Alberto Caeiro_síntese

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Alberto Caeiro – Guião de estudo

Contextualização

A palavra «heterónimo», de origem grega, significa «outro nome». Fernando


Pessoa, porém, criou vários heterónimos, atribuindo-lhes não só uma identidade,
mas também uma personalidade, uma vida. Num momento de pura inspiração e
espontaneidade, terá escrito dezenas de poemas em nome de Alberto Caeiro.

Exemplo: «E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja
natureza não conseguirei definir.» In «Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais
Monteiro»

Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu de tuberculose em 1915, em


Lisboa. Os seus estudos cingem-se ao nível primário, não tendo continuado a
frequentar o sistema formal de ensino. Deve as suas aprendizagens às experiências
que foi somando, sempre através dos seus sentidos e das suas emoções
momentâneas.

Viveu quase sempre no meio campestre, isolado das multidões e das ações
humanas. Não se conhece nenhuma profissão a este heterónimo, apenas o desejo
de ser poeta (e nem esse é seu).

Ex.: «Não tenho ambições nem desejos./ Ser poeta não é uma ambição minha.»
(Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

Caeiro é o mestre dos heterónimos, devido à sua qualidade de sentir em


lugar de pensar e ao modo como vive em paz e em comunhão com a Natureza,
distanciado da sociedade. A sua capacidade de evasão, de fuga e de aparente
despreocupação com o racional é valorizada pelo seu criador literário. Assim,
Pessoa não dá vida apenas a Caeiro, trata também de lhe atribuir outros «eus» como
«aprendizes», discípulos, seguidores de uma poesia diferenciada – os outros
heterónimos.

Ex.: «[…] aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e
subconscientemente – uns discípulos.» In «Carta de Fernando Pessoa a Adolfo
Casais Monteiro»

TEMÁTICAS

Podemos distinguir duas grandes temáticas na obra de Alberto Caeiro: o


poeta bucólico e o primado das sensações. Vejamos cada uma detalhadamente.
O heterónimo resulta do fingimento artístico de Fernando Pessoa, que o
concebeu como sendo um poeta bucólico, dado que vive no campo, sendo esse
espaço, para si, privilegiado. Afastado das multidões da espécie humana, o «eu»
que vive nos poemas de Caeiro encontra a paz e harmonia no contacto com a
Natureza. Veste uma máscara de «pastor», não o sendo, mas aproximando-se o
mais possível dessa figura campestre. Almeja ser esse homem simples, de tratos
humildes, que vive da, com e para a terra.

Ex.: «Eu nunca guardei rebanhos,/ Mas é como se os guardasse./ Minha alma é
como um pastor,» (Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

Tal como esse «pastor», o «eu» integra-se na Mãe Natureza, unindo-se numa
ligação forte como qualquer outro elemento natural. Deambula pelos espaços
campestres, observa o que está ao seu redor, apreciando o ambiente. Ele
contempla a Natureza. O sujeito lírico imprime aos seus «espontâneos» poemas
uma tranquilidade extrema decorrente das vivências no tempo presente e da
fruição do espaço natural. Este ambiente presenteia-o com simplicidade e
felicidade, associadas a um prazer sensorial.

Ex.: «Conhece o vento e o sol/ E anda pela mão das Estações/ A seguir e a olhar.»
(Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

Desta forma, verifica-se a negação do pensamento metafísico, da


racionalidade e da abstração. O «eu» que vive na poesia de Caeiro foge
constantemente da intelectualização das emoções, o que permite a sua libertação
das dores excessivas do pensar, evadindo-se na Natureza, onde encontra o seu
refúgio. O conhecimento da realidade não implica, para si, refletir sobre a mesma,
bastando-lhe senti-la. As sensações são, desse modo, a forma como o sujeito
poético perceciona e se relaciona com a realidade.

Ex.1: «E se sente a noite entrada»

Ex.2: «E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.»

Ex.3: «Não tenho ambições nem desejos.»

Ex.4: «Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,»

(Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

O primado das sensações constitui outra temática essencial na poesia de


Caeiro. É conhecido, precisamente, como o poeta das sensações. O seu modo de
vida procura evidenciar a captação da realidade através dos cinco sentidos. O
mestre do ortónimo e dos outros heterónimos ambiciona libertar-se do
pensamento metafísico e, consequentemente, da persistente dor de pensar que
acossa o ortónimo, da abstração e do raciocínio. Pretende conhecer e saborear o
mundo com recurso à visão, à audição, ao olfato, ao paladar e ao tato. São estes os
seus mecanismos de descoberta de uma realidade constantemente renovada que
o espanta.

Ex.1: «E o que vejo a cada momento/ É aquilo que nunca antes eu tinha visto,»
(Poema «O Guardador de Rebanhos II»)

Ex.2: «O meu olhar é nítido como um girassol» (Poema «O Guardador de Rebanhos


II»)

Ex.3: «O mundo não se fez para pensarmos nele/ (Pensar é estar doente dos olhos)»
(Poema «O Guardador de Rebanhos II»)

Ex.4: «Penso com os olhos e com os ouvidos/ E com as mãos e os pés/ E com o nariz
e a boca.» (Poema «O Guardador de Rebanhos IX»)

Caeiro revela a sua capacidade de reparar nos pequenos detalhes, nas


coisas mais simples ao seu redor, como se fosse a primeira vez. Aproxima-se,
assim, de uma criança que inicia o seu processo de busca pelo conhecimento.
Principalmente através da visão, o poeta afirma que redescobre uma nova realidade
em realidades que já conhecia, pois vê-as de formas distintas em cada novo
encontro. Regozija-se com a capacidade de observar a novidade em cada elemento
já conhecido, uma vez que a Natureza está em permanente renovação. Este
fenómeno surpreende-o e entusiasma-o.

Ex.: «E o que vejo a cada momento/ É aquilo que nunca antes eu tinha visto,/ E eu
sei dar por isso muito bem.../ Sei ter o pasmo comigo/ Que teria uma criança se, ao
nascer,/ Reparasse que nascera deveras.../ Sinto-me nascido a cada momento/
Para a eterna novidade do mundo... (Poema «O Guardador de Rebanhos II»)

Expostas estas duas temáticas, importa considerar que,


inevitavelmente, parecem existir algumas contradições ou paradoxos na
poética do heterónimo. Na verdade, ao recusar o pensamento de forma tão
determinante, o «guardador» de sensações (os «rebanhos» que guarda são
«pensamentos» que «são todos sensações») vai apresentando argumentos que
justificam a sua perspetiva e vai refletindo (pensando) sobre a vida que deseja
e sobre o modo como quer relacionar-se com a Natureza, através dos seus
sentidos. Nessa defesa da sua tese, utiliza verbos associados ao campo lexical do
conhecimento e conectores com valor causal ou conclusivo ou introdutores de
situações hipotéticas, que denunciam, enfim, o uso do pensamento que tanto
recusa.

Ex.1: «Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,» (Poema «O
Guardador de Rebanhos I»)
Ex.2: «Os meus pensamentos são contentes./ Só tenho pena de saber que eles são
contentes,/ Porque, se o não soubesse» (Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

Ex.3: «Por isso quando num dia de calor/ Me sinto triste de gozá-lo tanto, […]/ Sinto
todo o meu corpo deitado na realidade,/ Sei a verdade e sou feliz.» (Poema «O
Guardador de Rebanhos IX»)

Linguagem, estilo e estrutura

Na poesia do mestre Caeiro, a linguagem utilizada é simples, recorrendo a


um vocabulário familiar e, maioritariamente, ligado ao campo lexical da Natureza.
O registo aproxima-se da oralidade pelo tom coloquial, pelas expressões do
quotidiano. Verifica-se a presença de alguns aforismos e expressões mais
populares.

Ex.1: «E anda pela mão […].» (Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

Ex.2: «Tirando-lhes o chapéu […].» (Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

Ex.3: «Ao pé duma janela aberta» (Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

No que concerne ao estilo, em concordância com a simplicidade e pureza


veiculadas na mensagem poética, também os recursos expressivos predominantes
são os mais simples e comuns na literatura: a comparação e a metáfora
(predominantemente com a aproximação a realidades associadas à Natureza).

Além desses, são usados outros recursos estilísticos que imprimem aos
poemas um ritmo lento como se, por vezes, o «eu» pretendesse prolongar o
momento presente, único tempo real que lhe dá acesso à realidade, à Natureza.
Tratando-se do poeta das sensações, encontramos também muitas passagens que
apelam aos nossos cinco sentidos.

Vejamos alguns exemplos.

*comparação: «Como uma borboleta pela janela.» «Mas eu fico triste como um
pôr do sol»; (Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

*metáfora: «Sou um guardador de rebanhos» (Poema «O Guardador de Rebanhos


IX»)

*anáfora: «E anda pela mão das Estações […]/ E se sente a noite entrada/ E é o que
deve estar na alma» (Poema «O Guardador de Rebanhos I»); «Então acredito nele,/
Então acredito nele a toda a hora» (Poema « O Guardador de Rebanhos V»); «E
haver gente que erra é original, / E haver gente doente torna o Mundo engraçado.»
(Poema «O Guardador de Rebanhos XLI»)
*exploração das sensações visuais e táteis: «Ou quando uma nuvem passa a
mão por cima da luz» (Poema «O Guardador de Rebanhos I»); «E limpavam o suor
da testa quente» (Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

*sensações auditivas: «Como um ruído de chocalhos» (Poema «O Guardador de


Rebanhos I»); «E corre um silêncio pela erva fora.» (Poema «O Guardador de
Rebanhos I»)

Podemos notar a predominância de frases simples ou ligadas pelo processo de


coordenação, normalmente através de conjunções copulativas ou adversativas.
Esta escolha também reflete o caráter de simplicidade e pureza que o poeta
pretende evidenciar na sua poesia.

Ex.1: «E se sente a noite entrada» (Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

Ex.2: «Mas a minha tristeza é sossego» (Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

Quanto à estrutura, os seus poemas apresentam irregularidade formal a


vários níveis, aproximando-se da prosa. O poeta não valoriza as conceções
poéticas tradicionais, não seguindo nenhuma das normativas formais, a que
obedecem os «poetas que são artistas» e que não sabem «florir». Assim, o poeta
tem por modelo a Natureza, pretendendo valorizar a espontaneidade, as
assimetrias, os contrastes e a noção de liberdade. Verifica-se, por isso,
irregularidade estrófica e métrica, prevalecendo tendencialmente as estrofes com
mais de dez versos e os versos longos. No entanto, existe também a introdução de
alguns versos curtos, quebrando, ainda que momentaneamente, o ritmo lento da
maioria das composições poéticas. No que diz respeito à rima, existe uma ausência
na combinação dos mesmos sons. Os versos são maioritariamente brancos,
porque «não há uma árvore igual à outra».

Ex.1: «(Ou ser o rebanho todo/ Para andar espalhado por toda a encosta/ A ser muita
cousa feliz ao mesmo tempo)» (Poema «O Guardador de Rebanhos I»)

Ex.2: «Rimo quando calha/ E as mais das vezes não rimo.../ Copio a Natureza e não
a interrogo./ (De que me serviria interrogá-la?)/ Nem tudo é terreno plano,/ Por isso
muitas vezes não rimo...» (Poema «O Guardador de Rebanhos XIV»)

Ex.3: «Que triste não saber florir!/ Ter que pôr verso sobre verso, como quem
constrói um muro/ E ver se está bem, e tirar se não está!.../ Quando a única casa
artística é a Terra toda/ Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.» (Poema
«O Guardador de Rebanhos XXXVI»)

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