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ARTIGOS

Luiz Vaz de Camões


,
e Os LUSIADAS
ANTONIO BASfLIO RODRIGUES
Prof. de Literatura Portuguesa na UERJ

Os dados biogrdficos de Camões, por falta de


documentação precisa, têm sofrido as mais
diversas versões, desde seus primeiros trata­
distas. O relato da vida do Poeta permanece
à mercê das mais descabidas fantasias, dos
caprichos pessoais e das conjeturas mais ex­
travagantes.

Antecedentes Consta que o Poeta descende de uma famt1ia da Galiza,


com solar em Camones (atualmente Camos). Por volta
de 137q, depois de se ter envolvido em questões políticas,
Vasco Pires de Camões, fidalgo galego, fixou-se em Portu­
gal, no tempo em que reinava D. Fernando. A descrição
genealógica evolui cercada de dúvidas, surgindo, todavia,
João Vaz como bisavô, Antonio (ou Antão) Vaz como avô
A filiação e Simão Vaz de Camões como pai do Poeta. No que se
refere à mãe de Luíz Vaz, teria ela o nome de Ana de Ma­
cedo, ou Ana de Sá, ou ainda Ana de Sá de Macedo. Persis­
tem algumas indagações quanto a serem urna a mãe (Mace­
do) e outra a madrasta {Sá), se for considerada a hipótese
de se tratar de duas individualidades. Depois da morte do
Poeta quem passou a receber a tença a ele concedida foi
Ana de Sá, referida nos documentos da época como "mãe
de Luís de Camões". Os estudiosos não conseguiram diri-
mir o impasse.
Finalmente em A 7 de abril de 1570, o navio em que regressava o Poeta
Lisboa, 1570 aportou em Lisboa; dezassete anos eram decorridos da
partida de Camões. Sua única esperança era a publicação
de sua obra e as recompensas daí decorrentes. Mas nem
tudo ocorreria como esperava. Amargurado pela recusa
aos seus primeiros intentos, conseguiu por fim ver publica­
Os Lusíadas, da sua epopéia, obtendo como prêmio a modesta tença de
1572 quinze mil réis por ano, durante três anos, renovada du­
rante sua vida e depois transferida para sua mãe (ou ma­
dastra).
O que há de Misto de lenda e verdade, ora estima-se essa quantia como
verdadeiro e íntima, que não daria condições normais de vida ao Poeta,
fabuloso o que não seria verdade, ora presume-se que a tença não
seria paga regularmente, o que é difícil de crer. Os oito
Falecimento, anos que se passam até à sua morte, a 10 de'junho de
1580 1580, são cobertos de incertezas e muito mais de histórias
fantasiosas, que nem sempre devem ser cridas. Atente-se,
antes de mais, a lição do Poeta:

Não se aprende, Senhor, na fantasia,


Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando

(Canto X, est. 153)

A obra Afora Os Lusíadas, toda a demais obra de Camões é de pu­


blicação póstuma, excetuando-se as composições inseridas
no livro de Garcia de Orta "Diálogo dos Símplices e Dro­
gas", publicado em 1563 e na obra "História da Província
de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil", 1576,
de Pero de Magalhães Gândavo.
Assim, a obra poética publicada posteriormente suscita
muitos problemas de cânone devido às incertezas que cer­
cam os manuscritos originais. No afã de reunir indiscrimi­
nadamente tudo quanto pertencesse ao Poeta, foram muti­
ladas composições, incluídas algumas que não seriam suas e
esquecidas outras; confundindo, não raro, os estudiosos e
fixadores do texto.
Primeira Das duas impressões de Os Lusíadas de 1572, uma é con­
edição de siderada a princeps e a outra sua contrafação. Numa o pe­
Os Lusíadas licano da portada está com a cabeça virada para sua direita
e na outra o mesmo pelicano aparece com a cabeça virada
para a sua esquerda, O texto embora idêntico apresenta al­
gumas variantes. A mais citada é a que ocorre no sétimo
verso da primeira estrofe do Canto I: 15
"E entre gente remota edificaram" (pelicano e/cabeça
p/sua direita)
"Entre gente remota edificaram".(pelicano e/cabeça p/sua
esquerda)
Consideram os estudiosos como edição original a que ini­
cia o verso por "E entre", denominada edição Ee. Obser­
vam-se, ao correr do texto, outras pequenas variantes,
principalmente de ordem gramatical.
Em 1584 vem a lume mafs uma edição de Os Lus(adas, a
segunda, que ficou célebre pelas mutilações que sofreu por
parte da censura inquisitorial, mormente no que se refere
aos deuses da mitologia pagã. É a chamada edição "dos
piscos"
Primeiras edições da obra camoniana
Os Lus1'adas de Luís de Camões. Com privilégio real. Im­
pressos em Lisboa, com licença da Santa Inquisição e do
Ordinário. Em casa de Antônio Gonçalves, impressor.
1572.
Primeira Parte dos Autos e Comédias Portuguesas, feitas
por Antonio Prestes e por Luís de Camões e por outros
autores portugueses cujos nomes vão nos princípios das
suas obras. Por André Lobato, impressor de livros. 1587.
(Primeira publicação de Anfitriões e Filodemo).
Rimas de Luís de Camões divididas em.cinco partes. Lis­
boa. Por Manuel de Lira. 1595.
Rimas de Luís de Camões, acrescentadas nesta segunda
impressão. Lisboa. Por Pedro Craesbeeck. 1598.
Rimas de Luís de Camões. Primeira Parte. Agora nova­
mente emendadas nesta .última impressão e acrescentada
uma comédia nunca até agora impressa. Lisboa. Por Paulo
Cr�esbeeck, 1645 (Primeira publicação de EI-Rei Seleuco).

OS LUSÍADAS

Este que vês, é Luso, donde a Fama


O nosso Reino Lusitânia chama.
(Canto VIII, est. 2)

A epopéia máxima da nacionalidade portuguesa e, sem


qualquer dúvida, a mais expressiva da idade moderna,
auferiu seu título, de acordo com abalizados estudio­
sos, a partir do poema "Vincentius Leuita et Martyr", de
16 a11toria de André de Resende, humanista contemporâneo
inserida história de Portugal, desde suas origens até à épo­
ca coeva da viagem. Em tais proporções se acham interliga­
das, como causa e efeito, que as duas matérias - viagem e
história de Portugal - apresentam-se como uma unidade
indissoh1vel.
Vasco da Gama, herói da epopéia, só pode assim ser com­
preendido desde que concebido como elo de identificação
com a civilização que representa, reunindo em si a condi­
ção de ser real (ele próprio) e de ser simbólico ("o peito
ilustre Lusitano").
A par de uma verdade histórica, Os Lusz'adas integram pa­
ralelamente uma simbologia mítica em que as divindades
adotam freqüentemente atitudes humanas, enquanto os
homens adquirem progressivamente um nivelamento com
o mito, consoante suas ações e conquistas, consequindo
assim o "imortal merecimento". A parte histórica Camões
extraiu-a dos relatos dos cronistas e historiadores da épo­
ca, recriando-a poeticamente segundo as normas da poéti­
ca clássica. Se o fato histórico não estava suficientemente
esclarecido o poeta introduzia o irreal mítico, como por
exemplo no episódio do Adamastor, onde a realidade (o
Cabo das Tormentas), carecida ainda de uma explicação
racional, é ficcionalmente descrita como um incidente di­
vino pagão. A intervenção mitológica, no entanto, não
abala a realidade histórica, havendo uma quase perfeita in­
teração nos dois planos de ação.
Os Lusíadas, mais qúe um poema, um polipoema, se divi­
de estruturalmente em 10 cantos; 1102 estrofes oitava ri­
ma; cuja disposição rimática é ababacc; 8816 versos decas­
s11abos heróicos, sendo alguns sáficos. É composto de três
partes a saber:

1) Introdução: Canto I, estrofes 1-18


Proposição - est. 1-3: o assunto do poema;
Invocação - est. 4-5: às musas do Tejo, as
Tágides;
Oferecimento - est. 6-18: ao rei de Portugal,
D. Sebastião.
2) Narração: Canto, I, est. 19 a Canto X, est. 144
3) Ep11ogo: Canto X, est. 145-156.

Os dez cantos são assim distribuídos quanto ao número de


estrofes:
I - 106; II - 113; III - 143; IV - 104; V - 100;
18 VI - 99; VII - 87; - VIII - 99; IX - 95; X - 156.
No enredo de Os Lusfadas assumem maior realce alguns
episódios, extraídos de fatos.históricos, tradições popula­
res, ou de inspiração mítica. Embora parte integrante da
totalidade épica, esses episódios mantêm certa autonomia
e notabilizaram-se pelo tratamento poético. São eles:

Batalha do Salado, Canto III, est. 107-117;


Inês de Castro, Canto III, est. 118-135;
Batalha de Aljubarrota, Canto N, est. 28-44;
Velho do Restelo, Canto N, est. 94-104;
Aventura de Veloso, Canto V, est. 30-36;
Adamastor, Canto V, est. 37-60;
Doze de Inglaterra, Canto VI, est. 43-69;
Ilha dos Amores, Canto IX, est. 51 a Canto X, est. 142;
São TÕmé, Canto X, est. 108-119.

Para uma visão de conjunto será sintética e esquematica­


mente esboçado um roteiro histórico e mítico de Os Lu­
síadas na parte compreendida pela narração - que se ini­
cia com o verso "Já no largo Oceano navegavam" (Can­
to I, est. 19) e termina com "E com títulos novos se ilus­
trou" (Canto X, est. 144) - obedecendo à progressão por
canto e estrofe:

I - 19 Início da viagem, enquanto os


20 Deuses se reúnem no Olimpo para decidir,
até que
41 Júpiter resolve por fim proteger os portu-
gueses,
43 que se aproximam já de Moçambique.
69 No entanto, Baco prepara um ataque con-
tra.
84 os navegadores, que por fim se vêm a salvo.
100 Vênus protege a arm�da que segue até
104 Mombaça, local em que
II 3 novos perigos ameaçam os portugueses, por
influência
10 de Baco, disfarçado em sacerdote cristão,
16 uma vez mais intervindo Vênus a favor dos
portugueses.
74 Chegando a Melinde, o Gama é bem rece-
bido, indo
92 o próprio rei ao encontro dos portugueses,
quando
109 solicita ao Gama que lhe conte a história de
seu povo. 19
III - 1 · Depois da invocação a Calíope,
6 o Gama começa por descrever a Europa,
20 para depois narrar a história de Portugal,
22 iniciando com Viriato, e a seguir
30 D. Afonso Henriques,
85 D. Sancho I,
90 D. Afonso II,
91 D. Sancho II,
94 D. Afonso III,
96 D. Dinis,
136 D.Pedro I,
138 até ao reinado de D. Fernando.
IV - 3 Prosseguindo, refere-se aos reinados de
14 D. João I,
51 D. Duarte,
54 D. Afonso V,
60 D. João II, para terminar em
67 D. Manuel, rei que
77 incumbe o Gama da viagem, não obstante
alguns
95 postestos, como o do velho do Restelo.
V - 1 Partindo de Lisboa, a armada
14 segue viagem, aparecendo o Cruzeiro do Sul,
18 o fogo de Santelmo e a tromba marítima.
30 Após a aventura de Veloso, surge a ameaça
37 dos mares, simbolizada pelo Adamastor.
73 Vencido o perigo, a viagem continua até
Sofala,
78 prosseguindo sempre, agora pelo rio dos
Bons Sinais,
81 quando a tripulação é atacada de escorbuto.
85 Em Melinde, o Gama exalta sua gente.
VI - 1 Partindo entre festas, a esquadra ruma para
5 a IÍl.dia, enquanto Baco se dirige ao
8 palácio de Netuno para tramar contra o
Gama.
38 Desconhecendo os perigos que virão, os na-·
vegadores
43 ouvem histórias como a dos Doze de Ingla-
terra,
70 até que forte tempestade os surpreende e
85 novamente Vênus favorece os portugueses,
92 que seguem viagem até Calecut.
VII - 16 Lá chegando, é feita ampla
17 descrição da IÍldia e depois 21
23 de algumas sondagens verifica-se o
42 desembarque do Gama, que é recebido
44 pelo Catual (espécie de governador) e
57 visita o Samorim (o rei).
73 A bordo, o Catual interessa-se em saber
75 o significado das bandeiras da esquadra e
VIII - 1 Paulo Gama explica sua simboligia.
44 Satisfeito, o Catual volta a terra.
47 Baco consegue incitar os ânimos contra os
portugueses;
79 O Catual tenta ludibriar o Gama, que acaba
preso.
91 Por fim obtém a liberdade e
95 volta a bordo, ainda que mais
IX - 1 alguns obstáculos tenham de ser ultrapas-
sados
13 para que seja efetivada a viagem de volta.
18 Vênus, amiga dos portugueses, quer pre-
miá-los;
51 assim, prepara uma agradável pousada
66 na Ilha dos Amores, onde desembarcam os
83 navegadores e são festivamente acolhidos.
X - 2 As Ninfas aprontam majestoso banquete,
5 enquanto são profetizados os futuros
91 feitos dos portugueses e sua expansão.
132 Depois das despedidas entre Ninfas e nave-
gantes,
144 estes acabam por chegar a Portugal.

Concluindo, deve ficar esclarecido que estas breves notas


são apenas o delineamento despretencioso de Os Lusíadas,
visando a iniciar o eventual leitor na problemática geral da
obra. A bibliografia camoniana é numerosíssima a nem
mesmo assim foram abordados todos os aspectos e temas
que o poema encerra. ( • ),

(*)Recomendamos a consulta do cuidadoso levarrtamento b ibliogrd•


fico realizado por Artur Forte de Faria de Almeida: Catálogo da
Exposição Camoniana do Real Gabinete Português de Leitura do
Rio de Janeiro Com emorativa do Quarto Centenário da Edição
de "O Lus(adas" Seguido de Notas Bio-Bibliográficas sobre a
Cultura Portuguesa do Século XV 1. Rio de Janeiro, 1972 207 pp.
22 (nota do edito�)

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