Lays,+Artigos Livres 7 Larissa Bezerra Frank Antonio Mezzomo Fenix Jan Jun 2023
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1198
Larissa Bezerra*
Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR
https://orcid.org/0000-0002-5618-3008
[email protected]
RESUMO: Este texto procura identificar e compreender como as Humanidades no Brasil vem
problematizando as relações entre esporte, política e sociedade, principalmente levando em conta as torcidas
antifascistas. Destacamos aspectos de estudos sobre futebol e fizemos buscas por artigos, dissertações e teses
publicadas entre 2013 e 2022. Existem temas e campos a serem problematizados, como é o caso das torcidas
antifascistas, fenômeno recente, que pode ter vários desdobramentos políticos e sociais.
ABSTRACT: This text seeks to identify and understand how the Humanities in Brazil have been questioning
the relationship between sport, politics and society, especially taking into account the anti-fascist supporters.
We highlighted aspects of studies on football and searched for articles, dissertations and theses published
between 2013 and 2022, which show that there are still many issues to be discussed, such as anti-fascist
supporters, a recent phenomenon that may have several consequences.
INTRODUÇÃO
Um fenômeno recente no futebol brasileiro tem suscitado curiosidade da mídia,
sociedade e pesquisadores e pesquisadoras: os coletivos de torcedores (as) e torcidas
antifascistas, que têm se mobilizado, além da torcida pelo seu clube, com o ativismo
político e social. Este texto busca identificar e compreender o perfil da literatura brasileira,
ligada às Humanidades, que estão problematizando as relações entre o esporte, a política e
a sociedade, levando em consideração a ascensão desse modo de torcer no país. Para tanto,
fizemos buscas por artigos, dissertações e teses em portais de acesso aberto que foram
publicadas entre 2013 e 2022.
Campos e arquibancadas podem ajudar a compreender a sociedade, porque o elo
entre futebol, política, economia e cultura existe desde os primórdios do esporte e é
bastante contundente. Todas essas relações transcorrem inclusive no Brasil
contemporâneo, onde temos assistido as torcidas antifascistas serem protagonistas e
apoiadoras de diversas pautas como a militância contra preconceitos e opressões, contra a
desigualdade social e a elitização do esporte. Em 2020, esses grupos chegaram a sair às ruas,
junto com torcedores organizados, para se manifestar contra o racismo, contra o presidente
da República Jair Bolsonaro e a favor da democracia (SANTOS e HELAL, 2019; FOER,
2005; FRANCO JÚNIOR, 2007; GALEANO, 2019; CERREIA, 2020).
Tais protestos aconteceram em meio à pandemia de Covid-19 e foram motivados,
também, pelo próprio cenário pandêmico, no qual os torcedores consideraram o presidente
negligente e negacionista, pois havia alta taxa de contaminação e mortes enquanto o país
não contava nem mesmo com um Ministro da Saúde na época, não havia uma resposta
satisfatória para a crise sanitária e o governo parecia subestimar a doença. Essas
manifestações ganharam destaque na mídia, no Brasil e no exterior, e reanimaram os
debates contra o bolsonarismo e sobre a politização do torcer (PINHEIRO, 2021;
CERREIA, 2020).
A cultura futebolística contemporânea está vivenciando essa mobilização de
torcedores porque eles estão sendo confrontados com as consequências provocadas pelo
desenvolvimento do futebol moderno. No Brasil, principalmente a partir de 2014, com a
elitização provocada nos estádios e, consequentemente, nos modos de torcer, por conta da
Copa do Mundo realizada no país, o terreno se tornou muito fértil para que torcedoras e
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De acordo com Helal (2011), havia poucos estudos e os que eram publicados
geralmente vinham com uma perspectiva “apocalíptica”, que considerava o futebol como
força de alienação do povo. Segundo o pesquisador, o capitalismo perdurou por muito
mais tempo do que previam os marxistas, o proletariado não havia adquirido a “consciência
de classe” e muitos autores que tinham certa visão pessimista do futebol consideravam que
este seria um dos aparelhos ideológicos do poder para esconder as contradições do
capitalismo e “docilizar” as massas. Mais tarde se sobressaiu uma nova perspectiva, através
dos olhares da Antropologia e da História.
Partindo de uma visão parecida, Lagos (2018) diz que quando se falava de esporte,
isso era feito de um lugar ingênuo, considerando essa prática como apolítica, desinteressada
ou ligada apenas ao flair play ou ideal olímpico. Como exemplos, o autor cita que Pierre de
Coubertin era enaltecido pela reativação dos Jogos Olímpicos, mas não se discutia que ele
era totalmente contra a participação de mulheres e que havia um sentimento de gratidão em
relação aos ingleses, mas pouco se falava sobre o tratamento desrespeitoso com as colônias,
que apenas podiam vê-los jogar. Para Lagos, os estudos conseguiram avançar com
Bourdieu em 1984, DaMatta em 1982 e Archetti em 2011, entre outros.
Além desses autores, no âmbito internacional, os estudos sobre futebol,
principalmente no que diz respeito às torcidas, têm aparecido desde o final da década de
1960 na Europa. Nas décadas de 1970 e 1980, com a crescente preocupação com o
hooliganismo, muitos se interessaram em compreender o comportamento desses
torcedores, o que
fez esse período particularmente fértil para essa área (Giulianotti, 1999;
Haynes, 1995). A maioria dos estudos desenvolvidos à época, por
questões óbvias, se dedicaram então a examinar grupos violentos de
torcedores. As perspectivas eram bastante distintas, do Marxismo de Ian
Taylor (1971a, b) à abordagem figuracional da ‘Escola de Leicester’
(Dunning, Murphy & Williams, 1988). Ainda que violência seja ainda um
tema frequentemente investigado neste campo, depois da criação da
Premier League e da reorganização cultural do futebol europeu nos anos
1990, vários pesquisadores passaram a focar no que Crawford (2003,
2004) chama de perspectiva da ‘resistência’. Estes estudos buscam
analisar os novos movimentos sociais e grupos com uma atitude mais
militante em relação a clubes, times, dirigentes, federações e entidades
organizadoras (VIMIEIRO, 2016, p. 5).
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1 Em 2013, o ano foi conturbado no plano político e, durante a Copa das Confederações, aconteceram as
“Jornadas de Junho”, uma eclosão de manifestações em todo o país, com ideologias bastante
heterogêneas (TEIXEIRA; HOLLANDA, 2016). Singer (2013), prefere chamar de “Acontecimentos de
Junho”, por considerar que uma jornada questionaria a ordem estabelecida, o que não foi o caso, pois
mesmo as propostas de Constituinte e plebiscito para a reforma política caíram no esquecimento. Ele
pontua também que, além das múltiplas agendas do movimento, as orientações ideológicas iam desde o
ecossocialismo, passando por reformismo e liberalismo, até mesmo a impulsos fascistas. Entre os motivos
de descontentamento nesses protestos, estavam os gastos direcionados aos estádios e outras obras para a
Copa do Mundo de 2014, que seria realizada no Brasil.
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pesquisadores, que defendem que a situação política e social da época foi importante para a
organização desses coletivos, apesar de terem ganhado mais adeptos somente a partir de
2015 e conseguirem notoriedade em 2020, com participações em manifestações por todo o
país, pela democracia e contra o racismo e o presidente Jair Bolsonaro.
Em fevereiro de 2022, fizemos consultas em três plataformas on-line e de acesso
aberto: Scielo, Portal de Periódicos da CAPES e Google Acadêmico. Os descritores
utilizados foram os seguintes: “torcidas de futebol e política”, “torcidas antifascistas”,
“futebol, política e torcidas”, “mulheres torcedoras, futebol e política” e “coletivos de
torcedores”. No Quadro 1 apresentamos uma síntese dos materiais encontrados.
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estádios da cidade
de São Paulo
A construção dos Felipe Tavares Famecos/Porto Alegre- 2019 Comunicação
problemas sociais Paes Lopes RS
do futebol: análise
do potencial
ideológico de
editoriais da Folha
de S. Paulo
A luta política do Felipe Tavares Alterjor/São Paulo-SP 2020 Comunicação
Coletivo Futebol, Paes Lopes
Mídia e Democracia:
Análise do seu
manifesto de
fundação
Futebol, gênero e Adriana Andrade Intercom/São Paulo-SP 2020 Comunicação
homossociabilidade Braga/ Alexandre
nas redes sociais: a Augusto Freire
masculinidade no Carauta
circuito
comunicacional do
WhatsApp
Futebol e política se Osmar Moreira de Motrocidades/São 2020 Educação
misturam: na Souza Júnior Carlos-SP
trincheira das lutas
contra o
autoritarismo
Diagnosticando as Caio Lucas Morais Cadernos de 2021 História
torcidas Pinheiro História/Belo Horizonte
antifascistas: como a
classe, a raça e o
gênero
redimensionam as
relações de poder
no futebol a partir
da ultras resistência
coral
O sequestro dos Caio Lucas Morais Locus/Juiz de Fora 2021 História
estádios de futebol: Pinheiro
a dimensão
simbólica das novas
arenas e a guinada
antifascista
transnacional nas
torcidas
Ciberativismo das Nathalia Ronchete FuLia/Belo Horizonte 2021 Interdisciplinar
torcidas antifascistas
nas eleições de 2018:
uma análise
quantitativa
Tribuna 77 e a Luiza Aguiar dos Estudos 2021 Interdisciplinar
defesa de Anjos Feministas/Florianópolis
LGBTQI+ nos
estádios
Fonte: Dados da pesquisa
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O Quadro 4 contém mais informações sobre cada um, ordenados por data de
publicação.
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Entre as dissertações, “Pelo direito de torcer: das torcidas gays aos movimentos
de torcedores contrários ao machismo e à homofobia no futebol”, Pinto (2017) concorda
com os demais pesquisadores quanto ao período e motivos para a aparição dos coletivos e
trata, principalmente, da luta deles contra a homofobia e o machismo. Também “Novas
culturas torcedoras: das arenas do futebol-negócio à resistência nas arquibancadas e redes”,
de Irlan Simões Santos. O autor investiga as mudanças no comportamento do público que
frequenta os estádios, que agora seria mais passivo, individualizado e orientado para o
consumo, justamente uma das pautas dos coletivos de torcedores, que são contra e tentam
resistir a essa transformação do futebol em puro negócio.
“A militância político-torcedora no campo futebolístico brasileiro” do sociólogo
Vitor Gomes, que baseou sua pesquisa na observação do Facebook de coletivos de
torcedores, fazendo um mapeamento das páginas existentes e realizando entrevistas com os
coletivos Palmeiras Antifascista e Palmeiras Livre. E, ainda, “Futebol e resistência: o papel
dos coletivos de torcedores na ressignificação dos modos de torcer (2013-2018)”, do
historiador Guilherme Pontes Silveira, reflete sobre o uso dos espaços urbanos e digitais
para a militância de movimentos de torcedores. O autor analisa as torcidas Palmeiras Livre,
Ocupa Palestra e Punk Santista.
Nas teses, encontramos “As ondas que (se) movem (n)o mar das torcidas: das
charangas à guinada antifascista na Ultras Resistência Coral (1950-2020)”, do historiador
Caio Lucas Morais Pinheiro. Entende o surgimento dos coletivos como a “guinada
antifascista” das torcidas e como sendo uma “quarta onda” dos modos de torcer, surgida
com um esgotamento da terceira onda e com a agitação política e social do país em 2013.
Ainda para o autor, o início foi em 2005, com o surgimento da Ultras Resistência Coral,
torcida antifascista do Ferroviário, de Fortaleza.
Vale destacar que, mesmo pesquisadoras e pesquisadores pensando o futebol e as
torcidas não mais como um fenômeno não-alienante, mas com poder de transformação
social, ainda existem pesquisas que tratam o assunto de modo mais pessimista. É o caso de
Menezes, Lima e Banzatto (2018), que dizem que a maioria dos torcedores brasileiros
parece seguir a desorientação política de seus ídolos, citando o fato de que em 2015,
manifestantes usaram a camisa da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), uma
instituição marcada por casos de corrupção, para protestar contra políticos que
consideravam corruptos. Talvez, dizem os autores, isso tenha a ver com o futebol ser uma
marca tão forte na identidade nacional que se desvencilha de qualquer mancha, mas que
talvez seja necessário admitir que a inteligência brasileira está em certa medida nos pés.
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ser explorado com maior frequência, com a consolidação do ativismo desses torcedores na
internet, estádios e ruas, com o reconhecimento do campo acadêmico sobre futebol e sua
importância e com os problemas sociais cada vez mais latentes no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, buscamos dar dimensão de como a literatura das Humanidades no
Brasil se preocupou com a relação entre futebol e sociedade e como isso ajuda a
compreender o contexto atual de formação das torcidas antifascistas e coletivos de
torcedores e torcedoras. Nos últimos anos diversos pesquisadores e pesquisadoras se
propuseram a analisar tais temas, deixando a visão mais pessimista do futebol, como fonte
de alienação, em segundo plano.
Porém, ainda há muito que explorar sobre o tema, principalmente em relação às
torcidas mais politizadas, até porque são um fenômeno contemporâneo, e é difícil dizer ao
certo os rumos que irão tomar. Apesar disso, são consideradas por muitos pesquisadores e
pesquisadoras, como trouxemos no trabalho, movimentos com gigantesco potencial de
militância e de transformação social, que podem deixar um grande legado ao país ou, no
mínimo, ser mais um desafio aos grupos dominantes.
Ainda assim, alicerçados na leitura e análise da literatura apresentada, constatamos
que os materiais encontrados possibilitam o entendimento do contexto brasileiro de
formação do ativismo torcedor e como os estudos acadêmicos vêm tratando este assunto.
A partir dos textos encontrados nos portais de acesso aberto, é possível perceber
que os estudos sobre as torcidas antifascistas e coletivos de torcedores e torcedoras têm
aumentado de maneira considerável. Se antes de 2020 algumas pesquisas até mencionavam
os movimentos, a partir desse ano elas passaram a protagonizar diversos estudos.
Acreditamos que com as tensões sociais e crescente desigualdade, as torcidas podem
aumentar o ativismo e continuarem a ser observadas.
Além disso, ainda é possível avançar em diversos pontos, como as consequências
das manifestações de 2020 para esses grupos, a importância das redes sociais para o
movimento e o engajamento recebido – principalmente pelo fato de a internet ser uma
alternativa aos grupos excluídos dos estádios, seja pelo preconceito ou pela gentrificação
dos espaços, de poderem se expressar e expor esses impedimentos –, além da exposição
das torcidas na mídia, tanto de maneira positiva quanto negativa. Também é possível
avançar nas análises das pautas desses grupos. Em geral, vemos mais pesquisas que dizem
respeito ao ativismo político, esportivo e feminista ou LGBTQIA+, mas o leque de
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assuntos com os quais as torcidas se envolvem é muito maior. Ademais, poucas pesquisas
se preocupam com a questão da rivalidade no futebol em contraponto ao ativismo político
e ações entre torcidas de clubes diferentes. Ainda existe a possibilidade de compreensão de
algumas críticas feitas entre os próprios coletivos, como por exemplo, o fato de que a
militância precisa se dar em outras esferas que não a internet ou que as classes médias
incorporadas aos coletivos e torcidas não entendem a luta contra o futebol moderno.
Assim, reiteramos a importância de compreender esses movimentos, que podem
promover mudanças positivas em diversos cenários de atuação e que trazem a possibilidade
de amenizar a visão que ainda se tem sobre futebol como fonte de alienação e algo
separado de questões políticas, sociais e culturais.
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