OLEANNA arrumada

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OLEANNA

Peça de David Mamet


Tradução de Renato S. Beninatto
e Liane Lazoski Beninatto
_________________________________________________________

Fevereiro de 1993
"Oh, estar em Oleanna - é onde eu preferia estar. Depois ir para
a Noruega e arrastar os grilhões da escravidão."

Canção Popular
A falta de ar fresco parece não afetar muito a alegria das
crianças de uma ruazinha de Londres. A maior parte delas canta
e brinca como se estivesse num lago. da Escócia. Portanto, a
ausência de uma atmosfera mental genial não costuma ser
reconhecida pelas crianças que nunca a tiveram. Os jovens têm a
maravilhosa faculdade de morrer ou adaptar-se às
circunstâncias. Mesmo quando estão infelizes - muito infelizes é
impressionante como é fácil evitar que eles o percebam ou, pelo
menos, que o atribuam a qualquer outra causa além da própria
pecaminosidade.

The way of all flesh


Samuel Butler
PERSONAGENS

CAROL Uma mulher de 20 anos


JOHN Um homem na faixa de 40 anos

A peça se passa no escritório de John.


-UM-

JOHN ESTÁ FALANDO AO TELEFONE. CAROL ESTÁ SENTADA EM FRENTE


À ESCRIVANINHA DELE.

JOHN (AO TELEFONE)


E sobre o terreno? (PAUSA) O que é que tem? Não entendi nada. Você ligou pro Jerry?
(PAUSA) Então liga pro Jerry... Porque agora não dá. Eu vou chegar aí daqui a 15, 20
minutos. Não, nós não vamos perder a casa. Não estou tentando minimizar nada. O que
a corretora disse? Ela falou em servidão? Isso é um termo forense? Isso é obrigatório?
Pede a corretora para te mostrar o porão de novo. (OLHA PARA O RELÓGIO) Fala
pro Jerry me encontrar lá. Nós não vamos perder o depósito Grace. Eu tenho certeza que
vai dar. Tomara (PAUSA). Eu também te amo. (DESLIGA O TELEFONE) (CURVA-
SE SOBRE A MESA E FAZ UMA ANOTAÇÃO) (LEVANTA A CABEÇA E OLHA
PARA CAROL) Desculpe...

CAROL: (PAUSA) O que é "termo forense"?

JOHN: (PAUSA) Como…?

CAROL: (PAUSA) O que é "termo forense"?

JOHN: É sobre isso que você quer falar?

CAROL: ... O que eu quero falar …?

JONH: Vamos deixar o misticismo de fora, ok? Carol? Você não acha? (PAUSA)

CAROL: ... Se eu não acho…?

JOHN: Hmm?

CAROL: … será que eu…?

JOHN: … O quê?

CAROL: Será que... Eu disse alguma coisa er...

JOHN: (PAUSA) Não. Me desculpe. Não. Você está certa. Eu estou com um pouco de
pressa. (PAUSA) Você quer saber o que é "termo forense"? Eu acho que é um termo
que ficou preso, por causa do uso, a algum significado mais específico do que as
próprias palavras indicariam. Eu acho que é isso que quer dizer "termo forense".
(PAUSA)

CAROL: Você não sabe o que quer dizer…?

JOHN: Não tenho certeza absoluta. É uma daquelas, talvez aconteça com você também,
que alguém te explica e você diz "ahã" e imediatamente depois...

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CAROL: Mas você não faz isso.

JOHN: ... Eu…?

CAROL: Você não…

JOHN: … eu não o quê…?

CAROL: … Esque…

JOHN: … eu não esque…

CAROL: … Não...

JOHN: … esqueço as coisas? Todo mundo esquece.

CAROL: Não, não esquecem.

JOHN: Não esquecem…

CAROL: Não.

JOHN: (PAUSA) Não. Todo mundo esquece.

CAROL: E por que esqueceriam…?

JOHN: Porque sim. Sei lá. Porque não estão interessados.

CAROL: Não.

JOHN: Mas eu penso assim. (PAUSA) Desculpe se eu estranhei.

CAROL: Não precisa me dizer isso.

JOHN: Você me deu a honra de vir aqui… Tudo bem. Carol. Eu acho que estou num
impasse. Eu acho que…

CAROL: … que…

JOHN: … só um instante. Em relação à sua…

CAROL: Ah, sim. Você está comprando uma casa?

JOHN: Não, vamos continuar.

CAROL: "Continuar"? (PAUSA)

JOHN: Eu sei como… pode acreditar em mim. Eu sei como... Minimizar


potencialmente essas… Minha única intenção… Eu só quero ajudar você. Mas: (ELE

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PEGA ALGUNS PAPÉIS SOBRE A MESA) Eu nem sei se diria "mas". Eu diria que
quando eu volto a examin…

CAROL: Eu só, só quero tentar…

JOHN: … não, não vai.

CAROL: … o que? O que não vai…?

JOHN: Não. Eu entendo, eu entendo o que você quis... (ELE AGITA OS PAPÉIS) Mas
o seu trabalho...

CAROL: Eu só… Eu só me sento na minha carteira e... (ELA LEVANTA UM


CADERNO) Eu faço anotações…

JOHN: (AO MESMO TEMPO QUE ELA FALA "ANOTAÇÕES") Sim. Eu entendo. O
que eu estou tentando te dizer é que alguns… alguns mal…

CAROL: … Eu…

JOHN: … só um instante: alguns mal-entendidos básicos…

CAROL: Eu estou fazendo o que me disseram. Comprei o seu livro, li suas…

JOHN: Não, tenho certeza que…

CAROL: Não, não. Estou fazendo o que me disseram. É difícil pra mim. É difícil…

JOHN: …, mas…

CAROL: Eu não… A maior parte da linguagem…

JOHN: … por favor…

CAROL: A linguagem, as "coisas" que você diz…

JOHN: Desculpe. Não. Eu não acho que é isso.

CAROL: É verdade.

JOHN: Eu acho…

CAROL: Por que eu men…?

JOHN: Eu te digo porque: você é uma moça extremamente brilhante…

CAROL: Eu…

JOHN: Você é uma moça extremamente brilhante… Você não tem nenhum problema
de…

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CAROL: … Eu…

JOHN: Não. Eu vou te dizer por quê. Vou te dizer… acho que você está com raiva,
eu…

CAROL: … por que eu teria…

JOHN: … espera um pouquinho…

CAROL: É verdade. Eu tenho problemas…

JOHN: … todo mundo…

CAROL: … minha classe social é…

JOHN: … todo…

CAROL: … outra…

JOHN: … olha…

CAROL: Não. Eu… Quando eu vim para essa escola…

JOHN: Fala. Quase…

CAROL: … isso não quer dizer nada…?

JOHN: …, mas olha: Olha só…

CAROL: … Eu…

JOHN: (LEVANTA O TEXTO. LÊ) Aqui… Por favor… sente-se. (PAUSA)

"Eu acho que as ideias contidas neste trabalho expressam os sentimentos do autor da
maneira como ele pretendia, com base nos seus resultados." O que quer dizer isso?
Você entende? O que…

CAROL: Eu… Foi o melhor que eu…

JOHN: Eu quero te dizer que talvez essa disciplina…

CAROL: Não. Você não pode… Eu tenho que…

JOHN: … como…

CAROL: … eu tenho que passar nessa disciplina…

JOHN: Carol, eu…

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CAROL: … você não pode…

JOHN: Até os…

CAROL: … Eu…

JOHN: … até os… eu… Até os critérios para julgar os progressos em sala são…

CAROL: Não, não, eu tenho que passar.

JOHN: Agora, olha: eu sou humano, eu…

CAROL: Eu fiz o que você pediu. Eu fiz… Eu fiz tudo o que… Eu li o seu livro, você
me disse para comprar o seu livro e ler. Tudo o que você diz eu… (ELA ESTENDE O
CADERNO) (O TELEFONE TOCA) eu anoto… tudo…

JOHN: … olha…

CAROL: Tudo o que me dizem…

JOHN: Olha. Eu não sou seu pai.

CAROL: O que?

JOHN: Eu…

CAROL: Eu disse que você era meu pai?

JOHN: Não…

CAROL: Por que você disse isso…?

JOHN: Eu…

CAROL: … por que…?

JOHN: … durante as aulas eu… (ELE ATENDE O TELEFONE) Alô. Não posso falar
agora. Jerry? É? Eu enten... Não dá prá falar agora. Eu sei... eu sei (AO TELEFONE)
Jerry. Não dá para falar agora. É, eu… me liga daqui a… obrigado. (ELE DESLIGA)
(PARA CAROL) O que você quer que eu faça? Somos duas pessoas normais. Nós dois
estamos sujeitos a…

CAROL: Não.

JOHN: … certas normas arbitrárias…

CAROL: Não. Você precisa me ajudar.

JOHN: Certas normas institucionais… Me diz o que você quer que eu faça…

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CAROL: Me ensina.

JOHN: … eu estou tentando te ensinar.

CAROL: Eu li o seu livro. Eu li. Não consigo entend…

JOHN: O que é que você não entende?

CAROL: Nada. O que você quer dizer. Quando você fala sobre… A transformação
virtual dos jovens em depósitos"…

JOHN: "Transformação virtual dos jovens". Se nós prolongarmos artificialmente a


adolescência…

CAROL: … e sobre "O Curso da Educação Moderna".

JOHN: … bem…

CAROL: Eu não…

JOHN: Olha, é só uma disciplina, só um livro, só um…

CAROL: Não. Tem pessoas lá fora. Pessoas que vêm aqui. Que vem para saber coisas
que não sabem. Elas vêm aqui. Para serem ajudadas. Portanto alguém deveria ajudá-
las... A saber alguma coisa. Para continuar, como é que eles dizem? "Para continuar no
mundo". COMO POSSO CONTINUAR SE EU NÃO… Se eu não passar? Mas eu não
entendo. Eu não consigo entender. Eu não entendo nada… e fico andando em círculos.
De manhã à noite… com esse único pensamento na cabeça. Sou uma idiota.

JOHN: Ninguém acha que você é uma idiota.

CAROL: Não? O que é que eu sou…?

JOHN: Eu…

CAROL: ... então o que é que eu sou?

JOHN: Eu acho que você está com raiva. Muitas pessoas estão com raiva. Eu tenho que
dar um telefonema. E tenho um encontro que está me pressionando; simpatizo com as
suas preocupações e adoraria ter tempo, mas essa nossa conversa não tinha sido
marcada com antecedência e eu…

CAROL: … você me acha insignificante…

JOHN: … tenho um encontro com um corretor de imóveis e com a minha mulher…

CAROL: … você me acha uma idiota.

JOHN: Não. Claro que não.

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CAROL: Você disse que sim.

JOHN: Não. Eu não disse isso.

CAROL: Disse.

JOHN: Quando?

CAROL: … você…

JOHN: Não. Eu nunca disse isso, ou melhor, nunca diria isso para uma aluna minha,
e…

CAROL: Você disse: "o que quer dizer isso"? (PAUSA)

JOHN: E o que você queria dizer…?

CAROL: Que eu sou uma idiota. E que não vou aprender nunca. Era isso que eu queria
dizer. Você tem razão.

JOHN: … eu…

CAROL: … então, o que eu estou fazendo aqui…?

JOHN: … se você achasse que eu…

CAROL: ... se ninguém me quer aqui, e…

JOHN: … se você interpretasse…

CAROL: Ninguém me diz nada. Eu sento naquela sala de aula… no cantinho. No fundo
da sala. E ninguém fala sobre isto o tempo todo. E os "conceitos" e os "preceitos", e, e,
e, e, e, E SOBRE O QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO AFINAL? Eu leio o seu livro. As
pessoas dizem: "Ê bom assistir aquela aula". Porque você falou aos jovens sobre
responsabilidade. EU NÃO SEI O QUE QUER DIZER ISSO E ESTOU ME
FERRANDO…

JOHN: Pode ser…

CAROL: Não, você tem razão. "Ah, droga." Eu me dei mal. Pode me dar bomba. É um
lixo. Tudo o que eu faço. "As ideias contidas neste trabalho expressam os sentimentos
do autor". Está certo. Eu sei que eu sou uma idiota. Eu me conheço. (PAUSA) Eu me
conheço, professor. Não precisa me dizer. (PAUSA) Ê patético, não é? (ELA SE
LEVANTA)

JOHN: … Aha… (PAUSA) Sente-se. Sente-se, por favor. (PAUSA) Por favor, senta.

CAROL: Para que?

JOHN: Quero conversar com você.

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CAROL: Por quê?

JOHN: Sente-se um pouco. (PAUSA) Por favor. Obrigado. Quero te dizer uma coisa.

CAROL: (PAUSA) O que?

JOHN: Bem, eu sei do que você está falando.

CAROL: Não. Você não sabe.

JONH: Eu acho que sei. (PAUSA)

CAROL: Como é que você pode saber?

JOHN: Eu vou te contar a minha história. (PAUSA) Você se importa? (PAUSA) Eu fui
criado para me sentir um idiota. É isso que eu quero te dizer. (PAUSA)

CAROL: O que é que você quer dizer com isso?

JOHN: Foi isso mesmo que eu disse. Desde pequeno, nas minhas lembranças mais
remotas, me diziam que eu era um idiota. "Inteligência rara. Por que tem que ser tão
idiota?" Ou então: "Você não consegue entender. Consegue?" E eu não conseguia.

CAROL: … O que…?

JOHN: O problema mais simples. Era demais para mim. Era um mistério.

CAROL: O quê que era um mistério?

JOHN: Como as pessoas aprendem. Como eu podia aprender. E é sobre isso que eu
tenho falado nas aulas. É claro que você não ouve, Carol. Você não consegue ouvir.
(PAUSA) Eu costumava falar de "gente de verdade" e ficava me perguntando o que essa
"gente de verdade" fazia. As pessoas de verdade. Quem eram essas pessoas? Era todo
mundo que não fosse eu. As pessoas boas. As pessoas capazes. As pessoas que
conseguiam fazer as coisas que eu não conseguia: aprender, estudar, decorar… Toda
aquela baboseira - que é o que eu tenho falado nas aulas. E eu percebi você na aula,
quando estávamos falando sobre os conceitos da…

CAROL: Eu não consigo entender nenhum deles.

JOHN: Bem, então a culpa é minha. A culpa não é sua. No meu entender essa é a pura
verdade. Eu lhe devo desculpas.

CAROL: Por quê?

JOHN: Porque eu devia estar com outras coisas na minha cabeça… Nós estamos
comprando uma casa, e…

CAROL: As pessoas te achavam burro?

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JOHN: É.

CAROL: Quando?

JOHN: Para falar a verdade, a minha vida inteira. Na infância, e… talvez… devem ter
parado. Mas na minha cabeça continuou assim.

CAROL: E o que eles diziam?

JOHN: Diziam que eu era incompetente. Está vendo? E quando me põem à prova, os…
os… os sentimentos da minha juventude sobre a própria questão da aprendizagem,
aparecem de novo e eu… Eu fico, eu me sinto "desmerecedor", e "despreparado"…

CAROL: É.

JOHN: Eu me sinto meio obrigado a errar. (PAUSA)

CAROL: …, mas aí você acaba errando. (PAUSA) Você tem que errar. (PAUSA) Não
é?

JOHN: Você vai ficar assustada quando tiver que enfrentar o que pode ou não ser aquilo
que talvez você venha a perceber como um teste. Você vai se sentir assustada.

CAROL: É isso… (PAUSA) É isso que eu…?

JOHN: Bem, eu não sei se eu colocaria dessa maneira. Ouça, estou falando com você
como falaria com meu filho porque isso é uma coisa que eu gostaria que ele tivesse e
que eu nunca tive. Estou falando com você da maneira que eu gostaria que alguém
tivesse feito comigo. Eu não sei fazer isso de maneira impessoal, com você, mas…

CAROL: Por que você quer essa proximidade?

JOHN: Está vendo? É isso que eu quero passar. Nós só podemos interpretar o
comportamento das pessoas através da ótica que nós… (O TELEFONE TOCA)
Através… (AO TELEFONE) Alô…? (PARA CAROL) Através da nossa própria ótica.
(PARA CAROL) Me dá licença um instante. (AO TELEFONE) Alô? Não, eu não posso
falar ag… Eu sei que eu disse. Daqui a pouco… Eu… Ele vai… sei. Eu falei com ele.
Nós vamos encontrar você no… não, porque eu estou com uma aluna. Vai ser rápid…
Mas isso também é importante. Eu estou com uma aluna, o Jerry vai… Ouve: quanto
mais cedo eu terminar, mais cedo eu saio, tudo bem. Eu amo você. Ouve, ouve, eu disse
"amo você", vai dar certo… porque eu sinto que vai dar… Eu já vou. Tudo bem? Então
vai levar o tempo que levar. (ELE DESLIGA) (PARA CAROL) Me desculpe.

CAROL: O que foi que houve?

JOHN: Estamos tendo problemas, como sempre fechamento da compra da casa nova.

CAROL: Você está comprando uma casa nova.

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JOHN: É isso mesmo.

CAROL: É por causa da efetivação.

JOHN: Bom, eu acho que é isso.

CAROL: Por que você ficou aqui comigo?

JOHN: Por que eu fiquei?

CAROL: É. Você devia ter ido.

JOHN: Porque eu gosto de você.

CAROL: Você gosta de mim.

JOHN: Gosto.

CAROL: Por quê?

JOHN: Ora, por quê? É. (PAUSA) talvez a gente seja parecido. (PAUSA)

CAROL: Você disse "que todo mundo tem problemas".

JOHN: Sem dúvida.

CAROL: Você tem?

JOHN: Tenho.

CAROL: Quais são os seus?

JOHN: Bom você está certíssima. (PAUSA) Se nós quisermos acabar com a
formalidade artificial entre aluno e professor, por que eu teria que esconder os meus
problemas e você não? É claro que eu tenho problemas.

CAROL: … com o que?

JOHN: Com minha mulher… Com o trabalho…

CAROL: Com o trabalho?

JOHN: É. E talvez os meus problemas sejam, você sabe, parecidos com os seus.

CAROL: Você contaria para mim?

JOHN: Tudo bem. Eu comecei a dar aulas tarde. E eu achava que era artificial. Essa
noção de "eu sei e você não sabe!" Eu passei a ver o processo educacional como uma
exploração. Eu detestava a escola, eu odiava os professores. Eu detestava todo mundo
que estivesse na posição de "chefe", porque eu sabia que eu não pensava. Eu sabia que

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eu ia errar. Eu era um fracasso. Eu não era bom em porra nenhuma. Quando eu… fui
ficando mais velho… (PAUSA) quando eu consegui me libertar (PAUSA) da
necessidade de errar, quando eu…

CAROL: Como é que se faz isso? (PAUSA)

JOHN: Você tem que olhar para o que você é de verdade. E depois, você tem que ver o
jeito como você age. E dizer: "se eu fiz isso foi porque eu me vejo assim".

CAROL: Não entendi.

JOHN: Se eu erro o tempo todo, deve ser porque eu penso que sou um fracasso. Veja
bem. As provas, entende, que você faz na escola, na faculdade, na vida, na maioria das
vezes são feitas por idiotas. Por idiotas. Não há a menor necessidade de errar. Essas
provas não servem para medir o seu valor. E eu…

CAROL: … não…

JOHN: Elas não prestam. São uma piada de mau gosto. Olha pra mim. A banca
examinadora. Eles vão me julgar. A temível banca examinadora. Vão me pôr à prova.
Para eu conseguir a cátedra, um emprego vitalício, eu vou me submeter ao julgamento
de pessoas que eu não contrataria nem para lavar o meu carro. Mas, ainda assim, eu vou
me apresentar diante da veneranda banca examinadora, isso me dá uma vontade de
vomitar, de atirar toda a minha ruindade sobre a mesa e mostrar a eles: "Eu sou um
merda. Por que vocês foram escolher logo eu?"

CAROL: Eles já te deram a cátedra.

JOHN: Não. Eles anunciaram que vão me dar, mas ainda não assinaram o papel. Está
vendo? A qualquer momento eles podem não assinar… O corpo docente pode fazer
restrições… eh? Eles vão descobrir o meu grande segredo. (PAUSA)

CAROL: E qual é?

JOHN: Eu não tenho nenhum. Mas eles, vão descobrir um indicador da minha ruindade.

CAROL: Indicador?

JOHN: Um indicador. Entende? Está vendo? Eu compreendo você. Eu conheço essa


sensação.

CAROL: Eu queria saber a minha prova.

JOHN: É claro que você quer.

CAROL: Fiz mal em perguntar?

JOHN: Não.

CAROL: Eu te aborreci?

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JOHN: Não. E eu peço desculpas. É claro que você quer notícias da sua prova. (O
TELEFONE COMEÇA A TOCAR) Espera um pouquinho só. (ELE VASCULHA A
MESA)

CAROL: É melhor eu ir.

JOHN: Vamos fazer um trato.

CAROL: Não, você tem que…

JOHN: Deixa tocar. Vamos fazer um trato. Você fica aqui. Vamos começar o curso do
princípio. Vamos fazer de conta que não era você. Que era eu que não estava prestando
atenção. Vamos começar desde o princípio. Sua nota final é 10. (O TELEFONE PARA
DE TOCAR).

CAROL: Mas nós ainda estamos no meio do ano…

JOHN: (AO MESMO TEMPO EM QUE CAROL DIZ "ANO") A sua nota para este
semestre é 10. Se você me prometer que vai voltar. Mais algumas vezes. (ELE RASGA
A PROVA) Esqueça a prova. O importante é que eu desperte o seu interesse. Vamos
começar tudo de novo. (PAUSA)

CAROL: Começar de novo. O que?

JOHN: Digamos que começou agora.

CAROL: O que?

JOHN: O curso.

CAROL: Mas a gente não pode começar tudo de novo.

JOHN: Por mim, pode. (PAUSA).

CAROL: Mas eu não acho que pode.

JOHN: É, eu sei. Mas é verdade. O que é a aula senão eu e você?

CAROL: Existem regras.

JOHN: Tudo bem. Vamos desrespeitá-las.

CAROL: De que jeito?

JOHN: Nós não vamos contar para ninguém.

CAROL: E isso está certo?

JOHN: Pra mim está tudo bem.

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CAROL: Por que você faria isso por mim?

JOHN: Eu gosto de você. É tão difícil assim para você…

CAROL: Humm?

JOHN: Não tem mais ninguém aqui. Só eu e você. (PAUSA)

CAROL: Tudo bem. Eu não entendi quando você falou sobre o efeito névoa.

JOHN: Efeito névoa.

CAROL: Você escreveu, no seu livro, sobre a relação comparativa… a relação


comparativa (ELA OLHA O CADERNO) …

JOHN: Você está procurando suas anotações?

CAROL: Estou.

JOHN: Use suas próprias…

CAROL: Eu quero ver se eu consigo acertar. (LENDO O CADERNO) Está aqui: você
escreveu sobre o efeito névoa.

JOHN: "Efeito névoa". Isso significa a ritualização da contrariedade. A gente empurra


um livro pela goela de vocês abaixo e manda vocês lerem. Depois, a gente pergunta:
"você leu?", vou pegar você e quando eu descobrir, que você mentiu, você vai cair em
desgraça e a sua vida estará arruinada. É um jogo doentio. Por que a gente entra nessa?
Isso é educativo? De forma alguma. Se é assim, o que é o ensino superior? É uma coisa
que não serve para nada.

CAROL: O que é que não serve para nada?

JOHN: Virou um ritual, virou uma questão de fé. Todo mundo tem que se sujeitar ou,
em outras palavras, todo mundo tem direito ao ensino superior. E o meu ponto de
vista…

CAROL: Você discorda disso?

JOHN: Está bem, vamos tratar desse ponto. O que você pensa?

CAROL: Eu não sei.

JOHN: Mas qual é a sua opinião?

CAROL: Eu não sei.

JOHN: Eu falei sobre isso na aula. Você lembra do meu exemplo?

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CAROL: A justiça.

JOHN: Isso. Você acha que pode repetir o meu exemplo? (ELA OLHA PARA O
CADERNO) Sem procurar no caderno.

CAROL: Você disse que a justiça…

JOHN: Sim?

CAROL: … que todo mundo tem direito… (PAUSA)

JOHN: Isso. Veja bem. A justiça é um direito, será que as pessoas têm que usá-la? Têm
que exigir um processo justo só porque têm direito? O ponto que eu estou levantando é
a confusão entre equidade e utilidade. As pessoas confundem a utilidade do ensino
superior com o direito que todo mundo tem de ir para a universidade. Na realidade, a
gente cria um preconceito com relação ao ensino superior…

CAROL: … você acha que é preconceito achar que todo mundo tem que ir para a
faculdade?

JOHN: Exatamente (PAUSA)

CAROL: Como você pode dizer isso…

JOHN: Tudo bem! Pode falar! O que é um preconceito? É uma crença sem fundamento.
Todo mundo está sujeito a isso. Ninguém é perfeito. Quando há uma ameaça, ou, por
outro lado, quando a gente sente raiva não reage assim? Como você está reagindo
agora? Ótimo.

CAROL: …, mas como você pode…

JOHN: Vamos examinar.

CAROL: Como…

JOHN: Ótimo…

CAROL: Eu estou falando… (PAUSA)

JOHN: Desculpe ter interrompido.

CAROL: Tudo bem.

JOHN: Você estava dizendo…

CAROL: Eu estava dizendo… (OLHA NO CADERNO) Como você pode dizer numa
sala de aula, dizer numa aula de faculdade, que o ensino superior é um preconceito?

JOHN: Eu disse que nossa predileção pelo ensino…

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CAROL: Predileção…

JOHN: Você sabe o que isso quer dizer?

CAROL: Não quer dizer "gosto"?

JOHN: Isso.

CAROL: Mas como você pode dizer isso? Que a faculdade…

JOHN: … esse é o meu trabalho. Não está vendo?

CAROL: O que?

JOHN: Provocar você.

CAROL: Não.

JOHN: Mas é sim.

CAROL: Me provocar?

JOHN: Isso mesmo.

CAROL: Me deixar furiosa?

JOHN: É isso. Forçar você a…

CAROL: … o seu trabalho é me deixar furiosa?

JOHN: Para forçar você… a ouvir. (PAUSA) Quando eu era mais jovem, alguém me
disse, que os ricos copulam menos que os pobres. Mas quando copulam têm que tirar
muito mais roupa. Durante anos eu comparava as minhas próprias experiências com
esse ditado. E o que é que isso queria dizer? Nada. Alguém te disse e você aceitou como
verdade absoluta que o ensino superior é um bem intocável. Esse negócio de ensino
superior, desde a guerra, se tornou uma questão tão definida, urna necessidade ditada
pela moda, para as pessoas que queriam ou aspiravam a nova classe média, que
pretendiam subir na vida e viam isso como uma questão de direito, isso chegou a tal
ponto que ninguém mais se pergunta "para que serve isso?" (PAUSA) Quais seriam as
razões para alguém fazer uma faculdade?

Um: O amor pelo saber.


Dois: O desejo de dominar urna habilidade.
Três: A ascensão econômica. (PARA. TOMA NOTA).

CAROL: Eu estou atrasando você.

JOHN: Um momento. Tenho que anotar uma coisa…

CAROL: É alguma coisa que eu disse?

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JOHN: Nós estamos falando de ascensão econômica e eu me lembrei da mensalidade da
escola. (CONTINUA ESCREVENDO) (PARA SI MESMO) É um absurdo ter que
pagar um colégio tão caro e as universidades serem gratuitas. O mais importante é o
ensino básico. É manter as crianças dentro das escolas. E… Isso te interessa?

CAROL: Não. Só estou tomando nota…

JOHN: Eu não estou dando aula. Só estou tentando passar para você algumas das coisas
que eu penso.

CAROL: O que você pensa?

JOHN: Será que todo mundo precisa ir para a universidade?

CAROL: (PAUSA) Para aprender.

JOHN: Mas e se as pessoas não aprendem?

CAROL: A criança não aprende?

JOHN: Então por que as pessoas vão para a universidade? Porque elas ouviram dizer
que isso é o "certo"?

CAROL: Algumas pessoas devem achar instrutivo.

JOHN: É o mínimo que se pode esperar.

CAROL: Mas como é que essa gente vai se sentir quando ouvem dizer que estão
perdendo tempo?

JOHN: Mas não é isso que eu estou dizendo.

CAROL: Você disse que a educação era uma “imposição prolongada e sistemática".

JOHN: É. Pode ser que sim.

CAROL: … se a educação é tão ruim, por que você leciona?

JOHN: Porque eu gosto. (PAUSA) Vamos… Eu sugiro que você dê uma examinada nos
dados demográficos, na capacidade de geração de renda, numa comparação entre
pessoas formadas e não formadas, homens e mulheres, de 1855 a 2015, e vamos ver se
essas estatísticas nos provam alguma coisa, tá? E…

CAROL: Não.

JOHN: O que?

CAROL: Eu não entendo nada disso.

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JOHN: … você…

CAROL: … os "quadros". Os Conceitos, os…

JOHN: Os "quadros" são simplesmente…

CAROL: Quando eu sair daqui…

JOHN: Os quadros, entende…

CAROL: Não, não consigo…

JOHN: Mas você pode.

CAROL: NÃO, NÃO, EU NÃO CONSIGO. ENTENDE? EU NÃO CONSIGO


ENTENDER…

JOHN: O que?

CAROL: Nada. Nada mesmo. Eu fico sorrindo nas aulas, sorrindo o tempo todo. Do
que é que você está falando? Do que é que todo mundo está falando? Eu não entendo.
Eu não sei o que quer dizer. Eu não sei por que tenho que estar aqui… Você me diz que
eu sou inteligente, e depois diz que eu não deveria estar aqui, o que é que você quer
comigo? O que é que isso tudo quer dizer? A quem eu tenho que ouvir… Eu… (ELE
CAMINHA NA DIREÇÃO DE CAROL E PASSA O BRAÇO SOBRE O OMBRO
DELA) Não.

JOHN: Shhhhhh.

CAROL: Não, eu não entend…

JOHN: Shhhhhh.

CAROL: Eu que não sei do que você está falando…

JOHN: Shhhhh. Está tudo bem.

CAROL: … Eu tenho que…

JOHN: Shhhhh. Shhhhh. Relaxa um pouco (PAUSA) Shhhh… Relaxa. (PAUSA) Só


um pouquinho. Está tudo bem. (PAUSA) Shhhhh. Eu estou entendendo… (PAUSA)
Como você está se sentindo?

CAROL: Eu me sinto muito mal.

JOHN: Eu sei. Está tudo bem.

CAROL: Eu… (PAUSA)

JOHN: Fala.

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CAROL: Eu…

JOHN: Fala. Pode falar.

CAROL: Eu não entendo você.

JOHN: Eu sei. Está tudo bem.

CAROL: Eu…

JOHN: Fala. (PAUSA)

CAROL: Eu não posso falar.

JOHN: Claro, você deve falar.

CAROL: Não posso.

JOHN: Pode. Fala. (PAUSA)

CAROL: Eu sou má. (PAUSA) Ah, meu Deus (PAUSA)

JOHN: Tudo bem.

CAROL: Eu…

JOHN: Tudo bem.

CAROL: Eu não consigo falar.

JOHN: Tudo bem, agora fala.

CAROL: Por que você quer saber?

JOHN: Eu não quero saber. Eu quero saber o que você…

CAROL: Eu sempre…

JOHN: … ótimo…

CAROL: Eu sempre… Toda minha vida… Eu nunca contei isso a ninguém.

JOHN: Tá. Continua. (PAUSA) continua.

CAROL: Toda minha vida…

(O TELEFONE TOCA)

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JOHN: (AO TELEFONE) Não posso falar agora. (PAUSA) O que? (PAUSA) Hmm.
(PAUSA) Tudo bem, eu… (AO TELEFONE) Não, não, eu sei que eu prometi, mas… O
que? Alô. O que? Ela o que? Ela não pode… Ela disse que o contrato não é válido? É a
nossa casa. Eu tenho o papel, quando nós voltarmos, semana que vem, com o
pagamento, e o papel… Aquela casa é… Espera aí, e o Jerry? O Jerry está aí? (PAUSA)
Está ou não está…? Ela tem advogad…? Como pode uma coisa dessas. Põe o Jerry na
linha. (PAUSA) Jerry. Mas que droga… Essa é a minha casa. Essa… tá bom, eu não,
não, não, eu não vou prá… ou… ouve, eu quero que ela se foda. Você fala com ela.
Ouve aqui: eu quero que você pegue a Grace e cai fora dessa casa. Deixa essa mulher aí.
Ela e o advogado dela, e diz para ela que a gente se vê no tribunal… não entendi.
(PAUSA) Tá, mas e a casa? (PAUSA) Não, não. Tudo bem. Tud… tudo bem…
(PAUSA) Claro. Já estou indo. (ELE DESLIGA) (PAUSA)

CAROL: O que foi?

JOHN: Uma festa-surpresa.

CAROL: É mesmo?

JOHN: É.

CAROL: Pra você?

JOHN: É.

CAROL: É o seu aniversário?

JOHN: Não.

CAROL: É o que?

JOHN: É por causa da cátedra.

CAROL: A cátedra.

JOHN: Vão fazer uma festa pra gente na casa nova.

CAROL: Você tem que ir.

JOHN: É, parece que sim.

CAROL: (PAUSA) Estão orgulhosos de você.

JOHN: Bom, tem gente que vê isso como uma forma de agressão.

CAROL: O quê?

JOHN: A surpresa.

FIM DO ATO UM

19
-DOIS-

JOHN E CAROL SENTADOS FRENTE À FRENTE DIANTE DA ESCRIVANINHA.

JOHN: Como eu estava te dizendo, quando eu descobri que eu adorava ensinar, eu jurei
que não ia ser aquele tipo de instrutor frio, rígido, o tipo autômato que eu sempre tive na
minha infância. Só que eu sabia, desde o princípio, concedido errar às custas dos outros
e perguntava, e ainda me pergunto, se eu uma postura "graciosamente heterodoxa".
Quando surgiu a possibilidade de eu ficar com a cátedra, eu fiquei, naturalmente, feliz, e
me envaideci. E então percebi que eu não estava livre dessa necessidade de segurança, e
que talvez eu nem devesse me culpar por isso. Qual era o preço dessa segurança?
Conseguir a cátedra. A cátedra que depende do parecer da comissão examinadora. E foi
com base nisso que eu fechei o negócio da casa. Mas você, como você não tem família
prá sustentar, talvez você não entenda muito bem este argumento. Mas para mim é
importante uma boa casa para criar minha família. Mas agora a comissão examinadora
vai se reunir. Este é o processo, e é um bom processo. Eles vão se reunir, e ouvir a sua
queixa - que você tem direito a fazer; e ela vai ser indeferida. E, nesse meio tempo, eu
vou perder a minha casa. Eu vou perder o meu depósito, e a casa que eu escolhi para
minha mulher e meu filho vai para o beleléu. Eu sei que eu irritei você. Eu entendo que
você tenha raiva dos professores. Eu tinha raiva dos meus. E essa foi uma das razões
pelas quais eu me dediquei à educação.

CAROL: O que você quer que eu faça?

JOHN: (PAUSA) Quando eu recebi o relatório da comissão examinadora. Fiquei


chocado. Mas não, eu não pretendo sujeitar você à minha sensibilidade. Tudo bem. Prá
começar, eu não entendi. Depois eu pensei: não é exatamente naqueles pontos em que a
gente acha que é intocável que a gente é mais vulnerável? É. Tá certo. Você me acha
pedante. Tá certo, eu sou. Por natureza, de nascimento, por profissão, sei lá... Estou
sempre procurando um paradigma para resolver...

20
CAROL: Eu não sei o que é um paradigma.

JOHN: É um modelo.

CAROL: Então por que você não diz isso? (PAUSA)

JOHN: Se for importante prá você. Tá bem. Eu estava procurando um modelo. Mas
continuando: eu acho que um ponto...

CAROL: Eu...

JOHN: Um segundo... um ponto em que eu me acho irrepreensível é o meu


compromisso absoluto com a dignidade dos meus alunos. Eu chamei você aqui... com o
intuito de investigar, de perguntar a você... (PAUSA) O que é que eu te fiz? (PAUSA)
E, saber também como é que eu posso remediar essa situação. A gente pode resolver
isso agora? O que você está fazendo é inútil, mas eu quero saber.

CAROL: O que você pode fazer para me forçar a voltar atrás?

JOHN: Eu não quis dizer isso, absolutamente.

CAROL: Me subornar, me convencer ...

JOHN: ...Não.

CAROL: ...a me retratar...?

JOHN: Eu não quis dizer isso de jeito nenhum. Eu acho que você está me entendendo.

CAROL: Não é isso o que eu estou sabendo. Eu queria até...

JOHN: Eu não quero... o que você queria?

CAROL: Não, você falou em remediar. Em me forçar a voltar atrás.

JOHN: Eu não disse isso.

CAROL: Eu tenho tudo anotado.

JOHN: Eu sei que você está chateada. Mas, me diga, literalmente, que mal eu te fiz?

CAROL: Seja lá o que for que você tenha feito a mim, na medida em que você fez
comigo, sabe, comigo enquanto estudante, e, portanto, para o corpo discente, está no
meu relatório. Para a comissão examinadora da cátedra.

JOHN: Tá bom. (PAUSA) Vejamos. (LÊ) Você diz que eu sou sexista. Que eu sou
elitista, que eu insisto em dispender tempo em desvios irregulares do texto prescrito,
com conotações dramáticas, apenas para me promover... e que estes elementos tomaram
formas sexualísticas e pornográficas... a saber. (PAUSA) Aí vem uma lista...
Exemplos...

21
Em recinto fechado com uma aluna... "contou uma história desconexa de sexo explícito,
na qual a frequência e as atitudes sexuais dos pobres e dos ricos são, ao que parece, o
ponto central... fez menção de agarrar a referida aluna ... tudo isso dentro de um padrão
intencional... " (PAUSA)

(VOZ GRAVADA)

Ele disse que "gostava" de mim. Que "gostava" de estar comigo. Que me deixaria
fazer a prova de novo, se eu voltasse a vê-lo com mais frequência, no seu escritório.
Que tinha problemas com a esposa" e que "queria acabar com a formalidade
artificial entre aluno e professor”. Ele tentou me abraçar...” disse que se eu ficasse
sozinha com ele no escritório, mudaria a minha nota para 10.

JOHN: Isso não tem lógica.

CAROL: E você vai negar? Está vendo? E aí você vem com essa história de "eu não
entendo você..." Aí você... (APONTA)

JOHN: "consulta o relatório"?

CAROL: É isso mesmo.

JOHN: Está vendo? Você não consegue me dizer isso com as suas próprias palavras?

CAROL: Essas são as minhas próprias palavras. (PAUSA)

JOHN: Você tem consciência de que eu estava tentando te ajudar? Eu gostaria de te


ajudar agora. Eu juro. Antes que esse negócio cresça.

CAROL: (AO MESMO TEMPO QUE "CRESÇA") Olha. Eu acho que não preciso da
sua ajuda. Eu acho que não preciso de nada de você.

JOHN: Eu sinto muito...

CAROL: Não me interessa o que você sente. Ta sabendo? Você - não tem esse poder.
Você fez isso tudo. E depois fica dizendo “o eu quero te ajudar a resolver o seu
problema..."

JOHN: É, eu entendo. Você está magoada. Tá certo. Eu acho que a tua raiva está te
traindo. A gente está trilhando um caminho que não é bom pra ninguém.

CAROL: Não me interessa o que você acha.

JOHN: Não te interessa? (PAUSA) Mas você fala de direitos. Você não percebe? Eu
também tenho direitos. Olha. Eu tenho uma casa... ela faz parte do mundo real; e a
banca examinadora, homens bons e verdadeiros...

CAROL: ...Professor...

22
JOHN: Por favor: tudo isso faz parte desse mundo entende? Esta é a minha vida. Eu
não sou o bicho papão. Eu não "represento" nada. Eu...

CAROL: ...Professor...

JOHN: ...Sim...

CAROL: Professor, eu só vim aqui para lhe prestar um favor. Vim porque você me fez
um apelo pessoal. Talvez eu não devesse ter vindo. Mas eu vim. Em meu nome e em
nome do meu grupo. E você vem me falar da banca examinadora; um dos membros da
banca é uma mulher, como você sabe. E embora você possa dizer que isso é uma
brincadeira, uma frase histórica, ou uma generalização, ou todas as respostas acima,
chamar a banca de "homens bons e verdadeiros" é no mínimo degradante. É uma
observação sexista, e se eu deixar isso passar eu estarei contribuindo para a
continuidade desse método de pensamento. É uma observação...

JOHN: Ora, vamos... suficiente para destituir uma família...

CAROL: Suficiente? Suficiente? É. É um fato... e essa história, que eu chamei de vil e


classista, e manipuladora e pornográfica, é...

JOHN: É pornográfica?

CAROL: Que direito você tem de falar com uma mulher na sua sala... É... é isso ...
Desculpa... você se acha no direito... você mesmo disse isso... de estruturar, de criar
uma postura, de "desempenhar", de "me chamar para vir aqui ... ", hein? Você diz que o
ensino superior é uma piada. E você acha isso mesmo, você age com base nisso. E você
confessa que gosta de fazer o papel de patriarca da classe. Dar isso, negar aquilo.
Agarrar... suas alunas.

JOHN: Como você pode afirmar...

CAROL: Corno você pode negar? Você fez isso comigo. Aqui. Foi você... você
confessou. Você adora o poder. Adora desviar, inventar, transgredir... transgredir
qualquer norma estabelecida para nós. E você acha que é "charmoso" ficar se
questionando sobre esse prazer em debochar e destruir. MAS VOCÊ TEM QUE SE
QUESTIONAR MESMO. Professor. E você escolhe as coisas que você acha que
servem para te elevar: escrever livros, a cátedra e os passos para chegar a isso você
chama de "rituais inúteis". Mas você segue esses rituais. Você diz que é hipocrisia. Mas
só quando se trata dos alunos. Mas eu quero que você fique sabendo que você é vil.
Bom dia.

JOHN: Peraí, por favor. Só um instante. (PAUSA) Hoje é um belo dia.

CAROL: O que?

JOHN: Você disse "bom dia". Eu acho que hoje é um belo dia.

CAROL: É mesmo?

23
JOHN: É, eu acho que sim.

CAROL: Qual é a importância disso?

JOHN: Essa é a essência de toda a comunicação humana. Eu digo urna coisa


convencional, você responde, e as informações que nós trocamos não são sobre “o
tempo", é só um sinal de que nós dois concordamos em conversar. No mínimo, nós
concordamos que somos humanos. (PAUSA). Você disse que veio para a minha aula
porque queria aprender sobre educação. Eu não sei o que eu posso ensinar sobre
educação. Mas eu posso dizer prá você o que eu acho sobre educação, e aí você decide.
Você não tem que brigar comigo. A matéria não sou eu. (PAUSA) E quando eu estou
errado... tal vez não caiba a você "me consertar". Eu não quero consertar você. Mas do
mesmo jeito que a gente responde quando alguém diz "bom dia", eu acho que a gente só
vai poder continuar a partir do momento em que a gente aceitar que cada um de nós é
humano. (PAUSA) E ainda assim, é difícil..., mas tudo bem. (PAUSA) Bom...

CAROL: Espera...

JOHN: Sim. Eu estou ouvindo.

CAROL: ...a...

JOHN: Sim. Pode falar.

CAROL: ...minha posição...

JOHN: Eu quero ouvir. Com as suas palavras. O que você quer? O que é que você
sente?

CAROL: ...eu sinto que...

JOHN: Sim...

CAROL: Meu grupo.

JOHN: Seu grupo.

CAROL: As pessoas com quem eu tenho conversado...

JOHN: Não é vergonha nenhuma. Todo mundo precisa de conselho. É essencial. Agora
você e eu precisamos chegar a um acord... (TOCA O TELEFONE) (ELE HESITA UM
POUCO, DEPOIS PEGA O APARELHO)
Alô. (PAUSA) Hmmm... não, eu sei que eles vão. (PAUSA) Eu sei que ela vai. Diga a
ela que eu... eu posso ligar depois? Meu... meu anjo, liga pro Jerry. Eu estou resolvendo
o negócio da denúncia. Tá... Tá bem. Tchau. (DESLIGA) (PAUSA) Desculpe a
interrupção.

CAROL: Não...

JOHN: Eu... o que eu estava dizendo...

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CAROL: Você estava dizendo que a gente devia chegar a um acordo para conversar
sobre a minha denúncia.

JOHN: Correto.

CAROL: Mas nós estamos falando sobre isso.

JOHN: É, é verdade. Está vendo? Este é o âmago da educação.

CAROL: Não. A gente estava falando sobre a audiência da comissão examinadora.

JOHN: É, o que eu estou dizendo é que a gente pode falar sobre isso agora,
simplesmente...

CAROL: Não. Eu acho que a gente devia... se restringir ao processo...

JOHN: ...pera um pouco...

CAROL: o processo "convencional". Como você disse. (ELA SE LEVANTA) E você


tem razão, desculpe se eu fui, hmmm, se eu fui "indelicada" com você. Você tem razão.

JOHN: Espera um...

CAROL: Eu tenho que ir mesmo.

JOHN: Veja, tudo bem, eu tenho interesse no status quo, certo? Todo mundo tem. Mas
o que eu que estou dizendo é a comissão...

CAROL: Professor, você tem razão. Mas não força a barra. A gente vai resolver as
nossas diferenças, e...

JOHN: Você vai fazer uma grande... olha, você vai...

CAROL: Eu não devia ter vindo. Eles me avisaram...

JOHN: Um momento. Não. Existem normas... não há motivo para... olha, eu estou
tentando salvar você...

CAROL: Mas ninguém te pediu isso... Você está tentando me salvar? Faça-me o favor...

JOHN: Eu estou te fazendo um favor. Eu estou falando direto com você.

CAROL: Eu preciso ir...

JOHN: Sente-se, parece que nós dois temos um... espera um instante. Só um instante...
Me faça o favor de... (ELE A IMPEDE DE SAIR)

CAROL: ME SOLTA!

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JOHN: Eu não tenho o menor desejo de segurar você, eu só quero falar com você.

CAROL: ME SOLTA. ME SOLTA. SOCORRO!

FIM DO ATO DOIS

-TRÊS-

CAROL E JOHN ESTÃO SENTADOS.

JOHN: Eu chamei você aqui... (PAUSA) contra...

CAROL: Fiquei muito surpresa quando me chamou.

JONH: ...contra o meu coração mandava, contra...

CAROL: ...se quiser que eu vá embora, eu vou.

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JOHN: Vamos começar direito, combinado? Eu sinto que...

CAROL: Foi por isso que eu vim aqui, mas agora...

JOHN: ...eu sinto que...

CAROL: Mas agora talvez você queira que eu saia...

JOHN: Eu não quero que você saia. Eu pedi prá você vir...

CAROL: Eu não precisava vir aqui.

JOHN: Não. (PAUSA) Obrigado.

CAROL: Tudo bem.

JOHN: Embora eu sinta que você se beneficiaria, pelo menos um pouco, se...

CAROL: Os promotores disseram que eu não devia vir.

JOHN: Os "promotores"?

CAROL: Fiquei chocada quando você chamou.

JOHN: ...espera...

CAROL: É. Mas eu não vim aqui para saber o que me beneficiaria...

JOHN: Os "promotores"?

CAROL: Não, é melhor eu ir embora... (ELA SE LEVANTA)

JOHN: Peraí.

CAROL: Não, eu não devia ter...

JOHN: Espera um pouco.

CAROL: Sim? O que é que você quer? (PAUSA)

JOHN: Eu quero que você fique.

CAROL: Quer mesmo.

JOHN: Quero. (PAUSA). Eu queria que você me ouvisse, se fosse possível. (PAUSA)
Pode ser?(PAUSA) (ELA SE SENTA) Obrigado. (PAUSA)

CAROL: O que é que você quer me dizer?

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JOHN: Está bem. (PAUSA) Eu não consigo deixar de achar que você merece que eu te
peça desculpas. (PAUSA) (COM PAPÉIS NA MÃO). Eu li e reli essas acusações.

CAROL: Que "acusações"?

JOHN: As... as da comissão examin... que outras acusações poderiam ser?

CAROL: Desculpe, mas aquelas não são acusações. Aquilo tudo foi provado. São fatos.

JOHN: ...eu...

CAROL: Não. Não são "acusações".

JOHN: Aquilo?

CAROL: ...a comissão... resolveu... (TOCA O TELEFONE) A comissão resolveu...

JOHN: Tudo bem...

CAROL: ... Não são acusações. A comissão examinadora...

JOHN: Tudo bem. (ATENDE O TELEFONE) Alô. Sim. Estou aqui. Não posso falar
com ele agora... Mas agora não... eu sei... Fala com o Jerry e diz que está tudo bem
(PAUSA) minha mulher... sim. Vou ligar para ela também. Eu não posso falar agora.
(ELE DESLIGA) (PAUSA) Tudo bem. Foi bom você ter vindo. Obrigado. Eu estudei.
Passei algum tempo estudando as alegações.

CAROL: Não. Eu não posso permitir isso. Não tem nenhuma alegação. Tudo foi
provado...

JOHN: Por favor, espera um instant...

CAROL: Eu não posso permitir...

JOHN: Com licença... tudo que você acha que está "estabelecido" pelo...

CAROL: A questão aqui não é o que eu "acho". Não são os meus "sentimentos", mas os
sentimentos das mulheres. E dos homens. Seus superiores, que foram "entrevistados",
entende? Para quem as provas foram apresentadas, foram eles que julgaram, eles que
resolveram punir você disciplinarmente. Por causa dos fatos. Por causa das tuas ações.
Foi isso que a comissão que ia te dar a cátedra disse. Foi isso que o meu advogado disse.

JOHN: Eu vou ser demitido.

CAROL: O que você quer? Você quer me “convencer". Você que eu volte atrás. Eu não
vou voltar atrás. Por que eu deveria? Agora me diz. Você vai me dizer que tem mulher e
filho. Você vai me dizer que tem uma carreira e que trabalhou vinte anos para chegar
até aqui. Você sabe para que você trabalhou? Para ter poder. Poder. Entende? Você fica
aí sentado me contando histórias sobre a sua casa, sobre escola particular, privilégios e
como você consegue as coisas. Compra, gasta, debocha, briga. Tudo isso tem a ver com

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privilégio; e você nem sabe. Você não enxerga? Você trabalhou vinte anos para ter o
direito de me insultar. E você se sente no direito de ser pago para isso. Sua casa. Sua
mulher. O importantíssimo "depósito" para comprar a sua casa...

JOHN: Você não tem sentimentos?

CAROL: Você não tem sentimentos? Esse é o argumento que você usa. Quem é que não
tem sentimentos? Os animais. Eu não estou do seu lado, então você questiona se eu sou
humana.

JOHN: Você não tem sentimentos?

CAROL: Eu tenho uma responsabilidade. Eu...

JOHN: Com quem...?

CAROL: Com quem? Com essa instituição, com os alunos. Com o meu grupo.

JOHN: ...seu grupo.

CAROL: É, porque eu não falo só por mim. Mas pelo grupo, por aqueles que sofrem o
que eu sofro. Mesmo se eu me sentisse inclinada a... sei lá, perdoar? Esquecer? Sei lá!
Fingir que você não...

JOHN: Não fiz o que fiz.

CAROL: Seria errado.

JOHN: Mesmo que você se sentisse inclinada a me "perdoar".

CAROL: Seria errado.

JOHN: E o que é que poderia transparecer?

CAROL: Transparecer?

JOHN: É.

CAROL: Acontecer?

JOHN: É.

CAROL: Por que você fala desse jeito? Minha nossa! Quem você pensa que é? Você
quer uma cátedra. Você quer o poder ilimitado. Pra poder fazer e dizer o que quiser.
Testar, questionar, se insinuar...

JOHN: Eu nunca...

CAROL: Me desculpe, só um minutinho, tá? (LÊ O CADERNO) Dia 12: "Bom dia,
gatinha."

29
Dia 15: "Nossa, como você está elegante"...
17 de abril: "Se as meninas quiserem chegar mais perto... " Eu vi, professor. Durante
dois semestres você ficar sentado lá na frente explorando essa sua "prerrogativa
paternal", e o que é isso senão um estupro! (TIRA O LIVRO DELE DA BOLSA) E o
seu livro? Você acha que vai me "iluminar" de alguma maneira? Logo você, um
"dissidente". Fora dos padrões. E você diz que acredita no discurso intelectual livre.
VOCÊ NÃO ACREDITA EM NADA.

JOHN: Eu acredito na liberdade de pensamento.

CAROL: Que gracinha. É mesmo?

JOHN: É. Acredito, sim.

CAROL: Então por que você está questionando a decisão da comissão que te negou a
cátedra? Por que você está questionando a sua suspensão? Você acredita no que você
chama de liberdade de pensamento. Não é na "liberdade de pensamento" que você
acredita, é numa hierarquia elitista e... protegida que te remunera. E para ela você serve
de palhaço. E você debocha e explora o sistema que paga o teu aluguel. Você está
errado.Você acha que eu estou cheia de ódio. Eu sei o que você pensa que eu sou.

JOHN: Sabe?

CAROL: Você acha que eu sou medrosa, reprimida, confusa, sei lá, abandonada, uma
pobre coitada de sexualidade duvidosa, que só quer poder e vingança. (PAUSA) Não é?

JOHN: É. Isso mesmo. (PAUSA)

CAROL: Não é melhor assim? Eu acho que esta é a primeira vez que você me tratou
com respeito. Porque você disse a verdade. (PAUSA) (SUSPIROS) Eu não vim aqui prá
tripudiar em cima de você, como você está pensando. Eu vim aqui para te dizer uma
coisa.
(PAUSA) Que eu acho que você estava completamente errado. Você me odeia agora?
(PAUSA)

JOHN: Muito.

CAROL: Por que você me odeia? Por que você acha que eu estou errada? Não. É
porque na sua cabeça eu estou com o poder. Escuta só. Me ouve, Professor. (PAUSA) É
o poder que você odeia. VOCÊ ODEIA TANTO que qualquer atmosfera de discussão
livre se torna impossível. Não é?

JOHN: É. Acho que sim.

CAROL: Isso que você acha tão cruel é o mesmíssimo processo de seleção que eu, e o
meu grupo, temos que enfrentar todo santo dia. Você diz que educação é como uma
nuvem de fumaça. (PAUSA) Mas a gente se esforçou para chegar nessa faculdade.
(PAUSA) E alguns de nós... (PAUSA)... tiveram que enfrentar preconceitos...
econômicos, sexuais, você nem pode imaginar. E tiveram que sofrer humilhações que
eu espero que você e aqueles que você ama nunca tenham que enfrentar. (PAUSA) Para

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poder entrar aqui, para ter o mesmo sonho de segurança que você tem, nós, que... que
estamos... o tempo todo correndo perigo de perder tudo... por causa...

JOHN: ...por causa...?

CAROL: Por causa da administração; dos professores; por sua causa. Por causa, por
exemplo, de uma nota baixa que impede a gente de se formar; por causa de uma
resposta mais ousada que a gente dê. Está vendo? O que é estar sujeito a esse poder.
(PAUSA)

JOHN: Eu não entendo. (PAUSA)

CAROL: Minhas acusações não são banais. A prova disso é que elas foram aceitas
rapidinho. Uma piadinha que você contou com tintas sexuais. A linguagem que você
usa, as carícias verbais ou físicas, eu sei que você acha que isso não quer dizer nada. Eu
entendo. Eu sou diferente de você. Botar a mão no ombro de alguém ...

JOHN: Mas não tinha nenhuma intenção sexual.

CAROL: ISSO É O QUE VOCÊ DIZ. Você ainda não entendeu? NÃO É VOCÊ
QUEM TEM QUE DIZER ISSO.

JOHN: Eu estou entendendo, já percebi que tem muita coisa construtiva no que você
está dizendo...

CAROL: Você se considera inocente da acusação de exploração sexual...? (PAUSA)

JOHN: Espera um pouco.

CAROL: Quem você pensa que eu sou? Você é muito idiota. Você acha que eu quero
"me vingar". Eu não quero vingança. EU QUERO COMPREENSÃO.

JOHN: ...quer mesmo?

CAROL: Quero.

JOHN: Prá que? Já era.

CAROL: É? O que?

JOHN: O meu emprego.

CAROL: Ah, o seu emprego. É sobre isso que você quer falar. Tá legal. (PAUSA) E se
eu dissesse que é possível que o meu grupo retire a queixa? (PAUSA)

JOHN: O que?

CAROL: Isso mesmo. (PAUSA)

JOHN: Por quê?

31
CAROL: Bom, digamos que seria um ato de amizade.

JOHN: Um ato de amizade.

CAROL: É. (PAUSA)

JOHN: Em troca de que?

CAROL: Ah. Só que não é uma "troca". Não é bem uma troca. O que a gente vai ganhar
com isso? (PAUSA)

JOHN: "Ganhar".

CAROL: É.

JOHN: (PAUSA) Nada. (PAUSA)

CAROL: Isso mesmo. A gente não ganha nada. (PAUSA) Está vendo?

JOHN: Estou.

CAROL: Resposta mixuruca. Professor: "Estou". Estou entendendo". Mas você vai
acabar entendendo.

JOHN: Quer dizer que você pode falar com a comissão...?

CAROL: É possível.

JOHN: "Se..."

CAROL: Pode crer, eu entendo a raiva que você "está sentindo. Não é que eu também
não sinta, só que eu acho que você merece. Por isso não fico com remorso ... entendeu?
Eu tenho uma lista.

JOHN: Uma lista.

CAROL: Aqui está uma lista de livros, que nós...

JOHN: Uma lista de livros...?

CAROL: Isso mesmo. Que nós achamos questionáveis.

JOHN: O que?

CAROL: o que há de tão estranho...?

JOHN: Eu não acredito...

CAROL: Não precisa acreditar.

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JOHN: Liberdade acadêmica...

CAROL: Alguém tem que escolher os livros. Se você pode escolher, os outros também
podem. Tá pensando que é o que? "Deus"?

JOHN: ...não, isso é um perigo.

CAROL: Você tem uma agenda, e nós temos uma agenda. Eu não estou interessada nos
teus sentimentos ou nas tuas motivações, mas nas tuas ações. Se você quiser que eu fale
com a comissão examinadora, aqui está a minha lista. Você é uma pessoa livre. Você
decide.

JOHN: Me dá a lista. (ELA ENTREGA. ELE LÊ)

CAROL: Você pode ver que...

JOHN: Eu sei ler. Obrigado.

CAROL: Há uma série de textos que a gente quer que sejam modificados.

JOHN: Estou vendo.

CAROL: Nós estamos abertos para...

JOHN: Ah-ha. Deixa eu olhar isso aqui de novo. (LÊ) Eu estou lendo as exigências de
vocês. (PAUSA) Vocês querem abolir o meu livro?

CAROL: ...aqui está escrito... Nós queremos que ele deixe de ser incluído como um
exemplo representativo da universidade.

JOHN: Ah, vê se te enxerga.

CAROL: Se você deixar de lado as questões de personalidade...

JOHN: Ponha-se daqui para fora!

CAROL: Não, eu acho que eu podia reconsiderar.

JOHN: ...você acha que pode.

CAROL: Nós podemos e vamos reconsiderar; você quer o nosso apoio? Essa é a única
quest...

JOHN: ...abolir o meu livro...

CAROL: Exatamente...

JOHN: Isto aqui é uma universidade... nós...

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CAROL: ...e nós temos uma declaração. (ENTREGA UMA FOLHA) ...que queremos
que você...

JOHN: Eu quero te dizer uma coisa. Eu sou um professor, tá? É o meu nome que está na
porta. E sou eu quem dou as aulas, é isso que eu faço. Eu tenho um livro que tem meu
nome na capa. E meu filho vai ver esse livro algum dia. Eu tenho responsabilidade... por
mim, pelo meu filho, pela minha profissão... eu não vou em casa há dois dias, sabia? Se
você quer saber, eu fiquei num hotel. Pensando. (O TELEFONE TOCA) ...pensando...
Só agora que eu percebi. (PAUSA) Você é perigosa, você está errada e a minha
obrigação é te dizer não. Você quer abolir o meu livro? Então vai à merda.

CAROL: ...acho melhor você atender esse telefone. (PAUSA) Atende o telefone.

(JOHN ATENDE O TELEFONE)

JOHN: (AO TELEFONE) Ah-hã. (PAUSA) Tá. Porquê... eu... eu não podia ficar aí.
Tud... eles ficaram preocupados com... não. Eu estou bem agora Jerry Eu estou b... Eu
fiquei meio confuso, mas agora estou sentado e ... eu já sei como resolver. Perdi o
emprego? Tudo bem. Diga para a Grace que eu já estou indo prá casa, que tudo está b...
(PAUSA) O que? (PAUSA) O que é que foi? Jerry. Eles... Quem, o que eles podem
fazer ? (PAUSA) NÃO. (PAUSA) Eles não podem fazer is... Como assim? (PAUSA)
Mas como... (PAUSA)... ela está aqui comigo... Jerry. Eu não estou entendend...
(PAUSA) (ELE DESLIGA) (PARA CAROL) Que história é essa?

CAROL: Eu pensei que você soubesse.

JOHN: (PAUSA) Que história é essa?

CAROL: Você tentou me estuprar. (PAUSA) É o que diz a lei. (PAUSA)

JOHN: ...o que?...

CAROL: Você tentou me estuprar. Eu estava saindo do seu escritório e você encostou
seu corpo no meu.

JOHN: ...Eu...

CAROL: Meu grupo já avisou o seu advogado de que nós podemos abrir um processo
criminal contra você.

JOHN: ...não...

CAROL: Eu fiquei sabendo que, de acordo com o código, isso caracteriza lesão
corporal.

JOHN: ...não...

CAROL: É sim. E tentativa de estupro. É isso mesmo. (PAUSA)

JOHN: Acho melhor você ir embora.

34
CAROL: É claro. Eu pensei que você soubesse.

JOHN: Eu tenho que falar com o meu advogado.

CAROL: É melhor mesmo.

(O TELEFONE TOCA DE NOVO)

JOHN: (ATENDE O TELEFONE) Alô? Eu... Alô? É... Ele acabou de ligar. Não... Eu.
Não dá prá falar agora, meu anjo. (PARA CAROL) Sai daqui.

CAROL: ...é sua mulher...?

JOHN: ...não te interessa quem é. Fora daqui. (AO TELEFONE) Não, vai ficar tudo
bem. Não dá. Não dá prá falar agora, meu anjo. (PARA CAROL) Some daqui!

CAROL: Estou indo.

JOHN: Já vai tarde.

CAROL: (SAINDO)... e não chame a sua mulher de "meu anjo".

JOHN: O que?

CAROL: Não chame sua mulher de "meu anjo". Você ouviu o que eu disse.

(CAROL COMEÇA A SAIR DA SALA. JOHN A AGARRA E COMEÇA A BATER


NELA)

JOHN: ... Filha da puta. Você pensa que pode vir aqui com esse seu papo "politicamente
correto" e destruir a minha vida?

(ATIRA CAROL NO CHÃO)

JOHN: Você devia... estuprar você...? Eu não encostaria em você nem com urna vara de
três metros.

(PEGA UMA CADEIRA, LEVANTA SOBRE A CABEÇA E PARTE PARA CIMA


DELA)

JOHN: Sua vagabunda...

(ELA SE ENCOLHE NO CHÃO) (PAUSA) (ELE OLHA PARA ELA, ABAIXA A


CADEIRA. VAI ATÉ A MESA E ARRUMA ALGUNS PAPÉIS SOBRE ELA.)
(PAUSA) (OLHA PARA ELA)

JOHN: Bem... (PAUSA)

(ELA OLHA PARA ELE)

35
CAROL: Tá certo. (ELA AFASTA O OLHAR DELE E ABAIXA A CABEÇA)
(PARA SI MESMA) Tá certo.

FIM

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