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UNIVERSIDADE EST ADUAL PAULISTA

CAMPUS DE M ARÍLI A
F ACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCI AS

CLÁUDI A AP ARECIDA VALDERRAMAS GOMES

O AFETIVO PAR A A PSICOLOGI A HISTÓRICO-CULTURAL:


considerações sobre o papel da educação escolar

Tese apr esent ada ao Program a de Pós-Gradu açã o


em Educação da Fac uld ade de Filos of ia e Ciências
da Uni vers idade Estadu al Paulista “Júlio de
Mes qu ita Filh o”, cam pus de Marília, com o parte
dos requis itos para a obtenção do título de Doutor
em Educaçã o. Área de c oncentraçã o: Ens ino na
Educação Bras il eir a.

Orientad ora: Dra. Suely Am aral Mel lo

Marília
2008
2

Ficha catalográfica elaborada pelo


Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação – UNESP – Campus de Marília

Gomes, Cláudia Aparecida Valderramas,


G633a O afetivo para a psicologia histórico-cultural:
considerações sobre o papel da educação escolar / Cláudia
Aparecida Valderramas Gomes. – Marília, 2008.
170 f. ; 30 cm.

Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual


Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2008.
Bibliografia: f. 163-170
Orientador: Profª. Drª. Suely Amaral Mello

1. Psicologia histórico-cultural. 2. Educação escolar.


3. Desenvolvimento psíquico. 4. Unidade afetivo-cognitivo.
I. Autor. II. Título.

CDD 370.152
3

CLÁUDI A AP ARECIDA VALDERRAMAS GOMES

O AFETIVO PAR A A PSICOLOGI A HISTÓRICO-CULTURAL:


considerações sobre o papel da educação escolar

Tese apr esent ada ao Program a de Pós-Gradu açã o


em Educação da Fac uld ade de Filos of ia e Ciências
da Uni vers idade Estadu al Paulista “Júlio de
Mes qu ita Filh o”, cam pus de Marília, com o parte
dos requis itos para a obtenção do título de Doutor
em Educaçã o. Área de c oncentraçã o: Ens ino na
Educação Bras il eir a.

Data de aprov ação: 17/12/2008

B ANCA EXAMINADORA:

Dra. Suely Amaral Mello (UNESP).............................................


Dra. Lígia Márcia Martins (UNESP)...........................................
Dra. Marisa Eugênia Melillo Meira (UNESP)...............................
Dra. Marilene Proença Rebello de Souza (USP)..........................
Dra. Marilda Gonçalves Dias Facci (UEM)...................................
4

Ao meu pai Antonio e minha mãe Vilma, por


terem me ensinado o valor do trabalho e da
paciência para a realização de um projeto de
vida, sem nunca esquecer que são os
sonhos que alimentam nossa existência.
Meu carinho, respeito e admiração.

Ao Aguinaldo, meu marido, presença forte e


constante na minha história de vida,
obrigada pelo seu amor... Ter alcançado
mais essa etapa acadêmica e profissional é
uma conquista nossa.

À minha filha Bettina, razão da minha vida que,


desde seus primeiros anos, caminha junto
comigo inspirando sonhos e me fazendo
acreditar em possibilidades para sua
concretização. Esse momento também é seu.
5

AGRADECIMENTOS

Ao meu irmão Renato, sua esposa Caroline e a querida Yasmin, pelo carinho de sempre...

Aos meus sogros Helena e Salvador (em memória), a Maria Cecília, Maria Estela, Aguida,
Reinaldo Jr. e os pequenos Giovani e Arthur que, também, acompanharam essa trajetória
de estudos.

À Suely Mello, pela forma respeitosa com que conduziu essa orientação, pelo
carinho e generosidade, por me acompanhar nessa caminhada científica dividindo
seus conhecimentos, sem me impedir de voar...

Às minhas queridas professoras Lígia Márcia e Marisa Meira pela presença


marcante durante toda minha formação inicial, exemplos de dedicação, seriedade,
trabalho e compromisso com a Psicologia e com a Educação. Obrigada Lígia pela
leitura cuidadosa e contribuições no exame de qualificação.
Agradeço por tê-las, hoje, presentes neste momento tão importante da minha vida.

Ao professor Pedro Ângelo Pagni pela receptividade e atenção dispensada ao


trabalho no exame de qualificação pontuando aspectos tão importantes para sua
conclusão.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP/Marília,


por terem compartilhado seus conhecimentos. Em especial ao professor Dagoberto
Buim Arena, pela sensibilidade, respeito e valorização aos alunos durante suas
aulas.

Às professoras Marilene Proença e Marilda Facci por terem aceitado o convite,


compondo essa banca de defesa, participando desse momento da minha formação
acadêmica.

Ao Marcelo Carbone e Relma, que têm acompanhado minha trajetória de estudos e


trabalho, pela atenção e o carinho de sempre, por ter me facilitado o acesso aos
textos de Filosofia e por compartilharem sonhos...
6

Aos integrantes do Grupo de Pesquisa Implicações Pedagógicas... Sueli Guadelupe,


Stela Miller, Vandeí, Maísa, Armando e tantos outros colegas que me acolheram e
souberam valorizar meus estudos e conquistas. Em especial à Lane que, viajando
na mesma estrada de construção de um trabalho científico, compartilhou idéias,
incertezas, leituras... e acompanhou de perto minha trajetória.

À CAPES pelo auxílio financeiro.

A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização


deste trabalho.
7

“Se o caminho que eu mostrei conduzir a este estado (de contentamento


interior) parece muito árduo, pode, todavia, encontrar-se. E com certeza
que deve ser árduo aquilo que muito raramente se encontra. Como seria
possível, com efeito, se a salvação estivesse à mão e pudesse
encontrar-se sem grande trabalho, que ela fosse negligenciada por
quase todos? Mas todas as coisas notáveis são tão difíceis como raras ”.
(pág. 436)

Baruch Espinosa,
Ética, Parte V, proposição XLII,
Escólio.
8

RESUMO

A Ps ico log ia Hi stóri co-Cultural af irm a a tese da ex periência social c om o


base da f orm ação hum ana e apont a a un idade afetivo-cognitivo com o
m ediadora nas relaç ões do sujeito com o conhecim ento no desenvolv im ento
das funções psi co lógicas. Est a pesquisa teve por objetivo expl ic itar a
constit uiç ão dos processos af etivos a pa rtir da relação qu e o suj eit o m antém
com as objetivaçõe s hum anas – signos e i nstrum entos. Tr ata-se d e um
estudo teór ico-bibli ográf ico que pesqui sou as raí zes f ilos óf icas do
pensam ento vigotski ano sobre as vivênc ias af etivas – Esp ino sa (sécu lo XVII)
e Marx (s éculo XIX). No conju nto de proposiçõ es dos autores da Esco la de
Vigotsk i, bus cou elem entos que conf irm assem a historic ida de do afetivo e
desvelas sem alguns equívoco s que p erm anecem dif icultando a solução d os
problem as enf rentados pelas crianças no context o esco lar. Diant e da
constatação d a m atriz cartes ia na que mantém o pensam ento organicist a e
subjetivista, ta nto na ciê nc ia ps icológic a quant o na Educaç ão – sep aran do
as em oções das d em ais f unções no conj unto da co nsc iênc ia hum ana,
destaca ndo seu ca ráter natural e a-histór ico e trat and o-as c om o um
im pedit ivo nos proc essos de ensino e de aprendizagem escolar – o estudo
aponto u para a im portância d e se (re) pens ar as relações que o s uj eito
estabelece com o entorno, o pape l d o conh ecim ento e das con dições
concretas de v ida e de e duca ção que produzem os proc essos af etivos,
destaca ndo a ativid ade com o categori a f undam ental n a c onstituição das
necess id ades e m otivos, bem com o na f orm ação de desejos e na objetiv ação
desses, potenc ializando a a prendizagem e m ovendo o dese nvolvim ento. As
aná lises c onf irm aram a hipótes e de que a constitu ição d o af etivo resu lta da
histór ia de apr opr ia ção e o bjetiv ação de s ignos e instrum entos de cada
sujeito e que pensamento e sent imento são proces sos ps icológic os
desenvolv idos neste processo, descon struindo o ideár io de p otenc iais i natos,
predispos iç ões e t endênc ias af etiv as e colocando a educação esco lar e o
caráter inten cional do trab al ho docente – n a or gan ização e conduç ão da
prática ped agógic a – com o elem entos determ inantes na transf orm ação dos
m odos de pensar e sentir, que permitem (re) conf igurar o sentid o da
aprendi zagem escolar das crianç as e conf irm ar a unidade entre af eto e
cogn ição no d esenv olv im ento psíquico.

Palavras-c hav e: psic ologia histór ico-cu ltura l; educ ação escolar;
desenvolv im ento psíquico; unidade afetiv o-cognit ivo.
9

ABSTRACT

Hist oric al- Cultural Psycholog y af firms the thesis of the soc ial exper ienc e as
the bas is to hum an developm ent and points the aff ective-c ognitive unit as
m ediating the relat ions of hum an beings with knowledge in th e developm ent
of the ps ychologica l f unctions. Th is research h ad f or goal to explain the
constit ution of the aff ective pro cesse s f rom the rel atio n bet ween hum an
bei ng and hum an product ion s – s uch as signs and i nst rum ents. It is a
theoretic-bib liograp hic st ud y that s earched f or the phi losophi ca l roots of
Vigotsk i´s thought about the af f ective experiences – Espin os a (17th century)
and Marx (19th cent ury). I n the set of pr oposa ls of the autho rs of the School
of Vigotsk i, it searc hed elem ents that conf irm ed the historic or ig in of the
aff ectivit y and ov erc om e som e m istak es that still m ak e diff icult the so lution
of problem s f aced by the children in school context. In face of cartesian
m atrix that k eeps t he organic ist a nd s ubjectivist t hou ght in psyc ho logic al
scie nce an well as in Educ ati on – separat ing em otions f rom other functions in
the set of hum an consc ience, detach ing the ir natural and no n–histor ica l
character and tre ati ng them as an im pedit ive in education processes – th is
study po inted the im portance of think ing over the re lat ions that hum ans
estab lish with the environm ent, the roll of knowledge an d the real condit io ns
of lif e and educatio n that produce the aff ective processes, detaching the
activ it y as an ess ential cate gory in the constit ution of necess iti es and
reasons, as well a s in the c onst ituti on of desires an d its express ions,
increasing the learn ing possibilities an d m oving the developm ent ahead. The
ana lyses has confirm ed the hypothesi s of the aff ective cons titution as result
of each hum an be ing’s histor y of appro priat ion and ex press ion of sig ns a nd
instrum ents and als o that thoughts and f eeling s are psychological proc esses
deve lop ed i n this process, overcom ing the innate p otent ia ls and aff ective
predispos it ion s ideas, plac in g sch ool ed ucation an d the tea ching i ntent ional
character – in the organizat ion and practical co nductio n of the pedagogical
work – as condit ion ing el em ents in changing the ways of think ing and f eeling,
that all ow to c onf igure in new bas is t he d irect ion of children learni ng in
school and to conf ir m the unit bet ween aff ection and cog nit ion in the ps ych ic
deve lopm ent.

Ke y-W ords: historical-c ultural p s ycho log y; schoo l e ducation; ps ychic


deve lopm ent; aff ective-cognition unit.
10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................12

PARTE I

PRESSUPOSTOS TEÓRICO-FILOSÓFICOS E
METODOLÓGICOS.........................................................................24

Considerações Iniciais...............................................................................................25

Capitulo 1 – Caracterização das Emoções, Afetos e Sentimentos: o afetivo


como unidade semântica........................................................................................33

Capitulo 2 – Elementos para pensar o afetivo a partir da Psicologia Histórico-


Cultural......................................................................................................................44

2.1 Uma crítica à concepção materialista das emoções humanas a partir da teoria
organicista..................................................................................................................49

2.1.1 O pensamento cartesiano na explicação organicista do afetivo.......... 54

2.2 Contribuições da filosofia de Espinosa para uma perspectiva materialista do


afetivo................................... .....................................................................................65

2.2.1 A relação corpo-alma..............................................................................66

2.2.2 O cognitivo e o afetivo............................................................................71

2.3 Contribuições da filosofia de Marx para uma perspectiva materialista histórico


dialética do afetivo......................................................................................................82

2.3.1 A atividade na formação da subjetividade..............................................85

2.3.2 A socialidade na formação da subjetividade..........................................91

2.3.3 A consciência na formação da subjetividade..........................................96

2.3.4 A subjetividade em Marx......................................................................102

Capitulo 3 – Contribuições da Psicologia Histórico-Cultural para a


compreensão do afetivo na atividade e consciência do sujeito........................107

3.1 O psiquismo como reflexo psíquico da realidade...............................................108

3.1.1 A relação sujeito-objeto........................................................................109


11

3.1.2 O caráter mediado do desenvolvimento cultural: as funções psicológicas


superiores......................................................................................................111

3.1.3 A vontade e o desejo ou o problema da unidade afetivo-cognitivo na


consciência e atividade do sujeito.................................................................120

PARTE II

IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS............................................................................134

Capitulo 4 – A Educação na perspectiva Histórico-Cultural..............................137

4.1 A educação escolar e o desenvolvimento das funções cognitivas e


afetivas.....................................................................................................................139

4.1.1 O afetivo nos processos de ensino e de aprendizagem escolar..........145

Considerações Finais............................................................................................157

Referências Bibliográficas................................................................................... 163


12

INTRODUÇÃO

Podemos afirm ar que o conhecimento não se faz apenas


sobre bases cognitivas? Quais elem entos estão postos entre o sujeito e
os objetos do conhecimento que, perpassando a aprendizagem,
movimentam o desenvolvimento humano?
Dizer que o afetivo 1 se conjuga ao cognitivo na explicação
da aprendizagem é um a afirm ação corrente para a m aioria das pessoas
e até mesmo um consenso entre educadores. Mas, efetivamente, qual é
o fundamento dessa relação na explicação da atividade humana e,
conseqüentemente, na constituição do conhecimento ou da consciência
do sujeito?
A articulação dessas indagações a outras duas questões
nos permitiu delinear o objeto deste estudo.
Por que o afetivo surge com o um problema da Educação e
merece ser estudado?
Os elementos que suscitaram esta pesquisa surgem a partir
do nosso percurso de formação e atuação profissional e se constituem
para nós, desde já, num encaminhamento ou num m odo próprio de
abordar as explicações que, historicam ente, têm sustentado a relação
entre afetivo e cognitivo na teoria do conhecim ento.
Trata-se da questão do enraizamento histórico – o porquê,
de onde vem, como se deu o interesse – que materializa certo olhar e
um conjunto de valores do pesquisador, situando na história a essência
do processo de constituição dos fenôm enos hum anos.
A docência é o marco inicial dessa trajetória. Nosso
trabalho nos cursos de alfabetização de jovens e adultos e educação
infantil da Rede Municipal de Ensino de Bauru e a conseqüente opção
pelo curso de Psicologia, ao revelarem um crescente interesse pela
esfera da subjetividade humana, apontavam para um conjunto de

1
Estamos empregando, por hora, o adjetivo afetivo conforme a atribuição filosófica, que designa em
geral tudo o que se refere à esfera das emoções: estado afetivo, função afetiva ou condição de caráter
genericamente emotivo, podendo referir-se a qualquer emoção, afeto ou paixão (ABBAGNANO, 2007,
p. 20).
13

explicações teóricas que possibilitavam um a re-leitura do sujeito e da


realidade social, compreendendo o homem sob novas bases.
O contato e a aproximação com a teoria Histórico–Cultural
deram-se, gradativam ente, durante o curso de Psicologia fortalecendo a
identificação com a maneira pela qual essa abordagem explicava a
constituição e o desenvolvim ento da subjetividade humana.
Foi por m eio desse referencial teórico que analisamos
algum as das implicações da surdez para as crianças surdas e seus
parceiros sociais ouvintes (pais e professores) 2. Nessa época a
atividade profissional desenvolvida num Centro Educacional de
Reabilitação – que tinha por objetivos o acesso e a permanência, com
qualidade, dessas crianças na escola regular – nos levou a fazer um
trabalho de acompanhamento à escolaridade das mesmas que incluía,
dentre outras atividades, cursos de extensão aos professores.
Essa atividade, a par dos estudos desenvolvidos durante o
mestrado, confirmava o que já era possível observar na prática: que os
efeitos determinados pela surdez que afetavam a vida pessoal e
acadêmica das crianças, apontavam para uma estreita relação entre a
experiência da surdez – no caso das crianças – e os diferentes modos
com que seus parceiros sociais ouvintes vivenciavam, com preendiam e
explicavam essa condição do desenvolvim ento, condicionando maneiras
de pensar e sentir a partir de uma limitação sensorial e evidenciando o
papel e a dinâmica que as relações sociais têm na formação da
subjetividade.
Além dessa experiência, alguns trabalhos desenvolvidos na
qualidade de formação continuada com professores de educação
infantil, ensino fundamental e médio convergiam para uma tendência
observada nos profissionais do ensino: a de eleger o aspecto afetivo-
emocional com o foco de atenção, alegando que as crianças aprendem,
ou não, em decorrência do seu "estado emocional".

2
GOMES, C.A.V. A surdez e suas implicações na concepção de crianças surdas, de seus pais e
professores. 2000. 196 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências,
Universidade Estadual Paulista, Marília, 2000.
14

Esses profissionais afirm avam que era preciso atentar para


esse "aspecto" para que o bom ensino pudesse resultar em
aprendizagem. Além do que, não tendo a educação escolar formas de
abordar esses elementos "internos", não caberia a eles – professores –
lidar com tais "aspectos subjetivos", os quais seriam, então, da alçada
da Psicologia e não da Educação.
Esse quadro ganhou relevo com a experiência docente nos
cursos de formação de psicólogos – especialmente nas disciplinas que
tratavam dos processos de desenvolvimento humano e especificidades
do trabalho deste profissional na área escolar.
O confronto de diferentes proposições e abordagens
teóricas que, na Psicologia, se ocupam da explicação do
desenvolvimento do sujeito, foi fecundando a idéia da necessidade de
um corpo teórico e metodológico capaz de responder ao papel que a
Educação – entendida aqui não só como educação escolar – assume na
formação humana do sujeito, particularm ente na explicação sobre a
constituição do afetivo.
Nessa trajetória, a inserção nas escolas públicas de ensino
fundamental – supervisionando estudantes na área da psicologia escolar
– novamente fazia emergir a questão dos interesses, desejos e
necessidades das crianças, os quais, compreendidos, pela escola, com o
aspectos inerentes à personalidade infantil, funcionavam como
justificativas para a aprendizagem, ou não, de determinados conteúdos,
destacando, assim, a inacessibilidade e impotência do educador frente a
esses “elem entos”.
Essa relação entre problema afetivo-emocional e
aprendizagem escolar tem suscitado a atenção de estudiosos que
desenvolvem seus trabalhos na interface com a Psicologia e a Educação
(COLLARES & MOYSÉS, 1996; MEIRA, 2003; PATTO, 1999, 2000;
SOUZA, 1997, 2007). Segundo esses autores, a explicação de que
problemas emocionais determinam ou não aprendizado na escola é um a
concepção corrente entre professores e psicólogos.
Conforme Meira (2003, p. 49), até o fim da década de 1980,
poucos autores que partem de uma perspectiva mais crítica voltaram-se
15

para o estudo dessa temática, o que possibilitou a emergência de


trabalhos de base idealista “[...] que colocam equivocadam ente as
emoções como um campo isolado dos demais processos hum anos.”
O “emocional” aparece freqüentemente associado a
experiências vividas pela criança na sua primeira infância, a traços de
personalidade ou a estrutura e dinâmica familiares que, ao interferirem
na aprendizagem , acabam “perturbando” seu desenvolvim ento
intelectual. A idéia que prevalece na escola é a de que as emoções são
prejudiciais, um impeditivo que, por vezes, atrapalha o processo de
escolarização das crianças e jovens.
Desse ponto de vista, além de não levarem em conta as
relações escolares que afetam professores e alunos, produzindo ou
intensificando os chamados “distúrbios de aprendizagem”, essas
explicações contribuem para a naturalização do afetivo no campo da
educação escolar.
Esses (des) encontros entre a Psicologia e a Educação
motivaram a necessidade de aprofundar os conhecimentos acerca do
enfoque Histórico-Cultural, particularmente no que este teria a contribuir
para a explicação dos princípios e leis determinantes da formação
humana de maneira integral.
A insuficiência de estudos durante nossa formação inicial
que abordassem a questão afetiva como processo histórico e, portanto,
dependente das relações e experiências do sujeito, aliada à tese
fundamental do pensamento marxiano – que assenta sobre as relações
sociais a essencialidade humana –, passou a nos colocar a tarefa de
entender como a Psicologia Histórico-Cultural explicaria a constituição e
participação do afetivo na atividade do sujeito. Tal necessidade nos
aproxim ou, no ano de 2004, do Grupo de Pesquisas Implicações
Pedagógicas da Teoria Histórico-Cultural, coordenado pela Dra. Suely
Amaral Mello na UNESP/Marília.
Desde então, tem os nos ocupado do estudo dessa teoria,
visando à sistematização de algumas teses dos principais
16

representantes da Escola de Vigotski 3 na perspectiva de que essas


reflexões teóricas desvelem a constituição do afetivo na atividade do
sujeito, apontando para suas implicações educacionais.
Essa temática que explicita a relação entre Psicologia e
Educação pretende colocar educadores e profissionais da Psicologia a
pensar sobre alguns desdobram entos.
O primeiro refere-se à dicotomia afetivo-cognitivo que,
presente na escola, sustenta a idéia de que o trabalho pedagógic o
abarca, tão som ente, o aspecto cognitivo e que, portanto, não cabe a
essa instituição social “trabalhar o afetivo ” que, por vezes, impõe
obstáculos à aprendizagem do sujeito; tal postura acaba por eximir a
educação escolar da sua responsabilidade pela formação da
personalidade humana (BISSOLI, 2005; MARTINS, 2006, 2007).
O segundo diz respeito ao rompimento com a idéia das
disposições intrínsecas do sujeito que aprende, propondo a superação
de uma perspectiva naturalizante da “dim ensão afetiva” e recuperando o
papel dos mediadores sociais – as relações interpessoais, o
conhecim ento – como elementos transform adores dos afetos, com
destaque para a educação escolar e o caráter intencional da prática
docente nesse processo de desenvolvimento.
Estudar e refletir buscando explicações acerca da
constituição e participação das emoções na atividade do sujeito pode
contribuir para romper com práticas educativas que privilegiam as
demandas naturais e espontâneas das crianças, superando perspectivas
individualizantes e subjetivistas, que advogam o caráter estático da
motivação para a aprendizagem como algo naturalmente presente nos
sujeitos, e fazendo avançar os modos de pensar a subjetividade humana
e o papel que a educação escolar assume nesta formação.
Esse percurso, que incluiu atividade prática e teórica,
acabou se traduzindo nesta pesquisa de natureza teórico-conceitual que
pretende explicar a constituição e participação do afetivo na atividade

3
Optamos, neste texto, pela grafia Vigotski para designação do nome desse autor, porém, no caso de
citações e referências bibliográficas que possamos utilizar, respeitaremos as diferentes grafias
adotadas nos textos originais.
17

do sujeito apontando as im plicações para o trabalho educativo que se


com prometa com a promoção do desenvolvimento omnilateral da
criança.
Partim os do pressuposto teórico e m etodológico da
Psicologia Histórico-Cultural que, ao afirmar o caráter histórico e social
da formação hum ana e a unidade afetivo-cognitivo no desenvolvimento
das funções psicológicas, coloca a educação escolar com o um espaço
privilegiado na constituição do humano em cada sujeito.
Isto posto, nos colocamos a seguinte pergunta: é possível
explicar a constituição e participação do afetivo na atividade do sujeito
apontando para a escola seu lugar e função na superação da dicotomia
entre afeto e cognição, com vistas ao desenvolvimento integral da
criança?
O que nos importa são os argumentos explicitados por essa
teoria sobre a unidade afetivo-cognitivo na atividade do sujeito, os quais
dão sustentação à tese de que Vigotski buscou compreender o afetivo
por intermédio dos signos e instrum entos, dando aos processos afetivos
uma conotação social e simbólica.
Trabalham os com a hipótese de que é somente pela via da
efetiva apropriação dos signos – fundamento do trabalho educativo –
que se promovem formas mais desenvolvidas de pensam ento e que,
dada a impossibilidade da dicotomia entre afeto e cognição na teoria da
aprendizagem e desenvolvimento de Vigotski, estas conquistas
intelectuais podem ser ativadoras de novos modos de sentir – “afetos
ativos” – passando a interferir, diretamente, na consciência e atividade
do sujeito.
Essa proposição contraria a idéia, há muito estabelecida no
espaço escolar, de que o trabalho com a “dimensão afetiva” pertence a
outros profissionais que não os educadores, e nos coloca a pensar
sobre o papel da educação escolar na apropriação dos signos – reais
portadores da cultura hum ana – e o que isso representa para o
desenvolvimento integral da criança.
18

Para tanto, se faz necessário explicar a constituição e a


participação do af etivo na atividade do sujeito, objetivo primeiro deste
estudo.
No campo da Educação, encontramos alguns estudos que
anunciam como o afetivo vem sendo compreendido no interior da escola.
Arantes (2002, 2003); Leite (2006); Leite e Tassoni (apud LEITE, 2006);
Souza (2003) e Tassoni (2006) sustentam a idéia da
com plem entaridade, do afetivo como algo que é somado ou justaposto
ao processo de conhecimento, bem como a idéia do caráter energético
que movim enta a ação.
Em todos esses estudos a ênfase recai numa concepção do
afetivo-emocional funcionando com o “pano de fundo”, sobre o qual
aconteceria o processamento cognitivo e/ou a aprendizagem.
A maneira com o a Educação tem se referido aos processos
afetivos denota um profundo desconhecimento acerca da natureza,
constituição e participação desses na estrutura psicológica do sujeito;
todo esse desconhecimento advém da marca dualista que a filosofia de
Descartes deixou na teoria do conhecimento (ESPINOSA, 2004;
TEIXEIRA, 2001; VYGOTSKI, 1993) e que influenciou, profundamente, a
história da Psicologia que, até hoje, insiste em considerar as emoções
com o rudim entos que precisam ser subordinadas pelo racional-cognitivo
(VIGOTSKY, 2004).
Apoiados principalmente em W allon 4 (1879-1962) – autor da
Psicologia que direcionou suas teorias para a Educação –, esses
estudos (Leite, 2006; Leite e Tassoni (apud LEITE, 2006); Souza, 2003
e Tassoni, 2006) analisam a questão da afetividade como efeito afetivo
das experiências vivenciadas pelo aluno em sala de aula, tanto no que
diz respeito à relação professor-aluno, quanto à relação aluno-
conhecim ento.
Em Arantes (2002, 2003) observamos uma importância
atribuída ao papel das relações entre afetividade e cognição no

4
“Henry Wallon (1879-1962), psicólogo francês, especialista em psicologia e psicopedagogia infantil.
Aplicou a dialética marxista ao desenvolvimento psíquico na idade infantil. Depois da segunda guerra
mundial tomou parte na reforma do ensino na França.” (VYGOTSKI, 1996, p.317, tradução nossa).
19

funcionamento psíquico do sujeito. Ela admite, a partir dos resultados


de suas pesquisas baseadas na teoria dos modelos organizadores do
pensamento, que a educação dos sentimentos e emoções por meio de
técnicas de resolução de conflitos, surge com o uma alternativa a ser
trabalhada no cotidiano das escolas para superar a dicotomia entre
afetivo e cognitivo.
A mesma autora sugere que a escola deveria “planejar” um
momento específico – conteúdo transversal – para que os alunos
tivessem a oportunidade de considerar a vertente racional e emotiva dos
conceitos e fatos que estão aprendendo.
Esses estudos não negam a inserção do afetivo na
conformação da aprendizagem, nem tam pouco subestim am sua
importância, todavia não explicitam sua constituição e participação na
atividade do sujeito. Apoiados na idéia de uma outra dimensão,
diferente da cognitiva e que a ela se acopla na explicação da
aprendizagem, dão margem a uma visão idealista e reduzem as
possibilidades de pensarmos como se constituem o fenômeno da
motivação, sua dinâm ica e conseqüências para a educação das
crianças.
Daí nosso esforço em sistematizar os aportes sobre a
unidade afetivo-cognitivo dispersos na teoria Histórico-Cultural, que
façam avançar os conhecimentos postos, até então, pela psicologia
tradicional, contribuindo para a construção de uma outra concepção de
desenvolvimento humano que coloque ao educador a possibilidade de
refletir o seu papel na educação das crianças.
A opção por uma pesquisa de natureza teórica se sustenta
na experiência de trabalhos já desenvolvidos na relação com a
educação escolar, que certificam o conhecimento dessa realidade em
diferentes segmentos, e em função da complexidade do objeto a ser
estudado. Entendem os que, para além da sistematização das
contribuições dos autores sobre essa temática, implementar um a
pesquisa de campo demandaria um tempo muito maior do que se
oferece para um curso de doutorado.
20

Além disso, durante a realização da mesma nos deparamos


com uma dificuldade que nos levou a um desvio: a falta de familiaridade
e domínio de conceitos relativos ao campo da Filosofia – necessários
para a compreensão das bases da teoria vigotskiana –, nos fizeram
percorrer um árduo caminho de leituras e reflexões naquela área do
conhecim ento em busca do aprofundamento do pensamento de um autor
que, pela nossa formação, não nos era com preensível.
Contudo, esse processo mostrou-se fundamental do ponto
de vista de aclarar conceitos e pressupostos teóricos que, hoje,
entendemos essenciais para o empreendim ento de futuras pesquisas
que incluam a coleta de dados empíricos, pois consideram os que a
sustentação filosófica das idéias (LEONTIEV, 1978b; VIGOTSKY, 2004)
é condição indispensável aos trabalhos científicos que se pretendem
críticos.
Por entender como necessária um a forma de apresentação
que dê visibilidade ao leitor do trajeto percorrido em direção ao objetivo
proposto, organizamos o trabalho em duas partes.
Na primeira parte do trabalho, que inclui três capítulos,
contem plam os os pressupostos teórico-filosóficos e metodológicos que
fundamentam a compreensão sobre os processos afetivos na atividade
humana, segundo a teoria Histórico-Cultural. Para tanto, resgatamos
duas tendências da história da Filosofia: Espinosa 5 (1632 – 1677) e Marx
(1818 - 1883) – raízes das idéias de Lev Semiónovich Vigotski (1896-
1934) sobre os afetos 6.
No primeiro capítulo tratam os daquilo que se constituiu
com o uma real dificuldade durante o estudo: caracterizar em oções,
afetos e sentimentos e encontrar, a partir dos autores referenciados,

5
CHAUÍ (2005) adverte que o nome de Espinosa é grafado de maneiras diversas, aparecendo ora
como “Espinoza”, ora como “de Espinosa”, “Spinosa”, “Espinosa”. Em suas obras, escritas em latim, o
filósofo assinava “Benedictus de Spinoza”. Respeitando a convenção atual, para a língua portuguesa
adotamos, neste trabalho, a grafia “Espinosa”.
6
O sexto volume das obras escolhidas inclui o trabalho “Teoria de las emociones”, escrito entre 1931 e
1933, no qual Vigotski, utilizando-se das teorias de Espinosa e Descartes submete a uma rigorosa
análise filosófica a teoria organicista das emoções na tentativa de desvelar a presença do pensamento
cartesiano que, segundo ele, “está presente em cada página das obras de psicologia sobre as
emoções escritas no curso dos últimos sessenta anos.” (Vigotsky, 2004, p.139, tradução nossa).
21

uma unidade semântica que fosse síntese e expressão do que o estudo


pretendeu enfatizar. Encontramos no vocábulo afetivo essa
possibilidade.
O segundo capítulo traz alguns elementos que julgamos
necessários para pensar o afetivo a partir da Psicologia Histórico-
Cultural. Nele apresentam os a crítica de Vigotski à teoria organicista
que, referendada pelo pensamento cartesiano, sustenta as explicações
na psicologia contem porânea e alim enta uma série de equívocos sobre
os problemas enfrentados pelas crianças no seu processo de
escolarização.
Para dar sustentação a essa crítica, retom amos Espinosa –
filósofo e autor do século XVII – que inspirou Vigotski marcando,
notadamente, seus trabalhos iniciais.
Neste percurso de reconstrução do projeto de Espinosa,
que visa interpretar o pensamento vigotskiano sobre o afetivo na
atividade do sujeito, nos utilizamos, principalmente, da Ética (2004),
obra que reúne as reflexões do filósofo acerca da origem da alm a e sua
relação com o corpo, o pensam ento e o sentimento, a natureza dos
afetos, a liberdade e a necessidade humanas.
Vale observar que a opção por essa obra, em particular,
deu-se pela referência que Vigotski faz, nos seus textos (1972, 1987b,
1991, 1993, 1995, 1996, 2003, 2004) a alguns dos aspectos acima
mencionados.
É necessário esclarecer que nos utilizamos de outros
autores – leitores e estudiosos de Espinosa – incorrendo no risco de
saber que nem sempre todos compartilham uma mesma vertente no
interior dos estudos dessa filosofia. Isso se fez necessário à medida que
a pesquisa foi suscitando a busca de aportes capazes de clarificar
conceitos e idéias trabalhadas por aquele filósofo. Não tivemos a
preocupação de detalhar e aprofundar as possíveis divergências entre
eles, respeitando os limites deste trabalho.
Ainda no campo da Filosofia, retomamos Marx, segunda
influência nos trabalhos de Vigotski. Por meio das categorias trabalho,
22

socialidade, consciência e atividade procuram os identificar como o


pensamento marxiano aborda a constituição dos processos afetivos.
Do conjunto das obras consultadas (MÁRKUS, 1974a;
MÁRKUS, 1974b; MARX, 1993; MARX & ENGELS, 2002; MARX, 2005),
encontramos nos Manuscritos Econômico-filosóficos, considerações
relevantes sobre a constituição da subjetividade explicada a partir da
intersubjetividade (SAVIANI, 2004). Nesta obra, Marx (1993) parte do
conceito de alienação para analisar a natureza da atividade produtiva e
da relação do trabalhador com os produtos de seu trabalho, elementos
constitutivos da essência hum ana.
Vale ressaltar que esse movim ento teórico que nos levou
da filosofia espinosista ao pensamento de Marx foi dirigido pelo próprio
Vigotski e que a revisão desses fundamentos filosóficos nos possibilitou
enxergar em quais aspectos a teoria de Espinosa ligava-se às
concepções pré-marxistas, permitindo contem plar como Vigotski foi
superando-as à luz das categorias m arxianas.
Com o capítulo três finalizamos a primeira parte,
apontando algumas contribuições da Psicologia Histórico-Cultural para a
com preensão da relação sujeito-objeto que, ao explicitar os mecanismos
de constituição dos processos afetivos na atividade do sujeito, anuncia
a impossibilidade da dicotomia entre afeto e cognição na consciência
humana.
A parte II da tese ficou destinada à discussão das
Implicações Educacionais.
No quarto capítulo, que integra a segunda parte deste
trabalho, destacamos o papel da Educação na perspectiva Histórico-
Cultural, a ação dos mediadores – professores, instrum entos e signos –
na atividade educativa em geral e na escola, em particular. Procuramos
dar visibilidade aos modos como a motivação ainda é interpretada pela
escola, apontando para os processos afetivos nas situações
pedagógicas, ao papel do professor e a força das relações sociais nesta
constituição.
Nas considerações finais optamos por (re) tomar o caminho
teórico, anunciando as contribuições do estudo para a interface
23

Psicologia-Educação, tendo em vista que a form ação da hum anidade e,


portanto, a subjetividade em cada sujeito particular, é efeito de um
processo educativo que deve ser objeto de estudo e atenção tanto da
Psicologia quanto da Educação.
24

PARTE I: PRESSUPOSTOS TEÓRICO-FILOSÓFICOS E


METODOLÓGICOS

Um grande autor é aquele que suas


idéias seguem o tempo explicando o
real (informação verbal) 7

7
Frase proferida por Roberto Leher na IV Jornada do Núcleo de Ensino de Marília: Releitura de Marx
para a Educação Atual, em Marília, Agosto de 2005.
25

CONSIDERAÇÕES INICI AIS

No campo da Filosofia há autores que, pela


contem poraneidade de seus pensamentos, fizeram suas idéias
atravessarem o tempo e simbolizar questionamentos e demandas atuais.
Esses conseguiram reunir em sua obra elem entos que, segundo Chauí
(2005, p.74), nos põe a “[...] pensar para além dela, e graças a ela” e,
que sendo assim, “[...] cria, por sua própria força, um campo de
pensamento no qual aprendem os a ouvir uma interrogação que abre
caminho para a nossa.”
Esse é o caso de Espinosa 8, o modo como enfrentou as
questões de seu tem po e a elas ofereceu respostas fez com que suas
idéias se tornassem um divisor de águas na história da Filosofia,
influenciando, segundo intérpretes que acompanharam o processo de
constituição do pensamento de Marx, muito do que este elaborou na

8
Nascido na Holanda em 24 de Novembro de 1632, Baruch de Espinosa (Bento, em português;
Benedictus, em latim) era filho de emigrantes portugueses, tinha o português como sua língua materna
e o catolicismo como uma marca implícita dessa nacionalidade. Vivenciou, desde muito cedo, um
conflito com relação a suas origens: era judeu por receber educação rabínica; português, porque seus
pais eram emigrantes portugueses e holandês porque nasceu em Amsterdã. Entre a conversão
forçada ao cristianismo e a expulsão de seu país, seus familiares tornaram-se marranos ou cristãos-
novos e, embora aceitassem a nova fé, permaneceram vinculados à tradição judaica. Na adolescência
Espinosa foi educado como os demais jovens marranos: estudou o hebraico, a Bíblia e a história do
povo judeu, interessando-se pelos grandes problemas do judaísmo. Chegou ao judaísmo, depois de
ter estudado algumas ciências, denominadas profanas, como a lógica, a metafísica e a medicina.
Os elementos propostos por essas ciências negavam a verdade das Escrituras e do Deus nelas
revelado, substituindo-o por um Deus-natureza, negando a fé e só aceitando o poder natural da razão.
Espinosa contrapõe, criticamente, o conhecimento profético e o natural (razão natural humana); é
enfático na oposição entre a passividade receptiva “iluminada” (a revelação), que é a marca da
profecia, e a atividade intelectual, que é a marca própria da razão.
Aos vinte e quatro anos, Espinosa foi convocado pela Sinagoga de Amsterdã, sofreu um intenso
interrogatório, cuja finalidade foi mostrar seu ateísmo – expressão que se refere ao homem que
concebe Deus contra a concepção tradicional vigente, ou seja, uma denominação muito mais política
do que religiosa – e a partir de então, tomou a iniciativa de afastar-se da comunidade judaica, fato esse
que provocou outras transformações em sua vida. Integrou-se à vida cultural holandesa e passou a
usufruir da liberdade burguesa, entendida como liberdade de consciência e tolerância religiosa que o
Estado holandês proporcionava. Após a excomunhão pela comunidade judaica de Amsterdã a 27 de
Julho de 1656, Espinosa abandonou os estudos judaicos e penetrou no humanismo clássico. Nessa
mesma época passou a estudar a filosofia de Descartes, a qual exerceu sobre ele uma forte influência,
caracterizando o peso do novo racionalismo do século XVII.
A fragilidade da sua condição física, associada à tuberculose que acometeu sua saúde por quase vinte
anos, levou-o a morte em 21 de Fevereiro de 1677. Sua principal obra é a Ética demonstrada à
maneira dos geômetras, concluída em 1675, mas publicada apenas em 1677, juntamente com outras
que formaram o volume das Obras póstumas.
26

teoria da alienação, sobretudo na com preensão da participação do


poder religioso e político na Alem anha (CHAUÍ, 2005).
Para além do tempo, a influência de Espinosa não se deu
apenas sobre a teoria de Marx, mas acabou por invadir, também, o
pensamento e a obra de Vigotski – autor da Psicologia do final século
XIX – se fazendo presente, inclusive, em indagações que se mantém na
realidade educacional atualmente.
Espinosa foi um dos representantes da nova atitude
filosófica inaugurada no século XVII pelos racionalistas, gênese de um a
outra com preensão quanto ao sujeito e quanto ao objeto do
conhecim ento.
A filosofia m oderna deixou de indagar sobre a natureza e
Deus e passou a fazê-lo com relação ao homem, colocando em
evidência o sujeito do conhecimento e certificando, com relação ao
objeto, que as coisas exteriores poderiam ser conhecidas desde que
fossem representadas, ou seja, postuladas em form a de idéias ou
conceitos.
Do ponto de vista da filosofia tradicional, o questionam ento
de com o as idéias aparecem na consciência, se resolve à medida que
considera os dados sensíveis com o a matéria-prima do conhecimento e
prova da existência do m undo exterior.
Já em Descartes (1596-1650) – pai da tradição subjetiva e
idealista na filosofia moderna – que admitia o conhecimento como um a
criação da mente e descoberta da razão independente dos dados
sensoriais – ocorria questionar como essa criação da mente era
conhecim ento do mundo, colocando em questão até m esmo se, de fato,
esse mundo existe.
Contrariando essa perspectiva cartesiana, na filosofia de
Espinosa:

Nenh um a dúvida s e levanta s obre a existência do m undo


exterior. Os dad os dos sent ido s, ain da que não
constit uindo ne nh um conhecim ento, dão-nos um a
realid ade exterior a o pens am ento, que se j ustif icará e s e
com preenderá dentr o da m etaf ísica e da epistem ologi a
esp inos ista, m as que, com o sim ples da dos dos sentidos,
27

isto é, pensam ento de um objeto f ora dos sent idos, só por


si é sufici ente para estabelec er a e xi stê ncia de algo f ora
do pens am ento. Para Es pinosa, o pensa mento é sem pre o
pensa me nto de a lgu ma coisa diversa do próprio
pensam ento. Não ex istir ia o pensam ento da c oisa s em a
existê nc ia da c ois a. Não há idéia sem objeto, e a
existê nc ia de um a idéi a a ssegura a existência do objeto.
(TEIXEIRA, 2001, p. 82, grif o do autor).

Convém ressaltar que essa atitude filosófica não se


confunde com a concepção idealista 9, que identifica a realidade com as
idéias. Os racionalistas do século XVII admitem como certa um a
realidade diversa da realidade do pensam ento, existente fora do
pensamento, ainda que não cognoscível através do aparato sensorial.
A ética de Espinosa assegura a entrada no período
moderno da Filosofia. Apesar disso, a razão, categoria consubstanciada
com o o núcleo do seu pensamento, deve ser entendida como um devir,
um vir-a-ser; o que significa que o postulado da capacidade racional
humana não pode ser tratado como um dado a priori, que uma vez
reconhecido, oferece a possibilidade de o sujeito conhecer todas as
coisas ou, dito de outro modo:

[...] não há um a razão universal; torn am o-nos racionais


apen as em situaçõ es dim inutas, através de en contros
locais. Ser racional não si gn if ica que pertencem os ao
m undo da razão, m esm o através de prot oco los ou dire itos
válidos par a todos o s hom ens. Term os uma idéia não quer
di zer qu e potenc ia lm ente podem os ter acesso a t odas as
idéia s. A razão é s em pre local, e la é se m pre um processo
que pod e acont ece r. (CARDOSO Jr., 2005, p.49, grifo
nosso).

Se a filosofia de Espinosa considera que as idéias que


constituem a consciência advêm de uma realidade objetiva e que,
portanto, o pensamento pressupõe a existência da coisa, o que ela
ainda não explicitou é como essa coisa passa a ser parte da consciência

9
O idealismo pressupõe a existência da razão subjetiva, a qual possui princípios e modalidades de
conhecimento que são universais e necessários, válidos para todos os seres em todos os tempos e
lugares. “[...] constitui-se como corrente filosófica que subordina toda a existência humana e todo ser
objetivo e exterior ao homem à cognição. Tem como alguns de seus representantes: Platão, Berkeley,
Hegel e Kant. Em Psicologia, corresponde à corrente cuja explicação do psiquismo está ligada à idéia
de que o pensamento subordina a realidade a si mesmo, de que a consciência existe antes da matéria.
O pensamento é tido, portanto, como princípio da existência.” (BISSOLI, 2005, p.25).
28

do sujeito ou, dito de outro modo, o que essa doutrina filosófica não deu
a conhecer foram os mecanismos da atividade humana como elem ento
constitutivo do conhecimento.
Na história da Filosofia, pensadores de diferentes períodos
e tendências com o Espinosa (1632-1677), Hegel (1770-1831), Marx
(1818-1883) e Heidegger (1889-1976) concordam que o conhecimento é
caracterizado como uma atividade ou um esf orço em preendido pelo ser
humano para a superação do seu “estado natural” evoluindo para o
desenvolvimento das qualidades humanas e para o conhecimento da
realidade (KOSIK, 2002).
Na tentativa de reunir elementos explicativos sobre a
constituição do afetivo na atividade hum ana, entendemos necessária a
referência a um outro filósofo que superou as concepções até então
consagradas à explicação da relação do sujeito com o objeto do
conhecim ento.
Marcando a história da Filosofia a partir do século XIX,
Marx 10 figura com o a segunda influência na formação do pensam ento

10
Nascido em Treves, capital da província alemã do Reno (Renânia), em 5 de Maio de 1818, Karl Marx,
ingressou na carreira jurídica em 1836 na Universidade de Bonn seguindo, depois, para a
Universidade de Berlim. O fato de ter se ligado ao grupo dos jovens Hegelianos – muito embora ele
não concordasse com o idealismo de Hegel (1770-1831) – associado ao crescente interesse pela
História e pela Filosofia fez com que desistisse de ser advogado.
Terminou o doutorado em 1841 e decidiu seguir a carreira universitária. Tornou-se redator-chefe da
Gazeta Renana nos anos de 1842-1843, mas abandonou o cargo após sofrer pressões políticas e
perseguições, emigrando para Paris em 1843. Em 1844 quando esteve exilado em Paris redige os
Manuscritos Econômico-filosóficos, também chamados de Manuscritos de Paris. As idéias centrais dos
Manuscritos são a essência humana e o trabalho alienado. Nesse mesmo ano (1844) Marx reencontra
o amigo Friedrich Engels (1820-1895) com quem iniciaria uma estreita colaboração intelectual e
política. Juntos escrevem A Sagrada Família (1845) e A Ideologia Alemã, este último redigido entre os
anos de 1845-1846.
Saviani (2004) explica que: “Na passagem dos Manuscritos de 1844 para as Teses sobre Feuerbach e
A Ideologia alemã o conceito de essência humana passa a coincidir com a práxis, ou seja, o homem
passa a ser entendido como ser prático, produtor, transformador” (Saviani, 2004, p.37-8). Esse mesmo
autor (2004) pontua que o conceito de alienação deixa de desempenhar o papel central que
desempenhava nos Manuscritos e, de fundamento explicativo da situação humana, passa a ser
considerado um fenômeno social que, por sua vez, é explicado por outro fenômeno histórico, a saber,
a divisão do trabalho.
Em Bruxelas (1847) Marx e Engels ingressaram na Liga dos Justos, organização sediada na França,
mas com ramificações internacionais – Liga Comunista – publicando no início de 1848 o Manifesto do
Partido Comunista. Em 1852 publica O 18 Brumário de Luís Bonaparte, em que analisa os
acontecimentos na França entre os anos de 1848-1851.
Mas a obra máxima de Marx – O Capital – teve seu primeiro volume publicado apenas em 1867. Nesta
obra, as premissas estabelecidas em A Ideologia Alemã vão ser aplicadas rigorosamente ao estudo do
modo de produção capitalista, fundamentalmente naquilo que seria o desvelamento do que a
“economia científica burguesa” jamais poderia explicar, o segredo da exploração do homem pelo
homem. Marx morre em 14 de Março de 1883, em Londres.
29

vigotskiano contribuindo, significativamente, para a compreensão da


materialidade dos processos psicológicos hum anos. Meshcheryakov
destaca que um aspecto que acaba restringindo a com preensão da obra
de Vigotski são as outras bases do marxismo, dentre elas destaca-se
Espinosa, que aparece nos seus trabalhos iniciais (informação verbal) 11.
Porém, se suas prim eiras obras trazem muito mais a
influência do materialismo e do racionalismo de Espinosa, é a partir das
categorias legadas por Marx que o autor russo – o primeiro a trazer para
a Psicologia os fundamentos marxianos – apresenta a tese de que a
personalidade humana se form a com base nas relações sociais.
A Filosofia que antecedeu o marxismo não colocava a
questão sobre como e em que base ocorre a relação entre o
pensamento e a natureza? Ela simplesmente considerava que a
natureza se encontra de um lado e o pensam ento de outro.
O marxismo demonstrou que a base essencial do
pensamento humano é a mudança da natureza pelo homem: a prática.
“A incorporação da prática à teoria do conhecim ento é a maior conquista
do pensamento filosófico.” (KOPNIN, 1978, p.52).
As idéias de Marx sobre quem é o homem incluem a
história e, sobretudo, a atividade que este homem realiza na história,
elementos indispensáveis na superação do m aterialismo de Espinosa em
direção a um materialismo que considera a atividade humana objetiva –
práxis – na constituição da subjetividade do sujeito.
Todavia, o pensamento marxiano carrega um estereótipo
segundo o qual Marx teria colocado o peso de suas análises na
estrutura econômica, social e política, reduzindo a subjetividade humana
a uma determinação mecânica, efeito das condições sociais.
Contrariando essa idéia entendemos que, em Marx, o
problema da subjetividade – que congrega os processos afetivo-
emocionais – ocupa um lugar central no conjunto de sua obra.

11
Informação obtida a partir do curso Concepção de Vygotsky: uma análise semântica, ministrado por
Bóris Guryevich Meshcheryakov, durante a I Conferência Internacional: O enfoque histórico-cultural em
questão, em Santo André-SP, Novembro de 2006.
30

Sem perder de vista o que cada um desses dois autores


abordou no palco da Filosofia – Espinosa tratava da ética e Marx de
uma teoria crítica da alienação hum ana no interior do sistema capitalista
– elegemos aquelas contribuições que, circunscritas aos fundamentos
das idéias vigotskianas, apontam para a constituição e o lugar dos
processos afetivos na relação do sujeito com o objeto do conhecim ento.
Falar desse lugar implica (re) visitar a relação sujeito-
objeto nos processos de ensino e de aprendizagem que acontecem na
escola conf orm ando a subjetividade das crianças.
Podemos dizer que a contribuição que Marx nos oferece
para pensar o afetivo no interior dos processos de constituição da
subjetividade está no m étodo que propõe.
Quando ele apresenta a lógica dialética como método do
pensamento científico, sua atenção se fixa na unidade entre o abstrato
e o concreto no pensamento teórico.
A importância do método dialético está na possibilidade
deste alcançar a essência dos fenôm enos, entendendo por essência as
múltiplas determinações que cercam a natureza de todo e qualquer fat o
humano.
Sendo assim, a dialética se apresenta com o um
procedim ento de análise da realidade e de sua reprodução na forma de
conceitos, revelando as leis do m ovimento dos objetos e processos do
mundo objetivo, um método de análise concreta do real, dos fatos, dos
objetos e do homem.
O marxismo relaciona sujeito e objeto na dialética do
conhecim ento revelando uma idéia já contida nas Teses sobre
Feuerbach (2002), ponto de partida da concepção de m undo do
materialismo dialético. A idéia de que o hom em apreende o objeto à
medida que atua sobre ele, concebendo-o como atividade dos sentidos
humanos, de m odo subjetivo.
A lógica dialética pressupõe pensar a realidade e os
fenômenos humanos e sociais num contínuo processo de m ovimento e
transformação histórica, produto da atividade humana, ainda que os
homens não tenham plena consciência dessa participação.
31

Invertendo a proposição idealista de Hegel, para quem o


real era produzido pelo pensamento, Marx analisa que a realidade é
resultado do pensamento, tão somente, porque o pensamento teórico é
o único capaz de captar e apreender concretamente a realidade.
É em seu texto O Método da Economia Política (2005) que
Marx apresenta, de forma clara e articulada os dois mom entos de um
movimento na atividade de conhecim ento, expressando a unidade entre
a aparência e a essência dos fenômenos.
Pelo primeiro m ovimento, o sujeito é capaz de captar,
apenas, os dados empíricos que se apresentam a ele sob a forma de
um conjunto de percepções sensíveis. Neste caso, ele está fixado na
aparência externa do fenôm eno, só alcança aquilo que é imediatamente
perceptível acerca do objeto, o que pode ser tom ado como uma
abstração, já que não abarca a totalidade do objeto.
Diferentemente, à medida que o sujeito avança e, por meio
do pensamento teórico analisa o objeto, vai reconhecendo as infinitas
possibilidades e as múltiplas conexões e relações que o configuram e,
caminhando na direção de um a síntese teórica, chega ao concreto qu e
segundo Marx (2005, p.39-40), “[...] é concreto porque é a síntese de
múltiplas determinações, isto é unidade do diverso. Por isso o concreto
aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultad o
[...].”
Esse avanço no sentido do descobrimento da natureza do
objeto, que im plica chegar ao real pelo caminho das idéias, contribui
para a compreensão do m undo um a vez que esse, existindo
independentem ente das idéias, ao ser captado, pode vir-a-ser
transformado pela atividade hum ana.
Por esse caminho metodológico esperamos poder entender
com o o pensamento filosófico de Espinosa e Marx atravessou a
Psicologia Histórico-Cultural nas explicações sobre a constituição do
afetivo na atividade do sujeito, contribuindo para a compreensão da
relação entre sujeito e objeto, objetivo desta primeira parte.
Também é nossa preocupação, nesta etapa do trabalho,
inverter as tendências atuais que insistem em relacionar o nom e d e
32

Vigotski ao de um cognitivista do desenvolvimento, pelo fato de o


mesmo ter se dedicado ao estudo das funções psicológicas superiores
dando um trato significativo às funções da m emória, atenção voluntária,
pensamento e linguagem.
Entendem os como indispensável desmistificar essa
tendência que, ao lado de outras, pretende transfigurar o pensamento
desse autor desvinculando-o de seus pressupostos teóricos e
12
metodológicos , e que acaba por em pobrecer a verdadeira contribuição
que Vigotski ofereceu ao estudo do homem integral.

12
Newton Duarte apresenta uma crítica contundente acerca da vinculação do nome de Vigotski às
concepções neoliberais de educação em seu livro Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às
apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana, publicado pela editora Autores
Associados, 2001.
33

C APÍTULO 1 - Caracterização das Emoções, Afetos e Sentimentos: o


afetivo como unidade semântica.

“[...] por af eto cabe enten der todo e


cada verbo constitutivo do ex istir, d o
viver. Verbo, isto é , todo e qua lquer
m odo de ser possív el do hom em , m odo
este que abre um campo de
relac ionamentos [...] e este é açã o,
ativida de.” (FOGEL, 200 2, p.94, grif o
do autor).

Ao longo desta pesquisa nos deparam os com diferentes


nomenclaturas – afetos, emoções, sentimentos e paixões – ao tratar dos
processos afetivos. Frente a dificuldade de encontrar, dentro da teoria
Histórico-Cultural, uma unidade semântica, f ez-se necessário extrair de
um conjunto de definições, nos campos da Filosofia e da Psicologia,
aqueles elementos que pudessem sustentar nosso ponto de vista na
explicação do afetivo na atividade do sujeito.
A Filosofia explica que as Em oções: 13

[...] podem ser consideradas re açõe s im ediatas do ser


vivo a um a situaç ão f avorável ou desf avorável: im ediata,
porque con densad a e, por a ssim dizer, resum ida no tom
(agradáve l ou dolor oso) do s ent im ento, que b asta para
por o ser v ivo em estado de a larm e e para d ispô-l o a
enf rentar a situação com os m eios que tem .
(ABBAGNANO, 200 7, p.363).

Entende-se por Afetos 14, no uso comum:

[...] as em oções positivas que se ref erem a p essoas e que


não têm o caráter dom inante e tota litário da paixã o.
Enquanto a s em oções pod em ref erir-se tanto a pes soas
quanto a c oisas, f atos ou sit uações, os af etos constit uem
a cla sse restr ita de em oções que acom panham algum as
relaç ões interpessoais. (ABBAG NANO, 2007, p.20, grif o
do autor).

13
Para maiores informações ver ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. – 5ª. ed. – São Paulo:
Martins Fontes, 2007, p. 363-376.
14
Conforme ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. – 5ª. ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007,
p.20.
34

Ainda segundo definição filosófica, Sentim ento 15 pode


significar:

[...] o mesm o que em oção, no signif icado m ais gera l, o u


algum tipo ou f orm a super ior de em oção [...] fonte de
em oções, com o princípio, faculdade ou órgão que preside
às em oções, e do qu al ela s dependem , ou com o categoria
na qual elas s e en quadram . É com este últ im o sentido
que ess a pal avra é com um ente em pregad a hoj e, por
exem plo, quando se opõe o “sentim ento” à “razão”
(cons iderada com o órgão ou f aculdade de conhec im entos
objetiv os). (ABBAGNANO, 2007, p. 1039).

Na construção dessa unidade semântica, a incursão no


universo conceitual em pregado por Espinosa no seu tem po nos ofereceu
elementos para a com preensão dos significados atribuídos a afecções,
afetos e paixões dentro da sua filosofia.
No principal livro de Espinosa escrito em latim – Ética
demonstrada à maneira dos geômetras – encontramos, segundo Deleuze
(1978), duas palavras: “affectio” e “affectus” que, apesar de serem
tomadas como equivalentes, pois alguns tradutores tratam a ambas por
afecção, merecem ser respeitadas enquanto dois termos que designam
coisas diferentes. Para esse filósofo, quando se utiliza o term o “afeto”
ele remete ao “affectus” de Espinosa, dif erentemente de “afecção” que
remete a “affectio” – traduzida no francês por affection (DELEUZE,
1978). 16
O termo af ecção (affection 17) que, às vezes é usado,
indiscriminadamente, por afeto e paixão pode ser distinguido destes. Na
tradição filosófica, “afecção designa todo estado, condição ou qualidade

15
Para maiores informações consultar ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. – 5ª. ed. – São Paulo:
Martins Fontes, 2007, p. 1039-1043.
16
DELEUZE, Gilles. Aula sobre Espinosa em 24/01/78, disponível em http: // www.webdeleuze.com,
acessado em 05/05/2007. A mesma observação é referida por Gleizer (2005) que, tendo revisado a
tradução da Ética de Espinosa publicada pela coleção Os Pensadores (1973) admite ter corrigido
alguns erros importantes, dentre os quais cabe assinalar a tradução dos dois termos latinos “affectus”
e “affectiones” pelo único termo português “afecção” (GLEIZER, 2005, p.64).
17
Encontramos no francês a seguinte designação para affection: “afeto, afeição, amor, carinho;
amizade, benevolência, ternura, inclinação, doença.” (BURTIN – VINHOLES, 2003, p.11).
35

que consiste em sofrer uma ação ou em ser influenciado ou modificado


por ela.” (ABBAGNANO, 2007, p.18-19, grifo do autor).

O term o afecção/ afeição, entendido com o recepção


passiva ou m odif icação s of rida, não tem necessar iam ente
conotação e mot iva; e, em bora tenha sido em pregado
f reqüentem ente a propós ito de em oções e af etos (pel o
caráter claram ente pass ivo deste s), deve cons iderar-s e
extens ivo a toda d eterm inação, inc lusi ve cognit iva, qu e
apresente caráter de pass iv idade ou que poss a de
qualquer m odo ser considerada um a qu alidade ou
alteraç ão sof rida. (ABBAGNANO, 2007 , p.20, grif o do
autor).

Em Filosofia, a acepção do termo afecção também admite


que “[...] um afeto (que é uma espécie de emoção) ou uma paixão, é
também uma afecção por implicar um a ação sofrida [...]” (ABBAGNANO,
2007, p.19, grifo do autor), porém, conforme o autor, ele encerra outras
características que fazem dele um tipo especial de afeição. Esta
definição com porta o fato de que “[...] se todo afeto é uma afecção, nem
toda afecção 18 é um afeto.” (GLEIZER, 2005, p.35).
Abbagnano (2007) reitera que, em sentido análogo, essa
palavra – af ecção – é empregada por Espinosa para definir o que ele
cham a de “affectus”, e que nós chamaríam os de emoções ou
sentim entos. “Uma afecção, que é paixão, deixa de ser paixão no
momento em que dela formamos uma idéia clara e distinta.”
(ESPINOSA, 2004, p.410, parte V, prop. III, grifo do autor). Com relação
ao em prego, por Espinosa, do term o affectus, Deleuze (1978) defende,
inclusive, que esta palavra deva ser tomada por afeto mesm o, haja vista
que alguns tradutores insistem em traduzi-la por sentimento 19.
Com isso foi possível observar, ao longo deste estudo, o
emprego por Espinosa da palavra affectus para designar afetos e/ou

18
Em Chauí (2005, p.98) encontramos a definição de afecção como “toda mudança, alteração ou
modificação de alguma coisa, seja produzida por ela mesma, seja causada por outra coisa.” Ela
argumenta que, na alma, as afecções do corpo se realizam como idéias afetivas ou sentimentos,
derivando desse fenômeno o emprego de dois termos – afecções e afetos – o que marca uma
diferença entre eles.
19
Encontramos na obra de Gilles Deleuze – Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002;
tradução de Daniel Lins e Fabien Pascal Lins, a expressão “afetos” ou sentimentos (affectus), do que
concluímos que, nesta obra, o autor entende que os dois termos podem ser empregados como
sinônimos.
36

sentim entos. Esse filósofo não utiliza o termo “emoção”, apenas


distingue, no conjunto de sua obra, níveis ou estados afetivos, fazendo
menção a afetos ativos e passivos – este último denominado paixão – e
especificando as possíveis atitudes do sujeito (atividade e passividade)
frente aos objetos.
Quanto ao termo paixão, encontram os três sentidos
diferentes, podendo significar primeiro, “o m esmo que af ecção,
modificação passiva no sentido mais geral [...]” – passio em latim –
(ABBAGNANO, 2007, p.861).
Um segundo sentido atribuído à palavra paixão diz respeito
à “emoção, significado em que f oi empregado quase universalmente até
o século XVIII, quando começou a ser determinado o significado
específico que hoje possui.” E, finalmente, como “ação de controle e
direção por parte de determinada emoção sobre toda a personalidade de
um indivíduo humano.” (ABBAGNANO, 2007, p.861).
Na acepção moderna da Filosofia, a paixão é entendida por
“[...] uma polarização do psiquismo num único objeto, o que implica na
indiferença para com o resto.” (HUISMAN E VERGEZ, 1966, p.88). Estes
autores seguem afirmando que:

A paixã o apodera-se da inte ligên ci a e da im aginação [...]


ela par ece nos des pojar de nosso autocontrol e e arrastar-
nos a atos que dei xam os realm ente de dom inar. Desse
m odo, parece nece ssário conservar, na m oderna ace pção
psicológ ica d o term o paixão, aq ue le signif icad o de
passivida de que, na tradição f ilosóf ica de Ar istóte les a
Descartes, inspira a opos ição entre ação e paixã o.
( HUI S MAN E V E R G E Z , 1 966, p.9 1).

Essa idéia de paixão ligada à passividade, já aparece em


Espinosa à m edida que ele entende que somos “seres naturalmente
passionais” (CHAUÍ, 2001, p.349) porque sofremos a ação de causas
exteriores a nós. Neste caso, as paixões são naturais, elas existem.
Outro autor, estudioso da filosofia espinosista, anuncia que
o termo latino affectus pode incluir ou significar não som ente as paixões
propriamente ditas, como tam bém os afetos que provém de objetos ou
idéias alcançadas nas formas superiores de percepção ou conhecim ento
37

(TEIXEIRA, 2001). Isso nos perm ite alegar, desde já, que Espinosa faz
uma distinção entre afetos e paixões.
Daí as expressões ação e paixão 20. Entendida como
atividade, domínio, a ação é uma potência positiva, que f az aum entar as
potências de pensar e agir, ou seja, nestas condições o sujeito está no
domínio das causas que o afetam; a ação consiste em se apropriar de
todas as causas exteriores que am pliem sua atividade; nesta o sujeito
está total e plenamente de posse daquilo que faz, sente e pensa.
Contrariamente, a paixão 21 é um declínio das potências de
pensar e agir porque o sujeito, ao sofrer as afecções, é determ inado a
fazer, sentir e pensar a partir de causas externas mais fortes e
poderosas do que ele.
Já nos textos empregados para referenciar o pensam ento
marxiano (MÁRKUS, 1974a; MÁRKUS, 1974b; MARX, 1993; MARX &
ENGELS, 2002), encontramos as expressões emoção e paixão com o
sinônimos. “A emoção intensa, a paixão é a faculdade do homem
esforçando-se energicamente por alcançar o seu objeto.” (MARX, 1993,
p.251, grifo nosso).
Com essa afirm ação o filósofo explica a emoção e/ou
paixão a partir da existência concreta dos objetos fora do sujeito. Por
ser real e sensível esse objeto af eta, produzindo sensações. Na relação,
na afetação, nas impressões, ações ou efeitos que um outro ser exerce
sobre o sujeito é que se dá o processo de constituição histórica dos
sentidos, qualidades e capacidades humanas.
Desta form a, a atividade do sujeito visando a apropriação
das objetivações hum anas 22 implica, conseqüentemente, a reprodução

20
“Quando, por conseguinte, podemos ser a causa adequada de uma dessas afecções, por afecção
entendo uma ação; nos outros casos, uma paixão.” (ESPINOSA, 2004, p. 276, parte III, def.III, grifo do
autor).
“A nossa alma, quanto a certas coisas, age (é ativa), mas, quanto a outras, sofre (é passiva), isto é,
enquanto tem idéias adequadas, é necessariamente ativa em certas coisas; mas, enquanto tem idéias
inadequadas, é necessariamente passiva em certas coisas.” (ESPINOSA, 2004, p.277, parte III, prop.
I, grifo do autor).
21
Chauí, fundamentando-se na filosofia de Espinosa, define paixão como “afetos ou sentimentos
causados em nós por coisas ou causas exteriores a nós e das quais somos os receptores passivos.”
(CHAUÍ, 2005, p.101).
22
Esse aspecto da apropriação foi aprofundado pelo psicólogo soviético Aléxis Leontiev em seu livro O
desenvolvimento do psiquismo, páginas de 259 a 284. Lisboa: Livros Horizonte, 1978. Duarte (1993)
38

das forças essenciais que estão postas – cristalizadas – nos objetos e


que inclui, necessariam ente, os processos afetivos que se interpõe
entre o sujeito e aquilo que o afeta.
Em González Rey (2000, 2003) localizam os a palavra
emoção indicando um elem ento que conforma a esfera afetiva e
representa “[...] um sistema de registros complexos do organismo ante o
social, o psíquico e o fisiológico.” (GONZÁLEZ REY, 2003). Esse autor
se reporta a outros psicólogos marxistas, como Davidov (1999) e
Bozhovich (1997) para assinalar a relação entre emoção e ação
reforçando, também, a idéia de que as emoções “[...] são
essencialmente estados afetivos [...].” (GONZÁLEZ REY, 2003,p.345).
Dentre os trabalhos de Vigotski selecionados para esta
pesquisa (1972, 1987a, 1987b, 1991, 1993, 1994; 1995, 1996, 2000a,
2000b, 2003, 2004), não encontramos uma unidade terminológica para o
objeto que está sendo analisado 23.
O autor se utiliza de diferentes expressões, tais como:
paixão, afetos, emoções, emoções superiores e sentimentos. Apesar
disso, nesse conjunto analisado, dois aspectos m erecem destaque.
O primeiro diz respeito ao que foi indicado numa breve
passagem, inserida no epílogo do sexto volum e das obras escolhidas de
Vigotski, em que o autor M.G.Yaroshevsky (1987), comentando a obra
vigotskiana, sintetiza no vocábulo emoções, o que se entende por afetos
e sentim entos 24.
O segundo aspecto refere-se ao fato de que o próprio
Vigotski (1991) ao fazer referência a dois processos em movimento,
postula a historicidade do sentim ento, afirmando que o mesmo se altera

também faz uma importante análise sobre a relação entre apropriação e objetivação na dinâmica de
formação do gênero humano e dos indivíduos no livro: A individualidade para-si: contribuição a uma
teoria histórico-social da formação do indivíduo. Campinas: Autores Associados, 1993.
23
Convém observar que isso pode ser conseqüência de equívocos e/ou interpretações inadequadas
no momento das traduções, já que não nos utilizamos das obras do autor na sua versão original –
russo. É preciso destacar que os textos referidos neste trabalho são traduções do russo para o
espanhol (no caso dos volumes I, II, III, IV das obras escolhidas), para o inglês (volume VI das obras)
e ainda deste último para o espanhol, no caso do texto “Teoria de las Emociones: Estúdio histórico-
psicológico” que se encontra no sexto volume das obras de Vigotski).
24
“For this reason, for Vygotsky, the subject of the historical-methodological analysis is, together with
emotions (feelings, affects) the broadest complex of radical psychological problems…”
(YARO S H E VS K Y , 19 8 7 , p. 254).
39

em função da diversidade de m eios ideológicos e psicológicos, mas que,


permanece nele, sem dúvida, uma raiz biológica, em virtude da qual
surge a emoção.
Visitamos outros autores soviéticos que, ao se referirem às
emoções e sentim entos apontam que:

As emoçõ es e os s entiment os são a v ivênc ia de q ue os


objetos e fenô men os reais corre spon dem, ou não, às
necess idade s d o h ome m [...], As vivênci as emo ci onais
estão estreita mente ligadas à ativ idade e a co nduta do
sujeito. 25 (SMÍRNOV et. al., 1961, p.3 55-356, tradução
nossa, gr if o do autor).

Nesta mesma publicação (SMÍRNOV et al., 1961),


encontramos ref erência a emoções ativas e passivas que, assim com o
em Espinosa (2004), estão ligadas ao aumento da atividade vital do
sujeito ou, pelo contrário, a sua diminuição.
Com relação às suas características, Smírnov et al. (1961,
p.358) diferenciam as emoções dos sentimentos destacando que ambos
são vivências afetivas, que se distinguem em alguns aspectos.
As emoções são processos psíquicos – funções cerebrais –
experiências afetivas simples relacionadas, primariamente, com a
satisfação ou a insatisfação das necessidades orgânicas, ou ainda com
sensações e percepções experimentadas pelo sujeito frente a objetos e
fenômenos e que – com a evolução histórica das necessidades pela
atividade humana – passaram a se manifestar a partir de experiências e
necessidades socialmente produzidas. São motivadas por qualidades
isoladas dos objetos e situações.
Já os sentim entos são vivências afetivas estáveis que
surgem a partir de repetidas experiências emocionais. “[...] são
específicos do homem; tem caráter histórico [...] ” (SMÍRNOV et al.,
1961, p.359, tradução nossa, grifo do autor). Portanto, estão
condicionados pela cultura e pelas condições objetivas de vida e
educação do sujeito.
25
No original: “Las emociones y los sentimientos son la vivencia de que los objetos y fenómenos
reales corresponden, o no, a las necesidades del hombre [...] Las vivencias emocionales están
estrechamente ligadas a la actividad y a la conducta del sujeto.”
40

As atitu des emoc ionais permanente s genet ica mente


aparec em d epois das vivênc ias c ircunstanciais. São o
resultado da generalizaç ão em ocional, ou sej a, d a
genera liza ção de repetidas vivênc ias em ocionais de
situaç ão ligadas co m um objeto dado. 26 (SMÍ RNOV et a l.,
1961, p.3 60, traduç ão nossa, gr if o do aut or).

Por essas especificidades, os sentimentos não estão


vinculados às propriedades isoladas dos objetos, m as aos objetos,
situações e fenômenos na sua totalidade. Além disso, cabe ressaltar
que:

As emoções e os se ntimentos se deter minam não só por


aquilo que os mot iv a dir etamente em um mo mento dad o,
mas també m por a mplos sistemas d e co nexões tempora is
criad os c om a experiênc ia pas sada. 27 (SMÍRNOV et al.,
1961, p.3 65, traduç ão nossa, gr if o do aut or).

Neste caso, as vivências afetivas (emoções e sentim entos)


fazem a mediação entre experiências antigas e atuais e, intervindo na
atividade do sujeito, agem, também, sobre suas expectativas futuras.
Quanto aos afetos, Smírnov et al. (1961, p.366-367)
com preendem que estes são vivências afetivas relativamente curtas,
uma manifestação em ocional intensa, condicionada por uma influência
externa qualquer. Essa vivência emocional se caracteriza,
subjetivamente, como independente da vontade, motivada a partir de
fora e pela diminuição da consciência do sujeito, debilitando, assim, o
domínio sobre sua própria conduta.
O em prego do termo “afetivo” por Bozhovich (1981, p.123-
124, tradução nossa), designando “relação afetiva”, “vivência afetiva” ou
“conduta afetiva” contraria essa definição de afeto apresentada por
Smírnov et al. (1961). Diz a autora:

26
No original: “Las actitudes emocionales permanentes genéticamente aparecen después que las
vivencias circunstanciales. Son el resultado de la generalización emocional, o sea de la
generalización de repetidas vivencias emocionales de situación ligadas con un objeto dado.”
27
No original: “Las emociones y los sentimientos se determinan no solo por aquello que los motiva
directamente en un momento dado, sino también por amplios sistemas de conexiones temporales que
se han creado en la experiência pasada.”
41

Nós exam inam os os estados af etivos com o vivênc ias


em ocionais prolon gadas e prof und as, diretam ente
relac ionad as com as nece ssi dad es e a spirações ativ as,
que têm para o sujeito um a im portância vital. Ne ste
sentido, todas as p essoas possuem uma vida af etiva m ais
ou m enos intensa, s em a qual se conve rteriam em seres
passivos ou ind if erentes [...] Na literatura ps ic ol óg ica
contemporânea, o conceito de afeto é ut ili za do por
numerosos psic ólogos neste mesmo sentido, L.S.
Vig otsk y, S.L. Rubinstein, K. L ewin, K. Koff k a e outros. 28
(BOZHO VICH, 198 1, p.123-124, tradução e grif o nosso).

Esta citação traz um elem ento essencial, que m erece ser


com entado, porque contribui para justificar nossa opção pelo term o
afetivo ao longo deste trabalho.
O emprego do termo afetivo para designar vivências
emocionais prolongadas entre sujeito e meio, sinaliza algo a m ais que
uma simples emoção intensa provocada por algum a influência externa e
acom panhada de um enfraquecim ento da consciência.
O homem com o um ser natural, corpóreo, sensível, que têm
fora de si os objetos sensíveis, é um ser condicionado e limitado,
constantemente sujeito às afecções; é um ser que experiencia e, nessa
vivência, constitui suas necessidades promovendo o aumento ou a
diminuição do seu poder de agir, da sua atividade.
Daí nossa aceitação do pensamento de Bozhovich (1981)
de que todas as pessoas têm uma vida afetiva, intensa ou não, sem a
qual se converteriam em seres passivos ou indiferentes.
Tínham os, na introdução deste trabalho, indicado nossa
tendência a acolher a definição proposta pela Filosofia para o term o
Afetivo 29 que, conforme dicionário:

28
No original: “Nosotros examinamos los estados afectivos como vivencias emocionales prolongadas
y profundas, directamente relacionadas con las necesidades y aspiraciones activas, que tienen para
el sujeto una importância vital. En este sentido, todas las personas poseen una vida afectiva más o
menos intensa, sin la cual se convertirián en seres pasivos o indiferentes [...] En la literatura
psicológica contemporânea, el concepto de afecto es utilizado por numerosos psicólogos en este
mismo sentido, L.S. Vigotsky, S.L. Rubinstein, K. Lewin, K. Koffka y otros.”
29
Para obter maiores explicações, consultar ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. – 5ª. ed. – São
Paulo: Martins Fontes, 2007, p.20.
42

[...] não f oi vinc ulado a o da pa lavra “af eto” porque


des igna em geral tudo o qu e se ref ere à esf era d as
em oções. “Estado af etivo”, “f unção af etiva”, “con diç ão
af etiva” signif icam estado, f unção ou c ondição d e caráter
genericam ente em otivo e podem ref erir-se a qualquer
em oção, af eto ou p aixão. O m esm o signif icad o genérico
tem a express ão “vida af etiva” [...] estrutura emot iva d a
existê nc ia huma na em gera l. (ABBAGNANO, 2007, p.20,
grif o nosso).

Durante as leituras, reflexões e análises dos diversos


autores, situados em épocas diferentes, tanto na área da Filosofia
quanto da Psicologia, nos convencem os de que, ao buscar os elementos
que respondessem pela constituição do afetivo na atividade do sujeito,
não poderíamos ficar restritos a um ou outro aspecto que
caracterizasse, especificamente, cada um desses conceitos (emoções,
afetos, sentimentos), nem tampouco empregá-los a partir de uma
tipologia ou classificação.
Nossa atenção deveria estar voltada, fundamentalmente, à
análise dos elementos que nos informassem sobre a constituição e
participação do afetivo na atividade do sujeito, o que inclui um
movimento, uma transformação que os processos afetivos sofrem ao
longo do desenvolvimento, dado que segundo a Psicologia Histórico-
Cultural, é isso o que reflete a dinâmica e especificidade da f ormação
humana do sujeito.
Nesse caso, não nos detivemos na necessidade de
assinalar, de forma pormenorizada, cada um dos aspectos das emoções
ou dos afetos e sentimentos, mas sua caracterização geral que
permitisse incluí-los numa mesma categoria semântica, fundamentando
sua constituição e participação na atividade do sujeito.
Assim, neste trabalho, assumim os a conceituação de
vivência afetiva reiterando que a inclusão das em oções, afetos e
sentim entos nessa categoria nos coloca a possibilidade de afirmar que
neste conjunto – que temos denominado afetivo – estão condensadas as
proposições de Espinosa (2004) sobre os afetos e de Marx (1993) sobre
emoções, bem como as singularidades que diferenciam em oções e
43

sentim entos, assinaladas na Psicologia por Vigotski (1991, 2004),


Leontiev (1978b) e Smírnov et al. (1961).
44

C APÍTULO 2 - Elementos para pensar o afetivo a partir da Psicologia


Histórico-Cultural 30

“Todo eleme nto que modername nte a


psicolog ia c ostu ma pôr no capítu lo d a
afetiv idade tem a s ua orige m nalguma
espéc ie de c onheci mento. ” (TEIXEIRA,
2001, p.9 3-94, gr if o do autor).

Um traço que distingue a Psicologia Histórico-Cultural de


outros sistemas teóricos é a sua filiação filosófica. “[...] a psicologia
soviética declarou, desde seu início, que pretendia constituir-se com o
ciência sobre a base da filosofia materialista dialética [...]” (SHUARE,
1990, p.17, tradução nossa).
Mas o que representa o papel da Filosofia na construção de
uma teoria científica?
Para responder essa questão iniciamos tratando daquilo
que foi para Vigotski, o eixo norteador de todo seu trabalho de
reconstrução da psicologia científica: demonstrar a necessidade de
romper com a cisão que dominava a psicologia tradicional no cenário
mundial.
Em seu texto O significado histórico da crise da Psicologia,
escrito em 1927, Vigotski (1991) anunciou para a comunidade científica

30
A Psicologia Histórico-Cultural ou Escola de Vigotski constitui uma vertente da Psicologia
fundamentada nos pressupostos teórico-filosóficos e metodológicos do Materialismo Histórico Dialético
e tem em Lev Semiónovich Vigotski (1896-1934) seu principal representante. Admitindo a
materialidade dos processos psicológicos Vigotski elaborou, a partir da década de vinte, em conjunto
com seus colaboradores, um sistema teórico-metodológico original, fundamento da teoria psicológica
geral da Atividade desenvolvida, posteriormente, por Aleksei Nikolaevich Leontiev (1903-1979). Os
trabalhos de Leontiev dão continuidade e desenvolvem a mesma corrente psicológica inaugurada por
Vigotski e, segundo Duarte (2004), se constituem em significativas contribuições para a educação
contemporânea.
Saviani (2004) aponta Vigotski (1896-1934), Leontiev (1903-1979), Davidov (1930), Luria (1902-1977)
e Elkonin (1904-1984), como os autores que compõem a “Escola soviética” de Psicologia. Entre os
demais pesquisadores e continuadores da obra de Vigotski que compõem essa escola de pensamento
podemos citar: A. Zaporózhets (1905-1981), L. Bozhóvich (1908-1981), P. Galperin (1902), M.I. Lisina
(1929-1983) e outros. Para maiores informações, consultar: DAVÍDOV, V.; SHUARE, M. Datos sobre
los autores. In: DAVÍDOV, V.; SHUARE, M. (Orgs.). La Psicologia Evolutiva y Pedagógica en la URSS
(Antologia). Moscou: Editorial Progresso, 1987, p.338-344 e SHUARE, Marta. La psicología soviética
tal como yo la veo. Moscú: Editorial Progresso, 1990.
45

que a dificuldade primeira da Psicologia, enquanto ciência era pensar


dialeticamente a relação entre o homem e a natureza.
Este trabalho marcou sua disposição em romper com a
“velha psicologia” ao propor uma nova maneira de analisar o
desenvolvimento hum ano e, por conseguinte, a unidade entre afetivo e
cognitivo através da adoção da dialética como instrum ento metodológico
de análise da realidade social e humana. Neste esforço teórico de
analisar a crise que atravessava a Psicologia, ele destacou que:

Em essênci a, o q ue tem os f eito é m anif estar a tese, há


tem po estabele cida em nossa ciênc ia, de seu prof undo
dualism o, que im pregna to do se u desenvolvim ento, e,
portanto, n ós tem os ader ido a um incontestáve l princípi o
histór ico. 31 (VYG OTSKI, 1991, p.355, tradução n ossa).

A dialética se coloca para o materialismo histórico como o


método capaz de apreender o movimento dos fenôm enos e objetos da
realidade; é a lógica da historicidade, ou seja, diante da indagação de
com o conhecer algo que muda o tempo todo, a dialética aparece como a
possibilidade lógico-metodológica para a compreensão da historicidade
humana que inclui, necessariamente, os processos psicológicos que se
manifestam no indivíduo singular. Conforme Vigotski:

A dia lét ica ab arca a nat ure za, o pens am ento, a história
[...] Essa teoria do m aterialism o psicológico ou dia lética
da ps ico log ia é a que eu cons idero psico logia gera l. 32
(VYG OTSKI, 1991, p .389, tradução nos sa).

A fecundidade do método dialético está em se poder


analisar a realidade natural, social e humana como síntese de opostos.
A perspectiva marxiana procura explicar que no movimento existe um
grau de permanência e mudança; a dialética é, portanto, síntese de
opostos e toma essa síntese com o unidade.

31
No original: “En esencia, lo que hemos hecho es poner de manifiesto la tesis, hace tiempo
establecida em nuestra ciencia, de su profundo dualismo, que impregna todo su desarrollo, y, por
tanto, nos hemos adherido a um indudable principio histórico.”
32
No original: “La dialéctica abarca la naturaleza, el pensamiento, la historia: es la ciencia más
general, universal hasta el máximo. Esa teoria del materialismo psicológico o dialéctica de la
psicologia es a lo que yo considero psicología general.”
46

Neste sentido, a obra m arxiana nos oferece subsídios


teóricos valiosos no sentido de operarmos uma inversão no modo de
leitura, análise e com preensão do fenôm eno psicológico. A isso, Kopnin
(1978, p.52) acrescenta que “A objetividade do conteúdo do nosso
pensamento, a coincidência das leis do pensamento com as leis do ser é
obtida e verificada pela ação prática do hom em sobre a natureza.”

Um a vez apre endid as, as le is do m undo obj et ivo se


convertem em leis tam bém do pensam ento, e todas as
le is do pensam ento são le is repres ent adas do m undo
objetiv o; reve land o as leis de d esenvolv im ento do próprio
objeto, apree ndem os tam bém as leis de desenvo lv im ento
do co nhec im ento e vice-versa, m edia nte o estudo do
conhe cim ento e suas leis desco brem -se as leis do m undo
objetiv o. É j ustam ente por iss o que a di alét ica reve la as
le is do m ovim ento dos objetos e proc e ssos, conv erte-se
ainda em m étodo, em lógic a d o avanç o do pensam ento no
sentido do de scobr im ento da natureza objetiva do objeto,
dirige o process o de pensam ento segun do as le is
objetiv as vi sando a que o pensamento coi nc ida em
conteúdo c om a realidade ob jeti va. (KOPNIN, 1 978, p.53,
grif o nosso).

A taref a de analisar, nos marcos do materialism o histórico


dialético, a m aneira como o afetivo se constitui e conforma a atividade
humana nos reporta àquilo que, segundo Shuare (1990), os clássicos do
marxismo–leninism o têm afirmado sobre a im portância do estudo da
categoria atividade.

[...] esta é o procedim ento de objetivação do subjetiv o,


sua anál is e perm ite penetrar no m undo interior do
hom em , abre cam inho para ap lic ar um m étodo
verdadeir am ente objetivo na psico log ia. 33 (SHUARE, 1 990,
p.21-22, tradu ção n ossa).

Ou seja, a interpretação dialética da atividade – categoria


constitutiva do psiquismo – se coloca como um método objetivo de
interpretação do funcionamento psicológico do sujeito, o que de
antemão descarta qualquer possibilidade de pensá-lo como um a priori.

33
No original: “[...] ésta es el procedimiento de objetivación de lo subjetivo, su análisis permite penetrar
en el mundo ínterior del hombre, abre el caminho para aplicar um método verdaderamente objetivo em
la psicología.”
47

Por tudo o que foi dito, um a das maneiras de


com preendermos o papel da Filosofia na construção de um a ciência
particular é pensá-la na sua função m etodológica. Por meio da Filosofia,
a teoria científica e especialm ente as ciências humanas, respondem
“[...] a uma concepção geral sobre a essência do homem, sua origem, a
natureza do conhecimento, etc.” (SHUARE, 1990, p.13, tradução nossa).
Além dessa função, a Filosofia se constitui, tam bém, como
uma ferram enta teórico-conceitual que nos ajuda a interpretar os
fenômenos da realidade, cumprindo sua tarefa ética e o seu desafio
político.
Mas qual aspecto do método dialético Vigotski incorpora
para explicar os processos psicológicos e, conseqüentemente, o afetivo
na atividade do sujeito?
Para além da mera descrição e solução de questões, o que
podemos dizer que ele buscou apreender, nos fundamentos do
marxismo, foi a globalidade do m étodo proposto por Marx e, por esta
via, como enfocar a análise da psique (VYGOTSKI, 1991, p.391).
Segundo Vigotski (1991), a Psicologia enfrenta desde sua
ascensão à condição de ciência independente, uma dicotomia que nos
impede de pensar os aspectos psíquicos e fisiológicos como uma
unidade. Ele afirma que:

A prof unda d if erença entre os pro ble m as psíquicos e


f isiológ icos resulta totalm ente insuperável par a o
pensam ento m etaf ísico, enquanto que a irre dut ibilid ade
de u ns a outros n ão c onst itui obstáculo algum para o
pensam ento dia léti co, acostum ado a analisar os
processos de des envo lv im ento por um lado com o
processos c ontínuo s e, por outro, c om o processos que
vão ac om panhados de saltos, da apariçã o de novas
qualidades. 34(VYGOSTI, 1991, p.99, trad ução nos sa).

Neste caso, Vigotski evidencia que a psicologia dialética,


pelo seu caráter materialista e histórico, não estuda os processos

34
No original: “La profunda diferencia entre los problemas psíquicos y fisiológicos resulta totalmente
insuperable para el pensamiento metafísico, mientras que la irreductibilidad de unos a otros no
constituye obstáculo alguno para el pensamiento dialéctico, acostumbrado a analizar los procesos de
desarrollo por um lado como procesos contínuos y, por outro, como procesos que van acompañados
de saltos, de la aparición de nuevas cualidades.”
48

psíquicos e fisiológicos separadamente, mas aborda esses mesmos


aspectos em sua unidade.
Segundo esse autor, devido ao seu enfoque idealista, a
“velha psicologia” não concebia a história natural da psique e, portanto,
com preendia seus processos como que existindo em algum espaço a
parte dos cerebrais. O fundam ento filosófico desta concepção é a
separação corpo – alma, inaugurado no século XVII por Descartes, e
que perm anece até hoje na ciência psicológica sustentando outras
dicotomias.
Outro risco apontado por Vigotski é a aceitação
mecanicista dos princípios materialistas – que identificam o processo
psíquico com o fisiológico nervoso – num a visão reducionista do que
seja a especificidade da natureza do psicológico.
Para ele, a psicologia dialética reconhece a unidade – e
não a identidade – dos aspectos psíquicos e fisiológicos. O psíquico se
coloca como uma qualidade dos processos cerebrais, portanto, não há
que se falar na possibilidade de primeiro existir um determinado nível de
evolução cerebral para que depois ocorra a atividade psíquica, não há
uma independência entre ambos os processos.
A atividade psíquica, nas suas formas embrionárias, está
presente desde o princípio, mas existem aqueles processos
psicofisiológicos singulares e únicos que, conform e Vigotski “[...]
constituem as formas superiores de com portamento do homem, aos
quais propomos denominar processos psicológicos [...]” (VYGOTSKI,
1991, p.101, tradução nossa).
O autor reitera que assumir a unidade dos processos
fisiológicos e psíquicos é uma questão metodológica. Trata-se de um
ponto de vista monista e integral que perm ite analisar o fenômeno em
sua totalidade levando em consideração tanto aspectos objetivos quanto
subjetivos. “Só o conceito monista da psique permite colocar de forma
totalmente distinta a questão de seu significado biológico.” (VYGOTSKI,
1991, p.102, tradução nossa).
Em que medida a unidade das dimensões psicofisiológicas
responde ao objeto deste estudo?
49

2.1 Uma crítica à concepção materialista das emoções humanas a


partir da teoria organicista

O tema da consciência ocupou um lugar de destaque no


edifício teórico de Vigotski – motivo primeiro de toda sua atividade
teórica e m etodológica – iniciado em 1925 com o artigo intitulado “A
consciência como problema da psicologia do comportamento” ou em “A
psique, a consciência e o inconsciente”, publicado em 1930.
A partir dessas publicações o autor fortaleceu uma crítica
às correntes psicológicas vigentes afirmando que:

[...] a exclusão da consciên ci a da esf era da ps icolo gi a


científ ica (a ps ic olog ia do com portamento – M.S.)
conserva em grande m edida todo o dua lism o e o
esp iritualism o da psicologia subj etiva anterior. 35
(VIGOTSKI apud SHUARE, 1990, p.79, tr aduçã o nos sa).

Conforme Shuare (1990), o enfoque proposto por Vigotski


para estudar o problem a diferencia a consciência como objeto concret o
de análise científica. Para tanto é necessário encontrar o que determina
a consciência, ou seja, “[...] deixar de considerá-la uma substância para
estudá-la como uma função.” (SHUARE, 1990, p.79, tradução e grifo
nosso), o que vai se tornando possível à medida que outras
investigações vão tomando corpo e se introduzindo como material para
reflexão da própria consciência.
A morte prem atura de Vigotski interrompeu um novo ciclo
de investigações que ele pretendia realizar sobre a natureza da
consciência hum ana, dedicado à esfera m otivacional e que abarca
nossos desejos e necessidades, interesses e motivos, afetos e
emoções.
Ainda que possamos encontrar ao longo de sua obra (1972,
1987a 1991, 1993, 1995, 1996, 2000a, 2003) fragmentos da sua

35
No original: “[...] la exclusión de la conciencia de la esfera de la psicología científica (la psicologia
del comportamiento – M.S.) conserva em gran medida todo el dualismo y el espiritualismo de la
psicología subjetiva anterior.”
50

concepção sobre a constituição do afetivo-emocional na conformação da


consciência hum ana, interesse que já aparece desde a obra Psicologia
da Arte, publicada em 1925 – na qual o autor resume seus trabalhos dos
anos de 1915 a 1922 e extrai deles as conclusões pertinentes
(LEONTIEV, 1972, p.08) –, é num de seus últim os trabalhos – Teoría de
las emociones. Estúdio histórico-psicológico 36 (2004) escrito entre 1931-
1933 –, que o autor pretendeu expor sua própria interpretação do
problema.
A principal característica desta obra de Vigotski é sua
disposição em mostrar ao leitor os fundamentos m ecanicista e dualista
que sustentam a teoria de Descartes – considerado o pai da psicologia
das emoções contemporânea – na m edida em que esta gira ao redor de
um eixo central: a hipótese organicista da natureza do sentim ento
humano.
Neste seu trabalho que figura no sexto volume das Obras
Escolhidas, Vigotski (2004) faz uma análise crítica da natureza da
psicologia das emoções, indo à raiz dos seus pressupostos filosóficos e
metodológicos e demonstrando, de forma detalhada, a complexa rede de
relações que esta psicologia ainda mantém com os postulados
cartesianos.
O núcleo dessa discussão consiste em que, por meio de
uma análise criteriosa dos principais elementos do pensam ento
organicista de William James (1842-1910) e C.G.Lange (1834-1900) 37,
Vigotski vai desvelando o conteúdo ideológico dessa teoria e, ao final
deste processo, contraria a principal tese defendida por esses dois
autores: a de que a teoria de Espinosa seria o substrato filosófico da
psicologia contemporânea das emoções.
Fruto de uma análise superficial que sustenta um erro a
partir de uma “cegueira histórica e teórica” (VIGOTSKY, 2004, p.11,

36
Este texto encontra-se no sexto volume das obras do autor: The Teaching about Emotions.
Historical-Psychological Studies . In: Vygotskii. L.S.The Collected Works of L.S. Vygotsky, Scientific
Legacy, traduzido por Marie J. Hall. p.71-235, New York, 1987. Nos utilizamos de uma tradução do
inglês para o espanhol.
37
No texto de Vigotski em inglês “The teaching about Emotions. Historical-Psychological Studies”
(1987), as teorias de W. James e Lange datam de 1884 e 1885, respectivamente.
51

tradução nossa), os autores da teoria organicista das emoções evocam


Espinosa apoiando-se na definição de afeto que aparece na sua teoria.

Por af f ectus entendo as afecções do c orpo, pelas quais a


potência de agir de sse corpo é aum entada ou d im inuída,
f avorecida ou entravada, as sim com o as idéias dessas
af ecções. (ESPINOSA, 2004, p.276, part e III, def. III).

Dentre os múltiplos aspectos apontados por Vigotski para


negar a relação entre o nome de Espinosa e a teoria de James-Lange,
elegem os alguns que nos parecem necessários para avançar na
com preensão do afetivo na atividade do sujeito, objeto deste estudo.
Como um prim eiro aspecto, destaca o fato de que, a partir
de um conjunto de observações em píricas, os autores da teoria
organicista das emoções dão relevo àquilo que denominam raí zes
materiais – puramente fisiológicas – dos estados psíquicos, ou seja,
para explicar as emoções, esta teoria põe em primeiro plano sua base
orgânica.
O conjunto de experimentos empíricos desenvolvidos por
esses autores para comprovar a “influência dinamógena das emoções” –
reações que levam um indivíduo a um maior nível de atividade – foram
utilizados para relacionar esse m odelo teórico com a teoria dos afetos
de Espinosa.
Longe de negar a existência concreta das modificações
corporais durante as em oções, o que Vigotski (2004) coloca em questão
é a relação existente entre essas modificações, o conteúdo psíquico e a
estrutura das emoções, tanto quanto seu resultado funcional, posto que
a tônica e idéia central da teoria organicista é a de que as reações
emocionais são a fonte e a origem das emoções humanas.

Habitua lm ente se acredita que, nas f ormas grosse iras da


em oção, a im pressão psíquica resultant e da percepção de
um obj eto determ inado nos provoc a u m estado m ental
cham ado em oção, e que esta últi m a im plica um a
m anif estação corporal. Pelo c ontrár io, segundo mi nha
teoria, a exc itaçã o corpor al segue diret am ente a
percepç ão devido a que a provoca, e a consciênc ia qu e
tem os desta exc itação no m omento em que acontece
52

constit ui, prec is am ente, a emoção. 38 (JAMES apu d


VIGOTSKY, 2004, p. 19, tradução e grif o nosso).

Um fato fundamental destacado por Vigotski e que contraria


essa relação de causa e efeito entre reações orgânicas e processo
emocional – de acordo com os experimentos realizados – é o de que
emoções muito variadas como o medo, a raiva ou a alegria podem
produzir nos órgãos internos reações bastante parecidas.

Por cons eguinte, as m odif icações orgânicas se nos


aparec em não com o proce ssos estr itam ente m odif icados
que se guem a natureza ps ico lógic a das em oções, m as
com o um a reação típica, intensa e padroni zada, que se
produz de m aneira unif orm e durante as em oções m ais
diversas. 39 (VIGOTSKY, 2004, p.2 2, tradução nos sa).

O que nos fica como conclusão desse prim eiro aspecto


discutido por Vigotski é que não se trata de negar as modificações
orgânicas, conseqüência das emoções; elas têm um significado
biológico que não se relaciona tanto com as emoções em si, mas com
suas conseqüências funcionais “[...] esse significado se refere,
exclusivam ente, à preparação do organismo para um a atividade que
resulta naturalmente da emoção.” (VIGOTSKY, 2004, p.35, tradução
nossa).
Ao considerar a emoção com o uma tom ada de consciência
das mudanças orgânicas e periféricas, a teoria James-Lange reduz o
sentim ento à sensação o que, segundo Vigotski, dissolve os estados
emocionais no conjunto dos processos sensoriais de sensação e
percepção.
Para tentar contornar essa situação a teoria organicista
admite que o objeto dessas sensações (emocionais), quando comparado

38
No original: “Habitualmente se cree que, en las formas groseras de la emoción, la impresión
psíquica resultante de la percepción de um objeto determinado nos provoca um estado mental
llamado emoción, y que esta última implica uma cierta manifestación corporal. Por el contrario, según
mi teoria, la excitación corporal sigue directamente a la percepcíon debido a que la provoca, y la
conciencia que tenemos de esta excitación en el momento en que acontece constituye, precisamente,
la emoción.”
39
No original: “Por consiguiente, las modificaciones orgánicas se nos aparecen no como procesos
estrictamente modificados que siguen la naturaleza psicológica de las emociones, sino más bien co
mo uma reacción típica, intensa y estandarizada, que se produce de manera uniforme durante las
emociones más diversas.”
53

com as dem ais, é especificam ente distinto, porém essa distinção não é
suficiente para caracterizar a natureza psicológica das emoções.
Frente a isso, os organicistas se viram condenados a
considerar a emoção, na sua essência, como um processo passivo,
sensorial, como um a sensação de uma natureza particular,
conseqüentemente deixaram de lado todos os elementos do processo
emocional – a m otivação, a tendência à ação, o im pulso – dado que,
para Vigotski, “[...] a emoção não é sim plesmente a som a das
sensações das reações orgânicas, mas principalmente uma tendência a
atuar em um a direção determinada.” (VIGOTSKY, 2004, p.40, tradução
nossa).
Em decorrência desse primeiro aspecto, ele identifica
outros que vêm na esteira da análise fisiológica das emoções: o conflito
entre a intenção consciente e a tendência emocional ou, conform e
Vigotski (2004, p.77), “[...] as correlações entre as funções voluntárias e
as em oções.”
A imbricação entre a vontade, que atua de maneira
consciente e que se m anifesta no ato da decisão e da intenção, e o
afeto, não se explica nem se sustenta do ponto de vista do pensam ento
organicista.
Exatam ente porque esse modelo teórico não admite a
relação entre processos emocionais e processos conscientes, ele
também não dá conta de explicar as “emoções superiores”, o que
acarreta um dualismo na interpretação da natureza das emoções
superiores e inferiores, afirma Vigotski (2004).
Esses equívocos que, segundo Vigotski (2004), são de
natureza ideológica, resultam da tentativa de vincular a teoria
organicista com a filosofia de Espinosa.
Um erro derivado de uma “negligência filosófica”, resultado
de uma confusão maior que prevalece na história da Psicologia: “a idéia
de um parentesco interno e de uma herança histórica entre a teoria das
paixões de Descartes e de Espinosa.” (VIGOTSKY, 2004, p.84, tradução
nossa).
54

2.1.1.O pensamento cartesiano na explicação organicista do afetivo

Na opinião de Vigotski é somente pela via da elucidação


dos erros históricos do pensam ento psicológico que poderemos avançar
para o conhecimento da verdadeira natureza psicológica das emoções
humanas.
Daí a necessidade de identificarmos as idéias cartesianas
que ainda sobrevivem no capítulo das emoções na psicologia
contem porânea para explicitar, por meio delas, o problem a da cisão
entre processos afetivos e a constituição da consciência humana –
fundamento de uma concepção idealista do psiquism o humano.
Um prim eiro argumento vigotskiano sobre a impossibilidade
de relacionar Descartes a Espinosa, diz respeito a que na filosofia de
Descartes, o problema das paixões, tanto quanto o da interação da alma
e do corpo é, antes de tudo, um problema fisiológico enquanto que, em
Espinosa, “[...] esse m esm o problema é desde o princípio o da relação
existente entre o pensam ento e o afeto, o conceito e a paixão.”
(VIGOTSKI, 2004, p.89).
Numa tentativa de conciliar as emoções humanas aos
princípios espiritualistas e mecanicistas que orientam sua teoria,
Descartes caracterizava as paixões por sua dupla natureza: espiritual e
corporal.
Como forma de explicá-las, ele proclamava que à
substância corporal cabem as sensações, os sentidos, os afetos e
necessidades corporais e, paralelamente, à substância espiritual, os
pensamentos e nossa vontade. Portanto, o princípio do paralelismo é
alicerce dessa filosofia.

[...] as paixõ es humanas repres entam para Descartes não


som ente a únic a m anif estação da vida c om um da alm a e o
corpo na n ature za hum ana, m as tam bém, de um a m aneira
geral, algo único em seu gênero, o único f enôm eno em
todo o universo [...] em que se unem duas substâncias
55

que nã o podem se reunir em nenhum a outra parte. 40


(VIGOTSKY, 2004, p .108, tradução nos sa).

Segundo Descartes, somente por meio das paixões temos a


possibilidade de conhecer a união da alm a e do corpo. Se o organism o
não é mais que uma complexa máquina, nesta “[...] há um elem ento que
tem uma im portância absolutamente excepcional. Este é a sede da alm a
[...]” (VIGOTSKY, 2004, p.114, tradução nossa).
A glândula pineal 41 passa a ser considerada o órgão onde
a alma se com unica com todo o organismo. “Aqui os movim entos dos
espíritos animais 42 se transf ormam em sensações e em percepções da
alma.” (idem).
A partir da explicação dessa estrutura fisiológica –
espíritos animais – o filósofo analisava um mecanismo de ações e
funções comuns aos homens e aos animais (VIGOTSKY, 2004).
Para esta filosofia, as paixões se distinguem de outras
categorias de percepções, porque não dizem respeito a objetos
externos, nem a nosso corpo, mas, exclusivamente, a nossa alma
(VIGOTSKY, 2004).
Esse aspecto nos importa porque ao lado dessa idéia, se
fortalece a dicotomia corpo-alm a e o subjetivismo na análise das
emoções hum anas. Na psicologia contem porânea, essa tese re-aparece
e se estabelece a partir da teoria organicista de Jam es-Lange:

[...] os fenôme nos afetivo s são puramente su bj etiv os e


não p odem utili zar-se de m odo algum para o
conhe ci me nto da r ealidade externa, que sem pre se
exper im enta com o um estado de nosso “ eu”, e não com o a

40
No original: “[...] las pasiones humanas representam para Descartes no sólo la única manifestación
de la vida común del alma y el cuerpo en la naturaleza humana, sino también, de una manera
general, algo único em su gênero, el único fenômeno em todo el universo, [...] en que se unen dos
substancias que no pueden reunirse en ninguna outra parte.”
41
Situada no meio do órgão central dos nervos. Aqui acontece a transformação inversa dos
movimentos do espírito em movimentos corporais da glândula, que daí se propagam a todos os
órgãos. (VIGOTSKY, 2004, p 114, tradução nossa).
42
Conforme sua própria definição: “são corpos, finíssimas partículas de sangue, muito móveis e
quentes, produzidas no coração e que, [...] como um vento ligeiro, uma chama viva ascende sem
cessar a partir do coração até o cérebro e por meio dos nervos, entra nos músculos e comunica o
movimento a todos os membros.” (VIGOSTKY, 2004, p.109, tradução nossa).
56

propriedade de objetos determ inados. 43 (VIGOTSKY,


2004, p.1 10, grif o nosso).

Para além da mecânica do funcionamento fisiológico que


sustenta esse modo de pensar as paixões, a teoria de Descartes
também vai responder ao caráter espiritualista que perpassa a natureza
psicológica das emoções humanas.
Tanto quanto James que pensa as emoções como reações
acidentais que, de um modo geral, não se explicam de maneira causal e
histórica, no pensamento cartesiano podemos considerar as paixões ou
com o produto do autom atismo corporal ou como puro resultado da
atividade espiritual (VIGOTSKY, 2004).
Portanto, o caráter ahistórico da teoria organicista de
Jam es-Lange é sustentado por dois pilares. Diz o primeiro que a origem
biológica das emoções humanas – baseada nas reações afetivas e
instintivas dos animais – não seria outra coisa senão restos de sua
existência animal. Assim:

[...] as em oções devem rem eter-se ao período pré


histór ico m ais dis tante, ao períod o prehum ano da
evo luçã o psíq uica. No h om em, estas desem penham
unicam ente o papel de rud im entos, absu rdos vestígios da
obscura heranç a de antepa ssados anim ais. Na h istór ia do
psiquism o hum ano, não s om ente é im possíve l qualquer
perspect iva de des envolv im ento das em oções, m as que
pelo contrário, esta s estão con denadas a um a regressão
contínua e, em últi ma instânc ia, a m orte. 44 (VIGOTSKY,
2004, p.1 35, traduç ão nossa).

O segundo pilar de sustentação diz respeito à separação


entre as emoções e nossa consciência dado que, segundo a concepção
organicista, elas estariam mais diretamente relacionadas às reações e
modificações periféricas dos órgãos e músculos internos; é com o se

43
No original: “[...] los fenómenos afectivos son puramente subjetivos y no pueden utilizarse en modo
alguno para el conocimiento de la realidad externa, que siempre se experimenta como um estado de
nuestro “yo”, y no como la propriedad de objetos determinados.”
44
No original: “[...] las emociones deben remitirse al periodo prehistórico más lejano, al periodo
prehumano de la evolución psíquica. En el hombre, éstas desempeñan únicamente el papel de
rudimentos, absurdos vestígios de la oscura herencia de antepasados animales. En la historia del
psiquismo humano, no solo es imposible cualquier perspectiva de desarrollo de las emociones, sino
que, por el contrario, éstas están condenadas a uma regresión continua y, en última instancia, a la
muerte.”
57

houvesse um substrato orgânico diferente e separado de todo o restante


– que caracteriza as funções especificamente humanas da consciência.
Estão postos os dois eixos fundamentais que marcam a
premissa ahistórica das emoções: a natureza sensorial e reflexa da
reação emocional e a negação da sua relação com os estados
intelectuais (VIGOTSKY, 2004, p.139).
Presente no território escolar, o argumento organicista da
origem biológica das em oções humanas e seu caráter a-histórico, tem
servido para justificar um distanciamento entre o afetivo e o cognitivo
nos processos de aprendizagem.
Colocadas como rudimentos autônomos na estrutura
psicológica, distantes da consciência, as emoções passam a se
constituir em elementos “perturbadores”, que interferem no
“processamento cognitivo” dos conteúdos aprendidos.
Mas qual é a matriz cartesiana desses princípios que
negam a historicidade das emoções humanas?
Como a teoria de Descartes não conseguiu dar um a
explicação sustentável para a causa das emoções, coube a ele anunciar
duas explicações diferentes: pela lógica m ecanicista, as emoções
podem ser explicadas pelo movimento dos espíritos animais – origem
periférica das paixões –, pela lógica espiritualista, ele explica a origem
central das emoções por m eio da vontade.
Em Descartes o problem a da relação das paixões e a
vontade tem lugar de destaque, ele admite um poder absoluto da
vontade, entendida como um livre-arbítrio, “[...] uma força puram ente
espiritual que condiciona nossa semelhança com Deus.” (VIGOTSKY,
2004, p.153, tradução nossa).
Para ele, a vontade é m ais importante que a razão, as
decisões da vontade determinam o destino da vida espiritual e corporal
do hom em. “Representa uma dimensão absoluta que não conhece
nenhum tipo de limites naturais e que constitui a última e verdadeira
causa de tudo o que acontece em nossa alma.” (VIGOTSKY, 2004,
p.154, tradução e grifo nosso).
58

O poder absoluto de nossa vontade sobre as paixões


expressa, na teoria cartesiana, a superioridade do princípio teológico-
espiritualista sobre o naturalista.
Para a teoria de Descartes, vontade e intelecto são
dimensões distintas do funcionamento psicológico e, dado que muitos
fenômenos são inacessíveis a nossa compreensão, a vontade pode
determinar modos de pensar e agir. Assim, a vontade passa a ser
considerada uma dimensão ativa – faculdade – da alm a.
Esse é, precisam ente, mais um argumento que distancia a
filosofia de Espinosa do pensamento cartesiano; na teoria espinosista
não cabe a idéia de um poder absoluto da vontade sobre as paixões.
Na parte V da Ética – Da potência, da inteligência ou da
liberdade humana –, Espinosa (2004) inicia uma argum entação sobre a
potência da razão para, em seguida, com entar sobre a liberdade da
alma. Por meio de um conjunto de proposições 45, ele refuta a idéia
cartesiana da liberdade como livre-arbítrio e dispõe de maneira clara
sobre a inteligência com o um poder do homem para ref rear as afecções
que são paixões.
Vigotski analisa o pensam ento cartesiano, apontando que:

Na realida de, se desen vo lve um conf lito entre do is


m ovim entos de direção oposta que s e com unicam no
órgão da alm a: em um , por m eio do c o rpo, atravé s d os
espíritos an im ais, o outro, p or m eio d a alm a, através da
vontade. O prim eiro m ovim ento é involuntári o e está
determ inado exc lusi vam ente por im pressões corporais, o
segun do é volu ntá rio e está m otivad o pela intençã o
estabelec id a pe la vontade [...] Assim , conforme o
pensam ento de Des cartes, n os d ois e x trem os podem os
considerar as pa ixõe s ou com o o produto do autom atismo

45
“Uma afecção, que é paixão, deixa de ser paixão no momento em que dela formamos uma idéia
clara e distinta.” (ESPINOSA, 2004, p.410, parte V, prop. III, grifo do autor).
“Portanto, uma afecção está tanto mais em nosso poder e a alma sofre tanto menos da sua parte
quanto melhor nós a conhecemos.” (ESPINOSA, 2004, p.411, parte V, prop. III, corolário).
“Não há nenhuma afecção do corpo de que nós não possamos formar um conceito claro e distinto.”
(ESPINOSA, 2004, p.411, parte V, prop. IV, grifo do autor).
“Na medida em que a alma conhece as coisas como necessárias, tem maior poder sobre as
afecções, por outras palavras, sofre menos por parte delas.” (ESPINOSA, 2004, p.412, parte V, prop.
VI, grifo do autor).
59

corpora l, ou com o o puro result ado da ativ id ade


esp iritual. 46 (VIGOTSKY, 2 004, p.188, tradução n ossa).

A dissociação entre os aspectos afetivos e intelectuais


explicitada, tanto na vertente filosófica quanto na teoria científica,
aponta para um último aspecto do tratamento dispensado por Vigotski à
análise da veia cartesiana que atravessa a teoria das emoções na
psicologia moderna. Trata-se da idéia cartesiana de que nossas
emoções se enraízam na história do desenvolvim ento fetal:

São paixões que na scem na necess idade nutrit iva vital do


f eto [...] O m ecanism o das pai xões de um adulto tem sua
f onte na estrutura e f uncionam ento da m áquina f etal. 47
(VIGOTSKY, 2004, p .204, tradução nos sa).

Assim também são as paixões, particularidades inatas da


natureza corporal do hom em. Para Descartes, “Todas as paixões
com plexas e derivadas posteriormente não são mais que variações e
modificações dos estados do feto.” (VIGOTSKY, 2004, p.205, tradução
nossa), donde conclui que o espírito do feto já experimenta as paixões
fundamentais da alma – o am or e o ódio, a alegria e a tristeza – tanto
quanto os adultos.
A crítica que Vigotski faz é de uma aliança desse
fundamento cartesiano – paixões inatas – com a teoria James-Lange,
pontuando que, nesta última, as m anif estações corporais – fonte e
essência da experiência emocional – aparecem por via reflexa 48 e:

46
No original: “En realidad, se desarrolla un conflicto entre dos movimientos de dirección opuesta que
se comunican en el órgano del alma: el uno, por médio del cuerpo, a través de los espíritus animales,
el outro, por medio del alma, a través de la voluntad. El primer movimiento es involuntário y está
determinado exclusivamente por impresiones corporales, el segundo es voluntário y está motivado
por la intención establecida por la voluntad [...] Así, conforme al pensamiento de Descartes, en dos
casos extremos podemos considerar las pasiones o como el producto del automatismo corporal, o
como el puro resultado de la actividad espiritual.”
47
No original: “Son pasiones que nacen en la necesidad nutritiva vital del feto [...] El mecanismo de
las pasiones de un adulto tiene su fuente en la estructura y el funcionamiento de la máquina fetal.”
48
Segundo Vigotski os atos reflexos podem ser muito distintos e variáveis, mas eles se constituem em
uma reação inata do organismo, a mais comum a todos os indivíduos de uma determinada espécie,
sendo considerada uma forma absoluta e imutável dentre todas as demais formas do comportamento
humano (2004, p.207).
60

Com o todos os dem ais reflexos, est as s ão reações inatas


do orga nism o, preestabel ec idas e prep ar adas ao l ong o do
desen vo lv im ento zoológico e em brionário; s ão iner entes
ao hom em em virtude da estrutura de seu organism o e,
para d izer a verdad e, excluem qua lquer poss ibi lidade de
desen vo lv imento. 49 (VIGOTSKY, 2 004, p. 207, trad ução e
grif o nosso) 50.

Uma autora que se dedicou à análise do reducionismo


biológico que tenta justificar as desigualdades sociais a partir da ciência
biológica foi Agnes Heller. Em Sobre os Instintos, Heller (1983) faz
referência ao tema da agressividade e dos instintos humanos criticando
as teorias que identificam impulsos com instintos 51 e que, ao fazê-lo,
acabam por relacionar instintos com afetos ou associam um afeto a cada
instinto ou, ainda, derivam os afetos dos instintos (HELLER, 1983,
p.20).
Em sua análise crítica, essa autora trata do viés ideológico
da teoria dos instintos, segundo a qual o motivo da agressividade
estaria, sobretudo, na constituição biológica do homem.
Com relação ao afeto, a teoria do instinto concorda que
aquilo que não é baseado no discernimento, na aprendizagem ou na
atividade intelectual é af etivo; o instinto “diminui a consciência”, o
mesmo acontecendo com o afeto; por este motivo, o instinto é afetivo.
Se os afetos, assim entendidos, originam-se dos instintos, fica mais uma
vez ausente, a possibilidade da análise histórica das em oções humanas.

49
No original: “Como todos los demás reflejos éstas son reacciones innatas del organismo,
preestablecidas y preparadas a lo largo del desarrollo zoológico y embrionario; son inherentes al
hombre em virtude de la estructura de su organismo y, a decir verdad, excluyen cualquier posibilidad
de desarrollo.”
50
Nesta citação aparece a expressão reflexo e em outras passagens desse mesmo texto (VIGOTSKY,
2004, p.212) encontramos a expressão instintos. Entendemos que possa ter havido um problema de
tradução ao empregar ambas as palavras com o mesmo significado, porque em um outro trabalho do
mesmo autor – Obras Escolhidas IV – observamos uma preocupação sua em distinguir os dois
mecanismos.
51
A autora refere instinto como os mecanismos de comportamento ou as coordenações motoras
compulsórias que são específicas da espécie e, ao mesmo tempo, específicos da ação, herdados
através do código genético, desencadeados por estímulos internos e externos e que desempenham
um papel preponderante na preservação da espécie dentro de um certo estádio do desenvolvimento
do organismo e que ultrapassam a inteligência da espécie em questão do ponto de vista deste valor
seletivo positivo. (HELLER, 1983, p.40).
61

Em resumo, o pensamento de Heller se encaminha para


mostrar que essa teoria considera o instinto como o motivo 52 geral do
com portamento ou da ação. Ao contrário, ela defende a tese segundo a
qual o homem não é um ser guiado pelo instinto e, embora reconheça a
natureza como condição e limite da existência humana, ela nega que as
motivações psíquicas sejam m otivações biológicas (HELLER, 1983).
Atualmente, essa discussão sobre a origem biológica dos
fenômenos psíquicos se materializa no organicismo presente no dia-a-
dia da escola que busca, por meio das explicações reducionistas, situar
no corpo físico das crianças as alterações e/ou déficits que justifiquem
sua não aprendiza gem.
Em pesquisa sobre a medicalização 53 dos processos de
ensino e de aprendizagem, Collares & Moysés (1996) ouviram opiniões
de profissionais da educação e da saúde sobre as causas do fracasso
escolar e constataram que, no conjunto analisado, todos referem
problemas biológicos centrados na criança como causas do não-
aprender na escola, reforçando, principalmente, problemas
neurológicos. Na realidade educacional, esses dados traduzem o que,
atualmente, se tem denominado por Transtorno de Déficit de Atenção
com ou sem Hiperatividade (TDAH), dislexia 54 e outros.
Para explicitar a com plexidade desse fenômeno, Eidt e
Tuleski (2007) discutem o Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH) e o aumento progressivo da medicalização de
crianças, em idade escolar, diagnosticadas como agressivas,
desatentas, hiperativas e im pulsivas.
O número expressivo de crianças, que fazem uso de
medicam entos tem crescido na mesm a proporção dos estudos e

52
Ampliaremos a discussão acerca da categoria motivo no próximo capítulo.
53
Por medicalização, entenda-se “a utilização do modelo biomédico sustentado no método clínico,
para abordar problemas de ordem sócio-econômico-cultural. Aplicado à compreensão do
comportamento humano, ele conduz a uma visão individualizada e biologizante”. In: Rotular e Excluir,
PSI jornal de Psicologia. Publicação do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, CRP SP, 6ª.
região, n. 155, mar – abr/ 2008, p.10-11.
54
A dislexia, atualmente definida, de forma ampla, como uma condição hereditária com alterações
genéticas, apresentando ainda alterações no padrão neurológico, pode ser incluída no campo da
TDAH. Para maiores informações sobre a atualidade dessa discussão ver o artigo Dislexia: quem
procura acha. In: Rotular e Excluir, PSI jornal de Psicologia. Publicação do Conselho Regional de
Psicologia de São Paulo, CRP SP, 6ª. região, n. 155, mar – abr/ 2008, p.12-13.
62

pesquisas sobre esses distúrbios. Todavia, esses estudos pouco


contribuem para a definição do quadro clínico, para o diagnóstico e
intervenção, pois ainda sustentam suas análises, exclusivamente, nas
características individuais das crianças, consideradas atípicas.
As autoras (2007) destacam a necessidade de se re-
interpretar os mecanismos ideológicos que são utilizados no contexto da
sociedade pós-m oderna para justificar diferenças individuais a partir de
análises biologicistas, fundadas sobre a aparente oposição entre corpo
e mente.
Como mais um instrumento representativo do pensamento
organicista, podemos citar uma publicação 55 – misto de divulgação
científica e auto-ajuda – que, na década de 90, foi acolhida entre
profissionais da Psicologia e da Educação se transformando num a
armadilha ideológica. O livro se inspira em pesquisas universitárias, nas
quais o biológico explica o social.
No que tange às emoções, a tese do autor é de que nossas
respostas em ocionais foram moldadas por um processo remoto que foi
se consolidando nas últimas cinqüenta mil gerações, por meio do qual
se estabeleceram “circuitos neurais básicos” Ele menciona que esses
“gabaritos biológicos para a vida emocional” (GOLEMAN, 1995, p.19)
ficaram def asados em função das exigências m odernas e que, portanto,
enfrentamos dilem as que nos põe frente à tarefa de treinarmos nossa
“competência emocional”.
Já no prefácio à edição brasileira, o autor sugere a
introdução de currículos de “alfabetização em ocional”, programas que
ensinam às crianças as aptidões pessoais essenciais que, segundo ele,
poderão caminhar ao lado de disciplinas tradicionais como m atemática e
línguas (GOLEMAN, 1995).
Dentre outros aspectos, o livro destaca o primado do
biológico na explicação do homem. Segundo Patto (2000) trata-se da

55
Trata-se do livro Inteligência Emocional (1995) publicado pela editora Objetiva, do psicólogo e
jornalista norte-americano Daniel Goleman. Segundo dado da revista Veja, edição 1478, ano 30 – n.
2 de Janeiro de 1997, um sucesso editorial que se manteve por mais de trinta e cinco semanas na
lista dos livros mais vendidos no Brasil.
63

reedição do organicism o que dá ênfase ao papel das estruturas neurais


nas m anif estações afetivas.

As dif iculd ades de aprendiza gem e de ajustam ento


escolar tam bém f icam reduzid as a um a questão d e
desac erto dos circ ui tos que vão do cér ebro lím bico aos
lobos, disfunção que des armon izar ia emoçã o e
pensa me nto e produ ziria def iciênc ias cognitivas [...] O
li vro sile ncia sob re a qual idade do ens ino, os
preconc eit os e est ereótipos que gras sam no am biente
escolar [...] os m eandros intra e intersubjetivos da re laç ão
professor-aluno, o exercício vertica l do poder e o
conf ronto de interes ses de c las ses no interior das esco las
– num a pala vra, om ite a dim ensão política da instituiç ão
escolar. (PATTO, 2000, p.168, gr if o noss o).

Esse olhar dicotomizado, que elege o corpo como a


instância produtora do problema na escola é o mesm o que delega às
emoções o papel de “interferências negativas” que, presentes, podem
dar origem aos problem as de aprendizagem, numa visão reducionista
dos elementos que perpassam a relação sujeito-objeto e, principalm ente
do lugar ocupado pelos processos afetivos na constituição do
conhecim ento.
As idéias aqui apresentadas não esgotam a totalidade dos
elementos ref eridos por Vigotski (2004) para provar a inconsistência dos
pressupostos materialistas da teoria organicista, m as indicam um alvo
único e certeiro: o de suas raízes idealistas.
A essência dos seus argum entos sobre o modo com o a
Psicologia vem tratando a constituição do afetivo no hom em aponta,
prim eiramente, para a base orgânica e fisiológica como origem e
fundamento das emoções, situando-as na categoria de sensações e
percepções das mudanças corporais.
Consolidado sobre o princípio cartesiano do paralelismo
corpo-alma, e entendendo que as paixões representariam a únic a
possibilidade da união dessas duas substâncias (corpo-alm a) tão
antagônicas, a teoria organicista reproduz a dicotomia entre o psíquico
e o fisiológico na explicação do afetivo.
O princípio das sensações orgânicas, elem entares e
instintivas deu destaque à passividade dos afetos e em oções humanas,
64

evidenciando seu caráter inato e impossibilitando um a explicação


histórica sobre a gênese das em oções superiores e/ou sentimentos o
que sugere, conforme Vigotski, a ausência da idéia de desenvolvimento
das em oções.
Dado que a teoria organicista não foi capaz de explicar
com o se concretizam as relações entre o afetivo e o intelectual ao
separar as emoções das outras funções no conjunto da consciência
humana, o que ela fez foi colocar num mesm o patamar as emoções
humanas e animais, desprezando aquilo que é especificamente humano.
A crítica de Vigotski (2004) à teoria James-Lange e que, de
um modo geral, refere-se à maneira como a ciência psicológica vem
explicando o afetivo denota o caráter subjetivista, idealista e a-histórico
dos processos afetivo-emocionais do sujeito e ref orça o assento
naturalista presente na Psicologia desde o seu nascim ento, inclusive no
Brasil.
Isto posto, Vigotski (2004) sustenta que a oposição entre
as teorias de Descartes e Espinosa traduz uma luta milenar entre duas
correntes fundam entais do pensam ento filosófico: o idealism o e o
materialismo.
Dessa forma, esse autor admite que o caminho para que se
encontre uma verdadeira explicação teórica e m etodológica do afetivo
na estrutura psicológica do sujeito não pode dispensar a análise da
atividade humana – categoria constitutiva do psiquismo humano – na
relação que esta mantém com a consciência, sobretudo porque,
necessariamente, ambas conduzem à tese do desenvolvimento histórico
da afetividade.
Para ilustrar esses conceitos, recorremos à premissa
fundamental do psiquismo com o reflexo subjetivo do mundo objetivo ou
à tese materialista da existência dos fenômenos fora e independente da
consciência humana – Espinosa (1632 -1677) e Marx (1818 – 1883) –
buscando, primeiramente, na teoria espinosista alguns elementos que
permitam avançar em direção à constituição de uma perspectiva
materialista das emoções humanas.
65

2.2 – Contribuições da filosofia de Espinosa para uma perspectiva


materialista do afetivo

Rompendo com o dualism o cartesiano das substâncias,


Espinosa reafirma a existência de apenas dois atributos conhecidos pelo
homem – pensam ento e extensão – originados de uma mesma e única
substância 56: Deus.
Sendo o pensamento e a extensão atributos de Deus e, por
conseguinte, da natureza, ele destaca que o homem não é uma
substância composta de duas outras – corpo e alm a –, mas um modo 57
(modus) singular finito da substância.
O conceito de modo define-se por oposição ao de
substância, daí podermos dizer que o modo possui uma dependência,
ele não existe em si mesmo e por si mesm o. Com efeito, caracterizar
algo como um modo finito significa dizer que ele não dispõe de auto-
suficiência e que só pode ser compreendido a partir de sua relação com
a substância e com os outros modos.
A im plicação direta dessa afirmação é tratar um modo – os
corpos, as idéias, a mente, alma ou, em nossa linguagem
contem porânea, a consciência – considerando seu processo de
constituição, sua dependência existencial, visto que ele não pode ser
pensado como um objeto fechado e auto-suficiente.
Neste caso, pensar o homem com o um modo singular finito
da substância sugere a tarefa de refletir sobre a produção da natureza
humana, destacando o elo, essencial e necessário, de ligação existent e

56
Entendida como estrutura da existência, subjacente a todos os eventos e coisas, essência ou “ser
interior” (DURANT, 2000, p. 173).
57
“Por modo entendo as afecções da substância, isto é, o que existe noutra coisa pela qual também é
concebido.” (ESPINOSA, 2004, p.150, parte I, def. V, grifo do autor).
“Modo são as coisas e os pensamentos particulares que expressam os atributos de Deus,
pensamento e extensão.” (ABBAGNANO, 2007, p.792).
“Um modo é qualquer coisa ou evento individual, qualquer forma ou formato que a realidade assuma
transitoriamente; você, seu corpo, seus pensamentos, seu grupo, sua espécie, seu planeta são
modos.” (DURANT, 2000, p. 173).
66

entre a realidade toda (Deus ou Natureza 58) e o sujeito com o um modo


finito.
No interior dessa discussão, o aspecto que nos interessa é
a expressão do vínculo entre a filosofia de Espinosa e a teoria Histórico-
Cultural, f undam entalmente no que concerne a constituição da
consciência humana e, no caso deste estudo em particular, ao espaç o
ocupado pelo afetivo no processo de conformação da atividade do
sujeito.
Como uma das raízes do pensamento de Vigotski e do
esforço empreendido – juntam ente com seus colaboradores – para
demonstrar o papel da atividade no processo de constituição das
funções psicológicas superiores do sujeito, por meio das relações
sociais e hum anas, destaca-se esse fundamento da filosofia de
Espinosa que, ao apresentar a alma com o um modo não pensou a sua
existência como um a priori, mas como um vir-a-ser, confirmando a
materialidade do seu pensamento.

2.2.1. A relação corpo-alma

A inovação do pensamento espinosista, portanto, consiste


em examinar a produção da natureza humana não como se esta fosse
uma substância criada pela substância divina, mas como um modo da
substância única e infinita.
O problem a de Espinosa é demonstrar que não existem
duas substâncias diferentes – corpo e alma – que mantém entre si uma
relação hierarquizada: ora a alm a dominando o corpo, ora o corpo
dominando a alma, como no caso das paixões.
Segundo ele, não se pode atribuir à alma qualquer
precedência em relação ao corpo, o que existe é uma equivalência em
virtude da relação entre objeto e idéia, pois conforme afirma Espinosa:

58
Espinosa admite uma variação do conceito Natureza: por “Natureza Naturada entende os modos
infinitos e finitos imanentes à substância divina, produzidos pela atividade dos atributos, que
constituem o mundo em que vivemos” e por “Natureza Naturante a substância divina com seus infinitos
atributos infinitos como causa de si e causa imanente de todas as coisas.” (CHAUÍ, 2005, p.101); ver
também Espinosa (2004, p.187, parte I, prop. XXIX, escólio).
67

“Nem o corpo pode determinar a alma a pensar, nem a alma determinar


o corpo ao movimento ou ao repouso ou a qualquer outra coisa (se
acaso existe outra coisa).” (ESPINOSA, 2004, p.278, parte III, prop. II,
grifo do autor).
Por esse ângulo ele refuta a concepção cartesiana da alma
com o realidade substancial que existe independentemente do corpo,
subjugando-o ou sendo dominada por ele. Essa percepção da alm a
existindo como substância independente do corpo, que advém de um a
concepção pluralista da realidade, denota a fragilidade da teoria
cartesiana à medida que atribui à alm a um a vontade livre.

É em conseqü ência dessa indiv idual izaç ão da s ubstância


pensa nte no h om em, num a alm a im ortal – qu e tem um
destino próprio dive rso do d estino do corpo e c apaz de
sobrepujar o tem po –, que Descartes p ode atribuir-lhe um
poder de inic iat iva, teoricam ente ilim itado e que é a
vontade livre. ( TEIX EIRA, 2001, p.118).

O princípio da interdependência corpo-alma na teoria


espinosista figura com o elemento vertebrador das nossas reflexões
acerca da unidade afetivo – cognitivo na atividade do sujeito.
Quando Espinosa declara que a alma não existe
substancialmente, a tarefa que ele nos delega é a de, rompendo com as
amarras da filosofia cartesiana fundada sobre a dicotomia corpo-alma,
com preender a essência desta última. Tal compreensão indica um
movimento de aproximação das idéias sobre a formação humana do
sujeito, contidas na teoria Histórico-Cultural, às suas idéias.
O resgate do ideário que prevaleceu no cenário da Filosofia
sobre a alm a – o platônico que definia a alm a como um a entidade
alojada numa outra para comandá-la e o aristotélico que definia o corpo
com o instrumento da alma (CHAUÍ, 2005, p.51) – tende a representá-la
a partir de “[...] uma substância dotada de faculdades, isto é, funções
específicas e autônomas, existentes em estado potencial, e que ela
atualiza se dispuser das condições corporais adequadas para isso.”
Descartes, aliado a essa vertente, introduz uma separação
radical entre corpo e alma, definindo-os como substâncias de essências
68

diferentes. Coexistindo lado a lado, o corpo é uma m áquina descrita


segundo o modelo da mecânica e “[...] a alma ou substância pensante é
definida por um conjunto de faculdades próprias e autônomas que são
modos de pensar – imaginação, m emória, sentimento, vontade e razão.”
(CHAUÍ, 2005, p.52).
Posta a disjunção, o hom em se torna obscuro e
incompreensível, tanto quanto a causa das paixões e ações da alma,
pois não sabemos com o o corpo poderia agir sobre a alma – causando-
lhe paixões – nem a alma sobre o corpo – dominando-o pela vontade.
Estavam dadas as condições para que a futura ciência
passasse a tratar cada um a dessas duas dim ensões de m aneira isolada,
determinando um abismo entre o objetivo e o subjetivo, o social e o
individual, o afetivo e o cognitivo.
Essa versão de homem cindido invade a Psicologia –
ciência da subjetividade –, a qual dispondo de instrumentos teórico-
metodológicos que põem em dúvida a realidade exterior com o referência
para o mundo interno do sujeito e, sob a alegação de interpretar o
homem a partir dos fenômenos da sua vida interior, começa a dar os
prim eiros passos na direção de uma concepção natural e idealista dos
processos afetivos.
Espinosa desmonta essa concepção da relação corpo-alma
e mostra, de forma coerente, como sua versão contradiz a teoria
cartesiana da dupla substância na sua base afirmando que nós só
conhecem os a nós mesmos e aos demais corpos a partir das afecções,
ou seja, somente por meio das ações dos outros corpos e idéias sobre
nós é que surge a possibilidade do conhecimento.
Não cabe em sua filosofia um modo de pensamento que
não seja derivado de uma afecção, de um a realidade que existe fora, e
independente, do sujeito.

Não há pensam ento sem objeto. O pen sam ento é sem pre
de algum a coisa, e para Es pinosa a al ma não é senão o
pensam ento ou a idéia do corp o e das cois as qu e af etam
o corpo, sem nenhum a ref erência, repetim os, à idéia
tradic ional de um a alm a substânci a, suporte das idéias.
(TEIXEIRA, 2001, p. 122).
69

Segue apresentando – no Livro II da Ética: Da Natureza e


da Origem da Alma – algum as proposições nas quais o curso do
argumento central é demonstrar que “a alma é idéia do corpo” 59. Com o
rigor característico de seu raciocínio e contrário à concepção tradicional
de alma com o substância independente, demonstra que a alma não
existe em si mesm a, não é dotada de algumas faculdades capazes de
armazenar o conhecimento, mas a alma é o próprio conhecimento.

O conhec er é, prim eiram ente, uma percepção na alma da


essênc ia e da ex ist ênc ia da s coisas. Com o a alm a não é
um a substânc ia (aní m ica), a express ão um a percepção na
al ma só pod e s ignif icar um estado de consci ência.
(ESPI NOSA apud TEIXEIRA, 2001, p. 122 , grif o do autor).

A alma é atividade pensante, o que significa dizer que ela


está, necessariam ente, voltada para os objetos que constituem os
conteúdos ou as significações de suas imagens ou idéias. O que
constitui a essência da alma é a atividade de pensar o objeto, sua
potência para representá-lo. Sendo assim, ela não existe sem o objeto.
Pela proposição de número VII Espinosa reitera a
afirm ação de que as idéias e as coisas possuem a mesma origem e
seguem as mesmas leis – “A ordem e a conexão das idéias é a mesma

59
“A ordem e a conexão das idéias é a mesma que a ordem e a conexão das coisas.” (ESPINOSA,
2004, p.228, parte II, prop. VII, grifo do autor).
“A primeira coisa que constitui o ser da alma humana não é senão a idéia de uma coisa singular
existente em ato.” (ESPINOSA, 2004, p.233, parte II, prop. XI, grifo do autor).
“Tudo o que acontece no objeto da idéia que constitui a alma humana deve ser percebido pela alma
humana; por outras palavras: a idéia dessa coisa existirá necessariamente na alma; isto é, se o objeto
dessa idéia que constitui a alma humana é um corpo, nada poderá acontecer nesse corpo que não
seja percebido pela alma.” (ESPINOSA, 2004, p.234, parte II, prop. XII, grifo do autor).
“O objeto da idéia que constitui a alma humana é o corpo, ou seja, um modo determinado da extensão,
existente em ato, e não outra coisa.” (ESPINOSA, 2004, p.234, parte II, prop. XIII, grifo do autor).
“A alma humana é apta a perceber um grande número de coisas, e é tanto mais apta quanto o seu
corpo pode ser disposto de um grande número de maneiras.” (ESPINOSA, 2004, p. 241, parte II, prop.
XIV, grifo do autor).
“A alma humana não conhece o próprio corpo humano nem sabe que este existe, senão pelas idéias
das afecções de que o corpo é afetado.” (ESPINOSA, 2004, p.245, parte II, prop. XIX, grifo do autor).
“A alma humana percebe não apenas as afecções do corpo, mas também as idéias dessas afecções.”
(ESPINOSA, 2004, p.247, parte II, prop. XXII, grifo do autor).
“A alma não se conhece a si mesma, a não ser enquanto percebe as idéias das afecções do corpo.”
(ESPINOSA, 2004, p. 247, parte II, prop. XXIII, grifo do autor).
70

que a ordem e a conexão das coisas. ” (ESPINOSA, 2004, p.228, parte


II, prop.VII, grifo do autor) –, mas de maneira qualitativamente diferente
porque estão referidas a aspectos distintos do m esm o fenôm eno: a
realidade corporal e a realidade psíquica.
Superar a relação dicotomizada entre corpo e alma
pressupõe, primeiram ente, entender que a alma é idéia. A alma não é
idéia do corpo como um a máquina observada à distância. Ela é idéia
das afecções corporais, dos movimentos, das ações e reações de seu
corpo na relação com outros corpos, das mudanças e transformações
sofridas pelo corpo sob a ação de causas externas.
Em segundo lugar, a superação do ponto de vista da união
do corpo com a alma – dois elementos – depende da apropriação da
alma como atividade pensante – atividade consciente – que se liga a
seu objeto de pensamento e só existe como tal.
O fundam ento, a essência da alma, é o conhecimento que
ocorre a partir das afecções corporais. Teixeira (2001) sintetiza a
relação entre alma e conhecimento quando afirma que:

Espinos a não concebe um a alm a única e substancial qu e


recebe em s i idéias de diverso s tip os [...] para el e a alm a
é a sensa ção, a idéia do corpo; o u a alm a é a percepção
dos pr incí pios que s e f undam nas propriedades g erais d as
coisas, isto é, ra zão; ou a alm a é a percepção de Deus, é
a idéia de De us, isto é, a intu ição da verdad e total.
(TEIXEIRA, 2001, p. 164, grif o do aut or).

Sendo assim, Espinosa não admite o pressuposto da alma


dotada de faculdades funcionando como um receptáculo que abrigaria,
ou não, os conhecimentos dependendo da vontade do sujeito.
O problema da vontade e da sua relação com o
conhecim ento é um aspecto particularmente importante do pensam ento
de Espinosa porque se constitui num atalho que conduz ao interior da
sua epistem ologia, sobretudo naquilo que esta oferece para
com preendermos a origem dos afetos e sua relação com o
conhecim ento.
71

2.2.2. O cognitivo e o afetivo

Contrário à tese cartesiana da vontade com o livre-arbítrio –


baseada na distinção entre intelecto e vontade e na idéia de que o
conhecim ento é um ato de vontade – Espinosa reage afirm ando que o
conhecim ento não é um produto da nossa vontade, dado que não existe
uma faculdade da alma, tanto quanto a alma também não existe como
realidade substancial, capaz de armazenar a vontade. Esta só se
concretiza afirmando ou negando algo de alguma coisa, ou seja, com o
conhecim ento.
Por ser afirm ação ou negação de uma idéia ou de uma
imagem, a vontade existe, unicamente, como ato de pensamento.
Portanto, a vontade é o próprio conhecimento, ou o m esmo
que uma idéia e, por conseguinte, um modo de pensar. O querer ou a
vontade nada mais é que “[...] a afirmação ou negação de uma idéia ou
de um a imagem, segundo as determinações do desejo.” (CHAUÍ, 2005,
p.54).
Isto posto, Espinosa propõe a distinção entre vontade e
desejo.
Define desejo como “[...] uma inclinação que sentim os em
relação a um objeto que foi julgado bom.” (TEIXEIRA, 2001, p.116, grif o
do autor).
Assim, ele marca a diferença entre vontade 60 e desejo,
afirm ando que o desejo jamais poderá existir sem a vontade, pois para
nos inclinarmos ou desejarm os alguma coisa, temos que conhecê-la,
julgá-la previamente. Portanto, não se pode falar em desejo sem
imagem ou idéia do objeto.
Somos livres para afirm ar algo sobre alguma coisa sem a
isso sermos constrangidos por nenhuma causa exterior? – teoria
cartesiana do conhecimento que se funda na distinção entre intelecto e

60
Espinosa não distingue intelecto e vontade, mas unifica-os sob o poder de agir – as idéias e as
volições são atos singulares de afirmação e de negação. Apresenta sua concepção de vontade, de
maneira detalhada, no capítulo XII – Da mente humana – (ESPINOSA, 2004, p.97-101).
72

vontade, dando a esta última o estatuto de uma faculdade da alma que


age conform e sua liberdade.
Ou, ao contrário conforme Espinosa, não somos nós que
afirm amos ou negamos algo de alguma coisa, mas é a própria coisa
que, em nós, afirma ou nega algo de si mesma?
O filósofo reitera, um a vez mais, que, por não existir em
nós a vontade como um a faculdade da alma com poderes para
“escolher” entre um ou outro objeto do conhecim ento, não som os nós
que afirmamos ou negamos, o que significa que não é nossa alm a
substancial, m as a própria coisa existente em nós – pois o que é o
conhecim ento senão o objeto em nós?
Dando forma à relação entre o afetivo e o cognitivo na sua
teoria do conhecimento, Espinosa afirma que se o conhecimento é a
idéia em nós, esta idéia produz, necessariamente, um af eto, um desejo.
Este será, portanto, determinado pelo juízo que antes fizermos das
coisas, ou seja, pelo conhecimento, ou ainda se quisermos utilizar outra
expressão, pela vontade.
O pensamento de Espinosa se conclui quando afirma que
“[...] o desejo depende da idéia das coisas, e que para ter uma idéia
uma causa exterior é necessária, não há senão mostrar que o desejo
não é livre.” (ESPINOSA apud TEIXEIRA, 2001, p.125).

[...] os seres hum anos têm a opin ião de que são l ivre s por
estarem cônscios das suas vo liç ões e das suas
apetências, e nem por sonhos lhes p as sa pela cab eça a
idéia d as causa s qu e os disp õem a apetecer e a querer,
visto que as ignor am . (ESPINOSA, 2004, p.19 8, parte I,
apên dice, grif o do a utor).

Aproximando os conceitos de substância e modo às


reflexões sobre o desejo, definindo-o como “[...] a própria essência do
homem [...]” 61 (ESPINOSA, 2004, p.355, parte IV, prop. XVIII,
demonstração), entendem os que o desejo não pode ser tomado com o

61
Espinosa reitera que o desejo é a própria essência do homem, isto é (pela proposição VII da parte
III), um esforço pelo qual o homem se esforça por perseverar no seu ser. “O esforço pelo qual toda
coisa tende a perseverar no seu ser não é senão a essência atual dessa coisa.” (ESPINOSA, 2004, p.
283, parte III, prop. VII, grifo do autor).
73

um elem ento independente, preexistente, fechado em si mesmo, mas ao


contrário, é engendrado num processo contínuo, determinado pelas
relações que se estabelecem entre o sujeito e o real.
Quando o sujeito interpreta o desejo a partir de uma
manifestação da essência humana, desligada e independente das
condições concretas da sua existência, como um processo m aior que o
produziu, ele está destituindo o desejo da sua característica primeira
que é o conhecimento, posto que o desejo é determinado pelas
afecções, pelas idéias das coisas, ou por uma realidade externa ao
sujeito, a partir do conhecimento. Agindo assim, o sujeito incorre no
perigo de tratar o desejo com o uma abstração.
Em resum o, podemos dizer que quando o sujeito vivencia
uma afecção – a ação de um outro corpo qualquer sobre o seu –, essa
ocorrência traz consigo um a alteração; a qualidade desta transformação
sofrida pelo corpo se expressa na alma, posto que “a essência da alma
é ser idéia do corpo” (ESPINOSA, 2004).
As idéias que constituem a consciência (alma) advêm de
uma realidade objetiva, daí o fato de que só conhecemos a nós mesmos
e aos demais corpos por m eio das afecções.
Sendo as afecções elementos do mundo externo que
afetam o sujeito, essa determinação externa faz alterar o conatus 62 –
esforço que o sujeito realiza para conservar sua existência –
promovendo um a variação das potências de pensar e agir.
Por m eio do conhecimento, o sujeito potencializa esse
esforço ou, ao contrário, faz diminuí-lo sendo derrotado pelas causas
externas.
Existe uma flutuação dessas potências de agir e de pensar,
ora podendo elevar-se, ora diminuir, dependendo dos modos como o
sujeito se relaciona com as afecções:

Se uma co is a a umenta ou diminu i, facilita ou redu z a


potência de agir do noss o c orpo, a idé ia dessa mes ma
coisa a umenta ou d iminui, fac il ita ou r ed uz a potênc ia de

62
(ESPINOSA, 2004, p.283, parte III, prop. VII)
74

pensar da no ssa alma. (ESPI NOSA, 2004 , p.285, parte III,


prop. XI, grif o do autor).

Estamos a caminho de dizer que a concepção do


conhecim ento em Espinosa é de início, uma proposição
fundamentalmente anticartesiana, pois para ele não há outra forma de
conhecer a si mesmo e a realidade, senão por meio das ações que os
outros corpos exercem sobre o sujeito.
Espinosa alia as teses de incom pletude e imperfeição
humana à necessidade de uma realidade exterior ao sujeito, como única
possibilidade de alcançar níveis mais complexos de pensam ento e de
existência.
Uma implicação psicológica desse postulado – a
dependência das condições objetivas de vida como elemento de
com plexificação da consciência – é a formulação histórico-cultural da
materialidade dos processos psicológicos superiores, reconhecendo a
realidade social e as dem andas de enfrentamento que esta im põe ao
sujeito como condicionantes para o desenvolvim ento das suas máximas
possibilidades humanas.
O tratamento dispensado por Espinosa à relação entre
afecção (affectio) e afeto (affectus) nos remete à relação sujeito-objeto,
uma vez que a afecção indica a ação do objeto sobre o sujeito enquanto
o afeto, com o indutor da potência de agir, nos remete à ação do sujeito
sobre o objeto.
Se entendermos que as afecções determinam as
possibilidades do conhecimento pelo sujeito, é preciso delimitar em que
medida essas afecções são ativadoras dos afetos.
Partindo da distinção entre o que seja uma idéia e um afeto
-“affectus”- Espinosa adota a concepção de idéia com o “um modo de
pensamento definido pelo seu caráter representativo” (DELEUZE, 1978),
advertindo que ela carrega em si uma realidade objetiva e que existe
uma relação entre a idéia e o objeto que ela representa.
Em contrapartida, o afeto será um modo de pensam ento
não representativo. Com o esses dois modos de pensamento –
75

representativo e não representativo – podem ser tom ados de form a


com plem entar?
Explicar essa relação – entre idéia e afeto – pressupõe a
análise de uma outra dimensão que conforma a idéia: a realidade
formal. A idéia além de possuir uma realidade objetiva, que diz respeito
à sua relação com o objeto representado – tam bém denominado de
“caráter extrínseco” –, traz em si uma realidade formal, que denota o
grau de realidade ou de perfeição 63 que a idéia possui.
A realidade f orm al de uma idéia se mede pelos afetos que
preenchem nosso “poder de ser afetado” ou nossa potência de agir,
fazendo-a variar quando esta ou aquela idéia nos af eta (Deleuze, 1978).
O fato é que quando pensamos num objeto, isto é, quando
a idéia de algo se afirm a em nós, plasm ada nela estarão essas duas
realidades – a objetiva e a form al. Neste caso, diz-se que a realidade
formal de uma idéia está relacionada aos afetos, pois são eles que
representam a possibilidade de variação das potências de pensar e agir
do sujeito.
Assim, identificar o poder de ser afetado do sujeito
significa compreendê-lo no conjunto das relações que o com põem, o que
demonstraria a grande diversidade de afetos de que os homens são
capazes, segundo as culturas, as sociedades ou o modo de vida de
cada indivíduo em particular.
O afeto 64 pressupõe um a idéia; existe um prim ado da idéia
sobre o afeto porque para que desejem os algo ou, ao contrário, para
que queiramos nos afastar de alguma coisa – para que nossa potência
de agir aumente ou diminua –, é preciso que esta coisa exista em nós,
em nossa consciência. Mas essa relação não pode im plicar num
reducionism o, afeto e idéia são de naturezas distintas e, como tal, um
pressupõe o outro.

63
“Por realidade e por perfeição entendo a mesma coisa.” (ESPINOSA, 2004, p.224, parte II,
explicação VI).
64
Segundo Deleuze (1978), o afeto é demonstrado por meio de um “regime de variação” que acontece
à medida que as idéias vão se afirmando em nós, durante nossa existência diária; essa variação
corresponde a um vai-e-vem, determinando um aumento ou diminuição, ainda que mínimo, de nossa
“potência de agir” ou de nossa “força de existir”.
76

Dando form a à nossa consciência, as idéias surgem com o


resultado do processo de subjetivação da realidade. Nesta transição
entre um a e outra idéia, emerge o afeto que não pode ser reduzido a um
dado representacional, mas que a ele está, necessariam ente,
entrelaçado.
Em vista disso, no nosso dia-a-dia, por sofrerm os uma
tempestade de idéias, dá-se a variação, tam bém, dos afetos que delas
advém e que, conforme Espinosa resulta de apenas dois tipos: a alegria,
que faz aumentar nossa potência de agir ou força de existir e a tristeza
que faz diminuir a am bos.
Isso é o que caracteriza os afetos, uma dinâm ica de
elevação e/ou diminuição da potência de vida. O afeto é, portanto,
constituído pela transição vivida nesta variação que, por sua vez, é
determinada pelas idéias que se têm.
Na filosofia de Espinosa as idéias 65 são classificadas de
acordo com os afetos que as mesm as determinam. Assim, ele propõe
três gêneros de conhecimento ou modos de percepção 66.
O primeiro gênero de conhecimento – idéias-afecção –
com preende as idéias das afecções do corpo e as da imaginação que,
na acepção proposta pela filosofia do século XVII;

[...] signif ica sens aç ão, percepç ão e m em ória. Em outras


palavras, im aginação é o conhec im ento sensoria l qu e
produz im agens da s coisas em nossos sent idos e em
nosso cére bro. Com essas im agens representam os as
coisas externas e supom os conhec ê-las, m as, na
realid ade, estam os conhecen do ap enas o ef eito int erno
(as im agens) das coisas ext eriores. A im agem é o que se
passa em nós, é a lgo subjetivo e não nos dá a nat ure za
verdadeir a da própria c oisa existe nte. (CHAUÍ, 2 005,
p.32).

65
“No pensamento de Espinosa, o termo “idéia” é tomado em dois sentidos principais: a idéia como um
conceito que nossa mente forma (ter idéia de alguma coisa); a idéia como a natureza de nossa própria
alma (ser idéia do corpo e ser idéia de si mesma). Nos dois casos, porém, há um traço comum: uma
idéia é um ato (ato do intelecto para ter idéia; e a existência da mente ou alma como força para ser
idéia, isto é, um modo do atributo Pensamento). No sentido de ter idéia, há dois tipos de idéias: as
imaginativas ou inadequadas e as intelectivas ou adequadas.” (CHAUÍ, 2005, p. 99, grifo do autor).
66
De acordo com TEIXEIRA (2001), quanto ao número de modos de percepção, adotamos a divisão
tríplice, que é também a da Ética: o 1º. modo é a opinião, o 2º.é a crença, conhecimento racional e o
3º, o conhecimento claro e distinto.(TEIXEIRA, 2001, p.85). E quanto às faculdades que presidem cada
um deles são, respectivamente, a imaginação, a razão e a intuição. (CHAUÍ, 2005, p.36).
77

Todo modo de pensam ento que representa uma afecção do


corpo é uma idéia-afecção. Essas idéias só conhecem a coisa pelos
seus efeitos. Disso resulta que a imaginação opera com as idéias
inadequadas, conceito esse que se liga a im agens confusas e obscuras
provenientes de nossa experiência sensorial e de nossa memória.
Por desconhecer verdadeiram ente as causas que as
produzem , ou seja, pela sua parcialidade, essas idéias produzem no
sujeito aquilo que Espinosa denomina não como erro, mas com o um
distanciamento, uma separação entre a parte e o todo, característica da
abstração 67.
Quando sofremos os ef eitos de outros corpos sobre nós e
sem dispor, ainda, de elementos suficientes que nos dêem a conhecer
suas causas, forma-se em nós um tipo de idéia constituída pelos dados
sensíveis e também pelo afetivo, pois no momento da afecção deu-se
um afeto.
O fato é que se permanecemos nesse nível de
conhecim ento ou modo de percepção, em que os efeitos são
apreendidos em detrimento das causas que não são com preendidas,
ficam os subordinados à dinâmica de elevação-diminuição como meros
expectadores que assistem ao desfile dos afetos em seu próprio ser sem
ter, contudo, a possibilidade de alteração desse quadro.
Nesse gênero de conhecimento em que as idéias estão
separadas das causas, os afetos que o acom panham são passivos.
Afirma Espinosa que: “Uma coisa qualquer pode ser, por acidente,
causa de alegria, de tristeza e de desejo.” (ESPINOSA 2004, p. 287,
parte III, prop. XV, grifo do autor).

67
Livro II da Ética, Proposição XXXV, Escólio, Espinosa exemplifica que [...] “quando olhamos o sol,
imaginamos que ele se encontra a uma distância de nós de cerca de duzentos pés, e, aqui, o erro não
consiste apenas nessa imaginação, mas no fato de que, enquanto assim imaginamos ignoramos a
causa dessa imaginação bem como a verdadeira distância a que está o sol. Com efeito, embora, mais
tarde, venhamos a saber que o sol se encontra afastado de nós mais de seiscentas vezes o diâmetro
da Terra, não deixaremos, todavia, de imaginar que ele está perto de nós.” (ESPINOSA, 2004, p.254).
Também por meio desse exemplo imaginamos que, pelo aparente movimento daquela estrela, é ela
que se desloca, gerando o dia e a noite, enquanto a Terra permanece imóvel. É assim que a imagem
exprime a maneira como nosso corpo é afetado pelas coisas externas.
78

Há dois aspectos relevantes no que tange às idéias-


afecção. São eles: o seu caráter de efeito e a experimentação da alegria
com o impulso m otivador.
O fato de experim entarmos, acidentalmente, um estado de
alegria, que aumenta nossa potência de agir faz com que, mesmo que
não sejam os ativamente a causa dessa paixão que é um afeto passivo
(alegria), essa experiência produza em nós uma impulsão para
continuarm os neste estado, o que de certa forma aumenta as
possibilidades de avançar no conhecimento a caminho da superação do
estado de passividade ou de conhecimento parcial 68.
A partir daí, o problem a que a filosofia de Espinosa nos
coloca é saber de que maneira podemos ultrapassar esse nível de
consciência – as idéias-afecção – que nos reduz ao conhecimento dos
efeitos e de seus afetos passivos.
Como exceder esse modo de percepção em que o
conhecim ento fica a reboque dos afetos que experim entam os ou, ainda,
com o superar os afetos passivos, de forma que a consciência não fique
dependente da imaginação?
No segundo gênero de conhecimento ou modo de
percepção aparece a razão como a faculdade determinante de um outro
nível de consciência.

O que c aracter iza a razão é a ausê nc ia da cois a; a razão


trabalha não com o concreto ou o dado, m as com
propriedades gerais [...] Assim , a razão é tam bém um
processo m ental que s e desenvo lv e no p lano d a
abstraçã o, do que é separado da r ea lidade concr eta. A
razão pensa idé ias gerais, não se apodera da própri a
coisa. (TEIXEIRA, 2001, p.87, grifo do autor).

Tanto o segundo gênero de conhecimento como o terceiro,


conhecido por intuição 69, são constituídos por idéias adequadas.

68
“Tudo que imaginamos que conduz à alegria, esforçar-nos-emos por fazer de modo a que se
produza; mas tudo que imaginamos que lhe é contrário ou que conduz à tristeza, esforçar-nos-emos
por afastá-lo ou destruí-lo.” (ESPINOSA, 2004, p.297, parte III, prop. XXVIII, grifo do autor).
69
Sobre esse conceito ver ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 2007,
p.670-672.
79

Na razão, essas idéias adequadas são idéias das


propriedades comuns das coisas, seja de todas as coisas ou de um
subconjunto delas. O que caracteriza as noções comuns é o fato de
conhecer como as propriedades com uns estão igualm ente nas partes e
no todo, como um conhecimento universal e necessário. Nas palavras
de Espinosa (2004):

Digo ex press am ente que a alm a não tem um


conhe cim ento adeq uado, m as apenas um conhecim ento
conf uso e m utilado de si m esm a e do seu corpo e d os
corpos exter iore s, todas as vezes que ela perce be as
coisas segund o a ordem da Nature za; isto é, todas as
vezes que é determ inada do exterior, pelo choqu e
acidental d as c oisa s, a considerar isto ou a quilo, e não
todas as ve zes que é determinada inter iorme nte, a saber,
porque considera ao m esm o tem po várias coisas, a
conhe cer a s sem elhanças que ex istem entre elas, as suas
dif erenças e as suas opos ições. Todas as ve zes, com
ef eito, que ela é int eriorm ente dispo sta desta ou daquela
m aneira, então cons ider a as cois as c lar a e d istintam ente.
(ESPI NOSA, 2004, p.251-2 52, parte II, prop. XXIX,
escólio, grif o nosso) .

A partir de agora, o sujeito alcançará as “noções comuns”


(ESPINOSA apud CARDOSO JR., 2005) ou os conceitos – que
demarcam o prim eiro gênero de conhecimento e a relativa passividade
das idéias-afecção, apontando-nos o cam inho para a superação desse
aprisionamento representado pelas idéias inadequadas ou imaginativas.
A diferença fundamental entre uma idéia-afecção e um a
idéia-noção é que esta última advém da compreensão das causas.
Do ponto de vista educacional, de formação humana do
sujeito, as noções comuns – conceitos – anunciam a prerrogativa da
potência de agir.
Em âmbito escolar, isso pode ser definidor de um novo
modelo de relação sujeito-conhecimento, colocando em destaque o
papel que o educador assum e provendo esforços para o
desenvolvimento da atividade do sujeito na tarefa de apropriação do
conhecim ento.
80

Aos educadores cabe refletir sobre a seguinte questão: se


os afetos são despertados nos sujeitos pelo conhecimento, como se dão
os encontros e quais são as possibilidades desses sujeitos virem a
constituir noções comuns, superando aquilo que foi experimentado com o
efeito, apenas, durante seu contato com o conhecimento?
Assinalamos ainda que é por meio da relação sujeito-
educador, mediada pelo conhecim ento, que surge a real possibilidade
deste último vir-a-ser convertido em elemento psicológico,
transformando-se em regulador das relações do sujeito e permitindo a
este se orientar no mundo, pensar sobre a realidade e desenvolver sua
subjetividade.
O conhecimento participa com o co-responsável na
condução e no movimento de superação dos afetos passivos em direção
aos afetos ativos, podendo transform ar-se em estratégia de
autodesenvolvimento.
Como terceiro e último gênero de conhecimento, Espinosa
propõe a intuição intelectual.
Compreender o verdadeiro significado e essência daquilo
que foi denominado por Espinosa como intuição requer a superação do
significado incorporado a este termo na esfera do cotidiano, que o reduz
à noção de pressentimento, “ato ou capacidade de pressentir” 70.
Na acepção filosófica, a intuição é um a compreensão
global e instantânea de um a verdade, de um objeto ou de um fato. Nela,
de uma só vez, a razão capta todas as relações que constituem a
realidade e a verdade da coisa. Sendo assim, a intuição não pode ser
tratada com o um modo de percepção desvinculado da razão, com o um a
disposição do sujeito, inata ou adquirida, de apropriar-se dos elementos
que compõem as relações de um dado fenômeno.
Neste caso, estaríamos incorrendo no risco de colocar esse
nível de conhecimento na categoria de um “dom”, uma qualidade
natural, uma dádiva ou ainda um privilégio que algumas pessoas têm de

70
“Ato de sentir antecipadamente o que vai acontecer, perceber, sentir ao longe ou antes de ver;
pressagiar, antever, adivinhar por indícios, ter suspeitas, desconfiar, perceber antecipadamente
através dos sentidos.” (HOUAISS, 2007, p.2293).
81

alcançarem uma compreensão dos fenômenos. Se assim o fosse, essa


capacidade intelectual estaria atrelada a um modo de pensamento
baseado na superstição, contra o qual Espinosa convergiu todos os seus
esforços.
Em sua filosofia esse m odo de percepção é tido como o
verdadeiro conhecimento, que “[...] se adquire não por uma convicção
nascida de raciocínios, mas pelo sentimento e gozo da própria cois a
[...]” (ESPINOSA apud TEIXEIRA, 2001, p.88, grifo do autor).
Finalmente indagam os se esta relação, proposta por
Espinosa, entre as idéias e os afetos ou sentim entos derivados de cada
um dos modos de percepção, é suficiente para compreendermos a
proposição de Leontiev (1978b), que reconhece o verdadeiro
conhecim ento como aquele que, incorporado à personalidade, determina
mudanças significativas nos modos de sentir, pensar e agir do sujeito.
Assim, pela razão, esses conhecimentos estariam de certa
forma, existindo fora de nós e, por este motivo, falaríamos deles como
algo extrínseco, o que significa que mesmo reconhecendo-os
necessários, não se caracterizariam, ainda, como suficientes para
provocar mudanças significativas na estrutura da personalidade.
Pela intuição, tais conhecimentos passam a integrar-se
conformando, efetivamente, a personalidade do sujeito e determinando
novas maneiras de sentir, pensar e agir, ou seja, de existir.

Tendo partido do posicionamento crítico defendido por


Vigotski de como a Psicologia vem tratando os processos afetivos,
destacamos sua preocupação metodológica em com preender o caráter
histórico e a maneira como esses se constituem na atividade e
consciência dos sujeitos.
Para tanto, fez-se necessário desvelar o substrato
cartesiano que enraíza a teoria organicista das emoções e nutre
explicações e práticas profissionais nas áreas da Psicologia e da
Educação a propósito dos (des) caminhos percorridos pelas crianças
que não aprendem na escola.
82

Avançamos para a teoria do afeto, na forma como esta foi


talhada por Espinosa no século XVII e nela encontramos alguns
elementos que nos apontaram novas possibilidades para uma explicação
materialista das emoções humanas.
Chegamos, finalmente, a Marx no século XIX não sem
antes ressaltar que este, ainda que não tenha explicitado em sua obra
elementos que tratassem, especificamente, do afetivo, foi o primeiro
que, ao fazer uma análise teórica da natureza social do homem,
ofereceu subsídios para pensarmos a subjetividade humana na sua
determinação histórica e social e, neste território, alicerçarmos novas
considerações sobre a constituição materialista histórica dialética do
afetivo na atividade do sujeito.

2.3.Contribuições da filosofia de M arx para uma perspectiva


materialista histórico dialética do afetivo

Um fundamento da concepção marxiana, é a afirmação de


que “O homem é diretamente um ser da natureza. ” (MARX, 1993, p.249,
grifo do autor), ou ainda, de que “[...] o homem é uma parte da natureza
[...]” (MÁRKUS, 1974a, p.8, tradução nossa). Isso significa pensá-lo
com o um ser objetivo que mantém um intercâm bio com a natureza, a
partir do qual produz e reproduz sua existência.
Os pressupostos naturalistas e materialistas do
pensamento marxiano apontam para o hom em com o um ser finito,
limitado; ou seja, os objetos de suas necessidades – tanto as naturais
com o aquelas determinadas socialmente – existem fora dele. Nas
palavras de Marx:

Um ser, que não tenha a sua nature za f ora de si, não é


nenh um ser natural, não partici pa do ser da nature za. Um
ser, que não tenh a obj ecto f ora de s i, n ão é nenhum ser
objecti vo. Um ser, que não seja el e próprio objecto para
um terceiro s er, nã o tem existênc ia p ara o respectivo
objecto, quer d izer, não p ossui rela ção obj ectiva, o s eu
ser não é o bjectivo. Um ser não-objecti vo é um não-ser.
(MARX, 1993, p.25 0, grifo do autor).
83

O caráter objetivo do ser humano é o que possibilita


pensarmos na sua dependência essencial da natureza, na sua finitude
com o dizia Espinosa ao falar do modo. Os objetos que se encontram
fora dele, por serem objetos reais, são sensíveis, são objetos dos
sentidos ou das próprias sensações.
Isto nos põe a pensar que se o homem tem fora de si os
objetos e sua própria natureza, ele tem que exercer uma atividade para
fazer desses objetos parte do seu ser. “A emoção intensa, a paixão é a
faculdade do homem esforçando-se energicamente por alcançar o seu
objeto. ” (MARX, 1993, p.251, grifo nosso).
Mas para além do pressuposto de ser natural, Marx refere
que o homem “[...] é um ser natural humano [...]” (1993, p.251, grifo do
autor), ou seja, existe uma especificidade que o distingue dos outros
animais. Essa especificidade diz respeito à maneira com o cada um
deles desempenha sua atividade na relação com a natureza.
Não basta dizer que o homem é um ser objetivo, que
mantém com a natureza uma relação de interdependência e que só é
capaz de prover suas necessidades pela interação material com os
objetos naturais, dispondo de um conjunto m uito restrito de
potencialidades e capacidades naturais inscritas em sua estrutura
orgânica.
É preciso dizer que, como um ser natural humano, a sua
humanidade se faz por meio de um processo, tem uma gênese. Assim,
nem a natureza objetiva – os objetos naturais – nem a natureza
subjetiva acontecem pronta e adequadam ente, mas têm um a história.
Que propriedade comporta essa categoria do pensamento
marxiano?
A história de que trata Marx não significa, tão somente, a
transformação das coisas no tempo com base na assertiva de que “tudo
muda sempre”, mas significa, conforme Vigotski (2000b), a história
humana, ou seja, a história como uma dimensão do homem e que é
produção do homem pelo próprio hom em.
Os homens se realizam por m eio da história. Portanto, é a
partir das condições concretas de vida que os m esm os desenvolvem
84

suas propriedades e qualidades humanas. “O homem cria a história e


vive na história já muito antes de conhecer a si mesm o como ser
histórico.” (KOSIK, 2002, p.230).
Mas o que o hom em realiza na história? Por meio dela, o
homem realiza a si mesmo, ou seja, a formação hum ana representa um a
síntese do conjunto de objetos e fenôm enos produzidos pela história
humana.
Existem dois aspectos intercondicionados que
fundamentam o m ovimento da história. O primeiro, já mencionado, é o
fato de que “[...] a história é criada pelo homem [...]”, e o segundo é o
fato de que esta criação se configura com o “continuidade.” (KOSIK,
2002).
A história só é possível à medida que o homem não começa
tudo sempre do princípio, m as o faz a partir dos resultados obtidos
pelas gerações anteriores. E esse princípio legitima o fato de que o
trabalho ou a atividade vital humana pressupõe um a continuidade.
Neste caso, a grande maioria dos conhecimentos e
habilidades hum anas de que o homem dispõe não advém da sua
experiência individual, m as são adquiridos por meio da apropriação da
experiência acumulada pelas gerações passadas, ou seja, é “[...] um
produto histórico [...]” (MÁRKUS, 1974a, p.13, tradução nossa). Essa
atividade que o homem realiza e que, portanto, cria a história e o ser do
homem são objetivações humanas que sintetizam a práxis.
Na filosofia de Espinosa vimos que o conceito de modo –
coisas naturais finitas – define-se por oposição ao conceito de
substância e só pode ser compreendido a partir da sua relação com
esta, com os outros modos da substância ou com as outras coisas
naturais finitas; havendo, portanto, uma dependência causal, o que
indica que as coisas finitas – no caso o homem – deixam de ser
pensadas com o objetos fechados e auto-suficientes para abrirem-se no
seu processo de constituição.
Desta forma, Espinosa afirma que é por m eio de suas
essências, que todas as coisas finitas participam em graus diversos do
85

dinam ism o causal da natureza 71. Essa participação é o fundamento de


toda a sua teoria da afetividade.
Se em Espinosa encontramos parte da explicação
materialista de constituição da subjetividade hum ana na referência que
aquele filósofo faz à dinâm ica dos afetos na relação entre modos e
substância, é em Marx que encontraremos a sustentação materialista
histórico dialética sobre como o ser hum ano constitui sua humanidade –
que inclui os processos afetivos – no interior das relações sociais.

2.3.1. A atividade na formação da subjetividade

Para Marx, a categoria que explica a constituição da


subjetividade é a atividade humana objetiva, ou seja, o trabalho, ou
ainda, a práxis. Kosik (2002) entende que:

[...] a práxis com preende – além do m om ento laborat ivo –


tam bém o m om ento existe nc ia l: ela se m anif esta tanto n a
ativida de obj et iva do hom em , que transf orm a a natureza e
m arca com sentido hum ano os m ateriai s natura is, com o
na f orm ação da subj etividade hum ana, na qu al os
m om entos existenc iais com o a angústia, a náus ea, o
m edo, a alegri a, o riso, a esperan ça etc., nã o se
apresentam com o “experi ência” passiva, m as com o parte
da luta pelo rec onhec im ento, isto é, do proc esso da
realização da liber dade hum ana. (KOSIK, 2 002, p.22 4,
grif o do autor).

Compreender com o Marx qualifica o trabalho – como a


própria atividade vital humana – requer a explicitação de alguns
elementos que constituem, para ele, essa categoria.
O trabalho que superou o nível da atividade instintiva
tornando-se exclusivamente humano transform a aquilo que é dado
natural e não-humano e o adapta às exigências humanas. Isso
pressupõe, fundamentalmente, uma distinção entre atividade humana e
atividade anim al.

71
Destacamos que a categoria de totalidade elaborada na filosofia clássica alemã como um dos
conceitos centrais e que compreende a realidade nas suas leis e conexões internas, foi preanunciada
na filosofia moderna por Espinosa, por meio dos seus conceitos de natura naturans (natura naturante –
Deus) e natura naturata (natura naturada – atributos e modos de Deus). (KOSIK, 2002, p.41).
86

Os seres hum anos passaram a se diferenciar dos animais


quando com eçaram a produzir instrumentos 72. Essa produção, como um
meio para a satisfação das necessidades, ampliou as possibilidades do
fazer humano, dando vida a novas necessidades.
Existe, no caso dos animais, um emprego bastante limitado
dos meios e recursos disponíveis na natureza; estes são utilizados a
partir das suas propriedades físicas, quím icas e/ou mecânicas que
servem à satisfação imediata de suas necessidades, o que faz com que
o anim al tome como objeto de sua vida e de sua atividade um número
muito reduzido de objetos naturais, segundo Márkus (1974b).
Porém, apesar dos limites da sua atividade vital, a busca
pela constante adaptação pode fazer com que um determinado ambiente
promova novas formas de com portam ento animal, entretanto, tudo
aquilo que o anim al produz é unicamente necessário para si ou para
seus filhotes; ele produz apenas numa só direção – de modo unilateral -,
ao passo que o homem produz de modo universal; o anim al produz
unicamente sob a dominação da necessidade física, diferentemente o
homem produz mesmo quando está livre dessa necessidade (MARX,
1993).
Há ainda uma outra particularidade que qualifica e
distingue o desenvolvimento das atividades animal e humana. No caso
do animal, sua atuação imediata e limitada determina um tipo de
“conhecimento”, o animal não mantém relações com nada. “Para o
animal, a sua relação com outros não existe como relação.” (MARX,
2002, p.34). O que isso significa?
Uma vez que o motivo da atividade do animal, ou aquilo
que o im pulsiona à ação coincide com o próprio objeto da ação – aquilo
para o que se dirige a ação –, o objeto jam ais se apresenta para o
animal na sua objetividade e na sua independência com relação a sua
necessidade, m as aparece sempre entrelaçado com essa necessidade.
Nas palavras de Duarte (2004, p.52): “[...] existe na atividade animal

72
Ampliaremos a discussão sobre a função dos instrumentos e signos no desenvolvimento psicológico
humano no próximo capítulo.
87

uma relação direta entre o conteúdo da atividade (o que o animal faz) e


o motivo da atividade (por que o animal realiza essa atividade).”
Se o mundo objetivo não existe, para o anim al, destacado
de suas necessidades, “[...] assim também o próprio animal não existe
com o sujeito, independentemente do seu objeto.” (MÁRKUS, 1974b,
p.49-50). Essa particularidade que conserva o mundo e os objetos
humanos com o estáveis e articulados só pode ser explicada a partir do
trabalho.

O trabalh o é ora transf orm ação da nature za, ora


realização dos d esígnios hum anos na nature za. O
trabalho é proc ed im ento ou aç ão em que de certo m odo
se co nstitui a unida de do hom em e da natureza na ba se
da sua r ecíproca transf orm ação: o hom em se objetiva n o
trabalho, e o o bje to, arrancado do contexto n atura l
orig in al, é m odif icado e elaborado. O ho m em alcança no
trabalho a objetiv ação, e o obj eto é hum anizado. Na
hum anizaç ão da natureza e na objetiv ação (rea lização)
dos s ignif icados, o hom em constitui o mundo hum ano. O
hom em vive no m undo (das própr ias criações e
signif ica dos), enquanto o anim al é atado às con dições
naturais. (KOSIK, 20 02, p.203, grif o do autor).

Portanto, um elemento constitutivo do trabalho é a


objetividade, por meio do trabalho se opera uma dupla intervenção: de
atividade (processo) a resultado (produto). O trabalho só tem um sentido
porque passa da forma de atividade à form a do ser, de movimento à
forma da objetividade, segundo MARX (apud KOSIK, 2002).
Esse caráter objetivo do trabalho – expressão do homem
com o ser prático, com o sujeito objetivo – é o que permite que os
produtos, instrum entos e fenômenos sociais existam independentes da
consciência individual, existam como criações objetivadas e que é
pressuposto da história, condição de continuidade da existência
humana.
Mas essa atividade vital hum ana – o trabalho – por meio da
qual o ser hum ano produz e reproduz sua existência ao longo da história
não tem, apenas, implicações objetivas, mas também subjetivas.
O fato de o ser humano objetivar-se nos produtos e
fenômenos sociais pressupõe, conforme Márkus (1974b), um a
88

coexistência essencial entre a acum ulação de riqueza material por um


lado e a correspondente acum ulação de capacidades 73 humanas por
outro.
Se isso não ocorre é porque está em jogo um outro
fenômeno social: a alienação 74, posto que na relação entre a
universalidade do homem, expressa nas objetivações sociais – o gênero
–, e a particular condição de vida de cada sujeito habita uma com plexa
dinâm ica que, por vezes, se constitui em barreiras externas, em forças
estranhas que bloqueiam o desenvolvimento de sua personalidade.
Isto significa que, para o sujeito se utilizar dos objetos ou
instrumentos humanos historicam ente constituídos, ele tem que
desenvolver, em si, as qualidades humanas que estão postas naquela
objetivação social, ele tem que se “[...] apropriar desses produtos do
trabalho.” (MÁRKUS, 1974a, p.13, tradução nossa, grifo do autor).
Desta form a, a especificidade da atividade humana reside
em que, ao transformar os objetos da natureza para o atendimento às
suas necessidades, o homem além de transformar a natureza exterior
transforma, também e ao mesmo tempo, sua natureza interior.
Este processo – de apropriação e objetivação dos objetos
humanos – representa uma possibilidade de transformação nos modos
de pensar e sentir do sujeito e, ao tocar na questão das necessidades
humanas, contribui para a explicação de como se constitui o afetivo na
atividade do sujeito, objeto deste estudo.
Em relação às necessidades humanas, Márkus (1974b)
argumenta que é um equívoco, um a deformação, tanto quanto um err o
de interpretação burguesa, a tese segundo a qual nas suas análises

73
Encontramos algumas definições para o termo capacidade: Em Márkus (1974b, p.54) “a capacidade
de produzir um objeto significa assimilar uma forma de agir que contém tanto o instrumento quanto o
objeto e na conexão necessária à realização da finalidade desejada. A capacidade aparece como
transposição de certas conexões e interações objetivas para a atividade do sujeito, a qual,
naturalmente, corresponde às leis de funcionamento do organismo e dos órgãos humanos.”
Abrantes & Martins (2006) entendem por “capacidade a expressão de um dinâmico processo que se
produz na atividade social para dar respostas a necessidades também produzidas socialmente” e,
citando Teplov (apud ABRANTES & MARTINS, 2006) “[...] a capacidade existe somente no estado de
evolução, nós não devemos esquecer que esta evolução não pode se realizar de outro modo senão no
processo de uma atividade qualquer, prática ou teórica [...] que a capacidade não pode aparecer fora
de uma atividade concreta adequada.” (TEPLOV, 1966, p. 215 grifos do autor, tradução nossa)
74
Voltaremos a tratar deste fenômeno mais adiante, no item que versa sobre a subjetividade em Marx.
89

Marx tenha partido do conceito de homem como ser dotado de


necessidades naturais, expresso em afirmações do tipo:

A presença dessa necessidade d o hom em é a presença


de um a f orça substanc ial, de um a intenc io na lidad e
f undam ental de onde o hom em se f ormou, a pres ença de
um dinamismo inato que conserva em vida o s er d el e.
(CALVEZ (1 956) apud MÁRKUS, 1974b, p.50, grif o
nosso).

A contra-argum entação de Márkus (1974b) a essa idéia


está, principalmente, no fato de que, tanto nos Manuscritos (1844)
quanto na Ideologia Alemã (1846), o ponto de partida da consideração
histórica do homem vincula-se à atividade que este dirige para a
satisfação dessas reais necessidades e que, ao fazê-lo, cria novas
necessidades.

[...] a prim eira necessidade s atisf eita, a açã o de


satisf azê-l a e o instrum ento já adquirid o dessa sat isf ação,
condu z a nov as necessi dades - e esta produção de novas
necess idade s é o prim eiro ato histór ico. (MARX, 2002,
p.32)

Portanto, pensar na concepção marxiana de homem como


um ser dotado de necessidades que se esgota na relação hom em-
natureza, perdendo de vista a determinação histórica das necessidades
humanas, significa reduzir o enunciado de Marx de que é o trabalho que
forma a “essência” do hom em. (MÁRKUS, 1974b).
Além disso, olhar para o homem como um ser dotado de
necessidades naturais, com uma tendência, uma intencionalidade ou um
dinam ism o causal intrínseco dá sustentação à idéia cartesiana de um
núcleo representativo da alma humana como substância independente,
pré-existente e possuidora de faculdades específicas, contra a qual
Espinosa reagiu categoricam ente, afirmando que a alma se constitui ou
existe, tão-som ente, a partir da relação com o objeto do conhecimento
ou com aquilo que a afeta.
O trabalho é em Marx, necessariam ente, aquilo que form a a
essência humana, pois como atividade mediada se dirige para a
90

satisfação de necessidades por m eio da produção de instrumentos cada


vez mais complexos e ampliados.
Assim posto, para que o sujeito possa atender suas
necessidades – naturais e ou socialmente determinadas – deverá se
apropriar desses objetos sociais e, portanto, desenvolver capacidades e
habilidades especificamente humanas. Essa “[...] apropriação do objeto
significa apropriação da força essencial do hom em que se tornou
objetiva.” (MÁRKUS, 1974b, p.53, grifo nosso).
Desta forma, apropriar-se das objetivações humanas
implica tam bém reproduzir essas forças essenciais que estão postas –
cristalizadas – nos objetos, o que inclui dentre outros, a vivência afetiva
que se interpõe entre o sujeito e aquilo que o afeta, no caso as
objetivações hum anas.
Contrapondo a idéia do ser não-sensível ou apenas
pensado, idealizado, à idéia do ser objetivo, Marx (1993) reitera que:

Ser sensível, quer di zer, ser real, é ser objecto dos


sentidos, ser obj ect o sensíve l, e assi m ter fora de si
objectos s ensíveis, objectos das próprias sensações. Ser
sensíve l é sofrer. O hom em , com o ser sensível object ivo,
é um ser que sofre e, p orqu e sente seu sof rim ento, um
ser impulsivo. A em oção inten sa, a pa ix ão é a f aculd ade
do h om em esf orçando-se energ ic am ente por alcançar o
seu objeto. (MARX, 1993, p.2 50-251, grif o do autor).

Não por acaso, a utilização repetida da últim a frase dest a


citação pretende afirmar três idéias; a primeira de que não tendo em-si
mesmo o objeto que atende às suas necessidades, o sujeito deve
encontrá-lo fora de si, o que implica na sua existência real.
A segunda, de que por ser real e sensível, esse objeto
afeta, produzindo sensações, por isso Marx afirma que ser sensível é
sofrer 75 - ou “ser objeto de”. E, finalmente, a terceira propondo que a
emoção intensa, a paixão, segundo o próprio Marx, acontece nesta
dinâm ica – “esforçando-se” –, que envolve o sujeito dirigindo-se para
alcançar o objeto.

75
“Experimentar com resignação e paciência, suportar, tolerar, agüentar, passar por, experimentar;
ser objeto de.” (HOUAISS, 2007, p.2598).
91

Na relação, na afetação, nas sensações, ações ou efeitos


que um outro ser exerce sobre o sujeito é que se dá o processo de
constituição histórica dos sentidos, qualidades e capacidades hum anas.
Nesse sentido a práxis – como unidade do homem e do
mundo, da matéria e do espírito, de sujeito e objeto – é um fenômeno
que se articula com todo o hom em e o determina na sua totalidade
(KOSIK, 2002, p.223).
Daí que explicar a natureza hum ana afirmando que o
homem é um ser que trabalha – um ser da práxis – um ser universal,
não esgota e, por isso mesmo, implica uma outra categoria do
pensamento marxiano: a socialidade.

2.3.2. A socialidade na formação da subjetividade

Intrincada na categoria trabalho está a socialidade que, em


Marx, pressupõe pensar o homem como ser genérico, um ser social e
com unitário. Contudo, não é tão simples como parece explicar essa
categoria que atravessa e constitui a formação hum ana.
Em primeiro lugar tem os que advertir contra a idéia de uma
socialidade extrínseca que, simplesmente, coloca o homem frente às
condições sociais fazendo parecer que estas exercem sobre ele um a
pressão externa determinando sua personalidade. Não é esse o caráter
da socialidade referido por Marx.
Ele afirma a socialidade como núcleo da personalidade
quando propõe que o indivíduo só constitui sua hum anidade à medida
que se apropria das necessidades, capacidades e aptidões humanas
que não se encontram nele m esmo, mas fixadas nos objetos,
instrumentos e processos sociais produzidos pelas gerações anteriores.
Portanto, a manifestação da sua percepção e discriminação
das cores, das formas, dos sons, sua linguagem e fala, sua m aneira de
pensar, de agir, seus sentimentos e emoções, enfim, quando o sujeito
expressa os traços característicos da sua individualidade, ele está
manifestando a sua vida social.
92

São as condições histórico-sociais concretas de vida de


cada sujeito que, depois de apropriadas, se convertem em elem entos e
traços essenciais da sua personalidade.

O hom em – m uito em bora se revele assim com o indiví duo


particular, e é prec isam ente esta part icular id ade q ue f az
dele um indivíduo e um ser com unal indiv id ua l – é de
igual m odo a totalidade, a totalidade ideal, a exist ência
subject iva da soc iedade en qua nto pen sada e sent id a.
(MARX, 1993, p.19 6, grifo do autor).

Há um aspecto que tangencia a socialidade no homem e


que nos rem ete a um modo de pensar a sensibilidade humana por Marx.
Ao se apropriar do objeto, o sujeito dispõe de uma “dupla
mediação” (MÁRKUS, 1974b, p.63). Por um lado, quando o sujeito se
relaciona com os objetos ele está, ainda que de form a não consciente,
se relacionando com a história de evolução daquele objeto social, ou
com o grau de desenvolvimento alcançado pela consciência social. Por
outro, “[...] seu desenvolvimento individual é mediatizado pela atividade
humana em sua f orma principal e indivisa, ou seja, pela atividade de
trabalho. ” (MÁRKUS, 1974b, p.63-64, grifo do autor).
Essa mediação, por meio da atividade humana, marca um
tipo de relação com o objeto que parece 76 ser inteiramente imediata: a
sensibilidade.
As maneiras de se relacionar com os objetos do mundo
exterior não permanecem sempre do mesm o jeito ou no mesmo nível,
elas são históricas, portanto vão se transformando à medida que os
objetos vão adquirindo aspectos, características e propriedades mais
ampliadas no interior da atividade social, dando a entender que o
indivíduo se apropria de um a “[...] imagem cada vez mais concreta e
com plexa do próprio objeto [...]” (MÁRKUS, 1974b, p.65).
Neste processo, mesmo quando o sujeito percebe apenas o
objeto, esta percepção, está condicionada pelo desenvolvimento da
sensibilidade humana, que conduz o objeto do unilateral-abstrato ao

76
Aparência no sentido marxiano do termo, aquilo que denota uma análise parcial, unilateral,
encobrindo as múltiplas determinações dos fenômenos.
93

concreto 77. Ou seja, somos capazes de perceber diferentemente em


situações sociais e condições psíquicas muito particulares.
Lem brando que, para Marx (apud MÁRKUS, 1974b, p.60), a
sensibilidade “[...] é sem pre um processo que segue um a direção
precisa, com vistas ao desenvolvimento da ‘hum anização dos sentidos’,
o homem, diz ele, “deve aprender a ver, a sentir, etc...”
Qual o efeito dessa análise – sobre o condicionam ento
histórico da sensibilidade – para a compreensão do afetivo e sua
constituição na atividade do sujeito?
Essa indagação recupera dois aspectos já esboçados na
filosofia de Espinosa. O prim eiro deles é que, no pensam ento
espinosista havia um alerta sobre o risco de se confiar na
sensorialidade humana com o estratégia de conhecimento, advertindo
que a percepção sensorial pode nos levar a construção de uma imagem
ou um a idéia inadequada, a qual indica um conhecimento parcial da
realidade, que produz no sujeito aquilo que o filósofo denom ina não
com o erro, mas como um distanciam ento, uma separação entre a parte e
o todo, característica da abstração.
Segundo Espinosa, a imagem é verdadeira enquanto
imagem, mas é falsa enquanto idéia o que mais uma vez indica que,
para ele, a razão é o instrumento para se alcançar o conhecimento
verdadeiro – aquele que pressupõe as causas e leis dos fenômenos.
A concepção marxiana, supera esse princípio admitindo
que a hum anidade se constitui com o tal no sujeito, quando ele percorre
um processo – histórico – de aprender a ver, sentir..., o que só acontece
em condições concretas, historicamente datadas.
Sem negar a parcialidade que caracteriza, num primeiro
momento, os objetos e f enôm enos com os quais o sujeito se relaciona, o
fato é que o desenvolvimento das suas qualidades humanas pressupõe

77
Para um aprofundamento acerca dos conceitos de conhecimento concreto e empírico, ver KOPNIN,
P.V. A dialética como lógica e teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.;
capítulo III: O Pensamento: objeto da lógica dialética, páginas 121 a 182.
94

a incorporação por superação da percepção sensorial como um


elemento que perfaz a consciência 78.
Encontramos uma argumentação consistente sobre a
historicidade da consciência nas Teses sobre Feuerbach, em que Marx
(2002) apresenta uma crítica ao materialismo mecanicista então vigente,
apontando suas insuficiências. Em sua análise conclui que Feuerbach
apreende a realidade hum ana com o objeto do conhecimento sensível do
homem, “[...] mas não toma o mundo sensível como atividade humana
sensível, práxis, não subjetivamente.” (MARX, 2002, p.107, grifo do
autor).
Logo não basta, para Marx, afirmar que os homens são
produtos das circunstâncias, mas evidenciar que as circunstâncias são
transformadas pelos próprios homens e que, portanto a atividade prática
é a base do conhecimento hum ano (LEONTIEV, 1978b).
O limite de Espinosa é, portanto, não contemplar o caráter
histórico dos sentidos humanos, os quais se desenvolvem na base da
atividade hum ana sensível prática.
O segundo aspecto, referido por Márkus (1974b, p.60), diz
que: “[...] o resultado de seu esforço, m esm o antes de iniciar-se esse
processo, já está assinalado – com o uma tarefa a realizar [...]”
Com essa afirm ação o autor re-apresenta a idéia marxiana
de que, na trajetória histórica de constituição da realidade social
humana, o homem investiu um esforço necessário na realização das
objetivações que aí estão, ficando para o indivíduo particular a tarefa de
(re) produzir esse esforço no momento da sua apropriação. “O homem
deve se apropriar do mundo não apenas em sua atividade material, mas
também em sua atividade espiritual. ” (MÁRKUS, 1974b, p.60, grifo
nosso).
Se retornarmos à teoria dos afetos em Espinosa, veremos
que esse filósofo concorda que, para ser afeto tem que movimentar as
potências de pensar e de agir, o que resulta num esforço do sujeito em
função daquilo que o afeta.

78
Leontiev aprofunda esta discussão no seu livro Actividad, conciencia y personalidad, - no capítulo IV,
item 2 quando trata da trama sensorial da consciência – páginas 105 a 110.
95

Mas o que significa essa potência?


Dado que as coisas finitas – modos – não existem de forma
isolada, são situadas no mundo e só podem existir com o concurso de
outras que favorecem ou não o pleno exercício de sua potência, todas
essas coisas participam, em graus diversos, do dinamismo da realidade,
produzindo efeitos.
Portanto é a relação, o em bate, a interação entre as
diferentes coisas finitas que potencializa ou não esse esforço
empregado pelo sujeito para aumentar sua capacidade de agir – para
perseverar no seu ser.
O embate entre as diferentes potências produz efeitos,
afetações. Essa produção de ef eitos acontece conforme o grau de
potência de cada ser que luta para preservar sua vitalidade.
Por meio desta análise podemos aproximar os conceitos de
79
capacidade e potência, alegando que às form as como o sujeito é
afetado pelos objetos sociais – o tipo de conhecimento que cerca esse
objeto, e/ou as relações que o mesmo mantém com o universo do sujeito
condicionando sua vontade – corresponderá uma maneira singular de
manifestar seu esforço e de realizar sua atividade.
É, portanto, a atividade que possibilita a objetivação do
esforço ou desejo (conatus) na forma de capacidades/potência. A
atividade é condição para a aparição do desejo 80 em maior ou menor
grau, elemento vertebrador da apropriação.

Todas as suas relações hu mana s ao m undo – visã o,


audição, olf acto, gosto, percepç ão, pen sam ento,
observação, s ensa ção, vonta de, act iv id ade, am or – em
sum a, todos os órgãos da sua indiv idualidade [...] são no
seu com portam ento objectivo ou no se u comportamento
perante o objecto a apropriação do sob redito objecto, a
apropr iaç ão da reali dade hu man a. (MARX, 1993, p.197,
grif o do autor).

79
Vide nota de rodapé na página 88 deste trabalho.
80
Conforme afirma Espinosa no livro IV da Ética: “O desejo, forma afetiva do conatus, é a própria
essência do homem enquanto se põe a agir em decorrência de uma afecção que o determina neste
ou naquele sentido.” (CHAUÍ, 1999, p.50).
96

Por meio dessas proposições, avançamos na compreensão


de um outro elemento que, para além do caráter histórico do
conhecim ento humano, contribui para explicar o afetivo no pensam ento
vigotskiano: o de que se os afetos são gerados nos encontros com o
outro, são as relações sociais que definem e potencializam os sujeitos
para a ação e, pela via da apropriação, para a formação da sua
humanidade ou, ao contrário, para a submissão que im pede esse
processo.
Encontramos em Sawaia referência à filosofia de Espinosa
na análise que a autora faz sobre a categoria afetividade como
ferramenta para a discussão da inclusão/exclusão. Diz ela:

[...] as paixões tris tes dim inuem nossa capacidad e d e


ação, o que s e revela n a f orm a de subm issão aos o utros
ou de rev olta; j á as ale gres aum entam nossa pot ênc ia de
agir, f ortalecendo a vontade de estar c om os outros, de
com partilh ar e de se af irm ar com o pessoa. Daí a sua
af irm ação de qu e as em oções constitue m a base d a ét ica,
da sabed oria e da potência de aç ão c on tra a serv idã o, a
tiran ia, a ignorânc ia e a superstiç ão, com bate que é
condiçã o da ação coletiva dem ocrática. (SAW AIA, 2003,
p.59, grif o nosso).

Temos agora, pela frente, a tarefa de identificar como se


constitui a consciência e quais são os aspectos que contribuem para
desvelar a essência da subjetividade em Marx e que inclui o afetivo no
conjunto da sua obra.

2.3.3. A consciência na formação da subjetividade

Qual é o fundam ento da afirmação de que o hom em faz da


atividade vital o objeto da vontade e da consciência. Possui um a
atividade vital consciente? (MÁRKUS, 1974a).
Essa interrogação m erece algumas considerações
orientadoras da nossa discussão.
A prim eira delas é que, tendo se dedicado a explicar a
relação entre as f ormas de vida m aterial e a formação do ser do homem,
97

centrando na materialidade o núcleo duro da sua teoria, Marx 81 destaca


o caráter histórico da consciência.
A segunda consideração, que decorre da primeira, é que
por considerá-la um sistema de conhecim entos historicamente
constituído, ele nega a concepção de consciência com o algo etéreo,
com o um conjunto de faculdades específicas e inerentes ao sujeito que
regulam e orientam sua conduta.

O m odo com o a con sciê nc ia é e c om o al go para ela existe


é o c onh ecer. O c onhecer c onstitui o seu ún ico ato. Algo
existe, portant o, par a a c onsciência, na m edida em que
ela co nhece este al go. O conh ecer é a sua ún ica re laç ão
objetiv a. (MARX, 19 93, p.252, grif os do original).

Estamos, assim, diante de mais um elemento que nos


permite aproxim ar o pensamento m arxiano da filosofia de Espinosa
naquilo que ambos entendem por consciência. Em Espinosa 82, apesar da
não utilização desse term o, o significado que o vocábulo alma assum e
em sua teoria indica que, para ele, a essência da alma é definida por
aquilo que ela conhece. Dentre outras proposições 83 ele afirma que:

Tudo o qu e acontece no obj eto d a i déi a que const itui a


al ma humana deve ser perc ebido pela alma human a; p or
outras pa lavr as: a idéia dessa cois a ex istir á
necess ariamente na alma; isto é, se o o bjeto dessa idéia
que const itui a alma hu ma na é u m corpo, na da poderá
acontecer nesse corpo que não seja perceb ido pe la alma.
(ESPI NOSA, 200 4, p.234, parte II, pro p. XII, grif o do
autor).

Por essas afirmações vemos, uma vez m ais, a tentativa de


Espinosa de explicar a natureza da alma hum ana por meio da relação
que esta estabelece com os objetos.

81
Na opinião de Marx, “é a história da indústria, da produção, que permite explicar a “essência” do
homem, o conjunto de suas faculdades, e entre essas, a consciência”. Diz Marx (apud MÁRKUS,
1974b, p.57): “Ve-se como a história da indústria e a existência objetiva já formada da indústria são o
livro aberto das forças essenciais do homem, a psicologia humana, presente a nossos olhos de modo
sensível. Essa história da indústria foi até hoje entendida não em sua conexão com o ser do homem,
mas sempre numa relação meramente exterior de utilidade...”
82
Na parte II da Ética Espinosa dispõe sobre a natureza e a origem da alma ( 2004, p. 221-272).
83
Vide tópico 2.2.1: A relação corpo-alma. In: Contribuições da filosofia de Espinosa para uma
perspectiva materialista do afetivo, páginas 65-70.
98

O caminho teórico percorrido por Marx pressupõe que a


essência da consciência se faz por meio do conhecimento 84. Se a
realidade hum anizada é condição objetiva para que o homem se
aproprie da humanidade constituída pelo gênero hum ano, “[...] a
condição subjetiva desse processo, em troca, reside no desenvolvimento
e no aperfeiçoamento da consciência humana. ” (MÁRKUS, 1974b, p.58,
grifo nosso), que faz dela, em todas as suas form as, “um a atividade
decisivamente voltada para a apropriação da natureza.” (idem, p.59).
O que precisamos aclarar é que, se a consciência é, por
definição, um sistema de conhecimentos temos que considerar seu
desenvolvimento ao longo de um processo, uma vez que ela não é “algo
que já está dentro” do sujeito, m as é resultado de sua atividade no
mundo objetivo.
Quanto mais o ser humano amplia e elabora sua atividade,
mais ele lida com os objetos e fenômenos da realidade como objeto
alheio a ele e, neste processo, vai estruturando sua consciência,
desenvolvendo-a a partir das condições materiais, sociais e culturais
concretas em que vive. “A consciência pressupõe sempre uma atitude
cognoscitiva com respeito a um objeto que se encontra fora da própria
consciência.” (RUBINSTEIN, 1965, p.369, tradução nossa, grifo do autor).
A explicação, já anunciada por Espinosa, acerca do vínculo
afecção-afeto que explicita a relação sujeito-objeto, dado que à ação do
objeto sobre o sujeito (affectio) conduz, necessariamente, a uma ação
do sujeito sobre esse mesmo objeto constituindo o afeto (affectus),
aponta para o primado do desenvolvimento da consciência na Psicologia
Histórico-Cultural.
Com isso, reiteram os que a consciência é, primariamente,
um entrar em conhecimento com o mundo objetivo. Contudo, ela é,
também, conhecimento do sujeito; nós conhecemos a partir da
percepção que tem os do outro e dos objetos.

84
A teoria materialista dialética do reflexo define conhecimento como um reflexo do mundo como
realidade objetiva: a sensação, a percepção, a consciência, são a imagem do mundo exterior.
(RUBINSTEIN, 1965). Este aspecto será aprofundado no item sobre o reflexo psíquico da realidade.
99

Todavia, o conteúdo da consciência não é só exógeno, não


faz referência apenas a objetos naturais. Por meio do desenvolvimento
da consciência som os capazes de analisar objetos externos, tanto
quanto nos tornamos objetos de nossa própria análise. Rubinstein
(1965) afirma que:

No p lan o ps icológi co, a consc iê nc ia aparece, antes d e


tudo, com o um processo gr aças ao qua l o hom em adquire
consc iência do m undo circund ante e de si m esm o. O
adqu ir ir consc iência de algo, pressupõe de m odo
necess ário certo co njunto de conhec im entos com o qual
se rela ciona ou que nos rode ia e então é apreendido pela
consc iência [...] Que o hom em possua c onsciênci a
signif ica, com propried ade, qu e no d ec urso da vida, d a
com unicaç ão, da aprendizagem , se tem f orm ado no
hom em tal conjunto (ou sistem a) de conhec im entos m ais
ou m enos general izados e objet iva dos na palavra, que
graças a eles pode o hom em adquir ir consci ênc ia do qu e
o rodeia e d e si m esm o entrando em conhecim ento dos
f enôm enos da realid ade através de sua correlação com os
conhe cim entos aludidos. 85 (RUBINSTEI N, 1965, p.373,
tradução noss a, grif o do autor).

Do ponto de vista do desenvolvimento da consciência, a


análise prevê ainda dois aspectos indissociáveis: o ser consciente e o
ter consciência. Naquilo que se refere ao homem no curso de seu
desenvolvimento, o ser consciente significa que o sujeito que dispuser
de um sistema psíquico vai dotar-se de consciência porque esta se
estabelece a partir da relação entre homem e natureza.
Porém, a consciência do sujeito – ontológica – se
concretiza sob determinadas condições sociais. O ter consciência
depende, fundamentalmente, da conexão entre as condições sociais
objetivas de vida e a história ativa de cada sujeito; esta relação é o que

85
No original: “En el plano psicológico, la conciencia aparece, ante todo, como um proceso gracias al
cual el hombre adquiere conciencia del mundo circundante y de si mismo. El adquirir conciencia de
algo, presupone de modo necesario cierto conjunto de conocimientos com el cual se relaciona lo que
nos rodea y entonces es aprehendido por la conciencia [...] El que el hombre posea conciencia
significa, en propiedad, que en le decurso de la vida, de la comunicación, del aprendizage, se ha
formado en el hombre tal conjunto (o sistema) de conocimientos más o menos generalizados y
objetivados en la palabra, que gracias a ellos puede el hombre adquirir conciencia de lo que le rodea
y de si mismo entrando en conocimiento de los fenómenos de la realidad a través de su correlación
con los conocimientos aludidos.”
100

condiciona a estruturação da consciência individual. Rubinstein (1965)


acrescenta que:

[...] o ter ou nã o cons ci ência de uns d eterm inados


f enôm enos e coisas depe nde da “f orça” destes últ im os,
signif ica adm itir que o f ato de ter (ou não ter) consciênci a
de um f enôm eno depen de não som ente do sab er que
perm ite entrar em conhec im ento do objeto ou fenôm eno
dado, m as além disso, da atitude q ue este objeto o u
f enôm eno provoquem no sujeito. A isso se devem as
interre lações c ontra ditórias, pr of undas e, por su a vez,
antagônicas que ex istem entre o ter consc iência e a
af etividade. 86 (RUBI NSTEI N, 19 65, p.377, tradução nossa,
grif o do autor).

Na filosofia de Espinosa encontramos um a analogia quanto


à interpretação que ele faz do termo “idéia”. Segundo ele ser idéia
corresponde à natureza de nossa própria alm a – “a alma é idéia do
corpo” – e, portanto, prevê a existência da mente ou alma com o força
para ser idéia, como um modo. No caso do ter idéia, esta é concebida
com o um conceito que nossa mente forma – ter idéia de ou sobre
algum a coisa e que traz, em si, um afeto, um desejo.
Mas, para além da caracterização cognoscitiva da
consciência, é fundamental que se explique sua outra dimensão: a
teleológica 87.

Na caract eri zação do ser-consc ient e hum ano Marx


pressupõe sem pre a intenciona lidad e do m esm o. A
consc iência é cons ciênci a de a lgo, tem um a orientação
objetual. Por um a parte, a cons ciênc ia aparece com o
“reproduç ão intelect ual” da realid ade, com o conhecimento
do m undo circun dante, do hom em nele, do sujeit o
m aterial ativ o m esmo [...] Por outro lad o, a consciên ci a
aparec e com o a “produção espiritual” dos f ins, dos ideais,
as id éias e os va lores que s e rea liz am por m eio da

86
No original: “[...] el tener o no conciencia de unos determinados fenômenos y cosas depende de la
“fuerza” de estos últimos, significa admitir que el hecho de tener (o no tener) conciencia de un
fenômeno depende no sólo del saber que permite entrar en conocimiento del objeto o fenômeno
dados, sino además, de la actitud que este objeto o fenômeno provoquen en el sujeto. A ello se
deben las interrelaciones contradictorias, profundas y, a la vez, antagónicas que existen entre el tener
conciencia y la afectividad.”
87
Nos reportamos a Adolfo Sánchez Vázquez (2007, p. 221 – 225) na distinção dessas duas formas
de expressão da atividade consciente: cognoscitiva e teleológica.
101

ativida de. 88 (MÁRKUS, 1974a, p.35-3 6, tradução nossa,


grif o do autor).

A intencionalidade, tanto quanto a cognição – enquanto


traços constitutivos da consciência humana – têm seu fundamento no
trabalho humano; o trabalho engendra o ser consciente porque tendo
com o princípio a objetividade, oferece ao homem a possibilidade de
transformar os objetos reais em objetos ideais – idéias –, em
conhecim ento.
Essa dupla dimensão da consciência – conhecim ento e
intencionalidade – não é separável, ao contrário, uma comporta a outra,
e ambas são o fundamento da atividade humana que, ao final, determina
o ser homem, a sua humanidade.
A dimensão teleológica 89, ou de intencionalidade aponta
para os fins e motivos, para o vir-a-ser da atividade humana. O que
revela que a consciência humana não se faz, apenas, pelo conhecer,
mas esse conhecimento inclui, necessariam ente, uma transformação 90.
Para o materialism o histórico dialético a atividade humana
– o trabalho – só acontece mediante a possibilidade de “[...]
contraposição e comparação do objetivo enquanto im agem ideal da
forma desejada do objeto com a coisa objetiva atualmente presente,
percebida [...]” (MÁRKUS, 1974a, p.35, tradução nossa, grifo do autor),
quando a atividade humana se converte em atividade dirigida e
controlada por um fim.

88
No original: “En la caracterización del ser-conciente humano Marx presupone siempre la
intencionalidad del mismo. La conciencia es conciencia de algo, tiene uma orientación objetual. Por
uma parte, la conciencia parece como ‘reproducción intelectual’ de la realidad, como conocimiento del
mundo circundante, del hombre em él, del sujeto material activo mismo [...] Por outra parte, la
conciencia aparece como la ‘producción espiritual’ de los fines, los ideales, las ideas y los valores que
se realizan por medio de la actividad.”
89
Teleologia significa “qualquer doutrina que identifica a presença de metas, fins ou objetivos últimos
guiando a natureza e a humanidade, considerando a finalidade como o princípio explicativo
fundamental na organização e nas transformações de todos os seres da realidade, finalismo.”
(HOUAISS, 2007, p.2687).
90
MÁRKUS cita uma passagem em que Marx – na sua obra máxima; O capital – expressa essa
dimensão da consciência. Diz ele: “Ao final do processo de trabalho aparece um resultado que estava
já presente ao princípio do mesmo na representação do trabalhador, ou seja, que estava já presente
idealmente ao começo do trabalho. O trabalhador não se limita a atuar uma transformação do natural;
ao mesmo tempo realiza no natural um fim por ele sabido, um fim que determina como lei o modo e o
tipo de seu fazer e ao qual tem que subordinar sua vontade.” (MÁRKUS, 1974a, p.46, tradução nossa).
102

A possibilidade dessa relação entre indivíduo e realidade


objetiva é o que determina, na consciência, como elementos subjetivos
“os desejos humanos, os fins e as necessidades, o mundo interior
emocional e intelectual do homem.” (MÁRKUS, 1974a, p.35, grifo
nosso).
Vale ressaltar que os aspectos cognitivo e teleológico da
consciência, mesmo operando em unidade, por si só, não produzem
transformações na realidade social. A atividade consciente é de
natureza teórica, faz parte do funcionamento psicológico do sujeito, mas
com o tal, não é uma atividade objetiva.
Por isso o empenho dos autores da abordagem Histórico-
Cultural em assinalar que a unidade consciência – atividade é central na
com preensão da natureza do psíquico. “Este princípio sustenta que o
homem e seu psiquismo não som ente se manifestam, mas que na
realidade se formam na atividade, inicialmente na atividade prática.”
(SHUARE, 1990, p.112, tradução nossa).

2.3.4. A subjetividade em Marx

Coerente com sua proposta de apreender a essência


humana a partir da totalidade das relações econômicas, sociais e
políticas que sustentam um a determinada forma de organização social –
a sociedade capitalista – Marx analisa, nos Manuscritos Econômico-
filosóficos de 1844, o trabalho alienado.
Nessa obra, ele destaca a alienação como atitude
subjetiva, que “[...] consiste no não reconhecimento, pelo hom em, de si
mesmo, seja em seus produtos, seja em sua atividade, seja, ainda, nos
outros homens.” (SAVIANI, 2004, p.34). Muito em bora, no trabalho
alienado também se faça, necessariamente, presente o caráter objetivo
– aquele que ao mesm o tempo em que produz e valoriza o mundo das
mercadorias “humanizando-as”, “coisifica” os hom ens, produzindo o
operário como mercadoria.
A preocupação de nos voltarm os para a temática da
alienação num trabalho que toma como objeto os processos afetivos na
103

atividade do sujeito se sustenta no fato de que a produção social não


produz apenas objetos, mas também necessidades e desejos para esses
objetos.
Fundadas sobre a base econômica, as relações alienadas
acontecem em diferentes espaços sociais nos quais o sujeito pratica sua
atividade, determinando, assim, um tipo de conhecimento entre homem
e mundo que traz a marca de um afeto, conformando sua consciência e,
conseqüentemente, sua subjetividade.
Refletir sobre alienação, implica pensar no abismo
existente, na sociedade capitalista contem porânea, entre o progresso
alcançado pelo conjunto da sociedade – gênero humano – e a situação e
o desenvolvim ento de cada indivíduo em particular.
A mesma atividade que humaniza é também, e
concretamente, uma forma de alienar, distanciar, degenerar ou ainda
impossibilitar o desenvolvimento das máximas qualidades hum anas.
O que acontece ao longo desse processo que inverte o
sentido da humanização?

A alienação do trabalhador no seu produto s ignif ica não


só que o trabalho s e transf orm a em objeto, assum e um a
existê nc ia ext erna, m as que existe in dependentem ente,
fora dele e a e le est ranho, e se torna u m poder autô nom o
em oposição com ele; que a vida que deu ao objeto s e
torna um a f orça hos til e antag ônica. (MARX, 19 93, p. 160,
grif o do autor).

A alienação não se traduz, apenas, por um distanciam ento


entre trabalhador e produto do trabalho, mas também pela relação do
trabalhador com sua própria atividade com o algum a coisa estranha, que
não lhe pertence, essa atividade passa a ser vivenciada com o
sofrimento, passividade, a força como impotência.

[...] a própr ia energia f ísica e m ental própria do


trabalhad or, a sua v ida pe ssoal – e o q ue é a v ida senã o
activ id ade? – c om o um a ativi dade d ir igida contra ele,
independe nte del e, que não l he perten ce. Tal é a auto-
al ien ação, em contraposição c om a acim a ref erida
al ien ação da coisa. ( MARX, 1993, p.163, grif o do autor).
104

Marx considera que se o homem não se reconhece no seu


produto de trabalho, tanto quanto nas formas com o desenvolve sua
atividade de produção, por conseguinte essa alienação também se faz
na relação do indivíduo para com o gênero hum ano. “Aliena do homem o
próprio corpo, bem como a natureza externa, a sua vida intelectual, a
sua vida humana.” (MARX, 1993, p.166, grifo do autor).
Esse estado de coisas se realiza sob determinadas
condições histórico-sociais e o homem, neste processo de
desumanização, ao perder o domínio sobre aquilo que ele mesm o
construiu, passa da condição de sujeito à condição de objeto,
desenvolvendo uma subjetividade cindida, deform ada, assujeitada. Daí a
com preensão do trabalho alienado como uma atividade que unilateraliza
e deforma o indivíduo e que, portanto, é tão som ente a aparência de
uma atividade.
Esse conhecimento unilateral, que impede o sujeito de s e
apropriar da totalidade dos elementos que configuram a realidade
humana e social na qual ele vive e pratica seu trabalho, acentua a
distância entre os motivos que dão origem e a atividade que o m esmo
desempenha – trabalho alienado – determinando ef eitos/conhecimentos
geradores de afetos passivos.
Assim posto, recorremos à afirmação marxiana de que o
homem é um ser social e, como tal, constitui suas idéias e seus modos
de sentir a partir da materialidade. Se a essência humana é definida
pelo conjunto das relações sociais, a subjetividade só pode ser pensada
a partir da intersubjetividade (SAVIANI, 2004), o que significa que o
indivíduo só poderá constituir-se homem e sujeito dos seus próprios
atos, nas relações com os outros homens.
Contudo, tanto a Psicologia quanto a Educação vem
demonstrando certa dificuldade na consideração das relações sociais no
interior de suas concepções teórico-práticas. A Psicologia ao reduzir
suas análises e intervenções ao âm bito do sujeito isolado, tem levado
psicólogos e educadores a compreenderem o fenôm eno psicológico a
partir de uma idéia de natureza humana (BOCK, 2000).
105

Saviani (2004) traduz essa dificuldade demonstrando que,


tanto a Psicologia quanto a educação escolar têm se preocupado mais
com o indivíduo empírico e menos com o indivíduo concreto, o que
reforça ainda mais um a visão subjetivista.
Esse m odelo subjetivista traz im plicações para a análise do
afetivo, sobretudo porque o interpreta como um dado natural, descolado
das relações concretas que o sujeito vivencia. Um a interpretação que
reproduz rupturas características da psicologia tradicional
desconsiderando a força das relações humanas na produção social da
subjetividade de cada sujeito.
A possibilidade de explicar os processos psicológicos a
partir da dialética subjetividade-intersubjetividade, posta pela filosofia
marxiana, levou Vigotski (1995) a orientar seu olhar para os processos
interpsicológicos, interpessoais, fundados sobre as relações que o
sujeito estabelece com o “outro”.
Por esse caminho, o autor russo apresenta à Psicologia
uma maneira de compreender a subjetividade humana que traz
implicações relevantes para a educação escolar, já que os processos de
ensino e de aprendizagem constituem-se, fundamentalmente, por meio
de uma relação intersubjetiva.
Como um encontro de subjetividades, os processos de
ensinar e de aprender caracterizam-se, essencialmente, por aquilo que
cada um traz consigo como resultado da sua história de vida concreta.
Do ponto de vista da constituição da subjetividade, a
intersubjetividade não pode ser considerada, sim plesmente, com o um
intercâmbio, um momento de com unicação de um ser humano com outro,
mas com o uma possibilidade de ambos (re) estruturarem sua atividade
psíquica, a qual funciona com o um “filtro pessoal” por onde passa todo e
qualquer dado novo da realidade que se apresente ao sujeito, já que a
atividade psíquica, ao contrário do que se pensa, não é estanque, mas
se transforma a cada contato com o “outro”, é fenômeno em movim ento.
Assim sendo, a Psicologia Histórico-Cultural inaugura um a
possibilidade de responder à conformação da subjetividade e, por
conseqüência, aos modos com o o afetivo nesta se constitui, analisando
106

a relação entre o interno e o externo por meio daquilo que se tem


denominado reflexo psíquico da realidade.
107

CAPÍTULO 3 – Contribuições da Psicologia Histórico-Cultural para


a compreensão do afetivo na atividade e consciência do sujeito

“[...] existe um sistem a sem ântico


dinâm ico que re pres enta a un idade d os
process os af etivos e i ntelectuais, em
toda idéia ex iste em f orm a elaborad a,
uma re la ção afet iva do homem co m a
real idade repres ent ada nessa idé ia.”
(VIGOTSKI, 2000a, p.16, grif o nosso).

Reiterando a unidade entre o psíquico e o fisiológico na


perspectiva dialética, Vigotski (1991) recupera uma proposição de
Espinosa quando este, criticando o pensamento cartesiano, afirm a que a
psique não é algo que repousa para além da natureza 91, “um Estado
dentro de outro”, mas sim uma parte da própria natureza, ligada
diretamente às funções da matéria altamente organizada: nosso
cérebro.
Dessa forma, o psiquismo nos aparece como a imagem, a
idéia, enquanto atividade reflexa de um órgão material, que se expressa
por meio do pensamento e das vivências emocionais. Essa atividade
reflexa é o que constitui e elo essencial e necessário do sujeito com o
mundo.
Conforme Leontiev (1978b, p.41, tradução nossa) “[...] no
conceito de reflexo está contida a idéia de desenvolvim ento, a idéia de
que existem diferentes níveis e formas do mesmo.”
Avançar na compreensão de que o desenvolvimento afetivo
se coloca numa relação direta com o desenvolvim ento do psiquism o
humano implica pensar o reflexo psíquico analisando-o como um
sistema que funciona relacionando elementos biológicos, psicológicos e
sociais e que tem nas categorias de consciência e atividade seu núcleo
de sustentação e desenvolvim ento.

91
Espinosa (2004) discute esse aspecto na Parte III da Ética: Da origem e da natureza das afecções,
p.275-276.
108

3.1. O psiquismo como reflexo psíquico da realidade

O psiquism o compreende um substrato material, orgânico


e natural como ponto de partida, ou seja, o desenvolvimento psicológico
do sujeito principia por uma atividade psíquica que acontece em função
do m undo exterior, respondendo a uma ação que este mundo exerce
sobre o sujeito. Sendo assim, atividade psíquica é atividade reflexa.
Isto não significa conceber os fenômenos psíquicos com o
uma atividade determinada a partir do cérebro, de seu interior, de sua
estrutura celular, mas como uma atividade de resposta à influência que
o m eio externo exerce sobre o cérebro do sujeito. “O cérebro é som ente
o órgão da atividade psíquica, mas não sua fonte.” (RUBINSTEIN, 1965,
p.13, tradução nossa, grifo do autor).
Segundo Rubinstein (1965), a atividade psíquica assim
com preendida tem valor cognoscitivo, contudo se todo processo
psíquico tem um aspecto cognoscitivo, não se reduz a ele. Diz esse
autor que:

Com o regra geral, o objet o ref letido nos f enôm enos


psíquicos af eta as necessidades e interess es dos
indivíd uos, o que pr ovoca ne le um a determ inada atitude
em ocional e v olit iv a (ans eios, desej os, sent im entos).
Todo ato psíquico concreto, toda “unidade” de
consc iência com preende am bos co mponentes: um
intelectual ou cog nosc itivo, e o utro af etivo [...] (no
sentido d a f ilo sof ia clássic a do século XVII, por exem plo,
na de Sp ino za) [...]. No entanto, é precisam ente no
aspecto cogn osc itiv o do proces so ps íquic o ond e se
m anif esta com singular relev o a conex ão dos f enôm enos
psíquicos com o mundo objet ivo. 92 (RUBINSTEIN, 1965,
p.14, tradução e grifo nosso).

Esta citação reforça algumas proposições já anunciadas


neste estudo – quanto à participação dos processos afetivos na

92
No original: “Como regla general, el objeto reflejado en los fenômenos psíquicos afecta a las
necesidades y a los intereses del individuo por lo que provoca en él una determinada actitud
emocional y volitiva (anhelos, sentimientos). Todo acto psíquico concreto, toda ‘unidad’ de conciencia
compreende ambos componentes: uno intelectual o cognoscitivo, y outro afectivo [...] (en el sentido
de la filosofia clásica del siglo XVII, por ejemplo en la de Spinoza) [...] Sin embargo, es precisamente
en el aspecto cognoscitivo del proceso psíquico donde se manifiesta con singular relieve la conexión
de los fenómenos psíquicos con el mundo objetivo.”
109

constituição do conhecimento humano – e retoma algumas das idéias


presentes na filosofia de Espinosa sobre o afeto como um modo de
pensamento não representativo do real, que se vincula ao objeto de
conhecim ento não pela apreensão das suas propriedades objetivas, mas
fundamentalmente, no que diz respeito à variação da potência para a
ação. Smírnov et. al. (1961) segue na mesma direção de análise,
afirm ando que:

As em oções e os se ntim entos não são, com o as f unções


cogno scit iva s, o ref lexo m esm o dos objetos e f enôm enos
reais, m as que são o ref lexo da re laç ão que ex iste entre
eles, as necessida des e os mot ivos de ativ idade d o
sujeito. Nem todo obj eto ou f enôm eno real m otiva um a
atitud e em ociona l para com ele: m uito d o qu e se percebe
é indif erente. 93 (SMÍRNOV et al., 1 961, p. 355, traduçã o e
grif os nossos).

É certo que na base do reflexo psíquico da realidade está


um sujeito que reflete essa realidade a partir de um órgão m aterial e,
portanto, os sentimentos ou mesmo os pensamentos do homem surgem
na atividade do cérebro, “[...] porém quem ama e odeia, quem entra em
conhecim ento do mundo e o modifica, é o homem, não é seu cérebro.”
(RUBINSTEIN, 1965, p.15, tradução nossa).
Essas afirm ações contemplam a unidade entre o psíquico e
o fisiológico na constituição do reflexo subjetivo da realidade e também
apontam para o lugar do afetivo no seu processo de constituição, mas
acrescentam um a necessidade: explicitar com o se dá a relação do
sujeito com o objeto do conhecimento para a teoria Histórico-Cultural.

3.1.1. A relação sujeito-objeto

O materialismo histórico dialético parte, antes de tudo, da


teoria do reflexo reconhecendo o fato de que as idéias do sujeito
refletem os objetos da realidade, ou seja, no conceito de reflexo está o

93
No original: “Las emociones y los sentimientos no son, como las funciones cognoscitivas, el reflejo
mismo de los objetos y fenómenos reales, sino que son el reflejo de la relación que hay entre ellos,
las necesidades y los motivos de actividad del sujeto. No todo objeto o fenômeno real motiva uma
actitud emocional hacia él: mucho de lo que se percibe es indiferente.”
110

pressuposto da existência das coisas, processos e fenômenos da


realidade objetiva fora e independentemente da consciência humana,
que é refletida de modo criativo pelo sujeito no momento do
conhecim ento.
Daí o pressuposto, e uma das definições m ais gerais, do
pensamento com o “[...] o reflexo da realidade sob a forma de
abstrações. O pensamento é um modo de conhecimento da realidade
objetiva pelo homem.” (KOPNIN, 1978, p.121, grifo do autor).
Disso resulta que o processo de conhecimento não é uma
atividade puramente subjetiva, dissociada da realidade concreta, mas
nele – conhecimento – está posta a correlação entre o subjetivo e o
objetivo. O pensamento é a expressão da unidade entre o sujeito e a
realidade, porque dele resulta um a imagem subjetiva do mundo objetivo.
Segundo Kopnin (1978), a subjetividade do pensamento
significa que este pertence ao hom em enquanto sujeito e, com o tal, a
representação que este mesmo sujeito faz dos objetos da realidade
depende das suas condições concretas de vida.

O caráter da im agem cognitiva dep ende de m uitas


circu nstânc ias. A form a de existênc ia do obj eto no
pensam ento depen de do suj eito, da pos ição do h om em na
socieda de. (KOPNIN, 1978, p.12 7).

Também é preciso dizer que na relação sujeito-objeto há


uma contradição que se manifesta pelo movimento do pensamento.
Aliás, o próprio pensamento é expressão dessa contradição, pois aquilo
que se caracteriza como o subjetivo do pensamento – que sintetiza os
modos como o sujeito se apropria do objeto –, denota apenas uma parte
da totalidade do objeto, portanto tem caráter unilateral, de parcialidade,
ou seja, o sujeito não consegue apreender de um a só vez todo o
conteúdo do objeto.
Contudo, a superação dessa subjetividade tendo em vista a
apreensão do objeto na sua totalidade, só se efetiva por m eio da
subjetividade do sujeito. Do que poderíamos concluir que essas “[...]
contradições surgem no pensamento a partir da contradição entre
111

sujeito e objeto.” (KOPNIN, 1978, p.182) que, definitivamente, não pode


ser superada, já que é a premissa que movimenta a atividade do sujeito.
Essa contradição que sustenta a relação entre sujeito e
objeto é pressuposto para o desenvolvimento da sua atividade no
mundo, e condição para o sujeito refletir cognitiva e afetivamente suas
próprias experiências. “As emoções e os sentimentos são uma das
formas em que o mundo real se reflete no homem. ” (SMÍRNOV et al.,
1961, p.355, tradução nossa, grifo do autor).
Inserida na relação sujeito-objeto – fundamento da imagem
psíquica –, estão algum as explicações acerca das funções psíquicas
elementares e do papel que o contexto social desem penha na superação
dessas visando o desenvolvimento daquelas outras funções
denominadas superiores por Vigotski. Entendemos que esse seja um
percurso necessário para se compreender os processos afetivos na
atividade do sujeito a partir da Psicologia Histórico-Cultural.

3.1.2. O caráter mediado do desenvolvimento cultural: as funções


psicológicas superiores

Num trabalho publicado em 1931, Vigotski (1995) se propõe


a analisar a História do desenvolvimento das funções psíquicas
superiores, destacando a gênese e a estrutura das mesmas e
inaugurando, assim, a possibilidade de uma nova maneira de pensar o
afetivo no desenvolvim ento do psiquismo hum ano. Segundo esse autor
(1995):

[...] a concepção tradic ional sobre o des envolvim ento das


f unções psíqu icas superiores é, sobretudo, errônea e
unilater al p orque é incap az de cons iderar estes f atos
com o f atos do dese nvolvim ento histór ic o, porque os julga
unilater alm ente com o process os e f orm ações naturais,
conf undindo o natural e o cultural, o nat ural e o histór ico,
o bio ló gic o e o social no desenv olvim ento psíquico d a
crian ça; dito bre vem ente, tem um a com preensão
112

radic alm ente errônea da natureza dos f enôm enos que


estuda. 94 (VYGOTSKI, 1995, p.12, tradução nossa).

As funções psíquicas elementares são, por excelência, um


produto essencialmente biológico, naturais, consistem em respostas
imediatas que o organismo disponibiliza na sua relação com o real,
conseqüentemente são não-conscientes e involuntárias. Vigotski (1995)
menciona o comportamento reflexo incondicionado, a m emória natural, a
atenção e percepção involuntárias e as emoções como exemplos desse
tipo de funcionamento psíquico.
É importante dizer que as funções psicológicas superiores
não resultam natural e espontaneam ente das elementares, mas
possuem qualidades específicas e, uma vez que se assentam sobre o
substrato das elementares, o que ocorre, portanto, é um processo de
transmutação em que as funções psíquicas deixam de operar num nível
elementar e atingem um grau superior ao serem incorporadas,
alterando, assim, a natureza e a qualidade do funcionam ento
psicológico do sujeito.
O que está posto é o reconhecim ento da base natural das
formas culturais de comportamento, explicado a partir do método
empregado por Vigotski e que nos ajuda a responder sobre a
indissociação entre as esferas biológicas e psicológicas na leitura do
com portamento afetivo-emocional do sujeito.
Em outro artigo publicado em 1930 – Sobre os sistema s
psicológicos – Vigotski (1991), destaca o pensam ento de Espinosa,
afirm ando que:

O desenv olvim ento histór ic o do s af etos ou as em oções


cons iste f undam entalm ente em que se alter am as conexõ es
iniciais em que se tenham produzido e surgem um a nova
ordem e novas c onexões. Tem os dito que, com o expressa va
acertadam ente Spi noza, o conhec im ento de noss o af eto alte ra
este, transf orm ando-o de um estado p assivo em outro ativo
94
No original: “[...] la concepción tradicional sobre el desarrollo de las funciones psíquicas superiores
es, sobre todo, errônea y unilateral porque es incapaz de considerar estos hechos como hechos del
desarrollo histórico, porque los enjuicia unilateralmente como procesos y formaciones naturales,
confundiendo lo natural y lo cultural, lo natural y lo histórico, lo biológico y lo social en lo desarrollo
psíquico del nino; dicho brevemente, tiene una compreensión radicalmente errónea de la naturaleza
de los fenómenos que estudia.”
113

[...] nossos af etos atuam em um complica do sistem a com


nossos conce itos [...] esse s entim ento é histór ico, que de f ato
se altera em m eios ide ológicos e psic ol óg icos dist int os,
apesar de que ne le f ica, sem dúvid a, um certo radical
bio lógico, em virtude do q ual sur ge esta em oção. Por
conseguinte, as e moç ões comp lexas aparecem som ente
histor icam ente e sã o a com binação de rel açõe s q ue surg em
em conseqüênc ia da vida h istórica, com binação que tem lugar
no transcur so do processo evolut ivo das em oções. 95
(VYGOTSKI, 19 91, p.87, tradução e grif o nosso).

Desta citação, cumpre-nos assinalar dois aspectos


importantes para a análise que vimos desenvolvendo.
Prim eiramente, Vigotski é pontual ao mencionar que as
emoções complexas – sentimentos – só aparecem no transcurso da vida
histórica, portanto são dependentes do desenvolvimento cultural do
sujeito e, nesse caso, estariam situadas no campo das funções
psicológicas superiores, dado que é reforçado pelo autor quando afirm a
que guardam um certo radical biológico.
Portanto, a conversão de um a emoção, enquanto função
psíquica elementar, em função psicológica superior altera
qualitativamente a primeira, mas esta não deixa de existir, apenas
sobrevive como dimensão oculta no funcionamento psicológico do
sujeito.
O segundo aspecto que emerge da citação acim a, diz
respeito à indissociabilidade entre as diferentes funções psicológicas
ou, dito de outro modo, as emoções estão inseridas numa com plexa
trama conceitual, o que faz com que elas sofram alterações qualitativas
em função do desenvolvimento de outras funções psicológicas, essa
interconexão aponta para o fato de que a ampliação do conhecim ento
que possamos ter sobre elas e sobre a realidade, portanto, a presença

95
No original: “El desarrollo histórico de los afectos o las emociones consiste fundamentalmente em
que se alteran las conexiones iniciales em que se han producido y surgen un nuevo ordem y nuevas
conexiones. Hemos dicho que, como expresaba acertadamente Spinoza, el conocimiento de nuestro
afecto altera este, transformándolo de um estado pasivo em outro activo [...] nuestros afectos actúan
en un complicado sistema con nuestros conceptos [...] esse sentimiento es histórico, que de hecho se
altera en medios ideológicos y psicológicos distintos, a pesar de que en él queda indudablemente
cierto radical biológico, en virtude del cual surge esta emoción. Por conseguiente, as emociones
complexas aparecen sólo históricamente y son la combinación de relaciones que surgen a
consecuencia de la vida histórica, combinación que tiene lugar en el transcurso del proceso evolutivo
de las emociones.”
114

de elementos mediadores é fundam ental na promoção a um


funcionamento psicológico superior.
Tal colocação se desdobra em outras duas considerações
essenciais no que tange à concepção de psiquism o humano para a
Psicologia Histórico-Cultural: seu caráter sistêmico e a impossibilidade
de dissociar afetivo e cognitivo nesse processo de constituição.
O caráter sistêmico que distingue o psiquismo humano é
explicado por Lúria (apud MARTINS, 2007) a partir do seu conceito de
processos mentais superiores como funções sistêmicas. Isso significa
que tais processos não podem ser considerados “funções isoladas”, ou
mesmo uma “faculdade” específica de uma porção determinada do
cérebro, mas caracterizam-se, fundam entalm ente, por uma estrutura
denominada “sistema interfuncional complexo”.
Nessa mesma direção surgem estudos de Vygotsky e Luria
(1996) que, analisando a história do desenvolvim ento da criança,
dispõem sobre o desenvolvimento desses outros processos mentais,
denominados form as culturais de com portamento.
Segundo os autores, o desenvolvimento tem início com as
funções m ais primitivas (inatas), m as é a partir da influência e da força
exercida pelas condições externas, que o processo natural se converte
em “processo cultural”, muito mais complexo.

[...] os processos neuropsico ló gicos , enquanto s e


desen vo lvem e se transf orm am , com eçam a construir-se
segun do um sistem a inte iram ente novo. De proc essos
naturais, transformam -se em processos com plexos,
constit uídos com o resu ltado de um a inf luência c ultur al e
com o ef eito de um a série de con dições – antes de m ais
nada, com o resulta do de interaç ão at iva com o m eio
am biente. ( Vygotsky e Luria, 1996, p. 219).

Portanto, a relação sujeito-objeto é a base sobre a qual se


constitui o reflexo psíquico da realidade e os mediadores sociais
exercem papel determinante na constituição das funções psicológicas
superiores que, na verdade só se concretizam por meio da atividade
social do sujeito.
115

Daí nossa preocupação em apontar para o papel da


educação escolar, como mediadora, na superação dessas formas
primitivas de com portamento em direção às formas mais sofisticadas e
com plexas de apropriação dos objetos culturais 96.
Tratar o reflexo psíquico como efeito da relação sujeito-
objeto, traz consigo a im possibilidade da imagem subjetiva de um dado
objeto sem que este se coloque com o objeto para um dado sujeito. É
nessa complexa trama que se dá o processo de apropriação-objetivação
pelo sujeito – caracterizando o desenvolvimento do seu pensamento – e
que se constituem as funções cognitivas e as funções afetivas.
A distinção dessas funções psicológicas no psiquismo
permite concluir que as funções cognitivas constroem a imagem
subjetiva do objeto em sua concretude e as funções afetivas,
igualm ente, cum prem a representação da imagem do objeto, porém
constroem a im agem da relação do sujeito com aquele objeto. Portanto,
o pensamento e os sentimentos são processos psicológicos
desenvolvidos pelo homem na sua relação com o m undo.

A unid ade af etivo-c ognitiv a é m ediador a const ante nas


ativida des rea lizad as pelo indivíd uo ao longo de sua vida,
portanto, tudo que a constitui é ao m esm o tem po, objeto
do pen sam ento e f onte de sentim entos. (MARTINS, 200 7,
p.129).

Do que foi exposto, cabe ainda advertir para a


impossibilidade de dissociar funções psicológicas e subjetividade.
Conf orme Martins (2007):

Val end o para tod as as f unções, tenham os claro q ue não é


a atenção q ue at enta, o p ensam ento que pensa, o
sentim ento que sente, e etc., quem atenta, pensa, sente,
e etc., é a pess oa, r eprese ntada pela particularização d e
sua ex istência histórico-social denom inada persona lidade.
(MARTINS, 200 7, p.129).

96
Acrescentamos que esse aspecto será aprofundado na parte II desse estudo que trata das
Implicações Educacionais.
116

Num outro artigo escrito em 1932 97 - Sobre o problema da


psicologia do trabalho criativo do ator –, Vigotski se volta ao campo das
investigações que reforçam o ponto de vista histórico-cultural das
emoções. Diz o autor:

A psicologia ensina que as em oções não são um a


exceçã o dif erente d e outras m anif estações d a nossa v ida
m ental. Com o todas as outras f unções m entais, as
em oções não pe rm anecem na conexão em que
in ic ialm ente são d adas em virtude da or gan ização
bioló gi ca da m ente. No proc esso da vida soc ial, os
sentim entos se desenvolvem e antig as cone xões s e
des integram ; em oções aparec em em novas relações c om
outros e lem entos da vida m ental, novos sistem as
desen vo lvem -se, novas ligações d e f unções m entais e
unidades de um a ordem superi or surgem dentro das quais
dom inam leis e padrões es pec ia is, inderdepen dentes,
f orm as especiais de conexão e m ovim ento. 98 (VIGOTSKY,
1987 b, p.244, traduç ão noss a).

Na tentativa de operar com conceitos que expliquem o


desenvolvimento do psiquismo humano como um sistema funcional, por
meio do qual os processos psicológicos são constituídos, tendo por
base um fundam ento biológico e um social e que, ao mesmo tem po,
deles se diferencia, aponta para o caráter mediado desses processos.
Nesse caso, a categoria m ediação se coloca para a teoria
vigotskiana com o um pressuposto norteador de todo seu edifício teórico
e metodológico, confirm ando o esforço de Vigotski em demonstrar, por
meio das categorias da dialética, o desenvolvimento psicológico do
sujeito.
Inicia sua tarefa distinguindo o que seja a análise para a
psicologia descritiva que, numa perspectiva fenomenológica, descreve o

97
Esse texto, escrito em 1932 e publicado em 1936 no livro de YAKOBSON, P. M. Psychology of the
Stage Feelings of the Actor, Moscow, 1936, pp. 197-211. [ Psicologia dos sentimentos cênicos do ator],
faz parte do conjunto de textos que compõem o sexto volume das obras escolhidas do autor,
VYGOTSKII. L.S. The Collected Works of L.S. Vygotsky, Scientific Legacy, traduzido por Marie J. Hall.,
New York, 1987.
98
No original: “Psychology teaches that emotions are not an exception different from other
manifestations of our mental life. Like all other mental functions, emotions do not remain in the
connection in which they are given initially by virtue of the biological organization of the mind. In the
process of social life, feelings develop and former connections disintegrate; emotions appear in new
relations with other elements of mental life, new systems develop, new alloys of mental functions and
unities of a higher order appear within which special patterns, interdependencies, special forms of
connection and movement are dominant.”
117

objeto, mas não explica genética e experimentalmente o processo –


tarefa da psicologia explicativa. Ele argumenta que o objetivo que se
coloca para a Psicologia não é analisar a form a superior de conduta
com o um objeto, um produto, mas como um processo, ou seja, estudá-la
em movimento. Segundo o autor:

A aná lise f enom enológi ca ou descritiva tom a o f enôm eno


tal com o é externam ente e supõe com toda i ngen uidad e
que o aspecto exter ior ou a aparênc ia d o objeto coinc ide
com o nexo real, din âm ico-causal qu e constitu i sua base.
A aná lise genétic o-condic io na l se i nic ia p ondo de
m anif esto as rel açõe s ef etivas que se ocultam por trás da
aparên cia e xterna de alg um processo [...] Entendem os
por análise ge nética a desco berta da gênes e do
f enôm eno, sua ba se dinâm ico-caus al. 99 (VYGOTSKI, 1 995,
p.103, tradução n oss a).

Analisando a estrutura das funções psicológicas


superiores, Vigotski reitera sua disposição de pensar a mediação com o
um processo, segundo ele o fenômeno psicológico só existe pelas
mediações, o que significa dizer que o homem constrói suas form as de
ação, realiza suas atividades com o em prego de meios artificiais de
pensamento, com a utilização de signos. “[...] na estrutura superior o
signo e o modo de seu emprego é o determinante funcional ou o foco de
todo o processo. ” (VYGOTSKI, 1995, p.123, tradução nossa, grifo do
autor).
Mas o que são signos?
A questão do signo na teoria vigotskiana aparece no esteio
do tratamento dispensado à mediação e o conceito de mediação é uma
das apropriações mais decisivas que Vigotski faz do pensam ento
marxiano.
Assim, podemos entender que os signos se originam da
necessidade de operar sobre a natureza, seres ou objetos. À medida
que o homem cria instrumentos psicológicos e os estrutura para agir e
99
No original: “El análisis fenomenológico o descriptivo toma el fenómeno tal como es externamente y
supone con toda ingenuidad que el aspecto exterior o la apariencia del objeto coincide con el nexo
real, dinámico-causal que constituye su base. El análisis genético-condicional se inicia poniendo de
manifiesto las relaciones efectivas que se ocultan trás la apariencia externa de algún proceso [...]
Entendemos por análisis genético el descubrimiento de la génesis del fenómeno, su base dinámico-
causal.”
118

controlar o “outro”, ele acaba utilizando-os para atuar sobre si mesmo,


controlando seus próprios processos psicológicos.
É no desenvolvimento dessa idéia que Vigotski propõe,
então, o desenvolvimento do psiquismo – processos intrapsíquicos –
com o internalização, por meio dos signos, dos processos interpsíquicos.
Como criações artificiais, convencionais, de natureza social, os signos
funcionam como um meio auxiliar para o domínio da sua própria
conduta.
O que devem os entender como domínio da própria
conduta? (VYGOTSKI, 1995, p.126)
Essa categoria proposta por Vigotski recupera um conceito
do pensamento espinosista. Na base daquilo que o filósofo denominou
com o “causa adequada” está o conhecimento das leis e princípios dos
fenômenos que nos afetam, somos causa adequada na ação porque nela
som os causa interna necessária, estamos no controle de tudo o que
fazem os, sentimos e pensamos. A isso podemos aproximar o que é
proposto por Vigotski (1995) como o domínio da própria conduta.
Segundo o próprio Vigotski, a psicologia tradicional, por
não alcançar a essência das formas superiores de conduta, recorria a
uma interpretação espiritualista do problema da vontade, sustentando a
idéia de que forças psíquicas influem sobre o cérebro e através do
cérebro sobre todo o corpo. Essa interpretação é um retorno à
proposição cartesiana da relação corpo-alma, situando a categoria
vontade como uma faculdade específica da alma humana.
Vigotski (1995), em seu texto de 1931 – História do
desenvolvimento das funções psíquicas superiores, que se encontra no
volume III das Obras Escolhidas do autor – recupera o princípio da
gênese natural do desenvolvimento cultural aplicando ao autodomínio da
conduta o mesmo teor explicativo das demais funções superiores.
Para isso, ele explica que as funções elementares que têm
na sua origem um pressuposto natural sofrem a ação de
meios/instrum entos – signos m ediadores – artificiais que as
transformam em funções superiores; tal como o domínio de uns e outros
processos da natureza, o domínio da própria conduta segue uma lei
119

básica que rege esses fenômenos. Essa lei básica da conduta é,


segundo Vigotski, a lei estímulo-resposta (VYGOTSKI, 1995).
Para Vigotski, dominar o próprio com portamento implica
dominar os estímulos que afetam o sujeito, os quais orientam sua
resposta. Dessa forma, o domínio da nossa conduta não se faz senão
através de uma outra forma de estimulação, por meio de estímulos
auxiliares. O signo, portanto, inaugura uma nova forma de
com portamento.

[...] o hom em , na et apa s uper ior de seu dese nvolv im ento,


chega a dom inar s ua pró pria con duta, subord ina a seu
poder a s própr ias reações. Do m esm o m odo que
subordin a as aç ões das f orças externas da nat ure za,
subordin a tam bém os processos de s ua própria c onduta
com base nas le is naturais de tal c omportam ento. Com o
as leis n aturais do com portam ento se embasam nas leis
de estím ulo-reaçã o, resulta im possível dom inar a reaçã o
enqu anto não se dom ine o estím ulo. A criança, por
conse gu inte, dom ina sua cond uta sempre qu e dom ine o
sistem a de estím ulos que é sua chav e. 100 (VYGOTSKI,
1995, p.1 59, traduç ã o nossa).

Sendo assim, o domínio da conduta é um processo mediado


que se realiza sem pre através de certos estímulos auxiliares
(VYGOTSKY, p.127).
O princípio da mediação na teoria vigotskiana sustenta o
conceito de desenvolvimento cultural, que se dá a partir do emprego de
instrumentos e signos. Esses últimos advêm sem pre de uma situação
social, de um a utilização social que é inaugurada, prim eiramente, como
forma de com unicação e só num segundo momento passa a se constituir
num recurso auxiliar – mediador – para o controle do comportam ento do
próprio sujeito.
Da explicação desse processo, Vigotski (1995) formula a lei
genética geral do desenvolvimento cultural do seguinte modo:

100
No original: “[...] el hombre, en la etapa superior de su desarrollo, llega a dominar su propia
conducta, subordina a su poder las propias reacciones. Lo mismo que subordina las acciones de las
fuerzas externas de la naturaleza, subordina también los procesos de su propia conducta en base de
las leys naturales de tal comportamiento. Como las leyes naturales del comportamiento se basan en
las leyes del estímulo-reacción, resulta impossible dominar la reacción mientras no se domine el
estímulo. El nino, por conseguiente, domina su conducta siempre que domine el sistema de los
estímulos que es su llave.”
120

[...] toda f unção no desenvolvim ento cultura l da criança


aparec e em cena duas ve zes, em dois planos; prim eiro no
plano s ocial e depo is no p lano ps icoló gico, no princí pi o
entre os hom ens com o categoria interpsíquica e log o
depo is no int erior da criança com o categoria intrapsíqu ic a
[...] Tem os pleno d ir eito a considerar a t ese exposta com o
um a lei, por ém , a pa ssagem , naturalm ente, do exter no ao
interno, m odif ica o próprio proce sso, transf orm a sua
estrutura e f unções . Por detrás de to das as f unções
super iores e suas r ela ções se enc ontra m geneticam ente
as re laç ões soc iais, as autênt icas relações hum anas. 101
(VYG OTSKI, 1995, p .150, tradução e gr ifo nosso).

Essa lei re-apresenta, na teoria vigotskiana, a essência da


concepção materialista sobre a natureza social do homem anunciada por
Marx na sua afirm ação de que “Não é a consciência que determina a
vida, é a vida que determina a consciência.” (MARX, 2002, p.23).

3.1.3. A vontade e o desejo ou o problema da unidade afetivo-


cognitivo na consciência e atividade do sujeito

Vigotski em seu livro Psicologia del Arte (1972) buscou


responder a questão sobre como o psiquismo humano reage a obra de
arte. Para comentar este processo, o autor:

Se m ostra contrário a redu zir a arte a sua função


propriam ente cognoscit iva, gn oseológica. Se a arte
exerce efetivam ente um a f unção cognos citiva, s e trata de
um a f unção de c onhecim ento peculia r, realiza da por
procedim entos pec uliares, e não unicam ente de um
conhe cim ento de im agens. A uti lizaçã o da im agem , do
sím bolo, não cria por si m esm a a obra de arte. O
“pictogr áf ico” e o artístico são f enôm enos m uito
distintos. 102 (LEONTIEV, 1972, p.09, tradu ção nos sa).

101
No original: “[...] toda función en el desarrollo cultural del niño aparece en escena dos veces, en
dos planos; primero en el plano social y después en el psicológico, al principio entre los hombres
como categoria interpsíquica y luego en el interior del niño como categoria intrapsíquica [...] Tenemos
pleno derecho a considerar la tesis expuesta como una ley,pero el paso, naturalmente, de lo externo
a lo interno, modifica el próprio proceso,transforma su estructura y funciones. Detrás de todas las
funciones superiores y sus relaciones se encuentran gnéticamente las relaciones sociales, las
auténticas relaciones humanas.”
102
No original: ”Se muestra contrario a reducir el arte a su función propiamente cognoscitiva,
gnoseológica. Si el arte ejerce efectivamente una función cognoscitiva, se trata de una función de
conocimiento peculiar, realizada por procedimientos peculiares, y no únicamente de um conocimiento
de imágenes. La uitlización de la imagem, del símbolo, no crea por si misma la obra de arte. Lo
‘pictográfico’ y lo artístico son fenômenos muy disitntos.”
121

Do mesmo m odo ele também recusa a idéia de que a


especificidade da arte seja a expressão de vivências emocionais e/ou a
transmissão de sentimentos daquele que cria a obra artística, o que
apoiaria a teoria do contágio.

[...] a arte “trabalha ” com sentim entos h um anos e a obra


artística enc arna e m si este trabalho. Os sentim entos,
em oções, paixões, f orm am parte do conteúdo da obra de
arte, porém nela se transformam. Assim com o um
procedim ento artístico prov oca a m etam orf ose do m aterial
da o bra, po de provo car ass im mesm o a m etam orf ose dos
sentim entos. O si gnif icado d esta m etam orf ose dos
sentim entos consiste, segundo Vig otsk i, em que estes se
elevam sobre os sentim entos individua is, se gen eralizam
e se tornam sociais. 103 (LEONTI EV, 1972, p.09, tradução
nossa, gr if o do autor).

Leontiev (1972) conclui o pensamento de Vigotski


recuperando a tese marxiana de que a “[...] a atividade humana não se
evapora, não desaparece em seu produto; simplesmente passa da form a
de movimento à forma de existência ou objetividade.” (LEONTIEV, 1972,
p.10, tradução nossa).
Segundo Vigotski (apud LEONTIEV, 1972), quando se
opera a análise da estrutura de uma obra de arte, freqüentemente ela
aparece em nossa consciência como uma análise da forma, separada do
conteúdo ativo, seu verdadeiro conteúdo – que aqui não se refere ao
material de que é feita a obra – “[...] aquele que determina o caráter
específico da vivência estética que provoca.” (LEONTIEV, 1972, p.10,
tradução nossa).
Esses apontam entos, ao lado da explicação que Vigotski
oferece ao afetivo como conteúdo ativo presente nas produções
artísticas, faz emergir do seu pensam ento alguns elementos já
suscitados por Espinosa e Marx e que merecem ser retomados na

103
No original: “[...] el arte ‘trabaja’ con sentimientos humanos y la obra artística encarna em si este
trabajo. Los sentimientos, emociones, pasiones, forman parte del contenido de la obra de arte, pero
em ella se transforman. Al igual que um procedimiento artístico provoca la metamorfosis del material
de la obra, puede provocar asimismo la metamorfosis de los sentimientos. El significado de esta
metamorfosis de los sentimientos consiste, según Vigotski, en que éstos se elevan sobre los
sentimientos individuales, se generalizan y se tornan sociales.”
122

análise da relação entre o afetivo e o cognitivo na constituição da


consciência.
Nos referimos ao problema da vontade e do desejo, bem
com o a explicação que a Escola de Vigotski, por m eio da psicologia de
Leontiev (1978b), oferece às categorias de significado e sentido que
conformam a materialidade dos processos afetivos na consciência do
sujeito.
Em sua teoria, Espinosa esforçou-se por distinguir vontade
e desejo, associando vontade à atividade da alma de pensar o objeto 104,
ou seja, para ele a vontade deriva, necessariam ente, do conhecim ento
que temos sobre os objetos e fenômenos que nos afetam. Vigotski
(1995), citando Espinosa, confirma essa idéia de que “[...] nossa
vontade não é livre, mas que depende de m otivos externos.” (p.287,
tradução nossa). Nesse caso:

[...] o livre-arbítrio não cons iste em estar livre dos


m otivos, m as consis te em que a criança tom a consci ênc ia
da situ ação, tom a consc iênci a da ne ces sidade de eleger,
que o m otivo se im põe e que sua lib erda de no cas o dado,
com o diss e a def iniç ão f il osóf ica, é um a necess id ade
gnose ológica. 105 (VYGOTSKI, 1995, p.289, traduç ão
nossa).

A vontade está, portanto, direta e necessariamente ligada à


qualidade-quantidade das mediações concretas que operam no sujeito e
por meio dele e que caracterizam a constituição histórica do seu
psiquismo.
Se a vontade relaciona-se ao conhecimento, ao
pensamento, como uma potência para afirmar e para negar (ESPINOSA,
2004), é indispensável pensar a vontade na relação que esta mantém
com os objetos.

104
“A vontade não pode ser chamada causa livre, mas somente causa necessária.” (ESPINOSA, 2004,
p.190, parte I, prop. XXXII, grifo do autor).
“Por conseguinte, seja qual for o modo por que se conceba a vontade, a saber, como finita ou infinita,
ela carece de uma causa pela qual seja determinada a existir e a agir.” (ESPINOSA, 2004, p.190, I,
prop. XXXII, p.190, demonstração).
105
No original: “[...] el libre albedrío no consiste en estar libre de los motivos, sino que consiste en que
el nino toma conciencia de la situación, toma conciencia de la necesidad de elegir, que el motivo se lo
impone y que su libertad en el caso dado, como dice la definición filosófica, es una necesidad
gnoseológica.”
123

Voltemos a Marx.
As em oções – a paixão – constituem a capacidade
essencial do homem ativam ente voltada para o seu objeto (MARX,
1993). Do ponto de vista de Heller, isso significa “a orientação-para-o-
objeto-do-afeto, ou o fato de que só podemos compreender o afeto (e
também o motivo) no contexto da relação entre sujeito e objeto”
(HELLER, 1983, p.36).
Se nos foi possível determinar o terreno da vontade a partir
das relações que o sujeito estabelece com as objetivações humanas,
cabe-nos agora reforçar a distinção entre vontade e desejo na
concepção espinosista, pois para nos inclinarmos ou desejarmos alguma
coisa, temos que conhecê-la 106. “Não pode existir desejo sem objeto
(mesmo que este seja apenas um objeto ideal)” (HELLER, 1983, p.39).
A vontade pode ser entendida, a partir da teoria de
Espinosa, com o “o primeiro estágio de um unificado processo orgânico
do qual a ação exterior é a conclusão” (DURANT, 2000, p.179), ou
ainda, pode ser considerada uma idéia que permanece por mais tempo
na consciência antes de passar à ação.
Diferentemente, para esta teoria, o desejo é uma força
impulsiva que determina a duração de uma idéia – ou vontade – na
consciência do sujeito. Tendo já referido o desejo com o a “própria
essência do homem” 107, segundo Espinosa é por meio do desejo que o
homem se esforça ou não para realizar as coisas que preservem o seu
ser. Nesse caso, “o desejo determina o pensamento e a ação ”
(DURANT, 2000, p.179, grifo nosso).
Para distinguir esses dois conceitos, nos apoiam os na idéia
de que, se existe um modo de pensamento representativo – que trata
das qualidades objetivas e inerentes aos objetos – existe também um
modo de pensamento não-representativo, indicativo da variação das
potências de agir e pensar provocadas no sujeito.

106
“Os modos de pensar como o amor, o desejo ou qualquer outro sentimento da alma, qualquer que
seja o nome por que é designado, não podem existir num indivíduo senão enquanto se verifica nesse
mesmo indivíduo uma idéia da coisa amada, desejada, etc. Mas uma idéia pode existir sem que exista
qualquer outro modo de pensar.” (ESPINOSA, Ética, parte II, p.224).
107
Ética, parte IV, prop. XVIII, demonstração, p.355.
124

Mas, como esses modos de pensar revelam a unidade do


afetivo e do cognitivo na constituição da consciência?
A consciência surge a partir da vivência e/ou experiência
pelo sujeito de uma af ecção (affectio), que é a ação de um objeto
qualquer sobre o seu corpo.
Assim, se uma afecção representa as ações dos outros
corpos e idéias sobre nós determinando a possibilidade do
conhecim ento, e se a consciência é, por definição, um sistema de
conhecimentos 108, o nível de consciência do sujeito dependerá das
afecções ou de como o sujeito é afetado e percebe os objetos, porém
“[...] as idéias não são os únicos modos de pensar; o conatus e suas
diversas determinações ou afetos são tam bém, na alma, modos de
pensar...” (DELEUZE, 2002, p.66).
Afeto diz respeito àquilo que afeta, o que mobiliza – e por
isso reporta a sensibilidade, sensações – ser tomado por, atravessado,
perpassado, quer dizer: afetado.

[...] ora nós só temos consc iênc ia deles na m edida em


que as id éias de af ecções determ inam precis am ente o
conatus. Então o af eto qu e daí decorre goza por sua ve z
da propriedade de s e ref letir; do m esmo m odo que a idéia
que o determ ina. Eis por qu e Espin osa def ine o d esej o
com o o conatus tornado c onsc ie nte, sendo a af ecção a
causa dessa c onsciência. (DELEUZE, 2002, p.66, grif o do
autor).

Quando o sujeito experiencia um a afecção, essa vivência


provoca um a alteração da sua potência de pensar e agir ou um a
variação no seu esforço (conatus) comprovando que cada objeto nos
exige alguma ação, pois provoca, excita, atualiza alguma reação que se
manifesta diferentemente segundo os objetos encontrados.

Os af etos-sentim entos (affectus) são exatam ente as


f iguras que o co nat us assum e quando é determ inado a

108
Deleuze ao explicar os principais conceitos da Ética aplica à categoria consciência as
características de Reflexão: segundo a qual a consciência não é propriedade moral do sujeito, mas a
propriedade física da idéia; reflexão da idéia no espírito e Correlação, segundo a qual a relação da
consciência com a idéia de que é consciência é a mesma da relação da idéia com o objeto de que é
conhecimento. (DELEUZE, 2002, p.65).
125

f azer isto ou aqui lo, por um a af ecção (affectio) que lhe


sobrevém . Estas af ecções q ue det erm inam o conatus são
a causa de con sc iência. (DELEUZE, 2002, p.105, grif o do
autor).

Esse afeto se coloca numa relação direta com aquilo que


Espinosa denominou como realidade formal do objeto, ou o quanto
aquele objeto preenche, no sujeito, seu poder de ser afetado, ou ainda o
quanto aquele objeto/fenômeno/idéia responde ou não aos seus
motivos.
Na psicologia soviética, é Leontiev (1978b) quem discute
as categorias de significado e sentido como conteúdos da consciência.
Os significados sociais estabelecem o grau de
conhecim ento objetivo que o sujeito pode vir a conquistar e que
representa o conteúdo das objetivações humanas, já que é um a
construção coletiva, comum a um tempo e, portanto, histórica.

[...] os signif icados levam um a vida du al. São produzidos


pela soc iedade e possuem sua própri a história no
desen vo lv im ento da l inguagem , no des envolvim ento das
f orm as de consciência so cial [...] Nest a sua ex istênci a
objetiv a se s ubord inam às leis h istór ico- sociais e por su a
vez, à lógica interna de seu próprio desenv olvim ento. 109
(LEONTIEV, 197 8b, p.116, traduç ão noss a).

Esses elem entos caracterizam a universalidade da vida dos


significados, seu aspecto lógico. Mas existe um outro movim ento, que
sinaliza o funcionam ento dos significados na atividade e consciência
dos indivíduos concretos e que, conforme Leontiev (1978b) é somente
mediante tais processos que os significados passam a existir para o
sujeito. Estamos falando do sentido pessoal que um a dada significação
adquire a partir da vivência do sujeito.
É preciso dizer que, m esmo nessa dimensão individual, os
significados não perdem sua natureza social, sua objetividade. Todavia,
quando passam a operar psicologicamente, ou seja, no sistem a da

109
No original: “[...] los significados llevan una vida dual. Son producidos por la sociedad y poseen su
propia historia en el desarrollo del lenguaje, en el desarrollo de las formas de la conciencia social [...]
En ésta su existencia objetiva se subordinan a las leyes histórico-sociales y a la vez, a la lógica
interna de su próprio desarrollo.
126

consciência do sujeito, os significados não existem de outro modo que


não seja realizando uns e outros sentidos (LEONTIEV, 1978b, p.120,
tradução nossa).
Um fato destacado por Leontiev (1978b) quanto ao
movimento dos significados na consciência dos indivíduos consiste na
sua parcialidade. “O sentido pessoal é o que cria a parcialidade da
consciência humana” (LEONTIEV, 1978b, p.120, tradução nossa, grifos
do original).
Outro aspecto assinalado por Leontiev (1978b) – e
destacado pelo próprio Vigotski – é que o sentido cria “esse plano
oculto da consciência” (idem, p.120) que costum a ser, erroneamente,
interpretado em Psicologia não como formado na e pela atividade do
sujeito, mas como expressão de forças internas, inerentes ao sujeito, ou
ainda, como se no sentido pessoal se conectasse a esf era dos
processos cognitivos e a esfera da afetividade, uma sobreposição. Um
retorno ao pensamento cartesiano.
A vivência ou aquilo que o sujeito experiencia, o que
atravessa sua existência objetiva – transformando significados sociais
em sentidos pessoais – constitui sua atividade. É por meio dessa
atividade – que pode humanizar tanto quanto alienar ou adoecer – que o
sujeito responde às solicitações do meio circundante e é também por
meio dela que o sentido pessoal se realiza; o fato é que de uma dada
atividade sempre advém um sentido, que é conteúdo da consciência.

Enquanto que a sensoria lidade exte rna v incu la na


consc iência do suje ito os sign if icados com a realidade d o
m undo objetiv o, o sent ido pess oa l os vincu la c om a
realid ade de sua própria v ida neste mundo, com seus
mot ivos. 110 (LEONTIEV, 1978 b, p.120, tradução noss a,
grif os do ori ginal).

Finalmente é importante considerar que não se pode falar


em atividade sem objeto. “A característica básica, constitutiva da
atividade é sua objetividade” (LEONTIEV, 1978b, p.68, tradução nossa).
110
No original: “Mientras que la sensorialidad externa vincula en la conciencia del sujeto los
significados con la realidad del mundo objetivo, el sentido personal los vincula con la realidad de su
propia vida en este mundo, con sus motivos.”
127

A aparição dos motivos no sujeito se dá a partir da


identificação do objeto que atende às suas necessidades. Com o
condição interior, estado carencial do organismo, a necessidade
corresponde a um estímulo, um a excitação geral, m as não tem força
motivadora.
Uma necessidade só pode ser satisfeita quando encontra
um objeto. Essa identificação do objeto – a que cham amos motivo e que
se traduz por um conhecimento objetivo – eleva a necessidade ao nível
psicológico propriamente dito.
A relação necessidade – objeto é construída na história de
vida de cada indivíduo, portanto a identificação dos objetos e a
conseqüente emergência dos motivos implicam na experiência e no
conhecim ento de tais objetos, im plicando em mediação. “O mundo é um
objeto para o indivíduo, e só o hom em é sujeito” (HELLER, 1983, p.35-
36).
Entendem os que, por ser o motor da atividade – o que a
impulsiona, dirige e orienta –, o motivo é síntese do objetivo e do
subjetivo. Pensar na m otivação é aceitar que existe uma relação entre a
necessidade – como estado carencial (subjetivo) – e a identificação do
objeto (objetivo) e que mediando tal processo está um mecanismo de
descoberta que se faz por m eio da atividade do sujeito.
Essa necessidade como força interior pode realizar-se
som ente na atividade; pensá-la como algo intrínseco, inerente ao
sujeito, é incorrer no risco de um pensam ento subjetivista e idealista.
Se a necessidade se efetiva em motivo por m eio do reflexo
psíquico do objeto – do conhecimento – o modo como esse objeto é
percebido, concebido, representado pelo sujeito, ou seja, o seu
conhecim ento dependerá de como acontecem as mediações entre
sujeito e realidade concreta, dado que esses m esmos objetos vão s e
modificando, se transformando e, ao fazê-lo, transform am os motivos.
O mesmo acontece com relação às emoções e/ou afetos e
sentim entos. Estes tam bém são engendrados a partir de uma correlação
entre a atividade objetivada do sujeito e seus motivos (LEONTIEV,
1978b).
128

Contrariando a idéia organicista que atribui a origem das


emoções a fenômenos orgânicos, instintivos, tom ando-os com o seus
verdadeiros motivos, Heller afirma que “[...] só existem motivos
específicos, e que só os seres humanos têm motivos” (1983 p.22).
Para Leontiev (1978b), o que produz reação em ocional é
aquilo que acena positiva ou negativamente à satisfação dos m otivos da
pessoa 111. Daí a impossibilidade de pensarmos os afetos humanos
descolados de uma realidade social e humana que produz objetos e,
conseqüentemente, novas necessidades e novos motivos.
As necessidades vão se transformando não pelo movim ento
delas próprias, mas porque nesse movimento está im plícito o
desenvolvimento do seu conteúdo objetivo, dos motivos (idem, 1978b).
Aquilo que afeta movimentando ou não a atividade, o faz
porque se relaciona com os m otivos construídos na história de vida de
cada sujeito em particular, a partir das mediações estabelecidas com a
realidade.
Leontiev (1978b) faz uma afirmação que recupera a idéia
espinosista de que o querer ou o desejar vêm em conseqüência do
conhecim ento, portanto do objeto. Diz ele:

[...] as vivênc ias s ubjetivas, o quer er, o desejar, etc...


não são m otivos po rque não sã o capazes de engendrar
por si só um a ativid ade orienta da e, co nseqüe ntem ente, a
questão psico lóg ic a f undam ental reside em com preender
em que cons iste o objeto d esse querer , desse desejo ou
paixão. 112 (LEONTI EV, 1978b, p. 153, tradução n ossa,
grif os do ori ginal).

Entendem os, assim, que o afetivo está no ponto de partida


da atividade do sujeito, quando da identificação do objeto que responde
a uma necessidade do sujeito, transformando-a em motivo.

111
Leontiev (1978b, p.154) recorre à citação de um autor francês “[...] la situación emociógena no
existe como tal. Depende de la relación entre las motivaciones e las posibilidades del sujeto”. In:
FRAISSE, P., “Les émotions”, Traité de Psychologie experimentale, vol. V, PUF, 1965).
112
No original: “[...] las vivencias subjetivas, el querer, el desejar, etc., no son motivos porque no son
capaces de engendrar por sí solos una actividad orientada y, consiguientemente, la cuestión
psicológica fundamental reside en comprender en qué consiste el objeto de ese querer, de ese deseo
o pasión.”
129

As emoções não são o reflexo mesm o dos objetos –


conforme Smírnov et al. (1961) – mas o reflexo da relação que existe
entre aquele objeto, as necessidades e os motivos sujeito, por isso são
vivências.
A vinculação entre necessidade e motivo (identificação do
objeto, por meio da atividade) implica que o conteúdo dos motivos –
seus traços objetivos (LEONTIEV, 1978b) – sempre se percebe, se
representa de um ou outro modo e que, para além dessa percepção, o
sujeito também experimenta o afetivo entre o momento da identificação
do motivo e o exercício da sua atividade, ou seja, a vivência do
“aumento ou diminuição da sua potência de agir ou da sua força de
existir” acontece conforme aquele objeto afete positiva ou
negativamente o sujeito.

[...] As em oções não subordinam a ativid ade, m as são seu


resultado e o “m ecanism o” de seu m ovim ento. [...] A
particularidade das em oções res ide em que ref letem as
relaç ões entre o s m otivos (n ecess idade s) e o êxito ou a
possibil idade de rea lizaçã o exit osa de um a atividade do
sujeito q ue res pon da àque le s. Além disso, não se trata
aqui da ref lexão s obre estas relações, m as de seu ref lex o
sensorial dir eto, da vivência. 113 (LEONTI EV, 1978b, p.154,
tradução noss a).

Nesse caso, as emoções aparecem como sinais internos


indicando essas mesmas relações. “[...] o papel de sancionar positiva ou
negativamente é cumprido pelas emoções [...]” (LEONTIEV, 1978b,
p.155, tradução nossa, grifo do autor).
Para além do caráter deflagrador da atividade, podemos
dizer que o afetivo existe, também, como processo e produto; inicia,
percorre e finaliza toda atividade humana.
Se o desejo nos motiva a agir diferentem ente segundo os
objetos que encontramos, ele – desejo – está relacionado com o im pulso
para a ação, já que condiciona nosso esforço, potencializando ou não a

113
No original: “Las emociones no subordinan a la actividad, sino que son su resultado y el
‘mecanismo’ de su movimiento. La particularidad de las emociones reside em que reflejan las
relaciones entre los motivos (necesidades) y el êxito o la posibilidad de realización exitosa de una
actividad del sujeto que responda a aquéllos. Además, no se trata aquí de la reflexión de estas
relaciones, sino de su reflejo sensorial directo,de la vivencia.”
130

atividade do sujeito. Isso é o que qualifica o caráter ativo, dinâmico do


afetivo na atividade.

Os im pulsos af etivo s são o acom panhan te perm anente de


cada etapa n ova no desenvolvim ento da crianç a, a part ir
da inf erior até a mais superior. Cabe dizer que o af eto
in ic ia o process o d e desenvo lv im ento psí quico d a cr ian ça,
a f orm ação de sua person alidade e encerra ess e
processo, culm inand o ass im todo o des envolv im ento da
personalid ade [...] o af eto é o alf a e o ôm ega, o prim eiro
e o últ im o elo, o prólo go e o epí logo de todo o
desen vo lv im ento psíquic o. 114 (VYGOTSKI, 1996, p.299,
tradução noss a).

Tendo em vista seu objetivo prim eiro – de explicar a origem


e o funcionamento da consciência humana –, Vigotski não deixou de
contem plar o afetivo e o cognitivo como uma unidade constante nesse
processo, m ediando a relação atividade-consciência na constituição do
psiquismo hum ano.
Encontramos no seu livro A construção do pensamento e da
linguagem (2000a) uma citação que resume sua versão quanto às
relações entre os processos intelectuais e afetivos:

Com o se sabe, a separaç ão entre a p arte intelectual d e


nossa consciênc ia e a sua parte af etiva e vol itiva é um
dos def eitos rad icais de toda a psico logia tra diciona l.
Neste caso, o pens am ento se transf orma inev itave lm ente
em um a corrente au tônom a de p ens am entos que pens am
a si m esm os, disso cia-s e d e toda a plenitude da v id a
dinâm ica, das m otivações vivas, do s intere sses, d os
envolv im entos do ho m em pensante e, as sim , se torna o u
um epif enôm eno totalm ente inútil, que nada pod e
m odif icar na vida e no com portam ento do hom em , ou uma
f orça antiga origina l e autônom a que, ao interf erir na vida
da co nsciên ci a e na v ida d o ind ivíduo, ac aba por
inf luenciá-l as de m odo incom preensível. Quem separou
desde o início o pe nsament o do afeto fecho u
def init ivam ente para si m esm o o cam inho para a
exp lic açã o das caus as do próprio pens am ento, porque a
análise determ ini sta do pens am ento pre ssupõe
necess ariam ente a revelação dos m otivos, necessidades,
114
No original: “Los impulsos afectivos são el acompañante permanente de cada etapa nueva en el
desarrollo del niño, desde la inferior hasta la más superior. Cabe decir que el afecto inicia el proceso
del desarrollo psíquico del nino, la formación de su personalidad y cierra ese proceso, culminando así
todo el desarrollo de la personalidad [...] el afecto es el alfa y el omega, el primero y último eslabon, el
prólogo u el epílogo de todo el desarrollo psíquico.”
131

interes ses, m otivações e tendênc ia s m otrizes do


pensam ento, que lhe or ient am o m ovim ento ness e o u
naqu ele as pecto [...] A anális e [...] m ostra que ex iste um
sistem a sem ântico dinâm ico que repre senta a unid ade
dos proce ssos afet ivos e intelectua is, que em toda idéi a
existe em f orma ela borada, um a relação afetiva do
hom em com a realidade re presentada nessa idé ia. El a
permite rev elar o mov imento direto que v ai da
necess idade e d as motiv ações do home m a um
determin ado sentido do seu pens ament o, e o movi mento
inverso da di nâmi ca do p ensa mento à dinâmic a do
comportamento e à ativ ida de concre ta do ind ivíduo.
(VIGOTSKI, 2000a, p.16-17, gr if o nosso) .

Em resumo, nessa prim eira parte do estudo – que teve por


objetivo oferecer ao leitor elem entos teórico-filosóficos e m etodológicos
para pensar o afetivo a partir da Psicologia Histórico-Cultural –,
procuramos retratar a constituição dos processos afetivos buscando
superar as dicotomias, as abordagens individualizantes e o modelo
subjetivista que ainda sobrevive na ciência psicológica quando se
estuda o capítulo dos afetos e da motivação.
Tivemos a preocupação de mostrar como as emoções
humanas ainda são equiparadas às sensações, percepções e instintos,
num enquadre simplista que naturaliza o af etivo, afastando-o da história
de constituição dos demais processos psíquicos.
Para além da crítica deflagrada por Vigotski (2004) sobre o
equívoco filosófico que ainda sustenta a teoria das emoções na
psicologia contemporânea, procuramos reconduzir emoções e
sentim entos para o núcleo da consciência e atividade humanas.
Para tanto, trabalham os com algumas categorias que
puderam nos auxiliar na compreensão do ser homem. Não falamos de
qualquer hom em, abstrato, universal e apriorístico, mas estivemos
atentos a circunscrever a form ação humana nos limites de certa forma
de organização social, marcada pela historicidade, que condiciona a
constituição da essência humana na e pela atividade.
A partir da categoria atividade fom os rastreando um
universo especificam ente hum ano, o universo das conquistas,
descobertas, construções e objetivações sociais, ou seja, sobre como o
trabalho – categoria fundante da essência humana na perspectiva
132

marxiana – permite a objetivação do homem, tanto quanto possibilita a


apropriação desta mesma realidade.
Destacando as relações do homem com a natureza,
interrogamos sobre a alma humana que, na linguagem contem porânea,
convencionou-se cham ar de consciência. Um “sistema de
conhecimentos ” que não existe em si e por si mesmo, anterior às
diferentes formas de relação deste hom em com a realidade, mas que
depende das afecções, encontros, lutas e confrontos do sujeito com
aquilo que existe fora dele e que, por isso m esmo, precisa ser
experim entado, apropriado por ele, tornando-se parte de seu ser.
Sobre o modo como a psicologia de Vigotski explica a
categoria vontade no domínio da própria conduta, constatamos a
aproxim ação da sua teoria com o pensamento espinosista que, na
contramão da vertente cartesiana, elege o conhecimento como um
elemento vertebrador que m odifica e transforma a natureza da
consciência e, por conseqüência, dos processos afetivos.
A partir desse recorte teórico-conceitual, esperamos ter
podido demonstrar nossa tese segundo a qual Vigotski buscou explicar e
com preender a constituição do afetivo por m eio da atividade do sujeito
interm ediada pelos instrumentos e signos – portadores da cultura
humana – que, ao serem apropriados, passam a fazer parte da
consciência, conformando a particularidade psíquica de cada indivíduo
humano.
Eis porque encontramos no sentido pessoal, a unidade
afetivo-cognitivo, pois como síntese da atividade de apropriação-
objetivação, é só por meio dele que o significado social adquire
existência subjetiva.
Sendo assim, falar dos af etos, da vontade, de interesses ou
motivação significa dizer que eles acontecem em relação ao grupo a que
o sujeito pertence e requer explicitar de que lugar o sujeito fala, qual é
seu espaço social, seu acesso e domínio dos conhecimentos
historicamente acumulados.
Dizer que o pensamento e os sentimentos são processos
psicológicos desenvolvidos pelo sujeito na sua relação com o mundo e
133

que, portanto, as funções psicológicas superiores são exigidas por um a


dada forma de relação desse sujeito com os objetos do conhecimento,
coloca a educação escolar no centro de um a discussão que merece ser
desenvolvida na próxima parte desse estudo.
134

PARTE II – IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS

“A transformação das idéias


científicas em convicção pessoal é
um a das tarefas mais im portantes de
qualquer aprendizado e educação do
hom em.” (KOPNIN, 1978, p.348,
grifo nosso).
135

Nossa preocupação, nesta segunda parte do estudo, é


pensar o encaminhamento dessas compreensões teóricas para a
realização do trabalho educativo com as crianças na escola. Isso nos
coloca uma questão com o seguinte contorno: o que significa para a
prática docente considerar que a constituição do afetivo se dá a partir
da atividade da criança, e que a unidade afeto-cognição é uma
condição para entender esse processo?
Na escola, as emoções têm sido, equivocadamente,
interpretadas à margem das outras funções conscientes, que podem e
devem ser “trabalhadas” ou “aperfeiçoadas” acentuando a dicotomia
entre afetivo e cognitivo. Essa interpretação errônea tem levado
professores e profissionais da Educação a pensar em estratégias
promotoras dessa “dim ensão”, subdividindo o processo pedagógico em
momentos de ensino e de aprendizagem ora cognitiva e ora emocional
(ARANTES, 2002, 2003; GOLEMAN,1995).
Essa separação afetivo-cognitivo é uma artificialidade
criada pela psicologia tradicional burguesa e a priorização de um
elemento em detrimento do outro é resultado de um longo processo
histórico que se ocupou de falsas dicotomias impedindo de ver o
homem na sua totalidade.
Uma das conseqüências desse modo de pensar a
realidade social e hum ana que separa o hom em da história, o objetivo
do subjetivo, razão e emoção, é que a psicologia tradicional –
sustentada pelo modelo positivista de ciência – foi construindo e
disseminando uma visão subjetivista dos processos psicológicos que,
descolados da estrutura social, fazem a apologia do “eu” e, ao fazê-lo,
criam a ilusão do “eu individual”.
Em âmbito escolar, essas prescrições subjetivistas da
Psicologia dão vida a modelos pedagógicos que relativizam o papel da
Educação e, especialm ente da educação escolar, contribuindo para a
manutenção das forças sociais e econômicas que operam no sentido de
impossibilitar o processo de humanização de cada sujeito.
Partim os de uma hipótese inicial que considerava a
possibilidade de explicar a constituição do afetivo a partir da atividade
136

do sujeito. Dado que, por meio da efetiva apropriação dos instrumentos


e signos – fundamento do trabalho educativo – se promove formas mais
desenvolvidas de pensamento, entendem os que essas conquistas
intelectuais pudessem ser ativadoras de novos modos de sentir
passando a interferir, diretamente, na consciência e atividade do sujeito.
Assim chegam os à escola e ao lugar que a mesma ocupa
na superação da histórica dicotomia entre afeto e cognição.
Contudo, advertimos ao leitor de que não é nosso objetivo,
aqui, caracterizar as possíveis modificações do afetivo observadas em
cada uma das etapas do desenvolvimento infantil e que acontece em
função do movimento e das transformações quantitativas e qualitativas
de sua atividade; isso excederia os limites desse estudo. Noss a
intenção é, tão somente, pontuar o caráter mediador de alguns
elementos que operam no espaço escolar e que interferem na
conformação do afetivo m arcando a função do pedagógico nessa
constituição.
137

C APÍTULO 4 – A Educação na perspectiva Histórico-Cultural

“Las convicciones que podemos adquirir en


la escuela mediante el conocimiento,
solamente podrán echar hondas raíces en la
psíquis infantil cuando esas convicciones se
consoliden emocionalmente.” (VIGOTSKII,
1987a, p. 67).

O princípio da educação é a necessidade de transmissão


da cultura material e intelectual (LEONTIEV, 1978a) aos descendentes.
Para a teoria Histórico-Cultural, a humanização ou o processo de
formação das qualidades hum anas acontece como processo de
educação.
Diferentemente de outras abordagens em Psicologia que
viam o processo de hum anização como um processo de crescimento e
maturação, produto da herança genética ou originado a partir d a
presença ou ausência de potências internas, a Psicologia Histórico-
Cultural vê o ser humano e sua hum anidade como produtos da história
criada pelos próprios homens.
A principal tese dessa escola de pensam ento versa sobre
a experiência social com o fonte do desenvolvim ento psíquico e atest a
que os objetos e fenômenos humanos encarnam aptidões e habilidades
desenvolvidas pela prática social ao longo da história.

[...] no decurso d a activ idade dos hom ens, as suas


aptid ões, os seus conhe cim entos e o seu saber-fazer
crista lizam-se de certa m aneira nos seus produtos
(m ateriais, int electu ais, idea is) [...] Para se qpropriar
destes re sultado s, p ara f azer deles as suas aptidões, “os
órgãos da sua in div idua lidade”, a cr ianç a, o ser hum ano,
deve entrar em relação com os f enômenos do m undo
circu ndant e através doutros hom ens, isto é, num
processo de com unicaç ão c om eles. Assim a criança
aprend e a act ividad e adeq uada. Pela sua f unção, este
processo é, p ortanto, um processo de educação.
(LEONTIEV, 197 8a, p.272, grif o do autor ).

Pensar a educação, como fundamento da natureza


humana, significa entendê-la com o um "processo de formação do
indivíduo" (DUARTE, 1993) que se dá de dois modos: de forma
138

espontânea, ou seja, quando não existe um a intenção deliberada e


consciente de ensino e aprendizagem por parte de quem ensina e de
quem aprende e de forma dirigida e intencional, quando o ato educativ o
é, fundam entalm ente, um a situação de aprender-ensinar (aprender a
utilização de objetos, instrum entos, símbolos, valores, conceitos e
padrões da cultura).
Nas duas maneiras de se conceber o fenômeno educativo,
espontâneo e/ou intencional, o mesm o se coloca no centro do processo
de constituição da subjetividade humana.

A f orm ação do indivíduo é, portant o, sem pre um


processo educat ivo, m esm o quando essa educaçã o se
realiza de f orm a espontâne a, isto é, q uando não há um a
relaç ão consciente (tanto de parte de quem se educa,
quanto de parte de quem age com o medi ador) c om o
processo educat ivo que e stá se ef etivan do no interior de
um a determ inada pr ática social. (DUARTE, 1993, p.4 7-
8).

Nessa mesma direção, Mészáros apresenta uma


concepção am pla de educação concordando com a frase de Paracelso
(apud MÉSZÁROS, 2005, p.47) “A aprendizagem é a nossa própria
vida, desde a juventude até a velhice [...]”, à qual ele complementa
dizendo que “[...] muito do nosso processo contínuo de aprendizagem
se situa, felizm ente, fora das instituições educacionais formais.”
(MÉSZÁROS, 2005, p.53).
Seu objetivo é pontuar que desde a nossa primeir a
infância, nos contatos com a arte e a poesia, até em nossas
experiências de trabalho estamos nos apropriando de conteúdos e
experiências sociais que constituem nossa forma humana de ser e que,
para além desse saber, existe aquele outro que acontece de forma
institucionalizada. E é para este outro modo de aprender que Mészáros
(2005) estende sua crítica teórica e política pensando a Educação para
além do capital e dos limites impostos pelas concepções liberais e
pelos modismos pós-m odernos.
Isto posto, tem os claro que para a teoria Histórico-Cultural
as relações humanas que se concretizam fora do ambiente escolar sã o
139

constituidoras de um saber, já que mesmo nesse espaço as relações


com os objetos culturais determinam e conformam a subjetividade da
criança. Todavia, é para o modelo formal de educação escolar que os
autores dessa m esma teoria – Leontiev (1978b, 2001); Luria (1994);
Vigotski (2001); Davídov e Márkova, Elkonin, Galperin, Poddiákov e
Zaporózhets (apud DAVÍDOV, V.; SHUARE, M., 1987) – direcionam seu foco
de atenção.
É neste espaço que, teoricamente, estão reunidas as
condições fundamentais para que ocorra a aproximação entre o sujeito
e a cultura, e é por meio da educação que acontece na escola que os
indivíduos terão a possibilidade de desenvolver suas máximas
capacidades e habilidades humanas, aquelas que decorrem da história
do desenvolvim ento social e que constitui o gênero hum ano em suas
máximas possibilidades.
Reiterando essa idéia, Saviani define o trabalho educativo
com o:

[...] o ato de pro duzir, diret a e inten ciona lm ente, em


cada indivíduo singular, a hum anidade que é produ zida
histór ica e coletivam ente pelo conj unto dos hom ens [...]
a esco la é um a institu ição cujo p apel consiste na
socialização d o sab er sistem atizado. Portanto, a escola
di z res pe ito ao c onhec im ento elaborado e nã o ao
conhe cim ento espontâneo. (SAVIANI, 2003, p.13-14).

Diante dessas reflexões cabe-nos, a partir de agora,


argumentar sobre o lugar onde se tem colocado e os modos com o se
têm pensado a constituição dos processos afetivos nas relações do
sujeito com o conhecimento, que acontecem na escola, e o que isso
representa para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças.

4.1. A educação escolar e o desenvolvimento das funções


cognitivas e afetivas

O tema da motivação tem sido abordado, tanto na


Psicologia quanto na Educação, como um a dimensão autônom a do
140

funcionamento do sujeito, descolada da sua origem social. Esse


mecanismo faz (re) aparecer um pensamento que, na Psicologia,
direciona para as características e diferenças individuais a tônica
motivacional que orienta a aprendizagem, retirando desse processo a
historicidade que condiciona as apropriações do sujeito e que inclui,
também, sua trajetória de educação escolar.
Esse enfoque psicológico que define desejo, interesse e
motivação como aspectos inerentes à personalidade das crianças
parte de um a perspectiva naturalizante, dispõe sobre a primazia d o
sujeito e desloca o ponto de vista do social para o individual, nutrindo e
fortalecendo, no terreno da educação escolar, as cham adas pedagogias
construtivistas 115.
Fruto de uma perspectiva humanista em Psicologia, esse
modelo pedagógico encerra a idéia fundamental da fragm entação d o
psiquismo em aspectos cognitivo e afetivo, postulando que a escola
deveria dar maior atenção aos sentimentos, desejos e necessidades
que os alunos trazem consigo, como forma de atender aos seus
interesses que, m uitas vezes não condizem com aqueles conteúdos que
o professor pretende ensinar.
Vários autores (ARCE, 2000; DUARTE, 1993, 2000, 2001;
FACCI, 2004; MARTINS, 2004, 2007; ROSSLLER, 2000) têm se
dedicado a uma análise crítica, aprofundando os fundamentos dess e
modelo pedagógico e denunciado suas conseqüências para a
aprendizagem e o desenvolvimento das crianças em idade escolar,
principalmente daquelas oriundas das cam adas mais pobres da
população.
Não é nosso objetivo, aqui, desenvolver essa discussão,
mas apenas pontuar como a vertente humanista da Psicologia, com
suas repercussões em âmbito escolar, entende o fenômeno da
motivação, para, então, tecermos algum as considerações sobre a

115
No livro Escola e Democracia, Saviani (2002) analisa criticamente essa pedagogia de essência
humanista que se traduziu no movimento escolanovista e que obteve grande aceitação no sistema
educacional brasileiro. Duarte (1998, 2001) também faz uma importante avaliação crítica desse
movimento e de suas interfaces com o construtivismo piagetiano.
141

constituição dos processos afetivos na escola a partir da Psicologia


Histórico-Cultural.
No livro Para onde vão as pedagogias não-diretivas,
Snyders (1978) faz uma crítica pedagógica e política reunindo um
conjunto de argumentos consistentes sobre a falsa idéia da
naturalização do desejo – que para essas pedagogias é visto como
força vital, espontânea, natural, pré-formado no interior do indivíduo –
e suas conseqüências para a prática pedagógica. Nesta obra, ele
analisa o perfil teórico de alguns autores 116 e discute os
desdobramentos dessa análise para a prática pedagógica.
Quanto à relação conteúdo de ensino e desejo da criança,
os autores analisados por Snyders apontam que:

[...] não há na rea lid ade objet o de ensin o, nem algo que
val ha a p ena s er ensinado [...] o desejo da criança bast a
a cada in stante, par a lhe bas ear o desenvolvim ento [...]
A criança tem capacidades naturais que a def inem , que
constit uem um dado irref utável; f oram -lhe atrib uídas p or
um a Providênc ia, publ ic am ente cham ada Natureza... e
um a vez p ara sem pre [...] Neste tipo d e educ açã o “as
crian ças aprendem som ente o qu e querem ", a única
f unção do m estre é reconh ecer es sa vontade da criança.
(SNYDERS, 1978, p. 61-63, grif o do autor ).

Prevalece, aqui, a idéia de que cada pessoa tem, em si


mesma, todos os recursos e motivações necessários à sua atividade. A
essa idéia, uma outra é incorporada: a questão da ausência do
educador.
A ausência de comunicação entre professor e aluno alia-
se à incom unicabilidade entre os alunos e a cultura. Esta é vista com o
um domínio completamente exterior à vida dos estudantes.

116
São reunidos por George Snyders (1978) como fazendo parte do grupo de autores não-diretivos:
Kurt Lewin (1810-1947) – nascido na Alemanha – professor de Psicologia na Universidade de
Berlim; A.S. Neill fundador da escola de Summerhill em 1921, na região de Londres; Carl R. Rogers
nascido em 1902 em Chicago o qual, depois de ter começado a estudar para pastor, consagra-se à
Psicologia e ao ensino de Psicologia, desenvolvendo, ao mesmo tempo, atividade como terapeuta e
Michel Lobrot, professor na Universidade de Paris.
142

[...] não há nada a aprender, não h á nada qu e m ereça


ser aprendido; as obras hum anas, os resulta dos d os
esf orços e das luta s, são igualm ente recusados. Bast a
conf iar-se à vida, ao am or, basta reali zar "o dom de
am or", num a espontane ida de que nada deve à act iv ida de
teórica nem prática da h um anidade que nos prece deu, da
hum anida de n o m eio da q ua l vivem os. (SN YDERS, 1978,
p. 58).

Conforme Snyders (1978), a psicologização dos problemas


sociais fica explícita quando afirma-se que os acontecimentos d o
mundo são apenas um pretexto, nunca a causa principal de nossas
dificuldades. As estruturas sociais, as form as de organização social
não explicam as diferenças entre os homens, sua causa seria de
natureza interior, psicológica: "o m al da alma" (SNYDERS, 1978, p.64).
Conseqüência disso, é que as crianças assim formadas, são entregues
ao conformism o e à adaptação passiva ao meio estabelecido, à
sociedade vigente.
Em sua pesquisa, Collares & Moysés (1996) buscaram
resposta à questão sobre por que as crianças não aprendem e também
encontraram o argumento da motivação. Fortem ente enraizado no
discurso de professores e diretores está o fato de que as crianças
faltam às aulas porque não têm interesse em aprender. Segundo as
autoras:

A mot ivaç ão, nov am ente, é um processo exclus iv ament e


interno à criança, ao qua l a escola não tem acesso. A
escola não se s ent e respo nsáv el por não ser atraente
para o s eu púb lic o [...] Desaf iar a cria nça, m otivá-la a
querer conhe cer cad a vez m ais, f aze- la s e sent ir sedenta
por m ais e m ais desafios... Apar entem ente, não são
tarefas para o pr of essor. (COLLARES & MOYSÉS, 1996,
p.163, gr if o nosso).

Acreditamos não ser necessário ir além do exposto para


mostrar o antagonismo entre essas idéias pedagógicas que evocam o
interesse e a m otivação como um fenôm eno individual, ligado à
dimensão organísmica do sujeito e, portanto, inacessíveis ao educador
e os pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural.
143

Ao contrário da atitude contemplativa que o professor


assume naquele modelo pedagógico, a Psicologia Histórico-Cultural
pontua a necessidade de o professor reconhecer seu lugar e função no
processo de interlocução entre aluno e cultura.
Rompendo com a idéia das disposições intrínsecas da
criança, cabe a ele – professor – compreender que os objetos culturais
trazem, em si, a possibilidade de afetar, ou seja, de mobilizar um afeto,
um desejo, potencializando ou não a atividade do aluno, a qual poder á
vir a se transformar em aprendizagem e, conseqüentemente, em
desenvolvimento. Tal possibilidade emerge conforme esse mesm o
objeto atenda ou não às necessidades da criança.
Caberia então aos educadores proporcionar, além do
encontro, a aproximação e a correspondente utilização dos objetos
culturais pela criança e, rompendo com os limites im postos pelo seu
contexto imediato de vida, criar uma via de acesso à cultura hum ana e,
dessa forma, fom entar necessidades que, por m eio da atividade da
criança, no fazer pedagógico, poderão vir a se constituir em motivos.
Vigotski (1996) nos ensina que, desde muito pequenas, as
crianças têm sua atenção despertada pelos objetos humanos, e que
esses são os responsáveis pelas suas respostas afetivas.
Já no primeiro ano de vida, a existência social da criança
é, desde os primeiros contatos com o adulto, um a relação mediada
pelos objetos, da mesma f orma que a sua própria relação com os
objetos requer a mediação dos adultos. É o adulto quem apresenta o
objeto para a criança, mostra seu funcionamento e suas qualidades.
Nesta fase, são principalmente eles que atraem, controlam e
determinam sua atenção. “[...] é como se de cada objeto emanasse um
afeto de atração ou repulsão que é o motivo que estimula a criança.”
(VIGOTSKI, 1996, p.342, tradução nossa).
São esses objetos que determinam, na criança, o caráter
de afecção, que também se denomina experiência. “Ou seja, a
experiência per-fazendo, per-correndo, per-passando, per-durando [...]”
(FOGEL, 2002, p.97), e, como tal, cumprindo o papel de potencializar,
ou não, as ações da criança, dependendo de como aconteçam o
144

contato, a observação, a experim entação e a apropriação dos mesmos,


que passarão a constituir suas imagens cognitivo-afetivas.
Não temos a pretensão de detalhar, nesse estudo, cada
fase do desenvolvimento da criança, mas tão somente pontuar alguns
momentos em que se observa a possibilidade de transformação objetiv a
do seu comportamento, pelo acesso à cultura humana e que acontec e
117
por meio do “outro” , já que, como observa Corral (2006), em sua
essência, o “domínio artificial do comportam ento” e os processos
psicológicos que o produzem incluem a vivência dos afetos que “[...]são
desm ontados de suas raízes genético-biológicos e reestruturados com
significados sociais, próprios de um a cultura.” (p.137, tradução nossa).
Frente ao exposto, afirmam os nossa posição de que o
professor é figura central nos processos de ensino e de aprendizagem
escolar e, como tal, responde pelo conteúdo e pela forma de
organização das experiências da criança as quais, constituídas com o
atividade (LEONTIEV, 1978b, 2001), garantem a apropriação da
cultura.
Contudo, sublinhamos o fato de que muitas vezes a prática
pedagógica do professor encontra-se alicerçada sobre idéias de senso-
com um que valorizam mais um empirismo imediatista do que o
necessário aprofundamento teórico (MELLO, 1996). Isso faz com que
atue conservando o ranço de que as características individuais sã o
dadas a partir da evolução de estruturas biológicas já postas desde o
nascimento da criança, incluindo suas “disposições afetivas” e sua
motivação para esta ou aquela aprendizagem.

117
Sobre as especificidades do papel do educador em relação ao processo educativo e ao
desenvolvimento infantil do nascimento ao terceiro ano de vida, ver LIMA, E. A. Re-conceitualizando
o papel do educador: o ponto de vista da Escola de Vigotski. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP, Marília, 2001; sobre as regularidades do desenvolvimento
da personalidade infantil entre 0 e 10 anos, consultar BISSOLI, M.F. Educação e desenvolvimento da
personalidade da criança: contribuições da Teoria Histórico-Cultural. Tese (Doutorado em Educação)
– Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP, 2005 e sobre as especificidades entre ensino e
desenvolvimento infantil na faixa etária de 0 a 6 anos ver PASQUALINI, J.C. Contribuições da
Psicologia Histórico-Cultural para a educação escolar de crianças de 0 a 6 anos: desenvolvimento
infantil e ensino em Vigotski, Leontiev e Elkonin. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar),
UNESP, Araraquara, 2006.
145

Em razão do desconhecimento da potência que os objetos


culturais assumem na form ação da criança, os professores passam a
adotar, muitas vezes, uma atitude de expectadores com relação aos
processos afetivos que poderão vir a ser experim entados e constituídos
pelas crianças nos momentos de aprendizagem escolar, já que sua
atenção se volta, exclusivam ente, aos processos cognitivos que os
conteúdos escolares deverão suscitar.
Assim posto, reiteramos que pensar no desenvolvimento
das funções cognitivas implica, necessariam ente, pensar, tam bém, nos
processos afetivos que iniciam, percorrem e finalizam os vários
momentos da atividade da criança na relação que esta mantém com as
conquistas científicas e culturais que permeiam o trabalho pedagógico.

4.1.1. O afetivo nos processos de ensino e de aprendizagem


escolar

Para além do fato de que as emoções não podem ser


pensadas como um impedimento em situações de ensino e de
aprendizagem escolar, já que a vivência afetiva se coloca como
condição para e resultado da atividade da criança, acrescentamos que
o trabalho do professor incide sobre os processos afetivos interferindo
na construção do sentido pessoal da aprendizagem escolar de seus
alunos.
Porém, não se trata de tomarm os o afetivo, no contexto da
escola, como simples demonstrações de atenção, carinho e elogio aos
alunos, por parte dos prof essores, mas analisarmos tais processos
com o um fundamento presente em todo pensamento e em toda a ação
desenvolvidos pela criança ao longo de sua vida.
Como estes processos são subjetivos, aparentem ente,
eles pertencem ao sujeito, apenas. Surgem com o uma caixa preta,
indecifrável, para aqueles que com ele convive, mas sabemos que, em
sua essência, pensamento e sentimento são processos psicológicos
desenvolvidos pela criança nas suas relações com o mundo, a partir
dos encontros que acontecem em função dos objetos e, portanto,
146

dependentes das formas como estes são apropriados e objetivados por


ela na sua história educacional.
Neste sentido, entendemos que possam existir algumas
estratégias de ação que facilitem o conhecimento e a apropriação,
pelas crianças, dos conteúdos escolares, tornando-os elementos
motivadores para a aprendizagem escolar, pois é certo que esses
conteúdos também se constituem em mediações sociais na constituição
da subjetividade infantil.
Uma delas é a aproximação entre a escola e a realidade
de vida das crianças. Partimos da idéia, já contida na teoria
espinosista, de que som os seres naturalmente passionais e que,
portanto, sofremos a ação de causas exteriores a nós (CHAUÍ, 2001).
Isso remete à possibilidade, também referida por Espinosa, de que é
possível superar o nível das idéias-afecções rumo ao domínio das
causas que nos afetam.
Mas só poderemos, efetivamente, saber quais as
demandas que afetam as crianças, conhecendo-as, ou seja, penetrando
em suas realidades de vida, no interior de suas necessidades. Levar a
cabo essa idéia implica saber quem é a criança? De onde ela vem?
Quais são seus afazeres no dia-a-dia fora da escola? E quais as
necessidades que traz consigo para dentro dela, formadas na vida fora
dessa instituição? Que lugar ela ocupa no interior das relações por
onde transita? Ou seja, falamos de uma infância historicizada, com um
lugar e um tempo marcados socialmente que condicionam o
desenvolvimento das capacidades humanas.
Essas e outras indagações podem ser o ponto de partida,
orientador de um novo olhar da escola e dos professores sobre esse
sujeito do conhecimento e sobre suas motivações para esta ou aquel a
aprendizagem.
Não se trata da idéia, equivocada, de que se deve partir
daquilo que a criança já sabe para ensinar novas maneiras de se
relacionar com os objetos que já domina, reforçando um saber empírico
que ela obtém, com facilidade, nas suas relações cotidianas,
independentem ente da escola.
147

Ao contrário, trata-se de uma disposição em compreender


a realidade de vida da criança, para então relacioná-la aos conteúdos
que precisam ser ensinados pela escola e, uma vez que são esses
objetos que possibilitam transformar necessidades em motivos, é papel
da escola criar novas necessidades, motivando a atividade da criança.
Entendem os que a função primeira dos conteúdos
escolares deva ser a de permitir um aprofundam ento do modo de
pensar das crianças (ABRANTES & MARTINS, 2006). Dessa form a os
mesmos precisam assumir, no processo educativo, a posição de
instrumentos, ferramentas de desenvolvimento humano e não, com o
costumam os assistir em nossas escolas, o caráter de objetivo último de
toda prática pedagógica.
Esse caminho de aproximação com a realidade de vida da
criança pode produzir, nesta, uma sensação de pertencimento em
relação aos propósitos da escola e aos conteúdos por ela trabalhados,
oportunizando novas relações entre a criança com o universo escolar.
O querer ou o desejar vêm em conseqüência do
conhecim ento do objeto, portanto esse desejo não é livre (ESPINOSA,
2004; LEONTIEV, 1978b), mas dependente das mediações e de com o
esse objeto surge – ou não – na vida da criança, e de quais valores são
atribuídos a ele pelos seus pares e por ela mesma.
Vale ressaltar que não é possível supor o desejo ou o
prazer pela leitura quando esta não se faz presente no cotidiano de
uma criança, quando este objeto social não é valorizado, nem utilizado
com o ferramenta nas suas relações interpessoais. Neste caso, sua
dificuldade em se relacionar com tal objeto, antes de se caracterizar
com o um a dificuldade individual, como falta de interesse, desejo ou
motivação para com a linguagem escrita é um a dificuldade de acesso a
esse conjunto de conhecimentos, de escassez de experiências, ou dito
de outro modo, um a dificuldade de classe.
Conhecer a realidade e as demandas que esta impõe à
criança cria uma possibilidade de a escola saber quais são as formas
ideais (VIGOTSKI, 1994) com as quais a criança se relaciona n o
ambiente extra-escolar. Este constitui uma fonte de todos os traços
148

humanos específicos da criança, e se a forma ideal apropriada nã o


estiver presente, deixará de se desenvolver na criança a atividade, a
função psíquica, a capacidade e a qualidade hum ana nela envolvida.
O mergulho na realidade da criança e o conseqüente
conhecim ento, pela escola, dessas formas ideais, com as quais a
criança convive, pode se constituir em ferramenta de trabalho para
educadores comprom etidos com o processo de transform ação dos
modos de pensar, sentir e agir dessas crianças, com o seu processo de
humanização.
A possibilidade de analisar a evolução dos processos
afetivos, seu caráter histórico, deve considerar a dependência entre
esses processos e o conhecimento, que se dá a partir da atividade de
apropriação-objetivação dos significados sociais que acontecem fora e
dentro da escola.
Portanto, a inserção do professor com o elemento
fundamental no desenvolvimento das funções cognitivas e afetivas e a
aproxim ação à realidade de vida das crianças, enquanto instrumento
pedagógico, visando uma prática mais motivadora aponta para dois
aspectos essenciais neste processo: a prerrogativa de criar, nas
crianças, um a potência de ação pela via do conhecimento e o caráter
intencional da prática docente.
Garantir às crianças a apropriação dos conhecimentos,
ultrapassando os elementos em píricos, pela via do desenvolvimento do
pensamento, é função da educação escolar. Esta é responsável por
formas mais desenvolvidas de pensamento produzidas historicam ente,
ou seja, pelo processo de superação do pensam ento empírico pelo
teórico 118 (ABRANTES & MARTINS, 2006).
Quanto maior e mais abrangentes forem os conhecim entos
da criança acerca dos elementos do mundo em que vive – a ciência, a
filosofia, a arte, a política – mais instrumentalizada ela estará para agir
de forma autônoma nessa realidade. Com base nesses elementos, a

118
Conforme Abrantes & Martins (2006), o pensamento teórico também considera o que é dado
sensorialmente, mas visa reproduzir o processo de transformação das coisas, representando por
meio de conceitos. Os conceitos são formas de atividade mental pelas quais os objetos são
reproduzidos em formas de idéias.
149

educação escolar atinge seu objetivo prim eiro de form ar sujeitos ativos,
que possam se orientar no m undo, decodificá-lo, f azer suas escolhas,
deixando-se dominar, unicamente, por necessidades humanizadoras.
É importante ressaltar que esse domínio do
com portamento não se refere apenas, e tão somente, às soluções de
problemas ou a tarefas cognitivas, mas, igualm ente, à vivência afetiva
que conforma esse processo. Recuperando a premissa histórico-
cultural da interfuncionalidade do sistema psíquico (VYGOTSKI e
LURIA, 1996), dado o avanço do conhecimento conceitual, as emoções
passam a assumir novas configurações, prom ovendo novas form as de
sentir e conceber o objeto.
Os jogos infantis se constituem num mecanismo a partir do
qual se pode observar esse processo de formação do domínio
emocional. Os jogos de papéis sociais ou as brincadeiras-de-f az-cont a
exigem da criança um domínio do com portamento que se baseia em
regras de condutas sociais, ou seja, o jogo faz com que a criança
assuma o comportam ento de um personagem que trará, implícito, uma
matriz afetiva. Em outras palavras, para desempenhar um papel social
é preciso incorporar um “jeito de ser” mãe, irmã, professora, enfermeir a
e tantos outros diferentes personagens.
Esses jogos cumprem a tarefa de ajudar na formação do
domínio emocional, porque oferecem a possibilidade de a criança (re)
produzir a vivência de m aneira integral como unidade de form ação
cognitiva e afetiva, que ela o faz, também, a partir de situações de vida
concretas e historicamente datadas. Isso significa que a criança partir á
de situações experienciadas ou conhecidas por ela, e que a ampliaçã o
dessas fontes também poderá ser objeto da escola.
Este avanço nos modos de pensar e sentir um mesmo
objeto que, no caso dos jogos infantis, refere-se aos significados
sociais atribuídos aos diferentes personagens, im plica para a criança
ser fiel e exercitar todas as restrições não somente cognitivas, mas
também af etivas, ou ainda “[...] seguir um roteiro que a cultura marca
[...]”. “A criança aprende a sentir o papel.” (CORRAL, 2006, p.139,
tradução e grifo nosso).
150

Contudo, o exercício que pressupõe ir além dos afetos


passivos – aqueles em que o sujeito não tem domínio sobre as
afecções – em direção aos ativos (ESPINOSA, 2004) não emerge de
forma espontânea e natural, m as deve acontecer de maneira planejada,
com procedimentos de ensino organizados e relações intencionalmente
construídas.
Elkonin (1987) faz importantes considerações sobre o jogo
na idade pré-escolar, apoiando a idéia de que os desejos infantis não
permanecem inalterados, mas se formam no processo do jogo, que a
forma com o se organiza os jogos podem torná-los mais ou m enos
interessante para as crianças e que ao tornar o papel social pleno de
conteúdos, o tornamos mais atrativo, formamos o desejo da criança.

Esta poss ib ilidade de f orm ar os desejos infantis, de


dirigi-lo s, faz do jogo um poderoso m eio educ ativo
quan do se intro duze m nele tem as que possu em grande
im portânci a para a educação. 119 (ELKONI N, 1987, p.101,
tradução noss a).

Assim, o jogo se coloca como um recurso pedagógico para


garantir a conquista das formas histórico-sociais da cultura no
desenvolvimento ontogenético, determinada pelos processos de
apropriação e pelo domínio das ações socialmente construídas
(VYGOTSKI, 1995). Isso caracteriza a especificidade histórica do
desenvolvimento do psiquismo dos indivíduos que vivem em diferentes
épocas, em diferentes culturas.
Em relação ao afetivo, significa considerarmos que nem
todas as crianças terão as mesmas respostas, nas mesmas idades às
mesmas brincadeiras infantis, observando-se as exigências culturais
para o desenvolvimento desses processos psicológicos. Vale lembrar
que o domínio da própria conduta, que im plica conhecer os estímulos
mediadores – signos/instrum entos – que afetam o sujeito, orientando
suas respostas cognitivas e afetivas (VYGOTSKI, 1995), pode e deve

119
No original: “Esta posibilidad de formar los deseos infantiles, de dirigirlos, hace del juego un
poderoso medio educativo cuando se introducen en él temas que poseen gran importancia para la
educación.”
151

ser objeto de atenção docente, dado que nos põe, novamente, frente à
questão da intencionalidade do trabalho do professor, e de como este
pode ser requerido no plano da organização das práticas pedagógicas
no interior da escola.
Outro aspecto que coloca os processos afetivos no centro
das discussões quanto aos procedimentos de ensino e de
aprendizagem escolar, diz respeito às categorias de imaginação e
criatividade.
Vigotski (1987a) discute a imaginação como uma função
psíquica que tem suas bases desenvolvidas a partir das experiências
reais da criança. Para o senso comum, diz Vigotski (1987a, p.10,
tradução nossa) “[...] a criação é privativa de uns quantos seres
seletos, gênios, talentos, autores de grandes obras de arte [...]”.
Contrariando essa idéia, o autor dispõe sobre a
precocidade com que essa função aparece no desenvolvimento da
criança, estando presente já por ocasião dos jogos infantis. Ele pontua
que a imaginação é m ais “pobre” na criança do que no adulto, em
função dos limites da sua experiência, uma vez que a atividade
criadora da imaginação se encontra num a relação direta com o volume
e a qualidade das experiências acumuladas.
Assim, quanto mais elementos extraídos da realidade a
criança dispuser, maior será a possibilidade de novas com binações e,
portanto, maior será sua capacidade criadora.
Conforme temos apontado, os processos afetivos sã o
constituidores de toda a atividade da criança nas relações que estas
mantêm com as objetivações humanas, o que nos leva a afirm ar que,
também, no caso da imaginação criativa, afeto e cognição ocupam o
lugar de fundam entos do pensamento criativo.
Os elem entos que entram na composição da criatividade
são, inicialmente, tomados e/ou experienciados pela criança no
confronto com a realidade, a partir da qual, em seu pensamento,
sofrem um a reestruturação, convertendo-se em produto de sua
imaginação que, posteriormente voltarão à realidade, materializando-se
em novas objetivações, que retratam sua atividade criadora.
152

Mas para que esse processo se efetive, devem estar


presentes o intelectual e o emocional. “Sentim ento e pensamento
movem a criação humana.” (VIGOTSKII, 1987a, p.25, tradução nossa).
Portanto, a função im aginativa depende da experiência e do
conhecim ento, tanto quanto das necessidades transformadas em
motivos, ou ainda, depende do desejo que, por sua vez, é dependente
da vontade.
Lem bremos que a vontade é a afirmação de uma idéia n a
consciência (DURANT, 2000) e que esse pressuposto determina um a
correspondência entre vontade e intelecto. Nesse caso, a vontade
passa a ser analisada como o prim eiro estágio de um processo que
culmina na ação exterior.
A vontade se afirma ou permanece na consciênci a
sustentada por desejos que, por sua vez, são constituídos a partir da
relação que a criança mantém com os objetos. Portanto, o querer, o
desejar nada podem criar por si só, são meros estímulos, incapazes de
engendrar um a atividade orientada. Em sua aparência, o processo
imaginativo fica condicionado a causas subjetivas e não objetivas, mas
a essência da atividade criadora pressupõe um sujeito que reflete a
quantidade e a qualidade das mediações concretas e das condições
objetivas de seu lugar e de seu tempo histórico (VIGOTSKII, 1987a).
À escola cabe desconstruir a idéia da vontade com o uma
faculdade psíquica, independente, que não sofre a influência de outros
determinantes e que é capaz de, por si só, regular o conhecimento e o
com portamento, como na versão do pensamento cartesiano que afirma
a liberdade do sujeito, com o o último a decidir se quer ou nã o
aprender.
Não se trata de afirmar que os alunos aprendem ou não,
são persistentes ou não porque são “dotados” ou não de “força de
vontade ”, mas compreender que a escola se constitui numa
possibilidade de intervir sobre a construção das idéias e desejos das
crianças, dando a elas condições para compreenderem sua vontade e,
assim, exercitarem o domínio consciente sobre a m esma.
153

Quando Vigotski (1995) proclamou que os signos sã o


instrumentos criados e introduzidos pelo hom em na situação
psicológica para cum prirem a função de autoestimulação, sua atençã o
estava voltada para aquele como um meio para dominar sua própria
conduta (ou a de outrem). Dessa forma, o traço característico
fundamental da operação psicológica superior é o domínio do próprio
com portamento por meio do signo.

Graças a e les s e or ienta a conduta soc ial da


personalid ade; os e stím ulos e signos assim f orm ados se
convertem no m eio fundam ental que per m ite ao indiví duo
domin ar seus própri os processos de com portam ento. 120
(VYG OTSKI, 1995, p .215, tradução e gr ifo nosso).

Deste modo, esse autor destaca dois aspectos


fundamentais na definição da conduta humana: o primado da atividad e
e o caráter mediado desta. Diz ele que “[...] o homem intervém
ativamente em suas relações com o meio e que, através do meio ele
mesmo modifica seu próprio comportamento, submetendo-o a se u
poder.” (VYGOTSKI,1995, p.90, tradução e grifo nosso).
Para Vigotski (1995) a intencionalidade se constitui,
precisamente, em criar uma ação que se deduz da exigência direta das
coisas ou do contexto histórico-social, com isso ele afirma o poder que
as coisas exercem sobre o sujeito e com o o sujeito, por meio das
mediações, do conhecimento sobre as causas dos f enômenos pode criar
e recriar objetivações através da sua atividade, assinalando a mediação
da unidade afetivo-cognitivo na superação das funções elementares em
direção às superiores, que caracteriza o domínio da própria conduta.
Em situação de ensino e aprendizagem escolar, isso passa
a ser definidor de um outro modo de organizar as práticas educativas.
Colocar o coletivo, na escola, como objeto privilegiado da prática
pedagógica pode ser um a das form as de desenvolver, na criança e nos
educadores, a percepção de que as coisas se afetam (MACHADO,

120
No original: “Gracias a ellos se orienta la conducta social de la personalidad; los estímulos y signos
así formados se convierten en el medio fundamental que permite al individuo dominar sus propios
procesos de comportamiento.”
154

1994), de que a constituição e a expressão de pensamentos e


sentim entos podem ser transformadas pela mediação do coletivo.
Estratégias de trabalho que visem à explicitação dos
objetivos de cada atividade, que criem espaços de discussão acerca
das mesmas – o porquê, o para que e como fazer –, que incentivem a
construção coletiva de regras, de produções artísticas e projetos
científicos, oportunizam a expressão do individual no coletivo levando
crianças e educadores a perceberem que todas as coisas e pessoas
participam de um dinamismo causal, produzindo efeitos, e que a
vivência dessas relações são determinantes de atitudes.
Além disso, dar voz às crianças pode se constituir em
instrumento de potencialização de suas atividades; a conquista de um
espaço para expressão de pensamentos e sentimentos expande as
possibilidades de participação individual, estabelecendo novos motivos
para aprender.
É preciso destacar para todos os envolvidos com os
processos de ensino e de aprendizagem escolar que “[...] o que
enfraquece a potência de vida é algo que acontece nas relações.”
(MACHADO, 1994). Não discutir coletivamente sobre as coisas que
acontecem na escola pode levar crianças, famílias e profissionais do
ensino a cultivarem a idéia de causas individuais para fenôm enos de
ordem social.
Ao comentar sobre algum as dificuldades que ainda
impedem a psicologia tradicional de se constituir numa ciência do
homem concreto, Saviani (2004) destaca a dificuldade de psicólogos e
educadores em compreender e trabalhar com o indivíduo empírico sem
perder de vista o sujeito concreto.
Como trabalhar com a criança em pírica, aquela que nos
chega diariamente na escola e que, atravessada por seus problemas,
dilem as, desejos e expectativas, aparentemente não demonstra
interesse, nem necessidade em aprender o conteúdo escolar
necessário?
Como ultrapassar essa barreira que se apresenta com a
roupagem da “falta de interesse”, dos “problemas emocionais” ou dos
155

“distúrbios de aprendizagem ” a partir da qual essa criança muitas


vezes não aprende?
Saviani (2004) responde que devemos com eçar por
apreender a multiplicidade de fatores que constituem a subjetividade
daquela criança que nos aparece com o desmotivada, que muitas vezes
demonstra não ter vontade para aprender e se esforça por manter sua
potência de vida distanciando-se dos conteúdos escolares. “[...] como
indivíduo empírico, a criança se interessa por satisfações imediatas
ligadas à diversão, à ausência de esforço, às atividades prazerosas.”
(SAVIANI, 2004, p.49).
Mas, isto nos coloca a tarefa de não perder de vista a
criança concreta, aquela que, pertencendo a um determinado contexto,
grupo ou classe social tem necessidades que precisam ser
desenvolvidas, transform adas, e que para isso a aquisição de
conteúdos significativos deve acontecer na escola não de modo
espontâneo, mas de forma intencionalizada.

Com o indivíduo c oncreto, por s int etizar as re laç ões


sociais qu e c aracteri zam a sociedade em que viv e, seu
interes se coincide com a apropria ção das objetiv ações
hum anas, isto é com o conjunto dos instrum entos
m ateriais e cu ltura is prod uzidos pe la hum anidad e e
incorpora dos à f orm a social de que a c riança participa.
(SAVI ANI, 200 4, p.49).

Na escola, essa intervenção intencional vai além da


simples exposição das crianças a estímulos diversos, disponibilizando
objetos da cultura, mas prevê a organização da sua atividade, o qu e
pressupõe o domínio de ferramentas teóricas, por parte dos
educadores, que favoreça a ponte entre os princípios e leis do
desenvolvimento infantil e os processos de ensino e de aprendizagem
escolar.
Assim posto, nessa segunda parte do estudo, tivemos por
objetivo trazer nossas com preensões teórico-filosóficas e
metodológicas para ajudar a pensar como o pedagógico participa,
156

interferindo na constituição do afetivo e condicionando aquilo se tem


denominado m otivação para a aprendizagem.
Referimos alguns aspectos que tangenciam a discussão
sobre a m otivação e que decorrem dos modos de pensar o afetivo no
espaço escolar e, uma vez que nosso principal objetivo durante o
estudo foi argumentar sobre a materialidade dos processos afetivos,
destacamos que a relação da criança com o mundo se faz a partir da
mediação dos objetos, signos e instrumentos culturais, e que nessa
relação entre o sujeito e os objetos está, necessariamente, o outro,
com-partilhando a atividade da criança e a construção das suas
funções cognitivas e afetivas.
Ao dirigir nosso olhar para a escola procuramos
demonstrar como o trabalho pedagógico pode condicionar modos de
pensar e sentir, contribuindo para a ação ou o domínio das causas qu e
afetam a criança, a partir da apropriação que esta faz da realidade – e
que possibilita movimentar seu pensamento – ou, inversamente,
colaborar para o declínio da sua potência de pensar e agir.
Assim, direcionamos nossa atenção, principalmente, par a
os profissionais que se encontram envolvidos com a educação escolar,
apontando para a necessidade de se (re) pensar as relações e as
práticas que ocorrem nesse universo, já que a peculiaridade do
trabalho educativo é o fato de este trabalho interferir, decisivam ente,
sobre o processo de humanização das crianças, produzindo
subjetividades.
157

CONSIDERAÇÕES FIN AIS

O fato de termos destacado o afetivo com o um problema da


Educação pontuou, desde o início do estudo, nossa preocupação em
dialogar tanto com a Psicologia quanto com a Educação buscando
romper com algumas dicotom ias que permanecem arraigadas no
contexto escolar.
Dentre essas dicotomias – que foram semeadas pela
psicologia tradicional e, por meio de diferentes mecanismos ideológicos,
continuam sendo perpetuadas no campo da educação escolar –
encontra-se a cisão entre afetivo e cognitivo.
Do ponto de vista da Psicologia, é importante considerar
que o paradigm a científico que deu a ela o estatuto de ciência colaborou
para m anter uma concepção do afetivo como uma dimensão natural e a-
histórica.
Essa disposição da Psicologia, que alimenta a perspectiva
da naturalização dos processos psicológicos, traz conseqüências diretas
para o campo da educação escolar, pois condiciona um a visão de
aprendizagem e de desenvolvimento. Ao tratar as emoções como
“elementos perturbadores”, “empecilhos”, nos processos de
conhecim ento, a escola afirm a sua posição de colocar-se a serviço do
desenvolvimento cognitivo, apenas, ou postula o desenvolvimento
afetivo com o uma disposição interna do sujeito, um dado que se
desenvolve a parte das demais funções psicológicas.
Contrariando esse ideário hegem ônico, que encerra o
afetivo no plano intrapsíquico do sujeito, como algo inerente à sua
personalidade, admitíam os a hipótese de que era possível compreender
a constituição dos processos afetivos, tanto quanto dos cognitivos,
tomando por base a atividade do sujeito e, uma vez que essa atividade
se enraíza nas suas condições concretas de vida, deveríam os pontuar o
caráter histórico e cultural dessa constituição.
Perguntávamos se era possível explicar a constituição e a
participação do afetivo na atividade do sujeito apontando para a escola
158

um lugar e uma função na superação da dicotomia entre afeto e


cognição, com vistas ao desenvolvim ento om nilateral da criança.
Entendíamos que a apropriação dos instrumentos e signos
– fundamento do trabalho educativo – por meio dos quais se prom ovem
formas m ais desenvolvidas de pensamento poderia justificar a
impossibilidade da separação entre afeto e cognição na teoria da
aprendizagem e desenvolvimento de Vigotski, já que estas conquistas
intelectuais poderiam ser ativadoras de novos modos de pensar e de
sentir, passando a interferir, diretamente, na atividade e consciência do
sujeito.
Consideramos que para avançar na explicação histórica e
cultural do af etivo, fazia-se necessário desconstruir alguns argumentos
reducionistas fincados pelo pensamento cartesiano – que sustentam o
modelo biologicista das emoções – e, ainda hoje, orienta os modos de
pensar sobre os processos psicológicos no interior da Psicologia com
conseqüências para a educação escolar.
Para dar transparência a esses argumentos – que separam
os processos afetivos das demais funções na consciência humana –
explicitam os alguns fundamentos filosóficos e metodológicos
empregando-os para analisar e compreender a constituição do afetivo
no psiquismo humano a partir da teoria Histórico-Cultural. Essa
visibilidade foi se tornando possível à m edida que fomos rastreando
elementos dispersos nas filosofias de Espinosa (1632-1677) e Marx
(1818-1883) – esteio das idéias vigotskianas sobre a constituição dos
processos afetivos, o que contribuiu, significativamente, para
com preendermos as bases materiais que explicam o afetivo na formação
humana do sujeito.
Basta lembrarmos que o cerne de toda a teoria da
afetividade em Espinosa consiste na experiência das afecções e que,
em Marx, a gênese dos processos em ocionais encontra-se,
fundamentalmente, nas relações ativas que os sujeitos estabelecem com
os objetos nos processos de apropriação-objetivação das formas
histórico-sociais da cultura humana.
159

Da relação corpo-alma ao entendimento da unidade afeto-


cognição na atividade e consciência do sujeito posta pela Psicologia
Histórico-Cultural, sublinham os a essencialidade do pensamento de
ambos os filósofos acerca dos processos afetivos: que estes não advêm
de bases fisiológicas e naturais, m as se conjugam a um conteúdo
psíquico que remete às experiências e/ou vivências do sujeito em
resposta a uma realidade histórica e social na qual vive e pela qual se
constituem.
No bojo desse processo é que se dá a constituição dos
processos psicológicos: pensamento e sentimento, os quais são
considerados subjetivos porque pertencem ao sujeito. Todavia só se
concretizam, efetivam ente, a partir da atividade deste no mundo.
Destacamos que é por meio das relações e da atividade
concreta com os objetos da realidade – aqueles que existem fora e
independentem ente da consciência – que esses mesmos objetos passam
a existir para o sujeito e é por meio dessa vivência que se constitui o
sentido pessoal que, como conteúdo da sua consciência sintetiza a
unidade de afetivo e cognitivo.
Portanto, falar do afetivo sem reconstruir a história de
apropriações e objetivações que o sujeito faz a partir do conjunto de
conhecim entos socialmente construído e de como estes potencializam
ou não o sujeito para a ação, é sucumbir ao subjetivismo que é marca
da psicologia tradicional burguesa.
O estudo mostrou que para dimensionar a constituição do
afetivo a partir da atividade era preciso abordar alguns princípios e
categorias que configuram a relação do sujeito com os objetos do
mundo real que o afetam. Assim chegamos às explicações sobre as
afecções e em como essas m obilizam o desejo, um a vez que este só
pode ser determinado a partir das idéias das coisas, por uma realidade
exterior ao sujeito; aquilo que em dada circunstância se põe com o
motivo para aquele sujeito, tem origem na história de suas condições
concretas de vida.
Compreendendo que, para a perspectiva materialista
histórico dialética é imperativo considerar a m aterialidade das funções
160

humanas, Vigotski utilizou o método proposto por Marx para explicar os


processos psicológicos humanos defendendo que as funções afetivas,
tanto quanto as cognitivas, dependem de como se estrutura a atividade
do sujeito, que prevê a utilização dos instrum entos e signos culturais.
Estes, ao se converterem em categoria interna – intrapsicológica –,
transformam a estrutura e a função correspondente no psiquism o
humano, com plexificando a consciência.
Ao lado desse fundam ento, que marca o caráter histórico,
social e dialético dos processos afetivos, pudemos constatar que,
perpassando os dif erentes m omentos evolutivos do desenvolvimento da
criança, a unidade afetivo-cognitivo participa mediando suas respostas e
relações com o mundo – objetos, fenôm enos e processos –, (re)
estruturando sua atividade e consciência, dado que possibilita novas
maneiras de sentir, pensar e agir, ou seja, chegamos à confirmação da
historicidade do afetivo, tese já defendida por Vigotski (2004) desde os
anos 30.
Descortinar alguns elementos postos pela Filosofia e pela
Psicologia na explicação do que vem a ser essa expressão do psiquism o
humano – afetivo – evidenciando seus modos de constituição a partir da
atividade dos sujeitos, teve, neste estudo, a intenção de problem atizar e
potencializar algumas demandas que pulsam no interior da escola e que
dizem respeito à ciência psicológica e a Educação.
Olhando para a Psicologia, acreditam os que pensá-la como
uma ciência comprom etida ética e politicam ente, implica resgatar suas
finalidades no que tange às relações com o cam po educativo, significa,
para os psicólogos, ampliar a cultura educacional (SOUZA e ROCHA,
2008), o que pressupõe, cada vez mais, se ocupar com as questões que
partem do cotidiano das escolas, das relações e práticas que lá se
estabelecem, entre pessoas e dessas com o conhecimento, entendendo
que todas as coisas participam de um dinamismo, exercem um a
dependência causal e têm um poder de afetar (ESPINOSA, 2004).
A idéia foi problematizar e conclam ar os profissionais da
Psicologia e da Educação, que perm anecem sim plificando problemas e
demandas muito complexas que nos chegam a partir do contexto
161

educacional, dentre elas a questão dos “problemas emocionais ” tão


proclam ados no campo da (não) aprendizagem escolar, a pensar sobre
com o se apresentam e se estruturam as atividades pedagógicas, como a
escola pensa e executa a organização da atividade da criança em suas
diferentes etapas de escolarização, ou seja, como aqueles que atuam no
interior da escola julgam sua participação na constituição dos processos
afetivos e cognitivos.
Do ponto de vista da Educação e do seu papel na
conformação da subjetividade humana, os resultados desse estudo,
colocam à educação escolar um desafio teórico-prático, ético e político,
uma vez que ela – escola – é que deverá garantir as condições efetivas
de apropriação dos conteúdos historicamente acumulados que poderão
vir a se constituir em necessidades e motivos que, potencializando
desejos, passarão a orientar a atividade, suscitando a aprendizagem e
movimentando o desenvolvimento das crianças.
Vale ressaltar que a inserção dos elementos mediadores –
objetos, instrumentos, signos e o “outro” –, propostos pela teoria
Histórico-Cultural, na trajetória de constituição e desenvolvimento
afetivo destaca esse processo como intrinsecamente relacionado ao
desenvolvimento de outras funções psicológicas, marcando a
interfuncionalidade do psiquismo hum ano (LURIA apud MARTINS, 2006)
que coincide com a impossibilidade de pensar processos cognitivos e
afetivos separadamente.
Ao se comportar como expectadora, no que tange ao
desenvolvimento das funções afetivas, a escola estará alimentando a
idéia das disposições intrínsecas, de uma natureza hum ana que precisa
de condições facilitadoras para se desenvolver e que, assim sendo,
caso a criança não disponha dessas condições, quase nada poderá ser
feito para que ela – criança – atinja níveis m ais complexos de
pensamento e sentimento, que deve culminar com o domínio da própria
conduta (VYGOTSKI, 1995).
Tendo contemplado, nessa pesquisa, a idéia de que os
processos afetivos têm origem, constituindo-se a partir do “como”
aquele objeto responde ou não aos desejos e necessidades do sujeit o
162

num dado mom ento da sua vida, o estudo ratifica que esses afetos,
desejos podem ser am pliados, ressignificados e, portanto,
transformados a partir do conhecimento.
Daí a complexidade da tarefa que se coloca para os
educadores: reconhecer o papel do conhecimento escolar com o
instrumento de superação e modificação de pensamentos e sentimentos
entendendo que, no processo de ensino e de aprendizagem escolar,
tanto quanto em outras dimensões da vida, as em oções não podem ser
tratadas como obstáculos a serem transpostos, visando a ampliação do
cognitivo, mas devem ser entendidas como uma função que inicia,
percorre e finaliza cada momento da atividade do sujeito, se fazendo
presente em todas as etapas do desenvolvimento hum ano. Foi essa a
idéia que Vigotski quis afirmar quando disse que, “[...] as emoções são
pontos de desequilíbrio em nossa conduta quando nos sentimos
pressionados pelo meio ou quando triunfamos sobre este. ” (VYGOTSKI
apud CORRAL, 2006, tradução nossa, grifo do autor).
163

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