadêmicas
inadequada-inapropriada do que cabe Identificação com a cultura
ao mandato escolar; da escola
– Violência no ambiente
escolar.
c) – Redes de sociabilidade – Ligação forte com a
Comunidade frágeis; comunidade;
– Discriminação e – Oportunidade para
marginalização; uso construtivo do lazer; –
– Exposição à violência; Experiências culturais
– Falta de senso de positivas;
pertencimento;– Condições – Gratificação por

58
socioeconômicas desfavoráveis. envolvimento na
comunidade.

Domínio – Temperamento difícil; – Habilidade de


Psicológico – Dificuldades significativas de aprender com a experiência;
aprendizagem; – Boa autoestima;
– Abuso sexual, físico e – Habilidades sociais;–
emocional. Capacidade para resolver
problemas.
Domínio Biológico – Anormalidades – Desenvolvimento
cromossômicas;– Exposição a físico apropriado à idade; –
substâncias tóxicas na gestação; Boa saúde física;
– Trauma craniano; – Bom funcionamento
– Hipóxia ou outras intelectual.
complicações ao nascimento;
– Doenças crônicas, em especial
neurológicas e metabólicas;
– Efeitos colaterais de
medicação.
Fonte: Adaptado de Child and adolescent mental policies and plans. WHO,
2005.

Em relação aos fatores biológicos, é importante lembrar que, sobretudo nas


crianças menores, é muito comum a busca por uma resposta para o problema trazido.
Se a equipe de AB trabalhar dentro de uma lógica tradicional, pode haver uma
sobrevalorização desses fatores, com o risco de se colocar a família em um circuito que
envolve uma demorada sequência de exames complementares na ilusão de que deles
emane uma explicação: eletroencefalogramas, tomografias e ressonâncias,
cariotipagens, dosagens séricas etc., que terão valor de orientar a terapêutica em uma
porcentagem mínima de casos. Esse circuito de exames pode, por vezes, retardar em
preciosos meses ou anos as intervenções em Saúde Mental, e fazer com que se tornem
59
permanentes prejuízos sociais e de linguagem que poderiam ser alvo de cuidado em
tempo hábil. Uma discussão cuidadosa do caso com a equipe de supervisão ou de
matriciamento (quando disponível) pode ajudar a equipe da AB a olhar de uma
maneira integrada para a interação dinâmica entre os fatores.

Diretrizes gerais para a identificação de problemas de saúde mental de crianças


e adolescentes
• Crianças não são adultos em miniatura. São sujeitos ativos (têm
subjetividades próprias), pessoas em desenvolvimento, o que implica no conhecimento
de suas formas de ser, sua história, dinâmica familiar, as características de cada ciclo
de vida, que serão de grande importância para a avaliação e a proposição de projetos
de cuidados ou terapêuticos.
• Crianças, em especial, e os adolescentes geralmente não demandam por
si próprios os cuidados em saúde mental. São trazidos pelos pais ou adultos
responsáveis, ou por instituições dos diferentes setores: escolas, abrigos, conselho
tutelar etc. O conhecimento, as crenças e as atitudes dos pais, ou dos
profissionais/setores demandantes, são fundamentais no processo de identificação de
problemas. Pais/responsáveis têm que reconhecer as dificuldades dos filhos e acreditar
que há necessidade de cuidados, e que os serviços de Saúde podem ajuda-los. A
desvalorização e o estigma em relação aos problemas de saúde mental, em especial em
crianças (“é coisa da idade”, “com o tempo passa” ou “meu filho não é louco”), são as
principais razões para os pais não procurarem ajuda. Muitas vezes, faz toda a diferença
investir em um trabalho preliminar com os pais antes de atender a criança, pois
questões específicas relacionadas ao casal podem estar se materializando como
sintomas no filho.
• Conhecer bem as famílias, suas dinâmicas e formas de relacionamento
entre seus membros pode ajudar a detecção precoce dos problemas de saúde mental
das crianças e adolescentes. Atenção particular deve ser dada às famílias expostas a
situações de risco, como violência em qualquer de suas formas, e pais ou cuidadores
com transtornos mentais. Propor ações para fortalecer fatores protetores e desenvolver
a resiliência também deve fazer parte do cuidado com as famílias.
• O objetivo da avaliação inicial é formular hipóteses sobre o que está
acontecendo com a criança ou o adolescente e sua família, e delinear as primeiras
intervenções. É importante ter cautela neste momento para que a hipótese diagnóstica
60
não se resuma ao nome da doença ou ocupe o centro das intervenções. Algumas ações,
baseadas em evidências, podem focar a doença em vez da pessoa e substituir uma
escuta atenciosa por uma psicoeducação prescritiva. O trabalho de organizar e
monitorar o Projeto Terapêutico Singular (PTS) deve incluir diferentes dimensões do
diagnóstico e deve pensá-las de maneira integrada e dinâmica.
• A avaliação deve ser ampla e integral, compreendendo a criança ou
adolescente, a família (a mãe e o pai, sempre que possível), a escola e a comunidade.
Utilizar ferramentas como genograma e ecomapa pode contribuir para a melhoria da
compreensão do contexto. Também faz parte desta etapa identificar os vários recursos
do território que possam integrar tanto a abordagem inicial como também a elaboração
e execução do PTS.
• Não deve ser menosprezada a importância de conversar diretamente com
a criança, por menor que ela seja, pois ela sempre tem o que dizer. Essa atitude de
escuta por parte de um adulto interessado pode ser determinante para sua possibilidade
de dizer o que sente e de superar impasses. A criança deve ser compreendida em sua
situação de sujeito, que pode falar de si e de seu sofrimento. Não deve ser tratada como
aquele a quem devemos formatar e educar (no seu sentido restrito) para um futuro
distante, dentro de padrões preestabelecidos e nem sempre culturalmente pertinentes.
Outro ponto importante que pode ajudar os profissionais durante a avaliação de
crianças e adolescentes com problemas de saúde mental é ter disponível um roteiro
orientador da avaliação, de forma a contemplar os diferentes aspectos do problema. Os
principais passos para a avaliação são:
• Identificar os principais grupos de problemas, lembrando que, na maior
parte dos casos, a mesma criança ou adolescente pode apresentar problemas em
diferentes grupos ao mesmo tempo:
° Sintomas emocionais (ansiedades, medos, tristezas, alterações de apetite e
sono);
° Problemas de conduta (agressividade, comportamento antissocial, agitação);
° Atrasos do desenvolvimento; ° Dificuldades de relacionamento;
° Uso de drogas.
• Avaliar o impacto (angústia, estresse ou prejuízo funcional) que os
sintomas causam na vida da criança ou adolescente e da família.
• Identificar os fatores que desencadearam e mantiveram o problema.

61
• Identificar os pontos fortes da criança que possam ancorar e auxiliar as
intervenções.
• Conhecer as crenças e expectativas que a criança/adolescente e a família
têm em relação aos problemas, suas causas e possibilidades de tratamento.
• Conhecer o contexto de vida (família, escola e comunidade) da criança
ou adolescente.
Vale ainda salientar que nem sempre as queixas relacionadas aos problemas de
saúde mental das crianças e dos adolescentes chegam de forma explícita aos
profissionais das UBS ou das ESF. Muitos pais não acreditam que os profissionais de
saúde possam ajudá-los a cuidar desse tipo de queixa. É importante estar atento aos
problemas, fazer as perguntas certas e ser um ouvinte atento e acolhedor.
Os profissionais da AB devem conhecer a linha de cuidado em saúde mental
planejada para seu território, isto é, devem saber de antemão a que profissionais podem
recorrer para discutir os casos mais complexos (sejam eles do Núcleo de Apoio à
Saúde da Família (Nasf), Centro de Atenção Psicossocial (Caps), Centro de Atenção
Psicossocial Infantojuvenil (Capsi), Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas
(Caps ad), equipes especializadas em saúde mental lotadas em UBS, ou outros serviços
de Saúde).
Já na primeira avaliação é importante identificar a presença de sintomas mais
graves. Nesses casos haverá necessidade de discussão imediata do caso com
profissionais de saúde mental. Em caso de emergência, considerar encaminhamento a
um Caps, Capsi ou outras unidades de acolhimento de crise do território. Mesmo
nessas situações agudas, de crise, a equipe da AB deve manter o acompanhamento e a
corresponsabilização pelo caso. São considerados sintomas graves:
• Destrutividade persistente e/ou deliberada;
• Autoagressividade importante;
• Desinibição social excessiva;
• Isolamento e retração importantes e persistentes;
• Alucinações. Vale aqui uma importante observação: a simples
existência de uma experiência “irreal” não caracteriza uma alucinação de origem
psicótica. É importante escutar um pouco mais este tipo de queixa. As alucinações
psicóticas geralmente são auditivas, em terceira pessoa e comentam atos da pessoa
(por exemplo, alguns pacientes relatam ouvir: “olha lá aquele babaca, tá de novo com
medo...”. São geralmente muito assustadoras e têm pouca relação com os

62
acontecimentos recentes). É importante diferenciá-las das ilusões (quando um objeto
real é confundido com outro objeto) – a criança antes de dormir olha para uma caixa
em cima do armário e pensa que é uma pessoa – ou das pseudoalucinações, quando
estas fazem algum sentido – por exemplo, o menino que perdeu a avó há alguns meses
passa a vê-la na janela e até a conversar com ela, o que parece ser parte de um processo
de luto.
• Tentativas de suicídio. Vale a pena investigar se há tentativas prévias
recentes. Este é o maior indicador de risco. Por outro lado, há certas tentativas que são
tropeços, descuidos e o adolescente consegue se dar conta disso e vai relutar em
procurar um serviço de Saúde Mental, correndo o risco de não receber escuta alguma.
Procure escutá-lo sem preconceitos, convide-o a tentarem compreender juntos o
sentido daquela tentativa e os desdobramentos. Nunca desqualifique o problema.
• Uso abusivo agudo de drogas. O uso de maconha deve ser visto, em
algumas ocasiões, não como uma transgressão, mas como uma busca de remédio para
sintomas de angústia ou ansiedade comuns na adolescência, ou mesmo como elemento
de pertencimento a algum grupo. É fundamental nesta hora colocar valores pessoais de
lado e escutar o adolescente, conectar-se com sua experiência e o sentido do uso na
vida dele. Nas UBS localizadas nas áreas de maior vulnerabilidade, as equipes serão
parceiras irrevogáveis das equipes dos Consultórios na Rua. São situações graves e
que demandam uma cooperação entre diferentes serviços no sentido de superar o
estigma ou o prejulgamento e oferecer cuidado em saúde em situações bastante
adversas. É fundamental romper com o automatismo dos encaminhamentos
desimplicados para internação, seja em hospital ou, para alguma comunidade
terapêutica. As internações podem ser, sim, necessárias, mas dentro de um projeto
terapêutico que inclua intervenções sustentadas com as famílias e com o próprio
adolescente;
Outro aspecto importante da avaliação é o diagnóstico diferencial com
problemas orgânicos de saúde. A avaliação ampliada da saúde física e do
desenvolvimento, incluindo visão, audição, cognição, linguagem e aspectos
psicossociais contribuem para clarear as hipóteses diagnósticas. Lembrar que alguns
medicamentos de uso crônico podem ter como efeitos colaterais sintomas psíquicos.
Por fim, nunca é demais destacar a importância de identificar os aspectos
positivos relacionados com a criança e com o adolescente. Sempre se permita lançar o
desafio a um pai ou mãe para que mencione mais de cinco qualidades do filho ou filha.

63
Uma avaliação ampliada deve compreender a criança e o adolescente de forma integral
e ressaltar as áreas de resistência (força) e a capacidade de recuperação (resiliência) e
não apenas a patologia. É a identificação desses pontos fortes que vai possibilitar a
construção de forma significativa do vínculo com o profissional de Saúde, e ser o
método mais útil para delinear o projeto terapêutico.

Diretrizes gerais das intervenções em saúde mental de crianças e adolescentes


As ações a serem desenvolvidas pelas equipes da AB devem conformar um
Projeto Terapêutico Singular (PTS) para cada criança ou adolescente, elaborado a
partir da discussão em equipe multiprofissional e contextualizado na realidade de vida
da criança ou adolescente e sua família. Sempre que necessário este projeto deve ser
discutido com equipes de apoio, como os Nasf, Caps ou Capsi.
É importante que um profissional da equipe da AB atue como profissional de
referência para cada criança ou adolescente acompanhado na comunidade. O
profissional de referência precisa conhecer com detalhes a situação da criança e sua
família, escapar da armadilha do julgamento moral ou comportamental, e deve
estabelecer um vínculo forte para potencializar um acompanhamento efetivo.
O manejo adequado dos problemas de saúde mental em crianças e adolescentes
necessita, em boa parte dos casos, de uma combinação equilibrada de três ingredientes
fundamentais: intervenções psicossociais, suporte psicológico e medicação. Os
projetos terapêuticos devem contemplar essas três dimensões, sendo que o
protagonismo de uma delas deve estar na dependência da avaliação realizada,
incluindo o contexto de vida da criança e a da família. De preferência devem ser
utilizadas intervenções psicossociais, desenvolvidas tanto dentro das UBS, como na
comunidade e, neste ponto, as equipes de Atenção Básica são fundamentais. O uso da
medicação deve ser criterioso, e nunca deve ser feito de forma isolada com relação às
demais modalidades de cuidado.
O comprometimento da família ou responsáveis com o cuidado a ser
desenvolvido é de fundamental importância. Orientações sobre o desenvolvimento, os
diálogos sobre as principais dificuldades e a escuta qualificada das questões que a
família coloca são fundamentais. A conversa com a família deve prezar pela clareza,
com uso de linguagem acessível ao entendimento de todos.
A equipe da AB deve conhecer em detalhes as possibilidades que o território
propicia para elaborar o projeto terapêutico. Atividades de lazer e cultura, escolas,
64
centros esportivos e outros possibilitam a inserção de crianças e adolescentes na vida
concreta de seu território, contribuem para suas experiências de pertencimento,
ampliam espaços de conversação – tão necessários para a saúde mental – e
potencializam o bem viver. Lembrar-se dos pontos positivos identificados na avaliação
e utilizá-los para compor as intervenções são posições e estratégias decisivas para
efetividade do trabalho.
Nesse contexto, o trabalho em conjunto com a escola, onde todas as crianças e
adolescentes devem estar, assume papel protagonista nas intervenções a serem
propostas e realizadas pela AB. Em casos mais complexos, a assistência social e a
justiça devem ser envolvidas na busca de propostas de cuidado ampliadas e efetivas.
Os profissionais da AB estão em posição privilegiada para identificar e acolher
questões relativas ao sofrimento psíquico e instituir ações de assistência para crianças e
adolescentes com problemas de saúde mental. A preocupação com este aspecto do
cuidado deve estar presente em todas as ações desenvolvidas por estes profissionais
que, para tanto, devem desenvolver competências que lhes permitam atingir este
objetivo. A existência de uma equipe de saúde mental de referência (apoio matricial do
Nasf, Caps ou Capsi), e a identificação dos parceiros intersetoriais nos territórios, são
passos importantes para a efetiva implantação de ações especiais de cuidado a criança
e ao adolescente na AB.

Instrumentos de intervenção psicossocial

Os Instrumentos de Intervenção Psicossocial na Atenção Básica constituem-se


em importante estratégia para produção do cuidado em Saúde. Com uma oferta de
tecnologias que contemplem necessidades e demandas que surgem do território,
disponibilizamos, a seguir, um cardápio de ações em saúde mental para Atenção
Básica que dialogam com o conceito ampliado de Saúde e com a integralidade do
cuidado.

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Grupos e Saúde Mental

Com o intuito de abordar a importância dos grupos como oferta da Atenção


Básica, destacando as concepções de sujeito-coletivo, atenção integral e produção de
autonomia, trazemos neste texto algumas reflexões e sugestões sobre as
especificidades da realização de grupos com vistas à promoção da saúde mental.
Os grupos, enquanto tecnologia de cuidado complexa e diversificada, são
teorizados pelas mais diferentes molduras teóricas, podendo ser úteis nas formulações
de dinâmicas grupais. Tais ofertas das formas de intervenção são derivadas das
demandas recorrentes dos profissionais que desejam incorporar novas ferramentas de
trabalho, perguntando-se “como faço grupo?”, “como saio do meu espaço clínico
individual?”, entendendo este espaço como produtor de saúde e possuindo impacto nos
determinantes e condicionantes de saúde dos sujeitos e coletividades.
As técnicas de trabalho com grupos foram amplamente desenvolvidas –
especialmente na América Latina – com fundamental contribuição da psicologia social
argentina (Pichon-Riviére, José Bleger, entre outros) e hoje nos oferece um amplo
arcabouço teórico-prático com o qual podemos refletir e pautar trabalhos em saúde
pública, amparando-nos das angústias e contradições que naturalmente surgem em
situações novas e desconhecidas.
O processo grupal, desde que bem pensado em sua finalidade, estrutura e
manejo, permite uma poderosa e rica troca de experiências e transformações subjetivas
que não seria alcançável em um atendimento de tipo individualizado. Isto se deve
exatamente à pluralidade de seus integrantes, à diversidade de trocas de conhecimentos

66
e possíveis identificações que apenas um grupo torna possível.
Os grupos na Atenção Básica costumam ser orientados pelas ações
programáticas, modelo hegemônico de organização da ESF, centrado nos grupos
prioritários de doenças/ agravos: grupo para pessoas com diabetes, hipertensão;
atividade física; planejamento familiar; grupos de adesão medicamentosa, entre outros.
Os objetivos são de gerar impactos nos indicadores na perspectiva da educação em
saúde, comumente baseada num paradigma de transmissão do saber-fazer profissional.
Se, por um lado, as propostas desses grupos organizam um modelo amplamente
difundido, por outro, esgota-se a possibilidade de diálogo devido à manutenção da
repetição do discurso, centrado no saber profissional. A primeira pergunta a ser
realizada na proposição de um grupo, é se este atende ao objetivo de atenção integral
com impacto na saúde e na autonomia das pessoas nas práticas de cuidado.
As propostas do grupo em saúde, partindo do reconhecimento da experiência
do outro, seus territórios existenciais transversalizados por vetores sociais, culturais,
políticos e outros, possibilitam a formação de um grupo-sujeito, no qual o sujeito é
agente coletivo dos enunciados, pois “esforça-se para ter um controle sobre sua
conduta” (GUATARRI, 1985). A direção do trabalho seria que o grupo se entendesse
como permeável a outras possibilidades de discurso e encontros, articulando-se com
um conjunto de discurso histórico produzido na família, escola, igreja, hospitais,
centros de saúde. O grupo será uma oferta do serviço e mais um ponto da rede social
de cuidado aos usuários no território de referência. A verdade do profissional em saúde
deve estar em articulação com as várias verdade do território, coletivos, indivíduos. A
perspectiva de grupos, desse modo, deve estar pautada em uma flutuação entre o
normativo e o criativo e não somente no caráter normativo que vem tendo especial
importância na conformação dessa oferta pelas equipes de Atenção Básica.
O trabalho com grupos na Atenção Básica associado ao campo da saúde mental
pode superar o aspecto da normalização do cuidado a pacientes com sofrimento
emocional significativo, na perspectiva desse enfoque referencial. Nesse sentido,
sugerimos evitar:
• Formação de grupos por tipologia de agravos ou sofrimento psíquico.
Deve-se buscar a diversidade grupal, reconhecendo e fazendo-se reconhecer os sujeitos
como pertencentes a um território comum;

67
• O grupo como lugar de abordagem. Deve-se enfatizar o grupo como
lugar do encontro entre sujeitos, as pessoas como singularidades em permanente
produção de si e do mundo.
Alguns artigos e livros publicam os esforços das experiências grupais na
Atenção Básica para o cuidado aos sujeitos que necessitam de apoio às suas condições
de sofrimento ou agravo da saúde mental. Conforme trabalhado anteriormente, a
primeira superação necessária dos profissionais é não enclausurar o sofrimento ao
diagnóstico, mas ampliar as condições de sujeito e de saúde.
Contudo, para que determinado grupo possa, de fato, ter esse alcance positivo,
deve-se voltar a atenção para algumas de suas características e dinâmica, cujo
descuido, poderia comprometer seu bom andamento e resultado.
O grupo deve ser pensado, a priori, quanto à sua:
• Finalidade – qual o objetivo do grupo? Seria um grupo com viés
preventivo/educativo, terapêutico, operativo ou de acompanhamento?
• Estrutura – grupo aberto ou fechado? Com um número de encontros
previstos ou a depender da dinâmica de seus participantes?; grupo misto ou delimitado
por alguma característica específica (Ex.: grupo de puérperas, grupo de pessoas com
ansiedade, pessoas em uso prejudicial de álcool e/ou outras drogas etc.).
Depois de delimitadas as duas primeiras características, é de suma importância
o manejo do grupo, cabendo ao coordenador desenvolver a habilidade de conduzir o
grupo de modo a integrar os seus participantes em torno de determinada(s) tarefa(s)
específica(s), sem comprometer a heterogeneidade de seus integrantes. Deve-se
privilegiar a participação ativa dos integrantes do grupo, incitando-os a contribuírem
com a tarefa grupal, de modo a comprometê-los subjetivamente com aquilo que está
sendo tratado pelo grupo.
Tal comprometimento subjetivo não se configura como tarefa ou sugestão
imposta por profissionais que dão a tônica acerca do que seja melhor para os sujeitos e
grupos, mas deve emergir do como estes entendem o grupo como seu espaço de
produção subjetiva de autocuidado, pautado na construção da autonomia, das escolhas
e do comprometimento gradual e espontâneo.
Para isto, outro ponto é de fundamental importância: o conteúdo emergente do
próprio grupo (PICHON-RIVIèRE, 2005). Ao se propor determinado grupo, com
determinada tarefa e objetivos, tende-se a certa rigidez e inflexibilidade, não
permitindo que o conteúdo emergente do grupo, aquilo que o próprio grupo traz como

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conteúdo latente, seja revelado e colocado em pauta. Se tal característica prevalecer,
teríamos configurado apenas um agrupamento de pessoas, sem nenhum sentimento
verdadeiro de valor e pertencimento grupal.
Se devidamente conduzido, tal conteúdo que deriva de seus integrantes como
latente, deverá surgir como demanda manifesta pela necessidade imediata que o grupo
evidencia, naquele momento grupal.
O grupo deve ser proposto de tal modo a permitir que seus integrantes tenham
voz, espaço e corpos presentes; se sintam verdadeiramente como integrantes ativos de
um grupo. Não há participação verdadeiramente ativa em um grupo sem que os
sujeitos que se colocam tenham condição de ser ouvidos em suas demandas, para
depois poder ouvir e colaborar com a demanda alheia e proposta geral; constituindo,
somente a partir daí um verdadeiro sentimento de pertencimento grupal.
Os desafios teórico-práticos nesse cenário dizem respeito à necessidade de
produzir dispositivos que cuidem de algumas situações emergentes no cenário da
saúde mental, e que surgem como problemas recorrentes no território da Atenção
Básica. Cuidar de condições crônicas medicamentosas dos indivíduos, de sujeitos que
não querem ou não conseguiram parar o uso prejudicial de substâncias psicoativas, e se
encontram com problemas decorrentes do uso álcool e outras drogas.
A cronicidade medicamentosa pode ser articulada no Projeto Terapêutico
Singular (PTS) em uma ação transdisciplinar entre os profissionais da Atenção Básica
e o apoio matricial dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) do município ou
território. Já nos problemas decorrentes do uso de álcool e/ou outras drogas, o desafio
amplia-se, pela hegemonia da abstinência nas práticas assistenciais, o que produz
sentimentos de frustração de que toda ação é inútil, já que frustrada pela repetição do
ato de uso e pela intoxicação. Esse ponto se relaciona pelo fato de que projetamos,
enquanto profissionais de saúde, o desejo da interrupção abrupta das substâncias,
sejam álcool e/ou outras drogas, seja o uso crônico de medicamentos.
No que concerne a situações desse tipo, as discussões entre grupo-sujeito e
grupo-sujeitado permitem aproximações com outros discursos apresentados no
documento referência da Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a
Usuário de Álcool e Outras Drogas, assim como na Política Nacional de Atenção
Básica, que propõem diretrizes que podem ajudar na organização dos serviços e
assumem a Redução de Danos como estratégia, pois “quando se trata de cuidar de
vidas humanas, temos de, necessariamente, lidar com as singularidades, com as

69
diferentes possibilidades e escolhas que são feitas” (BRASIL, 2004, p. 10; BRASIL,
2012, p. 19). A abstinência é uma direção clínica muita vezes necessária, mas nem
sempre possível para alguns sujeitos, que não querem ou não conseguem parar o
consumo, o que deve ter como referencial teórico-prático de atuação as práticas e a
ética da redução de danos.
A grupalidade pode agenciar outros efeitos na vida social desses sujeitos
entendendo os motivos do sofrimento para além da doença e produzindo novos
suportes no território, acionando dispositivos que articulem trabalho, cultura e renda na
perspectiva da economia solidária e geração de renda, envolvendo e produzindo
desejos no real social, processos de subjetivação solidária e alianças de cidadania.
O que desejamos como síntese é que o grupo seja um intermediário da relação
indivíduo-sociedade, no qual se evidencia os agenciamentos coletivos de enunciação e
sua consequente produção de subjetividades, já que a produção de um sujeito-
indivíduo é inseparável das marcas coletivas (BARROS, 1994). Adotar a diferença
como requisito de cura, evitando totalizações e universalizações dos sujeitos, grupos,
práticas de cuidado.

Grupos operativos
Segundo Pichon-Rivière (2005), como já visto neste capítulo, o grupo operativo
ocorre por um conjunto de pessoas movidas por necessidades semelhantes que se
reúnem em torno de uma tarefa específica ou objetivo compartilhado, onde cada
participante, com suas peculiaridades, expressa suas opiniões, defende pontos de vistas
ou simplesmente, fica em silêncio (FREIRE, 2000).
O grupo operativo caracteriza-se pela relação que seus integrantes mantêm com
a tarefa. As finalidades e propósitos dos grupos operativos estão centrados na solução
de situações estereotipadas, dificuldades de aprendizagem e comunicação,
considerando a ansiedade vivenciada diante da perspectiva de mudança que se opera
(OSÓRIO, 2003). O grupo operativo tem, portanto, a proposta de mobilizar um
processo de mudança, que passa fundamentalmente pelo manejo de medos básicos, da
perda e do ataque. Assim, visa fortalecer o grupo favorecendo uma adaptação ativa à
realidade a partir do rompimento de estereótipos, revisão de papéis sociais, elaboração
das perdas cotidianas e superação das resistências a mudanças.
Os grupos operativos abrangem quatro campos de atuação:

70
• Ensino-aprendizagem: cuja tarefa essencial é refletir sobre temas e
discutir questões de interesse comum.
• Institucionais: grupos formados em escolas, igrejas, sindicatos,
promovendo reuniões com vistas ao debate sobre questões de seus interesses.
• Comunitário: pode ser utilizado nos programas de Saúde em que
profissionais são treinados para a tarefa de integração e incentivo a capacidades
grupais.
• Terapêutico: objetiva a melhoria da situação de sofrimento.
Na dinâmica do processo grupal, Pichon-Rivière (1998) estabelece cinco papéis
que constituem um grupo: líder de mudança; líder de resistência; bode expiatório;
representantes do silêncio; porta-voz.
O líder de mudança é aquele que leva a tarefa adiante, enfrenta conflitos e
busca soluções, arrisca-se diante do novo. O líder de resistência puxa o grupo para trás,
freia avanços, ele sabota as tarefas levantando as melhores intenções de desenvolvê-
las, mas poucas vezes as cumpre. O líder de resistência muitas vezes atua em um
contraponto interessante ao líder de mudança quando se descuida de parâmetros de
realidade ao promover mudanças, estabelecendo equilíbrio ao grupo. O bode
expiatório assume as culpas do grupo, isentando-o dos conteúdos que provocam medo,
ansiedade, etc. O representante do silêncio assume as dificuldades dos demais para
estabelecer a comunicação, obrigando o resto do grupo a falar. O porta-voz é aquele
que denuncia a enfermidade grupal, fazendo emergir as ansiedades grupais. É neste
papel que o sujeito expressa os conflitos latentes do grupo.

Práticas integrativas e complementares

O campo das Práticas Integrativas e Complementares (PICs) contempla


sistemas médicos complexos e recursos terapêuticos que envolvem abordagens que
buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção de agravos e recuperação da
saúde por meio de tecnologias eficazes e seguras. Estas práticas compartilham um
entendimento diferenciado sobre o processo saúde-doença, ampliando a visão desde
processo e as possibilidades terapêuticas, contribuindo para a promoção global do
cuidado humano, especialmente do autocuidado (BRASIL, 2006).
O Ministério da Saúde, com o objetivo de ampliar o acesso da população a

71
esses serviços, aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
(PNPIC) no SUS (Portaria MS/GM nº 971, de 3 de maio de 2006), que traz diretrizes
para inserção de ações, serviços e produtos da Medicina Tradicional
Chinesa/Acupuntura, Homeopatia, Plantas Medicinais e Fitoterapia, assim como para
os observatórios de saúde de Termalismo Social/Crenoterapia e Medicina
Antroposófica. As ações das PICs são transversais nos diversos pontos de atenção, mas
desenvolvem-se prioritariamente na Atenção Básica, pois, em geral, usam tecnologias
de elevada complexidade e baixa densidade tecnológica.
Abordaremos, a seguir, por meio de tópicos como os problemas de saúde
mental são trabalhados no âmbito de algumas racionalidades, exemplificando técnicas
que podem apoiar o cuidado dos usuários.

Medicina Tradicional Chinesa (MTC)

A Medicina Tradicional Chinesa caracteriza-se por um sistema médico integral,


originado há milhares de anos na China. Utiliza linguagem que retrata simbolicamente
as leis da natureza e que valoriza a inter-relação harmônica entre as partes visando à
integralidade. Apresenta como uma de suas teorias fundamentais a teoria do Yin-Yang,
divisão em duas forças ou princípios fundamentais, interpretando os fenômenos em
opostos complementares. Além desta, há a teoria dos Cinco Movimentos, que
compreende e atribui a todas as coisas e fenômenos um dos cinco elementos, a saber:
madeira, fogo, terra, metal e água.
A MTC compreende que o equilíbrio do Yin-Yang e dos cinco elementos no
indivíduo, e deste com o meio, são fundamentais para a manutenção da saúde. E que o
desequilíbrio destes, desencadeia o processo de adoecimento do corpo e da mente.
Utiliza como elementos diagnósticos, no intuito de avaliar estas desarmonias, a
anamnese, segundo os preceitos da MTC, a palpação do pulso, a observação da face e
língua entre outros elementos, e, como principais recursos terapêuticos, utiliza a
acupuntura, auriculopuntura, eletroacupuntura, moxaterapia, ventosaterapia, plantas
medicinais, dietoterapia, práticas corporais e mentais.
Em se tratando do cuidado à saúde mental, para a MTC, as duas teorias
(polaridade yin e yang e a teoria dos Cinco Movimentos) ajudam a ampliar o olhar
sobre o usuário e sobre as desarmonias que levam ao sofrimento mental, reconhecendo

72
a diversidade de influências sobre os processos humanos e sua relação com o
ambiente.
Considerando os desequilíbrios de características Yin-Yang os transtornos
mentais podem ser caracterizados como “Síndromes Dian-Kuang”, que no diagnóstico
biomédico correspondem a alterações psiquiátricas como esquizofrenia, depressão,
psicoses, paranoias, transtorno bipolar, transtornos de ansiedade, além de estados de
dependência como vícios em fumo, álcool e outras drogas, pois nesses estados ocorre o
comprometimento do estado emocional. O tipo dian representa a polaridade
depressiva, com características do tipo yin. O tipo kuang representa a polaridade
maníaca, onde há excesso de atividade motora ou mental, com sinais e sintomas
predominantemente yang.
Dentro da teoria dos cinco elementos, cada emoção está ligada a determinados
canais de energia, conjunto de órgãos e sistemas orgânicos. Este conjunto se influencia
mutuamente, ou seja, desequilíbrios energéticos podem causar problemas orgânicos e
desequilíbrios emocionais, assim como desequilíbrios emocionais, podem causar
desarmonias nos canais de energia e sistemas orgânicos. Como exemplo, a energia do
coração, representada pelo elemento fogo está relacionada com a alegria e a ansiedade;
a energia do baço/pâncreas, representada pelo elemento terra, relaciona-se com a
preocupação e as questões racionais; a energia do pulmão, representada pelo elemento
metal, está relacionada com a depressão e a tristeza, angústia; a energia do fígado,
elemento madeira, relaciona-se com a raiva e a mágoa; a energia do rim, elemento
água, relaciona-se com o medo e o estado de pânico.
Os recursos terapêuticos da MTC buscam harmonizar o Yin-Yang e os cinco
elementos de diferentes formas. A acupuntura consiste no uso de agulhas filiformes
A OMS publicou documentos colocadas em pontos específicos do corpo,
seguindo a teoria dos específicos reconhecendo e canais energéticos. Já as práticas
corporais e mentais (ex.: lian gong, recomendando o uso da Acupun- chi gong,tai chi
chuan, tuina, meditação) utilizam o movimento, altura no cuidado a doenças,
respiração, a concentração e massagens com intuito semelhante, além incluindo as de
saúde mental. De promoverem relaxamento, equilíbrio e percepção corporal de modo
Consulte em: <http://apps.who. a favorecer a integralidade da saúde, estimulando o
autocuidado e int/medicinedocs/en/d/Js4926e/5. a corresponsabilização no processo
terapêutico. Estes importantes html>. recursos terapêuticos estão disponíveis para
qualificar a oferta de serviços no cuidado à saúde mental.

73
Homeopatia
A Homeopatia é um sistema médico complexo, desenvolvido por Samuel
Hahnemann, médico alemão, no Século XVIII. Está ancorado em três princípios
fundamentais: a lei dos semelhantes, a experimentação no homem sadio e no uso de
doses infinitesimais.
Esta racionalidade se caracteriza pela visão de unidade do binômio
corpo/mente, e por reconstruir o indivíduo em sua dimensão integral, vivo e dinâmico
em suas relações sociais. Busca a compreensão e o alívio do sofrimento físico e mental
em todas as etapas da vida. A densidade da anamnese permite a prescrição do
medicamento homeopático que atuará neste binômio psicofísico, indissociável. Para
isso, o medicamento deve ter a maior semelhança possível ao quadro que busca tratar.
Essas substâncias medicamentosas podem ser originadas nos reinos animal, mineral ou
vegetal e devem ser prescritas a partir do método homeopático. Este método implica
em conhecer a pessoa, por meio da sua história de vida, do exame físico e, quando
necessário, de exames complementares. Esta propedêutica requer a definição do
diagnóstico clínico e do diagnóstico do medicamento homeopático a ser prescrito. A
prescrição é singular e dependerá do estado de cada paciente.
Pautada no paradigma vitalista, observa-se que o processo de adoecimento
ocorre a partir de um desequilíbrio em nível sutil, imaterial e que, inicialmente, é com
frequência imperceptível. Posteriormente pode evoluir para uma entidade clínica,
detectável pelas consequentes manifestações, tanto na esfera psíquica – pela presença
de sintomas mentais, tais como medos, angústias, tristeza, ansiedades e demais
sensações subjetivas –, como pelos sintomas físicos. Desta forma, no curso do
tratamento, a melhoria dos sintomas deve acontecer nesta totalidade, sempre
acompanhada pela sensação subjetiva de bem-estar.
O objetivo do tratamento homeopático é traçar um projeto de valorização da
vida, de conservação e recuperação da saúde. Nesse sentido, é importante integrar
esses conhecimentos com os conhecimentos e princípios da Atenção Básica e da Saúde
Mental, compartilhando as concepções do processo saúde/doença e outras possíveis
ferramentas para abordagem do cuidado das pessoas e suas famílias.
Os serviços de Homeopatia da rede de atenção à Saúde têm sido opção
terapêutica bastante frequente entre as pessoas com quadros de ansiedade, depressão,

74
insônia e outros transtornos mentais, além de auxiliar no processo de redução e retirada
de medicamentos psicotrópicos (NOVAES, 2007).

Fitoterapia e plantas medicinais

A Fitoterapia é a “terapêutica caracterizada pelo uso de plantas medicinais em


suas diferentes apresentações e formas farmacêuticas, sem a utilização de substâncias
ativas isoladas, ainda que de origem vegetal” (LUZ NETTO, 1998 apud Brasil, 2006,
p. 18). O seu uso criterioso, como prática complementar na Atenção Básica à saúde,
proporciona benefícios como o fortalecimento do vínculo com o usuário em seu
tratamento, estimulando sua autonomia e corresponsabilização em uma dimensão mais
ampla do cuidado à saúde (MERHY; FEUERWERKER, 2009).
No campo da Saúde Mental diversas são as possibilidades que as plantas
medicinais e a Fitoterapia podem oferecer no processo de cuidado aos sujeitos que
procuram as redes de Atenção à Saúde para obter alívio de seu sofrimento mental e/ou
de um convívio com álcool e drogas. Mais do que apenas discutir “fitoterápicos
indicados como coadjuvantes em determinados transtornos mentais”, obviamente um
tema hoje bastante estudado, acredita-se que o mais importante é decidir, com critérios
já produzidos em nosso País e mundo afora, se poderia haver contribuição vantajosa da
Fitoterapia ou mesmo das plantas medicinais nas várias etapas do projeto terapêutico
que a equipe, em parceria com o sujeito, permanentemente constrói para cada caso em
sua singularidade.
Quanto a exemplos de transtornos mentais que podem se beneficiar de
medicamentos fitoterápicos como coadjuvantes, há indicações terapêuticas para
“estados depressivos leves, ansiedade leve e distúrbios do sono associados à ansiedade,
além de casos de astenia em geral”, só para citar algumas indicações terapêuticas
estabelecidas para uso de vários fitoterápicos, coletados assistematicamente da Lista de
Medicamentos Fitoterápicos de Registro Simplificado (ANVISA, 2008) e do
Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira (BRASIL, 2011).
Não se tem relatos de uso de fitoterápicos em casos severos, como situações de
esquizofrenia, bipolaridade ou depressão grave. Além disso, com respeito à ansiedade

75
generalizada, ainda se dispõe de poucos estudos clínicos consistentes no sentido de
apoiar o emprego clínico desses produtos, considerando o paradigma da medicina
baseada em evidências (FAUSTINO, ALMEIDA; ANDREATINI, 2010). Assim, bons
diagnósticos, principalmente os que excluam condições de maior risco e severidade,
bom conhecimento do fitoterápico que se vai utilizar, além da disponibilidade de
critérios e diretrizes (BRASIL, 2012) são ferramentas que podem ser úteis para guiar
uma prescrição fitoterápica nesse contexto, sempre no sentido de cuidar melhor e de
maneira integral.
Além dos fitoterápicos prescritos na prática clínica, as plantas medicinais
cultivadas em hortos públicos são também contribuições da prática da Fitoterapia para
o cotidiano dos equipamentos de saúde. Os hortos, além de importantes fontes de
matéria-prima, são lugares para ações de educação em Saúde, seja em função da
participação das pessoas no cultivo das espécies, seja pelas demais ações de
divulgação que visam ao uso racional .

Medicina Antroposófica

A Medicina e as terapias antroposóficas apresentam-se como abordagens


complementares, de base vitalista, que organizam a sua prática de maneira
transdisciplinar e com vistas ao alcance da integralidade do cuidado em saúde,
baseiam-se na aplicação, no campo da saúde, de conhecimentos inspirados na
Antroposofia, filosofia proposta pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner nos anos 1920.
A imagem do ser humano proposta por essa racionalidade compreende vários
modelos de análise (trimembração e quadrimembração, entre outros) e considera que
suas diferentes dimensões – corporal, psíquica, social – compõem um todo indivisível.
Vale ressaltar o conceito de “Organização do Eu” – um dos princípios norteadores
mais importantes do processo terapêutico antroposófico – elemento característico do
ser humano, que o distingue dos demais reinos e seres da natureza, conferindo a noção
de individualidade e a capacidade de pensar a própria realidade. Ainda segundo a
Antroposofia, o ser humano está intimamente ligado à natureza e aos seus elementos,
constituindo um organismo complexo e profundamente integrado. A partir desse
princípio é que são desenvolvidos os medicamentos com base em substâncias e
processos minerais, vegetais ou alguns derivados de produtos animais pela farmácia

76
antroposófica.
No campo da Saúde Mental, a Medicina e as terapias antroposóficas trazem
algumas contribuições de grande relevância para a promoção da saúde, prevenção e a
reabilitação tanto no âmbito individual como no coletivo, compreendendo todas as
fases do ciclo de vida humano. A Psicologia Antroposófica propõe processo
psicoterapêutico baseado na imagem de ser humano ampliada e pode ser acompanhada
de outras terapias tais como a Terapia Artística, a Cantoterapia e a Musicoterapia, entre
outras. A Psiquiatria inspirada na Antroposofia lança mão de medicamentos
antroposóficos, fitoterápicos e homeopáticos, além dos medicamentos convencionais,
quando necessários. Também vale ressaltar a contribuição da Terapia Biográfica, que
organiza as vivências e o amadurecer humano em ciclos de sete anos. Todas essas
abordagens têm em comum a perspectiva do indivíduo tomar a própria vida em suas
mãos, ou seja: autonomia e autocuidado como elementos centrais do tratamento e da
busca pelo equilíbrio da saúde.

Reatribuição de sintomas somáticos sem explicação médica

Muitas pessoas chegam aos serviços da Atenção Básica com queixas de


sintomas físicos para os quais não encontramos explicação médica. Essas reclamações
podem ser muito persistentes, de forma que levam a equipe a um esforço grande para
detectar qual patologia existe por trás do quadro sintomático. Não havendo evidência
clínica de que o sujeito está com alguma doença real, muitas vezes a equipe passa a
desconfiar dessa pessoa – de que ela esteja mentindo sobre sentir os sintomas, de que
ela seja muito fresca, de que ela queira chamar a atenção de todos.
Contudo, talvez o que exista por trás de tais queixas seja um sofrimento muito
grande. E a pessoa que sofre não está conseguindo associar a sua situação de
sofrimento aos sintomas que está produzindo. Nesse sentido, cabe ao profissional da
Atenção Básica trabalhar no sentido de ajudar a pessoa a perceber que existe o
sofrimento – que muitas vezes não é nem mesmo reconhecido por ela – e acolher esse
sofrimento com uma postura de empatia e solidariedade, construindo em conjunto com
a pessoa um projeto simples que vise ao cuidado da pessoa em sofrimento.
Nesse contexto, reatribuir significa fazer a relação entre as queixas sintomáticas
e o sofrimento psíquico. Atribuir o sintoma a um sofrimento que pode não ter sua

77
origem no corpo. E dar ao sofrimento o cuidado que ele demanda. De fato, essa pessoa
precisa de atenção, pois não está conseguindo sozinha se dar conta de que sofre com
determinado contexto de sua vida. E sobre a reatribuição, todos nós podemos falar a
respeito. Quem nunca se deu conta, posteriormente, que certa dor de barriga ou dor de
cabeça na verdade estava representando o sofrimento por algo que estava ocorrendo
em sua vida? Da mesma forma, sabemos que as crianças sinalizam muito pelo corpo
um sofrimento que não necessariamente inicia ali, mas em outra questão em seu
entorno.
A ação de reatribuir o significado do sintoma ao sofrimento será o primeiro
passo a ser dado no tratamento psicossocial que será ofertado nos serviços da Atenção
Básica. Mesmo quando seja o caso de encaminhar a pessoa a serviços especializados, é
importante que o trabalho de reatribuição seja realizado no serviço da Atenção Básica,
aonde esse sujeito chegou com sua queixa. O vínculo que se estabelece nesse processo
de reatribuição será essencial ao bom andamento do seu tratamento.
O processo que segue após iniciado o trabalho de reatribuição será no sentido
de (1) abordagem da situação – como os dois falam disso que causa tanto sofrimento
ao sujeito; (2) elaboração – o que fazer para que a situação seja mais bem
compreendida; e (3) resolução dos problemas psicossociais – o que o sujeito pode
fazer para melhorar sua situação e rearranjar a sua vida.
É importante ressaltar que o trabalho de reatribuição demanda um tempo, pois
ele não será realizado em um único encontro. Precisa-se levar em consideração que a
pessoa que não conseguia atribuir o significado do sofrimento ao seu sintoma – às
vezes durante um tempo longo – não irá fazê-lo de uma hora para outra. Assim, além
de sensibilidade para lidar com as questões delicadas da vida da pessoa que está em
sofrimento, o profissional da Atenção Básica deve empregar também um tempo de
dedicação ao cuidado desse sujeito.
Fazendo o vínculo – construir modelos explicativos que façam sentido para a
pessoa.
Negociando o tratamento – pactuar, em conjunto com a pessoa, um projeto
terapêutico ampliado.
As etapas desse tratamento devem seguir uma rotina de consultas de tal forma
que o profissional e a pessoa em tratamento desenvolvam um contrato terapêutico.
Essas consultas podem durar de 15 a 45 minutos, devendo-se reservar pelo menos uma
consulta para cada uma das etapas.

78
Terapia comunitária

A Terapia Comunitária (TC) caracteriza-se como mais uma ferramenta à


disposição dos profissionais da Atenção Básica no campo da Saúde Mental a ser
utilizada no território de atuação. A atividade organiza-se como um espaço
comunitário que possibilita a troca de experiências e de sabedorias de vida. A TC visa
trabalhar de forma horizontal e circular ao propor que cada um que participe da sessão
seja corresponsável no processo terapêutico que se realiza naquele momento e que
produz efeitos tanto grupais quanto singulares.
Para a realização da TC, um ou dois terapeutas comunitários com formação e
um recinto que permita a realização da roda de conversa são suficientes. Qualquer
pessoa que tenha interesse pode participar da TC: usuários portadores ou não de
sofrimento e/ou patologia psíquica e/ou orgânica. O espaço é aberto e, para cada
encontro, forma-se um grupo que dará conta da sessão do dia.
A partir da apresentação das pessoas, exposição das regras da TC e da escolha
do tema do dia, as pessoas relatam suas histórias pessoais e o grupo participa da
discussão com perguntas e falas que objetivem a superação das dificuldades do dia a
dia – tudo em um clima acolhedor e de empatia. O compartilhamento de vida produz a
relação entre os sujeitos, que podem se reconhecer como uma rede de apoio.
No Guia, propõe-se as seguintes etapas e regras para a Terapia Comunitária:

Etapas da Terapia Comunitária


1. Acolhimento – momento de apresentação individual e das cinco regras.
2. Escolha do tema – as pessoas apresentam as questões e os temas sobre
os quais querem falar. Vota-se o tema a ser abordado no dia.
3. Contextualização – momento em que o participante, com o tema
escolhido, conta sua história. O grupo faz perguntas.
4. Problematização – o mote (questão-chave para reflexão) do dia,
relacionado ao tema, é jogado para o grupo.
5. Rituais de agregação e conotação positiva – com o grupo unido, cada
integrante verbaliza o que mais o tocou em relação às histórias contadas.
6. Avaliação – feita entre os terapeutas comunitários.

79
Regras da Terapia Comunitária
1. Respeitar quem está falando. Fazer silêncio para escutá-lo.
2. Falar da própria história, utilizando a 1º pessoa do singular (eu).
3. Cuidar para não dar aconselhamento, discursar ou dar sermões.
4. Utilizar músicas que tenham a ver com o tema escolhido, bem como
piadas, histórias e provérbios relacionados.
5. Preservar segredo do que é exposto na TC (comum em comunidades
violentas).
Ainda conforme o Guia Prático de Matriciamento em Saúde Mental, a TC tem
como objetivos:
• Fortalecer o processo psíquico de cada um ao favorecer o
reconhecimento de seus valores e suas potencialidades. Objetiva-se a promoção de
autonomia e independência dos sujeitos.
• Valorizar autoestima do indivíduo e do coletivo.
• Reforçar o papel da família e da comunidade – da rede de relações que
envolve os sujeitos.
• Reafirmar as práticas culturais como fomentadoras do exercício da união
na família e comunidade.
• Favorecer a identificação dos sujeitos envolvidos com os valores
culturais compartilhados na comunidade, proporcionando melhor comunicação entre
as formas de saber popular e científico.

A Terapia Comunitária é realizada em muitos estados do País, sendo


reconhecida como uma prática com grande potencial terapêutico. Além disso, destaca-
se a sua virtude em favorecer a coesão social nas comunidades, ao fortalecer a relação

80
dos sujeitos que as compõem. O sujeito ao não se ver sozinho com seu problema, mas
acolhido dentro do seu grupo comunitário, e tendo ali o apoio necessário ao seu
enfrentamento, sente-se fazendo parte dessa rede. E ao mesmo tempo em que é
acolhido e apoiado, também proporciona acolhimento e apoio aos seus companheiros
de TC. Trata-se de uma prática de cidadania, uma aposta na força da comunidade, na
corresponsabilização e na competência dos sujeitos.

Terapias cognitivas comportamentais: ativação


As pessoas que estão com um grau elevado de sofrimento psíquico muitas
vezes deixam de fazer atividades que lhes dão prazer. Ações simples como passear, ir
ao cinema, ir ao parque, cuidar do jardim, cozinhar, fazer esporte, ler, costurar, entre
outras, são abandonadas, retiradas da rotina da pessoa gradativamente, ao mesmo
tempo em que o sofrimento vai praticamente tomando conta da vida da pessoa.
Nesse sentido, é importante que os profissionais da Atenção Básica estejam
atentos às questões que se seguem:
• A pessoa que está sendo acompanhada ou tratada por questões
relacionadas ao sofrimento psíquico continua a fazer atividades que lhe dão satisfação,
tranquilidade e/ou prazer?
• O que ela gosta de fazer?
• Há algo que ela deixou de fazer e da qual gostava muito? Por que não
voltar a fazê-lo? Como organizar a rotina de modo que se encaixem os momentos de
prazer, satisfação e tranquilidade?
Conversar sobre a importância desse tipo de atividade é uma forma de cuidado
que o profissional de saúde pode proporcionar à pessoa que está com sofrimento
psíquico. Chamamos de terapia de ativação essa forma de cuidado que incentiva e
apoia a retomada das atividades que oferecem qualquer tipo de satisfação à pessoa.
Tanto nas consultas individuais quanto em momentos de grupo, o profissional
da Atenção Básica poderá abordar as questões relativas às atividades prazerosas. E,
nestes momentos, ambos construirão um plano de retomada de tais atividades, que
poderá ser concebido como uma meta à qual o sujeito se empenhará a atingir. No Guia
Prático de Matriciamento em Saúde Mental propõe-se a construção da agenda positiva
– ferramenta que permite ao usuário e aos profissionais acompanharem o andamento
da retomada às atividades. Ainda menciona-se o registro em prontuário do que está se
acordando com o sujeito, a fim de que todos os profissionais da equipe que tenham
81
contato com essa pessoa participem do processo, motivando-o na (re)construção do
espaço de lazer e satisfação em sua vida. Assim, este tipo de cuidado ocorrerá tanto
nas consultas médicas, quanto nas visitas dos agentes de saúde, nos encontros com a
enfermagem e nos grupos da Atenção Básica dos quais a pessoa participa.
É sempre importante prestar atenção ao estado motivacional do sujeito – o
quanto ele está “animado” quanto a voltar a fazer as atividades, e a sua realidade –,
analisando o que de fato está acessível a este sujeito. Se bem observados estes dois
pontos e agindo com cautela, é possível dosar a expectativa de todos envolvidos,
evitando provocar frustrações dispensáveis.

Mediação de conflitos

Situações de conflito familiar ou grupal estão entre as principais demandas do


profissional ou do serviço da Atenção Básica que, não raramente, sente-se
despreparado ou inseguro sobre a condução dessas demandas. Ao profissional, cuja
prática pressupõe vínculo mais próximo com usuário, cabe muitas vezes mediar
situações de conflito e assumir um papel de agente neutro, adotando estratégias que
contribuem para a resolução de um dado conflito. Muitas vezes essas intervenções
dependem da adoção de algumas técnicas simples e de conhecimentos práticos que
facilitam a condução dessas situações, contribuindo sobremaneira para resolução do
problema. Nessa linha de raciocínio, entende-se que, não necessariamente, os
processos de mediação de conflitos dependem de especialistas com aprofundados
conhecimentos acerca das relações humanas.
A vivência pessoal, a qualidade dos vínculos de confiança e a utilização de
algumas técnicas e conhecimentos que orientam a percepção são determinantes na

82
intermediação das situações conflituosas. Nesse sentido, a atuação do profissional
pressupõe um exercício exploratório de sua própria subjetividade e das relações que
estabelece com os usuários do serviço e com a comunidade. Trata-se muitas vezes de
ativar potencialidades e de permanecer atento às fragilidades pessoais que as
experiências vividas e o exercício profissional proporcionam. Apropriar-se de algumas
técnicas e estratégias para mediar conflitos também pode ser decisivo para a atuação
do profissional no seu campo de trabalho.
A mediação de conflito envolve a capacidade de transformar conhecimentos,
habilidades e atitudes em resultados práticos. Pressupõe a utilização e o
desenvolvimento de habilidades comunicativas, cognitivas, sociais e emocionais que
estão imbricadas com crenças e atitudes que levam à elaboração de um modelo mental.
Os modelos mentais dependem da forma como as pessoas percebem o ambiente
a sua volta, muitas vezes distorcendo a realidade e transformando certas circunstâncias
em generalizações codificadas pela falta de informações. Diz respeito à representação
da realidade formada em nossas mentes e são estabelecidos a partir de uma trama
complexa de recursos cognitivos e afetivos, envolvendo crenças constituídas de modo
preconcebido, sentidos e estrutura cognitiva, emocional e física. Toda essa trama
resulta em comportamentos, atitudes e temperamentos que influenciam diretamente na
situação de conflito.
Neste tópico serão abordados aspectos importantes da dinâmica que envolve os
conflitos, a partir de uma síntese adaptada do conteúdo apresentado no Treinamento de
Negociação e Gestão de Conflitos, disponibilizado pelo Ministério da Saúde aos seus
servidores e ministrado por Francisco Guirado (2011).

O que é importante sabermos sobre o conflito e as estratégias para sua


mediação
Ainda que se estabeleça por dissemelhanças ou divergências, a predisposição
das pessoas em tratar de seus conflitos as une em torno de uma tarefa comum e
específica (PICHON-REVIÉRE, 1998). As situações de conflitos caracterizam-se pela
manifestação de posições opostas ou divergentes entre duas ou mais partes, porém com
a necessidade compartilhada de resolver uma situação comum. As posições
divergentes são estabelecidas a partir daquilo que se quer, de maneira preconcebida,
refletindo interesses pessoais. O conflito é, portanto, um fenômeno social decorrente
do confronto de interesses ente dois ou mais atores.

83
É possível verificarmos efeitos positivos e negativos em uma situação de
conflito. Por um lado, positivo porque podem despertar sentimentos e energias que
causam coesão grupal; rompem a rotina; desafiam a acomodação de ideias; desvendam
problemas; aguçam a percepção; estimulam a percepção e conduzem ao
desenvolvimento pessoal. Por outro lado, negativos porque podem bloquear esforços;
produzir sentimentos de frustração, hostilidade e tensão e distorcem percepções.
Para orientar a intervenção em uma situação de conflito é importante que
identifiquemos, antes de tudo, a intensidade desse conflito:
• Situações de normalidade: podem ser entendidas como conflitos em que
os próprios envolvidos conseguem resolvê-lo com seus próprios recursos de diálogo e
persuasão. Não requer, portanto, a intervenção de um agente externo.
• Situações de crise: as situações de crise relacional caracterizam-se pela
intimidação, atuações enérgicas marcadas por forte emoção e desgaste dos vínculos.
Esta circunstância sugere a intervenção de um agente neutro ou mediador.
• Situação de conflito extremo: caracteriza-se por situações de sujeição e
destruição sugerindo aguardar o apaziguamento para a retomada de negociações.
Lembremos que posições pessoais envolvem crenças, interesses, percepções,
sentimentos. Em uma situação de conflito temos as posições diferentes, que dizem
respeito “àquilo que se quer obter”, e interesses, que dizem respeito ao “porque se
quer”. São os motivos pelos quais uma posição é adotada.
Os interesses estão constituídos por diversos fatores: históricos; estruturais;
características próprias da personalidade; fatores comunicacionais. Os fatores
históricos referem-se a modelos mentais persistentes e emoções fortemente arraigadas.
Os estruturais referem-se à ausência de normas, regras de conduta ou leis, práticas de
soluções paliativas para lidar com conflitos e manter o foco exclusivamente em
posições em vez de interesses. As características próprias da personalidade referem-se,
por exemplo: às crenças pessoais e sentimentos hostis; os fatores comunicacionais
referem-se à audição ineficiente, ideias mal expressas, pressão grupal etc.
A congruência desses fatores é ilustrada também por Madalena Freire
(FREIRE, 2000) como “resultado da dialética entre a história do grupo (movimento
horizontal) e a história dos indivíduos com seus mundos internos, suas projeções e
transferências (movimento vertical) no suceder da história da sociedade em que estão
inseridos”. Essas variáveis podem ser fatores desencadeantes ou agravantes do
conflito.

84
Considerando que as posições são formas preconcebidas de apresentar o
problema, elas não consideram os reais interesses que levaram as partes ao conflito. É
importante que se mantenha o foco da mediação nos interesses e não nas posições.
Essa conduta do mediador permite atingir o problema de maneira mais central,
movendo as pessoas das posições polarizadas, promovendo o entendimento mútuo e
possibilitando uma percepção do problema sob outro ponto de vista. Isto leva o grupo
a posicionamentos mais próximos à cooperação e provoca opções criativas.
Um exercício importante no papel do mediador é o da escuta. Ouvir e promover
a escuta grupal, de modo que reflitam sobre o que foi dito, reavaliando posições, é
condição facilitadora para o entendimento. Proporciona-se, desse modo, a disposição
de mudar diante das evidências e a partir de novas ideias que venham a surgir.
Outra conduta bastante eficaz no processo de mediação de conflitos são as
perguntas exploratórias. O questionamento é o caminho mais curto para desvelar
emoções, juízos de valor e interesses a partir das opiniões e posições, visando elucidar
a estrutura dos modelos mentais. Expressar as emoções em situações de grupo pode
requerer algum tempo, pois as pessoas mantêm, naturalmente, reservas para expô-las,
já que podem revelar segredos, particularidades e aspectos da intimidade. Pressupõe
vínculos de confiança que variam em cada grupo, conforme predisposição de cada
componente, perfil dos participantes e do mediador.
Uma mediação que não transmite confiança e certa isenção desfavorece a
condução da situação para a resolução do conflito. Por isso mesmo, o mediador que
conta com o reconhecimento do grupo atua como um importante facilitador.
Vejamos alguns dos principais obstáculos à resolução do conflito:
• Baixo domínio sobre as disposições emocionais e cognitivas.
• Crenças limitantes.
• Foco argumentativo restrito as posições individuais sem elucidar os
interesses das partes mantendo-os ocultos.
• Limitadas habilidades sociais e comunicativas.
Os obstáculos relativos às disposições emocionais demandam mais
considerações para melhor orientar o processo de mediação de conflito, vejamos:
As emoções nos preparam para reagir rapidamente a eventos essenciais de
nossa vida. Funciona como um atalho reacional. Nossas decisões e respostas mais
imediatas aos estímulos externos são mais prontamente influenciadas pelas emoções
do que pela razão.

85
As emoções são constituídas por crenças inconscientes que, por sua vez, afetam
e são afetadas pelas emoções. Emoções levam algum tempo para serem modificadas. É
esperado que certas manifestações emocionais reapareçam de modo insistente ao longo
da vida – ainda que sejam indesejados, e que se despenda energia para modificá-las.
Tais mudanças de comportamento, ainda que venha de modo mais lento que o
desejado, opera-se por processos psicológicos, tais como reestruturação dos valores
pessoais e arrependimentos. Podem ainda se manter inalterados quando justificados
pela razão. Os recursos que promovem autoconhecimento são importantes meios para
a revisão dos comportamentos, o que se dá, principalmente, a partir da interação com o
outro. Por essa via, identificamos nossas limitações, potencialidades e estados
emocionais que compõem nossa personalidade, cujas influências sociais e culturais são
determinantes.
• As emoções estão presentes de diferentes maneiras na linguagem verbal
e corporal dos indivíduos. Estar atento às expressões das emoções e desvelá-las é um
importante expediente para a mediação de conflitos. Algumas das principais emoções
são: o medo, a raiva, a calma, a tristeza e a alegria. Entretanto, várias outras
manifestações emocionais e suas variações, podem ser citadas: dúvida, aversão,
desprezo, irritação, nojo, culpa, felicidade, ansiedade, surpresa, desgosto, desprezo,
entre tantas outras.
Por fim, vale citar alguns procedimentos para mediar situações de conflito,
abordados no “Treinamento de Negociação e Gestão de Conflitos”, (GUIRADO,
2011).
• Percepção do conflito: pode estar latente no grupo ou
apenas sentida.
• Enfrentamento do conflito: montar estratégias de
abordagem, verificando as disposições grupais para resolução e os
momentos mais adequados para trata-los.
• Compreensão da natureza do conflito:
• Ouça a posição das partes.
• Esclareça a versão dos fatos que sustenta cada posição
atribuindo o mérito de cada uma.
• Descubra os interesses e os sentimentos que permeiam a
situação de conflito.

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• Identifique o problema preliminar relacionado ao conflito
e busque concordância das partes para essa definição.
• Busque o máximo de informações possíveis sobre o
problema preliminar, procurando identificar outros problemas
relacionados.
• Elimine informações desnecessárias.
• Estabeleça a relação de causa e efeito entre os problemas
identificados.
• Redefina o problema principal considerando os interesses
das partes.
• Transforme os demais problemas em questões a serem
resolvidas sequencialmente.
• Opções de solução do conflito:
• Compartilhar as informações levantadas e os diversos
pontos de vistas com todos os envolvidos.
• Definir prioridades entre as questões a serem resolvidas.
• Estimular a proposição de soluções que atendam aos
méritos e interesses de cada parte, considerando todas as soluções como
possíveis.
• Estimular a apresentação de argumentos a favor e contra
cada solução.
• Estimular a compreensão das implicações positivas e
negativas de cada solução e a exposição de todas as críticas e dúvidas.
• Resolução do conflito:
• Evite o recurso do voto como método de tomada de
decisão.
• Proponha escolhas da solução que melhor satisfaça os
interesses e as necessidades de todos os envolvidos.
• Busque o compromisso de todos com a solução
escolhida.

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Terapia Interpessoal Breve (TIB): intervenção breve na dependência de álcool e
outras drogas

A Intervenção Breve (IB) é uma estratégia terapêutica que vem sendo cada vez
mais utilizada na abordagem das pessoas que apresentam problemas relacionados ao
uso de álcool e outras drogas, especialmente nos serviços que compõem a Rede de
Atenção Básica à Saúde. Esse crescimento se deve a alguns fatores, como o baixo
custo para sua implementação e manutenção, pela efetividade constatada por alguns
estudos (KAARIAINEN et al., 2001) no que se refere à diminuição de problemas
associados ao consumo especialmente do álcool, por ser utilizada por diferentes
categorias profissionais (psicólogos, terapeutas ocupacionais, agentes comunitários de
saúde, médicos, enfermeiros e outros) e como uma ferramenta importante que permeia
a prevenção primária e o tratamento em si (BABOR; HIGGINS-BIDDLE, 2001).
Entende-se a IB como uma técnica de abordagem para a diminuição dos
problemas associados ao uso de substâncias em que o principal objetivo é identificar o
problema e motivar a pessoa a alcançar determinadas metas estabelecidas em parceria
com o profissional de saúde. Essas metas podem ser iniciar um tratamento, rever seu
padrão de consumo e planejar uma possível redução ou, ainda, obter mais informações
sobre os riscos e os problemas que estão associados a esse uso. Outra característica da
IB é o estímulo à autonomia das pessoas, atribuindo-lhes a capacidade de assumir a
iniciativa e a responsabilidade por suas escolhas (MARQUES; FURTADO, 2001).
As IBs podem durar de cinco a 30 minutos, sendo constituídas por uma curta
sequência de etapas que inclui:
• A identificação e dimensionamento dos problemas ou dos riscos,
geralmente por meio do uso de um instrumento padronizado de rastreamento, como o
Audit.
• O oferecimento de aconselhamento, orientação e, em algumas situações,
monitoramento periódico do sucesso em atingir as metas assumidas pela pessoa
(BABOR; HIGGINS-BIDDLE, 2001).
Esta intervenção pode acontecer no decorrer de um atendimento de rotina, por
exemplo, em que o profissional, suspeitando da relação entre a queixa apresentada pela
pessoa e uma possível associação com o uso de alguma substância, faz uma abordagem
de modo a investigar o uso e verificar sua relação com os problemas de saúde

88
apresentados.
As IBs são, geralmente, indicadas para aquelas pessoas que estão em uso
abusivo de substância, ou seja, ainda não desenvolveram sinais nem sintomas que
sejam passíveis de considerá-las dependentes.
O uso abusivo difere-se da dependência por não haver um desejo extremamente
forte para o consumo da substância e, também, por não haver a perda do controle
devido ao uso e nem à dependência física. Além disso, a dependência inclui o aspecto
da tolerância, em que a pessoa necessita de quantidades crescentes da substância para
se obter o efeito desejado (NATIONAL INSTITUTE..., 2010).
Em razão da brevidade desse tipo de intervenção, geralmente não se indica essa
modalidade para pessoas com problemas graves, como a própria dependência de
substâncias, uma vez que, em geral, essas pessoas apresentam outros problemas
associados e, nesse caso, uma intervenção breve não seria capaz de promover o
cuidado. Entretanto, pode ser útil para sensibilizar e motivar a pessoa a rever seu
padrão de consumo e aderir a uma proposta de tratamento (MICHELLI; FORMIGONI,
2004).

Alguns exemplos de opções e estratégias de IB:


• Sugira à pessoa que faça um diário sobre seu uso de substância,
registrando, por exemplo, onde costuma (ou costumava) usar, em que quantidade, em
companhia de quem, por qual razão etc. Isso ajudará a identificar as possíveis
situações de risco.
• Identifique com a pessoa algumas atividades que possam lhe trazer
prazer, por exemplo, alguma atividade física, tocar um instrumento, ler um livro, sair
com pessoas para atividades de lazer. Após essa identificação, proponha a ela que faça
alguma dessas atividades no período em que, geralmente, estaria usando a substância.
• Forneça informações sobre os prejuízos associados ao uso de drogas e
sobre a rede de cuidados disponíveis onde a pessoa possa buscar ajuda especializada,
se for o caso.
• Procure ter conhecimento dos recursos existentes na comunidade, para
ajudá-la a identificar atividades que seriam de seu interesse participar, como centros de
convivência, oficinas, atividades esportivas e outras.

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• Descubra algo que a pessoa gostaria de ter e sugira que ela economize o
dinheiro que normalmente gastaria para obter a substância para adquirir aquele bem.
Faça as contas com ela sobre quanto ela gasta. Por exemplo, um fumante que gaste R$
3,00 por dia com cigarros, em um mês economizaria R$ 90,00 e em 6 meses R$
540,00. Com este dinheiro, poderia comprar uma TV nova, por exemplo, ou pagar
mais da metade de um computador completo. Contas simples como essa podem ajudar
a perceber o prejuízo financeiro, além dos problemas de saúde. (BRASIL, 2010).
A Atenção Básica é um espaço estratégico de cuidado com relação à detecção
precoce de problemas pelo uso de álcool e outras drogas, pois contribui para que as
pessoas identificadas como usuárias de risco, possam receber cuidados antes de
evoluírem para um possível quadro de dependência. Nesse sentido, a qualidade da
escuta e da abordagem do profissional de saúde é fundamental para identificar os
problemas associados e propor uma intervenção imediata (BABOR; HIGGINS-
BIDDLE, 2001).

Principais medicamentos da saúde mental na APS

Os psicofármacos são um recurso entre outros para o tratamento em Saúde


Mental, entretanto, o seu uso só faz sentido quando dentro de um contexto de vínculo e
de escuta. É a partir do momento em que o usuário compreende e se corresponsabiliza
pelo uso da medicação que passará a não somente demandar “troca de receitas”, mas
poderá se implicar um pouco diante das queixas que traz. Para o profissional, diante de
alguém em sofrimento, é importante considerar a perigosa ideia de que o remédio
possa representar uma solução rápida, uma resposta para uma angústia que sente diante
da impotência e da vontade de extirpar o problema. “Muita calma nessa hora”. Uma
escuta atenta e mesmo adiar a prescrição para o próximo encontro podem ser peças
fundamentais no vínculo que vai sustentar a gestão compartilhada do uso daquela
medicação. Uma parceria que, desse modo, já nascerá com consistência.
Vale a pena desmistificar o nome de “medicamentos psiquiátricos”, o que
sugere que somente os psiquiatras sabem prescrevê-los. Falaremos aqui de
medicamentos que agem sobre o sistema nervoso central e que podem ser utilizados
quando aspectos relacionados a dimensões do comportamento, do pensamento, do

90
sono, da vontade, de várias dimensões da vida de uma pessoa – aquelas que discutimos
anteriormente em “o que é uma pessoa” – são trazidas como principal problema
durante um contato com um usuário. Conhecer um pouco mais sobre esses
medicamentos é fundamental para desfazer mitos e tabus, assumir responsabilidade
sobre o cuidado longitudinal e evitar referências e contrarreferências desnecessárias.
Uma leitura atenta também será bastante valiosa em um momento de interação com
algum profissional da Saúde Mental.
É importante que as equipes da Atenção Básica possam ter uma expectativa
realista de que tipo de problema de saúde mental pode ou não responder a uma
determinada medicação. É preciso nem transformá-la em panaceia, nem desacreditá-la
totalmente. Sintomas psicóticos (alucinações auditivas, vozes de comando, delírios de
perseguição), insônia, agitação duradoura (não somente reativa a uma frustração ou
situação específica), sintomas prolongados de tristeza e desvalia, ansiedade
incapacitante costumam apresentar respostas satisfatórias. Por outro lado, em situações
onde o contexto familiar, laboral ou interpessoal é um componente importante dos
fatores desencadeantes, pode ser inútil depositar grandes expectativas em torno de uma
ou outra medicação. Assim, é importante considerar ambas as dimensões: definir um
ou alguns problemas-alvo para a medicação e também fazer caber a prescrição dentro
de um projeto terapêutico que contemple outras intervenções.
Outra reflexão muito importante na hora de prescrever um medicamento é
considerar que efeitos desejáveis ou indesejáveis é uma questão de ponto de vista. A
sonolência de um neuroléptico pode ser desejada para alguém com insônia e
extremamente desagradável para outra pessoa mais sensível. A inapetência causada por
alguns antidepressivos pode ser excelente para alguém que passou a comer mais por
ansiedade, mas pode representar risco de morte para outro que perdeu o apetite desde o
início dos sintomas. Algumas vezes, há, também, riscos em medicações que parecem
“inofensivas”. Partir desse raciocínio pode tornar a equipe menos presa à classe do
medicamento, que vem a ser apenas uma mera convenção e que pode às vezes engessar
o raciocínio clínico por detrás da decisão da prescrição.
Um raciocínio interessante é considerar o tempo de cada medicação: algumas
situações demandam “apagar incêndio” e o efeito em curto prazo é o mais esperado. É
o caso de uma crise de ansiedade, ou de alguém em episódio psicótico grave (ex.:
delírios persecutórios bastante invasivos) que está se colocando em risco de morte. Em
outras situações, os efeitos tardios (que levam alguns dias ou semanas para iniciar)

91
devem estar no horizonte da intervenção. Aproveitando os exemplos anteriores, uma
crise de ansiedade não pontual e não reativa poderá apontar para a prescrição de um
antidepressivo, que levará pelo menos dez dias para iniciar seu efeito terapêutico. No
caso do episódio psicótico grave, os efeitos antipsicóticos propriamente ditos começam
após alguns dias.
A propósito, é estratégico colocar aspas no nome das classes das medicações.
Quando falamos em “antipsicótico” ou “antidepressivo”, estas classificações não
restringem o uso da substância àquele diagnóstico nosológico – o nome da doença que
consta no CID ou no DSM. Aliás, o diagnóstico nosológico nunca deve estar em
primeiro plano, ele jamais pode substituir o nome da pessoa. Nessa linha de
pensamento, aprendemos que os antagonistas dopaminérgicos agem também sobre
sintomas psicóticos, os inibidores da recaptação da serotonina produzem também
efeitos sobre situações crônicas e graves de desmotivação e perda de interesse pelo
ambiente e/ ou pelas pessoas. É comum, por exemplo, o uso de um “antidepressivo”
para quadro de ansiedade sem sintomas depressivos ou de um “antipsicótico” para
insônia sem sintomas psicóticos. Ter isso em mente e poder esclarecer isto ao usuário
pode ser bastante proveitoso.
Como ocorre com qualquer outra prescrição, é importante que o profissional
tente usar sempre as doses mínimas necessárias. Lembre-se de sempre propor reduções
graduais e para isso, pesquise se aquele medicamento tem formulações em gotas ou
xarope que podem ser bastante úteis na hora titular a dose. Procure, quando possível,
utilizar uma folha do receituário simples para a orientação do uso dos medicamentos:
nome, aspecto (cor e tamanho do comprimido), quantidade e hora/turno de tomar, em
letras de forma e de visualização simples. Vale a pena também checar se quem vai
tomar o remédio compreendeu minimamente como será sua utilização.
As medicações utilizadas em Saúde Mental apresentam certas peculiaridades
quando utilizadas em crianças e idosos. No primeiro grupo, é fundamental
problematizar a indicação. Quando bem indicadas, é importante saber que as crianças
costumam ter uma metabolização hepática mais eficiente, o que sugere fragmentação
das doses ao longo do dia, além da necessidade de checar a dose por quilo de peso (que
pode ser até maior que de adultos). Nos idosos, é recomendável utilizar doses mais
baixas que as de adulto, considerando metabolização mais lenta e maior sensibilidade
aos efeitos sedativos, o que pode elevar consideravelmente o risco de quedas e suas
consequências. Esses grupos etários também estão particularmente propensos a

92
respostas paradoxais.

As principais classes de medicamentos que agem sobre o sistema nervoso


central

Optamos aqui por utilizar a classificação mais utilizada na maioria das


referências bibliográficas. Levamos em consideração as diferentes dimensões da
pessoa e de tudo o que se atravessa na singularidade da história de cada um e que pode
causar sofrimento. Dessa forma, precisamos ter claro de que não estamos lidando com
“desequilíbrios químicos” como causa do sofrimento com o qual cada profissional vai
lidar. Não podemos pensar em cada droga como “corrigindo um problema de
neurotransmissão”, mas como produzindo estados diferentes dos anteriores, com os
riscos e benefícios intrínsecos a cada decisão clínica que se toma.
Como dissemos há pouco, essas classes se referem às indicações mais comuns
dessas substâncias, mas sempre considerando a relativização entre efeito-alvo e efeito
indesejado. As principais classes e que serão tratadas são:
• Neurolépticos
• Benzodiazepínicos
• “Antidepressivos”
• “Estabilizadores de humor”

Neurolépticos

Os antipsicóticos ou neurolépticos tiveram um papel bastante importante no


processo de desinstitucionalização e tornaram possíveis altas de pacientes bastante
graves que viveram nos manicômios durante décadas. Foram descobertos (por acaso,
como a maioria dos medicamentos que agem no sistema nervoso central) na década de
1950 e, até hoje, configuram-se como escolhas bastante seguras, apesar de bastante
desconfortáveis para algumas pessoas mais sensíveis aos seus efeitos indesejados.
Agem basicamente bloqueando a transmissão da dopamina no cérebro, com efeitos
motores (uma espécie de “contenção química”), hormonais (aumento da prolactina) e
sobre o pensamento (melhora de sintomas psicóticos ou pensamento mais lento ou
embotado). Alguns dos neurolépticos apresentam formulação injetável de depósito,

93
sendo extremamente úteis nas situações onde o uso diário por via oral torna-se muito
difícil como, por exemplo, quando o usuário enfrenta dificuldades na cogestão dos
medicamentos que usa e sua rede de suporte é frágil demais para ajudá-lo a organizar
os comprimidos que toma em diferentes horários.
Os neurolépticos mais antigos são conhecidos como típicos ou convencionais.
Têm um perfil de efeitos indesejados mais proeminentes que serão comentados mais
adiante. Entretanto, eles são bastante eficazes (tanto quanto os mais modernos) no
tratamento do que chamamos sintomas psicóticos positivos (delírios e alucinações).
Podem ser de alta, média e baixa potência. Os de alta potência (ex.: haloperidol)
causam mais efeitos motores (impregnação); os de baixa potência (ex.: clorpromazina,
levomepromazina, tioridazina), tendem a ser mais sedativos e a provocar maior ganho
de peso, entre outros problemas.
Os antipsicóticos atípicos, por sua vez, são mais recentes, produzem menos
efeitos motores e costumam ser mais bem tolerados. No entanto, vários deles
provocam importante ganho de peso. Sua eficácia é semelhante aos típicos em termos
de sintomas positivos e sua ação nos sintomas negativos (embotamento afetivo,
isolamento) é controversa. Alguns deles (risperidona, olanzapina e clozapina) estão
disponíveis no SUS apenas via programas de medicações excepcionais, que dependem
de solicitação específica com justificativa sujeita a análise.

Principais sintomas-alvo
Como dissemos, é fundamental ter em mente o que se espera da medicação.
Abaixo temos o que se pode esperar de um neuroléptico.
• Ação sobre sintomas psicóticos (delírios e alucinações) primários ou
secundários ao uso de substâncias. Cabe aqui uma ressalva: nem todo “escutar vozes”
ou “ver vultos” é sintoma psicótico e precisa automaticamente de uma prescrição. Os
sintomas psicóticos que respondem à medicação geralmente vêm acompanhados de
uma série de mudanças “atípicas” na vida da pessoa e raramente ocorrem isolados.
Estes sintomas também dificilmente encontram uma explicação em eventos recentes.
• Insônia: clorpromazina e levomepromazina – em doses baixas podem
ser boas escolhas, mas raramente seriam as primeiras escolhas pela gama de outros
efeitos.
• Tiques: o haloperidol em doses baixas tem boa eficácia em quadros
crônicos de tiques.
94
• Dificuldade de controle de impulsos/risco de agressividade ou agitação
não reativa/difusa: essas acabam sendo as principais situações onde os neurolépticos
são empregados. Funcionam como “contenção química” e muitas vezes são utilizados
por longos períodos. A decisão de iniciá-los deve ser bastante cautelosa porque retirá-
los pode se tornar bastante difícil, em parte porque os efeitos “terapêuticos esperados”
podem acomodar a família e a equipe, silenciando a necessidade do trabalho para que
essa agressividade ou agitação possa operar de outra maneira. Um uso bastante comum
é na dependência de crack, como maneira de se produzir uma contenção química,
quase que como uma “internação domiciliar” que evite que o usuário saia de casa nos
primeiros dias, quando a abstinência e a fissura podem ser graves.
• Como tranquilizador rápido nas situações de crise grave: os
neurolépticos são muito efetivos e seguros no manejo das situações de agitação grave.
O haloperidol associado à prometazina pode produzir sedação e contenção em cerca de
20 minutos. É fundamental, entretanto, sempre contar com o profissional que tenha
mais vínculo com o usuário na hora de negociar o uso. E sempre vale a pena oferecer
inicialmente medicação via oral, mesmo diante de situações que pareçam caóticas.

Efeitos indesejados
Os mais comuns envolvem “impregnação motora” (efeitos extrapiramidais).
Esses efeitos ocorrem porque, explicando de maneira muito simplificada, o sistema de
“ajuste fino” da motricidade fica inibido, o que pode causar contrações vigorosas e
sustentadas. São chamados efeitos extrapiramidais. É relativamente comum a pessoa
que está usando um neuroléptico típico queixar-se de que “o pescoço entortou”, “os
olhos viraram para cima” ou “os dentes trincaram”. O manejo destas situações é
bastante simples, sendo fundamental tranquilizar familiares e o próprio usuário de que
a distonia não envolve risco de morte (apesar da grave manifestação motora).
A ansiedade é um importante complicador da distonia, portanto, tranquilizar e
explicar pode ser “meio caminho andado”. Pode-se lançar mão de medicações com
efeitos anticolinérgicos como por exemplo o biperideno (2mg oral ou injetável) ou a
prometazina (25mg oral ou injetável).
Outro efeito indesejado é a perda da mímica facial (que pode ser confundida
com depressão) e vir acompanhada de:
• Tremor de repouso.

95
• Acatisia, marcada por uma inquietação motora (a família vai relatar que
a pessoa passou a “não parar quieta”, fica “marchando”). Isto pode até ser confundido
com baixa resposta à medicação (e com uma equivocada elevação da dose que piora os
sintomas de acatisia), mas que pode ser manejada com propranolol 40-80mg/dia ou
clonazepam 0,5-2,0mg/dia.
• Discinesia tardia, que se apresenta com movimentos repetitivos e/ou
circulares que persistem. Costumam ocorrem em pessoas que usam neurolépticos por
longos períodos. Representam um desafio no manejo medicamentoso. Estas situações,
felizmente raras, devem ser tratadas em parceria com a equipe da Saúde Mental do
território.
Nessas situações, é fundamental reduzir a dose do neuroléptico, “tateando”
entre uma dose eficaz e tolerável, ou optar por outro neuroléptico.
Além dos efeitos motores, deve-se estar atento para:
• Efeitos anticolinérgicos, que são bastante comuns: mucosas secas, visão
borrada, constipações, retenção urinária.
• Ganho de peso: pode ser muito significativo, sendo necessário monitorar
dieta e o peso.
• Efeitos cardíacos: clorpromazina e tioridazina podem apresentar
cardiotoxicidade.
• Hipotensão postural: mais comum com os antipsicóticos de baixa
potência (clorpromazina, tioridazina, levomepromazina), exigindo orientações para o
risco de desmaios e quedas.
• Efeitos endócrinos: aumento na secreção de prolactina, resultando em
galactorreia e amenorreia.
• Efeitos sexuais: a anorgasmia e a redução da libido são muito comuns e
podem representar impasses importantes na continuidade do uso. Nesses momentos
um bom vínculo pode ser precioso na negociação de medicações e dosagens.
• Diminuição do limiar convulsivo para alguns antipsicóticos, sobretudo
os de baixa potência e para a clozapina.
Nome do fármaco Dose Dose Faixa Observações
equivalente média terapêutica
(mg) (mg) (mg/dia)
BAIXA POTÊNCIA

96
Clorpromazina 100 250 – 50 – 1200 Baixa potência.
600 Evitar uso em idosos e
pessoas com epilepsia.
Sedativa. Risco de
hipotensão.
Levomepromazina 120 100 – 25 – 600 Baixa potência.
300 Evitar o uso em idosos
e pessoas com
epilepsia. Muito
sedativa. Risco de
hipotensão.
Tioridazina 100 200 – 50 – 600 Sedativa.
300 Ganho de peso
importante.
Alta potência
Flufenazina 1–2 5 – 10 2,5 – 20 Alta potência. Atentar
para efeitos motores.
*Disponível também na
formulação de depósito,
aplicado a cada 2
semanas (Dose oral X
2,5 = dose de depósito).
Haloperidol 2 5 – 10 2 – 20 Alta potência.
Atentar para efeitos
motores *Disponível
também na formulação
de depósito, aplicado a
cada 3 semanas (1 amp.
IM/mês = 2,5 mg VO/
dia).
Trifluoperazina 5 10 – 20 5 – 40 Média potência. Atentar
para reações
extrapiramidais.

97
ATÍPICOS
Risperidona 4–6 2–8 Pode causar sintomas motores em doses
mais elevadas. Sedativa. Poucos efeitos
anticolinérgicos. Boa escolha para
crianças e idosos.
Olanzapina 10 – 20 5 – 20 Sedativa. Ganho de peso. Alto custo.
Sulpirida 600 – 1000 200 – Por vezes utilizada em associação a
1000 outros atípicos potencializando efeito
antipsicótico.
Clozapina 300 – 450 200 – Risco de agranulocitose e convulsões.
500 Muito sedativa. Ganho de peso e
sialorreia expressivos. Necessidade de
controle hematológico (semanalmente,
nas primeiras 18 semanas, e
mensalmente, após esse período).
* referente a 100mg de clorpromazina

Como raciocínio global, vale pensar que os antipsicóticos de alta potência


(haloperidol) têm um perfil mais pronunciado de efeitos indesejados motores e os de
baixa potência (clorpromazina, tioridazina, levomepromazina) apresentam mais
queixas sistêmicas (cárdio, anticolinérgica, convulsões etc.).

Benzodiazepínicos

Os benzodiazepínicos são os “campeões de audiência” em termos de utilização


no Brasil (e colocam o Brasil no topo de ranking dos países que mais os consomem).
Ambiguamente, são motivo de revoltas e tabus no dia a dia das unidades, com usuários
implorando por renovação de receitas e médicos contrariados em fazê-lo. Enfrentar
esta pandemia (dada a cronicidade das altas taxas de uso) deve ser tomada como uma
responsabilidade compartilhada.
Os benzodiazepínicos conseguiram justamente se popularizar por terem efeitos
ansiolíticos com baixo risco de morte, quando comparados aos barbitúricos. Talvez por
isso, ocupam um lugar particularmente importante no imaginário popular e, em

98
algumas práticas cronificadas dos serviços de saúde, podem funcionar como um escape
para a impotência do profissional diante das queixas e sintomas subjetivos dos
pacientes, sem um equivalente orgânico.
Lamentavelmente, esta prática produz a medicalização de problemas pessoais,
sociofamiliares e profissionais, para os quais o paciente não encontra solução e acaba
por acreditar na potência mágica dos medicamentos. O uso continuado provoca
fenômenos de tolerância (necessidade de doses cada vez maiores para manutenção de
efeitos terapêuticos) e dependência (recaída de sintomas de insônia e ansiedade quando
da suspensão abrupta do uso). Outros efeitos bastante comuns são os déficits
cognitivos (perda de atenção, e dificuldade de fixação), que tendem a se instalar no
curso da utilização desses medicamentos.
Em si, quando bem indicados, os benzodiazepínicos podem se configurar como
ferramentas úteis e confiáveis como indutor de sono em situações de adaptação a
estresse, por exemplo. Mas é preciso ter o máximo cuidado na hora de iniciar o uso
dessas medicações, colocando sempre um prazo limite de algumas semanas,
negociando com o usuário a redução gradual. Outra estratégia muito interessante é
optar por formulações em gotas (no Brasil temos o clonazepam e o bromazepam) que
permitem titulações lentas e praticamente imperceptíveis nos “degraus”. Por exemplo,
reduzir uma gota (equivalente a 0,12mg de clonazepam) a cada duas ou mais semanas,
parece colocar a redução da medicação em um patamar viável para o usuário. Quando
não for possível a suspensão total, é importante repensar a relação do usuário com o
“remédio”, com o médico que o prescreve e com a equipe de Saúde.
É fundamental considerar que, para o manejo de longo prazo para queixas
crônicas de “ansiedade”, é mais interessante incluir alguma medicação
“antidepressiva” (amitriptilina, fluoxetina etc.). Vale a pena esgotar as opções destes
“antidepressivos” (substâncias e doses) e resguardar ao máximo o uso dos
benzodiazepínicos.
Todos os benzodiazepínicos agem de maneira idêntica: eles ativam o sistema
Gaba, que é um sistema inibitório da função neuronal. Daí seus efeitos sedativos,
relaxantes musculares e mesmo anticonvulsivantes. Inclusive, é interessante esclarecer
que muitos benzodiazepínicos aparecem como “anticonvulsivantes” na bula, o que
pode assustar algumas pessoas mais “precavidas” e que gostam de ler a bula.
Os benzodiazepínicos diferem basicamente em termos de meia vida, tempo de
absorção e via de eliminação. Por exemplo: alguns têm rápido início de ação e tempo

99
de ação mais curto para insônia inicial (perfil indutor do sono). Outros têm tempo de
ação intermediário para pessoas que dormem bem, mas acordam no meio ou no final
da noite. Outros, ainda, têm a duração do efeito prolongada para auxílio no tratamento
de quadros ansiosos (perfil ansiolítico).
Como dito, seu sintoma-alvo principal é a ansiedade, seja por reação aguda ao
estresse, em crises psicóticas ou em quadros “primários” de transtorno de ansiedade.
Por seu efeito sedativo e relaxante, também são muito utilizados para insônia. Também
podem ser úteis na síndrome de abstinência tanto de álcool quanto de cocaína ou crack.
Os riscos dos benzodiazepínicos, além da dependência, estão relacionados à sedação
secundária (acidentes) e à depressão respiratória quando utilizados em associação com
outras drogas sedativas

Nome do Meia-vida Faixa Dose Observações


fármaco (h) terapêutica usual
Diazepam 30-100 2.5-30 10 Perfil ansiolítico/insônia
mg terminal.
Em caso de prescrição IM, a
absorção é lenta e variável.
Clordiazepóxido 30-100 5-75 25 Perfil ansiolítico/insônia
mg terminal.
Lorazepam 6-20 0.5-6 2 mg Perfil intermediário.
Útil em pacientes com graus
leves de insuficiência hepática
(por ser eliminado por via
renal).
Clonazepam 30-100 0.5-8 0,5-2 Perfil intermediário. Por vezes
mg utilizado no tratamento da
epilepsia.
Bromazepam 8-19 1.5-20 3 mg Perfil indutor do sono.
Alprazolam 6-20 0.5-2,0 0.5-2 Perfil indutor do sono. Útil em
mg transtornos ansiosos,
principalmente no transtorno
do pânico.

100
Midazolam 1-5 7.5-30 mg 15 Perfil indutor do sono. Baixo
mg desenvolvimento de
tolerância.
Prescrição IM útil em
agitação.

“Antidepressivos”

Com a entrada da fluoxetina no mercado na década de 1990, com um perfil


mais ameno e seguro de efeitos indesejáveis, esta categoria cresceu vertiginosamente
em termos de prescrição abusiva e indiscriminada, como panaceia universal para os
problemas pessoais, familiares, sociais etc. Medicar sintomas de tristeza (pertencentes
à realidade humana) vem, lamentavelmente, se tornando uma prática corrente e
automática no dia a dia das unidades, o que, no entanto, não é sem efeito. O vínculo e a
escuta mais uma vez devem figurar como prioridade absoluta em todo e qualquer
contato do usuário com a unidade. A equipe deve ter em mente que sintomas
depressivos podem também estar presentes em diversos quadros clínicos, demandando
uma boa anamnese para diagnóstico diferencial (anemia, hipotireoidismo, desnutrição,
etc.).
São medicações de uso relativamente simples e seguro, sobretudo nos episódios
depressivos em pacientes neuróticos, sempre observando se há alterações importantes
e persistentes do humor ou sentimento vitais, que não responderam à outra abordagem,
e com prejuízos significativos para a vida do usuário.
Apesar de não produzir fenômenos biológicos de tolerância e dependência, seu
significado para a pessoa que usa pode aprisioná-lo na posição de “doente” ou
“deprimido”, com consequências nocivas para sua vida e para suas relações com a
equipe de Saúde do seu território. Também está em jogo um importante efeito
simbólico da medicação tanto que, nos estudos controlados duplo-cego, vários
“antidepressivos” têm eficácia muito próxima ao placebo. Mais uma vez, a equipe
deve estar implicada na construção de um plano terapêutico que não inclua somente a
medicação, planejando o curso do tratamento como um todo, evitando introduzir por
um período de tempo indefinido um fármaco que posteriormente será difícil de retirar.
As informações mais preciosas na escolha são a dosagem e o tempo esperado
101
para efeito. Nunca é demais lembrar que os efeitos “antidepressivos” podem iniciar
após 15 dias, mesmo que já haja efeitos indesejados. Também se deve considerar que
esteja havendo resposta parcial, sobretudo se considerarmos as formulações
manipuladas e/ou de baixa qualidade disponíveis no mercado. Nesses casos, é
importante esgotar a faixa de dosagem segura até que se certifique de que não houve
resposta terapêutica.
Os critérios para escolha da melhor indicação envolvem diferenças quanto à
ação em outros grupos sintomáticos (ansiedade, sintomas obsessivos etc.),
características químicas (metabolização, excreção etc.), custo financeiro e, sobretudo,
o perfil de efeitos indesejados:
• Para uma resposta adequada é fundamental utilizar dosagens dentro da
faixa terapêutica e respeitar tempo mínimo de uso.
• Os efeitos antidepressivos desses fármacos só se iniciam após cerca de
duas semanas de uso (período de latência).
• Em caso de insônia, utilizar um “antidepressivo” com perfil mais
sedativo, ou associar hipnóticos temporariamente.

Uma visão geral sobre os grupos de antidepressivos:


Tricíclicos (ADT)
São os “antidepressivos” mais antigos, bastante eficazes, porém menos
tolerados sobretudo pelos efeitos anticolinérgicos (boca seca, constipação), sedativos e
tonturas. Um dado importante: para a imipramina e a amitriptilina, os efeitos
antidepressivos só são observados em doses acima de 100mg/dia, podendo a dose
máxima girar em torno de 200-250mg/dia, considerando o risco cardiovascular.
Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS)
São os “antidepressivos” mais recentes, com o destaque para a fluoxetina. São
substâncias mais “limpas”, ou seja, agem sobre poucos sistemas de neurotransmissão,
basicamente inibindo seletivamente a recaptação da serotonina. Representaram uma
grande explosão de prescrição.
Agem sobre a serotonina, entretanto, paira ainda um tensionamento sobre qual
o real papel da serotonina nos sintomas depressivos. Este acaba sendo um discurso
ainda bastante divulgado e repetido: “depressão é causada por falta de serotonina no
cérebro”. O efeito placebo não pode ser desconsiderado no uso dessas medicações.

102
Principais sintomas-alvo
• Sintomas depressivos (“tristeza profunda” com alteração do
apetite/sono, desinteresse pelo ambiente, sensação de menos valia etc.).
• Sintomas de pânico: é muito importante escutar com calma esta queixa:
inúmeras e diferentes queixas chegam à Atenção Básica como sendo “pânico”, desde
situações claramente reativas a eventos traumáticos, passando por sintomas psicóticos
até fobia social. Os sintomas de pânico que respondem aos antidepressivos são aqueles
episódios intermitentes de sensação iminente de morte, sem precipitador evidente, de
duração de alguns minutos a poucas horas com intensa manifestação somática.
• Sintomas obsessivos-compulsivos: a presença de ideias intrusivas (“a
porta não está fechada, preciso voltar pra fechar”, “a mão está contaminada, preciso
lavar de novo”, entre outros) associada a rituais (“precisa fechar a porta 4, 8, 12 ou 16
vezes”) respondem a doses normalmente mais altas de “antidepressivos”, p. ex. 60-
80mg/dia de fluoxetina, raramente com resposta plenamente satisfatória.
• Sintomas de ansiedade: nunca é demais relembrar que o tratamento de
base de sintomas de ansiedade que se cronificam são os “antidepressivos”, em doses
equivalentes às doses para depressão, deixando os ansiolíticos para tratamento
sintomático e de curto prazo. Prescrever apenas benzodiazepínicos para queixas
crônicas de ansiedade, é iatrogênico;
• Sintomas de fobia social: dificuldade de estar entre outras pessoas, com
manifestações somáticas, que não se caracteriza como um traço de personalidade (ou
seja, os sintomas de fobia social, quando iniciaram, indicaram uma ruptura em relação
ao funcionamento anterior).

Os diferentes “antidepressivos”
ANTIDEPRESSIVOS
DROGA DOSE FAIXA OBSERVAÇÕES
USUAL TERAPÊUTICA
(MG) (MG)
Tricíclicos:
Sempre iniciar o tratamento com 25 mg e aumentar 25 mg a cada 2 – 3 dias até atingir
nível
terapêutico

103
Amitriptilina 150 – 200 50 – 300 Maior tendência à
sedação e
cardiotoxicidade.
Evitar em idosos.
Várias indicações
na clínica médica
(polineuropatia
periférica, dor
crônica etc.).
Clomipramina 150 – 200 50 – 300 Boa indicação
também para
transtornos de
ansiedade.
Usualmente doses
menores são
necessárias no
transtorno do
pânico e maiores no
transtorno
obsessivocompulsiv
o.
Imipramina 150 – 200 50 – 300 Observar interações
medicamentosas
INIBIDORES SELETIVOS DA RECAPTAÇÃO DA
SEROTONINA
Citalopram 20 20 – 60
Escitalopram 10 10 – 30
Fluoxetina 20 5 – 80 Meia-vida
prolongada;
observar interações
medicamentosas.
Paroxetina 20 10 – 50 Observar síndrome
de retirada.

104
Sertralina 50 – 150 50 – 200

Efeitos indesejados mais comuns:


Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS)
• Ansiedade, agitação, cefaleia, insônia (mais frequente) ou sonolência.
Em algumas pessoas pode provocar sintomas de irritabilidade – atentar para não
considerar como resposta parcial e aumentar a dose do ISRS.
• Anorexia é bastante comum.
• Sexuais: anorgasmia, retardo da ejaculação, tornam o uso um importante
impasse na manutenção da medicação em homens.
• Inibição do citocromo P-450, interagindo na metabolização de outras
drogas.
• Outros: erupções cutâneas, acne, alopecia.

Algumas dicas:
• A maioria dos antidepressivos usualmente envolve uma única tomada
diária.
• Se há risco de tentativa de suicídio, o fornecimento de antidepressivos
(principalmente tricíclicos) deve ser feito em pequenas quantidades ou ficar em posse
de um cuidador.
• Em idosos, iniciar com doses menores, aumentar a dose mais lentamente
e usar doses mais baixas. Os tricíclicos têm perfil de efeitos colaterais desfavoráveis
nessa faixa etária. Se não houver melhor opção, porém, optar pela nortriptilina (menor
risco de efeitos anticolinérgicos e hipotensão postural).

“Estabilizadores de humor”
Reiterando a questão das classificações dos psicotrópicos, esta “classe” sequer
tem um mecanismo de ação comum. Ela agrupa algumas medicações que foram
descobertas como capazes de evitar os ciclos de elevações e depressões patológicas do
humor, características nos transtornos bipolares. Infelizmente, vivemos em um tempo
onde há uma explosão de “autodiagnósticos” de transtorno bipolar... essa tendência ao
abuso do diagnóstico de transtorno bipolar leva à prescrição também abusiva de
estabilizadores de humor.
105
Parece haver um equívoco em considerar sintomas de irritação como sintomas
de transtorno bipolar. Como efeito deste processo, a rotulação acaba tomando uma
dimensão importante para o sujeito, que passa a se apresentar como bipolar, em um
quadro de pouco envolvimento das equipes no sentido de desconstruir este diagnóstico.
Antes de encaminhar ou de querer fechar o diagnóstico (até porque os
diagnósticos sempre devem estar abertos), discuta o caso com a equipe de Saúde
Mental.
Basicamente temos o carbonato de lítio, com características bem peculiares, e
alguns anticonvulsivantes. O carbonato de lítio permanece como droga padrão,
tratando de forma eficaz episódios de mania, hipomania e depressão em pacientes
bipolares. Seu uso nas intercrises é reconhecidamente capaz de prevenir novos
episódios, principalmente de elevação do humor.
Principais sintomas-alvo
• Droga de manutenção em longo prazo: mesmo (e principalmente)
assintomático.
• Episódios maníacos-depressivos (associados ou não aos
antidepressivos).
• Como potencializadores de efeito dos antidepressivos (particularmente o
lítio).
• Dificuldade de controle dos impulsos (principalmente os
anticonvulsivantes): são muito utilizados nessas situações, em crianças, adolescentes e
adultos jovens, para a maioria dos problemas externalizantes, onde há agressividade,
agitação etc. A carbamazepina também pode ser uma escolha na tentativa de diminuir
a fissura por uso de crack.
Abaixo, algumas informações sobre os estabilizadores.
ESTABILIZADORES DE HUMOR
NOME DO DOSES OBSERVAÇÕES
FÁRMACO MÉDIAS

106
Carbonato de 900-2100 Iniciar com 300mg, 2 vezes ao dia, sendo possível
lítio aumentar no dia seguinte para 300mg, 3 vezes ao dia,
aumentando mais conforme necessidade.
Após estabilização de dose oral, é possível utilizar dose
total em uma única tomada, de acordo com tolerância.
Dosagem sérica: 0,6 a 0,8mEq/l em fase de manutenção;
0,8 a 1,2 mEq/l em fase aguda. Deve ser medida após 5
dias de estabilização da dose oral. Coletar sangue 12
horas após a última tomada.
Carbamazepina 400 – Iniciar com 200 mg à noite e aumentar 200 mg a cada 2
1600 dias para evitar efeitos colaterais
Dosagem sérica: 8 - 12 μg/mL. Coletar sangue 12 horas
após a última tomada
Induz o próprio metabolismo, diminuindo sua meiavida
com uso crônico. É necessário rever dosagem
periodicamente e, por vezes, dividir dose em até 3-
4x/dia.
Ácido valproico 750 – Iniciar com 250mg/dia e aumentar 250mg a cada 3 a 4
1500 dias para evitar efeitos colaterais, divididos em 2 a 3
tomadas diárias.
Dosagem sérica: 45 e 125μg/ml.
Embora a dose máxima proposta seja 1.800mg/dia,
alguns pacientes podem precisar de até 3g/dia para
atingir níveis séricos terapêuticos. Não ultrapassar
60mg/kg/dia.

Efeitos indesejados:
Lítio
• Acne, aumento do apetite, edema, diarreia, ganho de peso, gosto
metálico, náusea, polidipsia, poliúria, tremores finos (que respondem bem a
propranolol).
• Monitorizar toxicidade renal e tireoideana.
• O quadro mais preocupante no uso do lítio é o da intoxicação, quando os
níveis séricos ultrapassam 1,5mEq/L, que pode ser precipitada por diminuição de dieta
107
hipossódica, uso de diuréticos, desidratação, ou mesmo doses excessivas.
Manifestações precoces são disartria, ataxia e tremores grosseiros.
Carbamazepina
• Ataxia, diplopia, dor epigástrica, náusea, prurido, sonolência, tontura.
• Monitoramento alterações hematológicas e hepáticas.
• Múltiplas interações medicamentosas, interferindo no nível plasmático
de outros medicamentos.
• Ácido Valproico
• Náuseas, ganho de peso, sedação, tremores, queda de cabelo (reversível
com complementação oral de zinco e selênio);
• Monitorar alterações hematológicas e hepáticas.
A inclusão de novos medicamentos, seja na Rename, Remume ou Reme, deve
ocorrer em função de avaliações sobre custo/benefício, custo/eficácia e vantagens
terapêuticas.

108
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