Apostila Port II. Welton

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APOSTILA

PORTUGUÊS II:

FONÉTICA E FONOLOGIA DA LÍNGUA


PORTUGUESA

(GLC00216)

Professor: Welton Pereira e Silva


UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Instituto de Letras – Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas
LÍNGUA PORTUGUESA II – Fonética e Fonologia do Português – GLC00216
Professor: Welton Pereira
I- Ementa:
Conceito de fonética e fonologia. Aparelho fonador. Oposições pertinentes e impertinentes. Traços segmentais e
suprassegmentais. Neutralização de traços pertinentes. Conceito de fonema, fone e alofone. O sistema vocálico do
português: vogal, semivogal, grupo vocálico. O sistema consonantal do português: consoante, grupo consonantal. A
sílaba em português: estrutura e particularidades. Aspectos da fonoestilística. Aplicações da fonética e da fonologia ao
ensino fundamental e médio.

II- Programa:
PARTE 1 - CONCEITOS PRELIMINARES
1.1 Dupla articulação. 1.2 Fonética e Fonologia. 1.3 Letra, grafema, fonema, fone. 1.4 Campos da Fonética
PARTE 2 - FONÉTICA ARTICULATÓRIA:
2.1 O aparelho fonador. 2.2 Prosódia e entoação. 2.2 Classificação articulatória das vogais. 2.3 Classificação articulatória
das consoantes. 2.4 Transcrição fonética
PARTE 3 - FONOLOGIA:
3.1 Fonologia – conceitos Fundamentais. 3.2 Sistema vocálico do Português Brasileiro. 3.3 Sistema consonantal do
Português Brasileiro. 3.4 Transcrição fonológica. 3.5 A sílaba: estrutura e particularidades
PARTE 4 - APLICAÇÃO DOS ESTUDOS FONÉTICO-FONOLÓGICOS:
4.1 Processos Fonológicos. 4.2 Variação Linguística. 4.3 Aplicação ao Ensino de língua

III- Bibliografia (os textos serão disponibilizados pelo professor):


CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Iniciação à Fonética e à Fonologia. 11 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. (Disponível no acervo
virtual da BCG)
CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992.
EL-JAICK, Ana Paula; SOUSA, Silvia Maria; MEDEIROS, Vanise. Linguística I. v. 2. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2013.
Disponível em: https://canal.cecierj.edu.br/recurso/15318.
MARTELOTTA, Mário Eduardo. Dupla articulação. In: MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual de Linguística. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2011. (Disponível no acervo da Biblioteca Virtual)
PEREIRA, Marli Hermenegilda; ROBERTO, Mikaela; CAVALIERE, Ricardo Stavola. Português V: volume 1. Rio de Janeiro:
Fundação Cecierj, 2015. Disponível em: https://canal.cecierj.edu.br/recurso/17163.
PEREIRA, Marli Hermenegilda; ROBERTO, Tania Mikaela G.; RAMOS, Jacqueline V. B. Português V: volume 2. Rio de Janeiro:
Fundação Cecierj, 2018. Disponível em: https://canal.cecierj.edu.br/recurso/17164.
SEARA, Izabel Christine; NUNES, Vanessa Gonzaga; LAZZAROTTO-VOLCÃO, Cristiane. Fonética e fonologia do português
brasileiro: 2º período. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2011. Disponível em: https://ppglin.posgrad.ufsc.br/files/2013/04/
Livro_Fonetica_e_Fonologia.pdf.
SEARA, Izabel Christine; NUNES, Vanessa Gonzaga; LAZZAROTTO-VOLCÃO, Cristiane. Para conhecer Fonética e Fonologia
do português brasileiro. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2019. (Disponível no acervo da Biblioteca Virtual)
SILVA, Thaís Cristófaro. Fonética e Fonologia do Português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 9. ed. São Paulo: Contexto,
2008. (Disponível no acervo da Biblioteca Virtual)

IV- Frequência:
Período de aulas: 18 de março de 2024 a 17 de julho de 2024.
Frequência: 75%. Haverá reprovação por falta.

V- Avaliação:
✓ As avaliações previstas serão distribuídas da seguinte forma (podem sofrer alteração, se necessário):
✓ 2 avaliações formais (prova), no valor de 8 pontos cada.
✓ Atividades (2), no valor de 2 pontos cada, somando 4 pontos.
✓ A média final será a soma das avaliações acima (20 pontos) dividida por dois.
✓ Mínimo para aprovação: 6,0 pontos. Entre 5,9 e 4,0: Verificação Suplementar (nota mínima para aprovação: 6,0
pontos). Entre 0 e 3,9: reprovação.
✓ VS: 10 pontos (nota mínima para aprovação: 6 pontos).
PROGRAMAÇÃO DE AULAS E CRONOGRAMA DE LEITURAS OBRIGATÓRIAS

O cronograma descreve os dias para cada conteúdo. Todo material do curso será disponibilizado na
Plataforma Google Classroom e na apostila.

UNIDADE 1 – CONCEITOS PRELIMINARES

Data Conteúdo

Apresentação da disciplina. Apresentação do cronograma e da ementa. Explicação sobre


19/03 3ª
presença e avaliações.
1.1. Noções de linguagem, língua e texto. A dupla articulação da linguagem
21/03 5ª Leitura para a próxima aula: texto 1 da apostila: Introdução do livro Fonética e
Fonologia do português, p. 5.
1.2. Variação linguística; noções de gramática; áreas de trabalho
26/03 3ª
Leitura para a próxima aula: texto 2 da apostila: Aula 1 Conceitos preliminares, p. 19
1.3. Fonética e fonologia: definição e distinção
28/03 5ª
Leitura para a próxima aula: texto 3 da apostila: Aula 2 Divisões da Fonética, p. 35
02/04 3ª 1.4. Ramos da fonética: fonética acústica e fonética perceptiva

UNIDADE 2 – FONÉTICA ARTICULATÓRIA


2.1. Ramos da fonética: fonética articulatória e aparelho fonador
04/04 5ª
Leitura para a próxima aula: texto 4 da apostila: Segmentos fonéticos (vocálicos), p. 48
2.2. Descrição dos segmentos vocálicos
09/04 3ª
Leitura para a próxima aula: texto 5 da apostila: Segmentos consonantais, p. 61
11/04 5ª 2.3. Descrição dos segmentos consonantais
2.4. Princípios de transcrição fonética – exercícios de fixação para casa, p. 77
16/04 3ª Nesta aula, iremos usar os textos 6: Alfabeto Fonético Internacional, p. 69, e 7: tabela
fonético consonantal, p. 71
2.5. Atividade 1: 2 pontos. Transcrição fonética - em sala de aula.
18/04 5ª
Leitura para a próxima aula: texto 8 da apostila: Aula 16 Fonética Sintática, p. 79
23/04 3ª 2.6. Fonética sintática. Exercícios de fixação para casa, p. 97

25/04 5ª 2.7. Revisão para a prova – Unidades 1 e 2

30/04 3ª Prova 1 (Valor: 8,0) - Conteúdo: Unidades I e II

UNIDADE 3 – FONOLOGIA SEGMENTAL

3.1. Fonologia: conceitos fundamentais


02.05 5ª Leitura para a próxima aula: texto 9 da apostila: Fonema, alofone e arquifonema, p.
100
07/05 3ª 3.2. Fonemas, alofones e arquifonemas
3.3. Neutralização
09/05 5ª Leitura para a próxima aula: texto 10 da apostila: O sistema fonológico do português +
Handout que segue o texto, p. 124
3.4. Fonologia: as vogais do português
14/05 3ª
3.5. Fonologia: as vogais do português: encontros vocálicos
16/05 5ª Leitura para a próxima aula: texto 11 da apostila: Aula 10 Descrição dos segmentos
consonantais + Handout que segue o texto, p. 155
21/05 3ª 3.6. Fonologia: as consoantes do português
Transcrição fonológica – usaremos o texto 12 da apostila, p. 202
23/05 5ª Leitura para a próxima aula: texto 13 da apostila: Aula 8 A sílaba: conceito e estrutura,
p. 203 + texto 14 da apostila: As estruturas da sílaba em português, p. 221
28/05 3ª 3.7. A estrutura da sílaba em português – exercício de fixação para casa

30/05 5ª Corpus Christi – ponto facultativo

UNIDADE 4 – FONOLOGIA SUPRASSEGMENTAL E PROCESSOS FONOLÓGICOS


4.1. Fonologia suprassegmental: noções de Prosódia
04/06 3ª Leitura para a próxima aula: texto 15 da apostila: Handout Estrutura da sílaba e
acento, p. 230
4.2. O acento em português
Exercícios de fixação para casa, p. 238
06/06 5ª
Leitura para a próxima aula: texto 16 da apostila: Aula 13 processos fonológicos, p.
239
11/06 3ª 4.3. Processos fonológicos. Solicitação da segunda atividade. Em dupla. 2 pontos.

13/06 5ª 4.5. Aspectos da fonoestilística.

18/06 3ª Revisão das Unidades III e IV

20/06 5ª Prova 2 (Valor: 8,0) - Conteúdo: Unidades III e IV

UNIDADE 5 – APLICAÇÕES DOS ESTUDOS FONÉTICO-FONOLÓGICOS

5.1. Fonética Forense. Exercício prático


25/06 3ª Leitura do texto 17 da apostila: Fonética e Fonologia: teoria e prática no ensino do
português, p. 267
27/06 5ª 5.2. Fonética, fonologia e ensino de língua portuguesa. Entrega da atividade 2.

02/07 3ª Segunda chamada AV1 e AV2 (Resultado parcial: 04/07)

04/07 5ª Plantão de dúvidas para a VS


Verificação Suplementar (Prova sobre todo o conteúdo para quem não atingiu a média,
09/07 3ª
mas obteve mais de 4.0 pontos)
11/07 5ª Resultado Final

16/07 3ª Notas lançadas no IDUFF

17/07 4ª Fim do semestre letivo


TEXTO 1
Copyright © 1998 Thaís Cristófaro Silva

Todos os direitos desta edição reservados à


E ditora C ontexto (Editora Pinsky Ltda.)

Diagram ação: Niulze Aparecida Rosa


Revisão: Sônia Alexandre
Projeto de capa: Antonio Kehl

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)


________________ (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)______________

Silva, Thaís Cristófaro.


Fonética e fonologia do português : roteiro de estudos e guia de
exercícios / Thaís Cristófaro Silva. 7. ed. - São Paulo : Contexto, 2003.

Bibliografia
ISBN 85-7244-102-6

1. Português - Brasil. 2. Português - Fonemática. 3. Português -


Fonética. 4. Português - Fonologia. I. Título.

98-4380 CDD-469.15

índices para catálogo sistemático:


I. Fonemática : Português : Lingüística 469.15
2. Fonética : Português : Lingüística 469.15
3. Fonologia : Português : Lingüística 469.15

E ditora C ontexto
Diretor editorial: Jaime Pinsky
Rua Acopiara, 199 - Alto da Lapa
05083-110 - São Paulo - sp
pabx: (11) 3832 5838
[email protected]
wrww.editoracontexto.com.br

2003

Proibida a reprodução total ou parcial.


Os infratores serão processados na forma da lei.
In tro d u ç ã o

1. A linguagem
Falantes de qualquer língua fazem reflexões sobre o uso e a form a da lingua­
gem que utilizam. Estes falantes são capazes de fazer observações quanto ao “so­
taque” e às “palavras diferentes” utilizadas por um outro falante. Qual o falante
que não se lem bra de ter um dia discutido o “jeito diferente de falar” de um a
pessoa que seja de uma outra região geográfica? Pode-se tam bém determ inar se o
falante é estrangeiro e m uitas vezes precisar o país de origem daquele falante.
Q ualquer indivíduo pode “falar sobre” a linguagem e discutir aspectos relaciona­
dos às propriedades das línguas que conhece. Isto faz parte do “conhecim ento
com um ” das pessoas. Contudo, há um ramo da ciência cujo objeto de estudo é a
linguagem.
A lingüística é a ciência que investiga os fenôm enos relacionados à lingua­
gem e que busca determ inar os princípios e as características que regulam as es­
truturas das línguas'. Nas próxim as páginas apresentam os ao leitor os principais
term os técnicos da lingüística que são adotados neste livro. Pretendem os tam bém
indicar o objeto de estudo da lingüística e apontar áreas de trabalho que necessi­
tam de profissionais com conhecim entos lingüísticos, especialm ente nas áreas d e
fonética e fonologia.
Sabem os que falar um a determ inada língua im plica um conhecim ento que
certam ente transcende o, escopo puram ente lingüístico. Quando duas pessoas fa­
lantes de uma m esm a língua se encontram e passam a interagir lingüisticamente,
certam ente se dá um a interação am pla em que cada um a das pesso as envolvidas
passa a criar um a imagem da outra pessoa. Podemos identificar se a pessoa é falan­
te nativo daquela língua.*Um falante nativo é um indivíduo que aprendeu aquela
língua desde criança e a tem como língua materna ou primeira língua. Caso classi­
fiquemos o falante como sendo nativo, podemos afirmar se tal pessoa partilha da
m esma variante regional daquela língua. Não precisamos nem mesmo ver um falan­
te para determinar a sua idade ou sexo, e talvez seu grau de educação. Isto pode ser
facilmente atestado quando atendemos a um telefonema. Podemos também precisar
se o falante é um estrangeiro que tem a língua em questão como segunda língua^Na
grande maioria dos casos, falantes de uma segunda língua têm características de sua
língua materna transpostas para a língua aprendida posteriormentéT Tem-se portanto
o “sotaque de estrangeiro” com características particulares de línguas específicas
(como “sotaque” de americano, japonês, alemão, italiano, etc.).
12 In tr o d u ç ã o

Para procederm os à análise de um a língua devemos delim itar a variante a ser


investigada. Idealmente devemos definir parâmetros linguísticos e não-lingüísticos,
buscando constituir um a com unidade de fala hom ogênea. U m a comunidade de
fala consiste de um grupo de falantes que com partilham de um conjunto específi­
co de princípios subjacentes ao com portam ento lingüístico. Após definir-se a co­
m unidade de fala a ser analisada passa-se, então, à coleta de dados que irão form ar
o corpus. O corpus fornece o material lingüístico a ser analisado. Figueiredo (1994)
discute aspectos interessantes relacionados à coleta de dados e à seleção de infor­
mantes.
Falantes de qualquer língua prestigiam ou m arginalizam certas variantes regi­
onais (ou pelo menos não as discriminam), a partir da maneira pela qual as seqüências
sonoras são pronunciadas. Assim, determinamos variantes de prestígio e varian­
tes estigmatizadas. Algumas variantes podem ser consideradas neutras do ponto
de vista de prestígio. Temos em qualquer língua as chamadas variantes padrão e
variantes não-padrüo. Os princípios que regulam as propriedades das variantes
padrão e não-padrão geralmente extrapolam critérios puramente lingüísticos. Na
maioria das vezes o que se determ ina como sendo uma variante padrão relaciona-se
à classe social de prestígio e a um grau relativamente alto de educação formal dos
falantes. Variantes não-padrão geralmente desviam-se destes parâmetros.
Vale dizer que as características das variantes padrão e não-padrão nem sem ­
pre relacionam -se ao que é previsto pela gram ática tradicional com o correto. No
português de Belo Horizonte, por exemplo, a term inação “-ndo” das formas de
gerúndio é pronunciada como “-no” : “comeno, fazeno, quereno, dançano, vendeno,
etc”. Note que a redução de “-ndo” para “-no” ocorre som ente nas formas de
gerúndio. A form a verbal “(eu) vendo” não perm ite a redução de “-ndo” para
“-no”, e um a sentença com o “*Eu veno banana” não ocorre. Fazem os uso do
asterisco antes de um determ inado exem plo - com o no caso de “*Eu veno bana­
na” - com o objetivo de explicitar que tal exem plo é excluído ou não ocorre. Este
recurso é adotado ao longo deste livro.
Vale ressaltar que a redução de “-ndo” para “-no” nas formas de gerúndio em
Belo H o rizo n teje em outras regiões do país) desvra-se do esperado com o padrão.
Contudo, sendo o fenôm eno am plam ente difundido entre os falantes, tem os que a
redução de gerúndio faz parte da variante padrão em Belo Horizonte.
Um exem plo de variante não-padrão pode ser ilustrado com as formas ver­
bais de prim eira pessoa do plural. Em vários dialetos do português brasileiro tem-
se duas formas pronom inais para a prim eira pessoa do plural: “nós” e “a gente” .
Cada um a destas formas requer um a form a verbal distinta: “nós gostam os” e “a
gente gosta”.'A m bas as formas são aceitas com o parte da variante padrão em
vários dialetos. O que caracteriza a variante não-padrão é a troca de formas de
pessoa com a form a verbal: “nós gosta” e “a gente gostam os’*.
Há ainda casos de lexicalização. Sim plificando podem os dizer que o léxico
consiste de um conjunto de itens lexicais e de suas respectivas propriedades rele­
In tro d u ç ã o 13

vantes para a organização da gramática. Falantes do português têm, por exemplo,


um a entrada lexical com o “planeta”, cujas propriedades listadas podem ser: subs­
tantivo, m asculino. Cada palavra é associada a um a entrada lexical. No caso da
palavra “planeta” todos os falantes têm a m esm a entrada lexical e as m esm as
propriedades específicas: substantivo, m asculino. Há contudo exem plos com o
“guaraná” ou “telefonem a” que não apresentam a m esm a entrada lexical para
todos os falantes. Para alguns falantes há a especificação de que estas palavras são
masculinas - “o guaraná, o telefonem a” - e para outros falantes há a especificação
de que estas palavras são fem ininas - “a guaraná, a telefonem a” . D izem os neste
caso que para as p alav ras “guaraná, telefo n em a” o gênero é esp ecificad o
lexicalm ente podendo ter duas alternativas possíveis: m asculino ou fem inino.
N ão há um a opção m elhor-pior ou certa-errada. D izem os que a lexicalização
deste item para os falantes determ ina a form a a ser adotada. No caso de “guaraná,
telefonem a” tem os que a m esm a entrada lexical tem propriedades específicas
diferentes.
Há um outro caso de lexicalização que envolve palavras que têm a entrada
lexical diferente e as m esm as propriedades específicas. Para alguns falantes as
formas “vassoura, assovio” são substantivos sendo “vassoura” feminino e “assovio”
masculino. Para outros falantes as formas “vassoura, assovio” não existem. As
formas correspondentes com o m esm o significado e as mesm as propriedades es­
pecíficas são: “bassoura, assobio” . Estas formas são substantivos sendo “bassoura”
feminino e “assobio” masculino. Pode ser que um falante tenha as entradas lexicais
“vassoura” e “assobio” . O falante faz uso da form a registrada em seu léxico. F i­
nalmente, há casos de uma palavra apresentar duas formas lexicalizadas diferen­
tes para o m esm o falante. Um exemplo é a palavra “ruim ” que para inúmeros
falantes do português pode ser pronunciada com o “ruim ” ~ “ruim ” (o sím bolo ~
indica a alternância entre formas). *
Podem os concluir que não há variante m elhor ou pior de um a língua. Há
variantes de prestígio, estigm atizadas ou neutras. Para definir as propriedades
a serem adotadas em sua variedade pessoal um falante conta com várias fontes
de inform ação lingüística e não-lingüística de outros falantes. M esm o que a
seleção não se dê conscientem ente, definem -se opções e caracterizam -se assim
as particularidades da fala de um indivíduo: ou seja um idioleto. O que é inte­
ressante é que em bora todo e qualquer indivíduo tenha características específi­
cas em sua fala, há um a enorm e porção com partilhada com os outros indiví­
duos e definem -se assim os dialetos ou variantes de um a língua. C onsiderem os
a seguir algum as variantes não-lingüísticas que deixam m arcas na organização
lingüística.
A fala do hom em e da m ulher por exemplo se faz m arcar na organização
lingüística. Temos variantes de sexo (m asculino ou fem inino). No português
m ineiro observam os que o uso do dim inutivo é recorrente na fala feminina: “Olha
que gracinha aquele vestidinho am arelinho!” Parece difícil im aginar um hom em
]4 I n tr o d u ç ã o

dizendo o m esm o enunciado. Geralm ente, na fala m asculina observa-se com m e­


nos frequência o uso do dim inutivo. No caso do português, quando ocorre a vari­
ante de sexo, esta é expressa em term os de freqüência de uso. Não há em portugu­
ês m arcas gramaticais, palavras específicas ou padrões de entoação que sejam
som ente utilizados por falantes de um único sexo. Contudo, isto ocorre em algu­
mas línguas. O japonês pode ser tom ado com o exemplo. A língua japonesa apre­
senta as variantes m asculina, fem inina e neutra. Um exem plo que m arca a dife­
rença gramatical entre estas três variantes de sexo é o uso da partícula que segue
um substantivo: na fala m asculina é “da”; na fala fem inina é “yo” e na fala neutra
é “desu yo” . Várias outras m arcas de sexo podem ser observadas em japonês.
Contam os tam bém com variantes etárias. Note que pessoas mais idosas,
por exemplo, são mais propensas a pronunciar o r final das formas de infinitivo
dos verbos (cf. “cantar”), ou os s plurais de substantivos (“os m eninos”). Jovens
tendem a om itir estes sons nestes contextos (cf. “cantá” e “os m enino”).
Qualquer pessoa está ciente de variantes formais e variantes informais dc
sua língua. Estas variantes são estilísticas. Claro que nam orar ou brincar com os
filhos envolve o uso de uma variante diferente daquela utilizada em um encontro
formal em um a entrevista de em prego ou num a Corte de Justiça.
Fazer uso da linguagem certam ente leva-nos a com partilhar de princípios
sociais e linguísticos. Estes princípios são determ inados sem nenhum encontro
específico dos falantes para tal finalidade ou de uma lei ou decreto criados especi­
ficam ente para este fim. Entretanto, tais princípios são com partilhados pela co­
m unidade em questão e são parte do universo dinâm ico e passíveis de m udanças a
cada instante. Certam ente, a intuição de falante nativo contribui para a seleção da
variante a ser usada em cada contexto. Em outras palavras sabemos o que falar,
para quem, como, quando e onde.
Portanto, ao em preenderm os um a análise linguística devem os considerar
parâm etros linguísticos e não-lingüísticos. Dentre os fatores não-lingüísticos res­
saltamos: região geográfica, faixa etária, gênero (m asculino, feminino, neutro),
estilo (formal, não-form al), grau de instrução, classe social.
F a re m o s uso do term o variante p a ra c a ra c te riz a r as p ro p rie d a d e s
linguísticas com partilhadas por um grupo específico de falantes. Tem os, assim,
variantes etárias, variantes de sexo, variantes geográficas (com o por exem plo a
variante de Belo Horiz.onte), etc. O term o dialeto é tam bém utilizado com o
sinônim o de variante. Ao referirm os à fala específica de um indivíduo adotam os
o term o idioleto. As propriedades particulares da fala de um indivíduo caracte­
rizam seu idioleto.
Gostaríamos de ressaltar que toda e qualquer variante de um a língua é ade­
quada lingüisticam ente e é inapropriado dizer que há variantes piores ou m elho­
res. Sugerim os que o leitor faça o exercício abaixo com o objetivo de refletir
sobre a sua variedade lingüística pessoal.
In tro d u ç ã o 15

Exercício 1
1.1. Procure um colega de turma (ou um amigo) que seja de uma região dife ren te
da sua e liste cinco palavras que vocês pronunciam de maneira diferente. In d i­
que as regiões consideradas. Id entifique a letra (ou letras) correspondentes ao
som (ou sons) que marcam esta diferença.
1.2. Como você categoriza a sua variedade lingüística individual em term os
comparativos com outras variedades do português? Tente comparar a sua va­
riante com outras que você considera de prestígio, estigmatizadas e neutras.
Compare a sua seleção com a de um colega e discuta os fa to re s que levaram a
diferenças.
1.3. Aponte um aspecto do português que marque a variação lingüística entre
faixas etárias diferentes. Ilu stre com exemplos.

Ao lingüista com pete a tarefa de form ular explicações sobre o m ecanism o


subjacente à linguagem. Tal tarefa, em últim a instância, consiste da form alização
da gram ática de uma determ inada língua. Entendem os que um a gramática deve
explicitar os princípios e as características da língua analisada. Tal proposta deve
explicar todos os enunciados possíveis de ocorrer naquela língua e tam bém ex­
cluir enunciados que não sejam atestados. Note que excluím os neste livro referên­
cia à gram ática enquanto um volum e que lista técnicas para a análise de sentenças
em termos de suas partes (como sujeito, predicado, etc.). O term o gramática é
tradicionalm ente utilizado em referência às gramáticas prescritivas ou norm ativas.
A gramática prescritiva ou gramática normativa explicita as regras de­
term inadas para uma língua qualquer. Contudo, é basicam ente im possível encon­
trar um falante que faça uso de todas as regras gramaticais prescritas, sem viola­
ções. Há méritos nas gram áticas norm ativas, sobretudo quanto ao estabelecim en­
to dos padrões que são com partilhados pelos falantes. Entretanto, a consulta a
um a gram ática norm ativa deve ser feita criticamente, avaliando-se as particulari­
dades da linguagem utilizada pelos falantes. Um exem plo no português brasileiro
é o uso do futuro simples: “Eu buscarei o livro am anhã”. Para um a grande m aioria
de falantes do português brasileiro o futuro simples não ocorre na língua falada.
Em seu lugar ocorre o futuro composto: “Eu vou buscar o livro am anhã”. Note,
contudo, que o futuro simples é utilizado na linguagem escrita e em algumas vari­
antes do português brasileiro (e certam ente no português europeu). Faz-se, por­
tanto, pertinente registrar a norm a que prescreve o uso do futuro simples. De
posse desta inform ação falantes podem fazer uso apropriado do futuro simples se
lhes for necessário.
Temos tam bém a gramática descritiva que tem por objetivo descrever as
observações lingüísticas atestadas entre os falantes de uma determ inada língua.
Sem prescrever norm as ou definir padrões em termos de julgam ento de correto-
incorreto, busca-se docum entar uma língua tal com o ela se m anifesta no m om ento
16 I n tr o d u ç ã o

da descrição. Podem os dizer que no caso do futuro simples um a gram ática descri­
tiva deve docum entar a sua ausência no português falado de vários dialetos e
registrar suas características nas variantes em que ele ocorre. Tais gramáticas são
form uladas com o apoio teórico da lingüística. (ver Perini (1995)).

Exercício 2
Discuta com um exemplo do português a diferença entre a gramática prescritivG
(ou normativa) e a gramática descritiva.

Uma descrição lingüística pode ter um caráter diacrônico ou sincrônico. A


lingüística diacrônica, que é também chamada lingüística histórica, analisa a lingua­
gem e suas mutações durante um determinado período. Neste caso explicita-se o perí­
odo a ser considerado e o material lingüístico a ser adotado na análise. Para análises
diacrônicas do sistem a sonoro do português ver W illiam s (1975), M attos e Silva
(1991) e T essyer (1997). A lingüística sincrônica investiga as propriedades
lingüísticas de uma determ inada língua em seu estágio evolutivo atual. Deve-se
explicitar a comunidade de fala observada e as condições da coleta do corpus a ser
adotado na análise.
No início desta introdução definim os a lingüística com o sendo a ciência que
investiga os fenôm enos relacionados à linguagem e que busca determ inar os prin­
cípios e as características que regulam as estruturas das línguas. A ceitando-se que
a lingüística investiga a linguagem hum ana, tentem os, então, delim itar mais espe­
cificam ente o seu objeto de estudo. Discutim os brevem ente a seguir as propostas
de Sausurre e Chomsky.
A proposta de Sausurre (1916) é de cunho estruturalista e tém como mérito
explicitar o objeto de estudo da lingüística de m aneira clara e objetiva. A leitura
deste trabalho - denom inado “Curso de Lingüística G eral” - é essencial para os
iniciantes em lingüística, Sausurre propõe a dicotom ia entre língua tfa la . A lín­
gua constitui um sistema lingüístico compartilhado por todos os falantes da língua
em questão. A fala expressa as idiossincrasias particulares da língua utilizada por
cada falante. O lingüista busca seu material para análise na fala. Coleta-se um corpus
e busca-se definir e descrever um sistema lingüístico - ou seja, a língua - a partir da
análise das particularidades individuais e das semelhanças compartilhadas pelos
indivíduos. Portanto, o sistema a ser definido e descrito pelo lingüista constitui a
língua. A dicotomia entre língua-fala estabelece o objeto de estudo da lingüística: a
língua. Tal objeto é investigado a partir de material proveniente da fala.
Chomsky (1965 e publicações subseqüentes) inova a ciência da linguagem por
associar o evento lingüístico à mente em termos psicológicos ao propor a Gramáti­
ca Gerativa. A Gramática Gerativa - ou Gramática Transformacional - contribuiu
para a mudança de foco teórico e metodológico da lingüística do século XX. Perini
In tro d u ç ã o 17

(1976) discute a proposta inicial de Chomsky a partir de exemplos do português. A


proposta teórica gerativa assume que à lingüística interessa o estudo da competência.
A competência consiste do conhecimento subjacente e internalizado que o falante tem
de sua língua (semelhante a língua para Sausurre). O uso que o falante faz de sua
língua é denominado desempenho. O desempenho relaciona-se ao que Sausurre de­
nominou fala. A grande diferença teórica entre língua-competência e fala-desempe-
nho pauta-se no argumento de Chomsky de que o conhecimento linguístico do falante
(em termos de competência) transcende qualquer corpus. Os falantes têm um conhe­
cimento ilimitado de sua língua ao criarem e reconhecerem enunciados com pleta­
mente novos e ao serem capazes de identificar erros de desempenho. A intuição do
falante nativo de um a língua é a referência para definir-se os parâmetros gramaticais
(em termos de estruturas aceitáveis naquela língua). A análise lingüística, segundo
Chomsky, deve descrever as regras que governam a estrutura da competência.
Chomsky argumenta que a lingüística pode contribuir para a compreensão da natu­
reza da organização da mente hum ana [(cf. por exemplo Chomsky (1986,1992)].
Um outro aspecto im portante da proposta teórica de Chom sky é a postulação
de diferentes níveis da gram ática e a inter-relação entre eles. O esquem a abaixo
expressa tal proposta.

Gramática
/ I \

Fonologia Sintaxe Semântica

Os níveis básicos de representação assum idos são fonologia, sintaxe e se­


mântica. A fonologia estabelece os princípios que regulam a estrutura sonora das
línguas, caracterizando as seqüências de sons perm itidas e excluídas na língua em
questão. A sintaxe analisa o m ecanism o subjacente à estrutura gramatical, defi­
nindo a organização dos constituintes internos das sentenças e estabelecendo a
relação entre tais constituintes. A sem ântica estuda a relação entre conteúdo e
significado. Sugiro que o leitor escolha e consulte um livro de introdução à
lingüística e faça o exercício abaixo.

Exercício 3
3.1. Qual é o objeto de estudo da lingüística? J u s t if ique a sua resposta.
3.2. Explique os objetivos dos seguintes níveis da gramática: fonologia, sintaxe
e Semantica. Indique um tópico abordado na análise do português para cada um
destes níveis. Dê exemplos.

A análise lingüística requer que se observe, descreva e, idealmente, explique


os fenômenos atestados. A observação de um fenômeno pode ser feita de vários
18 In tr o d u ç ã o

ângulos, fom ecendo-se assim diversas formas de interpretação. Geralmente a m a­


neira de observação assumida é decorrente dos pressupostos teóricos e metodológicos
adotados na descrição. A descrição de qualquer fenômeno deve ser pautada em uma
teoria que regule os princípios de tal descrição. A explicação dos fenômenos obser­
vados e descritos se dá a partir da fundamentação teórica adotada. É essencial que
qualquer análise adote um modelo teórico e que tal proposta seja adotada integral­
mente (embora com criticidade!). Teorias diferentes possuem premissas diferentes
e a combinação de teorias deve ser feita cuidadosamente. Sem o devido cuidado, a
mescla de modelos teóricos pode incorrer na criação de uma teoria nova sem pres­
supostos teóricos e metodológicos que sejam coerentes. Ao analisar qualquer mate­
rial, o cientista depara-se com fatos que porventura podem não ter sido considera­
dos anteriormente e pode ter, então, que complem entar um modelo teórico. Contri­
bui-se, assim, para com o progresso da ciência. Pode-se também sugerir que um
determinado aspecto de um modelo teórico deva ser alterado a partir de evidências
da análise. Teorias devem ser vistas como recursos a serem utilizados e alterados se
for necessário.
Além de não haver língua m elhor ou pior, não há línguas prim itivas ou mais
evoluídas. Toda língua perm ite a expressão de qualquer conceito. Caso seja ne­
cessário incorpora-se vocabulário novo am pliando-se o léxico da língua em ques­
tão. Isto faz parte do caráter evolutivo das línguas. Todas as línguas m udam con­
tinuam ente.
Precisar exatam ente as fronteiras geográficas de um a determ inada língua
pode m uitas vezes scr difícil. Ao viajarmos de Portugal à Espanha passando pela
Galícia não perceberem os nenhum a mudança abrupta do ponto de vista linguístico.
Contudo, se sairmos de Portugal e viajarmos diretamente à Espanha identificare­
mos as características do português falado em Portugal como bastante distintas do
es-panhol falado na Espanha. O mesmo fenômeno pode ser observado em regiões
de fronteira do Brasil com outros países da América do Sul. O português e o espa­
nhol da fronteira tem várias características comuns. Portanto, definir uma língua ou
um dialeto transcende o caráter puramente lingüístico. Muitas vezes fatores políti­
cos e sociais têm forte influência nas delimitações geográficas das línguas.
Línguas que se desenvolvem sem interferência formal externa são chamadas
línguas naturais. O português é um a língua natural por evoluir de acordo com
parâm etros gerados pela própria língua a partir do uso feito pelos falantes. Há
tam bém línguas artificiais (tam bém cham adas línguas auxiliares). Uma língua
artificial é um a língua inventada com o propósito específico de com unicação ou
para fins de linguagem com putacional. O esperanto é geralm ente a língua artifici­
al mais difundida (criada em 1887 pelo polonês Ludwig Lazarus Zam enhof). O
léxico de tal língua foi construído com influência de línguas da Europa ocidental
e há influência de línguas eslavas na sintaxe e na ortografia.
O português é classificado com o pertencendo a fam ília de línguas rom ânicas
do tronco indo-europeu. Estim a-se que há aproxim adam ente 160 milhões de fa-
B iblioteca regional uclmaiufmt
In tro d u ç ã o 19

lantes [(cf. Crystal (1995)]. O português é língua oficial e m ajoritária no Brasil,


em Portugal e nas ilhas atlânticas da M adeira, dos Açores e de São M iguel. A l­
guns países da África, cuja colonização foi feita por Portugal, têm o português
como língua oficial em bora, em conjunto, as línguas nativas sejam majoritárias.
Dentre estes destacam os Angola, M oçam bique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São
Tomé e Príncipe. Na Ásia o português é falado em Macau, Damão, Diu Goa e na
Oceânia o português é falado em Tim or Leste.
Há ainda as chamadas línguas crioulas que são derivadas do português. Tais
línguas surgiram como línguas francas com o propósito de perm itir o comércio
entre falantes do português e de outras línguas. Criou-se então um a língua distinta
baseada no português e na(s) língua(s) nativa(s). Em seu estágio inicial tal língua é
denom inada pidgin. Ao ter falantes nativos e adquirir um status dinâm ico de lín­
gua natural, tal língua passa a ser denom inada crioulo [cf. Holm (1988) e Couto
(1995)]. Há crioulos baseados em outras línguas além do português (como, por
exemplo, francês, inglês, etc). Dentre os crioulos derivados do português que se
encontram na África temos o da ilha de Cabo Verde, os das ilhas do golfo da Guiné
(São Tomé, Príncipe e Ano Bom), o da Guiné-Bissau e o de Casamance (no Senegal).
Na Ásia temos os crioulos de M alaca (na Malásia), de Macau (em Hong Kong), do
Srilanca (em Vaipim e Baticaloa) e na índia temos crioulos em Chaul, Korlai,
Tellicherry, Cananor e Cochim. Na Oceânia há o crioulo de Tugu (perto de Jacarta).

Exercício 4
Consulte um atlas e identifique as áreas em que se falam o português e os criou­
los baseados na língua portuguesa.

Neste livro tratam os da organização do sistem a sonoro com ênfase na descri­


ção do português brasileiro. R eferência a outras variedades do português e a ou­
tras línguas se dá quando não podem os exem plificar um determ inado fenômeno
ou um certo aspecto teórico com exem plos do português brasileiro.
Tratam os do sistem a sonoro do português do ponto de vista prático e teórico.
O objetivo básico deste livro é fornecer ao leitor o instrum ental necessário para a
caracterização de sua fala. Pretende-se tam bém fom entar o interesse pelos estu­
dos fonológicos. Este livro se divide em três partes: Fonética, Fonêm ica e M ode­
los Fonológicos. A prim eira parte, intitulada Fonética, é dedicada ao estudo da
fonética articulatória aplicada ao português. Tratam os dos parâm etros envolvidos
na articulação dos segm entos vocálicos e consonantais e da organização de tais
segm entos na estrutura silábica. Espera-se que ao fazer os exercícios que acom pa­
nham o texto o leitor identifique as características articulatórias específicas dos
segm entos consonantais e vocálicos que ocorrem em seu idioleto, descrevendo
assim, a sua variedade lingüística individual. Com o conclusão temos que as res-
20 I n tr o d u ç ã o

postas a vários exercícios da parte de Fonética podem diferir de um a pessoa para


outra. A segunda parte, intitulada Fonêm ica, apresenta os princípios teóricos e
m etodológicos da análise fonêmica. O leitor deve fazer os exercícios e postular
um sistem a fonêm ico para o português. Tal sistem a é idêntico para todos os falan­
tes do português (sendo correlato ao sistem a da língua proposto por Sausurre). As
particularidades da fala de cada indivíduo são expressas na análise de cada idioleto.
Finalmente, a terceira parte que é intitulada M odelos Fonológicos, apresenta um a
visão da trajetória pós-estruturalista da análise do com ponente sonoro: a fonologia.
Apontam os os princípios gerais de cada modelo e indicam os referências biblio­
gráficas primárias. Quando possível fornecem os bibliografia em português e refe­
rências de análises que dem onstrem a aplicabilidade de um determ inado modelo a
dados da língua portuguesa. Sugerim os ainda uma série de tópicos teóricos e apli­
cados que podem potencialm ente gerar trabalhos de m onografia, dissertações de
m estrado ou teses de doutorado.
Pretendem os, portanto, introduzir o leitor ao estudo do com ponente sonoro
da linguagem com ênfase no português brasileiro. Não se espera qualquer conhe­
cim ento prévio e assum e-se que ao concluir a leitura e exercícios propostos o
leitor deve ser capaz de avaliar as características de sua fala e de outros falantes.
Espera-se tam bém que o leitor possa discutir os pressupostos teóricos da análise
fonêm ica e avaliar criticam ente aspectos controvertidos do sistem a sonoro do
português. Com a discussão apresentada na parte final deste livro espera-se con­
tribuir para que o leitor amplie seus conhecim entos teóricos dos vários m odelos
fonológicos.
Para finalizar, apontam os áreas de trabalho que requerem profissionais com
form ação em lingüística e mais especificam ente nas áreas de fonética e fonologia.

2. Areas de trabalho
Lingüística: O teórico da linguagem busca explicar os mecanismos subjacentes aos
sistemas lingüísticos. A compreensão dos sistemas sonoros das línguas, bem como a
relação destes sistemas com os demais componentes da gramática (como morfologia,
sintaxe, semântica) consistem no trabalho do pesquisador. Teóricos da linguagem
podem investigar um determinado aspecto da linguagem do ponto de vista sincrônico
ou podem empreender uma pesquisa de um aspecto diacrônico da língua escolhida.
Formação: Graduação em Letras e Lingüística e pós-graduação em áreas afins.

Ensino de língua materna: Ao conhecer em detalhes a estrutura sonora da língua


portuguesa, o profissional pode avaliar problemas enfrentados por estudantes e for­
mular propostas para solucioná-los. Tal conhecimento é sobretudo valioso aos
alfabetizadores e professores de português. Formação: Curso Normal (segundo grau)
e Graduação em Letras - português.
In tr o d u ç ã o 21

Ensino de língua estrangeira: O professor de língua estrangeira deve conhecer bem


a língua que ensina e ser capaz de compará-la ao português. A comparação permite
avaliar problemas de interferência lingüística de uma língua na outra e formular pro­
postas para bloquear tal interferência. Formação: Graduação em Letras - português
e outra língua.

Planejamento lingüístico-social: A variedade lingüística em um país com a dimen­


são territorial do Brasil impõe desafios. Em áreas com grande migração nacional
depara-se com as diferenças lingüísticas entre o educador e os educandos. Muitas
vezes alunos com excelente potencial são excluídos do sistema educacional devido
ao fato de sua fala desviar da norma prescrita. A exclusão ocorre às vezes na mesma
região geográfica sendo que educador e educando compartilham de variedades
lingüísticas diferentes e problemas até mesmo de inteligibilidade podem surgir. Cabe
ao planejador educacional avaliar situações de conflito e propor alternativas para os
problemas existentes. Formação: Graduação em Letras, Pedagogia, Sociologia e
Assistência Social. Pós-graduação em áreas afins com pesquisa específica em
planejamento.

Tradução e interpretação: A tradução e interpretação tornam-se áreas de trabalho


muito relevantes no mundo globalizante em que vivemos. Tradutores necessitam
conhecer os sistemas sonoros das línguas com que trabalham para explicar aspectos
que muitas vezes são opacos em textos escritos (a tradução de poesias e canções é
um caso explícito). Para o intérprete, o conhecimento dos sistemas sonoros das lín­
guas com que trabalha é fundamental para que o mínimo de incompreensão incorra
durante uma sessão de trabalho. Formação: Graduação em Letras, Tradução e pós-
graduação em áreas afins.

Dramaturgia: A expressão oral tem um papel fundamental na dramaturgia. Pense


por exemplo que um ator/atriz às vezes desempenha um papel cujo personagem tem
um sotaque diferente do seu. Colaboração profissional entre atoreí e profissionais
que trabalham com a linguagem se faz necessária. O lingüista pode também ensinar
aos atores o melhor meio de utilizar os mecanismos que permitam o uso pleno das
partes do corpo envolvidas na linguagem. Formação: Graduação em Letras, Teatro
e Escolas de Dramaturgia.

Fonoaudiologia: O profissional que trabalha com aspectos relacionados à patologia


da fala é o fonoaudiólogo. Este profissional deve conhecer bem os aspectos
articulatórios e acústicos envolvidos na produção da fala e também ser capaz de
avaliar a organização fonológica do sistema da língua em questão. Aspectos como a
gagueira ou a “troca de sons” na fala são tratados por fonoaudiólogos ou terapeutas
da fala. Formação: Graduação em Fonoaudiologia e pós-graduação em áreas afins
(como Lingüística, por exemplo).

Linguagem de surdo-mudo: Os sistemas de comunicação de pessoas que não escu­


tam ou que não falam têm uma complexidade gramatical específica e em princípio
estão sujeitos a mudanças lingüísticas semelhantes às que ocorrem nas línguas natu­
rais. Há vários sistemas de sinais utilizados por mudos. Alguns surdos podem utilizar
22 I n tr o d u ç ã o

a linguagem oral se adequadamente orientados por profissionais. Formação: Gra­


duação em Letras e áreas afins. Também o desenvolvimento de pesquisas em cursos
de pós-graduação em áreas afins (como a Lingüística, por exemplo).

Lingüística computacional: Um dos grandes desafios da ciência computacional é


encontrar correlatos acústicos da fala que sejam conversíveis em sinais digitais. Muito
tem sido desenvolvido nesta área nos últimos anos. Um exemplo da relação lingüística-
computação é a possibilidade de se obter e passar informações por telefone entre um
ser humano e um computador (via telefonia, por exemplo). Ao definir-se os aspectos
acústicos e articulatórios da língua e seu sistema fonológico, pode-se aperfeiçoar
mecanismos já existentes. Desafios são impostos sobretudo na área da sintaxe e se­
mântica. Formação: Graduação em Computação, Física e Lingüística e pós-gradua­
ção em áreas afins.

Ciência da telecomunicação: A transmissão da fala em termos físicos impõe desa­


fios para a ciência. O som deve ser transmitido nitidamente para que não se perca
conteúdo de informação. A transmissão dos meios de comunicação - como rádio e
televisão - depende de pesquisa nesta área. Obter-se um meio eficaz, rápido e
econômico de transmitir a fala são ambições desta área de pesquisa. Formação:
Graduação em Computação, Física e Lingüística e pós-graduação em áreas afins.

Zoo-Biologia: Definir os parâmetros envolvidos na comunicação animal e caracteri­


zar a organização dos sistemas lingüísticos animais são tópicos de pesquisa na área
de zoo-biologia. Linguagens de chimpanzés, golfinhos, baleias e abelhas são relativa­
mente bem estudadas. Faz-se relevante caracterizar as relações de comunicação en­
tre diversos membros de uma mesma espécie em diferentes regiões do planeta. For­
mação: Graduação em Lingüística, Biologia, Zootecnia e pós-graduação em áreas
afins.

Lingüística forense: A fala de um indivíduo apresenta características específicas e


únicas. Estudos têm sido realizados para caracterizar as particularidades da fala indi­
vidual e definir os parâmetros do que corresponde à “impressão digital” da fala.
Espera-se que o progresso nesta área de pesquisa permita a utilização de evidências
da fala em tribunais. Formação: Graduação em Lingüística com complementação
das áreas de Física e Direito. Pós-graduação em áreas afins.

Lingüística indígena: Temos hoje aproximadamente 120 línguas indígenas faladas


em todo o território brasileiro. Destas, apenas umas poucas foram amplamcnte estu­
dadas. Do ponto de vista teórico o estudo destas línguas permite a ampliação do
conhecimento dos mecanismos que regulam as línguas naturais. Do ponto de vista
prático registra-se tecnicamente a língua nativa que pode ser eventualmente utilizada
em projetos educacionais se for dc interesse da comunidade. Formação: Graduação
em Lingüística, Letras, Antropologia e pós-graduação em áreas afins.
TEXTO 2

Português V
Volume 1
Marli Hermenegilda Pereira
Mikaela Roberto
Ricardo Stavola Cavaliere

Apoio:
Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
www.cederj.edu.br

Presidente
Carlos Eduardo Bielschowsky
Vice-presidente
Marilvia Dansa de Alencar
Coordenação do Curso de Letras
UFF - Livia Maria de Freitas Reis Teixeira

Material Didático
Elaboração de Conteúdo Coordenação de Produção Capa
Marli Hermenegilda Pereira Fábio Rapello Alencar Renan Alves
Mikaela Roberto
Assistente de Produção Programação Visual
Ricardo Stavola Cavaliere
Bianca Giacomelli Alexandre d’Oliveira
Direção de Design Instrucional Camille Moraes
Revisão Linguística e Tipográfica
Cristine Costa Barreto Cristina Portella
Beatriz Fontes
Deborah Curci
Coordenação de Design Elaine Bayma
Filipe Dutra
Instrucional Flávia Saboya
Larissa Averbug
Bruno José Peixoto Licia Matos
Maria Fernanda de Novaes
Flávia Busnardo da Cunha​ Maria Elisa Silveira
Mario Lima
Paulo Vasques de Miranda Mariana Caser
Núbia Roma
Yana Gonzaga
Supervisão de Design
Produção Gráfica
Instrucional Ilustração
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Aroaldo Veneu Clara Gomes
Ulisses Schnaider
Fernando Romeiro
Design Instrucional
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Ana Cristina Andrade
Vinicius Mitchell

Copyright © 2015, Fundação Cecierj / Consórcio Cederj


Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio
eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação.

P436
Pereira, Marli Hermenegilda.
Português V: volume 1 / Mikaela Roberto, Ricardo Stavola Cavaliere. –
Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2015.
168 p.: il. 19 x 26,5 cm.
ISBN: 978-85-458-0015-6
1. Português. 2. Fonética. I. Roberto, Mikaela. II. Cavaliere, Ricardo
Stavola. III. Título.
CDD:869

Referências bibliográficas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT.


Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Aula 1
Conceitos preliminares

Marli Hermenegilda Pereira


Ricardo Stavola Cavaliere
Aula 1 • Conceitos preliminares

Meta da aula

Conceituar fonética e fonologia como disciplinas linguísticas.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


1. reconhecer os campos de estudos da fonética e da fonologia;
2. distinguir o papel dos sons linguísticos no sistema da língua e no am-
biente do discurso;
3. conceituar fonologia sincrônica e fonologia diacrônica.

8
Português V

Introdução

Quando nos iniciamos no estudo dos sons que integram o sistema lin-
guístico, comumente tomamos ciência de duas áreas de investigação
que, de tanto serem citadas em conjunto, aparentam ser tão somente
denominações alternativas da mesma disciplina: a fonética e a fonologia.
Na verdade, a fonética e a fonologia, embora tenham extrema vincula-
ção quanto ao objeto geral de estudo – ambas as disciplinas se ocupam
do estudo do som linguístico –, constituem áreas claramente distintas
quanto aos objetivos específicos, ou seja, quanto à perspectiva com que
cada uma delas se debruça sobre a análise dos sons da língua. Nestas pri-
meiras linhas, vamos nos ocupar da distinção entre fonética e fonologia;
apesar de ser uma introdução meramente teórica, nosso estudo nesse
ponto inicial merece dedicada atenção, pois saber com segurança quais
são os campos de atuação dessas duas disciplinas constitui pré-requisito
indispensável para que venhamos a entender conceitos fundamentais a
elas correlacionados ao longo de todo o curso.

A fonética e a fonologia

Vamos partir de um exemplo simples: ao pronunciarmos a palavra


fica, verificamos que os sons que constituem sua cadeia fônica podem Cadeia fônica
ser subdivididos em dois grupos, a que denominamos sílabas: fi-ca. Divi- Sequência de unidades
sonoras menores que,
dir a sequência fônica de uma palavra em sílabas é algo que aprendemos dispostas segundo
nas nossas primeiras aulas de linguagem e constitui, por assim dizer, as regras do sistema
fonológico, constituem
um saber sobre a língua que adquirimos durante o próprio processo de unidades sonoras maiores.
aquisição da linguagem, da capacidade de falar. Agora, experimentemos
uma troca: em vez de fica, pronunciemos a palavra dica. O resultado
dessa troca decorre de uma segmentação da palavra em nível inferior
ao da sílaba, de tal sorte que uma unidade sonora presente na primeira
sílaba, representada pela letra f, é substituída por outra unidade sonora
representada pela letra d.
Chegamos, pois, a duas unidades sonoras que, por motivos didáti-
cos, serão explicados detalhadamente mais adiante, e passaremos a re-
presentar com as letras entre barras inclinadas: /f/ é a unidade sonora
inicial de fica e /d/ é a unidade sonora inicial de dica. O fato de a tro-
ca da unidade /f/ pela unidade /d/ implicar a mudança da palavra fita
para a palavra dica é altamente relevante, pois nos indica que /f/ e /d/
se opõem distintivamente no sistema linguístico do português, ou seja,
/f/ e /d/ estão em oposição pertinente entre si. Um par de palavras com

9
Aula 1 • Conceitos preliminares

significados diferentes e cadeia sonora idêntica, como o caso de fica/


dica, faca/vaca, cata/cada, caracteriza um fenômeno denominado de
par mínimo. Imaginemos, agora, um outro fato: ao pronunciar a palavra
dica, podemos esperar, pelo menos, duas pronúncias distintas para o
som referente à letra d. Um falante carioca, muito provavelmente, irá
pronunciar esse som de uma forma mais chiada, algo que se aproxime
de dchica. O símbolo fonético correspondente a esse chiado é [dZ]. No
entanto, se for um falante nordestino, provavelmente, ele produzirá um
som mais dental, ou seja, ao produzir o d, ele tocará a língua nos den-
tes ou atrás dos dentes. O símbolo fonético correspondente a esse som
dental é [d]; diferentemente da troca de /f/ por /d/, as diferentes pro-
núncias do d não implicam alteração na palavra, que continua sendo a
mesma palavra dica com uma leve mudança na pronúncia. Tal fato nos
conduz à conclusão de que [dZ] e [d] mantêm entre si uma oposição ir-
relevante ou impertinente. Esses dois sons podem ser trocados um pelo
outro, na mesma posição na palavra, sem implicações maiores do que
a variação de sotaque, razão por que o fenômeno é conhecido como
variação livre. A pronúncia do “r” no final de sílaba em várias regiões
do Brasil também constitui um caso de variação livre, pois não acarreta
nenhuma modificação de significado.
O que vimos até aqui observando serve para distinguirmos bem os
campos de atuação da fonética e da fonologia. As unidades [f], [d] e
[dZ] participam do sistema de sons do português, contudo, enquanto
a oposição entre /f/ e /d/ é pertinente, pois não se pode efetuar a troca
desses sons entre si sem que se altere a integridade da palavra, a oposi-
ção [d] e [dZ] é impertinente ou não distintiva. A fonologia ocupa-se
tão somente do estudo das unidades sonoras que mantêm oposição per-
tinente com as demais unidades do sistema da língua, ou seja, unidades
que têm valor funcional dentro do sistema. Assim, a oposição entre /f/
e /d/ é fonologicamente relevante, mas a oposição entre [d] e [dZ] é
fonologicamente irrelevante, a ponto de [d] e [dZ] serem entendidos
como um único som. Por outro lado, a fonética ocupa-se do estudo ma-
terial de todos os sons que integram o sistema linguístico, sejam os que
mantêm valor distintivo com as demais unidades, sejam os que perdem
essa distinção em face de outros, por isso as características articulatórias
e acústicas de [f], [d] e [dZ] são igualmente relevantes no campo da
investigação fonética.
Imaginemos, por analogia, que uma pessoa necessite de uma caneta
esferográfica para escrever um texto. Poderá servir-se, para tanto, de

10
Português V

um conjunto variado de canetas, que se distinguem materialmente por


serem mais longas, outras mais macias, ou mesmo mais arredondadas.
São, pois, canetas distintas do ponto de vista material. Do ponto de vista
funcional, entretanto, todas cumprem o mesmo papel, sendo entendidas
como um único ser em nível mais elevado de abstração. Suas diferenças
materiais apresentam-se, assim, irrelevantes aos olhos do escritor, pois
todas cumprem a mesma função.
À fonética tem-se atribuído o papel de estudar os sons da linguagem
humana do ponto de vista material ou físico, descrevendo detalhada-
mente como eles são produzidos e quais são seus efeitos acústicos. A fo-
nologia cuida do papel que tais sons desempenham no sistema de uma
língua particular: se têm ou não valor distintivo em face de outros sons,
se podem ocorrer em qualquer posição silábica ou estão restritos a dada
vizinhança fonológica etc. Por esse motivo, não é plenamente correto
falarmos de uma fonética do português, do francês ou do italiano, po-
rém de uma fonologia do português, do francês etc., visto que o estudo
dos sons da linguagem humana em seu aspecto físico independe dos
sistemas fonológicos a que pertencem.

Para mostrar a distinção entre fonética e fonologia, convencionou-se


usar [ ] para a transcrição fonética e / / para a transcrição fonológica.

Atividade 1

Atende ao Objetivo 1

1. Reconheça as atividades de pesquisa a seguir discriminadas como


da competência da fonética ou da fonologia:

11
Aula 1 • Conceitos preliminares

a) Descrição detalhada de todos os sons linguísticos, que pertencem a


todas as línguas conhecidas: _______________.
b) Avaliação sobre a função de cada som linguístico na cadeia fônica
de palavras em determinada língua: _______________.
c) Descrição dos sons linguísticos que detêm valor distintivo entre si
em determinada língua: _______________.
d) Caracterização das regras de construção da sílaba em uma determi-
nada língua: _______________.
e) Estudo dos mecanismos de articulação dos sons linguísticos pelo
aparelho fonador: ___________________.
f) Nas línguas há regras que são gerais, universais (aplicam-se a todas
as línguas), enquanto há outras regras que são particulares, caracterís-
ticas de cada língua individual. Cabe à __________________ o estudo
desse sistema abstrato tanto das regras universais como aquelas que ca-
racterizam diferentes línguas.
g) No inglês, é possível a combinação dos sons ‘s’ e ‘m’ em início de
sílaba e o uso da consoante ‘t’ em final de palavras (ex.: smart), enquanto
no português essa sequência é evitada. Essas diferenças combinatórias
são estudadas pela ___________________, ao passo que a descrição
da produção dos sons ‘s’, ‘m’, ‘a’, ‘r’ e ‘t’, independentemente de qualquer
língua, compete à ___________________.

2. Um pesquisador brasileiro, após realizar um estudo sobre a pronúncia


do Rio Grande do Sul, resolve enviá-lo para publicação em um periódico
estrangeiro. Para que o texto apresente todos os detalhes da pronúncia
sulista, em caráter contrastivo com os demais falares do Brasil, deverá
pautar-se em uma descrição fonética ou fonológica? Justifique a resposta.

Respostas Comentadas
Para responder às questões propostas, você deve perceber que fonética e
fonologia são disciplinas complementares que têm um mesmo objeto de
estudo: a unidade sonora. No entanto, cada uma faz uma investigação
priorizando um enfoque distinto. Enquanto a fonologia se ocupa dos
sistemas linguísticos, caracterizando quais sons são, funcionalmente,

12
Português V

distintos em uma determinada língua, a fonética descreve a realização


concreta dos sons de uma determinada língua, levando em conta as pos-
síveis realizações de uma mesma unidade sonora.
Mediante essa explicação, em 1. você dever ter respondido: a) fonéti-
ca; b) fonologia; c) fonologia; d) fonologia, e) fonética, f) fonologia e
g) fonologia, fonética. Em 2., espera-se que você identifique que o pes-
quisador deve pautar-se numa descrição fonética, já que seu objetivo
é descrever como os falantes de uma determinada variedade linguísti-
ca (do Rio Grande do Sul) produzem as unidades sonoras. Essa é uma
das tarefas da fonética. À fonologia importa descrever um determinado
sistema linguístico (português, alemão, francês etc.) e não as diversas
realizações sonoras dentro de uma mesma língua.

Trubetzkoy e o ato de fala

A distinção entre fonética e fonologia dá oportunidade a que façamos


referência às ideias de Nicolai S. Trubetzkoy, considerado o pai da Nikolai
moderna fonologia, nas quais essas duas áreas de investigação se delimi- Trubetzkoy
(1890-1938)
tam segundo o ponto de vista de como se abordam os fenômenos da lin-
Linguista russo cujas
guagem. Sempre que uma pessoa fala com outra, estabelece-se um ato de ideias contribuíram
fala. Como unidade de comunicação, o ato de fala está ligado a inúmeros decisivamente para a
distinção entre fonética
fatores que não são propriamente linguísticos, senão decorrentes da situ- e fonologia como
disciplinas autônomas,
ação em que a comunicação se constrói: o interlocutor, o trato social, o embora correlacionadas
ambiente físico etc. (TRUBETZKOY, 1986). Para que, entretanto, se con- pelo mesmo objeto de
estudo: o som linguístico.
cretize, o ato de fala implica o uso de uma língua comum aos dois ou mais
interlocutores. A língua, por assim dizer, participa da construção do ato
de fala juntamente com os demais fatores extralinguísticos e a ele se vin-
cula reciprocamente, já que, assim como acatamos a premissa de que não
há ato de fala sem participação do sistema linguístico, também havemos
de admitir que a única razão de ser da própria língua está na existência
do ato de fala. Como assinala Trubetzkoy, “sem atos de fala concretos, a
língua não existiria, de sorte que o ato de fala e a língua se pressupõem
reciprocamente” (TRUBETZKOY, 1986, p. 1).
Assim, uma coisa é estudar a linguagem humana mediante análi-
se do ato de fala, em que a língua se alia a elementos extralinguísticos
para construir um complexo ambiente de comunicação. Outra coisa é
estudar a língua como entidade individualizada e abstrata. A língua em

13
Aula 1 • Conceitos preliminares

si é um sistema complexo, formado por um conjunto de sistemas mais


específicos. Dentre esses sistemas constituintes da língua está o de sons,
de que ela se serve para erigir a face material das palavras. O estudo
desse sistema se faz separadamente dos demais, dada a necessidade de
se usarem teoria e metodologia próprias, que deem conta de todos os
seus aspectos. Eis por que o estudo dos sons da língua se faz em área
diferente da do estudo do significado ou da morfossintaxe.
Contudo, a especificidade do estudo ainda não se individualiza
bem nesses termos. Sabemos que o significado de uma sentença pode
mudar em face dos diversos atos de fala em que é usada, devido à par-
ticipação de elementos extralinguísticos na arquitetura do texto. Uma
frase como “O governador decretou ponto facultativo na sexta-feira”,
tomada em seus limites meramente linguísticos, tem um significado
bastante restrito, algo como “os funcionários públicos não estarão
obrigados a ir trabalhar na sexta-feira”. Por outro lado, considerado
no ambiente do ato de fala, o significado dessa frase alia-se a compo-
nentes extralinguísticos que constroem sentidos bem mais extensos e
multiplamente distintos. Assim, se um advogado pronuncia a tal frase
em conversa com seu cliente, cuja audiência estava previamente mar-
cada para a sexta-feira, seu sentido passa a ser “Não haverá audiência
na sexta-feira”. Isso nos demonstra que há um significado linguístico,
isto é, restrito à frase em si, que não corresponde necessariamente ao
sentido resultante nas diversas situações discursivas em que tal frase é
pronunciada. Hoje, enquanto a semântica da língua estuda o significa-
do nos limites do sistema linguístico, a semântica do discurso estuda o
significado no campo do ato de fala.
Semelhantemente, ao estudar o som da língua, convém dispormos de
uma ciência que deles se ocupe nos limites do sistema linguístico e outra
que os estude no ambiente difuso do ato de fala. Tomemos, por exem-
plo, uma frase como “Cuidado com o cão”. Pronunciada a título de mera
advertência, durante o caminho à residência de um amigo, a sequência
Padrão melódica da frase certamente reduzir-se-ia à alternância de sílabas tônicas
entonacional e átonas, em tom mediano ou em padrão entonacional mais sóbrio.
Refere-se às variações de Se a situação discursiva, entretanto, implica um cão feroz avançando
altura do tom laríngeo que
não recaem sobre uma contra alguém, a frase “Cuidado com o cão” decerto será pronunciada
unidade sonora, mas sobre em tom bem mais elevado, aliado à expressão fisionômica de pavor ou
uma sequência mais longa
(palavra, sequência de surpresa. Do ponto de vista puramente linguístico, a alteração de tom na
palavras) e formam a curva
melódica da frase: frase
frase pronunciada pelo falante não altera o significado da sentença, ou
interrogativa, exclamativa, seja, são elementos irrelevantes ou impertinentes. No entanto, do ponto
afirmativa etc.

14
Português V

de vista discursivo, o citado efeito sonoro serve para revelar ao inter-


locutor que a pessoa que lhe está transmitindo a notícia ficou chocada
ou mesmo emocionalmente traumatizada em face do perigo iminente.
Diga-se ainda que, caso estivesse dando a informação não a um amigo,
mas a uma pessoa desconhecida, a mesma pessoa talvez abrisse mão
dos alongamentos silábicos, a fim de não demonstrar explicitamente sua
emoção em face do acidente.
O falante, enfim, modula o padrão entonacional da frase de acordo
com certas intenções decorrentes do ato de fala. Se estudarmos a frase
em questão nos limites da língua, as sílabas longas e breves não implica-
rão alteração de sentido, visto que constituem fatos, como dissemos, ir-
relevantes ou impertinentes. Se, por outro lado, investigamos os valores
semânticos da frase no ambiente difuso do texto, aí considerados os fa-
tores extralinguísticos, decerto que haveremos de considerar relevantes
as alternâncias de sílabas longas e breves ou a variação de tom silábico.
Por tal motivo, Trubetzkoy, já em seus estudos pioneiros, defendia a
criação de uma ciência que se ocupasse do estudo dos sons no universo
restrito das línguas e de outra que os estudasse na seara da língua em
uso, do ato de fala. Tendo objetos diferentes, essas ciências também ha-
veriam de usar metodologias diferentes: a ciência dos sons no ato de fala
ocupar-se-ia dos fenômenos físicos concretos em que tais sons se mani-
festam, com respaldo no método das ciências naturais. Já a ciência dos
sons da língua deveria levar em conta métodos puramente linguísticos,
que aferissem em que medida eles eram pertinentes na construção das
pavras e frases. A ciência dos sons do ato de fala Trubetzkoy denomina
fonética; a dos sons da língua, fonologia.

Atividade 2

Atende ao Objetivo 2

Dê um exemplo que mostre que a mudança do padrão entonacional de


uma frase pode levar à modificação de valores discursivos.

15
Aula 1 • Conceitos preliminares

Resposta Comentada
Para responder a essa questão, você precisa dar um exemplo com a mes-
ma frase que pode indicar forças ilocucionárias distintas, dependendo
do padrão entonacional. Por exemplo, imagine o seguinte contexto:
Você vai à casa de um amigo pela primeira vez. Ao chegar lá, você se
depara com um cão, então, pergunta ao seu conhecido: “– Este cão mor-
de?”. Ele diz que não, o que o deixa aliviado. Nesse contexto, o enuncia-
do “Este cão morde” apresenta um padrão entonacional ascendente e
Força tem a força ilocucionária de uma pergunta. Agora imagine se você
ilocucionária chegasse à casa de seu amigo e se deparasse com dois cães. Você, apavo-
Quando alguém produz rado, perguntaria ao dono da casa: “– Esses cachorros mordem?” Então
um enunciado em certas
condições comunicativas ele responderia: “– Aquele não, agora este cão morde.” Nessa segunda
e com certas intenções,
tais como ordem, ameaça,
ocorrência, o enunciado “Este cão morde.” já apresenta um padrão mo-
pedido, pergunta etc., dular contínuo, sinalizando uma declaração. Assim, esses dois exemplos
diz-se que o enunciado
ganha uma determinada ilustram que a mudança de articulação entonacional pode levar à modi-
força ilocucionária. Assim,
ficação de valores discursivos.
a força ilocucionária é o
significado ilocutório do
ato, aquilo que determina
a sua função como
ordenar, avisar, perguntar,
convidar, ameaçar etc.

A título de definição

Entende-se, pois, por fonologia – também fonêmica (cf. CÂMARA


JR., 1977) ou fonemática (cf. ALARCOS LLORACH, 1954) – a discipli-
na linguística que se ocupa do estudo da função dos elementos fônicos
das línguas, ou seja, que estuda os sons do ponto de vista de seu fun-
cionamento na linguagem e de sua utilização para, enquanto unidades
significativas menores, formar unidades significativas maiores.
Como observa judiciosamente Alarcos Llorach, pautado na teoria
saussuriana do signo linguístico, a análise do significante, isto é, da face
fônica do signo, revela que toda língua tem, de um lado, um número
bastante variado de sons que se realizam e são perceptíveis na fala e, de
outro lado, uma série limitada de regras abstratas que formam o sistema
expressivo da língua, as quais servem de modelo ideal nas manifesta-
ções individuais e concretas (ALARCOS LLORACH, 1954, p. 12). Os
sons e as regras sistêmicas, os primeiros físicos e fisiológicos, as segun-
das abstratas e sociais, não podem ser objeto da mesma disciplina, já

16
Português V

que exercem papéis diferentes no amplo campo da linguagem humana.


Enquanto os primeiros são a matéria palpável do significante, as segun-
das constituem sua forma.
Exemplifique-se: o português detém um conjunto extenso de sons,
classificados normalmente em consoantes, vogais e semivogais, que se
agrupam de acordo com regras estabelecidas pelo sistema linguístico
para formar a face fônica do signo, isto é, seu significante. Ao estudar-
mos um dado som em particular, digamos a consoante f, podemos cui-
dar da sua descrição física, aí incluindo sua articulação e o efeito acústi-
co que produz: trata-se de um estudo da substância do som, nos limites
de sua materialidade. Por outro lado, numa outra linha de investigação,
o estudo de nosso sistema linguístico revela que o som f se submete a
determinadas regras de construção do significante: aparece em início,
mas não em final de palavra, pode formar grupos consonantais apenas
com certas consoantes ( fl e fr), não pode ocupar o ápice ou centro da
sílaba (como, por sinal, todas as consoantes dessa língua) etc.
A disciplina que se ocupa dos sons quanto a sua substância a foné-
tica. Já a disciplina que se ocupa das normas que ordenam essa matéria
sonora é a fonologia. A primeira lida com fatos materiais e concretos;
a segunda, com puras abstrações formais, que constituem um sistema.

Fonologia sincrônica e fonologia diacrônica

O estudo das conhecidas dicotomias saussurianas (SAUSSURE,


2006) revela que o grande mestre suíço separou a linguística em dois
campos opostos, segundo o sentido em que se estuda a língua. Se inves-
tigamos um estado de língua, descrevendo-o sobre o “eixo das simulta-
neidades”, temos linguística sincrônica. Se, por outro lado, estudamos o
processo de evolução e transformação de uma língua sobre o “eixo das
sucessividades”, temos linguística diacrônica. Para Saussure, como os sis-
temas são organismos cujos elementos pertencem necessariamente ao
mesmo momento ou estado cronológico, o estudo do sistema linguístico
só pode ser sincrônico.
Por este motivo, Saussure separou a fonética histórica da fonética
descritiva, denominando essa última fonologia. Em última análise, acre-
ditava Saussure que, se a fonologia estuda a função dos elementos fôni-
cos em um sistema, tal disciplina é necessariamente sincrônica. Com
efeito, não é por acaso que a maior parte das investigações fonológicas
tenha sido dedicada aos estudos sincrônicos, pois chega a ser intuitivo o

17
Aula 1 • Conceitos preliminares

fato de que uma língua se estuda dentro das relações que se estabelecem
no eixo das simultaneidades.
Não se pode negar, contudo, que os métodos usados pela fonologia
também se aplicam ao estudo da mudança linguística, que constitui o
cerne da linguística histórica ou diacrônica. Assim, ao lado da fonologia
sincrônica, que estuda o sistema fonológico de um estado da línua, sur-
ge a fonologia diacrônica, segundo a qual a evolução dos fatos fônicos
deve ser estudada com relação aos sistemas que sofreram as mudanças.
Como nos ensina o gramático espanhol Alarcos Llorach, “a fonologia,
assim, não é uma disciplina necessariamente sincrônica, já que seus mé-
todos são extensíveis às investigações diacrônicas” (ALARCOS LLORA-
CH, 1954, p. 15)

Atividade 3

Atende ao Objetivo 3

Em que aspectos se distinguem a fonologia sincrônica e a fonologia


diacrônica?

Resposta Comentada
Nessa questão, você deve estar consciente da dicotomia saussuriana,
sincronia e diacronia, para estabelecer a diferença entre fonologia sin-
crônica e fonologia diacrônica. Saussure postula que há duas formas de
se estudar os fatos linguísticos: uma do ponto de vista sincrônico, ou
seja, o estudo de um fenômeno gramatical a partir de um determina-
do estado da língua. Nessa perspectiva, estudam-se os elementos lin-
guísticos estabelecendo seu valor funcional numa relação contrastiva
com os demais elementos do sistema linguístico. Já na diacronia, um
determinado aspecto gramatical é estudado a partir de sua evolução.
Nesse enfoque, observa-se o fenômeno em diversas fases de uma língua.

18
Português V

A partir dessas noções, você pode estabelecer a diferença entre as duas


fonologias. Assim, a fonologia sincrônica vai estabelecer o valor distinti-
vo das unidades sonoras contrastando-as com outras unidades do siste-
ma numa determinada fase da língua, enquanto a fonologia diacrônica
estuda os fatos fônicos levando em conta, não um determinado estado
da língua, mas diversas fases, focalizando as mudanças ocorridas.

Conclusão

Nesta aula, tomamos conhecimento da fonética e da fonologia como


campos de estudo dos sons linguísticos e estabelecemos as diferenças
conceituais entre esses campos. Verificamos, ainda, como a fonética e a
fonologia cuidam dos sons linguísticos tanto no ambiente do discurso
quanto no plano abstrato do sistema da língua. Por fim, conceituamos
fonologia sincrônica e fonologia diacrônica como subáreas da fonologia
na tarefa de estudar e descrever os sons do português, seja em uma épo-
ca específica, seja no curso histórico da língua.

Atividade Final

Atende ao Objetivo 1

1. No português, verifica-se que as consoantes /s/ e /l/ não podem


formar um grupo consonantal no interior da mesma sílaba. A pesquisa
que levou à semelhante constatação é de caráter fonético ou fonológico?
Justifique a resposta.

2. Sabemos que os falantes nativos de uma língua distinguem-se em face


do que popularmente se denomina sotaque. Um levantamento dos varia-
dos sotaques dos brasileiros é de caráter fonético ou fonológico? Explique.

19
Aula 1 • Conceitos preliminares

Respostas Comentadas

1. Nesta aula, você viu que a fonologia se ocupa da descrição e do fun-


cionamento das unidades sonoras em um determinado sistema linguís-
tico, atribuindo-lhes valor distintivo. Essas unidades costumam se com-
binar em padrões que se repetem, caracterizando a estrutura silábica de
cada língua. Cada língua se organiza silabicamente de maneira distinta.
Assim, caracterizar a estrutura silábica de uma língua é uma das tarefas
essenciais da fonologia.
2. Para fazer um levantamento das várias formas de pronúncia do bra-
sileiro, é preciso oferecer uma descrição articulatória detalhada das di-
versas realizações de uma unidade sonora, levando em conta as nuances
de pronúncia de cada som. Essa análise do ponto de vista articulatório e
concreto do som, sem considerar seu valor funcional dentro do sistema
linguístico, é própria da fonética.

Resumo

Nesta aula, distinguimos a fonética e a fonologia como disciplinas que


estudam os sons da língua. Vimos que a fonética estuda os sons linguís-
ticos em seu aspecto material ou físico, ao passo que a fonologia cuida
dos sons em seu aspecto funcional. Os sons que figuram no sistema lin-
guístico do português podem ser estudados no plano fonético, caso em
que todos os sons interessam ao estudo; e no plano fonológico, caso em
que interessam somente os sons que têm valor funcional distintivo no
sistema. Também distinguimos a fonologia sincrônica, que estuda os
sons em dado estado de língua, ou seja, em um certo momento da mu-
dança que a língua sofre ao longo do tempo; e a fonologia diacrônica,
que estuda exatamente o processo de mudança que os sons da língua e,
por extensão, o próprio sistema linguístico sofre no devir do tempo. A
fonologia sincrônica atual, obviamente, dedica-se ao estado presente do
sistema de sons do português.

20
Aula 2
TEXTO 3

Ramos da fonética e classificação


dos sons linguísticos

Marli Hermenegilda Pereira


Ricardo Stavola Cavaliere
Aula 2 • Ramos da fonética e classificação dos sons linguísticos

Meta da aula

Reconhecer os ramos da fonética e conhecer a classificação articulatória


dos sons consonantais do português.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


1. distinguir os ramos específicos em que se subdivide a fonética;
2. identificar os elementos constituintes do aparelho fonador.

22
Português V

Introdução

Como vimos na primeira aula, a fonética tem como objetivo estudar e


descrever os sons linguísticos. Devido a esse propósito, essa disciplina
é abrangente e se ramifica, pelo menos, em três áreas, dependendo da
perspectiva adotada para estudar as unidades sonoras.

Os ramos da fonética

A fonética, como disciplina que estuda o som linguístico em seu as-


pecto material, pode ser subdividida em três áreas bem definidas: a fo-
nética articulatória, a fonética acústica e a fonética auditiva. A primei-
ra descreve e classifica os sons da fala de acordo com sua articulação no
aparelho fonador. À segunda cabe o estudo das propriedades físicas dos
sons linguísticos e do percurso que as ondas sonoras trilham para chegar
aos ouvidos do ouvinte. Já a terceira ocupa-se da maneira como os sons
da fala são captados pelo aparelho auditivo e interpretados pelo cérebro
humano. Vamos conhecer mais um pouco esses três ramos da fonética.

A fonética articulatória

Sem dúvida, a área da fonética que mais interessa aos que se dedicam
ao estudo linguístico é a da fonética articulatória (ou fisiológica), já que
seu objeto está diretamente vinculado à manifestação da língua em sua
materialidade, ou seja, ao modo como o falante produz os sons da lín-
gua, à anatomia e ao funcionamento do aparelho fonador. Nessa área de
pesquisa, por exemplo, tomamos ciência de como o organismo humano
produz cada uma das unidades sonoras que integram o sistema de sons
de uma língua, bem como dos fatores, sejam de ordem fisiológica ou
anatômica, que podem interferir na boa articulação desses sons. É com
base na fonética articulatória, igualmente, que se criou uma classifica-
ção dos sons linguísticos, amplamente utilizada nos estudos fonéticos,
conforme veremos adiante.
O domínio da fonética articulatória auxilia a atividade profissional
em áreas conexas, tais como a fonoaudiologia. Muitos indivíduos nas-
cem com uma fissura labiopalatal, conhecida como “lábio leporino”,
que impede a articulação natural de alguns sons linguísticos. Outros
sofrem de distúrbios neurológicos que dificultam a movimentação da
musculatura do aparelho fonador ou mesmo de distúrbios psicológicos

23
Aula 2 • Ramos da fonética e classificação dos sons linguísticos

que podem levar à gagueira. A fonoaudiologia, ao atuar na terapia dos


distúrbios da fala de maneira geral, lança mão dos recursos oferecidos
pela fonética articulatória, de tal sorte que se possa “educar” o indivíduo
quanto à adequada articulação dos sons linguísticos.
Outra área que se vem servindo bastante da fonética articulatória é a
denominada fonética forense, atividade laboratorial em que se analisam
exemplares da fala humana, geralmente gravados em fita magnética ou
em meio digital, a fim de que se possa identificar o indivíduo para fins
de prova judicial. Entre os elementos identificadores do indivíduo es-
tão determinados hábitos peculiares de articulação dos sons, tais como
uma excessiva expiração em consoantes oclusivas ou certa dificuldade
de construção de grupos consonantais, por exemplo.

Se quiser mais informações sobre fonética forense, pode consultar


o site do Instituto de Criminalística: http://www.igp.sc.gov.br/in-
dex.php?option=com_content&view=article&id=87&Itemid=113.

A fonética acústica

Outro ramo da fonética muito utilizado em áreas conexas é o da fo-


nética acústica. No ensino de línguas estrangeiras, tem-se tentado iden-
tificar padrões de percepção dos sons de dada língua pelo falante nativo
e pelo falante estrangeiro, bem como as razões por que o primeiro é
mais capaz do que o segundo na tarefa de identificar os fonemas nas ca-
deias sonoras das palavras. É comum, a respeito, observarmos que nossa
capacidade de entender uma língua estrangeira é bem maior quando
conversamos pessoalmente com um falante nativo dessa língua do que
quando ouvimos uma música no rádio ou quando assistimos a um fil-
me no cinema. Tal fato está vinculado ao comportamento que o som
linguístico tem no ambiente físico em que é produzido.
Fatores como frequência e amplitude das ondas sonoras que cons-
tituem os sons da fala, muito estudados na área da fonética acústica,
permitiram a invenção de aparelhos destinados a registrar graficamen-

24
Português V

te a voz humana, denominados espectógrafos. Dos primeiros espec-


togramas gráficos aos atuais espectogramas tridimensionais, obtidos
mediante programas de computação, a ciência muito evoluiu, a ponto
de obter percepção de parâmetros como a frequência e o controle da
intensidade vocal. Dispomos hoje, como resultado da pesquisa em fo-
nética acústica, de programas de identificação dos sons linguísticos que
conseguem transformar palavras em texto escrito, muito utilizados em
telefones celulares e tablets.

Figura 2.1: Espectograma da consoante /R/ antecedida pela vogal /a/.


Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44502012000200002&script=sci_arttext

Os recursos de identificação dos sons linguísticos em telefones


celulares, uma das conquistas da engenharia eletrônica, resultam
da pesquisa dos sons da língua na área da fonética acústica.

A fonética auditiva

Cabe à fonética auditiva o estudo da percepção dos sons da língua


pelo aparelho auditivo. O complexo mecanismo do ouvido capta as
ondas sonoras que nos chegam do exterior e as converte em impulsos
nervosos que chegam ao cérebro através do nervo auditivo. Uma das

25
Aula 2 • Ramos da fonética e classificação dos sons linguísticos

questões que mais se discutem no campo da fonética auditiva diz respei-


to à percepção e ao reconhecimento do som da língua pelo bebê nos pri-
meiros meses de vida. A hipótese hoje mais acatada é de que o cérebro
humano já está instruído para distinguir o som linguístico do som não
linguístico, ou seja, ao nascer, o bebê já tem a capacidade de selecionar,
entre os estímulos sonoros que recebe, aqueles que têm relação com a
faculdade da fala, fato que facilita enormemente o processo de aquisição
da linguagem.
Com efeito, dos primeiros dias de vida até a fase de articulação plena
de frases, a criança entra em contato com uma série de sons de toda na-
tureza, tais como o arrastar de móveis, objetos que caem, espirros e tos-
ses, além, evidentemente, dos sons da língua. Nossa capacidade de iden-
tificar esses sons, no conjunto de todos os sons que ouvimos no início da
vida, como integrantes de um sistema destinado a comunicar conceitos,
constitui um dos objetos de interesse da fonética auditiva, já que é pela
audição que entramos em contato com a língua no meio social.
A interdependência da fonética auditiva e da fonética articulatória
resume-se na própria interdependência das faculdades humanas de
produzir e perceber os sons da fala, de tal sorte que a ausência ou mau
desempenho de uma delas implica prejuízo significativo para a outra.
Assim, não é incomum que as pessoas, caso venham a perder a capaci-
dade de ouvir, passem a ter dificuldade de falar. Como já observamos,
sabe-se que os recém-nascidos vêm dotados de certa predisposição para
concentrar-se em determinados sons em detrimento de outros, no pro-
cesso de desenvolvimento da fala (LYONS, 1981, p. 69). Em outros ter-
mos, o bebê seleciona pelo meio auditivo os sons relevantes para a lin-
guagem humana, fato que confere à fonética auditiva importante papel
na investigação sobre a própria natureza das línguas.

Por volta do sexto mês de vida, o bebê começa a balbuciar e pro-


duz uma gama variada de sons, muitos dos quais não são de sua
língua materna. Isso também acontece com as crianças deficien-
tes auditivas; logo, balbuciar não depende do fornecimento de
dados de informação acústico-auditiva.

26
Português V

Atividade 1

Atende ao Objetivo 1

Numere os parênteses de acordo com os seguintes rótulos:

1- fonética articulatória 2- fonética acústica 3- fonética auditiva

a) ( ) Os sons oclusivos são produzidos com uma barreira total na


cavidade bucal.
b) ( ) Os tons musicais são harmoniosos e agradáveis ao ouvido.
c) ( ) As vogais são produzidas pela articulação livre.
d) ( ) Nós reconhecemos as fricativas pelo ruído de fricção.
e) ( ) As consoantes possuem ruído na sua composição.
f) ( ) Ruído é uma onda sonora não periódica.
g) ( ) Os surdos conseguem entender muito do que as pessoas fa-
lam pela leitura labial.
h) ( ) O arredondamento dos lábios é um dos fatores que causam
diferenças entre as vogais.
i) ( ) A limitação de nossa audição depende de características da
membrana do tímpano, como sua espessura.

Resposta Comentada
Para você responder corretamente a essa atividade, é necessário fazer a
seguinte associação: fonética articulatória = produção dos sons; fonética
auditiva = recepção dos sons; fonética acústica = propriedades físicas do
som. Fazendo essa correlação, fica fácil identificar os ramos da fonética.
Assim, temos: a (1); b (3); c (1); d (3); e (2); f (2); g (3); h (1) e i (3).

27
Aula 2 • Ramos da fonética e classificação dos sons linguísticos

O aparelho fonador

Uma das tarefas da fonética articulatória consiste em estudar o apare-


lho fonador, constituído dos chamados órgãos da fala. De início, cabe ob-
servar que tais órgãos servem primariamente a outros aparelhos do orga-
nismo humano, ou seja, atuam apenas secundariamente como elementos
do aparelho fonador. Com efeito, cabe aos pulmões oxigenar o sangue,
enquanto órgão do aparelho respiratório, mas também, subsidiariamen-
te, é esse órgão que expele a corrente de ar necessária para produzir a voz;
já as cordas vocais, que podem parecer a princípio elementos destinados
unicamente à produção da fala, na verdade, cumprem o papel básico de
evitar (se fechadas) a passagem de alimentos pela traqueia. Quanto aos
demais elementos que participam do aparelho fonador, a maioria situada
na boca, como lábios, dentes, língua etc., evidencia-se que seu papel ori-
ginal está ligado ao funcionamento do aparelho digestivo.

Funcionamento do aparelho fonador

Vamos estudar, neste item, o mecanismo fisiológico que produz os


sons da língua. Preliminarmente, convém advertir que nossos órgãos
fonadores produzem inúmeros sons que, não obstante expressem certo
valor semântico no ato de enunciação, não podem ser considerados sons
linguísticos. Este é o caso do sopro com projeção dos lábios, que denota
enfado ou irritação, do assobio que expressa surpresa ou estupefação,
o ronco típico dos diálogos, como hãrrã, hũrrum, que expressam anu-
ência etc. Alguns desses sons, entretanto, que em geral apenas expres-
sam valores semânticos na conversação, participam excepcionalmente
Clique do sistema fonológico de uma dada língua. Esse é o caso do clique. O
Som produzido pela xhosa, uma das línguas oficiais da África do Sul e o hotentote, grupo de
sucção do ar retido
na boca, mediante
línguas khoisan do Sudoeste africano, são exemplos de línguas em que o
compressão da língua clique tem valor fonológico.
com os alvéolos. Entre
os falantes do português,
é usado para expressar
valores semânticos como
desagrado, contrariedade
ou repreensão no diálogo.

Veja e ouça um falante do xhosa articulando cliques em várias palavras


dessa língua em: http://www.youtube.com/watch?v=31zzMb3U0iY.

28
Português V

Praticamente todos os sons da fala resultam das modificações vibra-


tórias que a corrente de ar expirado sofre durante o processo de fonação.
Os estudos de Kenneth L. Pike sobre as línguas indígenas da América
do Norte (PIKE, 1947), entretanto, demonstram que o aparelho fonador
também produz sons linguísticos mediante modificação do ar inspirado.

Figura 2.2: O aparelho fonador.

Não resta dúvida, porém, de que na grande maioria das línguas co-
nhecidas os sons linguísticos são produzidos através da expiração do
ar. A pressão do diafragma e dos músculos da caixa torácica sobre os
pulmões provoca a expulsão do ar através dos brônquios e da traqueia
até chegar à laringe. No topo desse órgão, situam-se as cordas vocais,
dois pares de membranas superpostos e separados por uma cavidade
conhecida como ventrículo de Morgagni. As cordas vocais se posicio-
nam como lábios que se abrem para possibilitar a entrada e saída de ar
durante a respiração através de uma abertura triangular denominada
glote. Uma válvula situada na saída da laringe, a epiglote, controla o
fechamento da glote para evitar a entrada de saliva e alimentos no apa-
relho respiratório no ato de deglutição.

29
Aula 2 • Ramos da fonética e classificação dos sons linguísticos

Figura 2.3: Glote, cordas vocais e epiglote.

Ao respirarmos, o ar passa pela glote sem provocar qualquer alteração


sonora, já que as cordas estão regularmente afastadas; no entanto, ao emi-
tirmos a voz, as cordas vocais se unem, provocando o fechamento da glote.
A pressão do ar expirado irrompe na glote e provoca a vibração das cordas,
de que resulta o efeito acústico vocal. A natureza física da voz – grave, agu-
da, rouca etc. – deve-se a fatores fisiológicos, como a espessura das cordas
vocais e a frequência de vibração. As vozes masculinas normalmente re-
sultam de frequências mais baixas do que a das vozes femininas. Certas
qualidades primárias da voz, como o tom, a intensidade e a quantidade, co-
Traço nhecidas como traços suprassegmentais, são adquiridas na laringe.
suprassegmental
Após passar pela glote, o ar percorre o espaço em que se situam a
São traços de variação da
fala que envolvem mais faringe, a boca e as fossas nasais, onde sofre variadas modificações que
do que um segmento, vão dar a configuração final dos sons linguísticos. Dá-se ao conjunto das
isto é, mais do que uma
consoante, vogal ou modificações impostas à corrente expiratória nas cavidades superiores o
semivogal. Os principais
traços suprassegmentais nome de articulação. Em outros termos, articular um som implica atri-
ou prosódicos são o buir-lhe o conjunto de características que o distingue dos demais sons,
acento, a duração, o tom
e a entoação. mediante estreitamentos ou oclusões que modulam a corrente de ar nas
Fonte: http://www.portalda
linguaportuguesa.org/?action cavidades faríngea, bucal e nasal. O processo de articulação de um dado
terminology&act=view&id=651
som normalmente implica a concorrência de um articulador ativo (o
que se movimenta) e um articulador passivo. Os articuladores passivos
localizam-se na mandíbula superior, exceto o véu palatino que fica na
parte posterior do palato. Eles são: lábio superior e o “céu da boca”, que
se divide em: alvéolos, palato duro, véu palatino (ou palato mole) e úvu-
la, conhecida como “campanhia”. Os articuladores ativos são: a língua, o
lábio inferior, o véu palatino e as cordas vocais. A partir da posição do
articulador ativo em relação ao articulador passivo, podemos definir o
lugar de articulação (ou ponto de articulação) dos sons consonantais.

30
Português V

Ao fim dessa exposição, podemos esquematizar as funções do apare-


lho fonador da seguinte forma:

Figura 2.4: Sistemas que desempenham um papel na produção do som da fala.

A partir do funcionamento desses órgãos do aparelho fonador é que


nós produzimos os sons da fala que se dividem em: consoantes, vogais e
semivogais. A eles dedicaremos várias aulas.

Atividade 2

Atende ao Objetivo 2

1. Marque V (verdadeiro) ou F (falso) para as afirmativas. Justifique


a(s) alternativa(s) falsas:
( ) Os órgãos do aparelho fonador têm a função primária de pro-
duzir sons.
( ) As cordas vocais situam-se na laringe.
( ) Todos os sons linguísticos são produzidos durante a expiração.
( ) A produção de sons linguísticos se inicia na laringe.
( ) Os pulmões e a caixa torácica fornecem a corrente de ar, e
os brônquios e a traqueia são os condutores dessa corrente
para a laringe.
( ) Na cavidade bucal encontram-se os principais articuladores.

31
Aula 2 • Ramos da fonética e classificação dos sons linguísticos

2. Marque ( 1 ) para articulador ativo e ( 2 ) para articulador passivo:


( ) língua
( ) alvéolos
( ) lábios inferiores
( ) lábios superiores
( ) véu palatino
( ) dentes superiores
( ) úvula
( ) palato duro

Respostas Comentadas

1. (F), (V), (F), (V), (V) e (V).


Vimos que os órgãos do aparelho fonador não têm como função primá-
ria a produção dos sons da fala. Esses órgãos têm outras funções primá-
rias, como mastigar, respirar, engolir, cheirar etc.
No português, os sons linguísticos são produzidos com a corrente de
egressiva, ou seja, aquela que sai dos pulmões em direção à boca. No
entanto, existem outras línguas, africanas, por exemplo, que produzem
sons linguísticos durante a inspiração.
2. Os articuladores ativos são dotados de movimento e, em sua maio-
ria, ficam localizados na mandíbula inferior, como: língua e lábios infe-
riores. Os articuladores passivos se localizam no maxilar superior, parte
fixa da boca, e são: lábios superiores, dentes superiores, alvéolos, palato
duro e úvula. Quanto ao véu palatino, pode ser ativo na produção dos
sons nasais em que ele se abaixa para a corrente de ar também passar
pelas fossas nasais e pode ser passivo na produção dos sons orais, já que
se encontra em sua posição de repouso, ou seja, levantado.

32
Português V

Resumo

Estudamos os ramos da fonética e suas respectivas áreas de estudo.


Vimos que a fonética articulatória se ocupa da produção dos sons lin-
guísticos, enfatizando o funcionamento do aparelho fonador humano.
A fonética acústica dedica-se ao estudo do som linguístico no ambien-
te de sua propagação e a fonética auditiva cuida da percepção do som
linguístico pelo aparelho auditivo. Nos comentários sobre cada área de
competência da fonética, verificamos que muitas são as profissões da
sociedade contemporânea que se servem de suas conquistas, tais como
a fonoaudiologia, que se utiliza da fonética articulatória, e a engenha-
ria, que aproveita os ganhos da fonética acústica. Posteriormente, es-
tudamos o aparelho fonador, seus elementos constitutivos e a função
de cada um deles.

33
TEXTO 4
TEXTO 5
TEXTO 6

Universidade Federal Fluminense


Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas
Setor de Língua Portuguesa
Professoras: Elaine Melo e Glayci Xavier
Disciplina: Língua Portuguesa V
Alfabeto Fonético Internacional
36 F o n é tic a - T a b e la fo n é tic a c o n s o n a n ta l

Você deve avaliar o comportamento de sua fala em relação as articulações secun-


dárias discutidas acima. Ao fazer o registro fonético de palavras do português omitiremos
as propriedades articulatórias secundárias (exceto a velarização da lateral [i]). Nossa
escolha pauta-se em dois tipos básicos de transcrições que podem ser assumidas. Podemos
ter uma transcrição fonética ampla ou uma transcrição fonética restrita [(cf.
Ladefoged (1982)]. Ao transcrevermos foneticamente uma palavra como “quilo” pode-
mos por exemplo registrá-la como ['kjilwu] ou como ['kilu]. A transcrição ['kjilwu]
explicita todos os detalhes observados articulatoriamente. Este tipo de transcrição é
denom inado transcrição fonética restrita. Note que na transcrição ['kjilwu]
explicitamos a palatalização de [k] seguido de [i] e também a labialização de [1] segui-
do de [ü]. Tanto a palatalização quanto a labialização são previsíveis pela ocorrência
do segmento seguinte: consoantes tendem a ser palatalizadas quando seguidas de [i] e
consoantes tendem a ser labializadas quando seguidas de [u].
Consideremos agora uma transcrição como ['kilu]. Este tipo de transcrição explicita
apenas as propriedades segmentais e omite os aspectos condicionados por contexto ou
características específicas da língua ou dialeto. Queremos dizer com isto que a
palatalização e labialização não foram registradas em ['kilu] (pois tanto a palatalização
quanto a labialização são previsíveis pela vogal seguinte). No registro do [1] pode-se
interpretá-lo como um segmento alveolar ou dental sem haver a necessidade de utili-
zar-se o símbolo [ 1 ]. Isto porque a generalização quanto aos segmentos serem
dentalizados deve ser expressa para a língua como um todo. No caso da língua fazer
distinção entre segmentos alveolares e dentais faz-se então relevante acrescentar o
diacrítico [ J à transcrição fonética. Denomina-se transcrição fonética ampla aque-
la transcrição que explicita apenas os aspectos que não sejam condicionados por con-
texto ou características específicas da língua ou dialeto: como ['kilu] (em oposição a
['kjiPvu] que é uma transcrição fonética restrita).
Neste trabalho adotamos a transcrição fonética ampla. Ao registrar os segmentos
consonantais omitimos o registro das propriedades articulatórias secundárias previstas por
contexto da vogal seguinte (palatalização, labialização) ou a dentalização (que pode ser
interpretada como uma característica dialetal). Marcamos, contudo, a velarização da late-
ral [i] cujo contexto de ocorrência depende da estrutura silábica: posição final de sílaba.

TEXTO 7
5. Tabela fonética consonantal
Apresentamos abaixo uma tabela consonantal que lista os segmentos consonantais
que ocorrem no português brasileiro. A coluna da esquerda lista o modo ou maneira de
articulação a partir da natureza da estritura conforme definido anteriormente. Quando
relevante, foi indicado o estado da glote separando, portanto, segmentos vozeados e
desvozeados. Na parte superior indicamos o lugar de articulação definido conforme a
relação entre o articulador ativo e o articulador passivo.
F o n é tic a - T a b e la fo n é tic a c o n s o n a n ta l 37

D en tai
A r tic u la ç ã o
B ila b ia l L a b io d e n ta l ou A lv e o p a la ta l P a la ta l V e la r G lo ta l
M a n e ira Lugar
A lv e o la r

. Oclusiva desv P t k
voz b d g
Africada desv tf
voz d3
Fricativa desv f s í X h
voz V z 3 Y li
Nasal voz m n Ji y
Tepe voz r
Vibrante voz r
Retroflexa voz J

Lateral voz 1 i Á V
Tabela: Símbolos fonéticos consonantais relevantes para transcrição do português

O quadro abaixo lista exemplos de palavras que ilustram cada um dos segmentos
da tabela fonética apresentada acima. No exemplo ortográfico a letra (ou letras) em
negrito corresponde(m) ao segmento consonantal cujo símbolo fonético é apresentado
na primeira coluna. A segunda coluna lista a nomenclatura do segmento consonantal. A
forma ortográfica do exemplo é apresentada na terceira coluna e a representação foné-
tica correspondente é fornecida na quarta coluna. Finalmente, a última coluna apresen-
ta observações quanto a região dialetal predominante de ocorrência do segmento em
questão. Note que as transcrições fonéticas encontram-se entre colchetes. Adotamos o
símbolo La] para as vogais transcritas abaixo (exceto para [i] em “tia, dia”). O símbolo
['] precede a sílaba acentuada.
C la s s if ic a ç ã o d o E x e m p lo T r a n s c r iç ã o
S ím b o lo O b se rvaç ão *
s e g m e n to c o n s o n a n t a l o r to g r á fic o fo n é tic a

p Oclusiva bilabial pata [•pata] Uniforme em todos os dialetos do português


desvozeada brasileiro.

b Oclusiva bilabial bala ['bala] Uniforme em todos os dialetos do português


vozeada brasileiro.
t Oclusiva alveolar tapa [■tapa] Uniforme em todos os dialetos do português
desvozeada brasileiro podendo ocorrer com articulação
alveolar ou dental.
d Oclusiva alveolar data ['data] Uniforme em todos os dialetos do português
vozeada brasileiro podendo ocorrer com articulação
alveolar ou dental.

k Oclusiva velar capa ['kapa] Uniforme em todos os dialetos do português


desvozeada brasileiro.

oo Oclusiva velar gata ['gata] Uniforme em todos os dialetos do português


vozeada brasileiro.
38 F o n é tic a — T a b e la fo n é tic a c o n s o n a n ta l

C la s s if ic a ç ã o d o E x e m p lo T r a n s c r iç ã o
S ím b o lo O b se rvação
s e g m e n to c o n s o n a n t a l o r to g r á fic o fo n é tic a

tí Africada alveopalatal tia ['tjiaj Pronúncia típica do Sudeste brasileiro. Corres-


* Aluno: Faça suas transcrições uniformizando o tamanho dc todos os símbolos. Todos os símbolos devem scr registrados na mesma dimensão.

desvozeada ponde ao primeiro som da palavra “tcheco-cslo-


váquia” em todos os dialetos. Ocorre também
em outras regiões menos delimitadas (como
Norte c Nordeste).

d3 Africada alveopalatal dia fd 3 ia] Pronúncia típica do Sudeste brasileiro. Ocorre


vozeada também em outras regiões menos delimitadas
(como Norte e Nordeste).

f Fricativa labiodental faca ['faka] Uniforme em todos os dialetos do português


desvozeada brasileiro.
V Fricativa labiodental vaca ['vaka] Uniforme em todos os dialetos do português
vozeada brasileiro.
s Fricativa alveolar sala ['sala] Uniforme em início de sílaba cm todos os dia-
desvozeada caça ['kasa] letos do português brasileiro podendo ocorrer
paz [>pas] com articulação alveolar ou dental. Marca
variação dialetal em final de sílaba: paz: vasta.
z Fricativa alveolar Zapata [za'pata] Uniforme em início de sílaba em todos os dia-
vozeada casa [>kaza] letos do português brasileiro podendo ocorrer
paz ['paz] com articulação alveolar ou dental. Marca
variação dialetal em final de sílaba: rasga.

í
Fricativa alveopalatal chá vh] Uniforme em início de sílaba em todos os dia-
desvozeada acha ['aja] letos do português brasileiro. Marca variação
paz [■paj] dialetal em final de sílaba: paz. vasta.

3 Fricativa alveopalatal já ['3aJ Uniforme em início de sílaba em todos os dia-


vozeada haja ['a3a| letos do português brasileiro. Marca variação
dia-letal cm final de sílaba: rasga.

X Fricativa velar rata ['Xata] Pronúncia típica do dialeto carioca. Ocorre


desvozeada marra ['maXa] fricção audível na região velar. Ocorre em iní-
mar ['maXJ cio de sílaba que seja precedida por silêncio
carta fkaXta] c portanto encontra-se em início de palavra:
“rata”: em início de sílaba que seja precedida
por vogal: “marra” e em início de sílaba que
seja precedida por consoante: “Israel”. Em al-
guns dialetos ocorre cm final de sílaba quan-
do seguido por consoante desvozeada: “car-
ta” c em final de sílaba que coincide com fi-
nal de palavra: “mar”.

Fricativa velar carga ['kayga] Pronúncia típica do dialeto carioca. Ocorre


Y fricção audível na região velar. Ocorre cm fi-
vozeada
nal de sílaba seguida de consoante vozeada.
Ji Fricativa glotal rata ['hata] Pronúncia típica do dialeto de Belo Horizon-
desvozeada marra ['mahal te. Não ocorre fricção audível no trato vocal.
mar ['mah] Ocorre em início de sílaba que seja precedida
carta ['kahta”] por silêncio e portanto encontra-se em início
de palavra: “rata”; em início de sílaba que seja
precedida por vogal: “marra” c em início de
sílaba que seja precedida por consoante: “Is-
rael”. Em alguns dialetos ocorre cm final de
F o n é tic a - T a b e la fo n é tic a c o n s o n a n ta l 39

C la s s if ic a ç ã o d o E x e m p lo T r a n s c r iç ã o
S ím b o lo O b se rva ç ã o
s e g m e n to c o n s o n a n t a l o rto g rá fic o fo n é tic a

h Fricativa glotal sílaba quando seguido por consoante desvozeada:


desvozeada “carta” c cm final de sílaba que coincide com
final de palavra: “mar”.

fi Fricativa glotal carga 1'kafiga] Pronúncia típica do dialeto de Belo Horizon-


vozeada te. I^ão ocorre fricção audível no trato vocal.
Ocorre em final de sílaba seguida de consoan-
te vozeada.

m Nasal bilabial mala ['mala] Uniforme em todos os dialetos do português


vozeada brasileiro.
n Nasal alveolar nada 1'nada] Uniforme em todos os dialetos do português
vozeada brasileiro, podendo ocorrer com articulação
alveolar ou dental.

J1 Nasal palatal banha ['bãjla] A consoante nasal palatal [p] ocorre na fala de
ou vozeada poucos falantes do português brasileiro. Ge-
OU
y ralmenle um glide palatal nasalizado que é
1'bãya] transcrito como fy] ocorre no lugar da conso-
ante nasal palatal para a maioria dos falantes
do português brasileiro. Esta variação será dis-
cutida em breve.
r Tepe alveolar cara 1'kafa] Uniforme em posição intervocálica e seguindo
vozeado prata ['prata] consoante em todos os dialetos do português
mar L'maf] brasileiro, podendo ocorrer com articulação
carta ['kafta] alveolar ou dental. Em alguns dialetos ocorre
em final de sílaba cm meio de palavra: “carta”
ou em final de sílaba que coincide com final de
palavra: “mar”.
r Vibrante alveolar rata [rata] Ocorre em alguns dialetos (ou mesmo idioletos)
vozeada do português brasileiro. Pronúncia típica do
marra ['mafa] português europeu e ocorre em certas varian-
tes do português brasileiro (por exemplo em
certos dialetos do português paulista). Ocorre
em início de sílaba que seja precedida por si-
lêncio: “rata”; em início de sílaba que seja pre-
cedida por vogal: “marra” e em início de síla-
ba que seja precedida por consoante: “Israel".
J Retroflexa alveolar mar fmaJ] Pronúncia típica do dialeto caipira do r em fi-
vozeada nal de sílaba: mar, carta. Adota-se também o
símbolo 1.”

1 Lateral alveolar lata ['lata] Uniforme em início de sílaba e seguindo con-


vozeada plana 1'plana] soante em todos os dialetos do português bra-
sileiro, podendo ocorrer com articulação
alveolar ou dental.

i Lateral alveolar sal ['sai] Ocorre em final de sílaba em alguns dialetos (ou
vozeada velarizada salta ['saita] idioletos) do português brasileiro, podendo ocor-
ou rer com articulação alveolar ou dental. Pode ocor-
['sawj
rer a vocalização da lateral em posição final de
w ['sawta]
sílaba e neste caso temos um segmento com as
características articulatórias de uma vogal do tipo
[u] que é transcrito como [\v].
40 F o n é tic a - T a b e la fo n é tic a c o n s o n a n ta l

E x e m p lo T r a n s c r iç ã o
S ím b o lo C la s s if ic a ç ã o d o s e g m e n to c o n s o n a n t a l O b se rvação
o rto g rá fic o fo n é tic a

A Lateral palatal vozeada malha ['maÁa] A consoante lateral pala-


ou tal [X] ocorre na fala de pou-
\> ou cos falantes do português bra-
sileiro. Geralmente uma lateral
['maPa] alveolar (ou dental) palatalizada
que é transcrita por flJ] ocorre
para a maioria dos falantes do
português brasileiro. Esta varia-
ção será discutida em breve.
Pode ocorrer a vocalização da
lateral palatal e neste caso te-
mos um segmento com as ca-
racterísticas arliculatórias de
uma vogal do tipo [i] que c
transcrito como [y]: ['maya].”

O leitor deverá encontrar um subconjunto dos segmentos consonantais apresentados


acima para caracterizar as consoantes que ocorrem em seu idioleto. Os símbolos listados
acima devem ser suficientes para caracterizar a fala sem distúrbios de qualquer falante do
português brasileiro. Tais símbolos são propostos pela Associação Internacional de Foné-
tica. Observa-se contudo na literatura a utilização de alguns símbolos concorrentes aque-
les listados na tabela acima. Por exemplo, para representar um segmento “africado
alveopalatal desvozeado” a Associação Internacional de Fonética propõe o símbolo [tj]
(este é o segmento inicial da palavra “tcheco”). Na literatura, encontra-se o símbolo [c]
para representar o mesmo segmento africado alveopalatal desvozeado (cf. “tcheco”). O
símbolo [c] é geralmente utilizado na literatura norte-americana. Listamos abaixo símbo-
los fonéticos concorrentes aos do alfabeto da Associação Internacional de Fonética.
S ím b o lo s p r o p o s t o s pela A s s o c ia ç ã o
S ím b o lo s c o n c o r re n te s
In te rn a cio n a l d e F o n é tic a

í s ;

3 z
ti c ou ts
d3 j ou dz
J» ri

Na página seguinte apresentamos a tabela proposta pela Associação Interna-


cional de Fonética. Tal tabela propõe símbolos para transcrever qualquer som das
línguas naturais. A partir dos parâmetros articulatórios descritos anteriormente o lei-
tor deverá ser capaz de inferir e pronunciar todos os segmentos consonantais listados
na tabela. Os segmentos vocálicos serão tratados posteriormente. Aos interessados
,em ter as fontes para tais símbolos, estas podem ser obtidas gratuitamente pela internet
no seguinte endereço: http://www.sil.org/computing/fonts/Lang/silfonts.html (consulte
também: http://www2.arts.gla.ac.uk/IPA/ipa.html para obter informações detalhadas
desta associação).
Logo após a tabela da Associação Internacional de Fonética, apresentamos uma série
de exercícios que tem por objetivo sedimentar os aspectos teóricos apresentados nas pági-
nas precedentes. Respostas aos exercícios propostos são apresentadas no final do livro.
F o n é tic a - T a b e la fo n é tic a c o n s o n a n ta l 41

O alfabeto internacional de fonética (revisado em 1993, atualizado em 1996*)


Consoantes (mecanismo de corrente de ar pulmonar)

b ila b ia l lá b io - d e n t a l d e n ta l a lv e o la r p ó s -a lv c o la r r c t r o f lc x a p a la ta l v e la r u v u la r f a r in g a l g lo t a l

O c lu s iv a P b t d t 4 C t k 9 q G ?
N asal m rç n a J1 9 N
V ib r a n te B r R
T e p e (o u fle p e ) r i
F r ic a tiv a <t> p f V 0 õ s Z í 3 ? A V i X Y X B b ç h fi
F r ic a t iv a la te r a l
t b
A p r o x im a n t e u i i j LM
A p r o x . la t e r a l 1 { L
Em pares de simbolos tem-se que o símbolo da direita representa uma consoante vozeada. Acrcdita-sc ser impossível as articulações
nas áreas sombreadas.

Consoantes (mecanismo de corrente de ar não-pulmonar) Suprasegmentos Tons e acentos nas palavras


Cliques Implosivas vozeantes Ejectivas
Nível Contorno
acento prim ário c ou~| muito eou y| ascendente
0 bilabial fi bilabial ’ como em
, acento secundário alta
| dental cf dcntal/alveolar p ’ bilabial
! pós-alveolar f palatal t ’ dental/ . f o u n a ^ ija n é -| alta C \| descendente
alveolar I longa ei ê H média t 1 alto ascendente
+ palato-alveolar çf velar k ’ velar T semi-longa e'
è J baixa c \ baixo ascendente
|| lateral alveolar (J uvular s ’ fricativa
muito breve C
alveolar e muito c ^ ascendente-
. divisão silábica ji.a e k t baixo descendente etc.
| grupo acentuai menor 1 dow nstep / ascendência
|| grupo entonativo principal (quebra brusca) global
Vogais
__ ligação (ausência de divisão) t upstep \ descendência
anterior central posterior (subida brusca) global
fechada u
(ou alta)
Diacríticos Pode-se colocar um diacrítico acima de símbolos cuja
m e ia -fc c h a d a o representação seja prolongada na parte inferior, por exem plo í)
(ou média-alta)
desvozeado n d voz. sussurrado b a dental t d
O 0 0
meia-aberta 0
(ou média-baixa)
^vozeada Sv tv _ voz tremulante b a u apical t d

aberta (ou baixa) D


^aspirada t^1 d^ linguolabial t d laminai t d
Quando os símbolos aparecem em pares aquele da CD CD a
direita representa uma vogal arredondada. 5 m aisarred. Q w labializado tw d w ~nasalizado e

Outros símbolos c menos arred. Q Jpalatalizado t1 (f1 n soltura nasal dn


M fricativa QZ fricativas
lábio-vclar desvozeada vozeadas epiglotal avançado U Yvelarizado tY dY Isoltura lateral dl
W aproximadamente J flepe
lábio-velar vozeada alveolar lateral _retraído e ^faringalizado t** d** n soltura não-audível d"1
q aproximadamente f) articulação
lábio-palatal vozeada
•■centralizada è ~ velarizada ou faringalizada \
simultânea de J
eX
x centraliz. média è levantada e (J = fricativa bilabial vozeada)
H fricativa epiglotal P ara rep resen tar con so an tes
desvozeada africadas e uma articulação du-
silábica n abaixada c (p = aproximante alveolar vozeada)
£ fricativa epiglotal pla utiliza-se um elo ligando os i i T XX
vozeada dois símbolos em questão.
não silábica e ^raiz da língua avançada e
Oclusiva epiglotal Ép ts.
-v roticização Kraiz da língua retraída £

A Associação Internacional de Fonética gentilmente autorizou a reprodução desta Tabela Fonética.


UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
PORTUGUÊS II – FONÉTICA E FONOLOGIA
PROFESSOR: WELTON PEREIRA E SILVA

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
Site para ajudar na transcrição pelo computador: https://westonruter.github.io/ipa-
chart/keyboard/
Símbolos mais usados
[ ] [ˈ] [~]
[a] [ɛ] [e] [i] [ɔ] [o] [u] [w] [j] [ʊ] [ɪ] [ɐ]
[p] [t] [k] [b] [d] [tʃ] [dʒ] [g] [m] [n] [ɲ] [l] [ʎ] [x] [ɣ] [ɾ] [f] [v] [s] [z] [ʃ] [ʒ]
[ⁿ] [m] [ŋ]

1. Observe as transcrições fonéticas abaixo e realize sua versão para a escrita padrão culta
do português, empregando o alfabeto latino.
Ex: [ˈkazɐ] – casa

a) [ˈɐⁿ̃ koɾɐ]
b) [aˈmɔɾɐ]
c) [dezoˈnɛʃtʊ] ou [dezoˈnɛjʃtʊ]
d) [ĩmˈpɾɔpɾiʊ] ou [ĩmˈpɾɔpɾjʊ]
e) [abisoˈlutʊ]
f) [kaˈki]
g) [ĩmpɾeviˈzivew]
h) [xɐ̃ ŋˈkox]
i) [eleˈfɐⁿ̃ tʃɪ] ou [ɛleˈfɐ̃ⁿtʃɪ]
j) [saˈtuɣnʊ]

2. Agora, faça você a transcrição fonética das palavras abaixo, baseando-se no português
falado na região do Rio de Janeiro em sua variedade culta.

k) Cordialmente
l) Amigo
m) Igreja
n) Samambaia
o) Tesouro
p) Radical
q) Pezinho
r) Telhado
s) Framboesa
t) Vasilhame
GABARITO

1.

a) Âncora [ˈɐŋ̃ koɾɐ]


b) Amora [aˈmɔɾɐ]
c) Desonesto [dezoˈnɛʃtʊ] ou [dezoˈnɛjʃtʊ]
d) Impróprio [ĩmˈpɾɔpɾiʊ] ou [ĩmˈpɾɔpɾjʊ]
e) Absoluto [abisoˈlutʊ]
f) Caqui [kaˈki]
g) Imprevisível [ĩmpɾeviˈzivew]
h) Rancor [xɐ̃ ŋˈkox]
i) Elefante [eleˈfɐ̃ⁿtʃɪ] ou [ɛleˈfɐ̃ⁿtʃɪ]
j) Saturno [saˈtuɣnʊ]

2.
k) Cordialmente [koɣdʒiawˈmẽⁿtʃɪ]
l) Amigo [aˈmigʊ]
m) Igreja [iˈgɾeʒɐ]
n) Samambaia [samɐm ̃ ˈbajɐ]
o) Tesouro [teˈzowɾʊ]
p) Radical [xadʒiˈkaw]
q) Pezinho [pɛˈzĩɲʊ]
r) Telhado [teˈʎadʊ]
s) Framboesa [fɾɐm ̃ bo'ezɐ]
t) Vasilhame [vaziˈʎɐ̃mɪ]
TEXTO 8

Aula 16
Fonética sintática

Jacqueline V. B. Ramos
Marli Hermenegilda Pereira
Tânia Mikaela Garcia Roberto
Aula 16 • Fonética sintática
Aula 16 • 
Aula 16 • 

Meta

Relacionar fonética e fonologia a outros níveis linguísticos (morfológico


e sintático), o que por muito tempo se denominou fonética sintática.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. definir a chamada fonética sintática;


2. identificar a elisão, crase, ditongação e haplologia, fenômenos re-
sultantes da ligação entre vocábulos no eixo sintagmático que esta-
belecem a relação entre fonética/fonologia e formam uma unidade
fonética.

Pré-requisitos

Para acompanhar esta aula, você precisará ter claras as noções explo-
radas em aulas anteriores, quais sejam, os conceitos de sílaba e de pro-
cessos fonológicos (supressão, transposição, substituição e acréscimo) e,
mais especificamente, a noção de sândi externo (ou juntura).

158
Português V

Introdução

Trataremos nesta aula da fonética sintática, ramo da fonética que se de-


dica aos estudos relativos às modificações sonoras sofridas pelas pala-
vras em decorrência de outras, com que têm contato na frase e com que
formam uma unidade fonética.

A fonética sintática

A fonética sintática assume importância por evidenciar fenômenos


da língua viva que utilizamos em nossa comunicação cotidiana, oral ou
escrita, para que a mensagem seja veiculada. As alterações das palavras
contíguas são tão comuns em nossa conversação diária que nem sem-
pre nos atentamos para esse fato. A título de exemplificação, tente dizer
“Hoje é dia de santo Antônio”. Talvez você nem perceba, mas, pelo fato
de a vogal final do vocábulo “santo” ser átona [U], o sintagma “santo
Antônio” admite as seguintes realizações na articulação dos fonemas
finais e iniciais:

santoantônio; santantonio e santoAntônio.

Perceba que o modo como o sintagma é pronunciado forma, respec-


tivamente, um ditongo, uma elisão e um hiato. Os três fenômenos são
resultantes da interação dos componentes fonológicos e sintáticos que
operam na representação da superfície sintática.
Esses fenômenos de ligação entre os elementos constituintes da ca-
deia sonora são o objeto de estudo da fonética sintática; eles também
podem cumprir funções estilísticas quando evidenciados em textos
literários e/ou publicitários. As propagandas, com muita frequência,
valem-se de estratégias criativas para disseminar a informação e um dos
recursos utilizados para isso é lançar mão da fonética sintática. Servem
como ilustrativos os anúncios a seguir:

“Pneus novos e usados CREDITOTAL”


“CREDITOTAL CONSULTORIA – NOVA IGUAÇU”

Haplologia
Não é difícil deduzirmos que o termo “Creditotal” está relacionado
Processo de redução de
aos vocábulos crédito e total. Nesse caso, seus autores lançaram mão de sílaba pela semelhança
entre as sílabas final
dois vocábulos, resultando em um dos fenômenos de fonética sintática e inicial das palavras
que é bastante recorrente em nossa língua: a haplologia (“créditototal”). adjacentes.

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Aula 16 • Fonética sintática
Aula 16 • 
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Além da haplologia, a fonética sintática se ocupa de outros processos


fonéticos que se caracterizam pela ligação de palavras que estabelecem
contato e formam uma unidade fonética.
Nas palavras de Ricardo Cavaliere,

o processo mais comum pelo qual se interessa a fonética sintáti-


ca diz respeito à ligação (liaison), em que a pronúncia da sílaba
final de uma palavra em contato com a sílaba inicial da palavra
seguinte provoca vários fenômenos fonéticos relevantes (CAVA-
LIERE, 2010, p. 126).

Em nosso cotidiano, a ligação entre preposições, artigos e pronomes


oblíquos a itens lexicais, por exemplo, é tão recorrente na oralidade que
somente o contexto permite depreender o significado da mensagem que
se pretende veicular.
Imagine que você tenha ouvido os sintagmas a mala/amá-la fora do
contexto. Ainda que você seja falante nativo da língua portuguesa e que
dela tenha domínio, isoladamente, na oralidade, será difícil conseguir
saber se se trata do objeto mala ou da ação verbal amar. No cotidiano,
sequer percebemos quão recorrentes são esses torneios fonético-sintáti-
cos decorrentes do contato entre os constituintes de fronteira. A fonéti-
ca sintática, portanto, contribui não só para o ensino e a aprendizagem,
como também é vista como um valioso recurso estilístico literário, mu-
sical e/ou publicitário.
No campo da aprendizagem, o conhecimento de fonética sintática
pode:
• elucidar muitas dúvidas acerca das peculiaridades do português para
estrangeiros;
• levar ao entendimento de questões prosódicas da fala espontânea;
• permitir que se perceba o estado da língua em uso, colocando-nos a
par de fenômenos de variação linguística.
A propósito desses fenômenos, são incontáveis os casos de alterações
de segmentos vocálicos e consonantais em fronteiras de palavras. Veja,
por exemplo, o comportamento das consoantes surdas em ambiente
intervocálico. Em contato com segmentos sonoros, elas adquirem este
traço: ao pronunciar o segmento casas azuis, você perceberá que a con-
soante fricativa alveolar surda [s] da palavra casas, em contato com a

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Português V

vogal inicial da palavra vizinha [a], adquire a sonoridade dessa vogal,


passando a consoante sonora: [s] > [z] casazazuis. Como você pode
observar, o fenômeno de sonorização, já abordado em aulas anteriores e
tão recorrente na passagem do latim às línguas românicas, é tendência
que ocorre tanto no nível do léxico quanto no sintático.
Outra contribuição da fonética sintática é a de nos levar à compre-
ensão do processo de escrita de crianças e adultos em fase de aquisi-
ção dessa modalidade de língua. Conhecê-la favorece o entendimento
de que muitas ocorrências tidas como desvios ortográficos nada mais
são do que reflexos da oralidade inerentes ao processo de escritura. Al-
guns estudos sobre aquisição da linguagem revelam que preposições e
artigos emergem na fala infantil como um bloco indivisível, daí encon-
trarmos, quando as crianças estão aprendendo a escrever, estruturas
hipossegmentadas, ou seja, a grafia de termos que unem esses elemen-
tos monomorfêmicos a itens lexicais: “dopapai” (do papai); “amesinha”
(a mesinha). É possível depreender, com frequência, um resquício do
fenômeno de hipossegmentação na escrita de adultos com baixa escola-
rização, daí não ser raro evidenciarmos, por exemplo, ocorrências como
“enfrente” e “vendese”. Esses dois exemplos são ilustrativos da ligação de
elementos de fronteira resultante da interação dos componentes fono-
lógicos e sintáticos da oralidade que se refletem na escrita. No primeiro,
temos a ligação entre preposição + item lexical (em frente) e, no segun-
do, de item lexical + pronome oblíquo (vende-se); ambos são interpre-
tados como uma unidade fonética refletida na escrita.

Monomorfema

Um vocábulo é considerado monomorfema quando não é seg-


mentável, no plano morfológico, em partes menores (artigos,
preposições).

A fonética sintática ainda tem sua importância para fins estilísticos


ao investir nos valores expressivos da linguagem com o propósito de dar
ao texto um efeito singular. Como exemplo, vide os anúncios publicitá-
rios, as músicas e a poesia.

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Aula 16 • Fonética sintática
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Esta aula chamará atenção para os processos de ligação que ultrapas-


sam os limites do vocábulo formal (e, por que não dizer, também, do
vocábulo fonológico), no uso cotidiano da língua, tendo como foco os
fenômenos da elisão, da crase, da haplologia e da ditongação.
Atentemos para os casos a seguir, analisando-os individualmente,
sem esgotar as possibilidades de estudos na área da fonética sintática.

Elisão

A elisão consiste em um fenômeno de queda ou cancelamento (su-


pressão) de um elemento fonético-fonológico, o que pode ocorrer den-
tro da palavra ou em uma sequência de palavras. Esse elemento supri-
mido pode ser uma consoante, uma vogal ou até mesmo uma sílaba. A
elisão constitui um tipo de sândi.
Dessa forma, sândi é um fenômeno fonológico de juntura que ocorre
em fronteiras de palavras ou de morfemas. Essas alterações fonológicas
podem ser de duas formas:
• sândi interno: quando são internos às palavras. Exemplo: creio (radi-
cal do verbo “cre”, cre- + o- desinência verbal). Nesse caso, ocorre o
surgimento de uma vogal “i” para desfazer o hiato “creo”;
• sândi externo: quando são externos às palavras. Exemplo: uma ami-
ga ['ũma'mig].
Essas alterações ocorrem por influência do contexto fonético circun-
dante e resultam, muitas vezes, em mudanças nas estruturas silábicas
(ressilabação).

Sândi

O termo sândi é empregado na gramática hindu do sânscrito para


expressar variações morfológicas nas palavras em face de condi-
cionamento fonológico.

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Português V

Quando a elisão envolve apenas um vocábulo, o fenômeno pode


ocorrer no início (aférese), no meio (síncope) ou no final (apócope)
dele, conforme ilustram os casos a seguir:
a) [fe'sox] para professor;
b) ['Sik4] para xícara;
c) [Za~'ta] para o verbo jantar.
Numa estrutura sintática (sequência de palavras), a supressão ocorre
no limite entre duas palavras: o final da primeira se junta com o início
da seguinte, resultando, dessa juntura, uma unidade fonética. De acordo
com Cavaliere (2010, p. 126), “denomina-se elisão a supressão da vogal
átona final quando o vocábulo seguinte começa por vogal”. Para esta
aula, interessam-nos apenas esses casos de elisão em nível sintático, ou
seja, quando um vocábulo formal se relaciona com outro, certo? Então,
vejamos, a seguir, outros exemplos que contemplam esses casos típicos
da fala do dia a dia.
Exemplos:
caixa d’água (de + água)
Qu’é da fulana? (que + é)
desd’aquele dia (desde + aquele)
vint’e dois (vinte + e)
Ele vem tod’os anos (todos + os)
Como os exemplos evidenciam, há a supressão de um elemento
quando da junção de dois vocábulos no contexto de fala em que a ex-
pressão é gerada – os casos acima mostram exemplos de apócope. Esse
fenômeno acontece devido a uma regra fonológica, neste caso mais es-
pecífico, que ocorre no nível do grupo clítico. Os clíticos (artigos, prepo-
sições, conjunções, pronomes etc.) têm acentuação débil, são átonos e
tendem a se apoiar, fonologicamente, em outro vocábulo, formando um
único vocábulo fonológico.

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Aula 16 • Fonética sintática
Aula 16 • 
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Clítico

Elemento que tem, segundo Cristófaro Silva (2011, p. 74), “in-


dependência gramatical, mas é fonologicamente dependente de
um elemento adjacente”. Ele tem acentuação débil, o que o torna
dependente da acentuação primária da palavra à qual se associa.
É o caso de artigos e pronomes oblíquos, por exemplo.

Para indicar a omissão da vogal, é comum o uso do apóstrofo, como


nos exemplos citados anteriormente. Isso contribui, evidentemente,
para maior clareza do texto e, portanto, para facilitar sua compreensão.
A elisão da preposição de com os artigos (de + o = do; de + a = da;
de + os = dos; de + as = das; de + uma = duma; de + um = dum) é fato
muito comum, quase obrigatório, no português atual. Mesmo quando a
preposição está regendo um substantivo seguido de um verbo no infini-
tivo, o fenômeno pode ser observado:

“Está na hora da onça beber água”.

Nesse caso, alguns defensores da norma padrão dizem que a função


sintática de sujeito não pode ser regida por preposição e o adequado
seria separar a preposição de do artigo a: “Está na hora de a onça beber
água”. No entanto, a esse respeito, o gramático Evanildo Bechara atesta:

Construção normal que não tem repugnado os ouvidos dos que


melhor conhecem e escrevem a língua portuguesa. Alguns gra-
máticos viram aí, entretanto, um solecismo, pelo fator de se reger
de preposição um sujeito. Na realidade não se trata de regên-
cia preposicionada do sujeito, mas do contato de dois vocábulos
que, por hábito e por eufonia, costumam vir incorporados na
pronúncia. A lição dos bons autores nos manda aceitar ambas
as construções, de a onça beber água e da onça beber água (BE-
CHARA, 1989, p. 311-312).

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Português V

Nesse trecho, o gramático mostra que há confusão entre sintaxe e


fonética. A junção da preposição + artigo é de ordem fonética (elisão),
mas não altera a ordem sintática (não há subordinação do nome à pre-
posição). Bechara sugere que a escolha entre fazer ou não a elisão, nes-
ses casos, trata-se de fatores de ordem muito mais estilística do que gra-
matical, como em determinadas ocorrências. Essa escolha é motivada
pela vontade de deixar a preposição em destaque para que ela não seja
enfraquecida pela elisão.
Segundo Leda Bisol (1992), no português do Brasil (PB), em uma
sequência de duas vogais adjacentes na fronteira de palavras, a elisão
se aplica, recorrente ou opcionalmente, em função dos traços anterior/
posterior do fonema vocálico. Nesse caso, temos duas situações: a)
quando a vogal seguinte for posterior, é muito comum ocorrer a elisão e
b) quando a vogal seguinte for anterior, a elisão é opcional. Observe os
exemplos fornecidos pela autora:
a) Eu estava hospitalizado → Eu estav[o]spitalizado
b) Casa escura → ca[zis]cura ou cas[zes]cura
De acordo com Bisol, a elisão do primeiro exemplo retrata o tipo
mais comumente usado no PB. O segundo exemplo, por sua vez, não
exclui a possibilidade de a elisão ser opcional. Em contextos de formali-
dade, que requerem uma fala mais cuidadosa, admite-se o hiato: cas[a]
[e]scura.
Na literatura sobre esse assunto, é consenso afirmar que os contextos
que favorecem a realização da elisão se dão entre vogais adjacentes e
admite-se o fenômeno como decorrente de um mecanismo de ressila-
bação com consequências prosódicas.

Crase

Como você já estudou no decorrer de sua formação, a crase é um


fenômeno de fusão de dois sons idênticos. No PB, geralmente ela ocorre
quando há o encontro de uma preposição a com um artigo definido
feminino a, gerando duas sequências de a que, foneticamente, são reali-
zadas como um só som. A escrita sinaliza esse fenômeno com o acento
gráfico grave, como podemos ver no exemplo: “Fui à praia”.
A evidência de que, na frase acima, existem dois elementos – e não
um só – pode ser constatada quando substituímos a preposição a pela

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Aula 16 • Fonética sintática
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preposição em, a qual, ao juntar-se ao artigo a, gera na, como em “Fui


na praia”, expressão de uso corriqueiro na comunicação oral. O na evi-
dencia a presença de uma preposição – no caso, em – e de um artigo;
portanto, dois elementos. Daí o uso do acento grave para sinalizar a
presença da crase na frase realizada com a preposição a.
Embora estejamos habituados a estudar a crase em contextos sintá-
ticos, ela também pode ser tomada nos estudos fonético-fonológicos,
ocorrendo sempre que uma palavra terminar por um som que coincida
com o som inicial da palavra que a segue, gerando apenas uma realiza-
ção sonora, tal como ocorre nos exemplos a seguir:

“menina alegre” → “menin[a]legre”


“vejo usinas” → “vej[u]sinas”

Observe que se tratam, em ambos os casos, de vogais átonas e, por


isso, essa crase é considerada um tipo especial de elisão.

Haplologia

Por fim, nesta aula, outro fenômeno de fonética sintática que merece
atenção é a haplologia, que consiste na supressão de uma sílaba no con-
texto de duas sílabas contíguas iguais ou semelhantes. Também pode
ocorrer no interior de vocábulos e em fronteira entre vocábulos formais,
como os exemplos que seguem:

“paralepípedo” – paralelepípedo

Veja que, no exemplo dado, a supressão ocorre no interior de um


mesmo vocábulo e não na cadeia sintática, conforme o que é evidencia-
do a seguir:

“para o la de dentro” – para o lado de dentro.

O que leva à haplologia é o enfraquecimento de sequências compos-


tas em virtude de os elementos apresentarem propriedades articulató-
rias semelhantes, como pode ser observado a seguir:
a) leite tirado = “leitirado”
b) Faculdade de Letras = “Faculdade Letras”

166
Português V

c) tapete de vime = “tapetivime”


d) leite de coco = “leiticoco”
Diferentemente da elisão, em que a redução se dá apenas na vogal
átona final, na haplologia há apagamento total de uma sílaba se ela es-
tiver adjacente à outra e seus segmentos forem foneticamente iguais
(exemplos a e b) ou semelhantes (exemplos c e d). Logo, a condição
para que haja haplologia é a semelhança entre os segmentos de frontei-
ra. Conforme bem mostram os exemplos oferecidos, as consoantes só
diferem entre si pela sonoridade. É o que ocorre em nos exemplos c e d,
em que as consoantes /t/ e /d/ são ambas oclusivas/alveolares, porém /t/
é surda e /d/, sonora.
Estudos realizados com dados de fala natural mostram que alguns
contextos bloqueiam ou favorecem a haplologia. Ao analisar a fala na
variedade paulista do PB, Vanessa Pavezi (2006) constatou que a sequ-
ência composta pelo monomorfema representado pela preposição de +
item lexical inibe o fenômeno:

“a espiga de milho depois de debulhada... fica sabugo”


(dados do Nurc – SP).

Do contrário, a sequência item lexical + preposição de é contexto


favorecedor da ocorrência do fenômeno:

“peixe não gosto... porque não gos(to) de peixe...”.

Os dados nos mostram que a posição do monomorfema de, numa


sequência composta, é relevante para a ocorrência ou não da haplologia.
A autora salienta que o processo de elisão tem comportamento se-
melhante ao da haplologia em contextos de monomorfemas, ou seja,
há o bloqueio da elisão em contextos formados por monomorfemas +
item lexical. Já os contextos formados por item lexical + monomorfemas
permitem a elisão, conforme mostram, respectivamente, os exemplos a
seguir (PAVEZI, 2006, p. 70):
a) a outra reunião (bloqueio de elisão)
b) fica um pouco (elisão)

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Aula 16 • Fonética sintática
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Nurc

Um dos mais importantes bancos de dados da oralidade urbana


culta. O projeto Norma Urbana Culta (Nurc) é uma referência
para os estudos da variante culta do português brasileiro. Trata-se
de um acervo de entrevistas gravadas nas décadas de 70 e 90 com
informantes de nível superior completo.

Alkmin e Gomes (1982) acrescentam que o fenômeno da haplologia


se limita à sílaba final CV seguida da sílaba inicial C(C)V da palavra
subsequente. Isso significa que contextos silábicos favorecedores da
haplologia são:

CV + CV (limite de palavra > limi[d]palavra) ou


CV + CCV (quanto trabalho > quan[ta]balho).

Parece simples, não? Agora compare os exemplos acima com os que


vêm a seguir:

“cano novo”
“o mengo goleou”

Ao pronunciar essas palavras de fronteira, você conseguiu realizar a


haplologia? Provavelmente não. Isso deixa claro que a semelhança entre
as consoantes das sílabas envolvidas não é condição suficiente para a
realização do fenômeno, apesar de os exemplos apresentarem um con-
texto consonantal subjacente /b + b/; /n + n/; /g + g/. O assunto é muito
mais complexo do que se apresenta; no entanto, não é o nosso objetivo
aprofundá-lo, mas queremos que você tenha noção do que trata a fo-
nética sintática, de qual a relevância de seu estudo e que seja capaz de
identificar quais fenômenos são resultantes dela.

168
Português V

Ditongação

Outra possibilidade de sândi externo é a chamada ditongação. Dife-


rentemente do processo fonológico homônimo estudado anteriormente,
em que a ditongação consiste no acréscimo de uma semivogal em uma
palavra, como ocorre na realização carioca ['nj] para “nós”, a diton-
gação, nos estudos da fonética sintática, consiste na realização de uma
vogal final de vocábulo como semivogal, em junção com palavra iniciada
por vogal distinta. Cavaliere apresenta como exemplo um trecho de poe-
ma de Olavo Bilac: “Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada/E triste, e triste e
fatigado eu vinha” (BILAC apud CAVALIERE, 2010, p. 126).
A leitura dos versos decassílabos gera a realização de um tritongo,
observe: E| tris| te| tris| te| fa| ti| ga| d[wew] | vi (nha).
Esse fenômeno também é conhecido como sinalefa. Cavaliere co-
menta, em sua obra, que o PB é mais afeito à sinalefa que à elisão, exem-
plificando com a pronúncia da cidade de Porto Alegre como Port [wa]
legre e não Port[a]legre, exceto quando ambas as vogais são tônicas, si-
tuação em que ocorre hiato.

Sinalefa

Fenômeno fonético no qual a vogal final de sílaba perde sua auto-


nomia e se torna uma semivogal que, por sua vez, passa a formar
ditongo com a vogal da palavra seguinte, ou seja, duas sílabas se
transformam em uma. É o que se observa em
Port[wa]legre (Porto Alegre)
Fatigad[wew ...] (fatigado eu...).

A propósito do assunto, Bechara (1999, p. 81) cita alguns exemplos


que permitem a ditongação na sequência de vocábulos por estarem
condicionados à tonicidade das vogais. Assim, ocorre a ditongação nas
seguintes situações:

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Aula 16 • Fonética sintática
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a) se a vogal final do primeiro vocábulo da cadeia for tônica e a do


vocábulo seguinte iniciar-se por vogal átona i, e, o ou u:

Vê umedecer vêu/me/de/cer
Lá ironizei lái/ro/ni/zei

b) se a vogal átona final for a e a inicial for i:

certa idade: cer/tai/da/de


certa indiferença: cer/tain/di/fe/ren/ça

c) se a vogal átona final for i (e) e a inicial qualquer uma, exceto i (e):

júri amigo: ju/ria/mi/go


livre arbítrio: li/vriar/bi/trio

d) se a vogal final for u (o, u):

Santo Antônio: san/toan/to/nio


Medo horrível: me/duo/ri/vel
Esse ano: e/sea/no

No entanto, quando a vogal átona final for a e a inicial i, o processo


não se restringirá à ditongação, também sendo possível a formação de
uma elisão e de um hiato. Tal é o caso de “certa idade”:
e) ditongação:

cer/tai/da/de
Elisão: cer/ti/da/de
Hiato: cer/ta/i/da/de

Você notou que o fenômeno em questão envolve sempre uma vogal


átona? Pois é, esse é um condicionante de suma importância para que
a ditongação aconteça. Se houver uma sequência de sílabas tônicas, ela
já não mais ocorre, mas, sim, um hiato, conforme o evidenciado em:
boné usado; lá   iremos.

170
Português V

Atividade 1

Atende aos objetivos 1 e 2

1. De acordo com o que estudamos nesta aula, assinale V para as alter-


nativas verdadeiras e F para as falsas:
a) ( ) Fonética sintática é o nome que se dá aos estudos das relações
sintagmáticas dentro do vocábulo fonológico.
b) ( ) Fonética sintática designa o estudo das variações morfológicas
nas palavras em face de condicionamento fonológico, especificamente
no que tange às mudanças fonéticas resultantes do contato entre duas
ou mais palavras.
c) ( ) Fonética sintática estuda as transformações fonéticas ocorridas
no sujeito e no predicado oracional.
d) ( ) Em fonética sintática, a elisão e a haplologia constituem-se
como processos de redução fonológica relacionados à queda de seg-
mentos em limite de palavras.

2. Observe um trecho da letra da canção “Como uma onda”, de Lulu


Santos. Há, nela, um dos três fenômenos estudados nesta aula. Identifi-
que-o:
“Nada do que foi será/de novo do jeito que já foi um dia./Tudo passa,
tudo sempre passará./A vida vem em ondas, como o mar./Num indo e
vindo infinito” (SANTOS; MOTTA, 1983).

3. Observe os exemplos abaixo e faça a correspondência dos possíveis


processos envolvidos:
a) roda esportiva ( ) ditongo, hiato
b) livre arbítrio ( ) crase, elisão, hiato
c) livre imprensa ( ) crase, elisão
d) aviso urgente ( ) elisão, hiato
e) casa amarela ( ) crase, elisão, hiato

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Aula 16 • Fonética sintática
Aula 16 • 
Aula 16 • 

Resposta comentada
1. a) (F); b) (V); c) (F) e d) (V). A alternativa a) é falsa porque associa es-
tudos sintáticos às relações entre os morfemas de um vocábulo. Não é o
caso, pois a fonética sintática estuda as alterações fonéticas que incidem
no limite das palavras. A alternativa c) é falsa pois as transformações
fonéticas ocorrem no limite das palavras, independente de sua função
sintática na oração ou no período.
2. Embora a escrita não evidencie, há, na pronúncia da sequência “como
o mar”, crase, pois ocorre a fusão dos sons foneticamente semelhantes
(o + o > u): comumar.
3. (b), (d), (e), (a), (c).

Conclusão

Nesta aula, estudamos alguns fenômenos associados à fonética sin-


tática: a elisão, a crase, a haplologia e a ditongação. Embora, atualmente,
se admita a tese de que a fonologia não se inclui no campo da investi-
gação da gramática, é importante observar que, na descrição de certos
fenômenos de juntura de palavras, devem-se considerar as relações sin-
táticas que se estabelecem entre elas.

Atividade 2

Atende aos objetivos 1 e 2

Identifique, nos casos a seguir, qual o fenômeno fonético motivador dos


registros gráficos desviantes:
a) Título de livro: Quebrando silêncio.

b) Ele ficou na cama todo dia. Só saiu à noite.

172
Português V

c) Aquela noite foi esplendíssima!

d) Pó deixar.

Resposta comentada
a) Há, no título do livro, a ausência do artigo definido masculino exigi-
do pela expressão o silêncio, que completa a ideia do verbo. A supressão
do artigo foi influenciada pela crase do -o final da forma verbal com o
artigo em questão.
b) O mesmo fenômeno ocorre na alternativa b, em que deveria haver o
artigo o na expressão todo o, que significa inteiro. Sem o artigo, a palavra
ganha outro sentido (cada), gerando uma incoerência no enunciado.
c) Há, no exemplo, uma haplologia, que gerou a supressão da sílaba di,
em esplendidíssima.
d) Há, também nesta alternativa, haplologia, com o apagamento da síla-
ba de da forma verbal auxiliar pode.

Resumo

Embora nos interessem, especificamente, nesta aula, os fenômenos


ocorridos para além dos limites dos vocábulos formais, vimos que os
quatro fenômenos estudados – elisão, crase, haplologia e ditongação –
podem ocorrer tanto entre um vocábulo e outro como em seu interior.
Enquanto a elisão consiste no apagamento de um segmento específi-
co (classificando-se em aférese, apócope ou síncope, dependendo de
onde ocorre o apagamento), a crase consiste na fusão de dois elementos
iguais. A haplologia, por sua vez, consiste no apagamento de uma sílaba

173
Aula 16 • Fonética sintática
Aula 16 • 
Aula 16 • 

por decorrência de haver outra igual ou semelhante em sequência. Uma


tendência contrária ao fenômeno de apagamento de elementos em fron-
teiras de palavras observa-se com a ditongação, em que há a possibili-
dade de a vogal átona final de um vocábulo ser pronunciada como uma
semivogal (ou), formando, assim, um ditongo.

174
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
PORTUGUÊS II – FONÉTICA E FONOLOGIA
PROFESSOR: WELTON PEREIRA E SILVA

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
Site para ajudar na transcrição pelo computador: https://westonruter.github.io/ipa-
chart/keyboard/
Símbolos mais usados
[ ] [ˈ] [~]
[a] [ɛ] [e] [i] [ɔ] [o] [u] [w] [j] [ʊ] [ɪ] [ɐ]
[p] [t] [k] [b] [d] [tʃ] [dʒ] [g] [m] [n] [ɲ] [l] [ʎ] [x] [ɣ] [ɾ] [f] [v] [s] [z] [ʃ] [ʒ]
[ⁿ] [m] [ŋ]

1. Identifique as semelhanças e diferenças entre os sons vocálicos [e] e [o]:

( ) ambas são orais e médias altas. Diferenças: central/posterior; não


arredondada/arredondada.
( ) ambas são nasais e arredondadas. Diferenças: anterior/posterior; média alta/média
baixa.
( ) ambas são orais e médias baixas. Diferenças: central/posterior; não arredondada/
arredondada.
( ) ambas são orais e médias altas. Diferenças: anterior/posterior; não arredondada/
arredondada.

2. Complete as lacunas nas seguintes classificações articulatórias:

a) [x] consoante fricativa _____________ desvozeada


b) [b] consoante _____________ bilabial vozeada
c) [k] consoante ____________ ___________ desvozeada
d) [a] vogal ___________ central não arredondada
e) [u] vogal ___________ __________ ____________

3. Aponte quais articuladores ativos e passivos trabalham na consolidação dos pontos de


articulação apresentados a seguir:
a) Bilabial
b) Lábio-dental
c) Alveolar
d) Uvular
e) Alveolopalatal

4. Transcreva foneticamente os sintagmas abaixo, observando as possibilidades de ligação


entre vocábulos apresentadas:
Exemplo:
Porto Alegre
Elisão: [‘poxta’lɛgɾɪ]
Hiato: [‘poxtʊa’lɛgɾɪ]
Ditongação: [‘poxtwa’lɛgɾɪ]

Seus olhos azuis


Sonorização:

Dentro de casa
Haplologia:

Cada estado
Elisão:

Perdura a graça
Crase:
GABARITO
1) ambas são orais e médias altas. Diferenças: anterior/posterior; não arredondada/
arredondada.
2)
[x] consoante fricativa velar desvozeada
[b] consoante oclusiva bilabial vozeada
[k] consoante oclusiva velar desvozeada
[a] vogal baixa central não arredondada
[u] vogal alta posterior arredondada

3)

a) Bilabial: ativo: lábio inferior; passivo: lábio superior


b) Lábio-dental: ativo: lábio inferior; passivo: dentes incisivos superiores
c) Alvelar: ativo: ápice ou lâmina da língua; passivo: alvéolos
d) Uvular: ativo: dorso da língua; passivo: úvula
e) Alveolopalatal: ativo: parte anterior da língua; passivo: parte medial do palato
duro.
4)

Seus olhos
Sonorização: [sew’zoʎʊʃ]

Dentro de casa
Haplologia: [‘dẽndʒɪ’kazɐ]

Cada estado
Elisão: [‘kadeʃ’tadʊ] ou [‘kadiʃ’tadʊ]

Perdura a graça
Crase: [pex’duɾa’gɾasɐ]
UNIDADE 3
TEXTO 9

FONEMA, ALOFONE E
ARQUIOFONEMA
3
aula
MET
METAA
Apresentar vários conceitos de
fonema e os de alofones e
arquiofonemas

OBJETIVOS
Ao final dessa aula o aluno deverá:
reconhecer fonemas do português;
identificar os traços distintivos de
um fonema.
distinguir alofones de fonemas
distinguir arquifonemas de
fonemas e de alofones.

PRÉ-REQUISITOS
Aula 02: o aparelho fonador e os
tipos de som

(Fonte: http://www.coesis.org).
Fonologia da Língua Portuguesa

N a aula 02 você reconheceu os diversos tipos de sons que


o nosso aparelho fonador é capaz de produzir, sempre
exemplificando com fonemas do português. Aquele estudo que fi-
zemos era sob uma perspectiva fonética, agora vamos fazer um es-
tudo sob a perspectiva fonológica. É importante sempre ter em men-
te que quando trabalhamos com os fonemas
INTRODUÇÃO estamos trabalhando com a língua falada. Nes-
ta aula, vamos apresentar o conceito de fonema,
um conceito muito importante para o estudo da nossa disciplina,
fonologia da língua portuguesa. Além disso, veremos a relação en-
tre a letra e o fonema para que você não se atrapalhe quando for-
mos classificar os fonemas uma vez que teremos que fazer isso pela
escrita. Veremos também que os fonemas variam.

40
Fonema alofones e arquiofonemas

U m dos objetivos de uma análise fonológica ou


fonêmica é definir quais são os sons de uma determi-
nada língua que têm valor distintivo. Dito de outra forma, quais são
3
aula
os sons que servem para distinguir palavras nessa língua. Por exem-
plo, quando você troca o p por um b na palavra pato tem como resul-
tado a palavra bato, que tem um significado di-
ANÁLISE
ferente de pato. Por isso dizemos que /p/ e /b/
são fonemas da língua portuguesa. Cada língua
FONOLÓGICA
dispõe de um determinado número de fonemas cuja função é deter-
minar a diferença de significado de uma palavra em relação à outra.
O fonema é então a menor unidade fonológica da língua e para
diferenciá-lo da letra o escrevemos entre barras. Para Saussure, “Os Fonêmica
fonemas são, antes de tudo, entidades opositivas, relativas e negati-
Termo criado na esco-
vas.” (Saussure, 1997, p.138) Os fonemas são considerados entida- la norte- americana-
des opositivas porque retiram a sua significação da oposição com para o estudo que , ao
lado da fonética e ao
todos os outros fonemas de uma língua. O que importa nos fonemas contrário dela, focaliza
são as diferenças, que servem para distinguir palavras. Esse é o apenas o fonema sem
se preocupar com a re-
único valor lingüístico do fonema. O valor de /p/ está em sua opo- alidade física integral
sição a um /b/, a um /t/, a um /d/ como em pato, bato, tato, dato, do som da fala.
(MATTOSO, 2001).
mato, cato, gato etc... Os fonemas são entidades relativas porque
seu valor está na relação entre eles, ou seja, os mesmos fonemas / Divizível
m/, /a/, /l/, /a/ podem formar tanto a palavra mala, quanto lama, Que pode ser dividido.
quanto alma, se modificarmos apenas a relação entre os mesmos
fonemas. Os fonemas são entidades negativas porque não são uni-
dades possuidoras de significado. Um v não significa nada, mas se
você trocar o v de vela por b encontrará bela que tem significado
diferente.
Com base na idéia de que o fonema era divizível em unidades
menores, Jakobson define o fonema como feixe de traços distinti-
vos. O fonema /p/ , por exemplo, é caracterizado por quatro traços
distintivos, como vimos na aula 02:
a) Uma interrupção momentânea da corrente de ar determinada
pelo fechamento momentâneo da boca, o que torna o /p/ uma con-
soante oclusiva.

41
Fonologia da Língua Portuguesa

b) Esse fechamento é determinado pelo encontro dos lábios, o que


torna o /p/ uma consoante bilabial.
c) Uma abertura da glote, que permite o ar passar livremente pela
laringe sem que as cordas vocais vibrem, o que torna o /p/ uma
consoante surda.
d) Um fechamento da cavidade nasal, permitindo que o ar saia to-
talmente pela boca, o que torna o /p/ uma consoante oral.
O fonema /p/ é, portanto, uma consoante, oclusiva, bilabial,
surda, oral. Não existe nenhum fonema que tenha apenas um des-
ses traços, eles se realizam em feixes como diz Jakobson. Não são
Indecomponíveis conjuntos porque não têm organização. A unidade fônica é o fonema,
e as qualidades distintivas (oclusiva, bilabial, surda, oral) essas, sim,
Indivísivel, não dividido.
é que são indecomponíveis. A relação de dois fonemas é comple-
xa e susceptível de comportar várias oposições simples; assim, em
português, a distinção dos fonemas /p/ e /b/ comporta uma única
oposição: a da sonoridade. Em outras palavras, os fonemas /p/ e /
b/ são semelhantes em tudo (são consoantes, oclusivas, bilabiais,
orais) e só se diferenciam em relação à sonoridade, enquanto o /p/
é surdo, o /b/ é sonoro. Veja:

/p/ /b/
consoante consoante
oclusiva oclusiva
bilabial bilabial
oral oral
surda sonora

Na língua portuguesa, os fonemas oclusivos /p e b, t e d, k e /, e


os fricativos /f e v, s e z,  e / se diferenciam pelo traço da sonori-
dade; ou seja, um é surdo e o outro é sonoro. São surdos /p , t, k, f, s,
/; e são sonoros /b,d, g, v, z, /
Um mesmo indivíduo não realiza nunca, duas vezes seguidas,
o mesmo som da mesma maneira. Dito de outra forma, se você
repetir a mesma palavra várias vezes, ela não será realizada da mes-

42
Fonema alofones e arquiofonemas

ma forma. Existem aparelhos que acusam essas diferenças. Mas


como não é isso que interessa aos falantes, eles identificam sempre
determinado som de uma língua, cada vez que é ouvido, como sen-
3
aula
do o mesmo som e não outro. Ou seja, o nosso ouvido não percebe
essas diferenças que não levam a uma mudança de significado. Isso
só é possível devido aos traços distintivos. Mas nem todos os tra-
ços distintivos funcionam em todos os fonemas da mesma forma.
Por exemplo, vimos como o traço da sonoridade, nos fonemas
oclusivos e fricativos, distingue fonemas na língua portuguesa, en-
tretanto, em relação às laterais (/l,/), esse mesmo traço (sonori-
dade) não é pertinente, porque todas as laterais são sonoras. Assim
o traço que vai distinguir o /l/ do // é o ponto de articulação. O
/l/ é alveolar enquanto o // é palatal. Veja:

/l/ //
consoante consoante
lateral lateral
oral oral
sonora sonora
alveolar palatal

UM POUCO DE HISTÓRIA

Nos fins do século XIX, Baudouin de


Courtenay emprega pela primeira vez o ter-
mo fonema, mas esse termo não tinha o sig-
nificado que tem hoje. Courtenay via o
fonema como um som ideal que o falante
desejava produzir. Segundo ele, o fonema era
o equivalente psíquico do som da fala. Somen-
te em 1927, com o Círculo Lingüístico de Pra-
ga, o conceito de fonema foi formulado com
precisão. Por isso, antes dessa data é difícil saber
quando os autores estão falando do fonema

43
Fonologia da Língua Portuguesa

ou do som da fala. É com o livro Princípios de Fonologia de Trubetzkoy


Pertinente
que o fonema passa a ser considerado de acordo com a função que
Essencial. O Princípio desempenha numa língua. Trubetzkoy conceitua o fonema como uma
de pertinência tem
unidade funcional abstrata, a unidade mínima distintiva do sistema de
como objetivo consta-
tar o que é distintivo som, e é como unidade funcional que o fonema deve ser definido. Mais
numa determinada lín-
tarde, no livro Language, Bloomfield define os fonemas como unidades
gua ou num uso
linguistico. mínimas de traços fônicos distintivos, indivisíveis. Esse conceito de
fonema como elemento mínimo de uma língua permitiu à lingüística
Dissimilitude
moderna um grande avanço metodológico, porque lhe forneceu uma
Dessemelhança, não
unidade segmentável de análise. Essas mesmas técnicas seguidas para
semelhante.
o estabelecimento dos fonemas foram estendidas para os outros níveis
Par mínimo
de descrição gramatical. Essa noção já estava implícita na dicotomia
Diz-se de duas pala- saussureana langue-parole, apesar de Saussure não ter formulado a sua
vras que diferem em
conceituação.
significação quando
apenas um dos ele- Além de Trubetkoy, Jakobson tem um papel importante nos estu-
mentos é alterado,
dos fonológicos. A partir de sua conceituação de fonema como feixe de
como em bato e pato.
traços distintivos, os seguidores da escola de Praga passam a ver o
fonema como a soma das particularidades fonologicamente pertinen-
tes que uma unidade fônica comporta. Jakobson afirma: “O único con-
teúdo lingüístico, ou em termos mais amplos, o único conteúdo
semiótico do fonema é a sua dissimilitude em relação a todos os de-
mais fonemas de um dado sistema. Um fonema significa uma coisa
diferente do que outro fonema significa na mesma posição; é o seu
único valor.” (JAKOBSON, 1977, p. 60)

A IDENTIFICAÇÃO DOS FONEMAS

Um dos objetivos da Fonologia é estabelecer o sistema


fonológico das línguas, ou seja, o conjunto de elementos abstratos
relacionados entre si que o falante utiliza para diferenciar e delimi-
tar as unidades significativas de sua língua. O procedimento habi-
tual de identificação de fonemas é buscar duas palavras com signi-
ficados diferentes cuja cadeia sonora seja idêntica. Essas duas pa-
lavras constituem um par mínimo. Par mínimo é então dois vocá-

44
Fonema alofones e arquiofonemas

bulos que se distinguem apenas por um fonema. Chegamos a essa


conclusão através de um procedimento denominado teste de co-
mutação. Comutação é a troca de um fonema por outro em um
3
aula
vocábulo. É pelo teste de comutação que se depreendem os fonemas
de uma língua. Fazemos um teste de comutação quando alteramos
o significante em um único ponto e verificamos se há alteração de
Comutação
significado. Por exemplo, par bar; pato bato; pote bote;
pelo belo; limpo limbo; cabo capo etc. Basta que haja mudan- Troca, substituição.
ça de significação apenas em um contexto para que essas duas uni- Fone
dades sejam fonemas diferentes.
Unidade mínima da fo-
A noção de fonema permitiu que os linguistas agrupassem os nética, transcrita entre
fones semelhantes foneticamente como variantes, ou membros, do colchetes, por exemplo
[p].
mesmo fonema. Veremos as variantes mais adiante nesta mesma aula.
Aquilo que é essencial e contingente varia muito de língua para
língua.
Em francês, o início de kilo e o de courage se articulam de
maneira muito diferente, o primeiro em direção à parte ante-
rior da boca contra o palato duro, o segundo em direção à parte
posterior contra o véu do palato. Mas, na nossa língua, a escolha
de uma ou outra é automaticamente determinada pela vogal que
segue; há pois em francês um único fonema /f/ cuja articulação
se adapta ao contexto. Isto, entretanto, não vale para todas as
línguas; em esquimó, por exemplo, pode-se ouvir o [k] de courage
diante de i e o [k] de kilo diante de ou. Conforme o que desejam
dizer, os esquimós es-
colherão um ou outro.
Há pois, em esquimó,
dois fonemas onde os
franceses só conhecem
um.(MARTINET,
1974, p. 38)

(Fonte: http:// www.coesis.org).

45
Fonologia da Língua Portuguesa

Nem todos os fonemas da língua têm necessariamente corres-


pondência gráfica coerente, ou seja, letra e fonema são elementos
que não podem ser confundidos, por isso usamos as barras para iden-
tificar os fonemas na escrita. Há fonemas que correspondem a uma e
apenas uma letra como é o caso do /p/; entretanto, há outros que
podem ser representados por mais de uma letra como é o caso do
fonema /z/ (zelo, casa, exemplo).
Já há alguns anos eu fiz uma equivalência em relação ao portu-
guês dos fonemas e das letras que eu chamei de Sistema fonológico
e sistema ortográfico.

46
Fonema alofones e arquiofonemas

SISTEMA ORTOGRÁFICO
X
3
aula
SISTEMA FONOLÓGICO

1. Relações biunívocas entre letra e fonema

p = / p / - pá, tapa f = / f / - fila, afeto


b = / b / - bala, cabelo v = / v/ - vila, novo

2. Fonemas representados por mais de uma letra


/ i / = i - lima / k / = c - cara / g / = g - gato
e - forte q - quase gu - pague
qu - brinquedo

/ u / = u - confuso // = x - xícara / s / =s - sala


o - caso s - resto x - próximo
ch - chave c - cedo
/ y / = i - leite ç - taça
e - mãe / / = g - monge ss - massa
j - monja sc - nascer
/ w / = u - caule s – desde sç - cresça
o - pão xc - exceder
l - calma /õ / = õ - põe xs - exsudar
on - donde
om - ombro

/ ã / = ã - órfã / z / = z - zelo / / = um - cumpre


an - tanto s - casa un - fundo
am - campo x - exemplo
/ / = em - tempo / / = im - limpo / õ / = om - compra
en - tento in - lindo on - conta

47
Fonologia da Língua Portuguesa

3. Letras que representam mais de um fonema


i = / i / - fita c = / k / - caso r = /  / - caro
/ y / - foi / s / - cedo / h / - rato, porta
/ h / - carga
x = /kis / - fixo 0 - amar

u = /u / - veludo s = / s / - sala m = / m / - mola


/w / - céu / z / - piso /wm/ - amam
/ / - teste /ym/ - amém
o = / o/ - tolo
/ / - jóia z = / z / - zona n = / n / - nada
/u/ - belo / s/ - nariz /yn/ - hífen
/w/ - cão

e = / e / - ateu l = / l / - lado x = /  / - enxada


/ / - réu /w / - bolsa / s / - máximo
/ i / - escada 0 - azul / z / - êxodo
/y / - mãe

d = / d / - dado g = /g / - gato t = / t / - tato


/d/ - doido / / - gema / t/ - oito

4. Fonemas não representados ortograficamente: / i / = abdicar, pneu,


ritmo.
5. Letra sem correspondência fonológica: h = 0 humor, homem, há.

À medida que formos classificando os fonemas você vai se fami-


liarizando mais com os símbolos apresentados aqui, mas eu preferi
colocar logo essa correspondência para ajudar a entender a
exemplificação. Espero que não tenha complicado muito. Nas aulas
seguintes vamos continuar a fazer transcrições fonológicas.

48
Fonema alofones e arquiofonemas

ATIVIDADES

1. Forneça exemplos (palavras) de pares mínimos em que a oposi-


3
aula
ção distintiva se estabeleça através dos fonemas:

/s/, /z/ = ________________________________________


//, // = ______________________________________________

/m/, //= _______________________________________________

/t/, /d/ = _________________________________________________

//, // = _______________________________________________

/l/, / / = _______________________________________________

/a/, //= __________________________________________________

/e/, /i/ = __________________________________________________

/o/, /u/ = __________________________________________________

/a/, /i/ = __________________________________________________

2. Reconheça os casos de par mínimo em:

( ) cinto – cito
( ) braço – baço
( ) integrar – entregar
( ) porto (s) – porto (v)
( ) nascimento – valimento
( ) senti – sentiu
( ) percebido – partido
( ) amoral – imoral
( ) infligir - infringir
( ) mora - mola

49
Fonologia da Língua Portuguesa

3. Complete a dupla de vocábulos que comprova a pertinência na


língua portuguesa dos fonemas indicados:

a) /p/ x /b/ = pois x ____________


b) /n/ x /d/ = nessa x ______________
c) /a/ x // = caro x _____________
d) /g/ x /v/ = ____________ x varra
e) /v/ x /s/ = ____________ x sela
f) /p/ x /k/ = para x ______________
g) // x // = __________ x ajo
h) // x /n/ = melhor x ____________
i) /m/ x /f/ = _________ x fala
j) /a/ x /u/ = seda x ____________

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Você pode colocar esses ou outros nomes. Veja apenas que


devem ser palavras que se diferenciem apenas pelos fonemas
pedidos com o em:

/s/, /z/ = selo, zelo; assar, azar;


//, // = chato, jato; acho, ajo, lixeiro, ligeiro;
/m/, // = temo, tenho; limo, linho;
/t/, /d/ = tela, dela; pote, pode;
//, // = caro, carro; era, erra, vara, varra;
/l/, // = fala, falha; mala, malha; fila, filha.
/a/, // = pala, péla; bala, bela; pá, pé.
/e/, /i/ = fez, fiz; temo, timo;
//, /u/ = gola, gula; mola, mula
/a/, /i/ = fala, fila; lama, lima; faca, fica

50
Fonema alofones e arquiofonemas

2. Nesse exercício você deve ter presente o que é um par


mínimo. Existe par mínimo quando duas palavras diferem em
significação apenas por um elemento. Veja a correção:
3
aula
( X ) cinto – cito
( X ) braço – baço
( ) integrar – entregar
( X ) porto (s) – porto (v)
( ) nascimento – valimento
( X ) senti – sentiu
( ) percebido – partido
( X ) amoral – imoral
( ) infligir - infringir
( X ) mora- mola

3. Esse exercício é fácil, não é mesmo? Parece uma brincadeira.


Talvez você não tenha encontrado logo aqueles que se
escrevem diferente como caro x quero, ou como seda x cedo.

a. /p/ x /b/ = pois x bois


b. /n/ x /d/ = nessa x dessa
c. /a/ x // = caro x quero
d. /g/ x /v/ = garra x varra
e. /v/ x /s/ = vela x sela
f. /p/ x /k/ = para x cara
g. // x // = acho x ajo
h. // x /n/ = melhor x menor
i. /m/ x /f/ = mala x fala
j. /a/ x /u/ = seda x cedo

51
Fonologia da Língua Portuguesa

Bloonfield nasceu em Chicago, em 1887. Fez a graduação na


Universidade de Harvard em 1906 e recebeu o título de doutor
em 1909. Em 1924 fundou a Sociedade Lingüística da América.
Foi precursor juntamente com Sapir do Estruturalismo Americano.
Seu livro Language (1933) sintetiza a teoria e a prática de análise
lingüística e é um texto clássico de Lingüística Estrutural. Foi
professor de Harris.
O Círculo Lingüístico de Praga foi fundado em 1926 e reuniu
lingüistas tchecos e russos como Trubetzkoy, Jakobson e
Mathesius. Em 1929, no Primeiro Congresso Internacional de
eslavistas, em Praga, descrevem as tarefas da lingüística. Esse
programa é conhecido como “As teses de 1929” e apresenta os
princípios da lingüística funcional.
Jakobson nasceu em Moscou em 1896. Depois de muitas atividades
de relevo em seu país, na área da lingüística, onde fundou o “Cercle
of Linguistique de Moscou”, a revolução e duas guerras levaram-
no a peregrinar por diferentes países escandinavos, entre os quais
Copenhague, onde funda o “Círculo Lingüístico de Praga” com
Trubetzkoy e Mathesius com a intenção firme de mostrar a
importância do estudo dos sistemas de signos, na linha de Saussure.
Mais tarde, fixa-se nos Estados Unidos, Nova York, sua última
morada. Amigo de Mattoso Câmara, visitou o Brasil no final da
década de sessenta, brindando o Rio de Janeiro com conferências,
uma das quais no Museu Nacional.

52
Fonema alofones e arquiofonemas

ALOFONES

O fonema pode variar na sua realização. Dependendo de certas cir-


3
aula
cunstâncias da enunciação, os traços distintivos dos fonemas podem
sofrer alteração. Cria-se, assim, o conceito de alofone ou variante
dentro do conceito de fonema. Alofones ou variantes são os vários
sons que realizam um mesmo fonema.
Se substituirmos o [a] de tapo por [i], obteremos tipo, uma outra
palavra porque [a] e [i] representam dois fonemas. Para alguns falantes
da língua portuguesa (cariocas, por exemplo), ocorre em tipo uma
diferença fonética adicional: o som que precede o [i] não é o mesmo
que precede o [a]. Agora temos algo como tch, que será representado
com o sinal [t]. Em português, apesar de [t] e [t] serem dois sons
vocais diferentes, não são dois fonemas. Eles são unidades diferentes
para a fonética, porque são dois sons produzidos diferentemente, mas
não correspondem a elementos distintos no sistema fonológico do por-
tuguês, pois não estabelecem oposição entre palavras. Na língua portu-
guesa, [t] é apenas uma outra pronúncia, ou seja, um alofone do fonema
/t/, usado em algumas regiões do Brasil como o Rio de Janeiro quando
depois do /t/ vem um /i/. Aqui em Sergipe há esta mesma realização,
só que em outro contexto. Quando antes do fonema /t/ vem uma
semivogal anterior /y/, aqui em Aracaju, nós realizamos o fonema /t/
como [t]. Palavras como oito são normalmente pronunciadas como
[oytu]. Identificamos os alofones ou variantes de um mesmo fonema
através do método de distribuição complementar. Em fonologia, dize-
mos que há distribuição complementar quando duas unidades fonéti-
cas não ocorrem nunca no mesmo contexto, ou seja, se encontram em
ambientes mutuamente exclusivos por isso mesmo não podem distin-
guir palavras. Foi isso que vimos com as duas realizações do fonema /
t/. Assim [t] e [t] se encontram em distribuição complementar, e são
reconhecidos como alofones do mesmo fonema pelos fonologistas. De-
vemos observar que a aplicação do princípio da distribuição comple-
mentar em geral corresponderá muito bem ao julgamento do falante
nativo, que não estudou fonética, a respeito do que é e do que não é o

53
Fonologia da Língua Portuguesa

mesmo som. O falante nativo aprendeu a reagir a certas diferenças


fonéticas como funcionais na sua língua e a ignorar outras como
irrelevantes para a comunicação. É claro que não é só a distribuição
complementar a condição suficiente para considerar um determinado
som como variante de um mesmo fonema. “O primeiro, e mais impor-
tante critério suplementar ( ao qual a maioria dos lingüistas daria tanto
valor quanto à condição da distribuição complementar) é o da seme-
lhança fonética” (LYONS. 1979. p. 117).
A distinção entre [t] e [t] é acidental na língua portuguesa.
Mas podem existir línguas em que essa distinção seja fonológica.
Lembremos sempre que na fonologia o que importa é que existam
significados diferentes, o que acontece com tia e dia, mas não acon-
tece com [tia] e [tia]. Aqui em Sergipe mesmo pronunciamos
[tia],temos o mesmo significado, a irmã de meu pai ou de minha
mãe, não é mesmo? Assim temos que na língua portuguesa o fonema
/t/ ocorre como alofone [t] diante de [i] e como alofone [t] nos
demais ambiente, em relação ao dialeto do Rio de Janeiro. Note
que o fonema é transcrito entre barras transversais, e os alofones
são transcritos entre colchetes. Isso se faz
para caracterizar os diferentes níveis de re-
presentação: fonética (entre colchetes) e
fonológica (entre barras). Optamos por re-
presentar os alofones [t] e [t] pelo fonema
/t/. Essa escolha geralmente se dá por aque-
le alofone que ocorre mais ou é mais geral
em termos de distribuição. O alofone com
ocorrência mais restrita ou específica vai re-
presentar um dos alofones daquele fonema.
Assim é que escolhemos /t/ para represen-
tar o fonema dos alofones [t] e [t] porque
o alofone [t] ocorre de maneira mais
abrangente. O alofone [t] tem ocorrência
Alto falante (Fonte: http://www.novomilenio.inf.br).
mais restrita, ocorre apenas diante de [i].

54
Fonema alofones e arquiofonemas

Há, aliás, dois tipos muito diferentes de alofones. Um deles


depende do ambiente fonético em que o som vocal se en-
contra. Dá-se uma assimilação aos traços dos outros sons
3
aula
contíguos ou um afrouxamento ou mesmo mudança de ar-
ticulações em virtude da posição fraca em que o fonema se
acha (por exemplo, nas vogais portuguesas, a posição átona,
especialmente em sílaba final). Esses alofones, ou variantes
do fonema, são ditos posicionais. Já outro tipo é o da vari-
ação livre, quando os falantes da língua divergem na articula-
ção do mesmo fonema ou um mesmo falante muda a arti-
culação conforme o registro em que fala. São os alofones
ou variantes livres, como sucede em português com o a /r/
forte, pronunciado, como vimos, pela maioria dos falantes
como um som velar, ou uvular, ou mesmo com uma mera
vibração faríngea, e por outros, em minoria, como uma dental
múltipla (isto é, resultante de uma série de vibrações da pon-
ta da língua junto aos dentes superiores) (MATTOSO CÂ-
MARA Jr., 2002, p. 35).

São alofones posicionais as realizações do /t/ de que vimos


falando. Já quando temos duas pronúncias possíveis, ou seja, quan-
do dois segmentos em variação livre ocorrem no mesmo ambiente
sem prejuízo de significado, temos os alofones livres. Um exemplo
de variação livre em português é a alternância de vogal oral e nasal
em posição pretônica em palavras não derivadas: [banan] e
[banan] “banana”.

Teorias pós-fonêmicas que analisam a variação e mudança


lingüística demonstram que a “variação livre” na verdade é
condicionada por fatores extralingüísticos como localização
geográfica, grau de escolaridade, classe social, sexo, idade,
entre outros. A disciplina que investiga tais fatores é a
sociolinguística (SILVA, 2007 p. 133).

Além desses dois tipos de que fala Mattoso Câmara há ainda


um terceiro tipo que ocorre por intenção comunicativa, enrique-
cendo a articulação de algum traço não habitual é a variante

55
Fonologia da Língua Portuguesa

estilística. Um exemplo dela, bem comum, a gente encontra quan-


do os radialistas estão irradiando os jogos da copa do mundo. Quan-
do o gol é do Brasil há um alongamento da vogal como se o radia-
lista não fosse acabar de falar, dando um som [goooooooool] para
indicar seu entusiasmo, sua emoção. Se o gol é do país contrário
não há essa pronúncia prolongada. Dos três tipos, “Os alofones
posicionais têm muita importância para caracterizar o conjunto de
fonemas da língua. Eles dão o sotaque da nossa fala, ...” (Mattoso
Câmara Jr., 2002, p.35) distinguem, por exemplo, a fala do baiano
da fala do sergipano.
Na fonologia temos ainda o conceito de neutralização, que não
deve ser confundido com o de variação. A neutralização é um “ter-
mo usado na fonologia para descrever o que acontece quando a dis-
tinção entre dois fonemas se perde em um determinado ambiente.”
(CRYSTAL, 1988, p. 181). As palavras carro e caro se distinguem
pela oposição entre a vibrante múltipla // e a vibrante simples //
. Já em rio, ramo, rede só empregamos a vibrante múltipla, e em bra-
vo, prêmio, frevo usamos apenas a vibrante simples. Esses exemplos
mostram que somente entre vogais existe oposição entre a vibrante
simples - caro - e a vibrante múltipla - carro. Nas outras posições, a
oposição // =/= // fica neutralizada, ou porque ocorre apenas
uma delas (vibrante múltipla em rio, ramo, rede e vibrante simples
em bravo, prêmio, frevo), ou porque a ocorrência de uma ou de outra
não tem nenhum valor distintivo. Um americano falando português
vai ter sempre dificuldade de pronunciar a nossa vibrante múltipla
em início de palavra como em rio, mas nós o entenderemos porque
não haverá distinção significativa. Quer pronunciemos [iu] ou [iu]
compreenderemos um curso de água, não é mesmo? Assim, haverá
neutralização quando existe uma supressão das oposições entre dois
ou mais fonemas em determinados contextos, ou seja, quando uma
oposição é anulada. O resultado de uma neutralização chama-se
arquifonema. Esse conceito foi criado por Trubetzkoy e seus compa-
nheiros do Círculo Lingüístico de Praga. Quando existe neutralização,

56
Fonema alofones e arquiofonemas

a realização acústica já não corresponde a um dos fonemas


intercambiáveis, mas a um arquifonema que compreende ambos. 3
aula
Quando a alteração anula a distinção entre dois ou mais
fonemas, diz-se que houve uma neutralização entre eles e o
resultado articulatório é o ARQUIFONEMA; pode acusti-
camente corresponder a um dos fonemas ou ser um como
que denominador comum de todos eles, contendo apenas
os traços distintivos em comum. A neutralização é
o resultado extremo da variação posicional, como em portu-
guês a da distinção entre /s/: /z/ : // : //em posição final
diante de pausa (ex.: pus, luz, flux têm uma mesma consoante
final, que na pronúncia mais geral luso-brasileira é um [] ate-
nuado em seu chiamento) (Mattoso Câmara, 2001, p. 119)

Mattoso chama a nossa atenção para um fato particular na língua


portuguesa. Existem quatro fonemas /s/, /z/, //, // como pode-
mos comprovar em assa, asa, acha, haja. No entanto, quando esses
fonemas ocorrem em final de sílaba ou de palavra, acontece a possibi-
lidade de neutralização. Assim a pronúncia do último fonema de feliz
poderá variar bastante devido à consoante final:[felis], [feliz], feli],
[feli] mas qualquer que seja a escolha do falante ela sempre recairá
sobre um desses quatro sons que são fonemas em português. O único Intercambiáveis
traço pertinente dessas consoantes que se mantém é o da modalidade
fricativa. Mas nesse contexto, a oposição se anula porque, em nossa Que se pode trocar.
língua, esses fonemas só se distinguem em posição pré-vocálica. Fala-
mos, portanto, em neutralização quando, em um ambiente fonológico
determinado, dois ou mais fonemas perdem distinção entre si. O
arquifonema é representado pela letra maiúscula. Por isso, não usamos
as letras maiúsculas nas transcrições fonológicas. Mesmo quando faze-
mos transcrição de frases não usamos as letras maiúsculas no início a
não ser que ela esteja representando um arquifonema.
O arquifonema sibilante /S/ de que trata Mattoso Câmara tem
realização diferente aqui em Sergipe. Aqui nós empregamos /s/ em
final de frase ou diante de pausa. Usamos /s/ também quando de-

57
Fonologia da Língua Portuguesa

pois dele vem um fonema surdo que não seja /t/. O z é usado diante
de vogal ou quando depois dele vem uma consoante sonora. Mas nós
empregamos também o // diante de /t/ e o // diante de /d/.
Veja o quadro:

ATIVIDADES

1. Reconheça os alofones consonantais que podem estar presentes


nas seguintes palavras e classifique-os como posicionais ou livres:
amar =
coitado =
doido =
eterno =
feito
forte =
moita =
leitura =
peito =
pardo =
terno =
2. Dois aracajuanos vão morar no Rio de Janeiro. Depois de 10
anos residindo na Cidade Maravilhosa, um deles continua sendo

58
Fonema alofones e arquiofonemas

identificado como nordestino, mas o outro não. Como se pode


explicar esse fato? 3
aula
COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADE

Comentário da atividade
Sei que sem começar a classificar os fonemas, não é nada
fácil esses exercícios de afofonia, mas devagar que você
acerta. Nós já falamos sobre eles aí no texto.
1. Reconheça os alofones consonantais que podem estar
presentes nas seguintes palavras e classifique -os como
posicionais ou livres:
amar = [], [h] e [] livre
coitado = [t] e [t] posicional
doido = [d] e [d] posicional
eterno = [], [h] e [] livre
feito = [t] e [t] posicional
moita = [], [h] e [] livre
peito = [t] e [t] posicional
forte= [t] e [t] posicional
leitura = [t] e [t] posicional
pardo = [], [h] e [] livre
terno = [], [h] e [] livre

2. Uma explicação possível será que somente um deles deve


ter mantido as marcas prosódicas do Nordeste (alofones,
aberturas das vogais etc), continuando, portanto, a ser
identificado pelo carioca. A perda dessas marcas pelo outro
nordestino pode ter ocorrido devido a contatos linguísticos
com falantes de outros dialetos do Brasil, o que favoreceu
a uma alteração de seu padrão prosódico de nascimento.

59
Fonologia da Língua Portuguesa

O fonema se individualiza por alguns traços que são os


seus traços distintivos porque por meio deles se distin-
gue de todos os outros fonemas da língua. Apesar de o fonema não
ter significado ele tem uma carga significativa porque pela troca de
um por outro há mudança de significado. O
CONCLUSÃO fonema também é definido como feixe de tra-
ços distintivos. Em toda língua os fonemas são
em número fixo e limitado e formam o sistema fonológico da língua.
O conceito de fonema como unidade mínima da língua permi-
tiu à lingüística moderna um grande avanço metodológico, porque
deu à língua uma unidade que podia ser segmentada. Essa
metodologia foi seguida pelos outros níveis de descrição gramati-
cal. Como você pode ver as realizações dos fonemas sofrem altera-
ções. Essas alterações dependem muito da região de nascimento do
falante. Dependem também do contexto em que são realizadas e da
intenção comunicativa do falante. Os alofones, apesar de não in-
fluenciarem nos sentidos das palavras, eles dão o sotaque da nossa
fala. Por isso é válido estudá-los. E o arquifonema, então, foi muito
utilizado na época do estruturalismo. Hoje em dia quase não se
trabalha mais com ele, mesmo assim eu achei importante vocês
saberem o que é arquifonema, vocês não concordam comigo?

(Fonte: http://notasaocafe.files.wordpress.com).

60
Fonema alofones e arquiofonemas

RESUMO

O fonema é um som que, dentro de um sistema fônico deter-


3
aula
minado, tem um valor diferenciador entre dois vocábulos. O
fonema é um som de uma determinada língua que tem valor
distintivo, ou seja, serve para distinguir vocábulos. São unida-
des fonológicas distintivas. Para se identificar fonemas buscam-se
dois vocábulos com significados diferentes cujo contexto fônico
seja semelhante. Esses dois vocábulos constituem o par mínimo.
Assim, no português, dizemos que /t/ e /d/ são fonemas porque o
par mínimo ‘cata’ e ‘cada’ demonstra a oposição fonológica.Alofones
são variantes de um mesmo fonema.
Os alofones podem ser posicionais, livres e estilísticos.
Alofones posicionais dependem do ambiente fonético em que o
som vocal se encontra. Os alofones posicionais dão o sotaque da
nossa fala.
Alofone livre é quando os falantes da língua divergem na articula-
ção do mesmo fonema ou um mesmo falante muda a articulação
conforme o registro em que fala.
Alofone estilístico ocorre por intenção comunicativa, o falante en-
riquece a articulação de algum traço não habitual para demonstrar
a sua emoção.
Existe neutralização quando, em um ambiente fonológico determi-
nado, dois ou mais fonemas perdem a distinção entre eles.
Arquifonema é o resultado da neutralização. O arquifonema possui
os traços comuns a dois ou mais fonemas. O arquifonema é repre-
sentado pela letra maiúscula.
Chama-se arquifonema a unidade fonológica que resulta de uma
oposição neutralizada.

61
Fonologia da Língua Portuguesa

REFERÊNCIAS

CRYSTAL, David. Dicionário de linguística e fonética. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
LYONS, John. Introdução à linguística teórica. São Paulo: Ed.
Nacional, 1979.
MARTINET, André. Elementos de linguística geral. Lisboa: Li-
vraria Sá da Costa Editora, 1978.
A linguística sincrônica. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasilei-
ro, 1974.
MATTOSO, CÂMARA Jr., Joaquim. Estrutura da língua portu-
guesa. Petrópolis: Vozes, 2002.
Dicionário de linguística e gramática. Petrópolis: Vozes, 2001.
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. São Paulo: Edi-
tora Cultrix, 1997.
SILVA, Thais Cristófaro. Fonética e fonologia do português: ro-
teiro de estudos e guia de exercícios. São Paulo: Contexto, 2007.
TROUBETKOY, Nicolai. Príncipes de phonologie. Paris:
Éditions Klincksiech, 1970.

62
TEXTO 10
Universidade Federal Fluminense
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas
Setor de Língua Portuguesa – Língua Portuguesa II
Professores: Glayci Xavier e Welton Pereira

SISTEMA VOCÁLICO DO PORTUGUÊS

1.0 Introdução

Mattoso Câmara Jr descreve as vogais a partir de sua posição na sílaba. À vogal, por ser o núcleo da
sílaba, o seu ponto de maior intensidade, cabe a função de distinguir as sílabas átonas e tônica.

...é normalmente a vogal, como o som vocal mais sonoro, de maior força expiratória, de
articulação mais aberta e de mais firme tensão muscular, que funciona em todas as
línguas como centro de sílaba, embora algumas consoantes, particularmente as que
chamamos ‘sonantes não estejam necessariamente excluídas dessa posição (Câmara Jr.,
2002, p. 53).

As vogais portuguesas são normalmente representadas pelos triângulos vocálicos.

Anteriores – não Posteriores -


arredondada arredondada

Alta Alta
ALTURA

ALTURA
Média alta Média alta

Média baixa Média baixa


Baixa Baixa
Central

Crítica à NGB: apresenta uma classificação das vogais que prevê um quadro único para as vogais
tônicas e átonas.

Todas [as vogais] podem estar presentes em sílaba tônica, mas nem todas aparecem
em sílaba átona pretônica ou postônica. (Cavaliere, 2005, p. 67).

Para Mattoso Câmara Jr., a classificação dos fonemas vocálicos tem de partir da posição tônica porque

1. o acento incide com maior força expiratória (intensidade);


2. é o contexto em que estão presentes todas as vogais;
3. as vogais distintivas do português são resultantes da associação do movimento horizontal e do
movimento vertical da língua, assim como de um movimento de distensão ou arredondamento dos
lábios.

1
1.1 As vogais em posição tônica

Anteriores – não Posteriores -


arredondada arredondada

Alta i u Alta
ALTURA

ALTURA
Média alta e o Média alta
Média baixa   Média baixa
Baixa a Baixa
Central

São sete as vogais em posição tônica que podem ser atestadas pela observação dos pares mínimos abaixo.

suco /sukU/ [suk


soco /sokU/ [sok]
soco /skU/ [sk]
saco /sakU/ [sak]
seco /skU/ [sk]
seco /sekU/ [sek]
sico /sikU/ [sik]

1.2 As vogais em posição átona

A posição átona é caracterizada pela redução do número de fonemas. “Isto é, mais


de uma oposição desaparece ou se suprime, ficando para cada uma um fonema em
vez de dois” (Câmara Jr, 2002, p.43).

❖ 1.Aquelas pronunciadas com menor força expiratória.

❖ 2. São classificadas em:


• Pretônicas (sílabas anteriores à sílaba tônica)
• Postônicas não finais (sílabas posteriores à sílaba tônica, mas que não são as últimas – só ocorrem
em palavras proparoxítonas)
• Postônicas Finais (sílabas posteriores à sílaba tônica e que são a última sílaba da palavra – são as
mais débeis)

a. ME – NI – NO
ÁTONA T ÁTONA
Pretônica

b. MÉ – DI – CO
T ÁTONA ÁTONA
Postônica Postônica
Não final Final

2
1.2.1 Vogais Pretônicas

Anteriores – não Posteriores -


arredondada arredondada

i u
ALTURA

ALTURA
Alta Alta

Média E O Média

Baixa a Baixa
Central

Neutraliza-se a oposição entre as vogais médias alta e baixa que passam a ser representadas por um
Arquifonema (a letra maiúscula)

• Evidência da neutralização na série pretônica

Pedra [pd → /pd/ pedreiro [pd [ped [pd [ped → /pEdU/

Sede [sd → /sdI/ sediar [sda [sdax//h/ [seda [sedax//h/ → /sEdiaR/

Soco [sok → /sokU/  [ska] [skax//h/ [soka] [sokax//h/ → /sOkaR/

1.2.2 Vogais postônicas

Como vimos, são divididas em dois grupos: as postônicas não finais, que só ocorrem nas palavras
proparoxítonas, e postônicas finais, que são as mais débeis da língua, ou seja, são pronunciadas com a
menor força expiratória.

1.2.2.1 Postônicas não finais

Anteriores – não Posteriores -


arredondada arredondada
ALTURA

ALTURA

Alta i U Alta

Média E Média
Baixa a Baixa
Central

Neutraliza-se a oposição entre as séries alta e média posterior e entre as vogais médias anteriores. O
sistema se reduz a quatro vogais

Agrônomo /agoUmU/ sonífero /sonifEU/


Época /Uka/ tráfego /tEU/

3
1.2.2.2 Postônicas Finais

Anteriores – não Posteriores -


arredondada arredondada
ALTURA

ALTURA
Alta I U Alta
Média Média
Baixa a Baixa
Central

Neutraliza-se a oposição entre as séries alta e média e o sistema se reduz a três vogais: uma baixa e
duas altas, que são arquifonemas.

Menino /mEninU/ alegre /alI/


Perigo /pEU/ árabe /I/

2.0 Os encontros vocálicos


As vogais altas podem ocupar a margem das sílabas, sendo, nestes casos, chamadas de semivogais.
“As vogais mais altas das séries anterior e posterior podem ocupar posição de núcleo ou de margem
da sílaba. Teríamos, assim, um [i] e [u] silábicos ou assilábicos [y] e [w]. Neste segundo caso têm-
se os chamados ditongos ou tritongos que contrastam com vogais simples” (Callou & Leite, 1990,
p. 90).

No contexto fonético, no ditongo, um dos segmentos da sequência é interpretado como uma vogal e o outro é
interpretado como “semivocóide, semicontóide, semivogal, vogal assilábica” ou de “glide” (Silva, 2003, p. 73). Em
português, é interpretado foneticamente como um segmento vocálico (sem obstrução à passagem da corrente de ar).
Na sílaba, o glide ocupa posição marginal na sílaba e não tem proeminência acentual.

• CALLOU & LEITE (1990)

– [y]/[j]1 e [w] ocupam margem de sílaba.

Exs.: pá pai pau


cá cai cal
má mais mal
só sói sol

a) Ditongos: encontro de uma vogal mais uma semivogal. Em função da posição da semivogal: ditongo crescente (VV
- sério) ou decrescente (VV - pai).

b) Tritongos: encontro de duas semivogais com uma vogal (VVV)

– Tradicionalmente, consideram-se os ditongos decrescentes a seguir:

• Exs.: ditongos orais com a semivogal [w]


[aw] mau, pau, *sal * decorrente da vocalização do /l/
[ew] meu
[ w] céu, réu, *mel
[ow] sou ,vou (tendência a se monotongar > [‘so] [‘vo]),
[iw] viu, riu

1
Qualquer um dos dois símbolos, [y] ou [j], pode ser utilizado na transcrição fonética para representar o som da semivogal “i”.
4
Obs.: [ow] – tendência à eliminação desse ditongo (à monotongação); em contrapartida, há uma tendência à
vocalização do [l] em final de sílaba (na maioria dos dialetos do Brasil) como em gol, soltar, colcha que acaba por
restabelecê-lo/revitalizá-lo, pela vocalização da consoante lateral alveolar /l/. (V + V > V; V + l > VV). Aparecem 2
outros ditongos em determinadas realizações:
* [ w] sol
* [uw] sul

• Exs.: ditongos orais com a semivogal [y]


[ay] cai → /'kai/
[ey] lei, rei → /'lei/ /'Rei/
[ y] aluguéis, réis → /alu'gɛiS/ /'RɛiS/
[oy] foi → /'foi/
[ y] dói, rói → /'di/ /'Ri/
[uy] fui → /'fui/

• A eliminação da semivogal é fenômeno antigo no português e ainda hoje constitui uma tendência em nossa
língua.

Paiva (1986), em estudo das semivogais em ditongos decrescentes, concluiu que: ou > o = mudança praticamente
concluída; ej > e = redução que depende de fatores da composição fonética, como o ponto e modo de articulação do
contexto subsequente (vibrante simples ou palatal [] /[, ]).

[ej] > [e] [ej] > [ej] (final absoluto de sílaba)


peixaria lei
dinheiro dei
feira rei
cadeira falei
beijo

O ditongo [ow] tende à monotongação em qualquer situação.


Isso ocorre porque está previsto na deriva da língua. O sistema do Português é o mesmo tanto em Portugal quanto no
Brasil.

• Ditongos nasais: para Câmara Jr., são compostos por ditongo + arquifonema /N/.

[ãw] mão → /ˈmauN/


[ãỹ] mãe → /ˈmaiN/
[õỹ] põe → /ˈpoiN/
[ũỹ] ruim → /ˈRuiN/
[ẽỹ] também → /taNˈbeN/

 Os ditongos crescentes

Para Câmara Jr. (2002) e Bisol (1989), não há o chamado ditongo crescente.

Evidência: em muitos casos, o encontro semivogal + vogal pode oscilar entre uma realização como hiato ou como
ditongo:

quiabo – [ki’abu ~ ‘kyabu]


iate – [i’atI ~ ‘yatI]
suar – [su’ah ~’swah]
oeste - [o’ƐtI ~ ‘wƐtI]
uirapuru – [uiapu’u ~wiapu’u]
5
Entretanto, há um tipo de ditongo crescente que não alterna com hiato: os constituídos [kw]/[gw], seguidos de a/o:
qual – [‘kwaw] *[ku’aw] → /’kual/
quando – [‘kwɐñ dU] *[ku’ɐñ dU] → /’kuaNdU/
quociente – [kwosi’ẽntI] *[kuosiẽntI] → /kuosi’eNtI/

• “a sequência consoante velar / semivogal posterior é reminiscência do grupo latino [kw]/[gw], do qual a língua
revela forte tendência a libertar-se. As palavras abaixo, entre outras, já estão no dicionário com forma
alternativa.”
quociente cociente
quotidiano cotidiano
quatorze catorze
quotizar cotizar
(Collischonn, 2005)
 Tritongos orais
Exs.: [way] Uruguai → /uɾuguai/
[wey] averiguei → / avEɾiguei/
[wow] averiguou → /avEɾiguou/

• Hiato: Duas vogais adjacentes que, como núcleos de sílabas, precisam ocupar sílabas distintas.
Baú [bau] → /bau/
Saúde [saud → /saudI/

3.0 Vogais Nasais2

As gramáticas do português sempre consideram a existência de vogais nasais ao lado de vogais orais porque
esta é a opinião da Nomenclatura Gramatical Brasileira. Ou seja, consideramos que na língua portuguesa
existem 12 vogais: 7 (sete) fonemas vocálicos orais e 5 (cinco) fonemas vocálicos nasais. Além da
ressonância nasal, estas vogais nasais se diferenciam das orais porque têm timbre sempre fechado. Assim, o
quadro fonológico das vogais nasais em sílaba tônica é o seguinte:

Anteriores – não Posteriores -


arredondada arredondada
ALTURA

ALTURA

Alta i u Alta
Média e o Média
Baixa a Baixa
Central

1. Um dos temas mais debatidos dos estudos fonológicos do português → tem recebido a atenção de
especialistas há, pelo menos, dois séculos sob diferentes perspectivas.
2. A tradição gramatical: a vogal nasal é dotada do traço da nasalidade e, por isso, se contrapõe à sua
correspondente oral; as vogais seriam produzidas ordinariamente na cavidade bucal, mas podem ser
acompanhadas de ressonância nasal.
3. Alguns problemas: será que toda vogal oral pode ter uma correspondente nasal? (Não: inexistem, em nossa
língua, nasais médias-baixas. As línguas naturais não diferenciam nasais médias-altas e médias-baixas,
segundo Silva, 2003, p. 91)
4. No campo ortográfico, que é marcado por arbitrariedades, não há uniformidade quanto à representação
desses elementos: ora a nasalidade é assinalada por <m> ou <n> (“samba”, “vinte”) ora pelo uso do til (“lã”).
2
Material organizado pelas professoras Fabiana Esteves Neves (UFF) e Nadja Pattresi de Souza e Silva (UFF)
6
NASALIDADE E NASALAÇÃO

1. Na pronúncia do PB, a vogal pretônica seguida de sílaba iniciada por consoante nasal pode
assimilar/absorver a nasalidade do fonema vizinho (pronúncia nasalada): banana, panela. Esse traço não é
pertinente: há pronúncias não nasaladas também → traço marcante de variação diatópica no PB.

“[...] o falante tende a antecipar o abaixamento do véu palatino, necessário à emissão da


consoante na sílaba seguinte, e emite já nasalada a vogal precedente. Aí não há oposição entre
a vogal nasalada e a vogal, também possível, sem qualquer nasalação. Com a nasalação, ou sem
ela, haverá sempre as mesmas formas vocabulares.” (Câmara Jr., 2002, p. 47).
“É preciso encontrar um traço específico que caracterize as vogais nasais que são nasais em
termos fonêmicos” (p. 47)

2. Câmara Jr. (2002, p. 47) estabelece a distinção entre vogais com o traço nasal não distintivo (“nasalação
fonética” / “nasalidade não fonológica”) e vogais em que esse traço é decisivo do ponto de vista fonológico
(tanto / tato) (“nasalação que se opõe distintivamente à não nasalação” / “nasalidade fonológica”).

3. Em geral, os estudiosos da área optam por seguir essa diretriz, embora haja variações. Também é variável
o uso da terminologia (NASALIDADE / NASALAÇÃO) para caracterizar cada fenômeno.

O ARQUIFONEMA NASAL

1. Entre as teses já aventadas, como se destacou, há aquelas que interpretam as vogais nasais como “meras
realizações das vogais orais correspondentes, seguidas de consonante nasal” (Cavaliere, 2005, p. 87) → o
traço de nasalidade resultaria da articulação de uma consoante nasal).

2. Entre nós, há a consagrada hipótese formulada por Câmara Jr. (2002): a tese do arquifonema nasal e sua
importância para a descrição da chamada vogal nasal em português.

2.1 Para o linguista, “a nasalidade pura da vogal não existe [...] fonologicamente, porque por meio dela não
se cria oposição em português entre vogal pura envolvida de nasalidade e vogal seguida de consoante nasal
posvocálica” (Câmara Jr., 2002, p. 59). Isso se dá em francês, e.g.: bon e bonne.

Nas palavras de Câmara Jr. (2002, p. 47), “a vogal nasal fica entendida como um grupo de fonemas, que se
combinam na sílaba – vogal e elemento nasal”.

Em campo, ponta e tango, e.g., não se pode falar em vogal nasal, e sim em vogal oral seguida por consoante
nasal, já que atua em travamento de sílaba (ou seja, sílaba cujo último elemento é consonantal). Nesses casos,
haveria, respectivamente, uma consoante nasal /m/ diante de consoante labial na sílaba seguinte, uma
consoante nasal /n/ diante de consoante dental na sílaba seguinte e uma consoante nasal /ŋ/ diante de
consoante velar na sílaba seguinte. Considerando que /m/, /n/ e /ŋ/ se neutralizam nessa posição de
travamento silábico, tem-se o arquifonema /N/.

“É preferível partir do arquifonema nasal /N/ como o fato estrutural básico, que acarreta, como traço
acompanhante, a ressonância nasal da vogal.” (Câmara Jr., 2002, p. 59)

“é [...] como arquifonema nasal (só marcado pela ressonância nasal e não pelas modalidades do embaraço na
boca) o elemento consonântico nasal posvocálico, que [...] convém postular fonemicamente nas chamadas
vogais nasais portuguesas [...]: /aN/, /eN/, /iN/, /oN/, /uN/.” (Câmara Jr., 2002, p. 52)

7
Argumentos de base estruturalista:

a) A sílaba da vogal dita nasal comporta-se como uma sílaba travada por consoante.
“(...) a crase ou a elisão que ocorre entre a vogal final de uma palavra e a vogal átona inicial da palavra
seguinte, fato comum no português, não se configura quando a vogal final é nasal: grande amor (elisão),
casa amarela (crase), porém lã azul (hiato), dom artístico (hiato).” (Cavaliere, 2005, p. 89).
b) Após a nasal não aparece o tepe, típico do ambiente intervocálico (arado / enredo).
c) Não há hiatos entre vogais nasais dentro do vocábulo. Ex: “nenhum” (nem + um) – uma consoante
destrói o hiato entre [ẽ] e [ũ]: [nẽ.‘ɲũn].
“No que tange aos ditongos nasais, a regra do arquifonema mantém-se, no sentido de que também
devem ser entendidos como ditongos orais seguidos de arquifonema nasal” (Cavaliere, 2005, p. 89).

Argumentos que se contrapõem a essa perspectiva:

a) A crase não se dá em certos ambientes intervocálicos – por exemplo, o caso em que a vogal inicial é tônica:
casa alta. Dentre esses ambientes, inclui-se o das vogais nasais.

b) O /R/ que se segue às consoantes nasais também aparece entre vogais (arrasar).

c) Os próprios hiatos de vogais orais tendem a ser evitados no PB. Ex: ocorre monotongação em
coordenação> *cordenação; caatinga >*catinga; há intercalação de um glide em freado>*freiado;
Andrea>*Andreia etc.

Para resumir a questão do arquifonema nasal...


(Seara et al., 2019, p. 109)

8
Referências

BISOL, L. O ditongo na perspectiva da fonologia atual. D.E.L.T.A, 1989, vol. 5, n.2: 185-224.

CALLOU, D. M. I. & LEITE, Y. Iniciação à fonética e à fonologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.

CAVALIERE, R. S. Pontos essenciais em fonética e fonologia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira /


Lucerna, 2005.

COLLISCHONN, G. A sílaba em português. In: BISOL, Leda. (org). Introdução a estudos de


fonologia do português brasileiro. 4.ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. p. 101-133.

CÂMARA JR., J. M. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

PAIVA, M. da C. A. de. A supressão das semivogais nos ditongos decrescentes. Rio, xerox, 1986.

SEARA, I. C.; NUNES, V. G.; LAZZAROTTO-VOLCÃO, C. Para conhecer fonética e fonologia


do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2019.

SILVA, T. C. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 7 ed. São
Paulo: Contexto, 2003.

9
TEXTO 11

Aula 10
Descrição dos segmentos consonantais

Marli Hermenegilda Pereira


Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

Meta

Apresentar o sistema consonantal do português brasileiro e seu papel na


produção dos sons de nossa língua, com ênfase nas transcrições fonética
e fonológica desses segmentos.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


1. descrever o sistema consonantal do português brasileiro;
2. transcrever, fonética e fonologicamente, as consoantes do português.

Pré-requisitos

Para acompanhar esta aula, você precisará conhecer os conteúdos


listados abaixo:
• consoante – Aula 3;
• alofone, fone e fonema – Aula 5;
• arquifonema e neutralização – Aula 6;
• transcrição fonética e fonológica – Aula 7;
• sílaba – Aula 8.
Caso seja necessário, retorne às aulas citadas para relembrá-los.

8
Português V

Introdução

Na aula anterior, você aprendeu a descrição dos segmentos vocálicos


e pôde constatar que as vogais apresentam grande variação fonética, de
acordo com a posição que ocupam na sílaba. Nesta aula, você verá que
muitas consoantes da língua portuguesa apresentam um quadro de alo-
fonia bastante diversificado, muitas vezes relacionado a fatores dialetais
(como região geográfica) e a fatores estruturais (como posição silábica).
Que tal iniciarmos com as consoantes em posição de ataque? Dize-
mos que estão em posição de ataque as consoantes pré-vocálicas, como
ca-sa; fi-lho; bra-vo. Mais adiante, trabalharemos as consoantes pós-
-vocálicas.

Consoantes pré-vocálicas

Todas as consoantes do português podem preceder a vogal silábica


(vogal núcleo da sílaba); no entanto, como você verá, algumas apresen-
tam certas particularidades e ocorrem em contextos mais limitados.

Você pode ouvir os sons consonantais do português no seguinte


endereço: http://www.fonologia.org/fonetica_consoantes.php.

Consoantes oclusivas e africadas


Quadro 10.1: Consoantes oclusivas do português

Consoantes oclusivas Ponto de articulação Grau de vozeamento

// Ex. pata desvozeada/surda


bilabiais
// Ex.: bata vozeada/sonora

// Ex.: teu dentais desvozeada/surda


// Ex.: deu ou alveolares vozeada/sonora

// Ex.: cato desvozeada/surda


velares
// Ex.: gato vozeada/sonora

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Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

As consoantes bilabiais

Figura 10.1: Para produzir as consoantes oclusivas bilabiais, a passagem do


ar é brevemente bloqueada pelos lábios e, imediatamente a seguir, esse blo-
queio é desfeito. Observe o movimento dos lábios na sequência das imagens.

As consoantes bilabiais /p/ e /b/ apresentam pronúncia uniforme em


todos os dialetos brasileiros, ou seja, não costumam apresentar variação.
Dessa forma, os mesmos símbolos usados para representar os fones são
utilizados para representar o fonema.
Veja as consoantes iniciais das palavras pata e bata: ['pat] /'pata/;
['bat] /bata/. Você pode observar que foram utilizados os mesmos
símbolos na transcrição fonética – [p, b] – e na transcrição fonológica
– /p, b/–, não é mesmo?

As consoantes dentais (ou alveolares)

Figura 10.2: Na produção das consoantes oclusivas dentais ou alveolares,


ocorre a elevação da região anterior da língua (ponta da língua), na direção dos
dentes incisivos superiores ou dos alvéolos. Observe o movimento da língua
na sequência das imagens.

10
Português V

O par /t/ e /d/ apresenta alofonia somente quando esses sons vêm an-
tes da vogal /i/. Diante das outras vogais e das consoantes grafadas pelas
letras l/r, esses dois segmentos não apresentam significativa variação.
Os seguintes exemplos ilustram ocomportamento desses sons:

Transcrição
Transcrição fonética
fonológica

tela [' tl] /' l/


tola [' to] /' tol/
tudo [' tudU] /'tud/
troco (substantivo) [' tokU] /' ok/
dó ['d] /'d/
dedo [' dedU] /'ded/
duro ['dU] /'d/
data ['da] /'dat/
podre ['pod] /'po/
atleta [a't] /a'tlt/

Vejamos agora duas palavras: tia e dia, com transcrições fonológicas


/'tia/ e /'dia/, respectivamente. Embora as transcrições fonológicas coin-
cidam com a escrita ortográfica, o mesmo não se pode dizer das trans-
crições fonéticas de pronúncias palatalizadas, como a carioca. Observe
em ['t] e ['d] um leve “chiamento” não encontrado, por exemplo,
na fala dos gaúchos. Embora ocorra diferença fonética entre os dialetos
carioca e gaúcho (chiamento × não chiamento), sob o ponto de vista
gráfico, os fonemas /t/ e /d/ diante de /i/ são iguais, as diferenças ocor-
rem no âmbito físico, articulatório.

A palatalização, nesse caso, corresponde ao recuo da língua para


a região do palato na pronúncia dos fonemas /t/ e /d/ seguidos da
vogal /i/, o que pode corresponder a contextos ortograficamente
representados pelas letras e (em sílabas átonas) e i, como em leite,
tiara, dica etc.

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Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

Perceba que, na pronúncia carioca dos exemplos acima, temos


uma espécie de chiado entre o t ou o d e a vogal que o segue.

São segmentos africados que se manifestam antes da vogal /i/ e das


semivogais na realização ditongada da fala informal

Ex.: titia = “tchitchia” [t], teoria = “tchiuria” [t], dia = "dchia" [d]

Entendendo alofones posicionais... Escolhendo o fonema...

Alofones posicionais são variantes dos fonemas que acontecem de-


vido à sua posição na sílaba. Apesar de termos diferentes alofones, eles
correspondem apenas a um fonema.
Ex.: [t  [d no dialeto carioca, nas palavras tia e dia.
Os critérios adotados para escolher o fonema são frequência e abran-
gência. Como os alofones [t] e [d] ocorrem em mais contextos (seguidos
das consoantes /l/ e // e de todas as vogais, exceto /i/ no dialeto cario-
ca), eles representarão os fonemas /t/ e /d/.

Compreendendo a distribuição complementar...

Por distribuição complementar, entendemos que, num contexto em


que um alofone ocorre, o outro não ocorrerá.
Ex.: No dialeto carioca, os alofones [t e [d só ocorrem diante da
vogal /i/. Nos demais contextos, ocorrem os alofones [t] e [d].
Esse fenômeno da palatalização ocorre, principalmente, no Sudeste.
Diversos dialetos do Nordeste, como o baiano, não manifestam palata-
lização, tendo suas transcrições fonéticas como seguem: ['ti] e['di].
É importante comentar, também, por que nesses casos o [t] acom-
panha o [] e o [d] acompanha o []. Consideramos [t] um único
fone, que se inicia oclusivo e termina fricativo, o que o caracteriza como
africado. É possível, porém, desmembrarmos esse fone em dois outros
da língua: [t] e []. Ambos, conforme consta no quadro de consoantes
do PB da Aula 3, são [– sonoros]. Os fones [d] e [], por sua vez, são
[+ sonoros]. Daí a importância de não misturar os símbolos.

12
Português V

Não seria simples produzir um som africado que começasse


[– sonoro] e terminasse [+ sonoro] ou vice-versa; daí termos o
cuidado de registrar a realização tal qual ela de fato é.
Faça um teste: coloque sua mão sobre sua laringe e observe a vi-
bração ao produzir [d] e a ausência de vibração ao produzir [t].

As consoantes velares

Figura 10.3: Quando produzimos as consoantes velares, a região posterior


da língua se eleva em direção ao palato mole (ou véu palatino). Observe o
movimento dessa região na sequência das imagens.

Finalmente, trataremos das consoantes velares /k/ e /g/. Essas conso-


antes apresentam comportamento uniforme em todo o território brasi-
leiro; por isso, seus símbolos fonético e fonológico são iguais: [k] /k/ e [g]
/g/. No entanto, é preciso tomar cuidado com a relação entre letra e som.
Você viu, na Aula 6, que o fonema /k/ pode ser representado, na escrita,
pela letra c diante das vogais a, o, u, diante das consoantes l e r e quando
do dígrafo qu, como mostram os exemplos: casa, coelho, curva, claro,
credo e quilo. Por sua vez, a consoante /g/ pode ser representada, na es-
crita, pela letra g, diante das vogais a, o, u, das consoantes l e r e quando
do dígrafo gu, como ilustram os seguintes exemplos: galo, gota, gola,
gula, greve, globo e guerra.

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Atividade 1

Atende aos objetivos 1 e 2

1. Com base no dialeto carioca, faça a transcrição fonética e fonológica


das palavras abaixo. Não se esqueça de usar colchetes para a transcrição
fonética, barras para a transcrição fonológica e de marcar a sílaba tônica.

Transcrição Transcrição
fonética fonológica

cocada

toca

poda

peteca

pecado

bica

gado

copa

gota

bota

pitada

gato

2. Na tirinha abaixo, observamos a conversa de dois amigos que mo-


ram em cidades bem distantes. Cátia é gaúcha e fala de Porto Alegre,
enquanto André é carioca e fala do Rio de Janeiro.
Agora que você já conhece um pouco dos diferentes sotaques do nos-
so país, que tal fazer as transcrições fonética e fonológica das palavras
em negrito?

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Português V

Resposta comentada

1.
Transcrição Transcrição
fonética fonológica

cocada ['] /'/

toca ['] /'/

poda ['] /'/

peteca ['] /'/

pecado ['] /'/

bica ['] /'/

gado ['] /'/

copa ['] /'/

gota ['] /'/

bota ['] /'/

pitada ['] /'/

gato ['] /'/

Você deve ter observado que os símbolos usados nas transcrições fonética e
fonológica para representar as consoantes oclusivas são iguais. Como você já
viu, esses sons apresentam pronúncia uniforme em todo o território brasilei-
ro. É interessante também notar o enfraquecimento das vogais átonas finais.
2. Observe que nem sempre o registro fonético das consoantes /t/ e /d/
apresentará palatalização, mesmo na pronúncia carioca. A palatalização
somente ocorrerá diante da vogal /i/ (mesmo que na escrita se registre
um e). Já no sul de nosso país, é ainda mais difícil perceber a palataliza-
ção dessas consoantes.
Abaixo as respostas:

Transcrição
Transcrição fonética
fonológica

Carioca Gaúcho

Cátia ['kat] ['ka] /'kati/

ter ['tex] ['ter] /'teR/

ideias ['ES] ['Es] /'EiaS/


dizer [dZ'zex] [d'zer] /d'zeR/

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Transcrição
Transcrição fonética
fonológica

Carioca Gaúcho

demais [dZ'majS] [d'majs] /d'maiS/


doido ['dojdU] ['dojdo] /'doid/

tirinhas [tS'i~S] [t'i~s] /t'aS/


consulte [o~' suwtI] [o~'slte] /koN'sult/
dicionário [dZisi'niU] [disi'nio] /disi'ni/

Consoantes nasais

Como já estudamos, no português, existem três consoantes nasais.

Quadro 10.2: Observe, no quadro, as consoantes nasais do português. Ao


produzi-las, o véu palatino se abaixa e a corrente de ar é distribuída pelas
cavidades bucal e nasal.

Consoantes
Ponto de articulação Grau de vozeamento
nasais

[m]
bilabial vozeada/sonora
Ex.: mato

[n]
alveolar ou dental vozeada/sonora
Ex.: nata

[]
palatal vozeada/sonora
Ex.: venha

As consoantes nasais [m] e [n], em posição pré-vocálica, apresentam


pronúncia uniforme em todo o território brasileiro. Por isso, os sím-
bolos utilizados nas transcrições fonética e fonológica são os mesmos.
Exemplos: moto ['motU] e /'mot/; nada ['na] e /'nad/.

16
Português V

No entanto, a consoante nasal palatal [] sofre variação em sua pro-


núncia. Na palavra carinhoso, por exemplo, a terceira sílaba começa
com o fonema //, correspondente, na escrita, ao dígrafo nh. Nesse caso,
é possível realizar a consoante nasal palatal [], o que ocorre em regis-
tros mais formais, ou realizar uma vogal nasal [y~], comum em alguns
dialetos ou em registros informais.
Observe o que Thaïs Cristófaro Silva (2003) menciona a respeito
do caso:

Consideremos agora casos de falantes que articulam um seg-


mento vocálico nasalizado – ou seja, [y~] – em posição intervo-
cálica na palavra “banha”. Foneticamente o dígrafo “nh” corres-
ponde à [sic] um segmento vocálico [i] nasalizado (como a vogal
de “sim”). Neste caso não há contato da língua com o céu da boca
(o que ocorre na produção do segmento nasal palatal [] que
acabamos de discutir acima). O que articulamos de fato, então, é
uma vogal nasalizada com a qualidade vocálica de [i]. Contudo,
em termos distribucionais tal vogal ocupa a posição de uma con-
soante na estrutura silábica (no caso, o segmento corresponde
ao dígrafo “nh”). Representamos tal segmento por [y~]. [...] Nes-
te caso a palavra “banha” será transcrita como ['ba~y~a] (SILVA,
2003, p. 61).

Cristófaro Silva (2003) adota o símbolo [y~] para indicar a qualida-


de consonantal da posição assumida pelo elemento fonético, por ser
comum a adoção do [y] como símbolo da semivogal com qualidade
consonantal correspondente ao /i/, considerando-se a estrutura silábica.
Atualmente, há uma tendência de substituir o [y] pela aproximante [j],
mais apropriada, pelo fato de não gerar confusão com a vogal /i/, cor-
respondente à anterior alta arredondada do francês (o i com biquinho).
De qualquer modo, vamos manter aqui a transcrição sugerida pela au-
tora para a qualidade vocálica do alofone naquele contexto. Outra ob-
servação importante a respeito dessa consoante nasal é o fato de ela não
iniciar palavras em língua portuguesa. Sua ocorrência se dá apenas na
posição medial das palavras. Observe os exemplos: ninho, banho, ganha
e punho.
Agora, vamos colocar em prática o que acabamos de aprender!

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Atividade 2

Atende aos objetivos 1 e 2

1. Transcreva fonética e fonologicamente os dados. Certifique-se de


que as transcrições fonéticas estejam entre colchetes e as fonológicas
entre barras.
Transcrição Transcrição
fonética fonológica

mata

mula

mole

meta (substantivo)

medo

mito

amiga

nada

neto

nuca

Anita

ninho

banho

ganhador

punho

ponho

2. As palavras fazem parte de nossas vidas e somos confrontados com


elas a todo momento. Quando lemos um jornal, por exemplo, estamos
em contato com uma grande variedade de palavras que apresentam
construções distintas, inclusive no que diz respeito à fonética e à fonolo-
gia. Observe o trecho do jornal abaixo e, em seguida, transcreva fonética
e fonologicamente os dados destacados em negrito.

18
Português V

Resposta comentada

1.
Transcrição Transcrição
fonética fonológica

mata ['] /'/

mula ['] /'/

mole ['] /'/

meta (substantivo) ['] /'/

medo ['] /'/

mito ['] /'/

amiga '] /'/

nada ['] /'/

neto ['] /'/

nuca ['] /'/

Anita '] /'/

ninho ['i~y~] /'/

banho ['a~y~] /'/

ganhador y~'] /'R/

punho ['y~] /'/

ponho ['y~] /'/

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Como você pode observar, os fonemas /m, n/, em posição pré-vocálica,


apresentam pronúncia uniforme no português do Brasil. Por isso, os
símbolos usados nas duas transcrições são os mesmos. Já no caso da
consoante nasal palatal, vimos, a partir dos estudos de Cristófaro Silva
(2003), que o brasileiro normalmente realiza a vogal nasal [y~] no lugar
da consoante nasal palatal //.

2.
Transcrição Transcrição
fonética fonológica

Nos [n] /n/

últimos [m] //

anos [n] /n/

formato [m] //

modelos [m] //

uma [m] //

Você deve ter notado que os fonemas /m, n/, em posição pré-vocálica,
apresentam pronúncia uniforme no português do Brasil, exatamente
como vimos falando até agora.

Consoantes laterais

Figura 10.4: A produção das consoantes laterais acontece com a obstrução


completa no meio da boca, permitindo o escape do ar pelas laterais da língua.
Observe o movimento da língua na sequência das imagens.

20
Português V

Como você já viu, no português, há apenas duas consoantes laterais:


a consoante lateral alveolar ou dental vozeada // e a consoante lateral
palatal vozeada //. Em posição pré-vocálica, o segmento // pode ocor-
rer como única consoante na sílaba, como em lado, ou como a segunda
consoante do grupo consonantal, como em plano. No primeiro caso,
não costuma haver variação na pronúncia dos falantes de português.
Assim, o símbolo usado nas transcrições fonética e fonológica é o mes-
mo: lado ['ladU] e /'lad/. No entanto, quando a consoante lateral alve-
olar é o segundo segmento de um grupo consonantal, pode ocorrer um
fenômeno bastante interessante chamado de rotacismo. Quantas vezes
você já não ouviu pronunciarem Cráudia, ingrês, grobo? Geralmente, são
pessoas com baixo grau de escolaridade e pertencentes a classes sociais
baixas. Assim, falantes, nesse contexto, trocam a lateral // pela vibrante
simples ou tepe //.Alguns exemplos são: claro ['klU] ou ['U]; fla-
mengo [fla'mengU] ou [a'mengU].

O rotacismo consiste numa tendência presente na língua portu-


guesa, desde a sua origem, em transformar em r os l dos encon-
tros consonantais. Em português, o l dos encontros consonan-
tais nas palavras latinas foi substituído por um r: blandu/brando;
flaccu/fraco, duplu/dobro. Podemos encontrar essa tendência até
na obra clássica da língua portuguesa Os Lusíadas, de Luís de Ca-
mões. Veja alguns casos:
“Era este ingrês potente” (canto VI, 47);
“Nas ilhas de maldiva nasce a pranta” (X, 136).
Ao fenômeno inverso, quando o l substitui o r, chamamos de
lambdacismo. Alguns exemplos são: terça/telça; carvão/calvão.

O rotacismo, na fase atual da língua portuguesa, é estigmatizado,


e seus falantes sofrem preconceito linguístico. A esse respeito, Marcos
Bagno coloca:

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Por isso, devemos prestar toda a atenção possível ao que está


acontecendo no espaço pedagógico em termos de discriminação,
desrespeito, humilhação e exclusão por meio da linguagem. [...]
Sem sombra de dúvida, uma das principais tarefas da reeducação
sociolinguística que estamos propondo aqui é elevar a autoesti-
ma linguística das pessoas, mostrar a elas que nada na língua é
por acaso e que todas as maneiras de falar são lógicas, corretas e
bonitas. Para desempenhar essa tarefa, cada um de nós, educa-
dores, tem que se munir de um instrumental adequado, onde o
principal componente é, sem dúvida, a sensibilidade. (BAGNO,
2007, p. 207, grifos do autor).

É claro que o professor deve mostrar ao aluno que há outra varieda-


de, considerada de prestígio, e que ele deve procurar adequar sua fala a
cada situação comunicativa, ou seja, situações mais formais (entrevistas,
seminários, entre outras) exigem o uso da variedade culta; situações co-
tidianas mais informais, como uma conversa, já não fazem tanto essa
exigência. Na escola, você irá se deparar com diversos usos linguísticos.
Qual será sua postura? Reflita sobre isso!
Vejamos, agora, a lateral palatal // correspondente ao registro orto-
gráfico lh. É possível realizá-la como [], o que geralmente corresponde
à variedade culta da língua, ou como uma lateral alveolar palatalizada,
muito semelhante à pronúncia de li, transcrita como[lj]. Cristófaro Silva
(2003) ainda menciona uma terceira realização, característica de algu-
mas variedades sociolinguísticas: “[...] há falantes que pronunciam as
palavras ‘teia’ e ‘telha’ de maneira idêntica. Nestes casos, temos que uma
vogal com a qualidade vocálica de i ocupa a posição consonantal corres-
pondente ao dígrafo ‘lh’ ”. (SILVA, 2003, p. 65). Essa realização revela um
dos traços do português popular que ocorre em algumas áreas dialetais,
sobretudo rurais, configurando-se o fenômeno de despalatalização. Não
raro, encontramos, em áreas rurais, os termos muié, véio, aio, paia, entre
outros representativos desse fenômeno.
Observe, no esquema abaixo, o caso da palavra malha:

['L]

[L, lj, y]
['lj]
/L/

['y]

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Português V

Para saber qual dos dois alofones [, lj] você produz, Cristófaro Silva
(2003, p. 65) sugere o seguinte teste:
Pronuncie olhos/óleos; a malha/Amália e julho/Júlio. Caso você faça
distinção articulatória entre esses termos, é possível que a lateral palatal
[] ocorra em seu idioleto; no entanto, se você pronuncia esses pares
de palavras da mesma maneira, é provável que você produza a lateral
palatalizada [lj].

Idioleto é o conjunto dos usos de uma língua próprios de um


indivíduo. Diferencia-se do termo dialeto, que se aplica a um
conjunto de usos de uma língua por determinados grupos de fa-
lantes. Daí, podermos falar em dialeto carioca, dialeto gaúcho,
dialeto mineiro etc.

Atividade 3

Atende aos objetivos 1 e 2

Transcreva fonética e fonologicamente os dados. Certifique-se de que as


transcrições fonéticas estejam entre colchetes e as fonológicas entre barras.

Transcrição fonética Transcrição fonológica

panela

laço

liso

lazer

alado

tela

gula

placa

planeta

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Transcrição fonética Transcrição fonológica

biblioteca

colher

telha

calha

atalho

palhaço

abelhudo

pilha

Resposta comentada

Transcrição fonética Transcrição fonológica

panela ['El] /'El/

laço ['lasU] /'las/


liso ['lizU] /'liz/
[la 'zex]
lazer /la'zeR/
ou [la'ze]

alado [a'ladU] /a'lad/


tela ['E] /'El/
gula ['gu] /'gul/
placa ['pla] /'plak/
planeta [pla'ne] /pla'net/
biblioteca [biblio'E] /biblio ' Ek/
[ku'ljEx]
colher ou [ku'Ex] /ko 'ER/
[ku'ljE] ou [ku'E]

telha ['telj] ou ['t] /'t/


calha ['kalj] ou ['k] /'k/
[a'taljU] ou
atalho /a't/
[a'tU]

[pa' ljasU]
palhaço /pa 'as/
ou [pa'asU]

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Português V

Transcrição fonética Transcrição fonológica

[abe'ljudU]
ou [abe'udU]
abelhudo /abe'ud/
['be'ljudU]
ou [' be'udU]

['pilj]
pilha /'pL/
ou ['p]

Você deve ter constatado que a lateral alveolar, em posição pré-vocálica,


não sofre alteração em sua pronúncia. Por isso, os símbolos fonético [l]
e fonológico /l/ são os mesmos. No entanto, a lateral palatal pode apre-
sentar dois alofones – [lj] e [] – em variação livre. Ainda há a possibili-
dade de ocorrência de um terceiro alofone [y], presente, geralmente, na
fala de pessoa analfabeta e moradora da zona rural.

Consoantes fricativas

Figura 10.5: Na produção das consoantes fri-


cativas, a saída do ar é ligeiramente impedida
por uma constrição parcial da boca, dando-nos
a impressão de uma fricção.

25
Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

O grupo das consoantes fricativas, na língua portuguesa, é o mais ex-


tenso e complexo. Por isso, dividiremos essas consoantes em dois grupos:
1. conjunto das consoantes fricativas labiodentais // e // e das conhe-
cidas como sibilantes − /, , , /;
2. conjunto composto pelos segmentos [, , , ], que será estudado
junto com o conjunto dos róticos, ou seja, os sons que são represen-
tados na escrita pela letra r.

Consoantes fricativas labiodentais e sibilantes

Com relação ao primeiro caso, as labiodentais, sua pronúncia, em


posição pré-vocálica, é uniforme em qualquer variedade do portu-
guês, como ilustram os exemplos a seguir:

Transcrição Transcrição
fonética fonológica

faca ['fa] /' fak/

vaca ['va] /' vak/

sala ['sa] /' sal/

taça ['ta] / ' tas/

chave ['a] /' av/

xícara ['i] / ' ik/

Zeca ['E] / ' Ek/

exato [e'zatU] /e' zat/

gelo [' ZelU] / ' Zel/

jaca [' Za] /' Zak/

Como você pôde observar, os símbolos utilizados para representar as


fricativas nas transcrições fonética e fonológica são os mesmos. No entan-
to, você precisa prestar atenção na relação entre letra e som, pois, como
já falamos várias vezes neste curso, essa relação não é unívoca, ou seja, às
vezes uma letra pode representar mais de um fonema e vice-versa.
Observe, por exemplo, o caso das fricativas /, , , /. O fonema //
pode ser representado, na escrita, pelo dígrafo ch e pela letra x (como
nas palavras chave e xícara).

26
Português V

A letra x pode representar outros fonemas, como na palavra exa-


to, em que ela corresponde ao fonema //.

O fonema // é representado pela letra j (jaca) e pela letra g, quando


esta vem diante das vogais, e e i, como em gelo e girafa. Diversas letras
correspondem ao fonema //: céu, sala, açougue, extenso, ma ssa. O fone-
ma //, como você já viu, pode ser representado por x e também por s e z,
como em exame, casa e vazio. Por fim, cabe ressaltar que esse fonema
corresponde ao valor do s grafêmico entre vogais (a sa). Como você
pode perceber, é importante não se deixar influenciar pela escrita, uma
vez que nem sempre há correspondência unívoca entre letra e som.
Vamos exercitar, para não confundir?

Atividade 4

Atende aos objetivos 1 e 2

Com base no dialeto carioca, transcreva fonética e fonologicamente os


dados. Certifique-se de que as transcrições fonéticas estejam entre col-
chetes e as transcrições fonológicas entre barras.
Transcrição
Transcrição fonética
fonológica

folha

fica

figo

afago

visita

avesso

vacina

velho

27
Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

Transcrição
Transcrição fonética
fonológica

azedo

asilo

fazia

faça

chocolate

chiclete

mexerica

cassino

sopa

cela

zela

gema

jogada

jiló

ginecologia

Resposta comentada

Transcrição
Transcrição fonética
fonológica

folha [' fol] ou [ ' f] /'fL/

fica ['fi] / 'fik/

figo ['figU] /'fig/

afago [a 'fagU] /a 'fag/

visita [vi' zi] /vi'zit/

avesso [a'vesU] /a'ves/

vacina [va'si~] /va' sin/

velho ['EljU] ou ['LU] /' L/

azedo [a'zedU] /a 'zed/

asilo [a'zilU] /a 'zil/

28
Português V

Transcrição
Transcrição fonética
fonológica

fazia [fa' z] /fa 'zi/

faça [ 'fa] /'fas/

chocolate [Soko'latI] /Soko'lat/

chiclete [Si' kEtI] /Si 'kEt/

[meSe ' i]


mexerica /meSe 'ik/
ou [miSi ' i]

cassino [ka 'si~nU] /ka' sin/

sopa [ 'so] / 'sop/

cela [' E] /'El/

zela [' E] /'El/

gema [' Ze~] /'Zem/

jogada [Zo' ga] /Zo'gad/

jiló [Zi ' lO] /Zi ' l/

[Zinekolo ' Z]


ginecologia /Zinekolo' Zi/
ou [Zinikolo'Z]

Você deve ter constatado que, em posição pré-vocálica, as fricativas


/f, v, s, z, , / não sofrem variação dialetal e, por isso, utilizam-se os
mesmos símbolos nas duas transcrições. É interessante destacar a ocor-
rência das africadas nas palavras chocolate e chiclete.

Róticos

Esse grupo envolve todos os casos representados pelo grafema r e


apresenta um comportamento bastante variável, na maioria das vezes,
relacionado à variação geográfica. Existem vários segmentos sonoros
que podem ser representados por esse grafema:[, , , , , , ]. No
entanto, como afirmam Seara, Nunes e Lazzarotto-Volcão (2011, p. 39):

29
Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

Os estudos realizados até então levam a concluir que, na Língua


Portuguesa, só há um contraste significativo, aquele que se perce-
be em caro × carro ou em pares semelhantes. Tal contraste se dá
entre vogais e só entre vogais. Em outras posições, temos casos
de variação condicionada ou uma neutralização obrigatória em
favor de um fone ou outro, dependendo da região.

O que as autoras estão dizendo é que, em termos opositivos/contras-


tivos, só há oposição fonêmica entre os diversos róticos, no ambiente
intervocálico, como nos seguintes exemplos: careta × carreta, era × erra,
caro × carro. Esses pares mínimos atestam a distinção entre o r fraco e
o r forte. O r fraco relaciona-se ao tepe (tap) [] e ocorre em todos os
dialetos do português. Como você já estudou, o tepe se caracteriza por
ser um fonema em que a língua bate uma única vez nos alvéolos, daí
também ser conhecido como vibrante simples. Cabe enfatizar que não
se pode confundi-lo com a vibrante múltipla [r], também conhecida
como r forte. O tepe é um fonema que só ocorre entre vogais (para, tora,
cura) ou seguindo-se a uma consoante na mesma sílaba (cravo, através,
frevo), sendo sempre registrado na escrita com um único r. Como não
há variação na pronúncia do tepe nesses dois contextos, utilizamos o
mesmo símbolo para a transcrição fonética e fonológica: ['] /'/. O
chamado r forte, por sua vez, pode aparecer em diferentes contextos e
será explorado mais adiante.

O apresentador esportivo Galvão Bueno costuma produzir a vi-


brante múltipla [r] na frase “Errrrrgue o braço, o juiz”. Ao pro-
duzir o som correspondente à letra r, ele bate a ponta da língua,
várias vezes, nos alvéolos; daí, o nome de vibrante múltipla.

30
Português V

Atividade 5

Atende aos objetivos 1 e 2

Observe o texto abaixo. Em seguida, destaque as palavras que apresen-


tam tepe, registrando suas transcrições fonética e fonológica.

Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha


quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance conster-
nou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres to-
das. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma.
Consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral.
No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão
fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem al-
gumas lágrimas poucas e caladas... (ASSIS, 2005, p. 278).

Resposta comentada
No texto acima, encontramos algumas palavras que contêm tepe. Se-
guem abaixo seus registros fonético e fonológico:

Transcrição
Transcrição fonética
fonológica

hora ['] /'/

marido [m'idU] /m'id/

desespero [deze'pU] /dezeS'p/

choravam [S ' avaw] /' avaN/

mulheres [m 'IS] /m' eS/

amparando [amp 'andU] /aNp'aNd/

parecia [p 's] /p' si/

queria [k ' ] /k ' i/

era [ '] /' /

geral [' aw] / ' a/

para [ 'p] / 'p/

admira [ad' m] /a 'm/

lágrimas ['laIS] /' laimaS/

31
Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

Como você pode perceber, o tepe // ocorre no ambiente intervocálico


(entre duas vogais) ou em grupos consonantais.

Em posição pré-vocálica, o r forte pode ocorrer em início de palavra,


como em rato; em ambiente intervocálico, como em carro (no ambiente
intervocálico, o r forte sempre será representado pelo dígrafo rr) e, em
início de sílaba medial, como em Israel.
Esses contextos apresentam uma grande variação dialetal do chama-
do r forte e possibilitam a ocorrência de diversos alofones em variação
livre. Observe que, nesses ambientes, ocorre a neutralização entre o r
fraco e o r forte, tendo como resultado o arquifonema /R/.
Vejamos um exemplo: a palavra carrossel, transcrita fonologicamen-
te como /kaRo 'E/, apresenta várias realizações possíveis, como se
pode constatar nas transcrições a seguir: [karo ' ] (pronúncia gaú-
cha), [ko 'Ew] ou [kaxo ' Ew] (pronúncia carioca), [kao 'Ew] ou
[kaho' Ew] (pronúncia mineira), [ko'Ew] (pronúncia caipira).
A primeira transcrição corresponde à realização gaúcha de Porto Ale-
gre, uma vibrante múltipla [r]. Na segunda transcrição, que representa
a pronúncia carioca, temos a possibilidade de ocorrência dos dois fones
[] ou [x]. O mesmo ocorre em relação aos fones da pronúncia mineira
[, h]. Isso se deve ao fato de ambos constituírem um par de fones que
se distinguem apenas pelo traço de sonoridade. Veremos, mais adiante,
que, em posição final de sílaba seguido de consoante, a distribuição dos
segmentos [, x] e [, h] dependerá do traço de sonoridade da consoante
vizinha. Por exemplo, em carta, o rótico está diante de uma consoante
desvozeada /t/, já, em carga, o rótico precede uma consoante vozeada /g/.
No entanto, nos contextos intervocálicos (erra); início de palavra (rio)
e final de palavra absoluto (mar), há variação livre desses segmentos.
O retroflexo [], conhecido como r caipira, corresponde à fala do inte-
rior de São Paulo e sul de Minas Gerais. Vale lembrar que essa pronún-
cia retroflexa é bastante estereotipada e estigmatizada, principalmente na
mídia, quando se quer representar um personagem da área rural. Essa
postura é preconceituosa e deve ser rejeitada. Vamos exercitar essa impor-
tante característica nas transcrições?

32
Português V

Atividade 6

Atende aos objetivos 1 e 2

Com base no dialeto carioca, faça as transcrições fonética e fo-


nológica correspondentes ao r forte. Utilize o símbolo /R/ para o
arquifonema vibrante.

Transcrição
Transcrição fonética
fonológica

carro

burro

rima

rua

sorriso

jarra

arruda

barriga

rato

rede

Resposta comentada

Transcrição
Transcrição fonética
fonológica

carro ['kU] ou [' kaxU] /' kaR/

burro [' bU] ou ['buxU] /' buR/

rima [ 'i~] ou [ 'xi~] /' Rima/

rua [' ] ou ['x] / ' Rua/

sorriso [so 'izU] ou [so 'xizU] /so' Riz/

jarra [' Z] ou ['Za] /' ZaRa/

arruda [a 'u] ou [a'xu] /a' Rud/

barriga [ba'i] ou [ba ' xi] /ba ' Rig/

rato [' atU] ou ['xatU] /' Rat/

rede ['edI] ou [ ' xedI] / ' Red/

33
Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

Você deve ter constatado que, em posição pré-vocálica, ocorrem os alo-


fones [] e [x] em variação livre no dialeto carioca. O resultado da neu-
tralização desses segmentos é o arquifonema /R/.

Consoantes pós-vocálicas

Você viu que, em posição pré-vocálica, todas as consoantes do por-


tuguês podem ocorrer. No entanto, somente quatro segmentos podem
configurar em posição pós-vocálica, a saber: /l, S, R, N/. Veremos cada
um deles separadamente.

O /l/ pós-vocálico

Você aprendeu que, em posição pré-vocálica, o fonema lateral alveo-


lar vozeado /l/ pode ocorrer no início da sílaba (lado) ou como segunda
consoante da sílaba (claro). Nesses casos, a pronúncia, no território bra-
sileiro, é quase uniforme, variando apenas no segundo contexto em que,
na fala de algumas pessoas, pode ocorrer o fenômeno do rotacismo. No
entanto, em posição final de sílaba, essa realidade não é a mesma.
Pronuncie as seguintes palavras: mel, salvo, maldade. O que você ob-
servou em relação à pronúncia do segmento /l/: um som correspondente
à consoante lateral alveolar ou dental /l/ ou um som vocálico, correspon-
dente à vogal /u/? Provavelmente, você deve ter produzido a vogal u. Esse
processo de articular um segmento vocálico em lugar de um segmento
consonantal chama-se vocalização. O símbolo fonético usado para ex-
pressar a vocalização da lateral /l/ é [w], como em [ 'saw]. Essa é a reali-
zação típica da maioria dos falantes do português do Brasil. No entanto,
em certos dialetos do sul do Brasil e de Portugal, costuma-se produzir
uma consoante lateral velarizada sinalizada pelo símbolo fonético [].
Ocorre, nesse caso, uma consoante lateral alveolar ou dental articulada
juntamente com a propriedade articulatória secundária de velarização. O
quadro a seguir ilustra essa variação dialetal.

34
Português V

Quadro 10.3: Realização da lateral /l/ em final de sílaba

Transcrição fonética Transcrição


Ocorrências
Dialeto carioca Dialeto gaúcho fonológica

mel ['Ew] [ '] /'E/

salvo [' sawvU] ['svo] /' salv/

maldade [maw 'dadI] [m 'dade] /mal' dad/

Assim, tanto a velarização como a vocalização da consoante lateral


/l/ ocorrem no contexto de posição final de sílaba. Como você viu, nos
demais ambientes fonéticos, ocorre a consoante lateral /l/. Isso revela
que os alofones [l, , w] estão em distribuição complementar, já que
ocorrem em ambientes exclusivos. Por isso, eles são denominados alo-
fones (ou variantes) posicionais. Agora, vamos exercitar?

Atividade 7

Observe o trecho abaixo:

Dorinha era o seu amor jamais esquecido ou, melhor, a sua


dor-de-cotovelo confessa e imortal. Que idade teria ela, no mo-
mento? Uns vinte e cinco anos. Tinham se namorado na adoles-
cência. Por um motivo bobo, haviam brigado. E quando Aristi-
des, devorado pela nostalgia, quis voltar, ela já estava apaixonada
por um outro, o Gouveia. Durante uns seis meses, Aristides
andou pensando, dia após dia, em meter uma bala na cabeça.
Acabou renunciando ao suicídio, mas ficou-lhe, para sempre, o
sofrimento surdo. Dorinha casara-se com o Gouveia, tinha dois
filhos de Gouveia. E sempre que a via, acidentalmente, na rua,
Aristides precisava tomar um pileque dantesco. E, súbito, ela te-
lefona, a inesquecível, a insubstituível Dorinha! (RODRIGUES,
1993, p. 103).

Identifique, no trecho anterior, as palavras que contêm a consoante la-


teral /l/ pós-vocálica e faça suas transcrições fonética e fonológica, com
base no dialeto carioca.

35
Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

Resposta comentada
No dialeto carioca e na maioria dos dialetos, a lateral /l/ se realiza como
uma vogal, representada pelo símbolo [w]. É interessante notar que,
foneticamente, criam-se, nesses casos, ditongos (vogal + semivogal),
como em: ca-nal (nau), mil (miu), vul-to (vuu).
Observe abaixo as palavras que contêm essa consoante no trecho
citado anteriormente:

Transcrição fonética Transcrição fonológica

nostalgia [noSta' Z] /noSta ' Zi/

voltar [vo'tax] /vo'taR/

acidentalmente [asidenta 'mentI] /asideNta ' meNt/

inesquecível [ineSk 'sivew] /ineSk 'sive/

insubstituível [insubiStSit ' ivew] /iNsubStit 'ive/

O arquifonema /S/

Como você já viu, os segmentos [s], [], [z], [Z] são fonemas distintos
na língua portuguesa, já que podemos encontrar inúmeros pares míni-
mos que evidenciam a presença de tais fonemas na língua, tais como Sá,
chá, e já; Zé e Sé etc.
Tais fonemas, porém, ao se apresentarem em posição final de sílaba,
perdem suas propriedades distintivas, tendo seus traços distintivos neu-
tralizados, e passam a ser possíveis alofones em tal contexto.
Essa neutralização pode ocorrer tanto em final de sílaba interna,
como, em fes-ta, quanto em final de sílaba final, como em mas. A neu-
tralização dessas fricativas terá como resultado o arquifonema /S/ em
contexto de coda silábica.
Em posição medial de palavra, podem ocorrer os quatro segmentos
fricativos [s, z, , ] sem alteração de significado. Esse fenômeno ocor-
re, por exemplo, na palavra vesgo. O arquifonema |S| corresponde à neu-
tralização que gera as possíveis realizações [z] ou [] em contexto final
de sílaba interna anterior à consoante com traço [+ sonoro]: ['vezgo],
na realização gaúcha, por exemplo, ou [' vejgU], na realização carioca.

36
Português V

Observe que, embora a escrita ortográfica registre s nessa pala-


vra, as realizações [s] e [] só seriam possíveis diante de contexto
[– sonoro] ou pausa de sílaba final, como em [' fES] ou [ 'ma]. Nes-
se contexto, esses segmentos vão assimilar o traço +/− vozeado da
consoante vizinha. Se a consoante seguinte for [+ vozeada], a sibilan-
te também será [+vozeada]; se a consoante vizinha apresentar o traço
[– sonoro], o segmento sibilante também irá apresentá-lo.

Assimilação é o nome de um processo fonológico bastante atuante


na história da língua portuguesa. Ocorre quando um segmento
adquire, parcial ou totalmente, as características articulatórias
de um som vizinho. Um exemplo de assimilação parcial é a
nasalização de vogais orais quando estão diante de consoantes
nasais, como em ganha.
Nesse caso, a vogal oral tônica /a/ apresenta uma pronúncia nasa-
lizada porque está próxima à consoante nasal //, sendo represen-
tada foneticamente [ 'ga~]. Um exemplo de assimilação total é a
redução da terminação de verbo no gerúndio -ndo para -no como
em falano, gritano e correno. Nesse caso, ocorre a assimilação do
[d] pelo [n] (note que esses dois sons possuem o mesmo pon-
to de articulação, ambos são alveolares ou dentais), tendo como
resultado o [n] duplo. Logo depois, esse [n] duplo se simplifica:
-nd- > -nn- > -n-.

Assim, no contexto medial das palavras, os segmentos [s] e [] vão


ocorrer quando a consoante vizinha for desvozeada, e [z] e [], quando
a consoante seguinte for vozeada. Falantes mineiros, paulistas e gaú-
chos, por exemplo, optam, nessa posição, pelas fricativas alveolares
[s, z], enquanto falantes cariocas produzem as fricativas alveopa-
latais [, ]. O quadro a seguir ilustra a distribuição dialetal das
fricativas sibilantes.

37
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Aula 10 • 

Quadro 10.4: Realização das fricativas em final de sílaba medial

Transcrição fonética Transcrição


Ocorrências
Dialeto mineiro Dialeto carioca fonológica

castelo [kas 'ElU] [kaS'ElU] /kaS'El/


asma ['az] ['aZ] /'aSm/
fósforo [ ' fOsfU] ['fOSfU] / 'fOSf/
[dez ' viU] [deZ'viU]
desvio /deS 'vi/
[diz 'viU] [dZiZ'viU]

Como você pode constatar, as fricativas desvozeadas [s, ], em síla-


bas mediais, ocorrem diante de consoantes desvozeadas, como em cas-
telo e fósforo; as fricativas vozeadas [z, ] ocorrem diante de consoantes
vozeadas, como em asma e desvio.
Em contexto final de palavra, há a realização das fricativas desvo-
zeadas [s, ]. A escolha de uma ou de outra dependerá do dialeto: no
dialeto carioca, há preferência pela fricativa alveopalatal []; nos diale-
tos mineiro e paulista, ocorre a fricativa alveolar [s]. No entanto, se as
palavras terminadas por fricativas vierem seguidas de outras palavras,
sem pausa entre elas, o fenômeno da assimilação também ocorre.
Com base no dialeto carioca, observe os três casos abaixo:
1. casas novas ['kazaZ'vS]
2. casas pequenas [' kazaSpe'ke~n]
3. casas altas ['kazaza'zS]
• Em 1, temos uma palavra terminada por consoante fricativa e outra
iniciada por uma consoante vozeada. Nesse caso, a fricativa assimi-
lará o traço [+ sonoro] da consoante seguinte e será realizada como
uma fricativa vozeada [];
• Em 2, temos uma palavra terminada por consoante fricativa e a ou-
tra iniciada por uma consoante desvozeada. Nesse caso, a fricativa
assimilará o traço [– sonoro] da consoante seguinte e será realizada
como uma fricativa desvozeada [];
• Em 3, temos uma palavra terminada por consoante fricativa e a outra
iniciada por uma vogal. Nesse caso, ocorre o fenômeno da ressilabação,
ou seja, a consoante final de uma sílaba se junta a uma vogal da sílaba
seguinte, formando uma nova sílaba consoante-vogal (na leitura, será

38
Português V

ca-sa-sal-tas). Esse fenômeno se chama destravamento silábico (sílaba


travada, terminada por consoante, passa a sílaba aberta, terminada por
vogal). Nesse contexto, a fricativa desvozeada passa a fricativa alveolar
vozeada [z].
Após esse volume de informações, vamos exercitar!

Atividade 8

Atende aos objetivos 1 e 2

Faça as transcrições fonética e fonológica das palavras a seguir, a partir


de orientações quanto à realização sociolinguística das sibilantes. Ob-
serve a sonoridade.

Transcrição fonética Transcrição


Ocorrências
Dialeto mineiro Dialeto carioca fonológica

castelo

pasta

asma

esgoto

vespa

lesma

ósculo

bisteca

capaz

mês

mês bonito

mês passado

mês alegre

Resposta comentada

Transcrição fonética Transcrição


Ocorrências
Dialeto mineiro Dialeto carioca fonológica

castelo [kas 'ElU] [kaS ' ElU] /kaS 'tlo/

39
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Transcrição fonética Transcrição


Ocorrências
Dialeto mineiro Dialeto carioca fonológica

pasta [ 'pas] [' paS] /' paSta/

asma [ ' az] [ 'aZ] / 'aSma/

[ez 'gotU] [eZ ' gotU]


esgoto /eS 'goto/
[iz 'gotU] [iZ 'gotU]

vespa [ 'ves] ['veS] / 'veSpa/

lesma [ 'lez] [ 'leZ] / ' leSma/

ósculo [' OskUlU] [ 'OSkUlU] / ' Skulo/

bisteca [bis'E] [biS'E] /biS 'tka/

capaz [ka ' pajs] [ka ' pajS] /ka ' paS/

mês ['mes] [ ' meS] /'mêS/

mês bonito [' mezbU 'nitU] [' meZbU 'nitU] /'meSbo'nito/


mês pas-
[ 'mespa 'sadU] [ ' meSpa ' sadU] /' meSpa'sado/
sado

mês alegre ['meza' EgI] ['meza' EgI] /'meSa' lge/

Observe que é preciso conferir se o fonema que segue a fricativa é sono-


ro ou não, para estabelecer o símbolo da transcrição fonética adequado.
Você também deve ter prestado atenção à ocorrência do processo de
assimilação em mês passado (fricativa desvozeada seguida de consoante
desvozeada); mês bonito (fricativa vozeada seguida de consoante vozea-
da) e mês alegre (ocorre a ressilabação: me-sa-le-gre). Um fenômeno in-
teressante, que merece comentário neste último exemplo, é o da diton-
gação, processo pelo qual há a inserção de uma semivogal nas palavras
terminadas por consoantes fricativas, desde que sejam monossílabas
tônicas: mês; ou oxítonas: capaz. Para representar a semivogal, utiliza-se
o símbolo [j]: [  'mej] e [ka'  paj].

O arquifonema /R/

Você já sabe que os róticos (segmentos representados pela letra r)


apresentam um comportamento bastante variado na língua portuguesa.
No entanto, em termos distintivos, temos a oposição entre r forte e r fra-

40
Português V

co apenas no ambiente intervocálico (carro × caro). Na posição de coda


silábica, ocorre a neutralização entre os diversos segmentos consonan-
tais, representados ortograficamente pela letra r [, x, , h, , , , r],
apresentando como resultado o arquifonema /R/. Assim como os seg-
mentos sibilantes, na posição de coda silábica, os róticos também vão
assimilar o traço de sonoridade da consoante seguinte. Observe o qua-
dro a seguir:

Quadro 10.5: Distribuição dos róticos em coda silábica

Transcrição fonética
Transcrição
Ocorrências
Dialeto Dialeto Dialeto fonológica
Dialeto carioca
mineiro gaúcho de Portugal

porta [' pOx] [' pOh] [' pOr] ['p] /'pRta/

borda ['b] [ 'bO] [ 'bOr] [ 'b] /'bRda/

carpete [kax'EtI] [kah ' Et] [kar' Ete] [k 'Et] /kaR 'pte/

caderno [ka'nU] [ka ' EnU] [ka 'ErnU] [ka 'nU] /ka 'dRno/

mar [' max] [' mah] [' mar] [ 'm] / 'maR/

mar verde [ 'm 'vdI] [ 'ma'vedI] ['mar'verde] ['m'vdI] /'maR'veRde/

mar feroz [ 'maxfe 'OjS] ['mahfe 'Ojs] [' marfe'Ojs] ['mfe 'Oj] /'maRfe'S/

mar alto [' ma' awtU] [ 'ma ' awtU] [ 'ma'tU] ['ma'altU] /'maR ' alto/

O Quadro 10.5 apresenta a variação dialetal do r ortográfico em final


de sílaba. Observe que, nos dialetos carioca e mineiro, ocorre a assimila-
ção do traço +/− sonoro da consoante seguinte ao rótico. Assim, diante
de consoantes vozeadas, ocorrem os segmentos vozeados [, ]; diante
de consoantes desvozeadas, ocorrem os segmentos desvozeados [x, h].
O mesmo acontece em casos de palavras terminadas por r, seguidas de
palavras sem pausa. O segmento representado pelo r assimilará o traço
+/− sonoro da consoante seguinte. Em mar verde, podem ocorrer as
fricativas vozeadas, [, ], porque a consoante seguinte é [v], vozeada.
Em “mar feroz” podem ocorrer as fricativas desvozeadas [x, h], porque
a consoante seguinte é [f], desvozeada. Em mar alto, ocorre o processo
de ressilabação por juntura, o som representado pela letra r migra para
a sílaba seguinte e se torna uma vibrante simples [] – o que justifica a
presença do arquifonema |R| na transcrição fonológica, devido à neu-
tralização entre os chamados r forte e r fraco nesse contexto.

41
Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

No entanto, no caso do dialeto gaúcho e em Portugal, não há pre-


ocupação com a sonoridade, por se tratar de segmentos soantes [r]
e [], respectivamente. Em relação à distinção vozeado/desvozea-
do do r ortográfico, Cristófaro Silva (2003, p. 50) nos oferece uma
importante explicação:

Quanto ao r, não temos um par de palavras em que a distinção


de vozeamento se faz relevante (como para s/z temos “selo/zelo”
ou “chá/já”). Portanto, percebemos auditivamente os sons de r da
mesma maneira. Contudo, representaremos os sons de r fricati-
vos em final de sílaba por um símbolo vozeado ou desvozeado
dependendo do vozeamento da consoante que o segue. [...] Vale
ressaltar que as observações de vozeamento do s e r ortográfi-
cos discutidas acima podem ser corroboradas por análises ex-
perimentais em que o vozeamento dos segmentos é observado e
quantificado. O fato de falantes do português perceberem audi-
tivamente o vozeamento/desvozeamento de s em final de sílaba
e não perceberem auditivamente o vozeamento/desvozeamento
de r em final de sílaba caracteriza uma especificidade da distri-
buição consonantal do português.

Assim, você só saberá qual símbolo fonético será usado para repre-
sentar o r ortográfico em final de sílaba identificando o traço de sonori-
dade da consoante seguinte. Para facilitar essa identificação, você pode
consultar a tabela consonantal da Aula 3.
Finalmente, em relação aos róticos, cabe ainda observar o apaga-
mento do rótico em final de palavra, tendência muito comum no PB,
que acontece geralmente em verbos, mas não se limita a eles. Tem-se,
por exemplo, andá (andar), parti (partir), vendê (vender), amô (amor)
etc. Agora, vamos exercitar!

Atividade 9

Atende aos objetivos 1 e 2

Observe as palavras a seguir e transcreva adequadamente os róticos,


tendo em vista a realização sociolinguística, presente no exercício, e o
traço de sonoridade do fonema seguinte:

42
Português V

Transcrição fonética
a) porta po[ ]ta (realização carioca)
b) carta ca[ ]ta (realização gaúcha)
c) martelo ma[ ]telo (realização mineira)
d) carga ca[ ]ga (realização do interior de São Paulo)

e) largo la[ ]go (realização carioca)

f) amargo ama[ ]go (realização mineira)


g) verde ve[ ]de (realização gaúcha)
h) margem ma[ ]gem (realização carioca)
i) Vargas Var[ ]gas (realização mineira)
j) pardo pa[ ]do (realização carioca)

Resposta comentada
Note que é preciso conferir se o fonema que segue o rótico é sonoro ou
não, para estabelecer o símbolo da transcrição fonética adequado. As-
sim, seguem as respostas corretas:
a) po[x]ta (realização carioca), já que /t/ é [– sonoro].
b) ca[r]ta (realização gaúcha). No caso da vibrante, não há preocupação
com a sonoridade, por se tratar de uma soante.
c) ma[h]telo (realização mineira), já que /t/ é [– sonoro].
d) ca[]ga (realização do interior de São Paulo), retroflexa.
e) la[]go (realização carioca), já que /g/ é [+ sonoro].
f) ama[]go (realização mineira), já que /g/ é [+ sonoro].
g) ve[r]de (realização gaúcha).
h) ma[]gem (realização carioca), já que // é [+ sonoro].
i) Var[]gas (realização mineira), já que /g/ é [+ sonoro].
j) pa[]do (realização carioca), já que /d/ é [+ sonoro].

43
Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

O arquifonema /N/

Em contexto de final de sílaba, também podem ocorrer as consoan-


tes /m, n, /, como em campo/canto/gancho, respectivamente. Como
você já estudou, essas consoantes são fonemas distintos em português.
No entanto, em coda silábica, elas se neutralizam (deixam de ser distin-
tivas), e o resultado é o arquifonema nasal /N/.
Nessa posição, essas consoantes sofrem também assimilação; no en-
tanto, em vez de elas assimilarem o traço de sonoridade da consoante
seguinte, como no caso dos róticos e das sibilantes, vão assimilar o pon-
to de articulação do segmento que as segue. Retomando os exemplos
anteriores, temos:
campo - [ ' ka~pU]
canto - [ ' ka~ntU]
gancho - [ 'ga~U]
Você pode observar que, em campo, a consoante nasal [m] assimila o
ponto de articulação [+bilabial] da consoante inicial da sílaba seguinte [p].
Em canto, a consoante nasal [n] assimila o traço [+alveolar] da consoante
seguinte [t] e, por último, em gancho, a consoante nasal [] assimila o traço
[+palatal] da consoante que a segue, []. É interessante comentar que a nos-
sa ortografia evidencia esse processo de assimilação quando diz que diante
de p e b, se usa m; diante das outras consoantes, se usa n.
No entanto, como afirma Cristófaro Silva (2003), do ponto de vis-
ta fonético, não há como atestar, em português, a ocorrência de con-
soantes nasais pós-vocálicas; daí, utilizarmos um símbolo sobrescrito
para representar esses segmentos. Você pode comprovar isso separan-
do as sílabas das palavras acima e pronunciando-as separadamente:
cam-po; can-to; gan-cho. Se isolarmos as sílabas (cam/can/gan), não
perceberemos a diferença articulatória das “supostas” consoantes
nasais. É importante também observar a presença do til (~) na vogal que
precede a consoante nasal, isso porque o som vocálico assimila o traço
de nasalidade da consoante. Na próxima aula, quando falarmos sobre
vogais nasais, retomaremos essa questão do arquifonema nasal /N/. Por
hora, vamos exercitar?

44
Português V

Atividade 10

Atende aos objetivos 1 e 2

Com base no dialeto carioca, transcreva fonética e fonologicamente as


palavras a seguir, observando o comportamento das consoantes nasais
pós-vocálicas:

Transcrição fonética Transcrição fonológica

tambor
trompete
tímpano
cambista
pinta
tenda
cancelar
confete

Conrado

concha

tangerina

ângulo

concurso

Resposta comentada

Transcrição fonética Transcrição fonológica

tambor [ta~'box] ou [ta~ ' bo] /taN ' boR/

trompete [to~m ' pt] /toN' pEte/

tímpano [ 'ti~panU] / 'tiNpano/

cambista [ka~ ' bit] /kaN ' biSta/

pinta [ 'pi~nt] /'piNta/

tenda [ 'te~nd] / ' teNda/

45
Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

Transcrição fonética Transcrição fonológica

cancelar [ka~nse' lax] ou [ka~nse 'la] /kaNse' laR/

confete [ko~n ' ft] /koN ' fte/

Conrado [ko~' xadU] /koN' Rado/

concha [ ' ko~] / 'koNa/

tangerina [ta~e'i~n] /taNe' ina/

ângulo [' a~gUlU] / 'aNgulo/

concurso [ko~ ' kuxsU] /koN ' kuRso/

Veja que a nasal bilabial [m] ocorre antes das bilabiais [p, b]; a nasal
alveolar (ou dental) [n] ocorre diante de sons alveolares, como [t, d, s,
f]; a nasal palatal [] ocorre diante de sons mais posteriores, como as
consoantes alveopalatais, velares, glotais e uvulares. No exercício, apare-
cem as consoantes alveopalatais [, ] e as velares [k, g, x].

Conclusão

Nesta aula, você aprendeu o comportamento fonético-fonológico


das consoantes do português brasileiro. Viu que esses segmentos apre-
sentam uma grande variação fonética em virtude de fatores extralin-
guísticos, como região geográfica, grau de escolaridade e classe social, e
de fatores linguísticos, como a posição silábica que esses sons ocupam.
Isso comprova a heterogeneidade da língua portuguesa.

Atividade final

Atende aos objetivos 1 e 2

Ao longo desta aula, estudamos e analisamos o conceito de assimilação,


utilizando como base casos próprios da língua portuguesa falada no
Brasil. Por se tratar de um importante conceito fonético, é fundamental
que você o compreenda e seja capaz de identificá-lo. Então, explique o
conceito de assimilação com suas palavras, considerando todos os casos
possíveis, e exemplifique cada um desses casos.
46
Português V

Resposta comentada
Assimilação é uma alteração sofrida por um fonema em contato com
um som vizinho; geralmente, ambos compartilham alguns traços ar-
ticulatórios em comum. A assimilação pode ser total, quando um som
assimila completamente as características de outro som, ou pode ser
parcial, quando um segmento adquire apenas alguns traços do outro
segmento. Um exemplo de assimilação total é o que ocorre com a ter-
minação -ndo dos verbos no gerúndio. Como [n] e [d] compartilham
algumas características, como ponto de articulação (alveolar ou den-
tal) e vozeamento, [n] acaba assimilando [d] e se tornando igual a ele;
exemplos: [ko 'xe~nU] /ko ' ReNdo/, [ 'i~nU] / 'iNdo/. Um exemplo de as-
similação parcial ocorre com as fricativas sibilantes em final de sílaba
/s, z, , /. Esses segmentos assimilam o traço de sonoridade da conso-
ante que os segue. As palavras costa e rasgado ilustram esse fenômeno.
A fricativa, representada pelo s ortográfico, em costa, assimila o traço
[− sonoro] da consoante seguinte [t] e pode ser transcrita como [s] ou
[], dependendo do dialeto: [' kst] ou [ 'kt]. Na palavra rasgado, a
fricativa assimila o traço [+sonoro] da consoante seguinte [g] e pode ser
transcrita como [z] ou []: [xaz' gadU] ou [xa'gadU].

47
Aula 10 • Descrição dos segmentos consonantais
Aula 10 • 
Aula 10 • 

Resumo

Nesta aula, você aprendeu que todas as consoantes do PB, 19 no to-


tal, /p, b, t, d, k, g, f, v, s, z, , , m, n, , l, , , R/, podem
ocorrer em posição pré-vocálica, contexto que favorece a ocorrên-
cia de diversos alofones em variação livre. No entanto, em posi-
ção pós-vocálica, somente ocorrem quatro segmentos consonantais
/l, S, R, N/. A lateral apresenta três alofones posicionais [l, , w].
Os outros fonemas apresentam neutralização nesse contexto e, por
isso, têm como resultado os arquifonemas /S, R, N/. As fricativas
/s, z, , / se neutralizam e apresentam como resultado o arquifonema
sibilante /S/; o grupo dos róticos apresenta neutralização entre r forte e
r fraco, resultando no arquifonema vibrante e, por fim, o arquifonema
nasal /N/, é resultado da neutralização dos fonemas /m, n, /.

48
Universidade Federal Fluminense
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas
Setor de Língua Portuguesa – Língua Portuguesa V
Professoras: Glayci Xavier e Welton Pereira

SISTEMA CONSONANTAL DO PORTUGUÊS

➢ A consoante é um fonema de natureza assilábica – isto é, não pode constituir sílaba; atua apenas nos
seus pontos periféricos (assim como a semivogal ou glide), enquanto a vogal é sempre a base silábica.
➢ “Embora todas as consoantes portuguesas possam aparecer em posição pré-vocálica, somente
algumas situam-se em posição pós-vocálica, ressaltando-se que umas outras sofrem restrição para
figurar na sílaba inicial da palavra (...)” (CAVALIERE, 2005, p. 103).
➢ O português brasileiro possui 19 fonemas consonantais.

Quadro das consoantes (IPA):


ROBERTO, Tania Mikaela Garcia. Fonologia, fonética e ensino: guia introdutório. São Paulo: Parábola, 2016.
As consoantes em posição intervocálica: este é o contexto em que aparece o maior número de consoantes: 19.

Quadro 1 – consoantes intervocálicas

/p/, /b/, /f/, /v/, /m/

/t/, d/, /s/, /z/, /n/, /l/, //

/k/, /g/, //, //, /ʎ /, /ɲ/

As consoantes em contextos pré-vocálicos: há uma redução do número de consoantes nesta posição

Quadro 2 – consoantes pré-vocálicas

Em CV: quadro (1), exceto //, /ʎ/*, /ɲ/**

Como segunda consoante em CCV: somente /l/ e //

*Em PB, temos palavras como “lhe” (pronome oblíquo, do latim “illi”) e “lhama” (espécie animal, do espanhol “llama”).
**Em PB, temos “nhoque” (tipo de comida, do espanhol “gnocchi”) e algumas palavras de origem indígena. Podem aparecer com um “i” inicial (prótese).

As consoantes em contextos pós-vocálicos: também há uma redução no número de consoantes, restando


apenas quatro.
Quadro 3 – consoantes pós-vocálicas

/S/, /N/, /R/, /l/

As variantes do sistema consonantal:


- o “l” pós-vocálico, que pode ser realizado como alveolar (ma[l]), velar (ma[] ou vocalizado (ma[w]).
Todavia, a representação fonológica será como /l/, uma vez que as três formas variantes não criam contrastes
em outros contextos (por isso se trata de uma alofonia posicional);
- o “s” pós-vocálico, que pode ser realizado como sibilante ou chiante, conforme a variedade (pa[s] ou pa[];
mo[s]ca ou mo[]ca); surdo ou sonoro, conforme o contexto (te[s]ta ~ te[]ta; ra[z]go ~ ra[]go). A
representação fonológica será pelo arquifonema /S/, já que as sibilantes e chiantes se opõe nos contextos pré
e intervocálico;
- o “r” em posição pré-vocálica (CV) e pós-vocálica, que pode ser realizado como vibrante múltipla
([r]ápido, amo[r]); fricativa velar ([x]ápido, amo[x]); fricativa glotal ([h]ápido, amo[h]), como tepe (amo[],
ma[]), como retroflexo (amo[], ma[]). A representação fonológica, nesses dois contextos, se dará pelo
arquifonema /R/. No contexto intervocálico, em que há oposição entre o tepe e as formas de “r” forte (muro
vs. murro), o contraste se dará entre // e /R/: mu//o, mu/R/o;

- a nasal pós-vocálica, que tem sua pronúncia condicionada pelo segmento que inicia a sílaba seguinte:
ca[m]po, ca[n]to, ca[]ga. Representação fonológica: /N/;
- “t” e “d” diante de “i”, que podem ser realizados como africados ([t]ime, [d]ia); alveolares ([t]ime,
[d]ia) ou como dentais [t]ime, [d]ia). Representação fonológica: /t/. As formas alternantes não criam
contrastes em outros contextos.
Outras terminologias empregadas com frequência:
(a) Líquidas: vibrantes (múltipla e simples) e laterais.
(b) Obstruintes: oclusivas, fricativas e africadas.
(c) Sibilantes: fricativas e africadas.
(d) Soantes: vogais, semivogais, líquidas e nasais.
(e) Róticos: no PB, os fonemas /ɾ/ e /r/.

Casos de alofonia:
- posicional – distribuição complementar:
✓ /t/: [ʧ] diante de [i, ɪ]; [t] diante das demais vogais
✓ /l/ em posição final de sílaba: [ɫ] (lateral alveolar ou dental velarizada) – sul do Brasil e Portugal; [w]
(vocalização).
- livre:
✓ /ʎ/ - lateral palatal: [ʎ, lj, y] – palha (variação diatópica e diastrática);
✓ /ɲ/ - nasal palatal: [ɲ, ŷ] – banha (variação diatópica);
✓ /r/ - “R forte” em posição inicial e intervocálica: [X, h, ř] – ver item 1.1.3 (Obs: comparar com o caso de
neutralização);

Casos de neutralização – arquifonemas:


• /S/ em travamento de sílaba ou coda silábica;
• /N/ representando nasalização pós-vocálica;
• /R/ em posição final de sílaba (“R pós-vocálico”): tepe /ɾ/ e uma das diversas realizações do “r forte”
– [X, ɣ, h, ɦ] ou o retroflexo [ɻ] .

Grupos consonantais
“Denomina-se grupo consonantal (também grupo consonântico, encontro consonantal) a
sequência de duas ou mais consoantes pronunciadas em segmento imediato no vocábulo” (CAVALIERE,
2005, p. 118). Os grupos consonantais podem ser:
A- inter-silábicos: as consoantes pertencem a sílabas distintas. Algumas especificidades:
• em português, sua primeira consoante costuma ser um arquifonema sibilante – fes-ta, pos-te, gos-to
– ou uma líquida – cal-ma, por-ta. Sobre o exemplo “calma”, observe que “(...) em grande segmento
geolinguístico brasileiro (...), não se pode falar de grupo consonantal em palavras como melro e caldo,
já que a pronúncia nos leva a um ditongo decrescente”: [‘mɛw.hʊ], [‘kaw.dʊ] (p. 119);
• caso se considere a proposta do arquifonema nasal /N/, há também a sequência iniciada pela consoante
nasal: campo, tonto.
B- intrassilábicos: as consoantes fazem parte da mesma sílaba. Elas podem aparecer:
• em posição pré-vocálica crescente: pre-go. Maior frequência: consoante oclusiva ou fricativa
labiodental + consoante líquida = crase, blusa, fresta, livro, inflação;
• em posição pós-vocálica decrescente: pers-picaz etc;

Nos grupos intrassilábicos pré-vocálicos, “é comum a ocorrência de uma vogal epentética (...), fato
que resulta numa verdadeira ‘destruição’ desses grupos do ponto de vista fonético. Por tal motivo, costuma-
se dizer que, no padrão ortoépico brasileiro, os grupos pré-vocálicos são meramente gráficos, preservados
pela tradição normativa” (CAVALIERE, 2005, p. 119). Ex: pneu – [pɪ.‘new]; advogado - [a.dɪ.vo.‘ga.dʊ];
optar - [o.pɪ.‘tah]; estagnar - [ɪs.ta.gɪ‘nah]. Variação diastrática: tendência ao aparecimento da média alta [e].
As vibrantes em Português

1. Contextos
1.1 Contexto de oposição fonológica: /  / /R /
(a) Inicial de sílaba intervocálico: ca/  /eta x ca/ R /eta (careta / carreta)

1.2 Contextos de neutralização : /R/


• Pré-vocálico (b) inicial de vocábulo : roda (c) medial de vocábulo : Israel, guelra, honra
• Pós-vocálico (d) medial de vocábulo: carne, carta (e) final de vocábulo: mar, comer

2. Breve histórico

2.1 Em latim,
→ “segundo se pode inferir das línguas românicas, houve duas variantes: uma alveolar sonora
monovibrante e uma alveolar sonora polivibrante. Esta se encontrava em posição intervocálica, segundo
indicava o rr duplo, geminado. O r nas outras posições era simples.” (Callou, 1987, p. 19)
Assim, em posição intervocálica, era possível estabelecer oposição significativa por meio de uma vibrante
simples (grafada com um r) ou uma vibrante geminada – duas consoantes com articulação idêntica – (grafada
com dois -rr), como se verifica nos exemplos: ferum (feroz) e ferrum (ferro).

2.2 Na Península Ibérica,


(a) “o r monovibrante evoluiu para um r polivibrante em certas posições (inicial e precedida de L, N, S,).
A articulação polivibrante deve ter-se estendido primeiro à posição inicial, “lugar em que à intensidade da
explosão silábica se une a intenção do grupo de intensidade”.
(b) só depois às outras posições explosivas”. (Callou, 1987, p. 19)

2.3 Em Português,
(a) Fernão de Oliveira (1536), na Gramática da linguagem portuguesa, menciona dois tipos de r, o singelo
(r) e o dobrado (rr), o que é corroborado por outros gramáticos da época, como João de Barros (1540) e
Duarte Nunes de Lião (1606).
(b) Gonçalves Viana, em 1883, observa que a norma de pronúncia do r, parecia estar mudando, pois já
ouvia alguns portugueses concretizarem o r como vibrante uvular. Menciona, ainda, a pronuncia do r inicial
como uma fricativa sonora, concretização que ele considerava, naquela ocasião, rara em Portugal, mas
frequente na pronúncia de brasileiros. (Viana, 1973, p. 102). Em 1902, ainda reportando-se a Portugal,
afirma que a concretização uvular se difundia cada vez mais nas cidades, sendo, entretanto, considerada
viciosa.

3. Interpretação de Mattoso Câmara Jr.

Mattoso, em 1953, em Para o estudo da fonêmica portuguesa, apresenta uma interpretação fonológica da
vibrante que reformula na segunda versão (1977) da mesma obra

3.1 Primeira interpretação (1953):


Existe um único fonema vibrante (o forte). A vibrante branda seria uma variante posicional enfraquecida
do r forte.
Argumentos que sustentam essa posição:
• Em latim, em situação intervocálica, existia um r simples e um geminado (rr) para estabelecer
oposições, o que “não se trata, como entre nós, de um /r/ longo ou múltiplo em contraste com um /r/
simples, senão de um grupo de duas consoantes iguais, entre as quais incide a fronteira silábica, à
maneira de qualquer outra geminação”. (Câmara Jr., 1953, p. 106)
• Na passagem do latim ao português, houve a anulação fonética do primeiro elemento da geminação
consonântica, que “continua a ser a regra viva em português”. (Câmara, 1953, p. 107)
• “A persistência fonética do primeiro membro de uma geminação verifica-se apenas, de maneira
atenuada, em caso de delimitação vocabular” (Câmara, 1953, p.109). [compare-se ar roxo x
arrocho]

3.2 Segunda interpretação (1977)


Existem duas vibrantes: a ântero-lingual ( / / ) e a póstero-lingual ( / R/ ), que “só se opõem em situação
intervocálica, com neutralização em outras posições, inclusive na posição mais favorável para a nitidez
das consoantes, que é a inicial e onde só aparece / R/ forte”. ” (Câmara, 1977, p. 79).

4. Modalidades de concretização
4.1 O chamado r brando, fraco ou simples concretiza-se como tepe alveolar [  ]
4.2 O chamado r forte pode concretizar-se como:

• vibrante alveolar • fricativa velar surda ou sonora • fricativa glotal surda ou sonora
[r] [x] / [ɣ] [h] / [ɦ]
• vibrante uvular • fricativa uvular surda ou sonora • aproximante retroflexa
[ ʀ] [χ] / [ʁ] []

• Há contextos, como o implosivo, em que o segmento pode ser cancelado.

REFERÊNCIAS
Material adaptado de diferentes resumos, organizados pelas Profas. Nadja Pattresi (UFF), Fabiana Esteves (UFF),
Danielle Gomes (UFRJ) e Silvia Brandão (UFRJ).

BISOL, Leda (org.). Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.
CALLOU, Dinah & MORAES, João A. Condicionamentos sócio e geolinguísticos na realização do /R/ no português
do Brasil. Estudos Linguísticos e Literários (17): 69-78, 1995.
CALLOU, Dinah. Variação e distribuição da vibrante na fala urbana culta do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ,
1987.
CÂMARA JR, J. Mattoso. Para o estudo da fonêmica portuguesa. Rio de Janeiro, Simões, 1953.
CÂMARA JR, J. Mattoso. Para o estudo da fonêmica portuguesa. Rio de Janeiro, Padrão, 1977.
CAVALIERE, R. S. Pontos essenciais em fonética e fonologia. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
ROBERTO, Tania Mikaela Garcia. Fonologia, fonética e ensino: guia introdutório. São Paulo: Parábola, 2016.
VIANNA, A. R. Gonçalves. Estudos de fonética portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1973.
TEXTO 12

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


LÍNGUA PORTUGUESA II
PROF. WELTON PEREIRA

TRANSCRIÇÃO FONOLÓGICA

De acordo com Seara et al. (2019), no livro Para conhecer Fonética e Fonologia do português
brasileiro, a transcrição fonológica tem “como função mostrar as representações internalizadas pelos
falantes” (p. 113); por isso, não se baseia na forma como os sons são articulados, mas na forma de
representação teórica desses sons no sistema linguístico compartilhado pelos falantes.
Assim, a transcrição fonológica não leva em conta as variações alofônicas, isto é, não representa
variantes de um mesmo fonema, como faz a transcrição fonética. A seguir, apresentamos as
representações para as vogais, a depender de sua posição em relação à sílaba tônica:
Vogal tônica: /a/ /ɛ/ /e/ /i/ /ɔ/ /o/ /u/
Vogal pré-tônica: /a/ /E/ /i/ /O/ /u/
Vogal pós-tônica não final: /a/ /E/ /i/ /U/
Vogal pós-tônica final: /a/ /I/ /U/
Por meio dessa representação, temos os seguintes casos:
Polir: /pOˈliR/ Abóbora: /aˈbɔbUɾa/ Menino: /mEˈninU/
Obs.: nem todos os autores marcam os arquifonemas vocálicos.
Para as consoantes, temos as seguintes representações:
/b/ /p/ /g/ /k/ /d/ /t/ /l/ /ʎ/ /v/ /f/ /z/ /s/ /ʒ/ /ʃ/ /ɾ/ /m/ /n/ /ɲ/
Em contexto de neutralização (final de sílaba), empregam-se os arquifonemas: /R/ /S/ /N/
Adotaremos, para fins de atividades, a proposta de Mattoso Câmara Jr. em relação ao
arquifonema nasal /N/.
Alguns autores empregam o fonema /r/ para os róticos em início de sílaba, entendendo não
haver neutralização nesses contextos. Para fins didáticos, empregaremos o /R/.
Os ditongos serão marcados como /gua/ /ei/ - a superinscrição denota o caráter de semivogal.
Os ditongos nasais são tratados como ditongos seguidos do arquifonema nasal: /kOɾaˈsauN/.
Assim, temos como exemplo:
Querido [keˈɾidʊ] [keˈɾido] /kEˈɾidU/ Rapaz [xaˈpajʃ] [haˈpas] [raˈpas] /RaˈpaS/
[kɛˈɾidʊ][kiˈɾidʊ]
Tranquilo [tɾãnˈkwilʊ] [tɾãnˈkwilo] /tɾaNˈkuilU/ Mesmo [ˈmejʒmʊ] [ˈmezmʊ] /ˈmeSmU/
[ˈmejʒmo] [ˈmezmo]
Prato [ˈpɾatʊ] [ˈpɾato] /ˈpɾatU/ Mercado [mexˈkadʊ] [mɛhˈkadʊ] /mERˈkadU/
[meɾˈkado]
Prefere [pɾeˈfɛɾɪ] [pɾɛˈfɛɾɪ] /pɾEˈfɛɾI/ coruja [koˈɾuʒɐ] [kɔˈɾuʒɐ] /kOˈɾuʒa/
[pɾeˈfɛɾe] [kuˈɾuʒɐ]
cafezinho [kafɛˈziɲʊ] [kafɛˈziɲo] /kafɛˈziɲU/ cordialidade [koxdʒialiˈdadʒɪ] /kORdialidadI/
[kɔhdialiˈdadɪ]
TEXTO 13

Aula 8
"TÓMBCBDPODFJUPFFTUSVUVSB

Mikaela Roberto
Marli Hermenegilda Pereira
"VMB t "TÓMBCBDPODFJUPFFTUSVUVSB

Meta

A meta desta aula é explorar a sílaba como unidade fonológica, a partir


de seu conceito e estrutura.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


1. explicar o que caracteriza uma sílaba;
2. identificar a estrutura silábica do português do Brasil (PB);
3. reconhecer os padrões silábicos do PB;
4. reconhecer o acento como fonema suprassegmental.

Pré-requisitos

Para acompanhar esta aula, você precisará ter noções básicas de vogal e
consoante, exploradas nas Aulas 3 e 4.

124
Português V

Introdução

Ao estudarmos sincronicamente temas de Fonologia, um dos assuntos


em pauta na atualidade dos debates é a noção de sílaba. Como já explo-
ramos os sons vocálicos e consonantais do PB, cabe, aqui, estudarmos
especificamente a sílaba e o que a caracteriza.
Iniciemos, então, nossos estudos silábicos com a definição proposta por
Dubois et al. (1999):

Chama-se sílaba a estrutura fundamental, na base de todo o agrupa-


mento de fonemas da cadeia da fala. Esta estrutura se fundamenta
sobre o contraste entre os fonemas tradicionalmente chamados de
vogais e consoantes. A estrutura fonemática da sílaba é determi-
nada por uma [sic] conjunto de regras que variam de língua para
língua. (DUBOIS et al., 1999, p. 547).

Sendo a sílaba a menor unidade percebida pelos falantes, uma


pessoa analfabeta não consegue compreender a noção de fonema,
pois é o sistema alfabético que nos permite abstrair da sílaba as
unidades que a constituem. Chineses, por exemplo, que aprendem
um sistema de escrita predominantemente silábico (no qual cada
grafema corresponde a uma sílaba, e não a um fonema), não con-
seguem entender o que é um fonema. É a essa consciência de como
se estrutura a língua oral que chamamos consciência fonológica,
importante para a alfabetização, sendo construída simultaneamente
ao processo de aprendizagem da leitura e da escrita.

Muito teríamos a estudar sobre a sílaba. Aliás, apenas o conteúdo des-


ta aula poderia ser a ementa de um curso inteiro. Cada língua se or-
ganiza silabicamente de maneira distinta. Alguns fonemas que, no PB,
não podem assumir pico silábico, ou seja, posição central, são núcleos
de sílaba em outras línguas, como o que acontece com a consoante lí-
quida do inglês, presente na palavra little. Oralmente temos / ' NKVN/,
uma palavra dissílaba, ou seja, composta por duas sílabas, em que a segunda

125
"VMB t "TÓMBCBDPODFJUPFFTUSVUVSB

não possui vogal, mas outra soante (a líquida) que assume pico silábico
(não confunda com a escrita, em que aparece a letra e. Na pronúncia,
ela não se manifesta). O /N/ não pode ser centro de sílaba no PB, mas
pode no inglês.

O ponto na transcrição de little serve apenas como indicativo di-


dático da separação silábica da palavra, não sendo oficialmente
um registro fonético.

Os fonemas costumam se combinar em padrões que se repetem, caracte-


rizando a estrutura silábica de cada língua. Não é à toa que, ao ouvirmos
determinadas palavras desconhecidas, logo pressupomos tratar-se de uma
determinada língua, que não a nossa. Isso ocorre porque já temos algum
conhecimento da organização fonológica daquela língua (ainda que esse
conhecimento seja intuitivo). Existe até uma brincadeira comumente
feita por crianças a partir de algumas estruturas frasais em português que
lembram o padrão fonológico de outras línguas. Experimente falar sem
pausa, por exemplo, a seguinte frase: “O a tem som de u”. Parece inglês,
não? Experimente, agora, falar: “As aftas ardem”. Não lembra o alemão?
Curioso, não é mesmo?
A noção de sílaba é essencial para os estudos fonológicos. A sílaba repre-
senta um ou mais fonemas emitidos de uma só vez e constitui a unidade
mínima percebida pelos falantes. Há duas grandes linhas teóricas que
dão conta de explanar a estrutura silábica: a autossegmental e a métrica.
Segundo Collischonn (1999, p. 92), “as duas teorias fazem predições dife-
rentes a respeito do relacionamento entre elementos no interior da sílaba”.
As diferentes concepções representam maneiras distintas de interpretar
como as regras fonológicas interferem na sílaba ou em parte dela.
Vamos assumir, aqui, a concepção métrica adotada por Selkirk (1982),
com base nas propostas feitas por Pike e Pike (1947) e Fudge (1969).
De acordo com tal concepção, “Uma sílaba consiste em um ataque (A)
e em uma rima (R); a rima, por sua vez, consiste em um núcleo (Nu)
e em uma coda (Co). Qualquer categoria, exceto Nu, pode ser vazia.”
(COLLISCHONN, 1999, p. 92).
126
Português V

O ataque corresponde ao(s) fonema(s) do início da sílaba – antes da vogal,


que é o núcleo – e a coda corresponde ao(s) fonema(s) do final, quando
houver segmentos além da vogal na sílaba. A coda e o núcleo da sílaba
formam a rima. Nem toda sílaba terá coda (por exemplo, pá) e nem toda
sílaba terá ataque (por exemplo, ui), mas o núcleo é obrigatório (a vogal
é obrigatória em toda sílaba).

Lembre-se: uma sílaba consiste em um ataque (A) e em uma rima


(R). A rima consiste em um núcleo (Nu) e em uma coda (Co). A
rima pode se constituir apenas pelo núcleo, ou seja, somente pela
vogal. Qualquer categoria, exceto Nu, pode ser vazia, ou seja, pode
não ocorrer.

A letra grega [σ] (sigma, que corresponde ao s latino) representa a sílaba.


Observe, no esquema a seguir, os elementos silábicos:

[O] [C] [Z]

Como você pode observar no esquema, σ é a sílaba. No caso do exemplo


dado, é a palavra inteira, pois a palavra é monossílaba: mar. A sílaba mar
é composta por três segmentos:
Rótico
• [O] + [C] + [Z]
Róticos são todas as
possíveis realizações
A vogal /C/ constitui o núcleo silábico. A consoante /O/ constitui o ataque da correspondentes aos
sílaba e o rótico constitui a coda silábica, junto ao núcleo na rima da sílaba. r ou rr gráficos.

127
"VMB t "TÓMBCBDPODFJUPFFTUSVUVSB

É conveniente, aqui, ajudar você a refletir novamente sobre a diferença


entre o que aprende e o que ensina. Por favor, não vá para a sala de aula
ensinar coda, ataque e rima a seus alunos! Como traduzir esse conheci-
mento a uma linguagem simples, então? Fácil! Eles precisam saber que
a vogal sempre será o núcleo silábico. Eles precisam compreender que
algumas sílabas terão um ou mais elementos em posição inicial, antes
da vogal nuclear. E eles precisam saber que algumas sílabas, após a vogal
nuclear, terão um ou mais elementos em posição final. Esse conhecimento
vai auxiliá-los a compreender como se organizam certas estruturas nos
nossos sistemas oral e ortográfico. Simples, não? É isso que estamos es-
tudando aqui, mas com a devida linguagem técnica.

Atividade 1

Atende aos Objetivos 1 e 2

A partir do exemplo dado (mar), formalize a estrutura silábica dos mo-


nossílabos a seguir. Isso ajudará você a se familiarizar com as noções
recém-aprendidas. Basta seguir o padrão e identificar cada categoria nos
exemplos que seguem. O primeiro serve de modelo para você. Nas demais
estruturas, você só precisa identificar cada segmento da sílaba, observando
que cada sílaba tem uma estrutura diferente (com ou sem ataque, com
ou sem coda, por exemplo):

É Ar Só

128
Português V

Luz Ó Cru

Resposta Comentada
A seguir, você pode conferir as estruturas de cada monossílabo proposto
na atividade.

129
"VMB t "TÓMBCBDPODFJUPFFTUSVUVSB

Ar: observe que a sílaba possui elemento em posição de coda, além do núcleo.
Só: observe que a sílaba possui elemento em posição de ataque, além
do núcleo.
Luz: observe que a sílaba possui elemento em posição de ataque e em
posição de coda.
Ó: observe que a sílaba só possui núcleo. A rima, neste caso, é constituída
somente por ele, pois não há coda.
Cru: observe que a sílaba possui ataque ramificado, com dois elementos.

O molde silábico do PB

O número de segmentos presentes em cada constituinte silábico varia


de língua para língua. O molde silábico, segundo Collischonn (1999,
p. 98), é “[...] uma afirmação geral a respeito da estrutura possível de
sílabas numa determinada língua”. Esse padrão costuma ser obtido por
meio dos monossílabos dessa língua. Não há consenso entre os estu-
diosos quanto ao molde silábico do PB e isso ocorre devido a diferentes
concepções teóricas para os estudos fonológicos da língua. Assim, há
quem considere que os monossílabos é e um correspondam a uma vogal:
V. Há quem os considere diferentes, sendo é V e um VC (sílaba fechada

130
Português V

por uma consoante nasal em posição de coda, nos moldes da teoria de


Mattoso Câmara Jr., de 1970). Há, ainda, quem registre igualmente vogais
e semivogais como V. Há quem as distinga, sendo vogal V e semivogal V’.
Diferentes concepções implicarão variação no número de padrões
silábicos da língua. O importante é atentar para as seguintes informações,
apontadas por Bisol (2013a):

I. A sílaba do português tem estrutura binária, representada pelos


constituintes ataque e rima, dos quais apenas a rima é obrigatória.
II. A rima também tem estrutura binária, núcleo e coda. O núcleo
é sempre uma vogal, e a coda é uma soante ou /S/.
III. O ataque compreende ao máximo dois segmentos, o segundo
dos quais é uma soante não nasal. (BISOL, 2013a, p. 23)

O que existe em comum a todos os padrões, independentemente da


teoria que se adote, é a presença de uma vogal (V). A posição de ataque
e coda terá diferentes possibilidades de preenchimento, conforme será
visto a seguir.

Núcleo silábico

De acordo com os estudos fonológicos, a sílaba apresenta uma crescente


sonoridade que vai do ataque silábico em direção ao núcleo, resultando
no pico silábico – a vogal – e uma decrescente sonoridade a partir dele,
em direção à coda.
Há estudiosos que defendem que as semivogais ocupam a posição
central da sílaba, junto à vogal, enquanto outros defendem que, no lugar
de um núcleo ramificado, há uma rima ramificada, com a semivogal pre-
enchendo posição de coda. Daí advém a defesa de que no PB os verdadei-
ros ditongos são os decrescentes, em que a semivogal vem após a vogal
(na coda silábica, já que a semivogal caracteriza-se por ser assilábica e
não poder assumir núcleo de sílaba). Um forte argumento, entretanto, a
favor do núcleo ramificado é que o tepe // nunca se realiza após sílabas
travadas (que têm elemento em posição de coda). Assim, palavras como
euro, Cairo, Mauro etc. mostram que o ditongo está todo contido no
núcleo, não havendo preenchimento da coda silábica, o que viabiliza a
realização do tepe, diferentemente do que ocorre com as vogais nasais,
como em honra, por exemplo.

131
"VMB t "TÓMBCBDPODFJUPFFTUSVUVSB

Em um núcleo ramificado, teremos dois elementos na posição


central da sílaba, sem que haja coda. Em uma rima ramificada,
teremos apenas um elemento vocálico na posição de núcleo e outro
elemento na posição de coda. Como você pode perceber, o tema
é polêmico! Estudaremos, contudo, os encontros vocálicos numa
aula específica, não se preocupe!

Ataque silábico (onset)

A posição de ataque silábico, também chamado de onset silábico, pode


estar vazia, conforme já vimos no início desta aula, pode ser preenchida
por uma consoante (ataque simples) ou por duas consoantes (ataque
complexo), conforme a palavra cru, analisada na Atividade 1.
Alguns padrões são bastante produtivos, podendo-se manifestar tanto
em posição inicial de palavra como em posição medial (interna), como, por
exemplo, pr nas palavras prato, aprontar, capricho. Conforme afirmam Hora e
Pedrosa (2012), algumas sílabas com ataque simples são mais frequentes que
outras, e a baixa produtividade de alguns segmentos tem influência de fatores
históricos, não de eventuais problemas de formação no início de palavras.
Outros padrões, porém, costumam ocorrer apenas em posição medial,
como é o caso de sílabas iniciadas com as consoantes /,, ., /, como em
ninho, ilha e caro.

Há alguns casos nos quais as consoantes /,, ./ aparecem em sílabas


iniciais, como as palavras nhoque, lhasa, lhama... mas tais palavras
constituem empréstimos linguísticos, portanto, exceções, não regra.
O tepe // pode também se manifestar em sílabas iniciais em algumas
variantes sociolinguísticas, como ocorre em algumas regiões do interior
de Santa Catarina, em que a fala sofre forte influência da colonização
italiana, na qual os róticos são sempre realizados como tepe //.

132
Português V

Quanto ao ataque complexo, apenas as líquidas // e /N/ ocorrem


em posição C2 no PB. Ex.: prato, placa, abrir, aplauso. Há, contudo, algu-
mas restrições, como apontam Seara, Lazzarotto-Volcão e Nunes (2011,
p. 96): “Em sílabas localizadas em início de palavra, não há ocorrência dos
encontros consonantais tl, dl ou vr. Já em sílabas localizadas no interior
de palavras, não aparecem os encontros dl e vl.” Ou seja, a combinação
dl nunca vai acontecer no PB, enquanto tl, vl e vr ocorrem em contextos
específicos, sendo pouco frequentes.

Coda silábica

A posição final de sílaba, conhecida como coda silábica, também pode


apresentar-se vazia ou preenchida, tendo um (coda simples) ou dois ele-
mentos (coda complexa). Se no ataque silábico há várias combinações
possíveis, a posição de coda silábica é bastante restritiva quanto ao seu
preenchimento.
Os padrões silábicos VC e CVC aceitam apenas quatro consoantes
em posição de coda, a saber: /l, R, N, S/. Ex.: sol, mar, tem, mês. Observe,
nesses casos, que as letras maiúsculas representam arquifonemas possíveis
nessa posição. Não iremos aprofundar o comportamento desses segmentos
consonantais em final de sílaba, porque, na próxima aula, trataremos esse
tema mais detalhadamente.

Hora e Pedrosa (2012) alertam para a dificuldade que alguns estu-


dantes têm com a escrita de palavras novas, uma vez que a realização
da semivogal [Y] leva, muitas vezes, ao registro gráfico de um u no
lugar do l, o que, segundo os autores, pode ser minimizado com a
exploração das derivações:
t papel – papelaria (papeuaria*)
t jornal – jornaleiro (jornaueiro*)

133
"VMB t "TÓMBCBDPODFJUPFFTUSVUVSB

Por fim, cabe mencionar que tanto os róticos quanto a fricativa |S|, bem
como palavras estrangeiras terminadas em outras consoantes e incorpo-
radas ao léxico, sofrem processo de ressilabação quando em posição final
de palavra seguidas de vogal. Pronuncie, por exemplo, as palavras mar e
azul dando uma pausa entre elas. O que você observou? A consoante final
r da palavra mar é um elemento constituinte dessa palavra monossílaba
(CVC). No entanto, experimente pronunciar as palavras mar e azul, em
sequência, sem pausa entre elas, e veja o que acontece. A consoante final
r da palavra mar deixa de compor o monossílabo e, junto com a vogal a
inicial da palavra azul, forma uma nova sílaba (CV): ma. ra. zul.

Atividade 2

Atende ao Objetivo 3

Forneça dois exemplos de palavras que apresentem as seguintes configu-


rações silábicas (não se esqueça de marcar a sílaba em questão):
a) Sílabas que começam com uma consoante.

b) Sílabas que comecem com duas consoantes.

c) Sílabas que comecem com uma vogal.

d) Sílabas só com uma vogal.

e) Sílabas que terminem com uma consoante.

f) Sílabas que terminem por uma semivogal (i, u).

Resposta Comentada
Nesta atividade, você deve ter percebido que a língua portuguesa apre-
senta diversos padrões silábicos, no entanto, em todas as sílabas temos
sempre a presença de uma vogal. Isso fica evidente nos casos de palavras
como advogado, psicologia, em que, ortograficamente, tem-se uma orga-
nização silábica (ad-vo-ga-do/psi-co-logi-a), mas, foneticamente, tem-
-se outra organização silábica (a-di-vo-ga-do/pi-si-co-lo-gi-a). Listamos

134
Português V

algumas palavras que exemplificam as organizações silábicas pedidas


no exercício: a) casa (ca-sa); abelha (a-be-lha); massa (ma-ssa); carro
(ca-rro); b) cravo (cra-vo); atleta (a-tle-ta); flecha (fle-cha); bicicleta
(bi-ci-cle-ta); fraco (fra-co); c) árvore (ar-vo-re); sairdes (sa-ir-des); horta
(hor-ta); erva (er-va); d) água (a-gua); abelha (a-be-lha); baú (ba-u);
saída (sa-i-da); hematoma (he-ma-to-ma); e) torta (tor-ta); pesca (pes-ca);
campo (cam-po); canção (can-ção); balde (bal-de); faz (faz); f) beijo (bei-jo);
Europa (eu-ro-pa);
Os exemplos dados merecem alguns comentários: primeiro, os dígra-
fos (duas letras que correspondem apenas a um fonema) ch (chave), lh
(abelha), nh (ninho), gu (guerra), qu (aquilo), rr (arroz), ss (passado), sc
(piscina), xc (exceção) correspondem a uma única consoante; segundo,
as letras i e u podem representar tanto uma vogal quanto uma semivogal.
Quando essas duas letras correspondem a uma vogal, elas são núcleo de
sílaba como no caso de baú e saída. No entanto, se essas duas letras vierem
apoiadas em outra vogal, numa mesma sílaba (ditongo), elas funcionam
como semivogal como nas palavras beijo e Europa. Terceiro, a letra h
quando vem no início da palavra não corresponde a nenhum fonema,
simplesmente, porque ela não é pronunciada em português como nas
palavras horta e hematoma. Quarto, a letra l, quando vem no final da
sílaba, como no caso de bal-de, sofre variação e, na maioria dos estados
brasileiros, é pronunciada como uma semivogal u cujo símbolo fonéti-
co correspondente é [Y]No entanto, fonologicamente, esse som é uma
consoante lateral /l/. E, por último, a separação silábica apresentada entre
parênteses não segue as regras ortográficas, mas tenta reproduzir a fala,
como no caso de massa e carro. De acordo com as normas ortográficas,
na divisão silábica de dígrafos com letras iguais rr e ss as letras ficam em
sílabas separadas (mas-sa) e (car-ro).

O acento na sílaba em português

Diferentes teorias dão conta de explicar e formalizar os estudos sobre


o acento em português, mas nossa abordagem introdutória não permite
que as exploremos a fundo. Vamos aqui ver alguns pontos essenciais
desse estudo.
No clássico exemplo sábia, sabia e sabiá, constatamos que, apesar de
haver distinção na escrita (em decorrência do sinal gráfico), os três vo-

135
"VMB t "TÓMBCBDPODFJUPFFTUSVUVSB

cábulos possuem os mesmos fonemas numa mesma sequência. O que os


diferencia é a posição da sílaba tônica, ou seja, o acento. São inúmeros os
pares mínimos que podem ilustrar a diferença de acento no PB: bambo/
bambu, pia/piá, amaram/amarão etc. Isso levou muitos estudiosos a
se perguntarem: “Seria o acento um fonema?” A resposta é afirmativa,
embora o acento seja um fonema de outra categoria. Ele não se manifesta
linearmente na cadeia sonora, mas é algo que se sobrepõe aos demais
fonemas. Por esse motivo, ele é chamado de suprassegmental, pois está
acima dos segmentos da cadeia sonora.
No português, o acento só pode cair sobre uma das três últimas sílabas
da palavra. Quando cai na última sílaba, diz-se que a palavra é oxítona
(aguda). Ex.: bambu, café. Quando cai na penúltima sílaba, diz-se que a
palavra é paroxítona (grave). Ex.: escola, vírus. Quando cai na antepenúltima
sílaba, diz-se que a palavra é proparoxítona (esdrúxula). Ex.: lâmpada.
A maioria absoluta de palavras do português, o que inclui grande parte
de palavras de diferentes classes gramaticais, é formada por paroxítonas.
O grupo das proparoxítonas, por sua vez, embora tenha muitas palavras
de uso frequente, constitui o menor grupo. Ele é formado basicamente
por empréstimos do latim e do grego. Prova disso é o processo de regu-
larização do acento para a posição paroxítona em muitos vocábulos, a
partir do apagamento da penúltima sílaba em algumas variantes.
Ex.: árvore > árvri
fósforo > fósfru
xícara > xicra.
Como afirma Collischonn (1999, p. 133), “Podemos considerar que o
acento proparoxítono é marcado, no sentido de que é o menos usual. É
um acento especial, contrário à tendência geral de acentuar a penúltima
sílaba”. Vem daí o fato de todas as palavras proparoxítonas em português
serem graficamente sinalizadas com o acento agudo ou circunflexo. O
sinal gráfico evidencia o que é diferente da regra, o que foge ao padrão.
Sendo o grupo das proparoxítonas o mais diferente, todo ele é registrado
com o sinal, sem exceção.
Quanto ao grupo das oxítonas, cabe dizer que ele se divide em dois
subgrupos: o das palavras terminadas por consoante e o das palavras ter-
minadas por vogal. Podemos dizer que há uma preferência pelo acento na
última sílaba quando a palavra termina por consoante. Isso ocorre porque
sílabas terminadas em consoante atraem o acento, o que é evidenciado
em várias línguas do mundo, como aponta Collischonn (1999, p. 135).

136
Português V

Sendo assim, uma palavra como revolver estaria dentro do padrão de


acentuação natural, enquanto a paroxítona revólver seria a forma marcada
(daí receber o acento gráfico). Essa informação é valiosa no estudo do
padrão de acentuação gráfica do PB.
Outra informação valiosa sobre as sílabas é sobre a existência de sí-
labas leves e pesadas. Tal distinção refletirá diretamente na distribuição
do acento. Conforme aponta Collischonn (1999, p. 95), “Rimas consti-
tuídas somente por uma vogal são leves e rimas constituídas por vogal
+ consoante ou por vogal + vogal (ditongo ou vogal longa) são pesadas”.
Assim, o ataque pode ser ramificado e não interferirá no peso silábico,
como ocorre em cru (sílaba leve), mas se a rima é ramificada, ou seja, se
há algum elemento em posição de coda silábica, como ocorre em par, mar,
ou em casos de ditongos, como ocorre em dei, pau, a sílaba passa a ser
pesada. Alguns teóricos vão atribuir essa diferença de peso à quantidade
de moras presentes em cada sílaba, embora não seja comum a aplicação
da noção de mora à fonologia do português. Mora
Unidade prosódica
Em uma explicação bastante simplificada, o ataque silábico não con- maior que o segmento
tém moras, enquanto o núcleo da sílaba terá uma mora se houver uma fonêmico e inferior à
sílaba, que significa
vogal breve, e duas moras se houver uma vogal longa ou um ditongo. A “período de tempo”.
coda silábica conterá também uma mora. Assim, sílabas com ditongos
ou coda silábica terão duas moras, sendo consideradas sílabas pesadas.
Como o acento é sensível ao peso da sílaba, sílabas pesadas tendem a
atrair o acento para elas. É o que se pode constatar, por exemplo, no
português, com as palavras terminadas por consoante, em que quase
80% delas são oxítonas. Obviamente, não é apenas o peso que interfere
na distribuição do acento nas línguas naturais. A interferência de su-
fixos e a não interferência de alguns morfemas, como o -s plural, por
exemplo, são casos que merecem atenção no estudo das regularidades
de acentuação do PB.

Atividade 3

Atende ao Objetivo 4

Nos exemplos a seguir, aponte a alternativa em que todos os pares se


distinguem pelo acento.

137
"VMB t "TÓMBCBDPODFJUPFFTUSVUVSB

(a) para e Pará; sábio e sábia; come e fome.


(b) acento e assento; Pará e parar; dorme e dormi.
(c) para e Pará; sabiá e sábia; teme e temi.
(d) sabia e sabiá; caia e Caio; roubo e robô.

Resposta Comentada
Na letra c, todos os pares se distinguem pelo acento. O primeiro par
(para × Pará) apresenta a distinção paroxítona × oxítona; o segundo
par (sabiá × sábia) apresenta a distinção oxítona × paroxítona e o úl-
timo par (teme × temi) apresenta a distinção paroxítona × oxítona.
Quanto às demais alternativas, podemos tecer o seguinte comentário:
na opção a, o segundo par mínimo (sábio × sábia) se distingue pelos
fonemas /Q/ e /C/, enquanto o terceiro par mínimo (come × fome) se
distingue pelos fonemas /M/ e /H/. Na opção b, há homofonia no pri-
meiro exemplo (acento × assento), além de um fonema a mais num dos
itens do segundo exemplo, /”/, em algumas realizações. Como não há
transcrição fonética no exercício, há de se prever a realização com a
consoante. No terceiro exemplo (dorme × dormi), além da alternância
de acento (paroxítona e oxítona, respectivamente), há alternância de
timbre /1/ e /Q/. Na opção d, o segundo par mínimo (caia × Caio) se
distingue pelos fonemas /C/ e /Q/, e no último exemplo, mesmo que se
considere a realização monotongada do substantivo roubo como robo,
há ainda outros elementos que os distinguem, como a variação do acen-
to (roubo/“robo”- paroxítona; robô - oxítona) e a alternância de vogal
alta e média em posição final. Ou seja, em roubo a vogal final pode ser
pronunciada como /W/ ou /Q/, já em robô só se admite /Q/.

Conclusão

Nesta aula, pudemos estudar a estrutura da sílaba, o que nos permitiu


conhecer as possíveis combinações entre os fonemas dentro do padrão
silábico do PB. Conhecemos as possíveis organizações na estrutura da
sílaba, o que nos deu ferramentas para identificar combinações não aceitas
no padrão silábico da língua portuguesa.

138
Português V

Atividade final

Atende aos Objetivos 1, 2 e 3

Distribua a sílaba inicial das palavras conforme o padrão silábico apre-


sentado. Utilizamos C (consoante), V (vogal) e V’ (semivogal).
sabão - travesseiro - poste - frouxo - charuto - arroz - frevo - falta
reinado - ervilha - céu - esperto - ilha - cruz - moita - dramático
folha - ontem - fel - égua - tristeza - montanha - gilete - clamor - flor
ator - tombo - pleura - trombada - touca - hora - harpa - troia

CV VC V CCV CVC CVV’ CCVC CCVV ’

Resposta Comentada

CV VC V CCV CVC CVV ’ CCVC CCVV ’


sabão ervilha arroz travesseiro poste reinado cruz frouxo
charuto esperto ilha frevo falta céu tristeza pleura
folha ontem égua dramático fel moita flor troia
gilete harpa ator clamor montanha touca trombada
hora tombo

Você pode observar que, em muitos casos, nem sempre o padrão


silábico no âmbito fonético coincide com a divisão silábica ortográfica.
No caso dos dígrafos, por exemplo, a escrita apresenta duas letras que
correspondem apenas a um som, por isso, na estrutura silábica se conta
apenas como uma consoante: em charuto, a sílaba inicial é CV; na palavra
harpa, como a letra h não é pronunciada, o padrão silábico é VC; em
arroz, a sílaba inicial é V, embora a divisão silábica ortográfica seja ar-roz.
Isso ocorre porque, na ortografia, dígrafos com letras iguais se separam.

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"VMB t "TÓMBCBDPODFJUPFFTUSVUVSB

Resumo

Estudamos a sílaba. Vimos que ela representa um ou mais fonemas emitidos


de uma só vez e constitui a unidade mínima percebida pelos falantes. Vimos
que a sílaba é formada por um ataque (A), que pode ser vazio, simples ou
ramificado, e por uma rima (R). A rima, por sua vez, constitui-se em um
núcleo (Nu) e em uma coda (Co), a qual também pode ser vazia, simples
ou ramificada. O núcleo é o único lugar sempre preenchido na sílaba, por
uma vogal e, de acordo com algumas correntes, por uma semivogal (há
quem entenda que a semivogal posiciona-se na coda silábica).
O molde silábico apresenta as possíveis estruturas silábicas de uma língua.
Devido a divergências em relação ao status das nasais e das semivogais, a
definição do molde silábico do PB não é consenso entre os estudiosos. O
padrão silábico canônico do português é CV, ou seja, consoante + vogal.
Vimos que o preenchimento da posição de ataque silábico é bastante
flexível no PB, tanto em sílaba inicial de palavra quanto em sílaba medial.
Apenas a combinação dl não ocorre na língua, enquanto tl, vl e vr só
ocorrem em contextos específicos, sendo pouco frequentes.
Já em posição de coda, vimos que o PB aceita apenas quatro consoan-
tes, a saber: /l, R, N, S/. Todas sofrem significativa variação, daí estarem
representadas por seus respectivos arquifonemas ou fonema, como no
caso da lateral /l/.
Por fim, estudamos o acento como fonema suprassegmental, já que estabe-
lece distinção na língua. Vimos que no português o acento só recai sobre
uma das três sílabas da palavra. Quando cai na última sílaba, diz-se que a
palavra é oxítona (aguda). Quando cai na penúltima sílaba, diz-se que a
palavra é paroxítona (grave), sendo este o grupo com maior quantidade
de palavras da língua. Quando cai na antepenúltima sílaba, diz-se que
a palavra é proparoxítona (esdrúxula), sendo este o grupo com menos
palavras da língua.

Informações sobre a próxima aula

As duas próximas aulas são fundamentais para o nosso curso, pois, nelas,
vocês aprenderão a fazer as transcrições fonética e fonológica das vogais
e das consoantes do português do Brasil

140
TEXTO 14
TEXTO 15

Universidade Federal Fluminense


Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas
Setor de Língua Portuguesa
Professoras: Glayci Xavier e Welton Pereira

ESTRUTURA DA SÍLABA EM PORTUGUÊS1

1.0 O que é sílaba?


Chama-se sílaba a estrutura fundamental, na base de todo o
agrupamento de fonemas da cadeia da fala. Esta estrutura se
fundamenta sobre o contraste entre os fonemas tradicionalmente
chamados de vogais e consoantes. A estrutura fonemática da sílaba é
determinada por um conjunto de regras que variam de língua para
língua. (DUBOIS et al., 1999, p. 547).

1.1 Como a sílaba é composta e organizada.

• A sílaba é organizada, em geral, por um movimento de ascensão que culmina num ápice,
a que chamamos centro silábico, ocorrendo, por vezes, um movimento decrescente.

• A vogal é o segmento fonológicos de maior força expiratória, de articulação mais aberta


que, em todas as línguas humanas, funciona como centro de sílaba. Em algumas línguas,
além das vogais os segmentos soantes podem ocupar o centro de sílaba.

• As fases crescentes e decrescentes não são obrigatórias, característica que é única à vogal.

1.1.1 Os tipos silábicos

Tipo de sílaba Exemplo de Sílaba destacada Transcrição Transcrição


palavra que como exemplo Fonética da Fonológica da
contém o tipo de Sílaba Sílaba
sílaba
V Ata A [a] /a/
CV Ata Ta [ta] /ta/
CVC Parte Par [pax/h] /paR/
CCV Trava Tra [ta] /ta/
CVV’ Deixa Dei [dej] [de] /dei/
CCVV’ Frouxo Frou [f /f/
CCVC Trancoso Tran [tã] /tN/
CCVCC Transporte Trans [tã /tNS/
CVCC Perspectiva Pers [pex /peRS/

1.1.2 A classificação dos tipos de sílabas

1. Sílaba Simples: aquela que só tem V


2. Sílaba complexa crescente: aquela que composta de C (C) seguido de V
3. Sílaba complexa decrescente: aquela composta de V seguida de C

1
Material organizado pela professora Elaine Melo (UFF).

1
4. Sílaba complexa crescente-decrescente: aquela composta de C (C) seguida de V seguida
de C (C)
1.1.3 A composição das sílabas

“Uma sílaba consiste em um ataque (A) e em uma


rima (R); a rima, por sua vez, consiste em um núcleo
(Nu) e em uma Coda (Co). Qualquer categoria, exceto
Nu, pode ser vazia.” (COLLISCHONN, 1999, p. 92).

• O ataque corresponde ao(s) fonema(s) do início da silaba – antes da vogal, o


núcleo.
• A coda corresponde ao(s) fonema(s) do final, quando houver segmentos além da
vogal na sílaba.
• A coda e o núcleo da silaba formam a rima.
• Nem toda sílaba terá coda (por exemplo, pá).
• Nem toda sílaba terá ataque (por exemplo, ui).
• O núcleo é obrigatório (a vogal é obrigatória em toda sílaba).

1.1.3.1 A representação da sílaba

• A letra grega σ (sigma) é o símbolo usado para representar a sílaba.


• Nas sílabas Ataque e Coda podem ser simples ou complexos.

Vejamos os casos em que Ataque e Coda são simples:

a. Ata

σ
g
R
g
Nu
/a/

b. Ata

σ
3
A R
/t/ g
Nu
/a/

c. Parte

σ
3
A R
/p/ 3
Nu Co

2
/a/ /R/

Agora, pensemos nos casos em que há a formação de grupos consonantais dentro da


mesma sílaba.

Ataque complexo

d. Trava

σ
3
A R
3 g
/t/ // Nu
/a/

Coda complexa

e. Perspectiva

σ
3
A R
/p/ 3
Nu Co
/e/ 3
/R/ /S/

Ataque complexo e Coda complexa

f. Transporte

σ
3
A R
3 3
/t/ // Nu Co
/a/ 3
/N/ /S/

ATENÇÃO: SÍLABAS QUE TÊM CODA SÃO CHAMADAS SÍLABAS TRAVADAS


SÍLABAS QUE NÃO TÊM CODA SÃO CHAMADAS SÍLABAS ABERTAS

I. A sílaba do português tem estrutura binária, representada pelos constituintes ataque e rima, dos
quais apenas a rima é obrigatória.
II. A rima também tem estrutura binária, núcleo e coda. O núcleo é sempre uma vogal, e a coda é
uma soante ou /S/.

3
III. O ataque compreende ao máximo dois segmentos, o segundo dos quais é uma soante não
nasal. (BISOL, 2013a, p. 23)

E as semivogais como são representadas?

Há estudiosos que defendem que as semivogais ocupam a posição central da


sílaba, junto a vogal, enquanto outros defendem que, no lugar de um núcleo ramificado,
há uma rima ramificada, com a semivogal preenchendo posição de coda. Daí advém a
defesa de que no PB os verdadeiros ditongos são os decrescentes, em que a semivogal
vem após a vogal (na coda silábica, já que a semivogal se caracteriza por ser assilábica e
não poder assumir núcleo de sílaba).

g. Frouxo
σ
3
A R
3 3
/f/ // Nu Co
/o/ /u/g

Um forte argumento, entretanto, a favor do núcleo ramificado é que o tepe //


nunca se realiza após sílabas travadas (que tem elemento em posição de coda). Assim,
palavras como euro, Cairo, Mauro etc. mostram que o ditongo está todo contido no
núcleo, não havendo preenchimento da coda silábica, o que viabiliza a realização do tepe,
diferentemente do que ocorre com as vogais nasais, como em honra, por exemplo.

h. Frouxo
σ
3
A R
3 g
/f/ // Nu
3
/o/ /u/

4
O ACENTO LEXICAL EM PORTUGUÊS1
1. Introdução2

Acento : “grau de proeminência de uma vogal ou sílaba numa determinada sequência


fonética. De um modo geral, faz-se a distinção entre vogais (ou sílabas) acentuadas e não
acentuadas, considerando que as primeiras são mais proeminentes que as últimas. Essa
proeminência pode ser devida a um aumento de intensidade (acento de intensidade), de
duração (acento de quantidade) ou de altura (acento de altura) ou ainda a uma conjugação
dessas três propriedades. As sequências fonéticas portadoras de acento podem ser
palavras, constituintes ou frases, distinguindo-se habitualmente o acento de palavra do
acento nuclear e do acento de frase. Em qualquer destes níveis podem admitir-se
diferentes graus de proeminência (graus de acento)”2

2. Generalizações

2.1 O acento em Português tem valor contrastivo, como se observa nos exemplos a seguir,
o que levou alguns linguistas a considerá-lo um fonema suprassegmental.

(1) a- cáqui x caqui c- cara x cará e- bambo x bambu


b- para x Pará d- fugiram x fugirão f- sábia x sabia x sabiá

2.2 Apesar, como se verifica pelos vocábulos acima indicados, de parecer que a posição
do acento é livre, imprevisível em Português, a distribuição do acento obedece a uma
série de regularidades.

(a) O acento só pode recair sobre uma das três últimas sílabas: vocábulos oxítonos,
paroxítonos, proparoxítonos:
(2) a- jacaré b- casamento c- lâmpada

(b) A posição do acento na penúltima sílaba é a preferida quando a palavra termina por
vogal: vocábulos paroxítonos, portanto, predominam em Português.

1
Os itens 2 a 4 são uma síntese das páginas 139 a 145 de COLLISCHONN, Gisela. O acento em Português.
In: BISOL, Leda (org) Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto Alegre:
EDIPUCRS. p.131-164
2
Material organizada pela professora Silvia Figueiredo Brandão
2
XAVIER, M. F. & MATEUS, M. H. (s.d). Dicionário de termos lingüísticos. Lisboa: Edições Cosmos.
v.1.

5
(c) A posição do acento na antepenúltima sílaba (vocábulos proparoxítonos) tem pouca
produtividade: só um pequeno conjunto de vocábulos apresenta acento nessa posição. Por
esse motivo, há uma tendência a regularizar o acento pelo apagamento da vogal da
penúltima sílaba, como se observa abaixo:

(3) a- abóbora → abobra b- árvore → árvri c- fósforo → fósfru

(d) A posição do acento na última sílaba é a preferida quando a palavra termina por
consoante (cf. 4a-d), embora haja oxítonas terminadas por vogal (cf. 5a-d).

(4) a- falar (5) a- Avó bocó fuzuê


b- mulher b- Sofá café crochê
c- calor c- araçá jacaré urubu
d- civil d- xangô banzé

Em (4a-d), indicam-se exemplos dos oxítonos padrão, isto é, não-marcados. Das


palavras terminadas por consoante, 78% são oxítonas e apenas 22%, paroxítonas. É por
esse motivo que, no âmbito da ortografia, se acentuam as palavras paroxítonas terminadas
por consoante:
(6) a- móvel b- açúcar c- fácil

Em (5 a-d), há exemplos de oxítonos terminados por vogal. Esse grupo compõe-


se de um pequeno número de palavras do léxico português (5 a) e de um grande número
de empréstimos, principalmente do francês (5b) e de línguas indígenas (5c) e africanas
(5d). Como as oxítonas terminadas em vogal são menos comuns, isto é, são marcadas, na
escrita levam acento.

(e) Sílabas terminadas por consoante e semivogal (sílabas pesadas) atraem o acento, como
se viu em (1 a) e se verifica em (7):
(7) a- parente b- covarde c- cadastro d- Isaura

O acento nunca recai na antepenúltima sílaba, se a penúltima for pesada, pois esta
sempre atrai o acento, característica herdada do latim. Palavras proparoxítonas são
sempre terminadas por vogal oral.

6
3. Outros aspectos

3. 1 Quando se acrescenta um sufixo derivacional a uma palavra, normalmente a nova


palavra tem o acento em sílaba diferente daquela que recebia o acento na palavra
primitiva.

(8) a- faca →facada c- laranja → laranjal e- senegal → senegalês


b- árvore → arvoredo d-capital → capitalista f- café → cafezinho

3.2 Quando se forma uma nova palavra por prefixação (9 a-c) ou na formação de palavras
compostas (10a-c), não há mudança de acento.

(9) a- solo→ subsolo b-nacional→ internacional c-ânimo → desânimo


(10) a- casca-grossa b- guarda-chuva c- saca-rolha

3.3 O sufixo flexional de número nos nomes normalmente não modifica a posição do
acento.

(11) a- pato → patos b- motor → motores

3.4 O sufixo número-pessoal nos verbos modifica a posição do acento em alguns casos
(12), em outros não (13).
(12) a- ama → amamos b- fala → falamos
(13) a- ama → amam b- falava → falávamos

4. Regras que mudam um padrão marcado de acento em padrão não-marcado

4.1 Síncope da antepenúltima vogal dos proparoxítonos, como se observa em (3).

4.2 Desnasalização e/ou monotongação do ditongo final


(14) a-homem → hom[i] b- órfão → orf[u]
(15) a- móveis → móv[i] b- vôlei→ vôli

7
5. No quadro a seguir, realizado por VIARO, M. E., SANTOS, A P, MARIANO, L e
GUIMARÃES-FILHO, Z. O. e divulgado na revista Discutindo a língua portuguesa, ano
1, nº 5, apresenta-se, com base em 150.984 verbetes do Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa, o número de vocábulos com acento lexical em português.

Retirado de VIARO, SANTOS, MARIANO & GUIMARÃES-FILHO (2000)

Referências Bibliográficas

COLLISCHONN, Gisela. O acento em Português. In: BISOL, Leda (org) Introdução a estudos de fonologia
do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996, p.131-164
VIARO, M. E.; SANTOS, A P; MARIANO, L.; GUIMARÃES-FILHO, Z. O. A matemática do português.
In: Discutindo a língua portuguesa, ano 1, nº 5. 2000, p.44.
XAVIER, M. F. & MATEUS, M. H. (s.d). Dicionário de termos lingüísticos. Lisboa: Edições Cosmos.
v.1.

8
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
LÍNGUA PORTUGUESA II – FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS
PROF. WELTON PEREIRA E SILVA

1. Apresente pares mínimos que, em processo de comutação, podem demonstrar


que os fones abaixo correspondem a fonemas em língua portuguesa.

a) [ɾ] [x]
b) [p] [b]
c) [m] [n]
d) [s] [z]

2. Levando em consideração o exercício anterior, explique quais sons, dentre os


apresentados, podem ser considerados como alofones. Em quais contextos
linguísticos isso ocorre?

3. Defina o processo de neutralização, levando em conta o corpus abaixo e sua


transcrição fonológica:

a) Boneca → [bo’nɛkɐ] [bɔ’nɛkɐ] → /bO’nɛka]


b) Arroz → [a’hos] [a’xoʃ] → /a’RoS/
c) Âmbar → [‘ãmbax] [‘ãmbãɾ] [‘ãmbaɻ] → /’aNbaR/
d) Dente → [dẽntʃɪ] [dẽnte] → /’deNtI/

4. Classifique todas as sílabas das palavras abaixo entre simples, complexas, abertas
ou travadas.

Perspicaz adulto sonambulismo

5. Elabore a representação arbórea das sílabas classificadas no exercício anterior.

6. Faça a transcrição fonológica das palavras apresentadas abaixo:


a) Abóbora b) menino c) igreja d) âncora e) textual

7. Sobre o acento em português, marque V ou F:

( ) Palavras proparoxítonas são raras em português e, por isso, todas recebem acento.
( ) Na maior parte das vezes, quando uma palavra termina em vogal, o acento cai na
penúltima sílaba
( ) A sílaba pesada é aquela constituída de uma consoante em sua rima, sendo que ela
costuma atrair o acento.
( ) Em português, o acento apresenta valor contrastivo, como em fábrica e fabrica.
( ) Oxítonas terminadas em consoante ou semivogal costumam ser acentuadas.
TEXTO 16

Aula 13
Processos fonológicos

Marli Hermenegilda Pereira


Tania Mikaela Garcia Roberto
Aula 13 • Processos fonológicos
Aula 13 • 
Aula 13 • 

Meta

Apresentar processos fonológicos recorrentes nas fases de aquisição e


desenvolvimento da linguagem.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. explicar o que são processos fonológicos;


2. identificar diferentes processos fonológicos característicos da fala;
3. reconhecer processos fonológicos que se manifestam na escrita.

Pré-requisitos

Para acompanhar esta aula, você precisará ter claras as noções de sílaba
e traços distintivos.

88
Português V

Introdução

Processos fonéticos e fonológicos são fenômenos de alteração sonora


que ocorrem com fones e fonemas, podendo ser estudados numa pers-
pectiva diacrônica (em que são também conhecidos como metaplas- Metaplasmo
mos) ou sincrônica. Nesta aula, interessa-nos particularmente o estudo Mudança fonética,
geralmente assim
dos processos fonológicos nesta última perspectiva. chamada nos estudos
diacrônicos dos processos
fonológicos.

Processos fonológicos

De acordo com Stampe,

[...] um processo fonológico é uma operação mental que se apli-


ca à fala para substituir, no lugar de uma classe de sons ou de
uma sequência de sons que apresentam uma dificuldade especí-
fica comum para a capacidade de fala do indivíduo, uma classe
alternativa idêntica, porém desprovida da propriedade difícil.
(STAMPE, 1973 apud OTHERO, 2005, p. 3).

Dessa forma, um processo fonológico atua no auxílio da realização


de um dado som ou grupo de sons, seja pela criança, em fase de aquisi-
ção da linguagem, ou pelo adulto, em sua fala cotidiana.

É o que acontece quando uma mãe diz para seu filho: “Baxa o
som!”. A realização de “baxa” é mais fácil do que abaixa, então,
dizemos que houve, nesse caso, um processo fonológico.

O estudo dos processos fonológicos é relevante para que se compre-


endam diferentes aspectos da língua, tais como:
• mudanças da língua (estudo diacrônico);
• variações fonéticas (estudos sociolinguísticos diversos);

89
Aula 13 • Processos fonológicos
Aula 13 • 
Aula 13 • 

• questões de aquisição da linguagem (diferentes processos costumam


manifestar-se com frequência nessa fase).
Os processos permitem, ainda, que sejam analisados problemas fo-
noaudiológicos (em que a recorrência de determinadas alterações pode
caracterizar os chamados desvios fonológicos, que estudaremos ainda
nesta aula), bem como o processo de alfabetização (uma vez que alguns
processos fonológicos resultam em dificuldades manifestadas também
na escrita e na leitura).
Por fim, viabilizam o estudo do processamento psicolinguístico (já
que algumas alterações são recorrentes entre os falantes, podendo dar
indícios de como a linguagem se organiza em seu processamento).
Os processos fonológicos são inatos, naturais e universais, ou seja,
todo ser humano se depara com sua realização. Como bem lembra Vo-
geley (2012, p. 226), “apesar de a substituição fonológica ser uma ope-
ração mental, ela é motivada pelas características físicas da fala, como
neurofisiológicas, morfológicas, mecânicas, temporais e acústicas”.
Os processos fonológicos acontecem, especialmente, durante a fase
de aquisição da linguagem, em que dificuldades de articulação costu-
mam ser mais frequentes. Para nossos estudos, consideramos que a fase
de aquisição da linguagem ocorre em crianças de 0 a 4 anos de idade.

Figura 13.1: Criança em fase de aquisição da linguagem.


Fonte: http://www.freeimages.com/photo/996578

90
Português V

Há diferentes designações para os processos fonológicos, que geral-


mente se caracterizam por serem de supressão, adição, transposição e
substituição, não havendo consenso entre os estudiosos quanto à quan-
tidade e à nomenclatura dos processos. Segundo Yavas, Hernandorena e
Lamprecht (1991), o número de processos fonológicos varia entre oito e
42, sendo 13 mais comuns em língua portuguesa.
Seara, Nunes e Lazzarotto-Volcão (2011), por exemplo, organizam
os processos fonológicos em quatro categorias distintas, com ênfase em
suas características de: a) assimilação; b) estruturação silábica; c) en-
fraquecimento e reforço; d) neutralização. Vejamos um pouco em que
consistem tais processos:

Quadro 13.1: As quatro categorias dos processos fonológicos, segundo Se-


ara, Nunes e Lazzarotto-Volcão (2011)

Processo
Enfraque-
Estruturação Neutraliza-
Assimilação cimento e
silábica ção
reforço
Um segmen- Ocorre
to torna-se mudança na Envolvem
Dois segmen-
semelhante distribuição modifica-
tos distintos
a outro, as- dos elemen- ções de
perdem suas
Conceito sumindo tra- tos silábicos, elementos
diferenças em
ços distinti- seja por conforme
determinados
vos de um acréscimo, sua posição
contextos.
segmento inversão ou na palavra.
vizinho. supressão.

Em ['gt@]
Realização ou ['gst@], as
Labializa- Alteração
['@] fricativas [, s]
ção de do padrão
para festa, deixam de ser
consoantes silábico com-
em que há distintivas em
diante de plexo para
Exemplo ditonga- final de sílaba
vogais ar- CV, como
ção, na fala e o resultado
redondadas em prato →
carioca, dessa neu-
['x], ['], entre
devido ao tralização é o
entre outros. outros.
contexto. arquifonema
/S/: /'gSta/.

Os processos apresentados nesta aula, no entanto, não seguem fiel-


mente a classificação mencionada pelos autores citados, apesar de coin-
cidirem, em grande parte, com os fenômenos por eles descritos. Estão
aqui organizados, segundo a tradição, em quatro categorias:

91
Aula 13 • Processos fonológicos
Aula 13 • 
Aula 13 • 

a) processos por apagamento ou supressão;


b) processos por acréscimo;
c) processos por transposição;
d) processos por substituição.
Antes de vermos em que consiste cada um desses fenômenos, vamos
conferir se você entendeu o que são processos fonológicos.

Atividade 1

Atende ao objetivo 1

Assinale a alternativa correta. Sobre processos fonológicos, podemos


afirmar que o falante:
a) realiza uma produção de característica mais fácil devido a uma limi-
tação fonético-articulatória que o impede de realizar a produção-alvo.
b) apenas realiza uma produção mais fácil durante a aquisição
da linguagem.
c) substitui uma realização com propriedade fácil por uma com
propriedade difícil.
d) substitui uma realização com propriedade difícil por uma com
propriedade fácil.

Resposta comentada
A alternativa correta é a d). A alternativa a) está errada porque nem
sempre o processo fonológico decorre de uma limitação fonético-arti-
culatória. Pode decorrer de uma dificuldade perceptiva ou auditiva, por
exemplo. A alternativa b) está errada porque a fase de aquisição da lin-
guagem, que ocorre entre 0 e 4 anos de idade da criança, não é a única
em que os processos se manifestam, o que se constata nos inúmeros
exemplos de realizações de adultos sem problemas de linguagem
presentes ao longo desta aula. A alternativa c) está errada porque afirma
o contrário daquilo em que consiste um processo fonológico.

92
Português V

Processos fonológicos por


apagamento ou supressão

Os processos fonológicos por apagamento ou supressão são consi-


derados processos de estruturação silábica e envolvem o apagamento
ou supressão de um segmento, seja vogal, consoante, semivogal ou, até
mesmo, sílaba.

Os processos fonológicos por apagamento ou supressão tam-


bém são chamados de processos fonológicos de queda, elimina-
ção ou truncamento.

Em relação aos processos de apagamento, é muito comum encontrar,


na literatura especializada, os seguintes termos: aférese (início), síncope
(meio) e apócope (fim).

Etimologicamente, estas três palavras (aférese, síncope e apóco-


pe) têm significados semelhantes. Todas vêm do grego e referem-
-se à noção de perda.
Aférese, do grego ἀφαίρεσις (afáiresis): retirada.
Síncope, do grego συγκοπή (syncŏpe): supressão.
Apócope, do grego ἀποκοπή (apokopḗ): amputação.

A aférese ocorre quando o segmento que sofre a queda está no início


da palavra (amarelo > Ømarelo); a síncope refere-se à queda do segmen-
to medial da palavra (abóbora > abobØra) e a apócope ocorre quando
o segmento que sofre a queda está no final da palavra (viajar > viajaØ).

93
Aula 13 • Processos fonológicos
Aula 13 • 
Aula 13 • 

Apagamento de vogal

O apagamento de vogal tende a ocorrer quando ela assume posição


inicial de vocábulo, coincidindo com sílaba. Pode ser evidenciado tan-
to diacrônica quanto sincronicamente, seja durante a aquisição, seja
em variações sociolinguísticas, como é comum que ocorra com os di-
versos processos.
É exemplo de apagamento de vogal (no caso, sílaba) em início de
vocábulo (aférese):
obrigado > “brigado” → [.'.]
[] > Ø

Como você pôde observar, as transcrições fonéticas feitas nos


exemplos dos processos fonológicos apresentam pontos para
identificar as sílabas, facilitando a compreensão dos fenômenos
ilustrados. Cabe lembrar que a sílaba tônica é sempre antecedida
por apóstrofo. Para que não haja dúvidas quanto ao fenômeno
exemplificado, optou-se pelo registro em escrita convencional,
juntamente à transcrição fonética.
Observe, no exemplo dado, que, após a mudança indicada em es-
crita convencional (o sinal > indica a mudança da forma anterior
à posterior ao sinal), há a transcrição fonética. Na linha de baixo,
há a transcrição do elemento que sofreu alteração. No caso, o
resultado foi o apagamento, daí o símbolo Ø, que significa vazio.

Apagamento de consoante

O apagamento de consoante pode se dar em diferentes posições silá-


bicas, sendo comum o apagamento de líquidas em posição C2 (segundo
som dos encontros consonantais) ou em início de sílaba e de fricativas
em posição de coda.
São exemplos de apagamento de líquidas em posição C2 ou em início
de sílaba:

94
Português V

drible > “dible” → ['.]


[] > []

bicicleta > “biciketa” → [..'.@]


[] > []

barata > “baata” → [@.'.@]


[] > Ø

velhinha > “veinha”→ ['I~@]


[] > Ø

Esses casos de apagamento de consoante são muito comuns


durante a aquisição da linguagem, uma vez que as líquidas são
adquiridas posteriormente a outras consoantes. O caso do apa-
gamento de C2 ocorre devido ao fato de a estrutura silábica CV
ser adquirida anteriormente ao chamado cluster (sílaba comple-
xa, com encontro consonantal). Vogeley (2012) chama a atenção
para a questão de estudos acústicos mostrarem que as crianças,
nessa fase, embora não realizem a sílaba complexa, tendem a um
alongamento compensatório da vogal, o que demonstra que re-
conhecem ali a presença de uma estrutura silábica diferente do
padrão CV. Sugere-se, assim, que a aquisição da estrutura pro-
sódica precede o domínio do segmento no processo de aquisição
fonológica, ou seja, sua percepção precede a sua produção, o que
ocorre pelo fato de o sistema articulatório da criança ainda não
estar preparado para a produção de determinados sons.

São exemplos de apagamento de fricativas em posição de coda silábica:


pegar > “pegá” → [.']
[] > Ø

garfo > “gafo” → ['.]


[] > Ø

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Aula 13 • Processos fonológicos
Aula 13 • 
Aula 13 • 

mesmo > “memo” → ['e~.]


[] > Ø

O primeiro exemplo desse último grupo (pegar) evidencia uma


tendência comum do PB, em que o som correspondente ao "r"
final dos verbos no infinitivo não aparece na fala atual, seja entre
adultos ou crianças. Tal fato gera, inclusive, dificuldade na escrita
de crianças.

Apagamento de sílaba

O apagamento de sílaba ocorre com sílabas átonas em


diferentes posições.
São exemplos de apagamento de sílaba átona:
acabou > “cabô” → [.']
[] > Ø

bicicleta > “biketa” → [.'E.@]


[] → Ø

fósforo > “fósfo” → ['.]


[] → Ø

Observe, nesse último exemplo, uma tendência em realizar a es-


trutura canônica de acento do português do Brasil, transforman-
do uma proparoxítona – forma marcada – em uma paroxítona.

96
Português V

Apagamento de semivogal

O apagamento de semivogal é bastante comum e o processo também


é conhecido como monotongação ou deditongação.
São exemplos de deditongação:
tomou > “tomô” → [.']
[] > []

roupa > “ropa” → ['x.@]


[] > []

queixo > “quexo” → ['.]


[] > []

loira > “lora” → ['.@]


[] > []

Processos fonológicos por acréscimo

Há vários processos de acréscimos relatados diacronicamente, ha-


vendo diferentes nomenclaturas para designá-los. Por um viés sincrôni-
co, podem ser observados os acréscimos de vogais em determinados vo-
cábulos, resultando nos metaplasmos conhecidos por prótese (início),
epêntese (meio), e paragoge (final).

Etimologicamente, estas três palavras – prótese, epêntese e pa-


ragoge – têm significados semelhantes. Todas vêm do grego e
referem-se à noção de acréscimo.
Prótese, do grego πρόθεσις (prothésis): colocar antes.
Epêntese, do grego ἐπέθεσις (epenthesis): colocar sobre.
Paragoge, do grego πρaγωγη (paragogé): acrescentar adiante.

97
Aula 13 • Processos fonológicos
Aula 13 • 
Aula 13 • 

O fenômeno geralmente ocorre em processos de regularização da


sílaba, quando a estrutura silábica foge do padrão canônico da língua ou
representa dificuldade articulatória durante a aquisição da linguagem.
São comuns, ainda, os acréscimos de semivogais, também conhecidos
como ditongação.
A prótese pode ser notada no exemplo a seguir:
marrom > “amarrom” → [ama'xo~m]

A epêntese pode ser examinada nos exemplos a seguir:


pneu > “pineu” → [.']
advogado > “adivogado” → [...'.]
prato > “parato” → [.'.]

Observe, nesse último exemplo, que a epêntese se deve à dificul-


dade de realizar o cluster silábico, comum durante a aquisição da
linguagem, gerando uma realização no padrão CV.

A paragoge, fenômeno muito raro no português atual, pode ser ob-


servada no exemplo a seguir:
amor > “amori” → [a'mo]

A ditongação pode ser percebida nos exemplos a seguir:


nós > “nóis”→ [']
nascer > “naiscê” → [.']
doze > “douze” → ['.]
arroz > “arroiz” → [.'x]

Processos fonológicos por transposição

Dos processos fonológicos por transposição, o mais comum é a me-


tátese. Esse fenômeno consiste na alternância de segmentos dentro do
vocábulo, o que pode se dar dentro de uma única sílaba ou envolver
duas sílabas distintas.

98
Português V

Metátese é uma palavra de origem grega (μετάθεσις, metátesis)


que significa, literalmente, alteração de proposição. Podemos
entendê-la como transposição.

São exemplos de metátese:


dentro > “drento” → '.]
trator > “tartor” → ['
caderneta > “cardeneta” → [.'.
capacete > “pacacete” → [.'.
primário > “primairo” → [']
bicarbonato > “bicabornato” [b.k.b'n.t]

É ainda possível que não ocorra transposição de segmentos, mas do


acento, que é um elemento suprassegmental. Nesse caso, o nome do fe-
nômeno é hiperbibasmo.
Eis alguns exemplos de hiperbibasmo:
rubrica > “rúbrica” → ['x..@]
nobel > “nóbel” → ['.]
ruim > “rúim” → ['x]

Algumas palavras, como as apresentadas anteriormente, são am-


plamente difundidas na língua com alteração da sílaba tônica, ge-
rando desacordo entre os falantes, além de preconceito linguístico,
por se tratar, em alguns casos, de pronúncias estigmatizadas. Nos
estudos normativos de gramática, a ortoépia/ortoepia encarrega-se
de estudar a chamada “boa pronúncia”. Ironicamente, a palavra que
designa tal estudo prevê duas pronúncias oficiais possíveis.

99
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Aula 13 • 

Atividade 2

Atende ao objetivo 2

1. Assinale o processo presente no exemplo a seguir:


caranguejo → [']
a) ditongação
b) apagamento da semivogal [w] na sílaba tônica

2. A seguir são dados exemplos de palavras conforme realização de


crianças em fase de aquisiçãode linguagem. Registre o(s) processo(s)
fonológico(s) presente(s) em cada caso:
a) bruxa → ['@]: _______________________________________
b) enjoado → [']: ___________________________________
c) fumaça → ['@]: ___________________________________

3. Algumas variantes sociolinguísticas manifestam processos pecu-


liares. Observe as realizações a seguir e assinale o processo fonológico
presente em cada caso:
a) (variante comum no Rio de Janeiro) nasceu → [']
( ) apagamento de vogal
( ) ditongação
( ) metátese

b) (variante comum em Florianópolis) dois → ['os]


( ) epêntese de vogal
( ) deditongação
( ) metátese

4. Qual exemplo a seguir caracteriza-se por conter metátese?


a) condor → [']
b) tábua → ['tawb@]
c) carne → [']

100
Português V

Resposta comentada

1. a) Ditongação, uma vez que a realização manifesta uma semivogal


não prevista na produção esperada. O apagamento de semivogal não
procede, uma vez que se trata, no exemplo, de um dígrafo gu.

2. a) Apagamento de líquida em posição C2. Possivelmente, a pronún-


cia buxa ocorre devido à dificuldade de realização do cluster silábico.
b) Apagamento de sílaba átona inicial (joado).
c) Metátese (mufaça).

3. a) Ditongação (naisceu)
b) Deditongação (dos)

4. b). A alternativa a) apresenta hiperbibasmo (deslocamento do acen-


to) e a alternativa c), semivocalização (processo apresentado a seguir).

Processos fonológicos por substituição

Os processos fonológicos por substituição são mais variados, den-


tre eles, os mais comumente realizados são assimilação, dissimilação e
sândi. Esses processos consistem, basicamente, na substituição de um
fonema por outro ou na troca de algum dos traços que o compõem por
influência contextual.

O processo de assimilação pode se manifestar como: fortaleci-


mento, labialização, plosivização, harmonia vocálica, sonoriza-
ção, dessonorização, palatalização, anteriorização, posterioriza-
ção, alçamento, rotacismo, lambdacismo, vocalização.
Veremos a seguir cada um desses processos.

101
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Assimilação

A assimilação é um processo que ocorre quando um fone assimila


um ou mais traços de outro fone próximo a ele, tornando-se mais se-
melhante ao fone com traço “copiado”. A assimilação pode ocorrer em
ambas as direções, podendo um fone assimilar traços de outro fone em
posição anterior ou posterior a ele no vocábulo. Observe os exemplos
a seguir:
bravo > “brabo”→ ['.], em que o // assimila o traço [-contí-
nuo] de /b/;
vamos > “vomos” → ['o~.], em que a vogal // assimila os traços
[+arredondado] e [+posterior] de //.
Cagliari (2002, p. 102) chama de fortalecimento o processo de subs-
tituição em que há a troca de uma articulação mais “frouxa” por uma
que exige maior esforço, como é o caso da troca de // por //, e de
enfraquecimento quando ocorre o contrário.
Na palavra bravo, a assimilação se dá por fortalecimento. No mesmo
exemplo, ainda, constata-se o processo de labialização, já que o fonema
adquire traços de articulação labial. Verifica-se, também, o processo de
plosivização, quando um fonema fricativo ou africado é substituído por
um plosivo. Como se pode constatar, a mudança de um elemento por
outro pode gerar diferentes fenômenos, a depender dos traços alterados
e do que envolve a alteração. Você precisa estar atento a isso.
Em vamos → ['o~.], verifica-se a assimilação dos traços de uma
vogal para a outra. Nesse caso, temos um fenômeno que se chama har-
monia vocálica, um tipo de assimilação que faz com que as vogais se
tornem iguais ou semelhantes entre si.
O processo de assimilação pode resultar, também, na sonorização de
consoantes surdas em ambientes intervocálicos, tal é o caso, por exem-
plo, das consoantes plosivas, fricativas e africadas surdas que se realizam
como sonoras, por assimilação do traço [+sonoro] de uma vogal que as
segue ou de outra consoante sonora próxima. Observe os casos a seguir
de sonorização:
subsídio > “subzídio” → [.'.]
decote > “degote” → [.'.]
confusão > “gonvuzão” → [n..']

102
Português V

A sonorização das consoantes surdas intervocálicas, fenômeno


bastante difundido no latim vulgar, é um dos traços fônicos de-
terminantes para a caracterização das línguas românicas do oci-
dente (que se sonorizaram), em oposição às línguas românicas
do oriente (que não se sonorizaram). Assim, do lado ocidental,
sonorizaram-se o português, o espanhol, o catalão, o provençal
e o francês. Do lado oriental, não se sonorizaram o italiano e o
romeno. Note a evolução do verbo sapere do latim, que resultou
em saber (p > b) no português, espanhol, catalão e provençal.
A causa do fenômeno é bastante especulada. Há teorias que o as-
sociam à influência dos celtas, com base no argumento de que
entre eles houve um fenômeno geral denominado lenição céltica,
que consistia num debilitamento das consoantes, principalmente
quando intervocálicas.

Num movimento oposto, há dessonorização, que, como o nome su-


gere, consiste na perda do traço da sonoridade.
gato > “cato” → ['.]
você > “focê” → [.']

Outro fenômeno de assimilação, bastante comum no PB, é a pala-


talização (ou palatização), que é um processo em que um segmento
se torna palatal ou mais semelhante a um som palatal ao adquirir uma
articulação secundária palatalizada (do tipo [tj]) ou africada (do tipo
[t]), conforme mostram os exemplos a seguir:
gente → ['.]
leite → ['.]
grande → ['a~n.]
grade → ['.]

Ainda no rol dos fenômenos por substituição, são conhecidos os


processos de anteriorização, posteriorização e o de alçamento. A ante-

103
Aula 13 • Processos fonológicos
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Aula 13 • 

riorização consiste na substituição de um fonema por outro mais an-


terior, o que ocorre, por exemplo, por meio da troca de uma consoante
velar por uma alveolar ou de uma palatal por uma labial, dentre outras
possibilidades de substituição.
churrasco > “surrasco” → [.'x.]

A posteriorização, como o nome indica, é o processo oposto ao da


anteriorização. Caracteriza-se pela substituição de um fonema por ou-
tro mais posterior:
salsicha > “salchicha” → [.'.@]
tesoura > “tijora” → [.'.@]

O alçamento, já estudado, consiste na substituição de uma vogal por


outra mais alta. É o que ocorre com as átonas finais // e //, que se
realizam [] e [], respectivamente, no português atual. Às vezes, o al-
çamento é resultado de um processo de harmonia vocálica, como nas
sílabas iniciais dos exemplos a seguir:
menino > “mininu” → ['i~]
perigo > “pirigu” → [.'.]

Fenômeno bastante recorrente no PB é o da substituição das líquidas:


// por // e // por /l/. Esse processo é muito comum pelo fato de as líqui-
das partilharem muitos traços, o que faz com que seja frequente a troca
de uma pela outra. A troca do // pelo // é chamada de rotacismo. Já a
troca do // pelo /l/ recebe o nome de lambdacismo, caso do personagem
Cebolinha das histórias em quadrinhos da Turma da Mônica.
São exemplos de rotacismo:
problema > “pobrema” → [.'~.@]
Flamengo > “Framengo” → [.'.]

E de lambdacismo:
praia > “plaia” → ['.@]
cérebro > “célebro” → ['..]

104
Português V

Por ser comum em muitas variantes sociolinguísticas, o rotacismo


merece atenção do professor. Algumas realizações são muito es-
tigmatizadas e geram problemas também na escrita das palavras
com líquida trocada.

Outro fenômeno de substituição bastante comum na fase inicial


de aquisição da linguagem é a semivocalização de líquida. Consiste
na substituição de uma líquida por uma semivogal, sendo o fenômeno
também conhecido na literatura por vocalização:
carne > “caine” → ['.]
bola > “bóua” → ['.@]

A semivocalização de líquidas é comum durante a aquisição da


linguagem, embora possa, também, ser decorrente de um encur-
tamento do freio da língua, que impede que seu ápice toque os
alvéolos, gerando uma semivogal, em vez de uma líquida. Nesse
caso, o processo será fonético, não fonológico, já que decorre de
uma limitação na realização do fonema, não numa dificuldade
perceptiva ou distintiva.
Ainda sobre a substituição de líquidas, Vogeley (2012, p. 228) cita
diferentes autores, chamando a atenção para a confusão entre as
líquidas laterais // e //, uma vez que a aquisição da líquida alve-
olar // é mais estável e inicial que a da líquida palatal //, gerando
casos como olho > ['.].

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Dissimilação

Como é possível constatar, a assimilação gera inúmeros fenômenos


fonológicos e é muito recorrente no período de aquisição da linguagem.
Mas há, também, o fenômeno contrário, o da desassimilação ou dissimi-
lação, que se caracteriza pela perda de um ou mais traços de um fone
para se distinguir de outro fone próximo a ele. Assim como ocorre com
a assimilação, é comum que o fenômeno ocorra em ambas as direções.
voo > “vou” → [']

Sândi

Por fim, um processo fonológico por substituição que tem merecido


Sândi atenção dos estudiosos é o sândi, já estudado em aulas anteriores. Se-
Nome da gramática gundo Bisol (2013, p. 53), trata-se de um recurso de que se vale a língua
do sânscrito para
designar alterações para evitar o hiato. Consiste, como foi possível observar na seção sobre
morfofonêmicas. ressilabação, na mudança fonética que sofre um segmento quando está
em final de vocábulo ou em final de morfema, no interior de um vo-
cábulo, por influência do contexto fonético circundante. No primeiro
caso, chama-se sândi externo e, no segundo, sândi interno. É necessário
enfatizar a mudança das estruturas silábicas nesse contexto.
Observe a estrutura silábica das palavras a seguir, iniciadas com o
prefixo trans:
transatlântico → [n..'n..]
transferência → [n..'.@]

O sândi interno ocorrido no primeiro exemplo se dá devido à pre-


sença da vogal inicial da palavra à qual o prefixo se une, obrigando o //
final a se sonorizar. Esse processo ocasiona uma reestruturação silábica,
já que o // sai da posição de coda silábica de trans e passa a realizar-se
como [z] em posição de ataque silábico com o //, o que não ocorre no
segundo exemplo.
Em casos de sândi externo, ocorrem mudanças como as que podem ser
evidenciadas a seguir: se tomados os vocábulos, isoladamente, na expres-
são com a gente, têm-se três vocábulos distintos. No entanto, é possível
que tal expressão se realize da seguinte forma: [.'n.]. O sândi pro-
vocou a união dos vocábulos átonos (com e a) ao vocábulo gente, de modo
que ocorre a realização de um único vocábulo fonológico. O [o~] deu lugar
a uma semivogal [w], que se uniu ao //, formando um ditongo crescente.

106
Português V

Ao término dessa explanação, é importante refletir sobre a influên-


cia dos processos fonológicos na escrita escolar. Bortoni-Ricardo (2006)
aponta dois tipos de problemas na aquisição da escrita em relação a esse
aspecto. O primeiro tipo é oriundo de dificuldades nas convenções da
escrita, conforme mostram os exemplos:
• letras que não correspondem a nenhum som: hoje, haver;
• sons que não são representados por nenhuma letra: pneu (pineu);
• letras correspondendo a vários sons: (sapo /s/, asa /z/);
• sons representados por diversas letras: /s/ (sapo, laço), // (extenso, faz);
• a grafia depende de noções morfológicas: morfema modo-temporal
-sse (fosse em vez de “foce”).
O segundo tipo é resultado da transferência de saberes da fala para
a escrita e comporta variações fonológicas regionalmente distribuídas,
como os diversos processos fonológicos estudados nesta aula. Um exem-
plo é a grafia da palavra muito como “muintos”, que reflete a pronúncia
nasalizada do termo na maioria dos dialetos brasileiros.
Vimos, nesta aula, que os processos fonológicos são reflexos da varia-
ção linguística inerente à língua oral. O professor precisa respeitar a fala
do aluno, porque ela marca a sua identidade e o seu papel social: “Na lín-
gua oral, portanto, o indivíduo tem a variação a seu dispor, cabendo-lhe
aprender na escola e na vida ajustar a variante adequada a cada contexto
de uso.” (BORTONI-RICARDO; OLIVEIRA, 2013, p. 54).
A modalidade escrita padrão, no entanto, é regida por uma ortografia
rígida e invariável e não cabe ao falante fazer escolhas. O domínio da orto-
grafia é um processo longo e perpassa toda a trajetória escolar do indivíduo.
Por isso, é importante que o futuro professor de língua materna conheça as
causas dos “desvios ortográficos” para que possa fazer um trabalho de in-
tervenção na escrita do aluno com maior propriedade e adequação.

O livro da professora Maria Cecília Mollica, Da fala coloquial à es-


crita padrão (2003), é uma boa sugestão de leitura para aqueles que pre-
tendem aprofundar-se mais sobre a influência da fala na escrita escolar e
conhecer algumas propostas didáticas para lidar com essa questão.

107
Aula 13 • Processos fonológicos
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Atividade 3

Atende ao objetivo 2

1. Assinale o processo presente no exemplo a seguir:


camundongo → [o~n'o~n]
a) epêntese de vogal
b) posteriorização
c) harmonia vocálica

2. Assinale o processo presente em:


beneficência → ['@]
a) epêntese de vogal
b) ditongação
c) harmonia vocálica

3. Identifique os processos abaixo, recorrentes na realização de crian-


ças em fase de aquisição da linguagem:
a) tesouro → ['] ______________________________________
b) vestido → ['] _____________________________________
c) sol → ['] ____________________________________________
d) café → ['] __________________________________________
e) chupeta → ['@] ______________________________________
f) desculpa → [Z'] ______________________________________

4. Dê dois exemplos de realizações infantis que manifestem:


g) sonorização ___________________________________________
h) dessonorização ________________________________________
i) anteriorização _________________________________________
j) posteriorização ________________________________________

11. Os exemplos amar alguém [amaaw'gej] e três amigos


[teza'mig] caracterizam o processo fonológico chamado
____________________.

108
Português V

Resposta comentada

1. Harmonia vocálica, pois o // é realizado como uma vogal mais bai-
xa, por assimilação do traço da vogal seguinte.

2. Epêntese de vogal. Nesse caso, não se caracteriza ditongação, uma


vez que a vogal inserida encontra-se em sílaba distinta da vogal //, já
presente na palavra.

3. Em a), ['], temos alçamento da primeira vogal /  [i] por


desassimilação em relação à vogal sequente; deditongação (ou monoton-
gação) por apagamento da semivogal [w]; lambdacismo[l]) e alça-
mento da átona final.
Em b), ['], temos fortalecimento da consoante inicial / [t]
(plosivização ou, ainda, posteriorização, por assimilação com a conso-
ante seguinte) e dessonorização, uma vez que um fonema com traço
[+sonoro] foi substituído por outro sem esse traço; alçamento da pri-
meira vogal // [i], por assimilação do traço [+alto] da segunda
vogal, gerando harmonia vocálica; palatalização da consoante da se-
gunda sílaba // [] e alçamento da átona final, gerando, novamente,
harmonia vocálica.
Em c), ['], temos posteriorização da fricativa //  [].
Em d), ['], temos posteriorização da fricativa //  [s].
Em e), [ǝ], temos abaixamento da vogal inicial por assimilação do
traço da segunda vogal, gerando harmonia vocálica.
Por último, em f), [Z'], temos apagamento de fricativa em posição
de coda /S/ > e apagamento de sílaba átona final /p/  .

4. A resposta é pessoal, mas entre os exemplos a serem dados, estão


previstos os que seguem: a) sonorização: [vo] para flor, [b'ga para
pegar; b) dessonorização: [f'o] para virou, ['ka] para jogar; c) an-
teriorização: ['bow] para gol, [p'bo para acabou; d) posteriorização:
[k'ki] para titia e [v'ko] para voltou.

5. Sândi externo.

109
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Processo ou desvio fonológico?

Como ficou evidente a partir dos exemplos utilizados ao longo des-


te capítulo, os processos fonológicos manifestam-se tanto em fase de
aquisição da linguagem, na infância, como em variantes da língua que
fogem do padrão canônico de ortoépia. Mas, no caso da criança que
está em fase de desenvolvimento da linguagem, como saber se a troca
é desviante ou não? Obviamente, esse é um assunto a ser tratado por
fonoaudiólogos e linguistas, mas aos pais e professores cabem alguns
parâmetros úteis de observação. Othero (2005) identifica alguns pro-
cessos, estabelecendo-os nas idades em que costumam se manifestar e
desaparecer. Observe:

Tabela 13.2: Processos fonológicos de acordo com a faixa etária

Idade
Processo 1:6 2:0 2:6 3:0 3:6 4:0 4:6
Redução CC
Apagamento da sílaba átona
Apagamento da fricativa final
Apagamento da líquida final
Apagamento da líq. intervocálica
Apagamento da líquida inicial
Dessonorização
Posteriorização
Anteriorização
Semivocalização
Substituição da líquida
Plosivização
Assimilação
Sonorização pré-vocálica

Quanto aos desvios fonológicos, Garcia (2004) menciona repetida-


mente o aspecto da ininteligibilidade da fala da criança com esse tipo
de problema. Alerta também para o fato de que há desvios de caráter

110
Português V

articulatório (fonético, portanto) devido a patologias orgânicas, tais


como fissura palatina, mas adverte que não se pode confundir esse tipo
de desvio com o de ordem fonológica. Neste último, a criança, mesmo
desenvolvendo normalmente sua linguagem no que se refere ao aspecto
lexical, morfológico e sintático, por exemplo, serve-se de uns poucos
elementos distintivos (fonemas, fones, traços, estruturas silábicas), tor-
nando difícil a inteligibilidade do que fala.

Regras fonológicas

Ainda em relação aos processos fonológicos, há de se fazer uma últi-


ma observação, como bem aponta Dockhorn:

[...] se algum falante diz, por engano, tachorro, em vez de cachor-


ro, ocorreu um processo fonético esporádico, que talvez nunca
se repita. Se, porém, um grupo numeroso de falantes realiza
sistematicamente o mesmo processo, esse processo é digno de
menção e pode ser objeto de uma regra fonológica. É o caso da
africatização do [t] quando seguido de [i] (DOCKHORN, 2005,
p. 36, grifos do autor).

Regras fonológicas explicitam generalizações, tomando como base


a simplicidade envolvida na contagem de traços que caracterizam os
segmentos. Essas regras são definidas adotando-se uma linguagem for-
mal que facilita os estudos da área, como ocorre com a linguagem ma-
temática ou lógica. Em outras palavras, quando a mudança é previsível
sob determinadas condições, podemos formular uma regra. Vejamos
um exemplo:
V → [+nasalizada] /__ [C +nas]

Leitura da regra: uma vogal (V) se realiza (→) nasalizada em contexto


anterior (/__) a uma consoante nasal ([C +nas]).
Palavras como banana e cama são exemplos dessa regra.
Os estudos fonológicos estabelecem as regras em diferentes níveis de
atuação. Há regras que atuam no nível silábico. Outras, no nível lexical.
Outras, ainda, num nível pós-lexical (nível da frase).

111
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Bisol (2013) explora diversas regras e princípios nos diferentes


níveis, possibilitando um aprofundamento no estudo do assunto.

Conclusão

Pudemos conhecer, nesta aula, diferentes processos fonológicos en-


volvidos não apenas na fase de aquisição da linguagem, mas na fala co-
mum, nas diferentes marcas de variação sociolinguística. Vimos que,
nesses processos, há uma tendência à substituição de uma propriedade
fonológica de difícil realização por outra de produção mais fácil. Esses
processos recebem variadas classificações por diferentes autores. Por
fim, ficou evidente, a partir dos exemplos e das explanações, o quanto
os processos fonológicos interferem na escrita, especialmente em fase
inicial de alfabetização, quando as regras da ortografia ainda não estão
devidamente compreendidas/incorporadas pelo aprendiz.

Atividade final

Atende aos objetivos 1, 2 e 3

1. Observe o sintagma a seguir e assinale o processo fonológico pre-


sente em sua realização:
a chuva → ['@] (variante comum em Cuiabá)
( ) harmonia vocálica
( ) africatização
( ) epêntese

2. Alguns processos fonológicos caracterizam realizações socialmen-


te estigmatizadas. Dê um exemplo para cada um dos processos citados
a seguir:
rotacismo: _____________________________
lambdacismo: __________________________

112
Português V

3. Alguns processos fonológicos podem ser observados durante a


aquisição da linguagem, ainda que não sejam frequentes na fala de to-
das as crianças. Analise o quadro das consoantes já estudado em aulas
anteriores. Ainda que não tenhamos denominado o processo presente
na produção a seguir, como você o denominaria?
polícia  ['@]: _______________________________________

4. A escrita pode manifestar também alguns processos fonológicos


que não correspondem ao padrão ortográfico. Identifique, nos casos a
seguir, quais processos estão envolvidos:
a) “arroiz” para arroz: ______________________________________
b) “trabessero” para travesseiro: _______________________________
c) “papéu” para papel: ______________________________________

Resposta comentada:

1. Africatização de //> [].

2. A resposta aqui é pessoal, mas é importante que reflita a fala de


pessoas adultas em algumas variantes sociolinguísticas, e não a fala de
crianças em fase de aquisição, uma vez que os processos se encontram
em ambos os casos. Assim, entre as respostas possíveis, esperam-se
exemplos como os seguintes: a) rotacismo: “bicicreta” (bicicleta), “bru-
sa” (blusa), “chicrete” (chiclete) etc.; b) lambdacismo: "calne" (carne),
"colado" (corado) etc.

3. Embora haja também, no exemplo dado, o apagamento de semivogal


(deditongação), o processo menos comum ali é a nasalização de líquida.

4. Em a), a ditongação que caracteriza a fala gera confusão na orto-


grafia de algumas palavras, levando a registros como o do exercício:
arroiz. Em b), há dois processos envolvidos no registro não padrão: a
plosivização de //> [b] e o apagamento da semivogal (monotongação
ou deditongação), que também gera dúvidas quanto à ortografia de inú-
meras palavras, especialmente na fase inicial de alfabetização. Em c), a
semivocalização das líquidas em posição de coda, recorrente na fala dos
brasileiros, leva à dificuldade no registro escrito de várias palavras.

113
Aula 13 • Processos fonológicos
Aula 13 • 
Aula 13 • 

Resumo

Processos fonéticos e fonológicos são fenômenos de alteração que ocor-


rem com os fonemas e fones, facilitando a realização de um dado som
ou grupo de sons, seja pela criança, em fase de aquisição da linguagem,
ou pelo adulto, em sua fala cotidiana. O estudo desses processos fono-
lógicos possibilita a compreensão de mudanças na língua, de variações
fonéticas, de desvios ortográficos, da aquisição da linguagem, de proble-
mas fonoaudiológicos e do processamento psicolinguístico.
Os diferentes processos se caracterizam por serem de supressão, adição,
transposição e substituição. Dentre os processos de supressão, são comuns
o apagamento de vogal, o apagamento de consoante, o apagamento de se-
mivogal, bem como o apagamento de sílaba. A epêntese e a ditongação
são processos por acréscimo ou adição. A metátese e o hiperbibasmo, por
sua vez, são processos de transposição. Os processos de substituição, por
fim, são os mais variados. Dentre eles, encontram-se os inúmeros pro-
cessos provocados pela assimilação (enfraquecimento, fortalecimento,
harmonia vocálica, plosivização, labialização, palatalização, sonorização,
dessonorização, rotacismo, lambdacismo, anteriorização, posteriorização,
vocalização de líquida e o alçamento), além da desassimilação e do sândi.
Desvios fonológicos são alterações da fala que permanecem após o pe-
ríodo de aquisição da linguagem, gerando ininteligibilidade na fala da
criança, mesmo sem haver disfunções e anomalias articulatórias, fisio-
lógicas ou neurológicas que as justifiquem. Quando os processos são
previsíveis devido ao contexto em que se realizam, é possível formular
regras fonológicas que os formalizem.

114
TEXTO 17

11. FONÉTICA E FONOLOGIA:


TEORIA E PRÁTICA NO ENSINO DO PORTUGUÊS
Carolina Serra e Dinah Callou
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Introdução
Neste artigo, vamos defender que o conhecimento de teorias fonológicas
e a prática da análise de dados de fala na formação do profissional de
Letras – que vai trabalhar com o ensino do português como Língua 1
ou Língua 2 – são fundamentais.
Na nossa concepção, a natureza um tanto abstrata dos conceitos en-
volvendo fonética e fonologia deveria ser utilizada positivamente no
ensino de outros conteúdos gramaticais como instrumento de compre-
ensão da realidade menos sensível, de forma a que sejamos capazes de
chegar a conclusões a partir da observação do funcionamento linguís-
tico e analisar a sistematização dos fatos da língua em seus contextos
de produção.
Do ponto de vista do ensino da chamada norma culta, é necessário
ressaltar a importância do conhecimento da pluralidade de normas cul-
tas locais, no que concerne aos aspectos de pronúncia. Como já afir-
mava Rona (1965), parece inevitável que, para introduzir o ensino, em
qualquer nível, de uma variante culta regional, seja necessário que se
tenha, de antemão, sua descrição. É nesse ponto que é possível estabe-
lecer uma relação entre o ensino – tarefa normativa – e a investigação
dialectológica – tarefa descritiva, em seu sentido lato – que vai oferecer
um quadro da variação linguística para um ensino mais efetivo.
Também temos defendido que o conhecimento de teorias fonológicas
pode auxiliar o professor de português na orientação de seus alunos em
tarefas orais e escritas. Tomemos como ponto de partida os pressupostos
196 Dinah Callou e Carolina Serra

da Fonologia Prosódica (Nespor e Vogel 1986 [2007]), no que se refe-


re à segmentação do fluxo da fala em unidades menores (fraseamento
prosódico). Em tarefas de aquisição e aperfeiçoamento da escrita, o pro-
fessor poderá ter uma percepção mais ampla, por exemplo, de aspectos
de pontuação e segmentação não-convencional na escrita e orientar me-
lhor o desempenho de seus alunos, se perceber que muitos fenômenos
“desviantes” podem ser explicados pela observação do funcionamento
da gramática (prosódica) do aluno/falante. Com isso, o professor terá a
clareza de que um erro de ortografia ou de pontuação não é um erro na
língua! Passemos à seção seguinte.

O ensino de língua portuguesa e a relação fala/escrita


Antes de passarmos propriamente à análise de casos que envolvem pon-
tuação e hipo/hiperssegmentação de palavras, gostaríamos de remeter
o leitor a estudos que vêm sendo desenvolvidos sobre a relação entre
segmentação não-convencional de palavras, pontuação e prosódia, no
português do Brasil: Chacon (2004, 2006), Tenani (2004, 2008, 2016),
Tenani e Longhin-Thomazi (2007), Pacheco (2008), Tenani e Soncin
(2010), Soncin (2014), entre outros.
No que se refere à pontuação, a coluna abaixo1 é sintomática do que
queremos focalizar relativamente à (não) relação entre sintaxe, prosódia,
pontuação e ensino. Sendo alvo de avaliação social, como se pode per-
ceber do comentário do economista Ricardo Amorim, o uso da língua,
oral e escrita, é tido muitas vezes como uma grife a indicar quem é quem
socialmente. Nesse sentido, o uso da língua pode ser alvo de estigma ou
de prestígio e pode levar a julgamentos preconceituosos sobre o falante/
escrevente. Esses julgamentos nada têm a ver com o valor das formas
linguísticas (variantes) em si, mas com os valores sociais que as reco-
brem (Faraco 2008).
O professor de português é então desafiado a ir além do que diz a
regra (ou as regras, a depender do gramático a ser considerado), se quer
explicar efetivamente o que acontece na língua. Indo além da contro-
vérsia política e, sobretudo, normativa, que envolve a contenda expressa

1
Fonte: Revista Veja online.
11. Fonética e fonologia: Teoria e prática no ensino do português 197

por um leitor na coluna “Quem estuda, separa sujeito de predicado com


vírgula?”, de Sérgio Rodrigues2, o professor tem a seu dispor, a partir de
um texto como este, duas frentes de trabalho: 1) aquela relativa ao uso
da língua como instrumento de discriminação social, explorada acima,
fortemente relacionado ao desconhecimento do próprio funcionamento
da língua e da sua história, e 2) aquela relativa à discussão das relações
entre fala-escrita, sintaxe-prosódia.

Caro Sérgio Rodrigues,


O renomado economista Ricardo Amorim, comentando a rela-
ção entre o nível de escolaridade da população e os eleitores da
presidente Dilma, postou em seu perfil no Facebook a seguinte
mensagem acompanhada de gráficos de uma pesquisa Datafolha:
“Quem estuda, não vota na Dilma”
Tal comentário suscitou bastante polêmica, e houve quem apon-
tasse um suposto erro gramatical nessa frase em relação ao em-
prego da vírgula. Um leitor inconformado chegou a retrucar, pos-
tando a seguinte mensagem em sua página: “Quem estuda não
separa sujeito e predicado com vírgula. Sua economia prescinde
do português, Ricardo Amorim?”
A crítica recebeu 806 curtidas e levou o próprio economista a
se justificar, dizendo que “a vírgula é opcional depois do sujeito
oracional” [...]

No que se refere à (não) relação entre fala-escrita e sintaxe-prosó-


dia, vamos tomar como base os constituintes da hierarquia prosódica
e suas fronteiras (Nespor e Vogel 1986 [2007])3, para lançar luz sobre
a relação entre fraseamento prosódico e pontuação. A escrita, assim
como a fala, é heterogênea. Muita dessa heterogeneidade da escrita se
deve ao fato de que, antes de se tornar escrevente, o indivíduo é falante

2
<https://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras> (8 dez 2014)
3
Neste modelo são postulados os seguintes domínios/constituintes hierarquica-
mente organizados: sílaba (σ) < pé métrico (Σ) < palavra prosódica (PW) < sintagma
fonológico (PhP) < sintagma entoacional (IP) < enunciado fonológico (U). Os cons-
tituintes de níveis mais baixos (sílaba e pé) acessam apenas informações fonológicas
para a sua constituição; a palavra fonológica acessa informações fonológicas e mor-
fossintáticas; e os domínios superiores à palavra fonológica são constituídos a partir
de informações fonológicas, sintáticas e até mesmo semânticas e pragmáticas.
198 Dinah Callou e Carolina Serra

e as relações que se dão na fala natural podem se transpor para o regis-


tro escrito. O que chamamos de fraseamento prosódico – importante
função da prosódia de segmentar a fala em unidades menores – parece
ter um papel bastante interessante na tarefa de orientação da aquisi-
ção/aperfeiçoamento da escrita, especificamente no que se refere à
pontuação de textos escritos.
A intuição do falante é infalível e as teorias fonológicas de base
prosódica buscaram capturar isso através, por exemplo, do mapea-
mento do contínuo sonoro em constituintes prosódicos, tomando co-
mo base informações tanto (morfo)sintáticas, quanto fonológicas e
mesmo semântico-pragmáticas. Queremos dizer com isso que, quando
o falante da língua faz declarações intuitivas sobre pontuação, tais co-
mo “respirou, põe vírgula”, “terminou um pensamento, coloca ponto”
ou “se tem silêncio, coloca ponto”, ele está dando pistas das regras
que subjazem à sua gramática. De acordo com a fonologia prosódica
(Nespor e Vogel 1986 [2007]), orações, por um lado, e vocativos, fra-
ses parentéticas (com ou sem verbo), perguntas de confirmação (não
é?), etc, por outro, constituem um domínio de entoação importante nas
línguas chamado sintagma entoacional, um constituinte que, agregan-
do essas informações sintáticas acima e aquelas relativas a tamanho
fonológico do constituinte em número de sílabas e de palavras prosó-
dicas (palavras com acento lexical),4 é candidato a receber um contor-
no entoacional (uma melodia de frase, que pode ser de pergunta, de
asserção, de pedido, de ordem etc...). Daí que um constituinte sintático
como o sujeito de uma oração não necessariamente estará adjunto ao
verbo do ponto de vista prosódico, pois questões relativas à ordem dos
constituintes sintáticos e, principalmente, relacionadas ao tamanho do
constituinte sujeito podem determinar que o sujeito sintático esteja ou
não junto do predicado; em outras palavras, quanto mais material fo-
nológico tiver o sujeito, maior a probabilidade de que ele seja fraseado

4
A formação do sintagma entoacional (IP) está sujeita a condições de tamanho
prosódico: sintagmas longos (em número de sílabas e de palavras prosódicas) tendem
a ser divididos, da mesma forma que sintagmas pequenos tendem a formar um único
IP com um IP adjacente, o que leva à formação de sintagmas com tamanhos equili-
brados (Frota 2000, Serra 2009), independentemente, em parte, da relação sintática
entre os constituintes.
11. Fonética e fonologia: Teoria e prática no ensino do português 199

separadamente. Na escrita, maior será a probabilidade de que ele seja


separado por vírgula do restante da sentença.
A postulação teórica da existência do sintagma entoacional, bem co-
mo dos demais constituintes prosódicos, se deu pela observação, na fala,
da aplicação de processos fonológicos segmentais e suprassegmentais os
mais variados, e também pela presença/ausência de pausa em terminados
pontos da frase. Mais recentemente, as evidências das fronteiras desses
constituintes também têm sido encontradas em dados de escrita, como
este que envolve o uso da vírgula. Esse conhecimento todo que virou
teoria, o falante sabe de cor. O professor precisa ter conhecimento desses
fatos para poder orientar as tarefas dos/com os alunos em sala de aula...
Vale a pena ainda focalizar aspectos de escrita relativos a segmen-
tações não-convencionais de palavras e sua relação com a prosódia,
tomando por base o estudo de Tenani (2016), que analisa o uso de pala-
vras escritas cujas fronteiras gráficas não seguem as convenções orto-
gráficas do português, em textos escritos de alunos ao longo dos anos do
ensino fundamental I e II (EF I e EF II). A autora investiga a ausência de
fronteiras entre palavras, a chamada hipossegmentação (“derrepente”)
e a presença de fronteiras dentro da palavra, a chamada hipersegmen-
tação (“morava-mos”). Não serão explorados aqui estes aspectos, mas
a autora verifica também os efeitos das variáveis sexo/gênero e anos
de escolarização na frequência de segmentação não-convencional de
palavra, com resultados interessantes sobre o comportamento escrito de
meninos e meninas em relação a essa variável. Vale conferir...
Especificamente sobre as hipersegmentações (cfr. palavras subli-
nhadas a vermelho, Figura 1), a autora atesta que sua frequência é re-
duzida conforme o aumento dos anos letivos, no EF II, diferentemente
do que acontece no EF I. Da análise de características prosódicas das
hipersegmentação no EF II, a autora conclui que há hipersegmentação
de sílabas átonas quando essas potencialmente correspondem a clíti-
cos prosódicos monossilábicos (palavras morfossintáticas sem acen-
to), e que se verifica o uso dos espaços entre sílabas em certas hiper-
segmentações para expressar silabação, como recurso para destacar
palavras de um enunciado.
Como principal contribuição do estudo, a autora destaca «a caracte-
rização da natureza complexa do processo de segmentação do texto em
200 Dinah Callou e Carolina Serra

palavras, consideradas relações entre fala e escrita, oralidade e letra-


mento, temas que interessam não apenas a pesquisadores das áreas de
Linguística e Linguística Aplicada, mas também de áreas de Educação
e Saúde» (Tenani 2016: 04).

Figura 1:5 Usos não-convencionais de hífen em formas verbais (Tenani 2016: 110).
Texto produzido por uma menina, no 9º ano. Fonte: Banco de Dados de Escrita do EF II
(Z11_8B_18F_01)

Essas questões de hipo/hipersegmentação não são recentes e já estão


registradas em textos manuscritos dos séculos XVIII e XIX (Exemplos i
e ii, Figura 2),6 o que demonstra que o fato está mais ligado à gramática

5
A Figura 1 aqui transposta se refere à Figura 3.4 do original de Tenani (2016).
6
Exemplos retirados de cartas do remetente João Nepomuceno de Sá, escritas no
Rio de Janeiro, todas de 1812, que representam indícios de características grafológi-
cas, tanto grafo-fonéticas e grafismos da época, quanto a irregularidade na indicação
de fronteira vocabular.
11. Fonética e fonologia: Teoria e prática no ensino do português 201

do falante e não necessariamente a seu grau de letramento e inserção


social, não sendo restrito ao português do Brasil.
Alguns dos textos de que foram retirados os exemplos foram escritos
por pessoas eruditas e dirigidas a alguém do seu mesmo nível ou superior,
embora não se possa esquecer que, àquela altura, não tinha havido ainda
uma normatização da escrita. Conforme observou Barbosa, em sua tese
de Doutorado (1999), não é a simples presença de índices grafo-fonéticos
que possibilita identificar o grau de habilidade de escrita de um redator.

1. Exemplos de hipossegmentação: artigos e preposições adjungidos


ao nome ou ao verbo: aintriga, anoticia, denovo, aesta, etc. (Almeida,
Barbosa, Callou 2014: 180)

Fragmento Carta mss.224_206, linha 10

Fragmento Carta mss.224_208, linha 12

Fragmento Carta mss.224_206, linha 9

Fragmento Carta mss.224_206, linha 7


202 Dinah Callou e Carolina Serra

2. Exemplo de hipossegmentação e grafia fonética para a expressão


<eis aqui> → e[z]aqui (grafado exaqui). (Almeida, Barbosa, Callou
2014: 178)

Fragmento Carta mss.224_207, linha 18

Figura 2: Carta de Carlos Aguiar a Rui Barbosa (RJ, 19.11.1894) – Callou e Barbosa (2011: 68).

Nesta seção procuramos chamar a atenção para o fato de que as-


pectos de pontuação e segmentação não convencionais na escrita têm
origem na gramática da fala, modalidade que também merece destaque
nas aulas de português; na verdade, os conhecimentos que o aluno já
traz consigo no nível intuitivo, ao chegar à escola, são o ponto de partida
fundamental para o aprimoramento das atividades orais e o desenvol-
vimento da escrita.
11. Fonética e fonologia: Teoria e prática no ensino do português 203

O ALiB e a diversidade de produção dos sons da fala nas mais di-


versas regiões do Brasil
Considerando que não só o respeito à diversidade mas também o seu tra-
tamento nas salas de aula constam das diretrizes nacionais para o ensino
do português (Brasil 2000: 15-23), os cursos de Letras devem preparar
seus licenciandos para lidar com essa diversidade. O saber acadêmico-
-científico a ser adquirido/desenvolvido pelo estudante de Letras passa,
portanto, pelo domínio das teorias linguísticas modernas que alicerçam
a sua formação e pela prática da análise de dados linguísticos, que irão
nortear a sua atuação nas aulas de português (Callou e Serra 2017).
No que se refere à diversidade linguísica, podemos dizer que, atual-
mente, já dispomos de um quadro bastante claro do comportamento de
indivíduos representantes das mais diferentes normas, com as mais di-
versas experiências de contato com leitura e escrita e oriundos das mais
diversas regiões do Brasil. Isso porque a pesquisa linguística brasileira
pós-estruturalismo tem se dedicado intensamente à descrição da fala e
da escrita (padrão e não padrão) e ao fornecimento de aparato teórico e
metodológico para o tratamento das questões linguísticas, inclusive das
relativas à variação. Muitos estudos têm se dedicado a mostrar que as gra-
máticas de fala e escrita não são uniformes, mas variáveis, e que o ensino
do português e os manuais descritivos utilizados para este fim devem
urgentemente se dedicar à apresentação e ao tratamento da variação e da
mudança linguística (Callou 1996, 2011, 2018; Duarte 2012), contemplan-
do o que recomendam os parâmetros curriculares nacionais: «o estudo da
língua materna na escola aponta para uma reflexão sobre o uso da língua
na vida e na sociedade» (Brasil 2000: 16). Como iremos mostrar, as pes-
quisas na perspectiva dialectológica e sociolinguística desempenham um
papel crucial nessa tarefa de descrição do uso real da língua.
Elaborado com o objetivo de revelar amplamente as normas que sub-
jazem ao rótulo “português do Brasil”, o Atlas Linguístico do Brasil
(Cardoso et al. 2014) cumpre a função de apresentar as tendências atuais
da fala do brasileiro nos quatro cantos do país, levando em conta infor-
mações do componente diastrático, com a consideração da escolaridade
fundamental e da escolaridade universitária; do componente geracional,
contemplando faixa etária I (18 a 30 anos) e II (50 a 65 anos), e sexual,
sendo considerados tanto informantes masculinos quanto femininos. O
204 Dinah Callou e Carolina Serra

inquérito aos 1.100 informantes do Projeto ALiB, nas cinco regiões do


país (25 capitais brasileiras + 225 pontos do interior), deu origem às
cartas fonéticas, semântico-lexicais e morfossintáticas que compõem a
publicação e que permitem revelar um rico cenário de diversidade.
Com uma população residente estimada em 209.419.892 indivídu-
os (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 2019), ocupando um
território de dimensões continentais (8,5 milhões de km2), o Brasil
comporta as cinco regiões geográficas ilustradas na Figura 3, a seguir:
Norte, em verde; Nordeste, em amarelo; Sudeste, em bege; Sul, em li-
lás, e Centro-Oeste, em laranja. As cartas linguísticas que serão foco
da nossa análise daqui em diante são as cartas fonéticas sobre o tipo de
realização (Exemplos 1 e 2) e a distribuição do cancelamento dos ró-
ticos em coda silábica externa (Exemplos 3 e 4), sobre a palatalização
de /s/ em coda interna e externa (Exemplos 5 e 6), sobre a palatalização
de /t, d/ diante de [i] (Exemplos 7 e 8) e sobre os padrões entoacionais
de frases assertivas e interrogativas (Figuras 12 e 13, mais a frente),
considerando as 25 capitais estudadas no ALiB (Cardoso et al. 2014).

Figura 3: Regiões geográficas brasileiras (Carta 1, Cardoso et al. 2014).


11. Fonética e fonologia: Teoria e prática no ensino do português 205

Ex. 1: A minha é melho[x]. (Fal. 4 – Rio de Janeiro, Região Sudeste)


Ex. 2: Minha mãe tava bem melho[ɹ] do que ontem. (Fal. 4 –
Curitiba, Região Sul)
Ex. 3: Ali só era mulhe[Ø] livre (Fal. 3 – Rio Branco, Região Norte)
Ex. 4: A moça começou grita[Ø], aí apareceu (Fal. 2 – Teresina,
Região Nordeste)
Ex. 5: Barraca, biro[ʃ]ca, bar. (Fal. 1 – Rio de Janeiro, Região
Sudeste)
Ex. 6: Eu go[s]to de trabalhar lá, go[s]to de lecionar, go[s]to, sim.
(Fal. 8 – Porto Alegre, Região Sul)
Ex. 7: O carioca não, já fala totalmen[t]e [d]iferen[t]e (Fal. 2 –
Natal, Região Nordeste)
Ex. 8: “Nascen[tS]e, o sol nascen[tʃ]e. Amanhecer.” (Fal. 4 –
Florianópolis, Região Sul)

Considerando em separado verbos e nomes, as Figuras 4 e 57 mostram


como a pronúncia dos róticos distingue as regiões brasileiras: enquanto
no Norte, Nordeste e em parte do Sudeste e Centro-Oeste predominam
as realizações fricativas (posteriores), em vermelho e amarelo, no res-
tante do país, as realizações vibrantes (anteriores), em azul e verde, são
mais frequentes.

Figuras 4 e 5: Distribuição das realizações do rótico em coda externa em nomes (esquerda)


e em verbos (direita) – Cartas F04 C3 e C4, Cardoso et al. (2014).

7
Na legenda das Figuras, temos a seguinte relação entre cores e realização do
rótico: Vermelho: fricativa glotal, Amarelo: fricativa velar, Azul escuro: vibrante
retroflexa e Verde escuro: tepe.
206 Dinah Callou e Carolina Serra

Relativamente ao avanço do cancelamento do R em coda externa,


se justifica mais ainda a observação do fenômeno por classes morfoló-
gicas. Nos nomes (Figura 6), o processo avança pelo Nordeste, já que,
em todas as nove capitais, os percentuais de cancelamento (em amarelo)
são bastante superiores aos de presença do segmento (em vermelho), o
que também acontece na capital do Acre, Rio Branco, da região Norte.
Na região onde predomina, relativamente ao tipo de produção dos ró-
ticos, a variante mais posteriorizada, nomeadamente a fricativa glotal,
como vimos nas Figuras 4 e 5, é onde há também mais apagamento do
R. Entre os verbos, entretanto, os percentuais de apagamento (variáveis
pelas regiões do país) são sempre superiores ao de manutenção (Figura
7), evidenciando que esse é um fator linguístico que propicia a difusão
da mudança. As pesquisas sociolinguísticas revelam que o cancelamen-
to é favorecido na classe dos verbos, porque neles o rótico é uma marca
morfológica redundante para indicar o infinitivo/subjuntivo verbal no
português (quereR, quiseR), concorrrendo com a marca prosódica do
acento de palavra e perdendo para ela.

Figuras 6 e 7: Distribuição do cancelamento do rótico em coda externa em nomes (esquerda) e em


verbos (direita) – Cartas F04 C1 e C2, Cardoso et al. (2014).

A seguir, na Figura 8, podemos observar a distribuição do fenômeno


da palatalização de /s/ em coda interna (em vermelho) e externa (em
amarelo), o famoso “chiado”, típico do falar carioca, mas presente tam-
bém em outras regiões do país. Além de ocorrer mais do que a reali-
zação sibilante no Rio de Janeiro, também em Florianópolis, Recife,
Macapá e Belém o /s/ palatalizado predomina. O contexto linguístico é
11. Fonética e fonologia: Teoria e prática no ensino do português 207

fundamental para a análise da palatalização, visto que atinge primeiro a


coda interna e depois a externa. Em muitas capitais do país, a palatali-
zação ocorre somente (e com percentual mais baixo do que a realização
não palatalizada) em coda medial de palavra; e mesmo em Recife e
Florianópolis, o percentual de /s/ chiado é maior na coda interna do que
na externa.

Figura 8: Distribuição da palatalização de /s/ em coda interna e externa –


Carta F05 C1, Cardoso et al. (2014).

Para a observação da palatalização de /t, d/ diante de [i] (Figura 9),


também são analisados separadamente dois contextos linguísticos dife-
rentes: aqueles (em vermelho) nos quais o [i] é uma vogal permanente
([i] < /i/ -- tio, dia, estiar, diabo) e aqueles (em amarelo) nos quais o
[i] é uma vogal resultante de outros processos fonológicos ([i] < /E, I/
-- noite, tarde, tesoura, desvio). Diferentemente do que ocorre com a
palatalização de /s/, a palatalização de /t, d/ diante de [i] é bastante geral
nas capitais brasileiras – independentemente da vogal gatilho do proces-
so ser permanente ou não –, exceto nas capitais nordestinas de Aracaju,
208 Dinah Callou e Carolina Serra

Maceió, Recife, João Pessoa e Natal, nas quais predominam as pronún-


cias (dento)alveolares dessas consoantes. Observe-se que em Curitiba
(Sul) e Cuiabá (Centro-Oeste), a palatalização ocorre um pouco menos,
principalmente nos contextos de [i] não permanente.

Figura 9: Distribuição da palatalização de /t, d/ diante de [i] – Carta F06 C1, Cardoso et al. (2014).

Na sequência, apresentamos um aspecto da fala importantíssimo pa-


ra a distinção dialetal e nem sempre considerado nas aulas de português,
mesmo na Universidade: a prosódia. Mais especificamente, vamos abor-
dar aspectos relativos à entoação/melodia dos falares brasileiros, toman-
do como base dois estudos precursores na área, Silvestre (2012) e Silva
(2011), pois descrevem dois tipos frásicos essenciais para a comunicação
humana, a asserção e a pergunta, em termos regionais amplos. Ambas
as autoras fundamentam seus estudos nos aportes teóricos da Fonologia
Prosódica e da Fonologia Entoacional Autossegmental e Métrica, que
assumem que a entoação se manifesta através de uma estrutura hierár-
quica dos constituintes fonológicos/prosódicos das línguas.
11. Fonética e fonologia: Teoria e prática no ensino do português 209

Através do mapeamento do que acontece no contorno melódico na


porção inicial da frase (região pré-nuclear) – mais especificamente, na
primeira palavra com acento – e na porção final (região nuclear) – mais
especificamente, na última palavra com acento –, as autoras vão anotan-
do, por meio de símbolos que representam maior altura/subida melódica
(tons altos – H) e vales ou descidas (tons baixos – L), e por meio da sua
combinação, os padrões melódicos de cada falar. A notação entoacional
é complementada pelos símbolos (*), que indica a localização da sílaba
tônica, e (%), que indica a fronteira final da frase.
No que se refere aos enunciados assertivos neutros, ou seja, grosso
modo, aqueles emitidos para fornecer uma informação ou para responder
a um questionamento, a proposta de divisão dialetal do Brasil realizada
por Silvestre (2012), e contemplada no ALiB, delimita pelo menos três
grandes áreas geográficas, a partir de três padrões entoacionais (Figura
10): aquela circunscrita pelo Norte e Nordeste do país, em que há a pro-
eminência do acento pré-nuclear em nível alto (H*____H+L*L%, em
rosa; as regiões Sudeste e Centro-Oeste, onde há semelhança dos níveis
da F0 no acento pré-nuclear e no acento nuclear (L+H*____H+L*L%,
em verde), com padrão ilustrado na Figura 12, e a região Sul, onde há
proeminência do acento nuclear (L+H*____H+H*L%, em azul). A au-
tora destaca ainda a existência de características mais particulares em
termos de distribuição, para além das macrodiferenças: «alinhamento
tardio do pico (em laranja) e ligeira ascendência da F0 na sílaba final
(em roxo)» (Silvestre 2012: 109).
Para as perguntas (Figuras 11), interrogativas sim ou não, também
podemos depreender três padrões melódicos, sendo predominante no
país aquele capturado pela notação entoacional L+H*____L+H*L%
(em verde), com padrão ilustrado na Figura 13, que indica, no núcleo da
frase (palavra final) uma subida melódica na tônica, iniciada a partir de
um vale na sílaba anterior, e posterior descida na postônica final, que
dá origem a uma fronteira baixa. Os outros dois contornos – L+H*____
L+H*H% (em rosa) e L+H*____L+L*H% (em azul) – se distinguem do
anterior, fundamentalmente, pela ocorrência da fronteira alta ao final da
frase. Em duas capitais nordestinas, Aracaju e Maceió, os três padrões
melódicos foram encontrados.
210 Dinah Callou e Carolina Serra

Figuras 10 e 11:8 Distribuição dos padrões entoacionais de assertivas (Silvestre 2012: 109) –
à esquerda – e interrogativas (Silva 2011: 127) – à direita.

Figuras 12 e 13:9 Padrão entoacional de assertivas L+H*____H+L*L% (Moraes 2008: 1) –


à esquerda – e de interrogativas L+H*____L+H*L% (Moraes 2008: 5) – à direita.

Para concluir esta seção, podemos dizer que dois processos se desta-
cam em relação às consoantes: a posteriorização e a fricativização. As
realizações do /R/ como uma vibrante ou fricativa, constituem variações
na sua articulação que se verificam no eixo vertical, enquanto as rea-
lizações alveolar/velar/aspirada do /R/ e alveolar/pós-alveolar/aspirada
do /S/ se devem a um deslocamento na dimensão longitudinal. Acresce
que a tendência à posteriorização do ponto de articulação da consoante
– que pode ser acompanhada por um processo de enfraquecimento e
perda que acaba por levar a seu apagamento – pode ser considerada um

8
A Figura 10 aqui transposta se refere à Figura 58 do original de Silvestre (2012)
e a Figura 11, à Figura 51, de Silva (2011).
9
As Figuras aqui transpostas se referem, respectivamente, às Figuras 1 e 8 do
original de Moraes (2008).
11. Fonética e fonologia: Teoria e prática no ensino do português 211

universal linguístico, tendo sido já observada em línguas românicas e


germânicas (Callou 1987).
Outro aspecto a ser levado em conta no processo de ensino/aprendi-
zagem e que irá contribuir para um melhor entendimento das normas
dialetais de uso da língua nas diversas regiões do país, diz respeito ao
fato de nem sempre regiões geográficas contíguas apresentarem a mes-
ma distribuição de variantes: (i) em alguns casos, opõe-se nitidamente
uma região mais ao sul a uma região mais ao norte, como no caso da re-
alização fricativa posterior do /R/ em coda; (ii) em outros, regiões geo-
graficamente próximas não compartilham um mesmo processo, como é
o caso das consoantes (dento)alveolares /t/ e /d/ diante da vogal anterior
alta /i/, processo atuante em Salvador, mas não em Recife e Aracaju, e
de outro lado, o processo de palatalização do /S/ em coda silábica, em-
blemática da fala carioca, mais frequente em Recife que em Salvador e
rara em São Paulo e Porto Alegre, por exemplo.

À guisa de conclusão
Do balanço que fizemos sobre o papel da teoria e da descrição lin-
guísticas no ensino do português, fica o seguinte: 1) a importância do
conhecimento das teorias linguísticas que irão capturar padrões/regula-
ridades e oferecer potencial explicativo para os fatos da língua (falada e
escrita), o que torna o ensino da língua uma tarefa mais prática, coerente
e eficaz; e 2) a importância do conhecimento da pluralidade de normas
locais, no que concerne aos aspectos de pronúncia (e não só), pois daí se
chega às características sociais, culturais e históricas da região onde se
dará o ensino, o que é fundamental para sua contextualização.
Nós, professores de português, estamos no caminho...

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212 Dinah Callou e Carolina Serra

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