Tribunal de Justiça
Gabinete Des. João Luiz Azevedo Lessa
Habeas Corpus Criminal n. 0800002-94.2022.8.02.9002
Estupro de vulnerável
Câmara Criminal
Relator:Des. João Luiz Azevedo Lessa
Impetrante : Leandro da Silva Santos.
Impetrante : Manoel Leite dos Passos Neto.
Paciente : Mareval Emiliano da Silva.
Impetrado : Juiz de Direito da Vara de Único Ofício da Comarca de
Maravilha/AL.
Impetrado : Ministério Público.
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO
DE VULNERÁVEL. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA
VISANDO A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, PARA A
APLICAÇÃO DA LEI PENAL E DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
RETRATAÇÃO DA VÍTIMA EM SEU INTERROGATÓRIO
ONDE INCOCENTA O PACIENTE DO COMETIMENTO DO
CRIMA. AUSÊNCIA DE REQUISITOS QUE AUTORIZEM A
PRISÃO. PACIENTE IDOSO, PRIMÁRIO E COM RESIDÊNCIA
FIXA. CUSTÓDIA PREVENTIVA SUBSTITUÍDA POR MEDIDAS
CAUTELARES ALTERNATIVAS AO CÁRCERE. REGULAR
CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS CAUTELARES IMPOSTAS
QUANDO DA CONCESSÃO LIMINAR DO WRIT. ORDEM
CONHECIDA E PARCIALMENTE CONCEDIDA EM
DEFINITIVO. I – O paciente foi condenado pelo crime de estupro de
vulnerável por ter cometido relaçõpes sexuais com menor que a
época tinha 11 (onze) anos de idade. II – Nos presentes autos, a
defesa alega que a vítima, atualmente maior de idade, se dirigiu a
delegacia com o seu pai e prestou depoimento apresentando versão de
que nunca foi tocada pelo paciente. Após ajuizamento da ação de
justificação, ela apresentou a nova versão que o inocenta e diante do
surgimento da nova prova surgida, foi impetrado habeas corpus
pedindo o relaxamento da prisão preventiva ou a substituição por
medidas cautelares diversas do cárcere. Diante disso, fora concedida
prisão domiciliar com o uso de monitoramento eletrônico raio zero
até o julgamento do recurso da apelação criminal. Recurso de
apelação criminal negado, manutenção das medidas cautelares
impostas até a execução final da sentença. III –– Liminar confirmada.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, tombados
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sob o nº 0800002-94.2022.8.02.9002, impetrado por Leandro da Silva Santos e Manoel
Leite dos Passos Neto, em favor de Mareval Emiliano da Silva, em que se aponta como
coator ato do Juízo da Vara do Único Ofício de Maravilha/AL.
Pelo exposto, acordam os componentes da Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça do Estado de Alagoas, à unanimidade, em conceder parcialmente a ordem
impetrada, confirmando a liminar outrora deferida. Participaram do julgamento os
excelentíssimos senhores desembargadores constantes na certidão.
Maceió, 30 de agosto de 2023.
Des. João Luiz Azevedo Lessa
Relator
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RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por Leandro
da Silva Santos e Manoel Leite dos Passos Neto, em favor de Mareval Emiliano da
Silva, em que se aponta como coator ato do Juízo da Vara do Único Ofício de
Maravilha/AL.
Em linhas gerais, os impetrantes narraram que o paciente fora
denunciado e condenado a uma reprimenda de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de
reclusão pela prática do crime de estupro de vulnerável, conduta tipificada no art. 217-A
do Código Penal, fato supostamente ocorrido em 2015.
A Defesa asseverou, em suas razões, que a condenação fora baseada
exclusivamente no depoimento da suposta vítima que à época tinha 11 (onze) anos de
idade e afirmou que teve relação sexual com o ora paciente por duas vezes.
Entretanto, com 18 (dezoito) anos de idade, foi até a delegacia prestar um
Boletim de Ocorrência se retratando da versão apresentanda no interrogatório na fase de
instrução criminal quando ela era criança, o qual serviu de base para a condenação do
paciente.
Ao se dirigir com o seu pai até a delegacia de policia, para realizar um
Boletim de Ocorrência relatando o novo fato de que o paciente nunca a tocou, ela
constituiu sua defesa, que protocolou a Ação de Justificação nº
0700461-05.2021.8.02.0020, onde após ser ouvida em juízo no dia 08.04.2022 fora
produzida prova nova onde o inocenta do cometimento do crime a ele imputado.
No ponto, os impetrantes sustentaram a ausência dos requisitos
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essenciais a justificar a necessidade da medida extrema, pois, sob sua ótica, não há nos
autos elementos concretos a comprovar que a soltura do paciente enseje risco à ordem
pública, econômica, à aplicação da lei penal ou à conveniência da instrução criminal
uma vez que esta já fora encerrada, encontrando-se os autos em fase recursal.
Acrescentou que, in casu, o paciente é idoso, primário, possui residência
fixa e ostenta bons antecedentes, considerando mais adequadas ao caso medidas
cautelares alternativas ao cárcere, conforme preconiza o art. 319 do Código de Processo
Penal.
Por fim, requereu a concessão da ordem de habeas corpus, liminarmente,
expedindo-se alvará de soltura em favor do paciente ante a ausência dos requisitos
autorizativos da prisão preventiva, merecendo destaque a inexistência de
contemporaneidade dos fatos que fundamentaram o decreto preventivo.
Documentos às fls. 10/1083.
Liminar indeferida no Plantão do Judiciário,às fls. 1085/1092.
Informações prestadas pelo magistrado singular, às fls. 1100/1101.
Provocada, em parecer às fls. 1105/1108, a Procuradoria Geral de Justiça
se manifestou no sentido de denegar a ordem impetrada.
Pedido de reconsideração da medida liminar às fls. 1115/1116.
Nova manifestação da Procuradoria Geral de Justiça às fls. 1140/1143,
onde opinou pelo conhecimento do habeas corpus para no mérito, conceder
parcialmente a ordem, no sentido de que haja a concessão da prisão domiciliar, com
monitoramento eletrônico raio zero.
É, em síntese, o relatório.
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VOTO
Como anotado no relatório, esclareça-se que o presente writ foi
impetrado com a finalidade de reconhecer a ilegalidade da prisão preventiva em
decorrência da suposta ausência dos requisitos necessários a justificar o decreto
preventivo. Outrossim, a Defesa argumentou que o paciente é pessoa idosa, além de ser
primário e possuir residência fixa, o que, sob sua ótica, demonstra a desnecessidade da
prisão, sendo suficientes as medidas cautelares dispostas no art. 319 do CPP.
Os impetrantes salientaram, ainda, que a condenação do paciente pela
prática do crime de estupro de vulnerável, supostamente ocorrido em 2015, deu-se com
base exclusivamente no depoimento da vítima que, ao saber da prisão do paciente, teria
se dirigido à delegacia, juntamente com seu pai, e afirmado à autoridade policial que
mentiu à época da apuração dos fatos, e, não havendo comprovação de que a soltura do
paciente enseja risco à ordem pública, seria razoável que ele aguardasse o julgamento
do apelo recursal em liberdade.
Conforme se extrai de informações prestadas pela autoridade apontada
como coatora, às fls. 1100/1101, o paciente fora denunciado pelo crime de estupro de
vulnerável (art. 217-A do Código Penal), tendo a prisão preventiva sido decretada, em
16.12.2015, sob os fundamentos da garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal
e pela conveniência da instrução criminal.
Na ocasião, o magistrado singular narrou que, em 14.09.2019, o paciente
fora condenado ao cumprimento de pena de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de reclusão,
em regime inicial fechado. Acrescentou que, in casu, o nome do paciente fora
expressamente mencionado por outros sujeitos ativos da conduta como sendo uma das
pessoas que tiveram relações sexuais com as menores Manuela e Lavínia, o que denota
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a acentuada gravidade da conduta delituosa, demonstrando ainda que há nos autos
elementos de provas suficientes e indicar a participação do paciente no crime pelo qual
fora condenado.
Vale salientar que a defesa apresentou aos autos uma petição com o
pedido de reconsideração da decisão da medida liminar às fls. 1085/1092 proferida pelo
Plantão do Judiciário, apresentando prova nova, que é um vídeo da audiência ocorrida
no dia 08.04.2022 referente ao processo da ação de justificação nº
0700461-05.2021.8.02.0020, onde a vítima teria falado em juízo que o paciente nunca
teria a tocado e negou todos os fatos, o que comprovaria a inocência dele.
Diante disso pediu o relaxamento da prisão ou a sua conversão em prisão
domiciliar com o uso de tornozeleira eletrônica com raio zero.
No entanto através de decisão às fls. 1117/1121 foi reconsiderada a
decisão em questão concedendo parcialmente a liminar do ora paciente, convertendo a
prisão preventiva em domiciliar com o uso de monitoramento eletrônico com raio zero.
Destaque-se trecho abaixo:
[...] Após detida análise do caso em questão, avalio que merece
acolhida, em parte, o pedido defensivo.
Isso porque, prescrutando os autos, vislumbra-se a existência de
dúvida razoável acerca da presença de indícios de autoria delitiva,
pois, após atenta oitiva da audiência de justificação, observam-se
algumas incongruências no relato da suposta vítima quanto aos fatos,
assim como a sua negativa consistente em todo o ato processual no
sentido de que o paciente nunca chegou a tocá-la, e que inclusive
ficava bravo quando ela ia ao seu encontro.
E mais, ela relatou que “ficou com consciência pesada quando soube
que ele estava preso”, e que, por isso, decidiu dirigir-se à delegacia
com seu pai para realizar um boletim de ocorrência (2m38s - certidão
de fl. 1115). A ora ofendida seguiu afirmando, ainda, que, na época
dos fatos, não havia comparecido em sede policial, o que não
encontra correspondência nos autos, pois consta no caderno
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inquisitório seu termo de declaração à fl. 35, na qual, inclusive, ela
relatou que teve relações sexuais com “Zé Bati” e “Mareval”, e que
“Afrânio havia tentado, mas ela não quis. Pois bem. Como é cediço, a
prisão preventiva somente é admitida quando, em decisão
devidamente fundamentada, demonstre-se a presença dos
pressupostos da prova materialidade e dos indícios suficientes de
autoria – caracterizadores do fumus comissi delicti – que, somados à
demonstração do perigo que decorre do estado de liberdade
(periculum libertatis), justifiquem a privação de liberdade cautelar do
indiciado/acusado.
Na espécie, com a juntada da nova prova, e ao reverso do que
emergiu naquele momento, exsurgiu significativa dúvida a respeito
de como se deram os fatos e sobre ter sido o paciente o autor dos atos
libidinosos perpetrados contra a menor impúbere, o que enfraquece o
requisito atinente ao fumus comissi delicti, indispensável à
legitimidade da decisão que decreta/mantém a constrição cautelar.
Deve prevalecer, nesse momento, a presunção de inocência (art. 5º,
inciso LVII da CF/88), porquanto resta pendente de apreciação o
recurso apelatório manejado pela Defesa do paciente, oportunidade
em a análise acerca da sua culpabilidade deverá ser revisitada por esta
Corte, considerando-se a novel prova colacionada neste feito.
É de se considerar também que o fato de o ora acusado ter 70
(setenta) anos de idade, na maior parte das vezes, é um indicativo de
uma menor probabilidade de reiteração delitiva, havendo inclusive
reflexos disto na legislação pertinente, a citar, o art. 318, I do CPP e o
art. 117, I da LEP. Outro ponto é o fato de ser o único paciente com
preso, em ação em que constam como denunciados diversas outras
pessoas.
Além disso, na hipótese em apreço, a prisão domiciliar com
monitoramento eletrônico com raio zero mostra-se suficiente e
adequada ao caso, sobretudo porque o paciente ostenta predicados
subjetivos favoráveis.
De igual modo, reputo satisfeito o requisito atinente ao periculum in
mora, porquanto o prejuízo que será ocasionado ao paciente, em caso
de denegação da ordem, é presumível pela própria natureza do
instrumento, pois se discute um dos valores mais caros à condição
humana (liberdade).
Assim, ao menos em juízo aparente, típico desta fase processual,
parece-me cabível a concessão da ordem para determinar a prisão
domiciliar do paciente, tendo em consideração a sua idade avançada e
a semelhança fático-jurídico com os demais corréus que, sem
exceção, responderam ao processo em liberdade.
Ressalte-se que tal decisão tem natureza precária e poderá ser revista
por ocasião do julgamento do mérito deste mandamus. No entanto,
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por cautela, entendo ser possível o deferimento do pleito ora
formulado, nos termos aqui delineados.
À vista do exposto, acolho o pedido de reconsideração para conceder
parcialmente a liminar requestada, para que o paciente fique
custodiado domiciliarmente com a utilização de equipamento de
monitoração eletrônica com raio zero, até o julgamento do recurso
apelatório.[...] (Grifos originais)
Após o julgamento do recurso da apelação criminal fora mantida à prisão
domiciliar com o uso de monitoramento eletrônico por ser medida suficiente para o
cumprimento de pena do ora paciente até o trânsito em julgado para a execução da
sentença condenatória, que estabeleceu o regime fechado para o inicio do seu
cumprimento.
Corroborando esse entendimento, acosto jurisprudência desta Colenda
Câmara Criminal em julgado em que fora mantida a decisão da concessão de liminar,
onde foram impostas medidas cautelares diversas da prisão preventiva e como não
ocorreu alteração no contexto fático desta, decidiu pela sua manutenção:
PROCESSO PENAL. PENAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO
PENAL. UNIFICAÇÃO DAS PENAS. MANUTENÇÃO DA
DECISÃO LIMINAR PROFERIDA ANTERIORMENTE.
ADEQUADA. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO CAPAZ DE
ALTERAR O ENTENDIMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
UNANIMIDADE. 1 - Sendo verificada que a decisão liminar
proferida de minha relatoria se mostra suficiente esta deve ser
mantida para favorecer o paciente, sobretudo, porque inexiste
qualquer elemento novo capaz de demonstrar que o paciente
representaria perigo á ordem pública vez que não há nos autos
informações de que o paciente não está cumprindo as medidas
cautelares. 2 - Ordem conhecida e, no mérito, concedida. (Número
do Processo: 0804303-90.2023.8.02.0000; Relator (a): Des.
Washington Luiz D. Freitas; Comarca: Foro de Maceió; Órgão
julgador: Câmara Criminal; Data do julgamento: 19/07/2023; Data de
registro: 19/07/2023) (Grifos aditados)
Pelo exposto, conheço do presente remédio constitucional para confirmar
a liminar anteriormente concedida, no sentido de se conceder parcialmente a ordem
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impetrada em favor de Mareval Emiliano da Silva, nos termos da decisão de fls.
1117/1121, mantendo todas as medidas cautelares impostas.
É como voto.
Maceió, 30 de agosto de 2023.
Des. João Luiz Azevedo Lessa
Relator