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Brazilian Journal of Science, 1(8), 94-104, 2022.

ISSN: 2764-3417

A relação entre a fase pré-natal e a constituição do bebê como sujeito


psicanalítico
Elane Martins Silveira de Freitas1,2,3,4 & Andréa Maria de Senna Marques5,6,7
1
Psicóloga pela Faculdade de Tecnologia Intensiva (FATECI), Fortaleza, Brasil
2
Especialista em Neuropsicodiagnóstico pelo Centro Universitário Christus (UNICHRISTUS), Fortaleza, Brasil
3
Especialista em Clínica Psicanalítica pelo Centro Universitário Estácio do Ceará, Fortaleza, Brasil
4
Residente em Saúde da Mulher e da Criança pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Brasil
5
Psicóloga e Mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Fortaleza, Brasil
6
Pesquisadora em Psicanálise pelo Instituto de Altos Estudios en Psicología y Ciencias Sociales (IAEPCIS),
Buenos Aires, Argentina
7
Doutoranda em Psicologia/UCES - Buenos Aires, Argentina
Correspondência: Andréa Maria Senna Marques, Espaço Psicanalítico Latino-Americano, Fortaleza, Brasil.
E-mail: [email protected]; Elane Martins Silveira de Freitas, Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza, Brasil. E-mail: [email protected]

Recebido: Dezembro 27, 2022 Aceito: Junho 28, 2022 Publicado: Agosto 01, 2022

Resumo
Estudos sugerem que a vida intrauterina é a primeira fase da formação psíquica do feto. Esta pesquisa buscou
investigar a relação entre as experiências e fantasias vividas pela mãe e também pelo feto durante o período
pré-natal e a constituição como sujeito deste bebê após o nascimento, visando-se então, a contribuição no avanço
dos estudos acerca do olhar psicanalítico sobre a vida intrauterina. Foi realizada revisão de literatura, pelos
bancos de dados Medline, Lilacs, Scielo, Index, SES-SP, Binacis, selecionando artigos científicos em português
e espanhol, a partir de critérios de inclusão/exclusão. Foram recuperados e analisados 19 trabalhos, verificando a
relação entre a vivência da gestação materna com a constituição do bebê. Obteve-se resultados de que a
constituição do bebê depende da constituição da própria mulher como mãe, que ocorre a partir de suas mais
primitivas fantasias, o que é fundamental para a constituição de um bebê imaginário, o qual, após o nascimento,
confrontará a mãe em seu narcisismo regredido durante a gestação. O estudo concluiu que é crucial o bem-estar
da mãe, para além do corpo, abrangendo o apoio familiar e social, bem como sua saúde mental, para que ela
tenha condições de receber o bebê e possa desenvolver uma relação saudável com ele, a fim de que ele se
constitua como sujeito que será antes um com ela, e depois um além dela.
Palavras-chave: Psicanálise, Gestação, Bebê.

Abstract
Studies suggest that intrauterine life is the first phase of the psychic formation of the fetus. This research sought
to investigate the relationship between the experiences and fantasies lived by the mother and also by the fetus
during the prenatal period and the constitution as a subject of this baby after birth, aiming at contributing to the
advancement of studies on the psychoanalytical perspective. about intrauterine life. A literature review was
performed using Medline, Lilacs, Scielo, Index, SES-SP, Binacis databases, selecting scientific articles in
Portuguese and Spanish, based on inclusion/exclusion criteria. Nineteen papers were retrieved and analyzed,
verifying the relationship between the experience of maternal pregnancy and the constitution of the baby. Results
showed that the constitution of the baby depends on the constitution of the woman as a mother, which occurs
from her most primitive fantasies, which is fundamental for the constitution of an imaginary baby, which, after
birth, will confront the mother in her narcissism regressed during pregnancy. The study concluded that the
mother's well-being is crucial, in addition to the body, including family and social support, as well as her mental
health, so that she is able to receive the baby and can develop a healthy relationship with him, so that he
constitutes himself as a subject who will be first one with her, and then one beyond her.

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Brazilian Journal of Science, 1(8), 94-104, 2022. ISSN: 2764-3417

Keywords: Psychoanalysis, Gestation, Baby.

Resumen
Los estudios sugieren que la vida intrauterina es la primera fase de la formación psíquica del feto. Esta
investigación buscó investigar la relación entre las experiencias y fantasías vividas por la madre y también por el
feto durante el período prenatal y la constitución como sujeto de este bebé después del nacimiento, con el
objetivo de contribuir al avance de los estudios sobre la mirada psicoanalítica sobre la vida intrauterina. Se
realizó una revisión de la literatura utilizando las bases de datos Medline, Lilacs, Scielo, Index, SES-SP, Binacis,
seleccionando artículos científicos en portugués y español, con base en criterios de inclusión/exclusión. Fueron
recuperados y analizados diecinueve trabajos, verificando la relación entre la experiencia del embarazo materno
y la constitución del bebé. Se obtuvo como resultado que la constitución del bebé depende de la constitución de
la propia mujer como madre, lo que se da a partir de sus fantasías más primitivas, lo cual es fundamental para la
constitución de un bebé imaginario, que después del nacimiento se enfrentará a la madre en su narcisismo
regresivo durante el embarazo. El estudio concluyó que el bienestar de la madre es crucial, además de su cuerpo,
incluyendo el apoyo familiar y social, así como su salud mental, para que pueda recibir al bebé y pueda
desarrollar una relación sana con él, de modo que que se constituye a sí mismo como un sujeto que será primero
uno con ella, y luego uno más allá de ella.
Palabras clave: Psicoanálisis, Gestación, Bebé.

1. Introdução
Freud (1905), em sua Teoria do Desenvolvimento Psicossexual, aborda o início desse desenvolvimento desde a
fase oral, no qual a meta sexual é a incorporação do objeto, e que acontece após o nascimento do bebê, e já faz
referência ao período do recém-nascimento do bebê, quando este já traz consigo germens de impulsos sexuais
que continuam a se desenvolver por algum tempo, e depois são suprimidos progressivamente (Freud, 1905).
No entanto, com o desenvolvimento da ciência, os estudos se voltaram para uma fase anterior ao nascimento, a
chamada fase intrauterina, apontando o olhar da psicanálise para a formação e desenvolvimento do feto (Carletto,
2019).
Winnicott (2000), ao definir a “preocupação materna primária” fala de um estado psicológico que perdura por
toda a gravidez, principalmente no final desta, prolongando-se até algumas semanas após o nascimento do bebê,
e se trata de um estado que seria considerado doença se a mulher não estivesse grávida, pois neste estado a mãe
desenvolve uma sensibilidade excessiva, que é essencial para o desenvolvimento do bebê. Se não tiver saúde
psíquica suficiente, o desenvolvimento e a recuperação desse estado, conforme o bebê não precisa mais dele,
podem ser afetados.
Carletto (2019) aponta que é no período pré-natal que se inicia a capacidade de aprendizagem e sensibilidade do
bebê, encontrando ainda indícios de registros traumáticos, pertencentes ao período pré-natal e ao nascimento,
que perduram por toda a vida do sujeito.
Esta pesquisa de revisão bibliográfica se justifica pela hipótese da relação entre as experiências vividas pela mãe
e também pelo feto durante o período pré-natal e a constituição como sujeito desse bebê após nascer. Visando-se
então, a contribuição no avanço dos estudos acerca do olhar psicanalítico sobre a vida intrauterina.
O adoecimento psíquico materno, como a depressão materna, pode gerar resultados negativos na criança, como
sequelas biológicas, psicológicas e sociais da depressão perinatal, que interferem na constituição e em toda a
vida desse novo sujeito (Carletto, 2019).
Objetiva-se, com essa pesquisa, correlacionar os dados obtidos na literatura existente e contribuir para evitar e
detectar precocemente possíveis danos na constituição psíquica dos bebês, levando em conta a saúde materna,
tornando possível uma relação mãe-bebê mais consciente e de qualidade.

2. Material e Métodos
Para elaborar este trabalho, a partir dos objetivos da pesquisa, foi realizada uma revisão de literatura exploratória,
no período de um mês, junho de 2021, nas bases de dados Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval
System Online), SciELO (Scientific Electronic Library Online), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe
em Ciências da Saúde), Index Psicologia – Periódicos Técnicos Científicos, SES-SP (Secretaria do Estado de

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Saúde de São Paulo) e Binacis (Bibliografía Nacional en Ciencias de la Salud Argentina). Como critérios de
inclusão, foram utilizados os artigos originais, de revisão, nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola, sendo
pesquisados os seguintes descritores, correlacionando-os: Psicanálise (and) Gestação (and) Bebê.
Inicialmente, o período de tempo referente ao ano de publicação foram os últimos cinco anos, entretanto, por não
haver material disponível, resolveu-se não delimitar período de tempo referente ao ano de publicação do
material.
Os critérios de exclusão foram os trabalhos que exigiam pagamento para se ter acesso; os repetidos, os que não
eram artigos e os que tinham como foco outros assuntos que não a constituição psíquica do bebê como resultado
da relação com o vínculo mãe-bebê.

3. Resultados
Foram encontrados 45 artigos, dos quais, no total, apenas 38 estavam disponíveis por completo. Entre os 38
artigos restantes, 14 foram na base de dados Lilacs; 17 na base de dados Index Psicologia; 03 na base de dados
Scielo.; 03 da base de dados da Secretaria do Estado de Saúde de SP; e 01 na base de dados BINACIS. Destes,
01 era de base de dados internacional; e 38 de bases de dados Nacionais.
Foram retirados 13 artigos repetidos, restando 25 artigos para referência, dos quais 09 foram na base de dados
Lilacs; 12 na base de dados Index Psicologia – Periódicos técnico-científicos; 01 na base de dados Scielo; 02 da
base de dados da Secretaria do Estado de SP; e 01 na base de dados BINACIS.
Os 25 trabalhos restantes foram lidos e, seu conteúdo, avaliado, excluindo-se, assim, 06 artigos, por não se
relacionarem ao assunto da relação entre mãe e bebê, ou por serem teses ao invés de artigos.
A partir dos critérios de inclusão/exclusão foram recuperados e analisados 19 trabalhos, dos quais 02 foram
publicados em 2008; 01 foi publicado em 2009; 02 artigos em 2010; 05 em 2013; 02 em 2016; 02 em 2017; 01
em 2018; 02 em 2019; e 02 em 2020. Conforme as bases de dados, 08 foram na base de dados Lilacs; 07 na base
de dados Index Psicologia – Periódicos técnico-científicos; 02 na base de dados da SES-SP, e apenas 01 na base
de dados Scielo e 01 na base de dados Binacis.
Além dos artigos recuperados, foram incluídas obras relevantes como referencial teórico, em razão de serem de
grande valia para o enriquecimento da fundamentação teórica desta pesquisa, enfatizando autores como Sigmund
Freud e Donald Woods Winnicott.

Figura 01. Diagrama de fluxo de seleção dos artigos

Total de artigos
gerados pela busca:
(n = 45)
Artigos completos
Motivos de exclusão de(n=38):
artigos: Index PsicologiaSeleção final – 19
(n=17) artigos
- exigiam pagamento
Lilacs
Fonte: Figura das autoras do artigo para
(n=14)
(2021).
ter acesso completoScielo
(n=7)(n=3) - a relação entre a fase
- artigos repetidos (n=14) (n=3) pré-natal conforme
e a autor, ano de publicação e base de
Na Tabela 01, a seguir, os artigosSES-SP
selecionados se organizam título,
- foco não era BINACIS
dados encontrada: relação (N=1) constituição do bebê
mãe-bebê (n=1) como sujeito
- teses ao invés de artigos
(n=5)

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Tabela 1. Artigos aplicados na pesquisa


Nº TÍTULO AUTOR ANO BASE DE
DADOS
01 Significados do cuidado materno em mães de Barbosa, F. A. et al. 2010 Index
crianças pequenas.
02 Escuta Psicanalítica de Gestantes no Contexto Boas, L. M. V. Braga, 2013 Index
Ambulatorial: Uma Experiência em Grupos M. C. C. Chatelard, D.
de Fala. S.
03 El vínculo afectivo en la formación psíquica Carletto, G. M. 2019 Binacis
del bebé, y el uso del yoga como dispositivo
clínico las gestantes en la patología del
desvalimiento.
04 A Clínica Extensa na Interface entre a Chatelard, D. S., 2020 Scielo
Universidade e a Atenção em Saúde. Loffredo, A. M.,
Campos, E. B. V.

05 Atualização do Complexo de Édipo na Ferrari, A. G. Piccinini, 2013 Index


relação com o bebê: evidências a partir de um C. A. Lopes, R. C. S.
estudo de caso.
06 Maternidade e colapso:consultas terapêuticas Granato, T. M. M. 2009 Lilacs
na gestação e pós-parto. Aiello-Vaisberg, T. M.
J.
07 “Narcisismo Materno: quando meu bebê não Marson, A. P. 2008 Index
vai para casa...”.
08 Notas sobre algumas implicações psíquicas da Lopes, C. M. B. 2013 Lilacs
desconstrução da maternidade no processo de Pinheiro, N. N. B.
luto: um caso de nascimento-morte.
09 Vivência da gestação e parto de alto risco: Miyazaki, C. M. A. et 2019 Lilacs
uma reflexão a partir do referencial al.
psicanalítico.
10 Gravidez: ser mulher, tornar-se mãe. Moreira, L. B. 2017 SES-SP
11 Maternidade e poder. Moura, D. F. G. 2013 Index
12 Atuação do psicólogo no acompanhamento de Narchi, M. D. Rosa, D. 2018 Lilacs
pais neonatos com malformação fetal. P. Campos, L. H.
13 Conversa de UTI: grupo de pais num serviço Rosenzvaig, A. M. V. 2010 Index
de UTI Neonatal.
14 Mal-estar na tríade profissional de Sampaio, M. A. 2016 Index
saúde-pais-bebê e seus reflexos nos vínculos Camarotti, M. C.
iniciais.
15 Experiências emocionais da gravidez na Silva, G. V. Abrão, J. L. 2020 Lilacs
adolescência: entre expectativas e conflitos. F.
16 Significados da gravidez e da maternidade: Simas, F. B. Souza, L. 2013 Lilacs
discursos de primíparas e multíparas. Scorsolini-Comin, F.
17 A construção da maternidade e o vínculo Takano, S. B. N. 2017 SES-SP
mãe-bebê: considerações sobre as vivências
na UTI neonatal.
18 O bebê imaginário: uma breve exploração do Tavares, R. C. 2016 Lilacs
conceito.
19 Implicações subjetivas das vivências da Teixeira, L. C. Moraes, 2008 Lilacs
gravidez e do diagnóstico da cardiopatia do W. M.
filho: aportes psicanalíticos à saúde da
mulher.
Fonte: Tabela das autoras do artigo (2021).

Realizada a análise dos artigos, procuraram-se informações que associassem o período de pré-natal ao

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desenvolvimento e constituição do bebê enquanto sujeito, observando os resultados desse processo, as


intervenções possíveis pelo profissional clínico, bem como a prevenção de adoecimento do bebê e de sua relação
com o mundo.

4. Discussão
Estudos sugerem que a vida intrauterina é a primeira fase da formação psíquica do feto, onde a pulsão surge de
forma satisfatória para a formação do sujeito, ou não, podendo influenciar para que ao longo da vida, aquele
sujeito desenvolva uma série de patologias de desamparo (Carletto, 2019).
A consciência primária fundamental é o primeiro tipo de sentimento de identidade do bebê, que é construído por
meio da empatia materna (Carletto, 2019). Quando há uma falha nessa transmissão, e a mãe emite estímulos
tóxicos em excesso, sem filtrar para o bebê toda essa toxicidade através da placenta, este acaba sendo invadido
por esse contexto tóxico, não tendo condições de desenvolver sua função primária, ser um sujeito (Maldavsky
apud Carletto, 2019).
Daí a importância de se olhar para o processo de constituição da maternidade, que se inicia antes da concepção
do bebê (Silva; Abrão, 2020), ou seja, desde as primeiras relações e identificações da mulher, passando pela
atividade lúdica, infantil, adolescência, o desejo de ter um filho e a gravidez propriamente dita. Relações estas
que imergem o papel da mãe dentro de representações sociais, e que trazem representações de peso, que podem
trazer à mãe uma maior sobrecarga afetiva.
Takano (2017) faz um percurso sobre as exigências feitas pela sociedade à mulher como mãe, passando desde as
críticas de Rousseau ao mito da mãe perfeita, construído por uma sociedade que coloca a mãe como “rainha do
lar” e tem tudo o que um filho precisa, até a mãe mais contemporânea, que atua no mercado de trabalho, tendo
outros objetos de amor conscientes, para além do filho. Essa condição atual pode colocar a mulher em
ambivalência entre seus desejos inconscientes arcaicos de ser mãe e seus conflitos conscientes que a direcionam
para outras coisas.
Assim, a gestação pode ser uma fase delicada para a saúde mental, retomando a história pregressa da mulher e
reativando conteúdos arcaicos, como o seu próprio nascimento (Miyazaki et al., 2019).

4.1. A fantasia narcísica materna


A maternidade traz à tona fantasias de recobrir o que falta à mulher, a confrontando com a castração, o que nos
direciona ao conceito de ambivalência sobre esse bebê, o qual é uno à mulher, e posteriormente separado dela
(Moura, 2013).
A expectativa materna é compreendida como uma fala transpassada de fantasia e que é revelada em um tempo
específico, a atualidade de estar grávida. Porém, o discurso materno envolve o presente, passado e futuro – dela e
do bebê (Boas et al., 2013).
Narchi et al. (2018), a partir de uma revisão bibliográfica, consideram que o bebê é constituído passando de bebê
fantasmático, a bebê imaginário e depois a bebê real. Essa construção é iniciada no bebê fantasmático, desde que
a própria mãe é um bebê, trazendo para esse bebê os resquícios dos cuidados maternos que essa mãe recebeu ou
não, e que fantasiou em suas brincadeiras infantis, por exemplo, num brincar de boneca. O bebê se torna
imaginário já quando surge a gravidez, e a mãe cria suas fantasias sobre aquele ser que cresce a partir dela; e se
torna imaginado quando não só a mãe como a família imagina como ele será, biológica e psiquicamente. Além
disso, o bebê real, aquele que nasce, vem romper e ao mesmo tempo encaixar com essa construção que precede
sua existência.
Tavares (2016) traz a importância de que a mãe não baseie seu relacionamento em apenas um desses bebês, e diz
que é necessário que ocorra o processo de construção de um bebê imaginário, pois é a partir dessa construção
imaginativa que se oportuniza a vinculação entre a futura mãe e seu bebê. Assim, entende-se que a constituição
do bebê depende fundamentalmente – embora não somente – do que os pais viveram antes mesmo dele nascer.
Moreira (2017) traz a constituição da feminilidade da mãe como precedente à constituição do seu bebê, que esta
mãe desejou desde suas brincadeiras de boneca, após perceber que não era o falo e nem tinha um, voltando-se
para o pai, e se identificando com a mãe, onde o bebê seria esse objeto que preencheria a sua falta feminina.
Freud (1933) já diz que a realização da mãe é imensa quando esse desejo se concretiza na realidade, que é o
processo para o qual ela se prepara durante a gestação, trazendo suas fantasias e responsabilidades.

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Assim, quando uma mulher se descobre grávida, atualiza, na relação com o bebê, as questões edipianas que a
marcaram quando ela mesma era bebê, que a constituíram como sujeito (Ferrari et al., 2013). Nessa atualização,
tais questões entram em cena as marcas da sua história na relação com a criança.
De acordo com Ferrari et al. (2013), o reencontro com a completude perdida da menina dar-se-á no momento em
que ela possa repetir (no futuro) a situação vivenciada na primeira infância, quando fazia uma unidade com sua
mãe, em uma mudança de posição (ela no lugar da mãe e o bebê no seu lugar).
Desta forma, estar grávida desperta afetos paradoxais de regozijo e tristeza, de sentimento de plenitude e de
vazio existencial, de certeza e de dúvida, desencadeando angústias que tocam momentos primitivos da
constituição psíquica da mulher (Teixeira; Moraes, 2008).
O bebê também age sobre a mãe, não se colocando sempre de forma passiva nessa relação, se portando como um
sujeito individual, com características próprias (Tavares, 2016). Essa ação do bebê real sobre a mãe e a família
pode salvá-lo de se prender apenas ao que desejaram para ele, visto que se não conseguisse sair desse papel de
bebê imaginário, não se constituiria como sujeito. Aqui percebe-se um ciclo, pois para o bebê conquistar esse
espaço, é necessário que a mãe lhe dê a possibilidade mínima, a partir de sua lida com seu próprio narcisismo,
que será ferido nesse confronto.
Conforme Lopes & Pinheiro (2013), as mulheres durante a gestação, estado considerado especial na preparação
para o exercício da maternidade, iniciam um processo de investimento narcísico em seu bebê, a partir da
identificação delas com o filho(a), mas que também advém da identificação com sua própria mãe e até mesmo
com outras mulheres gestantes ou mães.
Enquanto no início de período gestacional a mãe inflada narcisicamente vive um tempo de plenitude em que mãe
e filho são apenas um, o progressivo contato com um bebê que mesmo no útero vai se fazendo presente resulta,
após o nascimento do bebê real, num crescente e correspondente desinvestimento na mãe e investimento no bebê
(Rosenzvaig, 2010).
“Ninguém completou ninguém” (Moura, 2013) é o que a castração vem anunciar à dualidade mãe-bebê, e é isso
que permite que essa mãe redirecione sua libido para outros objetos além do filho, e o bebê se torne sujeito,
também em busca de completar sua falta. Esse redirecionamento é a capacidade da mãe sair do estado de
Preocupação Materna Primária, como se discorre a seguir.

4.2. A capacidade de entrar e sair da Preocupação Materna Primária e suas consequências


A formação do vínculo entre mãe e filho se constrói através de todos os sentidos, envolvendo olhares, cheiros,
tatos, alimentos, bem como a comunicação do inconsciente para o inconsciente, desde a geração do feto (Carletto,
2019).
Se a mãe tem uma relação saudável com o objeto que ora é o feto que se desenvolve, essa vinculação pode
ocorrer sem grandes dificuldades, através do que Winnicott (2000) chamaria de identificação da mãe com o bebê,
o que precede a identificação do bebê com a mãe. No entanto, se ela não direciona energia psíquica suficiente
para ele, o mesmo corre o risco de ficar perdido no momento de transformar a quantidade de estímulos externos
que recebe em qualidade e afeto, ou até mesmo sofrer negligência.
Durante a gestação a mãe precisa entrar num processo de imaginação sobre esse bebê que ainda é desconhecido,
e que é essa imaginação que desencadeará seu contato com a forma como ela foi inserida no mundo, lhe
atualizando com seus próprios meios a condição que dará ao seu bebê de ser constituído enquanto sujeito
(Tavares, 2016).
A importância de se dar espaço para que a mãe imagine seu bebê, é que possa investir sua libido nessa
representação, criando um espaço subjetivo no qual virá a ser recebido, posteriormente, o bebê da realidade
(Tavares, 2016).
É a partir do seu próprio narcisismo que a mãe imagina e investe libidinalmente no seu bebê, o que aborda o
narcisismo mais primitivo da mãe, já que os desejos desse narcisismo são voltados, durante a gestação para o seu
próprio corpo, já que nesse período o bebê ainda é um feto, e está no corpo da gestante, retornando ao
investimento libidinal endógeno, para após o parto, se tornar externo (Tavares, 2016).
O processo de recuperação desse estado, como refere Winnicott (2000), depende de como essa mãe lida com seu
próprio narcisismo, pois precisará redirecionar seu narcisismo para o bebê. É um processo gradual, visto que
inicialmente o bebê ainda não é o bebê sozinho, ele existe a partir da sua mãe.

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Pode-se pensar no processo de luto quando isso acontece, caracterizado por sintomas depressivos, que já que a
mãe precisa estabelecer rearranjos, nos quais o bebê imaginário se ancorará ao bebê real, para quem a mãe deve
remanejar suas expectativas. Em geral, esse quadro depressivo se dissipa em alguns dias, porém há situações em
que ele se agrava, tornando-se patológico e digno de maior atenção e acompanhamento específico (Tavares,
2016).
O apego amoroso e a conexão consciente são a base para a formação de uma vida psíquica satisfatória (Carletto,
2019). Portanto, a vinculação mãe-bebê acontece mais facilmente com a presença, a partir dos sentidos corporais,
que é o que forma o relacionamento. Ou seja, quando o bebê nasce. Quando ainda assim, essa vinculação não se
desenvolve, desconfia-se da saúde da mãe, que pode apresentar transtornos mentais ou não conseguir, por
influência de diversos fatores, desenvolver a prática materna eficazmente, e por isso a importância do olhar
clínico sobre essa mãe, que por vezes é esquecida após a chegada do bebê.
Há ainda a relação patológica, quando a mãe tem dificuldade de se separar do filho ao chegar o momento,
gerando problemas de fusão, o que pode ocorrer se a mãe, ou a pessoa que desempenha o papel materno, foi uma
criança carente em sua história inicial, pois ainda precisará ser cuidada, para poder ter condições para cuidar do
bebê (Carletto, 2019). Isso trata exatamente do que foi falado anteriormente, quando a história do bebê que ainda
irá nascer está permeada da história de origem dos pais.
A ansiedade materna é um fator de risco na formação de vínculo mãe-bebê, o que pode gerar no bebê
dificuldades de sucção, irritabilidade, alterações no sono, choro em excesso, visto que a mãe ansiosa tende a ter
dificuldades para se vincular ao bebê, por estar focada em muitos problemas (Carletto, 2019).
De acordo com Carletto (2019), Em crianças maiores foram encontradas dificuldades escolares, atrasos na fala e
na deambulação, baixo desenvolvimento emocional com dificuldades em resolver situações-problema,
dificuldade na transferência com o analista e também no vínculo amoroso e de confiança com seus familiares,
professores e amigos. O autor considera tais dificuldades como patologias do desamparo, das quais Winnicott
(1999) trata.
Moreira (2017) diz que a chegada de uma criança faria com que os pais ficassem distantes da angústia do
desamparo, uma vez que se sentem onipotentes, pelo poder exercido na criação do filho, que depende de seus
cuidados. Sobre o desamparo, Winnicott (1999) diria ainda que existe um confronto entre o desamparo da mãe e
o do bebê. Então, pode-se compreender que se o bebê desenvolve tais “patologias do desamparo”, isso tem
relação com o desamparo da própria mãe.
Ao se comunicar com escassez de recursos simbólicos, a gestante se resguarda de entrar em contato com esses
conteúdos primitivos, os quais podem estar associados a questões vivenciadas no início da vida, com as figuras
parentais, bem como a sua vivência edipiana ou, ainda, à elaboração da relação da mulher com sua própria mãe,
remetendo-a aos seus conflitos primitivos de separação (Miyazaki et al., 2019).
Assim, a nocividade materna pode se manifestar a partir de dois polos – a possessividade e o abandono. A
excessiva ocupação com o filho seria equivalente à incapacidade da mãe sair do estado de “Preocupação Materna
Primária”, e a ausência de ocupação da mãe seria equivalente à mãe que nem conseguiu entrar nesse estado, e se
manteve em silêncio subjetivo (Moura, 2013).
Tanto doenças desenvolvidas pela mãe, quanto condições do feto podem afetar a relação entre eles e a
capacidade da mãe ser suficientemente boa. A prematuridade do bebê, como crise vivida por algumas mães, pode
acarretar dificuldades, como a sensação de ser perigosa para o seu bebê, incapacidade de cuidar, lutar contra a
decepção e a inevitável culpa por ter parido prematuramente seu filho. O narcisismo da mãe é ferido para além
do “esperado”, pois deu à luz um bebê incompleto ou doente, acentuando-se as fantasias de castração. Portanto,
para que o bebê sobreviva, se faz necessário que a mãe entre em ressonância com o desejo de viver de seu filho
(Marson, 2008), o que se torna mais difícil e exige acompanhamento profissional e apoio de sua rede de
cuidados.

4.3. A rede de apoio à mãe-bebê


A mãe não é uma supermulher e, algumas vezes, apresenta-se tão fragilizada quanto seu bebê, necessitando
cuidados especiais, precisando de acolhimento de suas dificuldades surgidas a partir das novas demandas da
maternidade (Granato e Aiello-Vaisberg, 2009, p. 399).
Winnicott (1999, p. 4) enfatiza a importância da rede de apoio afetiva e social da mãe mesmo antes de o bebê
nascer, que colabora no desenvolvimento da condição materna de holding, que vai para além de saber segurar o

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bebê, e não se pode aprender em livros ou seguindo orientações científicas dos profissionais, mas pode ser
desenvolvida nessa preparação que envolve desejos, afetos e fantasias.
O conceito de mito familiar explica como os personagens familiares e a história daquela família podem
determinar a constituição daquele bebê que está sendo gestado (Tavares, 2016). Ou seja, mesmo que
inconsciente, já existe um discurso anterior ao próprio bebê.
Tavares (2016) aponta que a representação do bebê não seja paralela à gestação biológica, e menciona a
importância, para além do biológico hormonal da gestação, dos aspectos psicológicos, afetivos, históricos,
sociais, entre outros da mulher que se tornará mãe.
Assim, para que uma mãe possa exercer a função materna, precisará se identificar a partir de traços que possam
estabelecer uma ligação de afeto dela para com ele, ainda que esse percurso comporte sentimentos ambivalentes
(Lopes; Pinheiro, 2013).
A gestação é um período de preparação para novos atributos sociais tanto para a mãe quanto para o pai, e quando
há o envolvimento do pai e da família na preparação para a chegada do bebê, o bem-estar dos outros envolvidos
(mãe-bebê) é facilitada (Simas et al., 2013).

4.4. As particularidades dos trimestres gestacionais


Cada gestação é um momento único para a mulher, e não interessa à mãe quantos filhos ela já tem ou poderá
ainda vir a ter, interessa que, no período de espera de cada filho, ela vai construindo um espaço psíquico tecido
de identificações e fantasias que nunca é o mesmo, ainda que se trate de gestações gemelares (Lopes; Pinheiro,
2013). Cada bebê é único e cada gestação constrói uma mãe única para o filho, levando em conta suas
experiências anteriores e suas fantasias.
Moreira (2017) encontrou em sua pesquisa os aspectos psíquicos que influenciam e são influenciados pelas
mudanças físicas nesse período. Tais aspectos incluem a sonolência do início da gestação, que teria relação com
a regressão, um mecanismo de a deixaria distante de todas as mudanças que estariam por vir; os vômitos e
náuseas com relação às dúvidas e ambivalências sobre a gestação, estas que poderiam se relacionar às fantasias
da gestante em relação à sua própria mãe, envolvendo a culpa inconsciente pelos afetos destrutivos sobre essa
mãe, surgidos do complexo de Édipo.
Simas et al. (2013), a partir de seus estudo, trouxeram a divisão entre trimestres, para discorrer sobre marcos da
gestação: o primeiro trimestre indica a ambivalência, quando a mulher pode ter dúvidas se está mesmo grávida, e
lida com o impacto da notícia, muitas vezes apresentando náuseas e vômitos; o segundo trimestre indica o
contato mais próximo com o bebê, por meio dos movimentos fetais, e dos exames ultrassonográficos, onde o
bebê imaginário já pode ser confrontado com o bebê real; e o terceiro trimestre indica maior ansiedade da mulher
com a proximidade do parto e a expectativa a respeito das mudanças de rotina e responsabilidades que a chegada
do bebê implica. Apesar da utilização de critérios como os trimestres gestacionais, consideraram que tais
categorias se mostraram importantes em termos didáticos, mas efetivamente não abarcaram totalmente as
experiências das gestantes entrevistadas em sua pesquisa.
Boas et al. (2013) percebem que no primeiro trimestre ainda não há um bebê no discurso, todas as expectativas
se voltam para a nova situação, a de estar grávida, o que pode ser afetado pela presença ou ausência de apoio
familiar e do pai da criança.
Em sua pesquisa, Boas et al. (2013) correlacionaram o fato de mães não sentirem os movimentos fetais (recursos
fundamentais para a relação mãe-bebê) já durante o segundo trimestre da gestação ao não aparecimento do bebê
imaginário no seu discurso. Eram mães que tratavam pouco de suas expectativas, voltando-se mais para as
mudanças físicas.
O terceiro trimestre é marcado mais pelo medo do parto, da saúde do bebê ao nascer e da própria mãe puérpera,
enquanto há um desinvestimento no processo de imaginar o bebê, e as expectativas em relação à identidade deste
aparecem pouco no discurso materno (Boas et al., 2013).

4.5. A importância da intervenção profissional


Boas et al., (2013), enfatizam o poder da elaboração das questões psíquicas envolvidas auxiliar no processo de
tornar-se mãe e na preparação para a relação com o bebê.
Uma relação mãe-bebê saudável é considerada fundamental para a constituição do psiquismo da criança e

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também para o desenvolvimento da maternagem (Barbosa et. al., 2010).


Ao ter suas questões cuidadas, a mãe fica bem o suficiente para cuidar e criar vínculo com seu bebê, desde o
período da gestação até a chegada e crescimento dele. Winnicott (1956) chamaria esse ambiente de “ambiente
sufucientemente bom”.
Sendo assim, o acompanhamento terapêutico da mãe no período gestacional é considerado de extrema
importância, a fim de que a mulher possa trabalhar suas questões emocionais durante este processo de transição
do papel de mulher para o papel de mãe, possibilitando a formação e o desenvolvimento de uma nova vida.
Conhecer suas emoções pode influenciar a qualidade do vínculo entre mãe e bebê, possibilitando a formação de
um sujeito (Carletto, 2019).
Para que tanto a mãe quanto o bebê tenham a oportunidade de um vínculo essencial para a construção psíquica, o
acompanhamento terapêutico se faz imprescindível durante a fase da Libido intra-somática, que abrange o
período da concepção aos 40 dias de nascimento do bebê (Carletto, 2019). Alguns autores não especificam esse
tempo pós nascimento.
O profissional deve conhecer a respeito das mudanças psíquicas nesse período gestacional, tanto para atuar em
intervenções clínicas psicanalíticas tradicionais, como em equipes multidisciplinares, considerando a proposta do
compromisso com a integralidade do Sistema Único de Saúde (Moreira, 2017).
Dessa forma, durante o período pré-natal se torna indispensável, além do acompanhamento biológico da mãe e
do feto, perscrutar os indícios sutis da gestação psíquica, condição-chave para os vínculos precoces entre pais e
filho, bem como para a subjetivação infantil (Sampaio; Camarotti, 2016). É através desse acompanhamento
biológico que a equipe tem a oportunidade de intervir na construção da parentalidade, tanto autorizando o papel
dos pais quando estes trazem dúvidas e anseios, quanto os dando voz para nomear quem é e quem será esse bebê.
Granato & Aiello-Vaisberg (2009) mencionam a importância do holding terapêutico com a gestante, fazendo
uma analogia entre a relação terapêutica e a relação mãe-bebê. Características como a rotina confiável, a
dedicação e a sensibilidade às necessidades do outro, estão presentes na relação terapeuta-paciente assim como
estão na relação mãe-bebê, e podem proteger a saúde mental da mãe na mesma medida em que o holding
materno facilita a constituição do bebê.
Em sua pesquisa, Sampaio & Camarotti (2016) percebem os riscos nos pré-natais de os profissionais ficarem
presos ao diálogo científico, e assim não atuarem na prevenção de falhas na construção de uma relação de afeto
entre mãe e bebê, que por vezes, durante a pesquisa, se limitava aos aspectos “de saúde” do feto – se o coração
bate, se o corpo está se formando bem. As autoras enfatizaram a importância da atuação dos profissionais na
prevenção de riscos, e na estimulação desse contato imaginário sobre o feto – o que ele quer dizer, o que ele quer
ouvir. A partir dessa intervenção solicita-se da mãe o que ela quer saber e o que ela quer dizer desse e para esse
feto.
Sampaio & Camarotti (2016) consideraram que durante a pesquisa, houve falha na construção do vínculo
equipe-pais, possibilitando também, ao invés de prevenir, falhas no vínculo destes com o feto, e mais tarde com
o bebê. Comparam ainda os profissionais presos no discurso científico à mãe não suficientemente boa, que é
capaz de banhar o bebê, porém não é consegue interagir com esse bebê que reclama do banho ou que gosta dele,
apontando correr-se o risco de extinção do sujeito na condição de produtor de enunciado próprio.
Para além do corpo biológico, o feto deve ser considerado dentro do pensamento e da linguagem, envolvendo os
contextos familiar, social e cultural daquele sujeito. Embora a prevenção nos cuidados relativos à díade
mãe/bebê ainda no período pré-natal tenha recebido atenção das políticas sociais, de saúde e de educação, estas
ainda são consideradas precárias neste período considerado como crucial para identificar, prevenir, evitar ou
mesmo minimizar muitos dos possíveis obstáculos, problemas e traumas (Chatelard et al., 2020).
Implantaram então, em seu projeto o “Diário do Bebê”, dispositivo de intervenção terapêutica que permitiu às
mães organizar a história de seu filho, incluí-lo na sua própria narrativa e linhagem familiar, resultando em
abertura a não-ditos, que perpassavam angústias maternas; permitiu a elaboração da relação com o bebê e o
modo como ele é inserido no ambiente a que ele preexiste (Chatelard et al., 2020).
Se as palavras ditas (e não ditas) a respeito de um bebê nascido ou ainda não nascido funcionam como uma
identidade criada para esse sujeito (Tavares, 2016), é a partir do que escapa ao profissional que se pode intervir
na constituição de uma relação saudável, para assim, se facilitar a constituição de um bebê saudável.
Os exames ultrassonográficos podem ter um papel importante na constituição do bebê, visto que podem provocar
questões como o desconhecido, a fragilidade, o medo e as dúvidas, que podem ser manifestadas a partir dos

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exames, repercutindo emocionalmente para a gestante. Esse papel pode ser tecnicista ou facilitador do processo
de tornar-se pai/mãe –uma vez que confrontam o bebê real com o bebê imaginário –, o que depende do setting
que o profissional pode estabelecer com a gestante e quem a acompanha durante a realização dos exames
(Tavares, 2016).
O profissional que atua em caráter preventivo, possibilitando o espaço de fala da gestante, intervém no processo
de elaboração de conteúdos inconscientes que podem transbordar no momento da gravidez, o que é fundamental
para a construção do lugar materno, bem como para a preparação da mãe para o parto e para a interação com o
bebê (Boas et al., 2013).

5. Conclusões
O presente estudo tende a confirmar as hipóteses iniciais de que a constituição do bebê depende da relação que é
construída a partir da mãe.
No entanto, assim como Granato & Aiello-Vaisberg (2009) enfatizam, deve-se ter cuidado para não se cair no
“mito psicanalítico” de que os problemas emocionais da mãe selam o destino do filho, a despeito das tendências
inatas do bebê em direção ao próprio desenvolvimento emocional e do suporte social que a dupla mãe-bebê
venha a receber.
Como foi trazido neste trabalho, o suporte terapêutico tem uma grande importância no desenvolvimento dessa
relação, tanto nos cuidados maternos, quanto no desenvolvimento e constituição do próprio bebê. Assim, a rede
de apoio se faz fundamental no desenvolvimento dessa mulher como mãe, que também precisa ser vista como
uma mãe real, para que ela também possa atravessar sem tantas dificuldades pela descoberta do bebê real em seu
contraste com o bebê imaginário.
Uma das limitações da pesquisa foi a baixa quantidade de artigos atuais encontrados sobre o assunto da
constituição do sujeito desde a vida intrauterina e sua relação com a saúde da mãe.
Além disso, a maioria dos artigos encontrados foi, principalmente, a respeito de problemas já instalados na saúde
física ou psíquica do bebê, quando os pais vivem o luto pelo bebê imaginário, ou mesmo pelo bebê real. O que
indica a sugestão de trabalhos que atuem na prevenção de problemas, a fim de construir relações saudáveis entre
mãe-bebê-família-sociedade, não adiando a atuação apenas para após a instalação de um problema, mas para sua
prevenção e intervenção.

6. Agradecimentos
As autoras expressam seus agradecimentos às suas famílias e professores, pelo apoio às suas pesquisas.

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