HORN (Org.) - Textos Filosóficos em Discussão I
HORN (Org.) - Textos Filosóficos em Discussão I
HORN (Org.) - Textos Filosóficos em Discussão I
e l ~ n c o
lA edtcao
Curitiba 2006
1" eotcc - 2006
.. . ... . .. . . . .. . .. . .. . .. ... . . .. . .. .. . .. .. . .. .. .. . . .. . .. . . . . S
INTRODU,O 9
Eilosofia: formacao social e histri ca 9
A filosofia e o conheciment o 11
Afilosofia e o cotidiano 13
Aleit ura de obras filosfi cas 14
O sentido dos textos filosficos 17
MI TO DA CAVERNA PLATO. . .. .. .. .. ..... ........... ............ 19
Contexto hist rico da vida e obra de Plat o 19
Apresentaco da obra 23
Indicaco de filmes 46
O PRNCIPE - MAQUlAVEL .. .. .. .. . . ... . .. . ... . . . .. . . . . . .. . ... . .. .49
Contexto histrico 49
Apresentaco da obra 53
Temas 58
Dialogando com o texto 62
Indicac o de filmes 83
DISCURSO DO MTODO DESCARTES 8S
Contexto histrico 85
Apresentaco da obra 88
Temas 93
Dialogando com o t exto 85
Ind icaco de filmes 107
O EXISTENCIALlSMO UM HUMANISMO SARTRE .. .. 111
Contexto hist r ico 111
Apresenraco da obra 113
A moral da liberdade - tica oo . 115
Conclus o 138
lndcaco de filmes 140
i.
i.i .
i.2.
i.3.
i.4.
i.5.
I.
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1.2.
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IV.
IV.l.
IV.2.
IV.3.
IV.4.
IV.s.
www.edit oraelenco.com.br
Colaboradores
Ali ne Martelosso Fil us
Anita Helena Schlesener
Fabio Stange
Capa eProjeto GrfICo
Srgio Daniel Avrella
CDD ( 21ed.) 100
Sandro Fernandes
Anderson de Paul a Borges
Maria Lcia de Andrade
Luciana Teixeira
Ivo Ribeiro Luska
Autores
Geraldo Balduino Horn (org .)
gbaldll inO@taw lbmsif ,rom.br
Di rei fQs re" ,rvadas, Nao permitida a reprodu(aa tora! OIJ pardai deJte jjvro. seja m quoi sfore'"
os meJosempregadas: meldnicos.. fal"'lrdlicos, digitals (InternerJOIJ quaisqller autros..
sempt'rmissdo par escrito da Edi fQm.
1. Filosofia. l. Hom, Geraldo Balduino.
. Fernandes, Sandro.
ISBN 85-60351-000
978-85-60351 -00-8
Inclui bibliografia.
Dados internacionajsde na publjw(oo
Bibljotecariaresponsdvel:MaraRejone Vicente Teixejra
Textos filosficos em drscusso ( I ) : Plato, Maquiavel, Descart es e Sartre
I Geraldo Balduino Horn (organizador) : Sandro Fernandes... [et al.]
- Curit iba: Editora Elenco, 2006.
144p. ; 15x21cm
APRE5ENTA;AO
Este livro apresenta em linhas gerai s os principais temas e pro-
blemas tratados em quatro importantes textos da Histria da Filosofia,
a saber: de PLATO, ARepblica: Livro VII - Alegora da Caverna, de
DESCARTES, ODiscurso do Mtodo; de MAQUIAVEL, OPrncipe; e de
SARTRE OExistencialismo umHumanismo.
Mais do que urna interpretacoacabada acercadaquilo que cada
filsofo escreveu em sua obra , os autores apresentam as circuns tancias
histr icas a part ir das quais os textos foram escri tos e as id ias centrais
que circuns crevem o contedo dos mesmos. Destart e, buscamos com
isso possibilit ar urna maor aproximac o e dilogo entre o leitor e o
t ext o clssco da maneira como se apresenta originalmente. Trat a-se,
na verdade. de urna das perspect ivas para a leitu ra e o estudo desses
t ext os, nao excluindo, por t anto, out ras possibilidades.
Logo na int roduco charnarnos atencopara alguns dos principais
cuidados que devemos t er na leit ura dos t ext os haja vista as espedfid-
Textos filosficos emdiscusso ~ 5 = = : : : I
(1)
dades hist ricas e a linguagem caracterstica de cada autor e da prpria
filosofia. Ou seja, a compreensc dos sentidos dos conceitos, polmicas
e problemticas que os clssicos apresentam depende do contexto
histrico a partir do qual o filsofo escreve e da linha epistemolgica
que assume.
A segunda parte do Iivro versa sobre o Mito da Csvema . Livro
VII, da A Republica, no qual Plato apresenta urna filosofia poltica. O
autor discut e a predileco humana em escolher a existe ncia envolta em
urna nvoa, o carninho rnais fcil e mais suave, a mentalidade que evita
a mudanca a todo rust o. Plat o formula seu modelo ideal de ddade a
parti r da noco de ddade justa, que serve ce contraste com a noco de
cidade concreta. Para definir essa idia, o filsofo comeca a examina r o
que justi ca, o que leva a investi gar o conhecime nto da justka e, por
fim, o prprio conhecimento. A Alegoria da Caverna, que se encon t ra
no inldo do livro VII desse dilogo, consis te pr ecisamente em urna
imagem construida por Scrates para explicar a seu interlocutor, o
Glauco, o processo pelo qual o homem passa ao se afastar do mundo
do senso comum e da opinio, em busca do saber, da vsc da idia do
bem, da verdade. do conhecimento. este precisamente o percurso do
prlsione irc at t ransformar-se em filsofo, devendo depois retomar a
caverna para cumprir sua tarefa tica, poltico-pedaggica de indi car a
seus antigos companheiros o ra minho.
Na terceira parte destacamos a obra O Prncipe, de Maquiavel,
que tem a poltica como tema cent ral. Para Maquavel. todas as relaces
int er-humanas sao relaces de poder. por isso necessario conhecer o
funcionamento do poder, em suas vrias circunstancias, para se obter
sucesso. O principe deve agir com virt, dominando a fort una, ter mos
emprcgados por Maquiavel para int erpretar os dais polos em torno dos
quais giram o sucesso e o insucesso das aces.
J na quar ta part e, buscamos entender o pensamento cart esiano
presente na obra Discurso do Mtodo. A parti r do text o de Descartes
algumas noc es especficas foram prioriaadas, entre elas: dualismo,
Q. APRESENTAC;O
idealismo, subjetivismo e representac o. E, especficamente nesta obra,
elucidaces a temas como saber adquirido, ciencia e conhecimento em-
prico. Descartes almeja e acredita poder obter a verdade absoluta, o
conhecimento verdadei ro sobre o mundo, ou seja, a verdade expressa
pela evidencia das coisas.
Por ltimo , apresentamos o texto O Existendalismc uro
Humanismo cuja temtica central a tica. Sart re afirma que o
Existencialismo urna Filosofia contempornea que toma a vida
humana poss vel. No entanto, nos alerta sobre as conseqndas da
banaliaaco do termo que tornou um vulto tal, transformando-se em
moda. Sartre defende que o hornem responsvel por sua liberdade,
por sua aco, ele existe e tem que dar canta desta existencia, tem que
dar canta dos costumes. da moral, da tica, tem que fazer-se humano,
fazer a humanidade. E, dessa fonna, ele pode, ele est na condrac e em
condico de realizar a utopa, fazer um mundo melhor com a mxima
liberdade humana.
Geraldo Balduino Horn
Organizador
Textos filosficos erodiscussc I'Z:::===
(1)
INTRODU;
I
Cera/do Balduino Hom
SandroFernandes
1.1 fII.OSOfIA:
f ORMAl; O SOCIAL E HISTRIA
Na Grcia, com o desenvolvimento da 610506.1, princi palmente
no perodo filosfico chamada deantropolgico (entreos sculas IV e III
a.C),corndestaqueparaScratesePlato,opoderseexercianointerior da
assemblia e da a importanciaque tinha a oratria e a dialtica enquanto
art e de interrogar, questionar e provocar a refexc .10 interlocutor, a pla-
t ia ou o auditorio. Scrates foi umdos primeiros fil sofos a se destacar
na capacidade de argumentar o e questonamento. nao concordando
coma condutados sofis tas. Este filsofoutilizavaduas tcnicas para, por
meio da interrogacc, tornar a argumentaco consistente: a irona, que
eraa arte deinterrogar e problematzar oassunto, ea mautca. queera a
arte de evidenciar, combase nas crencasde seu interlocutor, umconjunto
TntO$ fibficO$ em~
(1)
de verdades, ou melhor, com base nos argument os de quem participa da
dscusso, mostrar os problemas ou falhas do discurso.
Alguns filsofos, entre eles Kant, no sculo XVIII, passaram a
divulgar que todo ser humano tem condkes de se apropriar, refletir e
redefinir seus valores espirit uais e morais e que est es podem t ornar-se
melhores . Essa razo acreditava que o mundo poderia ser melhorado
com a disseminaco dessa nova forma de entender e pensar as cci sas
que cercam o ser humano. Mas isso foi enfrentado tambm por filsofos
que negavam ou dscordavam das prticas burguesas : Marx, Engels,
Nietzsche, Schopenhauer e outros. Por exemplo, tai s pr ticas individua-
listas e liberais eram cont rrias ao pensament o marxista que acreditava
que as muda nras s ocorreria m ent re lut as por ques tes mat erias e que
a maior parcela da pcpulaco tarnbm deveria participar dos benefcios
do mundo moderno, os quais eram restritos aburguesa. que se tornou
e difundiu o capitalismo.
Esta oposko nos ajuda entender o objeti vo e o sentido dafilosofia
em nossa existncia na medida em que prope debat er, confrontar idas,
instaurar a suspeit a, provocar a negacc e a ruptura, enfim, de incitar a
participaco no processo de forrnaco humana . Assim, ensinar filosofia
instiga .10 desmonte das certezas, .10 questionamento do instituido,
permite transitar, at ravs de reflexes e leituras de textos diversificados,
nstrumenrali zando a crt ica e a ampliaco da vso de mundo. Este
principio da filosofia "nao se ensi na fi losofia, mas sim a filosofar" de
Kant . E por trs dessa pedagoga existe UITl.1. n ~ a o de autonomia uni -
versal e absoluta que questionvel: at que ponto ns decidimos com
nossa pr pria cabeca? Em que medida somos determinados pela mima,
pela tradico, pela religio, etc...? Hoje fala-se em autonomia relativa ou
aut onomia permeada de heteronomia, isto , de determinares exteriores
que interferem em nossas dedses e escolhas. Por exemplo: como pensar
autonomamente, de forma universal, com a at ual est rutura de poder,
coro as sombras que permeiam essa estrut ura, com as determin aces que
formam nossa vida?
i. INTRODUy\O
Percebam que nao h uro consenso na filosofia sobre seu carter
didtico, t ampouco sobre sua funco. Produzir conceitos, ensinar a
filosofar, ou reflet ir dialetcamente sobre os problemas sodas sao
caminhos possveis da filosofia. Como alternativa necessario lembrar
novamente Marx que diferentemente de Kant apresenta e questi ona a
ideologia presente na filosofia kan tiana. Ele sugere como alternativa
reflet ir sobre as contradir es e part ir para aco e mudanca social.
O homem deve aprender a pensar, corno suge re a pedagoga kan-
tiana do Aufklarung, o que significa a sada do homem de sua rnenon-
dade, ero busca do esclarecimento. Ele fica na menor idade amedida que
se recusa a pensar por conta prpria, se recusa a viver autonomamente,
pois mais cmod o, de fato, viver sob a tutela natural da famlia, do
Estado, etc. A menoridade significa depender do out ro para pensar,
pensar de mancira heternoma - scguindo o estabcleddc por outros.
mais fcil ser menor em nossa sodedade quando para viver nao se
depende do prprio pensar, quando o outro pode fae-Io. Trata-se,
port ant o, da ida de muda nca cult ural e de mentaldade que tem que
ser feta, mai s do que pela mudanca poltica, pela forma de pensar das
pessoas, pela transformac o via educacc.
1.2 A ALOSOFIA E O CONII ECIMENTO
Debrocar-se sobre textos, buscando entender as linhas e en-
trelinhas para 'admirar-se', 'espantar-se', atravs de um pensar livre e
aut nomo, que se cons ti tu no instrumento primeiro da formac o do
espirito, na at ualidade, realiza r a tarefa da filosofia . verdade que
a proposta parece difcil e cada vez mais utpica, pcis a raao que
norteia a sociedade enquadraria esta busca como loucura. Haveria um
posicionamento hostil em relaco autlidade do projet o filosfico, com
quest ionamentos, como os citados por Rubem Alves (1982:20):
Plantar tmaras para colher frutos daqui a cem anos?
Textos filosOfx:os emdisrusslo
(1)
Como, se j se decidiu que todos teremos que plant ar abboras, a
serem colhdas daqui a seis meses?
Pensar o contrrio de servir. O pensamento reflexivo, que a
base da filosofia, possi bilita aproximaco as quest es do ser, deixando
o ter - a posse e o consumo - a urna instancia meramente servil e da
ordem da suficiencia. Apreocupacocom bens materias fica restrita ao
nvel de conforto e nao como objetivo principal da vida de todos. Este
deve ser o objetivo do saber filosfico. Outros atalhos, tao rapidame nt e
quanto o cresciment o das abboras, apenas conduziro ao mesmo lugar
do fracasso do conheci mento filosfico.
A razo filosfica s supera a doutri na do individualismo se eh se
opuser radicalmente como alternativa reflexivaas doutrinas e normas esta-
belecidas como certezas. Isso possibilitar a construc o de alternativas, nao
dogmticas eaberras aelaboraco de conceitos e novas id ias que interferiram
nas realidades que tentam apresentar verdades fechadas e universais.
No ensi no mdio, a filosofia apresenta como a racionalidade
humana se constituiu e como alguns filsofos foram importantes para a
formacc social da humanidade. Nesta apresent aco de alguns filsofos,
procuraremos mostrar temas significat ivos para a filosofia e buscaremos
entender a fundo a terca que constitui a filosofia e institucionalizou
seu ensino. Historicamente significa sobret udo compreender temas,
au tores e t ext os que cons t it uem a histria da filosofia .
Nessa perspectiva, crit icar o pensamento filosfico dominante,
aceita r a divers idade e avaliar a parcela e o todo pode const it uir
hori zonte para se concluir sobre a importa ncia da filosofia em sua
reflexo-intervencosobre os elementos pr esentes em nosso processo
de formacoeducacional.
Nesse senti do, este livro prope-se ap resenta r alguns textos da
hist ria da filosofia, privilegiando, ao mesmo t empo, a historicidade,
a pluralidade de concepces e urna vsorigorosa a respeito dos princi-
pas conceitos, categorias, temas e polmicas que os objetos dos textos
nos ap resentam.
i . 1NTRODUC;Ao
A filosofia urna forma de conhecermos o mundo a nossa vol-
ta oConsiderando que conhecer es tabelecer relac o com as coisas,
conhecemos de acordo com o nvel de relacionament o com as coisas
a nossa volta.
A religi o, as cienci as, as tradces, as superstices e as crencas
tamb m sao formas de conheci mento. H urna divs o muito utilizada
no conhecime nto, que coloca a ciencia como a forma mais eficiente,
car act eri zand o as demais for mas como senso comum - heranca do pen-
samento modern o. Hoje as ciencias sao reconhecidamente o meio mais
eficaz para elucidar dvidas, comprovar teorias, resolver problemas e
cont rolar sistemas e processos.
A filosofia um campo distinto de conhecimento; diferent e
das demais ciencias, nao pr ecisa de provas para desenvolver teoras,
mas de argumentos cons t rui dos coro clareza e coer nda . Interfere na
ccnstrucc de conceitos promovidos pelas ciencias, quando questona
os fins, os meios , as inte nces, as te nd ndas, os significados por meio
de an lises e crt icas.
1.3 A FILOSOFlA E O COTIDIANO
A filosofia 0 0 cotidiano nos ajuda a compreender a construco dos
significados das colsas a nosse volta. Quando afirmamos que algo bon ito,
ternos que ter o conceit o de bonito estabeleddo entre os interlocutores. Ou
seja, para aprofundar nossas discusses e entendimento entre sentido, a
essncia e o conceito das coisas, bem como as construces de significados
e os conceitos sobre o mundo que nos cerca, necessario entender, alm
do campo de conhecimento da filosofia, como as idias foram construidas
ao longo da histria da humanidade, principalmente as utilizadas pela
tradco do pensamento ocidental. Dessa forma, crit icar, refieti r, comparar
e analisar podem ser aces realizadas com base na filosofia.
Ques tes de filosofia discutida s em out ras pocas anda fazem
parte das reflexes contemporneas: A origem da vida? Do que sao
Textos filosficos emdiscusso
(1)
fetas as coisas? De ande vm? O que o ser humano? Qual seu papel
na sociedade? Como s.10 cons t ruidos os discursos e os raciocnios que
tentam explicar esses fenOmenos?
Questes ate hoje presentes na producc intelectual tamb mfo-
ram dvidas de outros filsofos. por exemplo: O que e mais importante
para a vida do homem? O que prevalece: a essncia ou o movimento? O
que permanece ou o que se transforma?
Isso levou a inme ras questes que desenvol veram tambm
grande numero de dscuss es e conceitos filosficos: As idias sao mais
importantes que o mundo material? O que determina as relaces entre
os seres humanos: a necessidade ou a natureza? Qual a importancia da
poltica na organiaaco social? H necessidade de se pensar nos outros
sempre? O que tica? Qual a impo rtancia do outro em minha vida?
Para que serve o conhecimento cient fico? Existe urna manera car reta
de pensar cientfi camen te o mundo? Todos podem conhecer a ciencia?
Quem pode usar a ciencia? Existe urna verdade que valha para sempre?
possvel construir urna verdade para sempre?
Essas questes, que naoesgotam a produco filosfica, esuode diver-
sas maneiras expostas e discutidas nos textos que sero apresentados nesta
obra. O papel da metafsica - da busca daessnda e da origem das coisas.
do conhedmento cientfico, da tica, da poltica e do poder - far parte dos
momentos de refiexoapresentados.
1.-1 A LEITURA DE OBRAS FILOSFICAS
Neste livro apresentaremos perspectivas de Ieitura da filosofia
por meio de quat ro filsofos que ajudaram a constr uir a filosofia
contempornea .
Antes de apresent -los fundamenta l mostrar caml nhos para
entendimento e desenvolvimento da leitura. Lembre-se que cada
captulo t rata da introduco a urna obra de um filsofo; dessa maneira
i. INTROOUc;A.O
nao esgotamos esse ass unto em determinada obra e tampouco en-
volveremos ou aprofundare mos discusses em torno de toda obra do
filsofo apresentada.
Os principais aspectos de urna obra ser o apreciados com aten-
~ a o , pois trata-se de aspectos conceituais e histricos que tomaram
determinada obra fundamental para o desenvolvimento da filosofia.
Lembre-se que entender o contexto histrico e a conjuntura da
produr c ajudar a interpretar a obra e a compreender sua impo rtancia
em determinada poca e mesmo as possibilidades de construcc do
raciodnc do autor apresentado.
Cada autor tem particularidades quanto aescrit a influenciada
pela poca: influencias tericas, oposices tericas e paradigmas - mo-
delos de pensamento necessrios para elaboracode concei tos, mas que
podem ser rompidos, transformados e superados por outros paradigmas
- , relacionados ao tema apresentado: exist nda, conhecimento, polti -
ca, ti ca, justica, etc. Necessariamente as obras apresentadas aqui nao
tero relar es explicitadas pelos autores. Mas com base nelas possvel
construi r raciocinios que abordem diver sos temas filosficos.
Urna dica tentar perceber como os argumentos dos diversos
autores sao apresentados. H estilos diferentes e podem ser cposices
a deter minados raciocnios da poca, divergindo ou apenas interagindo
com as refexes da poca . Tambm podem ser continuaco de doutri-
nas anteriores, que nao precisam pertencer amesma poca - podem
apresen tar continuidade com as doutrinas de filsofos de sculos ante-
riores. H produces filosficas que foram elaboradas com base no que
e pensado em determinado momento, ou seja, hsistematizacc do que
j foi pensado, mas t m momentos na hist ria da filosofia em que h
produces inovadoras. rupt uras e criaco de alt ern at ivas teri cas que
buscam t ransformar o que pensado .
Nos discursos dos autores apresentados possvel perceber
tentativas de rompimento com o pensamento hegemnico da poca,
tenta tivas de construro de novas perspectivas racionis ou mesmo
Ttxtos filosfi'O$l'm dscussac
(1)
1I
1
apresentaco sistemtica do pensamento e da conjuntura histrica
racional. Estes movimentos do pensamento filosfico foram marcados
por rompiment os, renasdmentos, continuidades. E ocorreram por
discordancia poltica, religiosa, ideolgica, conflitos de dasses, diver-
gencias cientficas, estticas e ti cas, sempre dentro de uro contexto
histrico, que, se nao determinante para a ocorrnda do movimento
no pensamento, fundamental para entend -lo atualmente.
Para refl.etir sobre, ou entender, a construco filosfica dos
autores apresentados, necessrio compreender seu raciocinio e sua
est rategia de construcc de argumentos. Para quem o autor escreve?
Por que ele escreve? Como ele escreve? Quais crticas est o presentes
em seu discurso?
Sao perguntas fundamentais para analisar o discurso, ou seja,
um passo para compreender, int erpretar, analisar, criticar, refietr e/ou
aplicar o que o autor produziu.
Lembramos que a construc odo raciocinio depende de argumen
tos; estes t m hierarqui a e aprese ntam a tese ou teses do autor. Dessa
maneira, ente nder a diferenca entre argumentos e tesefs) fundamental
para compreender o discurso do autor. Argumentos sao as defesas, jus-
tificativas, sustentaces de idias que sao fundamentais para nos levar
atese do autor. Argume ntos sustentam teses, que sao idias que o autor
acredita serem originais e importantes para mudancas ou construco
novas perspectivas dent ro do assunto tratado.
1.4 .1 Alguns passos para leitura de textos
Para que vecaproveit e ao mximoa leit ura dos textos, indicamos
alguns passos, para sistematizaco e estudo e, na medida do possvel ,
veco utili ze habitualmente.
i. INTRODUC; Ao
1
Faca urna primeira leitura, buscandoa vso docontedo como umtodo,
entendendo a lgica desua elabcraco.
Releia o texto, anotandopalavras ouexpresses desconhecdas, e sublnhe
as idias centras.
Leia novamente e procure entender a idia principal que podeestar explicita
ouimplcita notexto, bemcomoos prirxipaia argumentos usados na defesa
das idias.
Localize e compare as idias entre si, procurando O"
Interprete as dias. tentandodescobrir concluses a queoautor chegou.
Elabore urna sntese/resumo/aprecacocrtica. sepossfvel estabelecendo
relacces com questes atuaisquevecconhece.
1.5 O SENTI DO DOS TEXTOS
FILOSFICOS
Que diferenca far a leit ura deste livro e destes textos em minha
vida? Esta deve ser a pergunta que vecsempre se farao ler este e out ros
livros de filosofia. Alm do que foi dito anteriormente, o texto filosfico
deve estar presente em sua vida como ortentar o para reflexo, mesmo
que negativa, ou seja, refiexoque leva a negar o texto. Mas o text o deve
ser entendido e nao negado pela incapad dade de entendimento ou pela
discordancia em relaco quilo em que vec acredi ta. No texto devem
ser entendidas as relaces cotidianas, as vezes dista ntes, podendo ser
analisadas com base no text o de que por ventura vec tenha discordado.
Ento, nao se preocupe emsimplesmente criticar o texto , mas principal-
mente compreend-lo para que possa auxili -lo na compreenso dest e
mundo complexo no qual vivemos.
Naosabendo exatamente omotivopara leitura destelivro: estudos
no ensino mdo: introducoafilosofia; ampliacodos conhecimentos,
nossa propost a eque vec leia atentamente seguindo as orientac es do
item 1.4.1.
Textosfilosficosemdiscueso 1:iZ7;:=:::
(1)
1 cf KAHN, 1999, p. 49
Plato nasceu no sculo V a. e, em 427, na cidade de Atenas,
Grcia antiga. Os dados que ternos sobre sua vida sao muito escassos.
As principais informar es nos foram tra nsmitidas por Digenes
Larco, um autor do terceiro sculo de nossa era, que se baseou nos
test emunhos de contempor neos e discpulos de Plat c para descrever
os traeos da vida do filsofo ateniense.
Plat o vinha de urna familia ar ist ocrtica. Da par te de sua me,
Perictcne. havia um parent esco com o famoso legislador ateniense
Slon. Da parte do pai. Ariston, Plat o estava ligado a Codro, o ltimo
rei de Atenas. Sabe-se tambm que Arist on man tinha conexes impor-
tantes com Prcles' . Esse fat o most ra que o contexto no qual nasceu
1.1 CONTEXTO HISTRICO DA VIDA E
OBRA DE PLATO
MITO DA CAV:ERNA -
PLATAO
Textos filosficos eradiscusso
(1)
Anderson de PaulaBorges
1. MITO DACAVERNA - PLATO
Este livro nao esgota a leitura dos autores, ta mpouco a nica
aproximacc possvel de leit ura dos originais. Isto deve ser urna meta
em seus estu dos: nao se satisfaca apenas com esta leitura, busque
principalme nte os originais de cada filsofo citado e tambm alguns
comentadores (autores que explicam alguns conceitos e t rajetria int e-
lectual dos pensadores).
Platc nao era apenas um ambiente aristocrtico, mas era tamb m
urna at msfera em que as pessoas estavam ligadas aos crculos mais
centris da vida poltica de Atenas. Prides consi derado um smbolo
do perodo ureo de Atenas, al rn de ser o pa da democracia ateniense.
Sobre a lderanca e o governo de Prides, Tucdldes comentou que
"este governo, chamada democracia, na verdade o governo de um s
homern,'? Tud dides, um admirador de Pricles, relatou que, apesar dos
mecanismos democrticos de dedso que foram estimulados no gover-
no de Pricles, hava urna clara demonstraco de lideranra e confianca
neste ltimo, a ponto de seu governo ser, ao mesmo tempo, democrtico
e monr quico.
Quando Plato nasceu, porm, j passava um ano da morte
de Prides. Um poueo antes, Atenas e Espar ta inciavam a Guerra do
Peloponeso, que se estendeu at 404a.C., momento em que Atenas ca-
pitulou diante de Esparta. AGuerra do Peloponeso foi palco da oposco,
do ponto de vista poltico, de part idarios de duas fonnas de regime: o
democrt ico e oligrquico. Os democratas eram os que, instados pelo
est ratego Pr ides, levaram Atenas ao apogeu econmico e cultural, mas
tambm aguerra coro Esparta. Os oligarcas eram, entre outros, Lisandro,
Termenes, Crtias, Crmides, Scrates e Plato. Os quatrc primeiros
participaram do "Governo dos Trinta", regime violento e corrupto que se
instalou em Atenas aps a derrota desta para Esparta. Embora tenham
tido ligaces com o Governo dos Trinta (Crt ias era primo de Platc e
aluno de Scrates , junto com Crmides), e apesar de nao serem favorveis
ade mocracia, Scrates e Platc nao aprovaram o regime dos Tri nta. Ka
entanto. foi sob a democracia, restaurada aps esse governo tirnico.
que Scrates seria condenado a beber cicut a, numa clara aluso aos des-
mandas do governo tirnico, que tambm condenava acicuta os lderes
democrticos que poderiam oferecer alguma resistencia. O fato que a
atmosfera poltica na qual Plato nasceu fo bastante nebulosa. Ademo-
cracia, vigorosa no tempo de Pricles, se deixou levar pela astda oratoria
2 MOSS, 1999, p. 35.
I. MITODACAVERNA. PLATO
de Alcibiades, o que revela sua natureza voltil. Aoligarquia, muitas vezes
compos ta por hornens esclarecidos e bem intencionados, quando chegou
ao poder se transformou numa tirania como a dos Trinta.
Bem antes da guerra, Atenas experimentou, no entanto, um
per odo de apogeu. periodo chamado "sculo de Pricles". Prcles
governou Atenas sob excelentes condkes sodais e ntelect uais, as
quais j estavam, verdade, latentes no periodo anterior, mas que ine-
gavelmente forarn estimuladas em seu governo. Apesar dessa pujanca
cultu ral, bom que se diga quea filosofia nunca foi "popular" em Atenas.
Segundo a historiadora Claude Mcss', no tempo de Pridesa riqueza
intelectual de Atenas podia ser dividida em dois domi nios distintos: o
intelectual e o religioso. O primeiro nao atingia, de fato, a mai or ia dos
ddados atenie nses. Os mais prximos de Pricles reuniam-se na casa
de Aspsia, sua companhei ra, para ouvir Prot goras, Anaxgoras, os
raciocinios de Zeno e out ros sofistas.
Mas a grande massa preferi a mesmo ir ao teatr o para assis tir
as pec;as de squilo, Sfocles e Aristfanes. A As Nuvens, de
Aristfanes, d urna boa idia de como os atenienses encaravam a
atividade de Scrates (470-399 a.C.). Essa peca traz um ret rato burlesco
de Scrates, "sacerdote de tolices sutilssimas" 4. Ele o investigador da
natureza, recolhido no Pensatrio, inteiramente absorto com questes
metafsicas, tai s como o nmero de vezes que urna pulga pode saltar o
tamanho dos prprios ps. O contato de Scrates com o personagem
Estrepsades gera urna sucesso de mal-entendidos por parte des te
lt imo. Estrepsades vai ao Pensa t rio com o intuito de se instruir na
sabedoria de Scrates. A irona que ele t em um problema econmico
concreto e desejava o auxlio do sbio. Sua t ot al inexperiencia, porm,
em questes meditat ivas, o conduz ao fracasso completo. importante
not ar que o encont ro ent re Scrat es e Estrepsades nao se d nos moldes
da maiut ica socrt ica. Aristfanes optou por realcar a incomunicabili-
ent re os dos , de modo que a conversa se assemelha el UIll dilogo
3 1991, pp. 35ss
4 Al 1996.
flloslKos mi discusslo
(1)
de surdos, senda Scrates um pensador distante, ensimesmado, e
Estrepsades umtrapalho contumaz. Naohdilogoporqueo Scrates
de Aristfanes umsofista, mestre na arte da pantomima verbal. Eo
queAristfanes pensava daativdadedeScratesest representado nos
usos que Fidpides, outro personagemdas Nuvem, faz doensinamento
socrtico, justifi candoa vclnda contrao prprio pai.
Por outro lado, as condkes que levaram Scrates amorte des-
tacamoutro aspecto das relaces entre a ddade e a filosofia. Scrates
foi acusado por tres cidados atenienses, Anito. Melero e Lcon, de
dais crimes: introduzir novos deuses na ddade e ser umcorruptor de
jovens. Foi condenado amorte por umtribunal. em399a.C. Conforme
o relato de Plato, na Apologia de Scrates. ojulgamento de Scrates foi,
na verdade, urnavinganca da Atenas "democrtica" contra Scrates. O
"crime" deScrates foi ter ensinadoo alcance real do verdadeirc conhe-
cimento: saber a extenstio de todas ascoisas sobre as quais nadasabemos.
Mas para urna Atenas que tinha passado por tantas agruras no perodo
da guerra com Esparta, e cujos cidados tinham experimentado um
regime como o dos Trinta, Scrates erauro"problema". Olivre exercicio
do pensamento, o questonamento das crencas religiosas e a busca do
auto-conhedmento, preconizados pelo filsofo. nao eramexatamente
os ideis que os atenienses ccnsideravamoportunos naquele momento
"pos-guerra".
Plat onos contaque Scratesestava rodeado deamigos e sereno
quandobebeuacicuta. Oefeito desua morte, no entanto, jamais deixou
de perturbar Plato. O que Plato escreve na Repblica um projeto
acercado estilo de vida privada, berncomo do tipode concepco polti-
ca, intelectual e econmica a que urna cidade deve aspirar, se deseja, de
fato, ser justa e evitar os males da socedade que matou Scrates.
Na Carta Stima, obra que hoje tda como aut ntica'; Plat c
revela por quefezda filosofia, na Repblica, o ideal de governo poltico:
5 cr.BRISSON, 2003, pp. 2334.
"(...1Ale e a moral estavamde tal modocorrompidas que eu, antes cheio
de ardor para trabalhar para o bemcomum, considerando esta situar o,
e vendo como tudo era mal administrado. acabe por ficar aturdido (...[,
Finalmente, compreendi quetodos os Estados atualssc malgovernedos,
poissua leglslac o quaseirremedvel semenrgicas prcvidncias unidas
a felzes cireunst ncas. Fui, enUo, levado a locvar a verdadeira filosofia
a proclamar que somente sua luz se podereconhecer ende est a
na vidapblica e na. vida privada. Porta.nto, os males no cessarcpara os
borneas antes que<lo estirpedos puros filsofos chegue .10 poderou os
govemantes das Cidades, por urna. divina, se ponham verdadeira-
mente a filosofar" (Carta. VII,
Esse testemunhopessoaldofilsofo deimportancia fundamen-
tal para quem deseja urna orentaco na interpretaco dos dilogos. A
partir do texto da Carta Stima possivel saber que Plato aspirava a
carreira poltica desde a juventude. O testemunho ilumina a compre-
enso de suas tres obras polticas fundamentas, Grgias, Repbliro e
Leis, rujo teor a insistenciaero estabelecer par metros moris slidos
para a cidade. Esintomtico da experinda poltica de Plat o o trecho
no qual ele descreve seu projeto filosfico: elevar o 61sofoao posta de
govemante, ou tornar o govemante umestudioso da filosofia. Altima
opcao. como j sabia Plat o, s6 acorre pela. intervenco de urna "graca
divina". Mas a primeira alternativafoi objetode umaudadoso e siste-
mtico programa: o texto da Repblica.
1. 2 APRESENTAc;:O DA OBRA
a) Porque PlatAo escreveu dilogos?
SegundoGoldschrnidt (2002. lntrodu(iio, p. 02), oprpriododi-
logo platnico formare naoinformar. pois se trata de urna mcdaldade
de escrita que privilegia o drama, emdetrimento da soluccda questo
filosfica. Nesse sentido, o dilogo distinto do manual. Nao possui a
estrutura ordenadae cronolgicade temas queos rnanuais apresentam.
l. MITODACAVERNA PLATQ Textos fi losficosern discusso
(1)
Compreende mal Plato, portanto, quem vagueia pelo text o, pegando
aqu e ali referencias esparsas para montar um resumo, hem .10 gosto da
vis c si nttica de nossa epoca. Ao ler Plat o. preciso estar dispost o a
entrar no dilogo e acompanh-lo. Cada dilogo tem urna cena prpria,
com personagens, um tema central e um local definido. Scrates
o personagem principal da maior parte deles. O comeco do dilogo
sempre t rivial, quase pito resco, mas ern certc momento, Scrates passa
aquestc central: o que a amizade, a beleza da alma, a coragem? H
um progresso dramt ico, que o continuo movi mentc ero direco ao
ncleo do tema . Esse progresso serve a urna tese de Plato: a filosofia
deve servir mais .10 saber que anformaco.
b) Ospersonagens
ARepblica foi escrita por volta de 375 a.e. Aatmosfera histrica,
no entant o, teve lugar ero plena Guerra do Peloponeso. Acena dramtica
da Repblica se desenvolveu no perodo chamado "Paz de Nd as", urna
t rgua na guerra, assi nada em 421 a.C. Essa paz nao durada mais de seis
anos, pois Atenas, envolvida por Alcibades, rornpeu a tregua ero 415 e
reiniciou a guerra.
Algumas personage ns da Repblica sao propositadamente figuras
que ti vera m alguma evidencia em Atenas. Cfalo um comerciante que
te r os bens confiscados pelo "Govemo dos Trinta". Polemarco, filho de
Cfalo, ser executado pelo mes mo govemo. Outra figura importante.
sobret udo no Livro 1, Trasimaco, sofista da Calcednia. O papel de
Trasimaco na Repblica proporcionar um cont rapont o a filosofia
socrti co-platnica. Trasmaco defe nda ardorosa mente urna concepc o
polt ica baseada na "le do mais forte". Do ponto de vista da argumenta-
co de Trasrnaco, o mas forte o govemante, e a justica o nome que
se d.10 estado de coisas que o governante considera o mais adequado.
Hbi l orador, o sofista nao se deixou vencer fadlment e por Scrat es (cf.
os insultos, ero 337.1,340d, 343a); tampouco acreditou na possibili dade
de um governo poltico em que os ddados seriam virtuosos e as leis,
l. MITODACAVERNA - PLATO
democrt icas. Embora sua partidpaco se limite .10 livro 1, o fato de ele
retomar aconver sar o no livro V (450a-b) confirma seu papel na ds-
cuss o sobre a [us t ka no Iivro 1e o prcjeto da Repblica. O restante do
dilogo urna longa e detalhada refutacc da tese de Trasmaco. PIaUo
mostrar que a ess nd a da justica passa pela educecac dos cidados ,
especialmente a educaco moral, pela diviso do trabalho social e pela
organizaco poltica baseada no mrito cognitivo. Para Plato preciso
escolher govemantes de acordo com sua inteligencia, viso de conjunto
e dedcaco exclusiva avida pblica.
Scrates tambm um personagem envolvido na poltica, pois
viri a a ser executado como t raidor da democracia. Seu papel no dilogo
ser o porta-voz do pensamento de Plato. As demais personagens,
Glauco e Adimanto, irmos de Plat o, sao as que, junto com Scrates,
conduzem o dilogo.
c) DivisaDdotexto e argumentocentral
ARepblicaest dividida em dea lvrcs. Essa d assficaco nao foi
pensada por Plat o, mas por editores tardios . Tambm dos editores
a diviso do text o em pargrafos numerados, feita pelo francs Henri
Estienne, no sculo XVI, quando editou a obra platnica em grego e
latim. Os est udiosos preferem o texto que traz a diviso dos pargrafos
porq ue facilita bastante as referencias .10 texto e aos argumentos.
Segundo watanabe', a Repblica encontra-se na mesma linha
que a obra Ilada. de Homero, e Histria, de Herdoto. Sao obras que
"pretendem guiar seus ouvintes". Na Repblica, Plato convida o leitor
a elaborar. no pensame nt o. urna ddade-estadc ideal. Esse projet o se
desenvolve, conforme Nicolas Pappas' , por meio da elaboracode um
ni co argumento cent ral, especialment e nos livros JI , IIJ. VIlI e IX. Esse
argumento o seguinte: Individuo e Cidade cont m forras intern as ero
confiitc ent re si: nas d dades, o conflit o entre as d asses sociais. Na
alma, as par tes racional, emotiva e desejante. Ajustica na cidade e
6 WATANABE, 1995. p. 34
7 PAPPAS, 1996, 3S38.
Tutos filosficos emdiscusso
(1)
I I
na alma a harmonia destas forcas. Ajust ica vantajosa porqu e, quanto
maor o eonflito, tanto na cidade como na alma, maior a mis ria social
ou individual que preci sa ser reparada pela justi ca.
Nas linhas seguintes, apresentamos urnaanlise desse argumen-
to. Tendo no livro I uro ponto de partida, indicaremos o modo como
Plat o desenvolve a analogia entre ciclarle, alma e individuo. aluz
dessa analogia que devemos ler e estudar os tpicos sobre a educaco
dos guardies que constituemos temas do livroVII.
d) oargumento central: analogia entre alma e ddade
O primeirolivro da Rephlica uropreldio (d. 357a) aobra como
urotodo. Centrado na questodajustcae nafigura de Trasmaco, urolivro
dedicado a probemataacc de algurnas teses comuns sobre a justica. H
um consenso entre os especialistas de Plato de que o livro 1 dramtica e
estilistic.amente diferente dos demas. Goldschmidt", por exemplo, considera
o livro I independente do restante da Repblica por se apresentar como urna
ntroducosocrtica ao tema da justica. Estruturalmente, uro livromuito
semelhanteaosdilogos dejuventudedePlato. eroqueodebatedificilmente
mega a uroresultado positivo. Issoocorre porquea naturezadaconversa o
teste de hipteses, a refutacode conceitos e o convtepara que o leitor de
continuidadeadscusso. Porisso, no Livro 1,
"Comeccu-se por examinar a natu reza da justir a. Em seguida, a conversa
desviou-se p;lraa questao de sabersea .Justica vcoou virtude, ignorancia
ou sabedora. Enfim, perguruou-se se a era mais vantajosa que
a De modo que o resultado da dscusso que nada sei; pois nao
sabendo o que a J ustca. se menos ainda se virtude ou nao, e se aquele
que a possui feliz ou infeliz (Rep.
Apesar dessa ndefinco,helementos positivos nodebate, Decerto
modo, o livro I mostra que h urna relaco entre a quest o da feliddade e
o tema da justca. O personagem que melhor revela esse vnculo Cfalo,
8 GOLDSCHMIDT, 2002, pp. 122
9 GOLDSCHMIDT, 2002, pp. 125 6
por estar na velhicee gozar de urnavida materialmente tranqila. na casa
destehornero simples, "meteco"(estrangeiro) eroAtenas, que teroincio o
debate filosfico da Repblica. Questionado por Scrates sobre qua!a maior
vantagem obtida com sua riqueza, Cfalo responde que esta lhe permite
viver na generosidade, honestidade e justica. Essa falade Cfalo d o mote
para que Scrates pergunte: o que vema ser esta "justca"? Cfalo responde
coroa opiniodo poetaSimnides, segundoa qual a justicaconsisteem"dar
a cada uroo que seu?", O fil ho de Cfalo, Polemarca, modifica um pouco
essa opino quando assume a discusso em lugar de seu pai. Polemarco
acrescenta que a justca distribui benfeitoria aos amigos e prejuzo aos
inimigos (332d). Naanlisedo filsofo Leo Strauss, a opinio de Polemarco
reflete o esprito pblico, a dedcaco acidade e o patriotsmo. Os amigos
sao nossos concidados e os inimigos,estrangeiros. Ademais, a nicadas
tesessobre a justicado livroI conservada por inteiro no contexto dacdade
plat nica!' . Naessnda, trata-seda tesede que a justicarealizaurnaespcie
de distribuicocarreta daquiloque por direitodecadaum. Nacidadeideal,
a justica ser precisamente umestado de equilibrio social no qual cada uro
faz e recebeo que !he cabe.
Por outro lado, Irwin lembra que "a sugesto de Polemarca sobre a
justcaautorizao tipode tratamento quehaveremosde considerar flagrante-
mente injusto quando formas vtima dele?". o casodo prprio Polemarca,
assassinado pelo govemo dos Trinta. O ponto fraco da tese, portanto,
que ela nao est livre do erro de confundirmos urna pessoa inocente com
o inimigo. Por isso, a definico de Polemarca rejeitada por Scrates coma
demonstraco de que elaacarreta duas conseqncias ndeseives. Empri-
meirolugar, ela admite que seja possvel apessoaou aacojusta "prejudicar
algu m" (335b), Emsegundo lugar, ela toma a justica potencialmente capaz
detomar os inimigos mas "injustos"do que saoatualmente.
Com a int ervenco de Trasmaco as coisas se tornam mais som-
brias em termos de definico de justca. Para Trasmaco, "a justica e..)
10 cr.REPfll.ICA. 3311'
11 STRAUSS, 1996 , p. 47
12 IRWIN, 1995, p. 172.
l . MITODACAVERNA- PLATo
Textos filosficos emdiscussc(1) EZ7Z::==::
a conveniencia do mais forte (339a)". Essa tese, hobesiana na ess ncia,
tambm plausvel, embora num sent ido bem diferente da tese de
Polemarco e Cfalo. ParaTrasmaco, o justo o que est identificado aLei
e ao Estado. Serjusto cumprir a constituico de cadagoverno e zelar por
seu interesse. Modernamente chama-se a isso de "positivismojurdico'?",
urna concepco poltica que ve na legislacoa expressoltima dos dita-
mes da justica, sem que seja preciso recorrer a qualquer outro valor. Para
Trasmaco, a lei do mais forte infalvel, pois o governante que honra a
essncia de seu posto nao pode cometer erros, assim como o artes o que
explora a infalibilidade de sua arte nao a deprecia. Trasmaco nao aceita,
porm, que se neguem as vantagens da injustica sobre a justica. urna
posicoradical. fcil ver que levaao imoralismo e niilismo, tornando-se
insustentvel. Se adotarmos a tese de Trasmaco, corremos o risco de
defender urna concepco de justica baseada no apego ao poder, com a
legitimidade sendo garantida pela forca.
Entre os leitores da Repblica, nem sempre a tese de Trasmaco
direcionada para o aspecto negativo do poder, em que pese sua evidente
tendencia para esse sentido. A funco da tese, porm, mostrar at
onde pode ir urna concepco de justica desvinculada do aspecto moral
e cognitivo.
Logo aps a retirada de Trasmaco, Glauco intervm para dar
prosseguimento ateoria deste ltimo. Nao discordando da identidade
ent re o justo, o legal e o governo, Glauco descreve a origem da lei na
hipocr isia. Clicles, no Grgias, destacou a origem da moral como
invenco dos fracos em detrimentos dos fortes (483ss) . Glauco vai
na mesma linha ao mostrar que a natureza humana est propensa a
cometer injusticas. Segundo Glauco, quando o homem nao as comete,
por medo das conseq ncias (358-59). Observe-se que em nenhuma
dessas posices se tratou da J ust ica "ernsi mesma", Glauco e Adimanto
insistem que isto urna falha, o que leva Scrat es a imaginar a cidade
perfeita para descobrir nela o papel da Justica.
preciso levar em conta que a cidade imaginada por
13 STRAUSS, 1996, p. 47
Scrates para ilustrar a correta concepco da J ustica nao um projeto
poltico concreto, pronto para ser posto em prtica. Muitos analisam a
cidade ideal e em seguida avaliamsuas condices prticas de realizaco.
Plat o diz na Repblica que nao importa se a cidade existir ou nao um
dia. Oque importa que somente emsuas leis e em nenhuma outra deve
o sbio fundamentar sua conduta (592b). Com base nessa passagem,
Goldschmidt mostra que a cidade um paradigma que fornece os traeos
ideais de urna cidade justa" ,
Plato quer mostrar que a histria da origem, acabamento e
decadencia da Cidade na Repblica anloga ahistria do nascimento,
maturacoe decadencia das almas no mundo. Asforcasinerentes acidade
que levamadecadencia sao as mesmas forcas inerentes ao individuo que
o conduzem avida injusta e infeliz. Para fugir desse destino, preciso
postular um BemComume criar condices para que o individuo viva na
cidade, conforme os ditames deste Bem. Esse o objetivo da educacodos
guardies que ser o tema do livro VII.
Plat o sabe, no entanto, que oindividuo nao conheceo Beme tende,
invariavelmente, para o Mal. Aconviccofundamental de Scrates, nesse
sentido, que ningumfazoMalvoluntariamente e nemodeseja. Aorigem
do Mal a ignorancia.Deoutro lado, a origemda decadencia da Cidade est
na ausenciado saber sobre o que tem valor na vida. ParaPlat o, a filosofia
que proporciona este saber, que faz a alma galgar o plano indefectvel das
idias. Oensinamento filosfico, por rn, nao fcil. Naosao todos que t rn
pendor para a filosofia. Elaexige educaco e certo distanciamento critico
daquilo que constitui o trivial da vida humana. esse tipo de renncia que
os guardies tero que fazer quando forem afastados da familia para se
dedicaremaos estudos. Neste programa, sintomtico que o livroVrevele
o quanto sabia Platosobreas diversasnaturezas e aptidesque os homens
podem demonstrar. Plato observa que existem comportamentos inatos
e habilidades aprendidas, e que homens e mullieres podem partilhar das
mesmas aptides, sem prejuzo para a diferenca de natureza entre os dois.
14 GOLDSCHMIDT, 1947, p. 49. Ver ta rnb mdo mes mo autor OsDilogos dePlatao. Sao Paulo: Loyola,
2002.
1. MITO DA CAVERNA - PLATO Textos filosficos erodiscusso
(1)
Esse comunitarismc, porm, tem um limite. Plato sabe que a
maioria nao est destinada adlaltica e que isso representa urna dificul -
dade para manter a unidade da Cidade em tomo do Bem. Como resolver
o problema? A resposta de Platc um programa de "educaco total"
dos rnelhores da comunidade. Picar rese rvada .lOS demais a parcela de
trabalho, educaco e lazer que Ihes cabe, mas aos soldados e guardl es
a educaco deve ser plena, contin ua e comunitria. O primeiro passo
a educacomusical e a ginstica (441e), um tr einamento que impedi r
que os elementos da alma (o racional, o emotivo e o deseiante) travem
relacesconft itantes ent re si.
Na opinio de Plato, a maior part e dos cidados nao manifesta
propenso ao estudo intensivo porque o fator dominante em sua vida
Eros . Nesse sentido, Leo Straus observa que parece haver urna tenso na
Repblica entre o Eros e a Cidade". Se, por um lado. a justica se realiza
no interior da ddade na medida em que cada um cumpre sua funco, por
outro lado o que quebra esta harmona.Iancando a cidade na decadencia,
justamente o "canto de sereia" de Eros que singra na alma dos d dados.
Note-se , por exemplo, que o Eros que causa o dednio da Cdade o
mesmo que dorigem aalma tirnica(d. 572).
Isso nao quer dizer, no entanto, que tenhamos que rejeitar Eros.
Dentre as medidas sugeridas na Repblica para sanar o problema encon-
tra-se, com efeto, a moderaco do impulso ertico mais bsico do ser
humano: a familia. Essa medida deve ser tomada no mbit o da educaco
dos guardi es. O que existe de tao censurvel na familia? Ela representa
o individualismo no contexto da Repblica. Plato sabe que os efeitos do
predomnio de Eros na esfera das relaces humanas sao mui to fortes e
sabe tambm que nao suficiente enca minhar o governo justo at ravs da
coincidencia ent re filosofia e politica. Amulr id onao adere comfadlidade
.l OS preceitos dos filsofos. Mais uma vez sente-se o peso do argumento
de Trasmaco: a justca, em certa medida, obedi encia alei. Da as medi-
das coadjuvantes que o texto da Repblicasugere: cducaco dos guardes,
15 STRAUSS, L., 1996, p. 57.
restrices ao individualismo, apologia dasvirtudes, etc.
Retomemos, em sntese, o cerne do argumento central da
Repblica: tanto na alma como na cidade existem forras intesti nas que
est o em conftito. O que gera o conflito a predominancia de urna forra
que ext rapola sua funco. Cabe arazo administrar a alma no corpo
do individue e evitar esse desequilibrio. Na d dade, a razo est per-
sonificada na figura do filsofo. Essa analoga tambm fornece a causa
do fracasso dos regimes polti cos na d dade: a aristocracia exagera seu
pri ncpio (elite) e cai. Omesmo acontece com a oligarquia, cujo principio
a ri queza , e a democracia, que exage ra seu principio na medida em que
guia t odas as decises pela vontade da assemblia. A democracia entra
em decadencia porque o povo leva Eros na alma e nao escapa aruina que
o desejo individualista provoca na dimensc social da comunidade.
Para curar esses desvios psquicos, rujo resultado mais perigoso
a decade ncia moral e social da ddade, Plat o oferece urna via: o
conheciment o metafsico.
e) A cura pela Metafsica
Goldschmidt" not a que, ant es de apr esentar o proj eto do governo
dos filsofos, Plat o define na Repblica o que um filsofo. Essa defi-
n i ~ a o inicia com a seguinte premssa: "quem deseja urna cosa deseja-a
na sua t otal idade" (475b). O filsofo deseja a sabedoria , logo o tipo de
conhecimento que o filsofo possui a totalldade do saber, importante
reHeti r sobre essa definiro porque eIa encaminha a discusso sobre o
conhecimento no final do livrc Ve prepara o t ema central do livro VII.
Antes de tratannos do livro VlI, convm refietir bastante sobre o
que Plato escreve no final do Iivro V. O argumento principal no Iivro V
secundado por algumas premissas apresentadas por Scrates, num con-
text o em que o debat e se dcom os chamados "Amantes de Espet culos"
(475d, 476a-b), Tas "Amantes" sao pessoas que nao manifestam nenh um
apreco por dscusses dal tcas e pela Teoria da For mas. urna refer n-
16 GOLDSCHMIDT, 2002, p. 269.
l. MITODACAVERNA- PLATO TUfOS filosficos em discuss.io
(1)
cte aos individuos que paut am suas definices, palpites e dedses pelas
experiencias comas coisas sensveis. O debate com tais pessoas serve ao
propsito de mostrar aos Amantes de Espetculos que o contedo do que
eles julgamsaber, na verdade, opinio e nao conhecimento.
Conforme a anlisede Gail Pine' ", a estrat gia de Platc para pro
var esse ponto correlacionar u conhecimento com o Que , a opinia.o
com o Que e nao e a ignorancia (agnoia) com o que nao . Essa
estratgia coordenada por um conjunto de seis premissas que levam a
conclusode que os Amantes de Bspetculos podem, no mximo, chegar
adimenso da opinio. As premissas sao as seguintes:
1) quem conhece conhece algo (t!1 (476e7-9);
2) quem conhece conhece algo que (on ti), pois nao se pode
conhecer algo que nao (mon ti) (476el D-ll);
3) o que complet amente completamente cognoscvel; o que
nao de nenhum modo, nao de nenhurna forma cognoscivel
(477a2-4);
4) se algo e nao . ent o est entre o que realment e o que o
nao de nenhum modo (477a6 7);
5) o conhecimento governado (epi) por aqulc que ; a ignoran-
cia governaclapor aquilo que nao (477a9-10)
6) algo que est ent re o conhedmento e a ignorancia governado
por aquilo que nao (477alO-bl)18.
Essa linguagem pode parecer estranha ao leitor moderno. Na
verdade, o modo tipicament e grego de se pensar a realdade. Est
ero jogo nesse estilo urna forma de pensamento que busca apreender
as realidades pensadas a partir de certas est ruturas do modo como o
mundo est organizado. Assim, por exemplo, quando Plat o diz que
"quem conhece conhece algo", trat a-se de urna tese que serve de ponto
de partida para a conduco do debat e ccm os Amantes de Espetculos.
17 FINE,G.2003,pp.68s.
18 Cf. FINE, 2003, p. 68,9.
Plat o quer mostrar que o objeto do conhecimento real e possui urna
estrutura objet iva. precisoverificar se oqueos Amantes de Espetculos
alegamsaber possui essa est rut ura. Almdisso, preciso se cer tificar de
que eles sao capazes de defi nir a Justica ou a Beleza de forma que seja
perene, unit aria e que nao mude ao sabor dos fatos. Essa a exigencia
de Scrates , a chamada "quest o socrtica", urna exigencia def inidonal
que Plato considera vlida e a retoma no livro V.
Seg.ando IOOn, aquilo que o livro V mostra, por outro lado, que
os Amantes de Bspet culos "supem que ternos urna resposta satisfatria
para a questo socrtica se dissermos, por exemplo, que a justica em tais
ac es devolver o que vec emprestou, em outras arces nao devolver o
que vecemprestou"19. Oautor se refereadefinkc de331c, no qual Cfalo
concebea tese de que ser justo dar a cadaumo que lhe pertence, idaque
ser rebatida mediante demonstraco de que em algumas stuaces ela
correta, masemoutras apresenta ccnseqndas desastrosas. Nolivro V, de
certo modo, Plat oest retomando essetipode casopara mostrar que urna
definicao cujostermos saoeficazes para dar conta doproblema emalgumas
situaces, mas nao em todas, nao urna boa definico. Ora, os Amantes
de Espetculos sao justamente aquelas pessoas que nao consideram essa
exigencia urna verdade necess ria do conhecimento.
Isto posto, voltemos quelaspremissase observemos que Platoest
dizendoqueoconhecimentodiz respeitoaoquesempre.Sealgonaoapresenta
essa exigencia, ent o nao conhedmento. Isso quer dzer que a definko de
Cfalo e Polemarconao conhedmento, emboranao sejaignorancia, porque
est "entreosaber e a ignorancia." Veja que oobjetvode Plato naomostrar
que somente ao filsofo cabe o conhecimento, comose o filsofoatribusse
a si essa funco. Aocontrario, Plat o mostra porque "acontece" de apenas o
filsofo saber. Ofilsofo o sujeitoque busca conhecerapenas aqulo"que "
e que naomuda nunca.Sepensannos a Repblicaa partir dessa tese, compre-
enderemos por que o texto precisa se deter em tantas opiniesdivergentes
(Polemarco,Trasfmaco, Amantesde Bspetculos, etc.)para definir ajustca.
19IRWIN. 1995, p. 264.
I. MITO DA CAVERNA - PLATAO Textosfilosficos emdiscusso D3:C: : =
(1)
necessrioque fiquemdaros os efeitos eos limites das opiniesque naosao
conhecimento. preciso que o leitor perceba queo sucesso de tas opinies
justamente o que elas possuemde correto. Elas sao plticase atraentes,
como atesedeCfalosobreoBemaosamigos, urnaopinioquea maior parte
densnaoconsiderarla, salvo exame crterioso, equivocada. ocaso tambm
da tesede Trasmaco sobre a eficda daforrae dalei. Mas nolivro VPIaUo
avancaadiscusso pan mostrarqueessetipodepensamentonaose mantm
por muito tempo porque sua inccnsistndadefinidonal leva aodesacordo e
este aodesequilibrio social
O raciocinio adma levar Platc a propor uro ponto novo em re-
laco a Scrates. Plato introduz umconceitochamado Forma ou Idia
para dar conta da questo doconhecimento daquilo que . Trata-se de uro
conceito muito debatidona literatura de Plato porque, no vasto corpo
de dilogos (36) 20, s exstemtres obras que se referem explidtamente
as Formas: Fdon, Banquete e Repblica. Os demais di.ilogos utilizam
argumentos que se referem a conceitos em si (kath'haut6), mas nao
necessariamente sao referencias a urna "I eoria das Formas". O pr prio
mito da caverna, talveza imagemdoplatonismomaisconhecida. nao faz
referencia alguma a. Teora das formas. embora o progresso epistmico
queo mitodescrevesejaurnaalusoclara a esse tipode teoria.
Mas o que sao, afinal, as Formas ou ld ias? Naanlisedo profes-
sor MarcoZingano:
"Para Plato, dada urna multiplicidade de objetos referidos por um mesmo
termo de modo inequvoco, h.i urna e nica idia, que o modele do qual
esses objetos 530 as rpias. Obviamente. nao h urna idia para qualquer
ter mo geral de noss.a linguagem (nao h, por excmplo. ld .a de /xi,boro
ou degrego, mas se mente de hQmrm), mas a todo termo geral que designa
urna das junt uras ou do mundo corresponde urna ldia que
concentra em si o ser em quest o, enquanto os objetos materiais existem
a t t ulo merament e de c ptas ou imitaces. Os part iculares. assim, nao so-
mente est c cont idos nos uni versais, como t .. mhPm sao ronrebidos romo
causados pelos universai s, derivados deles e hierarquizados por clcs.?'
20 Cf. ZINGANO, 2002, p. 25.
21 {bid"tl, p. 46.
l . MITODACAVERNA PLATO
Nessa anlise as Idiassaocomparadas a "modelos", Um exemplo
a idiade mesa, Nas salas de aula, nas universidades, nos escritrios
vemos urna infinidade de tipos, tamanhos e formas de mesas. Multas
esto desgastadas pelo tempo, outras sairam de linha, etc. Mas nas
mesasantigas e modernas h umncleo comum, urnacaracterstica que
nao muda. Essa seriaa Idia, sempre a mesma. Oque caract erlstco de
Plato dizer que aquelas "mesas' sao casos particulares e, como tais ,
imperfeitos, da Idia de mesa, o que o leva a dizer tambm que a Idia
da mesa causa das mesas particulares.
Embora essa explicaco do conreito de Ida como "modelo" seja
bastante adequada para dar contado que Plato expressa nos dilogos, ha
urnacontrovrsia a respeito do seguinte aspecto. As idiassao realmente
modelos, ou seramconceitos mentais que Plato, por urna necessidade
ontolgicae epistemolgica, Ihes arrihni 11 m papel to preponderante na
constituko da realidade a ponto de acreditar que, de fato, tais dias sao
"modelos naturas" da realidade?
Para concebermos claramente a diferenca ent re estas alterna-
tivas, examinemos mais atentamente aquela primeira premissa que
identificamos no debate ent reScratese os Amantes de Espetculcs. A
primeira premlssa podequerer dizer, segundoGail Fine. duas coisas:
la) quemconhececonhecealgumacoisa de existente; ou
lb) quemconhececonhece umcontedo do seu conhecmento.
Essas duas leituras sao distintas. Na primeira leitura ternos a
hiptese, defendida por Zingano adma, de que as id ias sao como mo-
delos naturais de coisas "ex is tentes" no mundo" . Platc estara dizendo
aqui que quemconhece tem como foco deste conhecimento ldias que
existempara al m do fato de pensarmos nelas ou nao. Essa alternativa
implica que tais idias sao "separadas" de suas manifestacesparticula-
res no mundo. Casotpico a idiade Justica. Segundo essa concepc o,
nenhuma alma, cidadeou regime polticojamais ser capaz de manifes-
tar fielmente a "idi a" deJustica. Aidi a existe numplano naosensvel.
22 Ibidrm, p. 45
Texto,s filosficos emdiscusso
(1)
totalmente independente deste plano no qual, no entanto, h "casos
particulares doconceto", como a prpria vida de Scrates, considerado
o homemmais justo de seu tempo por Plat o. Muitosleitores de Plat o
concebem deste modo a Teor a das Formas e 3 relaco entre o mundo
sensvel e o inteligivel, conforme veremos no mito da Caverna.
Aalternativa 'b' se distingue do que foi exposto acma no segulnte
aspecto. Ela oferece a opcode Plato naoestar se referindo30 objeto do
conhecimento, masao contedo daquiloque conhecido. Segundo Gail
Fine, nessaalternativaPlatcest apenasdizendoque quemconhece est
erocondres de responder aquestc "o que vecesabe?"urna pergunta
queremeteacapaddadedepronunciaralgumasproposcesqueexprimem
o contedo do conhecimento. Adferenca bsica aqu que as id as ou
Formas nao sao modelos naturais de coisas, mas "prcpriedades explana-
trias"23 de certos conceitos moris comoJ ustica. Coragem, Temperanca,
ou epistemolgicos, como Conhecimento, Verdade, Ignorancia, assim
como outros. IOOn chama atenco para o fato de que os contextos nos
quais Plato discute as Formas tratam especialmente do problema da
deficiencia epistemolgica dos sentidos em relaco ao pensamento. No
Fdon, por exemplo. Scrates discute o fatode que pedras e paus, do pon-
tode vista dos sentidos, podemparecer iguas sob certa perspectiva. mas
desiguais sob outra. Esse problema chamado, na literatura de Plat o, de
"co-presenca dos opostos", urna referencia a dinmica da sensar o. Plat o
cra as Formas paraoferecer urna sadaa esserelativismo sensvel. Outro
aspecto distinto da leitura b que ela naoimplica "separaco"ontolgica
entre id ia e instncia sensvel.
Mas afina! de contas, que tipo de problemas Plat o veno fato de
nos apegarmos ao mundo circundante, as sensac es que esse mundo
nos propicia para orientar nosso conhecimento? Ahistria da filosofia
mostra, por meio de textos clssicos de Hume, Locke e Kant. que o
conhecimento tem urna gnese na sensibilidade. Ser que Plato est
negando isto?
23a. IRWIN, 2005, 152
Naverdade, quando Plat odiz que o conhecimento diz respeito
quilc que "", trata-se de mostrar que o conhecimento nao se coaduna
comas realidades que nao se mant m por muito tempo. justamente
essa a caracteristica da sensaco e dos "espetculcs" propiciados pela
multiplicidade reinante no mundo sensvel. Nesse sentido, Rogue
afirma que
"a Ida deveser consderadaromo urnaundadegenrica pela qual, sinte-
tizando o diverso no um, poe fimac paradcso de um mesmapredkaco
realizada sobre sujenos mltiples e diferentes; e romo princpio da reali -
dade, pela qua! ele permite repensar a unidsde da dentdade COrKl1'U, na
hierarqua de SlW preprtase ""lativas"?4.
o grande tema do platonismo quase urna obsesso de buscar
num conceitc urna unidade passvel de ser assimlada pela raa c e
que possa expressar um contedo firme acerca de uro conjunto vasto
de objetos. Pensemos no exemplo do Menon, simplrio o suficiente
para que nao fiquem dvidas acerca de seu efeito did t co: ero 73b-c,
Scrates refere-seamultiplicidade e unidade de um mesmo objeto, as
abelhas. Sao mltiplas em tarnanho e caractersticas. Mas hurna un -
dade que s urna defincc (lea-se "idia") pode fornecer. Os dilogos
estc repletos de exemplos deste tipo porque sao variaces da mesma
questo socrtica que guiavaos primeiros dilogos. a quest o 0 que
" urnaabelha, um hornem, a justit a. Oque muda, amedida que Plat o
vai amadurecendo essa int uico socrtica, a capacidade platnica de
revestir a idia original comurna pletora de metforas e irnagens.
Alm disso, h urna s rle de argumentos que tomam o tema
socrt ico da deflncc e o projetarn no contraste entre sensaco e
conhedmento, como estratgia para reti rar dal urna explicaco da
gnese do conhecimento. o (aso, por exemplo, da passagem dos
tres dedos (S24b-d). Ali o texto pe em relevo que cert os dados
da sensar o "provocam reflex o" e out ros tantos nao o fazem. Por
14 ROGUE, 2005 , p. 81.
1, MITODACAVERNA - PLATO
Textos filosfic: os emdiscusso
(1)
exemplo, na viso dos dedos, enquanto os examino como "dedos",
pouco importa que se t rate do pequeno ou mdio, fino ou grosso.
Plat o diz que a sensac o nest e es tgio nao faz a quest o to que ?".
esse, porm, a pergunta que a viso dos dedos provoca quanto se
trata de pens ar sobre a pequenez ou grandeza dos mesmos. Nesse
caso, a alma se depara com a co-presenca dos opostos porque o que
provoca a reflexc na alma a sensaro contraditria (d. S23c1).
Trata-se do caso em que um mesmo objet o (dedo) pode ser fino
num dado contexto, mas grosso nout ro. Esse tipo de refl exo teria
levado Plat o a formular as Formas, porque somen te elas escapam
.10 relativismo da sensac o. Um ser particular pode ser grande ou
pequeno, mas as id ias de grandeza e pequenez, em si mesmas, nao
podem variar.
No entanto, difcil decidir se as Formas sao conceitos mentas ou
modelos naturas. Uma deciso entre as duas alternativas na passagem
do livro V requer um estudo mais detalhado do sentido do verbo "einai"
(Ser) que est sendo usado ali. Isso nao possvel nos limites deste artigo.
Mas consideramos oportuno apresentar as duas opces para que o leitor
tenha um mnimo de contato com urna quest c bastante discutida hoje
da literatura de PIaUo. Trata-se de saber at que ponto os livros V-VII
permitem concluir que Platc defende urna ontolgica real
ent re a dimensc sensvel e a dimenso inteligvel. Esse um tema im-
portante, sobretudo no mito da Caverna. Ser que Plato defende que as
dias (Formas) sao completamente separadas da realidade? Ser que ele
defende urna separacc moderada, permitindo que baja alguma analoga
entre sensveis e Formas? Ou ser que no urna separaco ontolgica, mas
meramente epistemolgica, nos sentido de que tudo o que diz respeito .10
conhecimento , por definico, separado da dmenso sensvel. Amedida
exata desta separaco depende de urna deds o sobre o sentido preciso das
seis premissas que apresentamos adma, sobretudo de uma deciso clara
entre l a ou lb.
g) Osol,a Caverna e a lnhadividida
Plat o di z na Repblica que o fun damento de todo conheci-
mento o Bem. Este bem comparado .10 Sol (SO?c-59b). Apesar
da clareza da analoga, Scrates nao forn ece detalhes de como o
Bem se conecta as dema s For mas. Muito j se discutiu sobre essa
omisso. Alm do fato de que o Bem "ilumina ", de um modo que fca
pouco claro no texto, as demais Formas, h a afirmacc em 50gb de
que o Bemest "almdo Ser". urna linguagem mstica, sem dvida.
Plat o parece querer dizer que o Bem nao definvel porque ele o
princpio de todas as coisas e, como tal , nao pode ser fundamentado
por nada mais , sob risco de perder o pasto de princpio primeiro. A
analoga com o Sol reforce essa da, pois se t rata de conceber o Bem
de modo anlogo .10 modo como vemos o Sol: ele nos permite ver as
coisas por melo de sua luz, mas nao o vemos diretamente, pos a luz
nos cegara. Assim o Bem: ele ilumina e dSer as demais Forma s,
mas nao podemos "entender-ver- o que ele .
Plato elabora urna imagem mais detalhada para que entendamos
o que ele est propondo em termos de conhecimento da realidade. o
mito da caverna, rujo texto transcrevemos na integra:
Scrates - Agora leva emcontanOS$a natureza, segundorenha ounaorecebdo
e compara-a como seguinte quadro: imagina umQ cavernasub-
terninea, comumaentrada ampla, abenoaluzemtoda QSUQexrenso, L
dentro, Qlguns homens se encontram. desde a in{imcia. amarrados pelQS
pernas e pelo pescoco de tal modo que permQnecem imveis e podem oihar
tQo-somente para a {rente, pois as amarras nao lhes permitem volcar a
Numplano superior, atrsdeles, arde um{ogoQcertQdistanciQ. E
entre o{ogo eosprisioneiroseleva-se umcaminhonolongodoqualimQgina
que tenha sidoconstruidoumpequenomurosemelhante aos tabiquesque
ostiteriteiros nterpementresi e o pblicoa{im de, porcimadeles, [azer
movimentarasmarioneres
GIQUCO- Possoimaginar Qcena.
ScrQtes- Imaginatambmhomensque passamaolongodessepequeno muro
l. MITODACAVERNA- PLATO
Textos filosficos emdtsccssc
(1)
carregando uma enormevariedadede objetoscuja altura ultrapassa a do
muro: estatuas, e figuras de animais feitas de pedra. made;ra e outros
matenais diversos. Entre esses carregadores h, naturalmente, os que
conversam entresi eos quecaminham silenciosamente.
Glauco - Trata-se deumquadro estranhoedeestranhos prisioneiros.
Scrates - E/es sdo como ns. Acreditas que tais homens tenham visto de si
mesmose deseus companheiros outrascouas quemio assombras projeta-
das pe/o fogo sobre aparede dacaverna quese encontra diante deles?
Glauco - Ora, como isso seria possvel se foram abrigados a manter a
imvel dura'ltetoda avida?
Scrates- Equ:mto aosobjetostransportados 00longo do muro. mioveriam
apenas sombras?
Glauco - Certamente.
Scrates - Mas. nessas condif&s, se pudl'SUm conwrsar unscomosoutros,
mjo sup&s quejulgariam estarsereferindo aobjetos reais 00mt"ncionar o
quevem di:mtedesi?
Glauco - Sem amenor dvida
Scrates - Esses homens, absolutamente. nao pensariam que a wrdadeira
realidade pudl'SUseroutra coisasendo assombrasdosobjt"tos fabricados.
Glauco- Sim, fOrfosamente.
Scrates - Imagina agora o que sentiriam, se fossem libertados de sees
grilhOes e curados de sua ignorancia, na hiptese de quelhes acame-
cesse, muito naturalmente. o seguinte: se um deles fosse libertado e
subitamente forfado ase levantar, viraropescOfO. caminhar t" enurgar
a luz, sentira dores intensas ao[azer todos esseemovimentos e, com a
vista ofuscada, seriaincapaz deenxergar osobjetos cujas sombras e/t"
vio antes. Que respondera ele, na tua opinido, se lhe fosse dito queo
que viaatentdoeramapenassombras inanes, equeagora, achando-se
mais prximo da rea/idade, com os olhos voltados para objetos mais
reais, possua visdomais acurada?Quando. enfim, 00 ser-ihemostrado
cada umdosobjetos que passavam. fosseele abrigado, diantede tantas
perguntas, a definir o queeram, n60supeesque ele ficariaembarafado
e consideraria queoque contemplavaantes era mais verdadeiro doque
osobjetos quelhe erammostrados agora?
l. MITOOA CAVERNA - PLATO
Glauco - Milito mais verdadeiro.
Scrates - Eseele fosse abrigadoa fitar a propria luz, ndo acreditas que lhe
doeriam osolhos e queprocuraria desviar oo/har. valtando-separa os ob-
jetosquepodio observar, considerando-os,enrao, realmente maisdistintos
doqueaquelesque/he eram mostrados?
Glauco- Sim.
Scrates - Mas. seoafastassemdaIiQ forra, obrigando-o agalgar asubida
sperae abrupta e ndo odeixassemantes qut" nvessesidoarrascada ci
presenca doprprio n60crs queele sofreri ae se indignaria deter
sidoarrastadodesse modo? Ndo eris que. umavez diante daluz dodio.
seus olhos ficariam ofuscados por ela, de modo a mio poder discernir
nenhumdos seres considerados agoraverdadeiros?
Glauco- Nao poderia discern-los, pelo menos noprimeiro momento.
Scrates - Pensoqueeleprecisara habituar-se, a fim dt" estar emcondife5
de ver as coisas do a/to dt" ondt" se t"ncontrava. Oque veria mais fadl-
mente senam, em primeiro lugar. as sombras; t"m seguida, as imagens
dos homens edeoutrosseres refletidasnaguae, fi na/mente, osproprios
seres. Aps, elecontemplara. maisfacilmente, duranteanoite, osobjetos
celestese os propriociu. 00 elevar osolhosem Q/uz dasestrelas e
dalua- vendo-o maisclaramt"nuqut" 00 sol01.1 asualuz duranteodia.
G/auco- 5emduvida.
Scrates - Por fi moacredito, poderia exergar o prprio sol - nao apenas sua
imagemrefletida nagua01.1 emoutrolugar-, emseulugar, podendo v-/o
econtempl-lotalcomot.
Glauco - evidentequechegariaaestasconc/usOes.
Scrates - Mas, lembrando-sedesuahabilidade anterior,daciencia dacaverna
que alse cultiva e deseus companheiros de couveim, ndo ficariafeliz por
haver mudado e ndo lamentarapor seuscompanheiros?
Glauco - Comefeito.
Scrates - Ese entre os prisioneiros houvesse o costume de conferirhonras,
louvores e recompensas aque/es que fossem capazes de prever eventos
futuros - urna vez que distinguiriam com mais precisao as sombras que
passavam e observariam me/hor qua;s dentre elas vinhamantes, depois
00 mesmotempo- , ndo crs que invejariaaqueles que astivesses obtido?
Trx[os filosficos r m
(1)
Cre quesentiria cimes doscompanheiros que, poressemeio, alcanfaram
aglria e o poder, e que niio diria, endossando a opiniiio de Homero, que
melhor 'lavrar a tena para um campons pobre" do que partilhar as
opnies deseuscompanheiros eviversemelhantemente vida?
Glauco - Sim, emminhaopiniiio elepretenna sustentaresta a voltar
a vivercomo antes?
Scrates - sobre o seguinte: se esse homem retornasse acaverna
e fosse colocado no mesmo lugar de onde safra, mio eres que seus olhos
iicar am obscurecidos pelas trevas como os de quem foge bruscamente
da luz dosol?
Glauco - Sim. completamente.
Scrates - Ese lhe fosse necess rio reformular seu juzo sobre as sombras e
competircom aqueJes que permaneceram prisioneiros, no momento em
que suavisiio est obliterada pelas trevas e antes queseusoJhos a e1as se
adaptem - e esta demandaria umcerio tempo - , no acreditas
queesse homemseprestariaajrxosdade?Nao lhediriamque, tendosafdo
dacaverna, a elaretornou cego e que nao velera a pena [azer seme1hante
experiencia? Enaomatariam, se pudessem, a quemtentasselibert-los e
conduzi-Ios paraa luz?
Glauco - Certamente.
(Repblica, 514a-517c, troducao de MariaE. M. Marcelina in:A Repblica:
Iivrovi . Brasiia: EditoraUNB, 1996.
A pr imeira coisa que deve ser dit a acerca desse texto a riqueza
de detalhes com que Plat o sintetiza o argumento central da Repblica.
Conforme vnhamos abordando, esse argumento consiste na demons-
t raco da analogia entre as forcas da alma e os elementos da Cidade. No
t ext o acirna, a Cidade a prpria Caverna, povoada por pessoas que,
"desde a infancia", est o com os p s e o acorrentados. Observe-
se que a primei ra linha do mi t o di z que a alegoria qu e vir a seguir urna
referencia a nossa natureza.
Scrates dsse ern (517a) que a alegoria da caverna deve ser compa-
rada ao que foi exposto anteriormente. O que foi exposto anteriormente
a idia do Bem como causa do conhecimento de todas as coisas, por meio
da imagem do Sol (S07c-S09c), e a Linha Dividida (S09d-511e), urna linha
coro quatro segmentos que Platopede para que o leitor imagi ne. Elarepre-
senta os quatro estgios de saber. Platc sugeriu que a linha seja divida em
dois segmentos desiguais e depois estes dois segmentos em mais quatro
segment os, segundo a mes ma proporco.
Para ficar ma is claro o que Plato est sugerindo, vamos repre-
sentar o contedo dessa linha por mei o de dois diagramas. O primeiro
rep resent a a esfera Inteligvel, qu e indica a parte superi or da linha. O
segundo a dimenso da opini o, a parte inferior da linha. As subdivi-
ses correspondem aos sub-nveis dess es dois segmentos. Note-se que
na esfera int eligvel o que est no topo a Forma do Bem, e na esfera
sens vel, a Opini o.
FORMADOBEM
o lado esquerdo refere-se aos estados mentais, o lado
direito ao contedo do conhedmento.
,)
l. MITODACAVERNA - PLATO Textos filosficos emdscusso
(1)
o lado esquerdo refere-se aos estados mentais, o lado
direito ao contedo do pensamento.
Agora observe como no mito da caverna h tambm quatro est-
gios: 1) Os prisioneiros esto no estgic das "imagens", pois vem apenas
sombras dos objetos que esto senda transportados no muro atrs deles. 2)
Quando sao libertados dascorrentes, os prisioneiros passarn para o estgio
da "crenca", no qual vem os objetos que causam as sombras e reflexos pela
primeira vez. Estes objetos, pcrm, ainda nao sao objetos "reas", pois sao
simulacros: "estatuas, e figuras de animis fetasde pedra. madeira e cutres
mat eriais diversos", Not e-se que permanecer no interior da caverna equi-
vale a permanecer na dimensc da opinio, mesmo que ela seja verdadeira,
caso dos prisioneiros que descobrem os simulacros. 3) Este estgio 0 0 mit o
da caverna representa o pensamento no diagrama. o primeiro contato do
sujeito com a realidade real, sendo que o sol, fora da caverna , representa o
Bemque est no topo da linha. 4)Adiferenra entre o nvel 3e 04 no mito da
caverna urna quest c de grau e de extenso do conhecimento. Na linha, o
nvel 3 equivale adimenso em que o sujeito exerdta seu pensamento com
hipteses, sobret udo no ramo da matemtica. NonveJ4 ele alcance. ent o,
urna visogeral de todos os objetos e conceitos existentes, ultrapassando o
,
Imagnaco
(eikasa)
Sombras e
Reftexos
plano das hiptesespara chegar nos prncpos efetivos. Notexto do mito
da caverna o momentoeroqueele reccnhece osol comofonte da luze do
cresdmento dos seresnaturais.
la) Qual osentido do mito da Cal'ema hoje?
Ero6.1050fi3. preciso muito cuidado nestas comparares entre o
que o filsofodisse ero seu tempo e o que se passa no 00550. Isso vale,
sobretodo. para o mito da caverna. urna imagem cujo ccntedo diz
respeito aos aspectos cognitivos e morasdo genero humano. Oque ela
tem de verdade nao para nossa poca, mas para todas as pocas. O
poder da imagem est, precisamente, ero sua capacidade de ser atual
emtodos os tempos.
Noentanto, evidente que alguns aspect os da vida mode rna est o
ret ratados no mito. Ainsistencia de Plat o em tracar urna linha dvis na
en t re a opini o e o conheciment o ap resenta um cont raste com a valori-
aaco das opines e palpit es do cidado comum pela mdia televisiva.
Out ro aspecto que merece destaque o fat o de Platodescrever no mito
que o prisioneiro libertado das correntes , quandc volta ao ambiente que
viveu e conta o que sabe, t ratado com hostilidade. A mensagem do
mito sombria num sent ido que sabemos estar ligado ao destino de
Scrates. Aqueje que sau da caverna deve cercar-se de cuidados para
que nao seja conduzido amorte pelos que esto na caverna.
Quanto 030 tema das Formas, precise cautela. O que Plato
chama de Formas sao, de fato, idias que possuem mais realidades que
as coisas existentes no mundo. Todos os leitores da Repblicaentendem
deste modo o conceito. No pormenor, porm, o livro VII mostra que as
Formas devem ser objet os de pensamento. Tais objetos exercitam no
filsofo O afastamento das realidades t ransitrias e sedutoras da vida
cot idiana. Sao ent idades que norteiam a investigaco filosfica, que por
sua vez comanda a cidade. Qualquer teori a filosfica tem esse tipo de
conceito. O que diferencia Plat o a insistencia na at ribuko de "mas
ser" a tas conceitos que as prprias coisas.
l. MlTODACAVERNA - PLATAo
Textos fiklsfKOlI emdiscusso
(1)
fiLMES
As indiea,dts dos fz lmtsabaixo so contribui,&$ do Professor SaTldro Pemandes.
MATRIX .
Ofilme tratasobre urnailuso possvel da realdadequeconhece-
mas. Neo urohacker que tema oportunidadede descobrir a verdade.
pois acreditamque ele o escclhidoe o predestinado a salvar o Mundo
da iluso que a Matrixescondede ns.
Cenaimportante:Acena que sedestaca a que Morpheus entrega
a Neo duas plulas das quais ele dever tomar apenas uma: a plula da
luso ou a da realidade. Esta cena apresenta a d a do Mito da Caverna,
quePlatc escreveu hmasde2400 anos. Algumas pessoas que viviam
numa caverna descobrem uro mundo fora da caverna e devem escolher
ent re a ilusc de que o nico mundo existent e a caverna ou tomar-se
consciente de que h out ra realdade alm da que ele conheca.
Out ros filmes que ebordam este tema:
Show deTruman
- A fuga das galinhas
l. MITODACAVERNA - PLATO
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WATANABE, L. A., Platio: por mitos e hi pteses. S"oPaulo: Moderna, 1995.
Trillos filosficos ero
(1)
l . MITO DACAVERNA PLATo
o PRNCIP
NICOLAU
Maria Lda de Andrade
M sendo meuintento escrever algo til para quemme
ler, parece-me mas conveniente procurar a verdade
efetiva da cosa do que urna i m a g i n a ~ a o sobre ela"
(MAQUIAVEL, 1993- cap. xv. p.72.),
JI. J CONnXI' III STRICO
Em1434, Florencaestava submetida ao poder da familia Mdici:
Cosimo o Vel ho (1389 -1464) e seu net o Lorenzo o Magnfico (1449 -
1492) governarama cidadeeromomentos difceis. AItlia encontrava-
se fragmentada ero repblicas e pr incipados independentes - para citar
os principais: Ducado de Milo, Estado de Florenca, Reino de Npoles,
Repblica de Veneza e os Estados Pontifldos, sem uro poder central
forte corno os jestabelecidos erooutros pases. Essa divisoprovocava
desentendimentos ent re os principados, que, enfraquecidos, sofriam
nvas es e depredaces de franceses e espanhs.
Cosimo e Lorenzo tentaram urna polt ica de pacificaco, impe-
dindo que um Estado tivesse predominio sobre os outros, mas nao foi
Textos filosficos em discussc
(1)
o suficiente. Depois da morte de Cosimo, o poder da familia Mdid
decaiu aos poucos, mas Lorenzo de Mdici (1469) conseguiu at rar o
POyOpara seu lado, bem como algumas familias influentes da cidade,
escapou de um atentado da fami lia Pazzi que, em 1478, consplrara m
contra os Mdici, conjuraco que cust ou a vida de Juliano de Mdici
(1453 - 1478), mas nao conseguiu realizar seu grande intento de ellmi -
nar Lorenzo de Mdici. Nesta ocasioe circunstancia, a cidade e o POyO
tomaram partido de Lorenzo , que saiu com seu poder fortalecido. Os
Mdici, como bons ama ntes da arte, t raziam para sua corte inmeros
artistas como Botticelli, Perugi no e Ghirlandaio, o que os t omou conhe-
cidos como grandes mecenas.
Foi em meio a essas circunstancias que os novos pensadores refle-
tiam acercade sua realidade e sobre as exigenciasde seu tempo, nao mais de
urna perspectiva religiosa, teolgica ou moral, mas humanista, que nasceu
Nicolaude Bernardo Maquiavel, em Plorenca. a 3 de mao de 1469.
Lorenzo morreu em 1492. em um momento de tenses internas,
foi subst itudo por Piero de Mdici (1471-1503), jovem que. sem nenhu-
ma experi nda ou pr tica poltica, cedeu as presses de Carlos VIII, rei
da Franca, que redamou a coroa de Npoles, recebendo de Piero algu-
mas fortalezas do litoral toscano; esse fato poltico gerou a revolta dos
florentinos, que se rebelaram com a covardla do jovern govemante, que
foi expulso e exilado; as te ns es que se seguiram prepararam a repblica.
O poder foi assumido por Girolamo Savonarola, um frade dominicano,
que se pos icionava contra a cortupco poltica e a degeneracao dos
cost umes e at ribua aos Mdici tal decadencia. Savonarola reclamou pela
restauraco da repblica, que foi instaurada em 1494, porm em 1498
Savonarola foi condenado .\ fogueira, principalmente por posicionar-se
contra o papa Alexandre VI. O govemo passou ento as mos da famlia
Soderi ni. Durante o governo de Piero Soderini (1502 - 1512), MaquiaveI.
com ent o 29 anos, exerceu o cargo de secretario da Segunda Chancelana,
cuidando dos assuntos externos de Florenca. Apartir de 1502, Maquiavcl
se t ornou conselheiro e homem de confianca de Soderini.
. oPRI NCIPE NICOLAU MAQUlAVEl
A pennsula tornara-se cenrio de langas lutas com a Franca.
Espanha e o imprio Alemo: constantemente atravessados por exr-
cit os mercenrios, alguns estados italianos mostravam-se impotentes
e buscavam alanca e proteco entre os pret endentes mais poderosos.
Ento, Maquiavel foi enviado pelo governo republicano a Franca,
A1emanha e a outros lugares, para tratar dessas aliancas, o que desper-
tou seu interesse pelas ques tes polt icas e fez com que ele percebesse a
fragilidade dos principados itali anos.
Essa partcipaco ativa na vida poltica de Florenca fez ccm que
Maquiavel fosse escolhido para o cargo de secretrio dos Nove das
Milicias, ini ciando um processo de recrutamentc e organizaco de
urna milicia florent ina para substituir, segundo Maquiavel, os caros e
perigosos exrcit os mercenarios.
Por m, em 1512, as tropas espanbolas conquistaram Florenca
e derrubaram, a repblica florentina; a milicia cvica nao resisti u .10
cerco espanhol e Soderini foi exilado; Maquiavel perdeu todas as suas
funces junto ao Estado florentino e, acusado de conspiraco, foi preso.
Aps sofrimentos e humilhaces, Maquiavel foi inocentada e libertado,
resolvendo reti rar-se em urna pequena propriedade rural (quinta), he-
ranca de famili a. Lorenzo de Mdid (1492 -1519). bisneto de Lorenzo
o Magnfico, assumiu o poder.
Naquinta, aps 14anos em vida poltica(1498 -1512), Maquiavel.
comecou urna nova fase na sua vida, distante da prtca poltica e do
cenrio polt ico, perodo de gra ndes refiexes, que o transformaram em
um dos maiores escrit ores polt icos da modemidade. Foi nesse contexto
de derrota polt ica e de solidc voluntaria que Maquiavel escreveu seu
livro mais famoso e controvertido: OPrncipe.
Mas Maquiavel nao se Iimitou aproduco de O Prncipe: ainda
em 1513 escreveu simulta nea mente os "Discursos sobre a primera
dcada de Tito Livo", que abordava a problemt ica da nstauraco e
conservaco do regime republicano , trabalho que foi provavelmente
finalizado em 1517. No per odo de 1513 - 1520, escreveu ainda sobre
Textosfilosficos erodiscussJ.o
(1)
"Aarte da guerra". Em1520, o cardeal Jlio de Mdici, responsvel pela
Universidade de Plorenca. contratou Maquiavel por 2 anos para redigir
"anaise cr nicas", dando origem.10 escrito conhecido como "Historias
ficrenrnas". Entre outras produces, Maquiavel destacen-se coma p e ~ a
teatral "Amandrgora" (1518).
Maquiavel ofereceu seu manuscrito, O Prncipe, a Lorenzo de
Mdici, pois tnha a convicr o de que o jovemLorenzo poderia traduzir
emaco poltica os conselhos contidos emseu manuscrito e tomar-se o
prncipedestinado a unificara Itlia.
Nesta obra, Maquiavel afirma que a polticaconst itu urna esfera
da existencia humana que, estando relacionada comvarias outras, nao
pode ser confundida nem com a tica nem com a religio. Maquiavel
Inicou, portanto, urna maneira realista de pensar a poltica, que foi
sua marca registrada na histria do pensamento poltico moderno.
Segundo Maquiavel, no captulo XV de O Prncipe, para se ter urna
boa compreens o dos problemas enunciados preciso antes confiar
na "verdade efetiva" das coisas e nao ficar "imaginando repblicas e
monarquas que nunca existiram". por isso que Maquiavel nao part e
de axiomas e postulados, mas de exemplos apresentados por autores
cl sscos como Tito L vo, Polbio, Tucidides, Tcito e Xenofonte, alm
da histria mais recente e de sua experiencia pessoal como enviado da
Repblica florentina em rnisses diplomticas.
Maquiave!propunhaodeslocamentoda vsopolticatericapara
a pr tica, ou poderamos fazer um trocadilhc e afirmar que Maquiavel
simplesmente fez da pr tica poltica urna teoria.
Podemos dizer que o verdadeiro propsito de Maquiavel, .10
escrever O Prncipe, pode ser compreendido em seu ltimo captulo
(XXVI) : "excrt aco a tomar a Itlia e lbert -la das mos dos brbar os"
(MAQUlAVEL, 1993, p.120), ou seja, sua pretenso nao era a de apre-
sentar uro manual para prncipes aspirantes, mas de escrever sobre a
arte de conquistar e de manter o poder poltico e at mesmode criar uro
novo Estado.
Maquiavel faleceu em 1527 sem vvendar a unificaco italiana,
a estabilidade do governo e com os seus benefcios conseqentes a
rornunidade, pos a formaco do Estado italiano semente acorrer no
sculoXIX.
11. 2 APRESENTAl;:O DA OBRA
Il.2.1 Bstrutumgeral daobra
A interpretaco que segue ficou centralizada na letura de O
Prncipe, sem fazer ligaces com outras obras/produces do pensador
florentino.
Podemos dizer que a primeira letura de O Prncipe parece de
fcil comp reens c devido a sua clareza estilstica, por m, de carter
impactante e polmica quanto as suas idas: ac buscar os comen-
tadores, percebe-se que a compreenso nao t o simples, visto que
existem diversas leituras e nterpretaces acerca da obra, na maioria
das vezes divergentes entre si. O livroest divididoem 26 captulos, e
neles Maquiavel refiere e apresenta os problemas polticos de sua poca,
desenvolvendo urna teoria do poder.
Nos captulos r a IX, Maquiavel escreve sobre o que um prin-
cipado e sobre os tipos de principados, q llP podem ser: hereditarios,
mistos, eclesisticos ou novo;reflete tambmsobre a maneira pela qual
sao obtidos, o modo pelo qual sao conservados e as razes pelas quais
sao perdidos. O que interessa a Maquiavel o problema da aquisko
do poder em geral ern uro principado novo ero part icular. Ea atenco
para o principado novosurgedo nteresse de Maquiavel pelaquest oda
unificaco italiana, poiso prncipe que unificasse a JUlia deveria iniciar
seu feito partindo do zero, ou seja, criando um novo estado fundado
nas conquistas e na virtu do governant e. Pode-se estabelecer ainda a
seguinte diviso, dos captulos III at o VII, Maquiavel descreve como
acorrea aqusico de umprincipadoemuroterritrio estrangeiro; e nos
Il. OPRINCIPE NICOLAU MAQUIAVEL
Textos filQsfiCQSerndscussc
(1)
captulos VIII e IX, a aquisicona pr pria patria.
Os captulos X e XI t ratam da defesa contra inimigos externos,
sendo que este ltimo considera esta questo de um ponto de vista
mio muito usual , porque questiona se os principados eclesisticos, que
sao baseados na religi o, precisam de armas para defender-se. Dessa
manera, Maquiavel conclui sua investgaco acerca dos diversos t ipos
de pri ncipados.
Nos captulos XII at XIV, Maquiavel tr ata do caso do prncipe
que pode permitir-se criar um exrcito e, em par ticular , a quest o de
qual dever ia ser a natureza desse exrcit o: se mel hor para o prncipe
recor rer as milcias mercen rias ou formar urna milcia cvica.
Dos captulos XV ao XXV, Maquiavel trata da figura do prncipe e
das regras de conduta que ele deveri a seguir. Com respeito aimagem do
prncipe abordada por Maquiavel nesses capt ulos, deve-se sublinhar 4
conceit os fundamentais, a 11m de se entende r a posco de Maquiavel:
vircu, ocasi o, fort una e necessidade.
No capt ulo XVIII, Maquiavel compara o prncipe a um centauro,
que compartilha a nat ureza humana e a ani mal. Assim, o prncipe deve
saber usar qualidades prprias de dais anim is, por um lado a ferocida-
de e a forca do leo, e por out ro lado, a astci a da raposa, a capacidade
de dissimular e a habilidade de enganar os out ros. No capt ulo XIX e
sucess ivos, Maquiavel insiste na refor mulaco da imagem t radicional
do prncipe, aconsel hando-o a nao fugir do dio em geral, mas somente
do dio do POyO, pois sem t er o pavo a seu lado, o pr ncipe se encontrar
em grandes dificuldades.
No cap t ulo XXIII Maquiavel aconselha o prncipe a nao confiar
nos aduladores e naqueles que oferecem conselhos nao solicitados. Um
prncipe prudente o rnelhor consel heiro de si mesmo e nao precisa de
outro. Al m disso, Maquiavel diz que as virtudes menci onadas em O
Prncipe sao cons ideradas apenas em seu car ter poltico, pois o prncipe
deve te- las ou parecer te-las, para alcancar o sucess o poltico e nao para
tornar-se um individuo moralment e melhor.
No cap tulo xxv. Maquiavel escreve sobre o papel da for t una (sor-
te ou dest ino) nas coisas humanas; nest e capit ulo Maquiavel revela seu
at aque a tradic o c1ssicae el id ia de Fort una como deusa da fataldade
e dos golpes de sorteo Afirma que a for t una pode ser vencida pela raao
e pela virtude dos hornens, concl uindo que, se a fortuna urna pessoa
dotada de vontade, ela tambm mulher e pode ser domi nada e batida
particularment e pelos impetuosos e pelos jovens, "porque sao menos
t midos, mais ferozes e a dominarn com maior audacia".
Ocapt ulo XXVI, consiste em urna exortaco no sentido de libertar
a It lia do domnio das potencias estrangeiras, corno Franca, Espanha e
o imprio Alemo, constituindo-se em um convite ao principe para ser
audaz e feroz, a fim de alcancar xito.
11 .2. 1 TEMA rFi NTRAJ. DO TEXTO: PODER
A obra de Maquiavel consiste em sua t otalidade numa refiex o
sobre o PODER, mas nao visa ao poder ero si, mas o PODER como
instrumento irrenuncivel para unificar urna comunidade poltic a, para
dar-lhe ord em, seguran\a e deix-Ia prosperar, portanto organizar a vida
poltica. Alm disso, para Maquiavel. t odas as relac es inter-humanas
sao relaces de poder; por isso necessario conhecer o funcionament o
do PODER, em suas vrias circuns tancias par a se obter sucesso. O
prncipe deve agi r com vnis, dominando a fortuna, t ermos empregados
por Maquiavel para interpretar os dais plos em torno dos quais giram
o sucesso e o insucesso das aces.
Lembrando que virt descrita em O Prncipe nao para t ornar
o ind ividuo moralmente melhor, mas para alcancar o sucesso poltico.
Por isso, vrt nao t ero relaco com bondade e justca, mas siro com
forca e valor, e est intimamente ligado ao de fortuna (oport unidade,
ocasio, acaso). Segundo ARANHA, 1993, p.61, o prncipe virtuoso
nao o pr ncipe bom e just o, mas aquele cuja virt ude se encontra na
atividade - mais pro pri amente na capacidade de aproveitar a sit uaco
II. O PRNCIPE NICOLAU MAQUlAVEL Textos fil osficos era dscusso
(1)
com energa e xito; o homemde virtu aquelecapazde agir de forma
adequada no momento certo. Em suma, a virtis poltica consiste na
capacidade de deds oque permite conquistar e manter o poder. Assim
a virtude maquiaveliana se mostra na aco contundente e decisiva, que
revela a prudencia do observador atent o. O prncipe virtuoso aquele
que aproveita a sttuaco para realizar as mudancas necessrias e assim
alcancar seus objetivos. Por isso, segundo Maquiavel, melhor que o
prfncipe alcanceo poder pela virtue pela fortuna do que pelo crime.
Maquiavel reflete por metforas que sugerem interpretares
divergentes. Por exemplo, compara o prndpe a umcentauro, que com-
partilha a natureza humana e a animal. Assim, o prncipe deve saber
usar qualidades prprias de deis animis: por um lado, a ferocidade e
a foeca do Ido, e por outro lado, a astcia da raposa, capacidades que,
combinadas, permitem organizar a vida poltica e conquistar o poder.
Um prncipe deve saber usar as duas naturezas e qualquer urna delas,
sem a outra, nao duradoura (MAQUIAVEL. 1993. p.82-3).
Maquiavel exploroua linguagemmetafrica- da naturezahumana
ea animal- paraexplicara necessidadedeoprncipepossuirdeterminadas
habilidades para sair-se bem no contexto poltico, como, por exemplo, o
prncipedeveria possuir a capacidade de persuadir e de dissimular (rapo-
sa), porm o fato de o prncipeser capazde persuadir os sditos de algo,
nao seria garantia suficiente de que eles continuariam a segu-lo, sendo
assim, ao mesmo tempo, a forca (leo) se tornara indispensvel para o
prncipe manter o que havia conquistado. Essas habilidades, comporiam
a capaddade requerida ao prncipe, que era a de operar para dominar os
processos imprevsiveis (contingencia) docenricpoltico.
11 .2.2 PODER POLTICA
Sabendo-se que toda relaco de poder politica, devemos refietir
sobre o significado desse poder, desvinculando-o principalmente da
concepcocorriqueira de que poltica existe emumuniverso isolado do
cotidiano e trabalhado apenas por polticos profissionais, para entend -
lo como uro conjunto de relaces que est c presentes ero nosso roa-a-
da, isto , relaces que implicam escolhas e decis es e que devemos e
podemos ser atuantes politicamente, pois a poltica afeta nossa vida e
dos que est o a nossa vclta, ou seja, o poder nterfere dretamente na
vidadas pessoas.
11.2.3 PARA REFLETIR
Machado de Assis, no cont o Ateoria do medolh o, p.22/23/25,
conta-nos que um pai visando ao seu filho urna bela carreira poltica,
d-Ihe conselhos "imorais" no roa em que este est completando sua
maioridade:
"Podes per eencer a qualquer part ido. liberal, OY conse rvador, republicano
ou ultramontano, com a cUusula nicade noligarnenhuma diaespecial
a esses vccabulos,e recon hecer-lhes semente a utildade [...[ Rumina bem
o que te disse, mI'U filho. Guarda das as proporres, a conversa desta ncire
vale o Prncipe de
1- Pela leitura do fragmento de texto vec conclu que Machado
deAssis consideraMaquavel ummaquiavlico, no sentido depredativc
do termo? Justifique sua resposta.
otrecho de textoquesegue foi retiradodoOPrncipe, docapitulo
XVIII, p.84-5:
"A um principe, por tento. nao necessario ter de fat o todas as
quahdades 1...1, mas lndispens vel parecer t-las. Alias, cusare
dizer que, se as t ver sernpre, scr o danesas, ac passo que, se pare-
cer te-las, serc t eis. Assim, deves parecer clemen te, fiel, humano,
integro, religioso - e s-lo, mas com a condir o de est er es com o
11. oPRINCIPE - NICOLAUMAQUIAVEL TUIOSfilosficosemdiscusso
(1)
nimo disposto a, quando necessario, nao o seres, de modo que
possas e salbas como tornar-te o cont rar io. preciso entender que
um prncipe, sobretudo umprncipe novo, nao pode observar todas
aquelas coisas pelas q...as os homens sao considerados bons, sendo-
lhes freqentement e necessno, para mante r o poder, agir cont ra
a f , cont ra a caridade, contra a humanidade e cont ra a religio.
Precisa, portante, ter o espirito preparado para voltar-se para onde
lhe erdenarem os ventas da for tuna e as vanaces das cobas e, [ ]
nao se afasrat do bern, mas saber entrar no mal, se necessar io. [ ]
Cuide pois o prncipe de vencer e manter o estado: os rneios sero
sempreulgados honrosos e louvados por t odos, porqut' o vulgot'st
sernpre voltado para as aparnclas e para o resultado das relsas, e
nao ha no mundo seno o vulgo; a minora nao tem vez quando
a maicna tem ende ~ p apniar. H 11m prncipe nos t empos at uas,
cujo nome nao convmcitar, que nao prega curra cosa senc a paz
e a lealdade, sendo porm inimigo de ambas; e tanto urna como
cutres se aStivesse observado. lhe teriam mais de urna vez tirado a
reputacc e o est ado".
PENSE:
a) Deque forma os fragmentos de textos apresent ados retratam
o significado de poltica?
b) H algode poltico nesses art igos?
c) Como falar em tica poltica em sociedades marcadas pela
diviso e discriminaco social e ainda consti tudas por ho-
mens nao-politizados, port anto incapazes de intervir como
cidadosconscientes?
d) possvel haver urna base moral ou tica para apoltica?
e) Como a socicdade dcvcria ser organizada?
11.3 TEMAS I'RESt:Nn:S NO TEXTO
Poder, poltica, maquiavlico, moral/ tica, organzaco da vida
poltica, unificaco nacional, patriotismo, fortuna e virtu.
otermo "maquiavlico"
Geralmente o adjetivo maquiavlico empregadc de modopejo-
rativc para referir-se a pessoas lnescrup ulosas, calculistas, de p ssma
influncia, que utilizam qualquer meio para obter determinado fim,
est ainda associado adta de perfidia, a uro procedimento astucioso,
velhacoe tracoeiro.
Apalavra maquiavlico vem de Maquiavel, nome do pensador
florentino, autor de O Prncipe. Nessa obra, ele refietiu sobre os
assunt os polticos de sua poca, sobre os feitos de grandes gener is e
de conquistadores, retirando da lices e conselhos a serem seguidos
por todos aqu eles que quisessem manter-se no poder: vontade firme
e dedses acertadas que nao prejudicassem seus sditos. Alm disso,
Maquiavel buscou a combinaco ent re teoria poltica ou arte poltica
com a an lse e compreenso histrica da sociedade, para a elaborac o
de um programa de aco capaz de mobilizar, consdentizar e apaxonar
os homens.
Ser que Maquiavel era realmente "maquiavlico", no sentido
pejorativo do termo?
preciso que o governante saiba analisar as circunst ncias para
agir e, para se conservar, que aprenda, segundo Maquiavel a ser mau
e que se utilize ou dexe de se utilizar disto conforme a necessidade.
H certas coisas que parecem virtudes e, se pmticadas, provocericm a
ruina, eoutras que parecemvicios os quais, seguidos, trazembem-estar
e tranqilidade ao govemante.
Oprncipe prudente devesaber que prefertvel a repblicaatoma-
da violenta do poder, maisfcil satisfazer aoPOyO doqueaos poderosos,
poisa inimizadee odesejode oprimir destes os tornamincontrcl veis. Os
s ditos permanecem Ieais quando o prncipe consegue se fazer necess-
rio. preciso possuir umexrcito pronto a atacar, ser disciplinado, evitar
o luxo, respeitar a propnedade, as tradices e promover a prosperidade.
Oprncipedeve agir compr udnda eequilibrio, naoser desconfiado nem
confiante. Eissodeveocorrer, segundo Maquiavel, porque
II. o PRNCIPE NICOI.AU MAQUlAVEI.
Tutos filosficos em dlscussao
(1)
geralmen!e se pode afirmar o seguinte acerca dos homens: "que so in-
gratos, volveis, simulados e dissimulados, fogem dos pergcs. saovidos
de ganhar e, enquanto lhes fizeres bem, pertencem tnteramente a ti , te
oferecemosangue, o patrimonio, a vidae os filhos (...}desde queo pengc
estela distante, mas, quando precisas deles, revoitam-Sl" (MAQUlAVEL,
1993, p.79).
Para Maquiavel a arte de governar implica acertos e erros e,
quando se corrige um problema, logosurgemoutros. Aprudencia est
exatamente emsaber conhecer a naturezados inconvenientes e adotar
o que for menos prejudidal comosendo bom.
Podemos diaer que Maquiavel naoeramaquiavlico, nosentidope-
jorativo do termo, pois emOPrncipe eleafirma que se, o principe agisse
sernpre de m-f , se fosse o tempo todo inescrupuloso, naoconseguiria
manter-se no poder. Se fosse arbitrrio e usasse da violencia gratuita,
tambmseriadespojado dopoder, pois o usodaviolencia deve ser cuida-
dosoe econmico, pois Maquiavel sabiaque, quando setratava dechegar
aopoderoude mante-lo, todotipodeambico e decorrupco surgiam.
Os fins justificam os meios
Aproveito para falar da mxima atribuida a Maquiavel, de que "os
fins justificamosmeios", cujamxima imputada aele, justamenteporque
Maquiavel descreve o universo poltico como senda urna guerra, mas do
queisso, talmxima estigmatiza opensamentodeMaquiaveLAssimsendo,
aboa a ~ a o poltica consistiria naquela que conseguisse atingir, naoimporta
como, os resultados almejados: conquistar e conservaro poder, visando ao
bemcomum. lssoimplica, comoficaclaro na letura de OPrincipe, o aban-
donoda tica crist e a separaco entre a moral pblica e a moral privada,
emoutraspalavras, eleproclama a secularzaco da poltica.
Segundo BIGNOTIO, 2003, p. 33, o que Maquiavel nos ensina
que no mundo da poltica a escolha entre vicios e virtudes se revela
mais complexa do que quando levamos emconsideraro apenas nosso
prprio comportamento.
Poderamos dizer que o grande valor de sua obra est ero que
ela pe a nu os instintos da cobica, da avareza, do mando, que sao os
eternos m6veis da almahumana.
ParaMaquiavel. a existencia deurnaesfera ticaespecifica do go-
vernante marcada por umpadro prprioeoriginal, o quelhe permite
determinadas atitudes e aces quando se coloca ero jogo o interesse
do Estado. Apoltica, portante, possui exigencias que nao podem ser
satisfeitas por urna ticavoltada adefesa de valores temporais. Ela pre-
cisa, noentanto, de valores e poderencontr-les emlugares diferentes
daqueles ensinados pela religio. Por isso, a tica se toma insuficiente
para mostrar aogovernante como agir napolticaemtodas asstuaces.
devendo, portanto, segundo Maquiavel, predominar o conhedmento
poltico emdetrimento do conhecimento moral/tico.
Encontramos nocaptuloXVIII deOPrncipe, aexpresso darelaco
entrearnoraVtica eoxito poltico, faca, pois, oprncipe tudopara alcancar
e manter o poder; osmeios dequesevaler serna sempre julgadoshonrosos
e louvados por todos. Segundo BARROS, 2004, p.203, 0 campo poltico,
portanto, possui urna tica de fins, nao de meios, importando apenas o
resultadoda condutaprincipesca quedeve preservaraordemestatal".
Maquiavelespedfica noOPrncipe, queaticadeveser umcompro-
misso entre a eficda poltica e o moralismol a tica que o povo requer,
a interpretaco que o legislador dar da vontade geral ser tambm um
compromisso entre a justica da lei e o poder do Estado. Sendo assm,
cabe eo principesaber escolher o que o far atingir os objetivos a que se
destinou, sabendoquecaminhar paraa runasecontinuar a agir apenas
segundoos principios da moral religiosa. a stuar o poltica que dirige
a moral/a tica dogovernante e naoumidealemsi do beme do mal;da
ser necessarioac govemante para manter-se, aaprender a naoser bom, e
usar ou nao usar o aprendido, de acordocoma necessidade.
Segundo Maquiavel, os vcios mudam de natureza e tornam-se
virtudes pelo xito e a devocao ao interesse geral. O xit o o critrio, e
almdsso. testemunha sabedoria e virtu.
11. OPR1NCIPE NICOLAU MAQUIAVEL
Textos filosficos erndiscussc(1)
11.4 IlI ALOGANDO CO:\I O TEXTO
Todas as passagens de OPrncipe, queseguem, foram extradas da
traducc de Maria Jlia Goldwasser (Sao Paulo: Martins Fontes, 1993
- ColecoClssicos).
Nao ser abordado .10 longo do t ext o as divergentes interpreta-
res acercado OPrncipede Maquiavel. Porque a anlise da influencia e
da recepco deseu pensamento no mbitoda histria da fil osofia polt i-
ca, constituirla urna outra produro. Ccntudo importante mencionar
duaslinhas prinripas de interpretaces, que, segundo PINZANI, 2004,
p. 49, assimse apresenta: l a) a que consi dera Maquiavel urna espcie de
demnio - "OId Nick- - e seu llvro, urna obra diablica, apresentando,
portanto, urna postura e urna le tura "ant iMaquiavel-; 2') a que o ron-
sidera uro genio incomparvel e incvador. pioneiro no reconhecimento
das verdadeiras leis da poltica.
Fundafiio e preservafiio do Estado
Nos primeiros captulos de O Prncipe, Maquiavel apresentou sua
preocupacocoma fundaco, conquista, preservaco e defesa do Estado, pois
compreendia que sem Estado praticamente nao haveria qualquer vida civili-
zada, tal qual hava sido legada pelos gregos e romanos. Por isso, a fundacc
de urn Estado novo nao era somente urna questo de fortuna; ao contrri o,
tratava-se de urna [uta decisiva do govemante de virtu contra a fortuna.
No captulo IX em especfico, podemos dizer que Maquiavel viu
na figura de um pr ncipe de virus, a nica soluco para o esfacelamento
italiano, soment e ele seri a capaz de criar os fundament os necessrios a
urna nova vida civil, ou seja, identifi cou o prncipe de vrt como senda
o nico sujeito capaz de tal tarefa.
Costumam estes principados corre r perigo quando salta m da ordem civil
para a ordemabsoluta. Como esses prtndpes governa m ou por si prprios
ou por interm<l io de magistrados, neste ltimo caso sua sit uar n mais
precaria e pengosa, porque dependem ern tuda da vontade dos ddados
que foram nomeados magist rados, os quais, sobretudo em tempos
adversos, podem facilmente lhe arrebatar o governo, quer at acando-o,
quer nao lhe prestando obedlncia. O principe nao ter tempo de recobrar
a autoridade absoluta em meio ao perigo, porque os ddadcs e sditos,
acosturnadcs a receber ordena dos magist rados, nao acararo suas nessa
emergnda : [...1Por isso, um prncipe s.i.bio deve encontrar ummodo pelo
qua! seus cdadcs, sempre e em qualquer tempo, tenham necessidade do
estado e dele; assim sernpre lhe serc fiis (MAQUIAVEL, IX, p. 47--.8).
Segundo LARIVAILLE, 1998, p.147, o captulo IX de O Principe
no quaJ a teorizaco da passagem do principado civil (urna espcie de
presidencia obtida sem violencias e sem int rigas, gral;as ao apoio de
urna parte da populaco) para o principado absoluto visa precisamente
superar as dssenses intestinas que minam o Estado e a craco de urna
aut oridade principesca, a nica capaz de restituir a vida e o vigor as
instituices corrompidas.
Maquiavel elaborou, no capit ulo 11 de O Prncipe, urna primeira
classficaro, na qua! separou os principados hereditrios dos principados
novosoSegundo Maquiavel, era mais fcil conservar um Estado heredit-
rio, ruj as sditos j estavam habituados a urna familia que reinava, ou
seja, os pri ncipados hereditarios tinham urna ordem estabeledda por
seus antepassados, do que um Estado adquirido recentemente, um Estado
novo. Por isso, eje procurou, no captulo 11, p.5-6, discutir e mostrar como
os principados hereditrios podiam ser govemados e mantidos.
Digo, assim que, nos estados hereditrios e acostumados adinasti a de
seus prncipes, d o bem menores as dificuldades para se governar do que
os novos, pois basta nc descuidar da ordem inst it uda por seus ant epas-
sados e, depois. saber contemporizar os acidentes, para que um prncipe
de capacidade mediana mantenha-se em sua pcskc, desde que nao seja
privado dela por alguma f o r ~ a excessva e extracrdin na . E ainda que o
seja, 3. reconquistara ao menor revs do usurpador. 1...1o prncipe natural
tem menos necessdade de ofender; dal resulta que seja mais amado; e,
se vicios excepcionais nao o tomarem odioso. compreenslvel que seja
I. OPRINCIPE- NICOLAUMAQUIAVEL Textos filosficos erodiscussc(1)
naturalmente benquistc pelos seus. Com a antigidade e a continuidade
do poder,apagam-se as lembrancas e as raees das pois sempre
uma mudanca deiaa preparadas as fundaces de outra.
Mas, aestabilidade poltica dos principadoshereditrios eeclesis-
ticos naoseconstitua urna preocupaco paraMaquiavel, oquerealmente
lhe interessava era o problema da aqusiro do poder em geral em um
principado novo emparticular, pois era neste tipo de principado quese
encontrava a maior dificuldade de introduzir urna nova ordem, pois os
principados novos nao podiam beneficiar-se comos costumes ou a tra-
dro para se manterem. Senda assim, a atenco parao prindpado novo
surgiudointeresse maquiaveliano pela questoda unificaro italiana.
Digo, portanto, que nos principados completamente novos, ende h, um
novoprncipe, existe malar oumenor dificuldade para mant-Icconforme
seja maicr ou menor a virtu de quem o conquistou. Ecomo a pss.gem
desimples odadc a principe supoe virtu ou fort una, pareceque urnaou
corra dessas duas cosasameniza, em parte, menas das dficuldades. (...)
Aqueles que, por caminhos valerosos como stes. se tomam prlncipes,
conquislam o principado com dificuldade, mas o conservam com bcili-
dade. As dificuldades que rmpara conqust-lonascememparte da nova
ordem e dos novos mtodos que obrigados a lntroduzir para fundar
seu estadoe sua (MAQUlAVEL. Vl, p.24/S/6).
Para a const ruco de urna novaordem, o prncipe tinha de saber
lidar com a falta/ausencia de nstituices que regulassem os compor-
tamentos e a resistencia daqueles que seram govemados; por isso no
captulo lII, p.7-8, Maquiavel afirmouque:
no principado novo que estac as dificul dades. Em primeiro lugar, se nc
completamente novo, mas membro anexoa outrc (podendo-se chamar
o conjunto de principado misto), as alterar es nascem principalmente
de uma diculdade natural a todos os principados novas, que consiste
no fato de os homens gostarem de mudar de senhor, acreditando com
isso melhcrar. Esta trenca os faz tomar armas contra o senhor atual. S6
mas tarde percebem o engano, pela prpria experiencia de ter piorado.
n.OPRINCIPE NICOLAU MAQUlAVEL
Istc decorre de urnaoutra necessidade natural e ordinAria, a qual sempre
impeofender aqueles a quemse passaa governar, tanto comhomens em
armas quanto comoutras infinitas injrias que cada novaconquista acar-
reta. Assim, tens comoinimigos todos os que cfendeste .10 ocupar aquele
principado, alm de nc poderes continuar amigo dos que te apoiaram,
devido .11 impossibilidade tanto de atend-les conforme esperavam como
de usar contra eles umremdo fcrte, UIN vezque!hes devesobriga>es.
Pois, por mais que a1gumdisponha de exrdtos fortes, sempre precisar
do apcc dos habitantes para. penetrar numa. provincia,
Urna novaordem paraser instaurada, naodependesimplesmente
da vontade, o prncipe tinha de analsar as condires reais, ou seja. a
verdade efetiva, portanto; no captuloVII, p.37, Maquiavel dsse:
quem, portant e. num principado novo, julgarnecessnc garantir-se con-
tra os inimigas, vencerpelafon;.t ou pela fraude, fazer-seamadoe temido
pelo pavo, ser obedecjdce pelossoldados, eliminar aquelea
que podemou devemprejudidi-Io, introduzir mudarxas na antigaordem.
ser severo e grato, rnagninimo e liberal. ehminar as milicias infiis, crin
curras novas. manter as amiudes do rei e dos principes de modo que o
beneficiem comsclotude e temamc'end-lonc pode encontrar melhor
exemploque as acees deste duque.
Para Maquiavel era de fundamental importancia pensar: o apoio
veio de queparte da sociedade, dos grandesoudo POyo? Pois, o mbito
poltico naoera transparentee nemtodos portavam os mesmos desejos
ou defendiamos mesmos interesses. Maquiavel. no captulo IX, p. 45,
afi rmouque:
o principado provmdo povo ou dosgrandes, segundoa opcrt unidadeque
tver uma ou outra dessas partes. Quando os grandes percebem que nao
podernresist ir ac povo, comecarn a exaltar a fama de umdeles e o temam
prncipeparapoder, sobsua sombra, desafogar oaperne. Opovo tambm,
quando percebe que nao pode resistir aos grandes, d reputacoa algum
e o faz prncipe, para ser defendido por sua autondade. Quem chega ao
principado coma ajuda dos grandes manr m-secom mais dificuldadedo
que o que se torna prncipe coma ajuda povo.
Textos filosficos emdiscusso
(1)
Maquiavel, no capitulo IX, p.45, continuou sua reflexo, anal-
sando especficamente o apoioadvindo dos poderosos/dos grandes; esse
apoofaziacom queo prncipe estivesse"cercado de muitos que parecem
ser seus iguais, nao podendo, por isso, comand-los nem manej-los a
seu modo". Por outro lado, questionou e explicou que, se o prncipe
alcancasse o poder como apelodo POYO, ent oo prncipe encontrarla-se
mas tranqilo, conforme suas observaces no captulo IX, p. 45. Para
Maquiavel o prncipe deveriasatisfazer 030 poYO, porqueseus fins seriam
mais honestos que os dos grandes, visto que estes queriamoprimir en-
quantoaquelesqueriamnaoser oprimidos. Ento, doquefoi expostopor
Maquiavel, percebemas que a luta emtomo do poder infinita, urnavez
que os grupos emconRito nao querem alcancar o mesmo objetivo e por
isso a satisfacode umser sempre a insatisfaco do outro.
Oargumento maquiaveliano visou apresentar os contra-sensos,
pos, senda que a maior parte da populaco era a que tinha menor
acesso ariqueza e propriedade, e nao desejando, segundo ele, ocupar
o poder. mas sim proteger-se dos abusos que podiam ser cometidos
pelos que o ocupavam, o elemento popular tinha muito interesse em
assegurar e defender o governo e menos a ganhar com sua derrocada.
Portant e, o prncipe deveria eonheeer o funcionamento do poder em
suas vrias circunstancias para delas poder tirar proveitoe conseqen-
temente obter xito.
Segundo Maquiavel, evitar o eonflito entre o POYOe os grandes,
e entre os diversos participantes da vida da ddade, era umdesejo irre-
aliavel. Senda assim. se os conftitos sao inevitveis e fazem parte da
natureza dos homens, o importante nao erasuprim-lo. mas siroevitar
que destrussem a possibilidade de convive ncia entre os membros de
urna mesma comunidade poltica. Oque caberia, ent o, ac govemante/
prncipe, era procurar criar umconjunto de instituic es que ofertassem
urna arena na qual os embates pudessem ocorrer/acontecer. O que
Maquiavel quis dizer fo que, comoo poder se fundavano conftito entre
nobres e POYO, o bomgovernante (o prncipe de virtu) seria aquele que
reconhecesse o conflito e dele soubesse tirar o proveito necessario.
conseguindo, port ante, estabelecer o equilibrio.
Segundo LEFORT, 2003, p.42, essa situac c de jogo politico
induzia a imaginar o campo da poltica como um campo de forcas em
que o poder devia encontrar condkes para um equilibrio. O caso da
conquista era privilegiado sob esta perspectiva, pois tomava sensivel
o problema que o principe precisava solucionar, se quisesse se manter
no Estado. Tratava-se para ele de resistir .lOS adversrios criados por
seu empreendimento, de nscrever-se o mais rapdamente possvel no
sistema de forras modificado por sua prpria a ~ a o e cujas perturbaces
tendiama prolongar-se as suas expensas. Assim, suas ares eramdeter-
minadas peloestado de guerra emque se encontravaao mesmo tempo
perante outros prncipes e perante seus sditos; sua poltica nao podia
ser seno urna estratgia anloga ade um capit c que, tendo ocupado
sobre o campo a posicocobirada, aplicava-seem desmanchar as inicia-
tivas de inimigosdecididos a rir-ladele.
Aps analisar os diversos tipos de principados: hereditrios,
mistos e os novos, Maquiavel sentiu-se obrigadoa consagrar o captulo
XI de OPrindpe a urna espde de Estadobemparti cular, que escapava
amaioria das regras que regiam os outros: o que elechamoude "princi-
pados eclesisticos". Segundo Maqulavel, eram Estados estranhos, pois
eram adquiridos da rnesma forma que os outros, por virtu ou por for-
tuna. porm os principes, no caso, os papas, conservavamo poder, nao
importando o que faziam e por que? Devido as nstituic es religiosas
que os regiam. Pois. segundo Maquiavel. no captulo Xl. p.52:
semente eles possuemestados e noos defendem: sditos, e naoos gover-
na.m; e os estados. por nao seremdefendidos, nao lhes sao tomados; e os
sditos, por nao seremgovcmedos, n30 culdam, nem podemseparar-se
deles. Lago, s esres principados sao seguros e felizes. Mas, senda eles
regidos por raaes superiores, que a mente humana nao pode alcancar,
nao fa. larei sobre eles, pois, senda erguidos e mantidos por Deus, seria
homempresunroso e temeraro. se disrcr resse a seu respeto.
Il. oPRINCIPE NICOLAUMAQUIAVEL Textosfilosfic03emdiscus.s.o
(1)
Formapio da milida e as t cnicas de guerra
Nos captulos XII a XIV, Maquiavel analisou a stuaco militar
italiana, que podia ser: prpria ou mercenaria. auxiliar ou mista e
discorreu sobrea fragilidade dos exrcitos mercenari os. Oexrcito que
Maquiavel idealizou deveria ser formado e recrutado na prpria d dade,
em especial nos condados rurals. Ele protegeria Plorenca dos ataques
estrangeiros, mas principalmente Ii vraria a cidade dos exrcitos merce-
nrios, que, nos momentos mais importantes e dfceis, colocavam em
risco a vida dos cidadcs ero vez de promoverem a devida defesa. Ou
seja, Maquiavel aconselhou o novo prncipe a evitar tanto a uti lizar c
de tropasmercena rias, quanto os exrcitos aliados, porquet ratava-se de
um recurso perigoso para sua independencia. Recomendou ao prncipe
constituir urnexrcito recrutado exclusivamente ent re os seus sditos.
SeMaquiavel discorreu insistentemente sobre esse assunto foi baseado
na experiencia que teve, quando, em1506, ele mesmo foi encarregado
de recrutar urna milcia florentina. Poi por issoque Maquiavel, afirmou
quesem urnamilicia nacional nao haveria como uro Estado apresentar
garanta algumadeseguran.;a externa e at mesmointerna, conseq en-
ternente a conservaco do Estado dependeria das aces acertadas do
prncipe. NocaptuloXII, p.56-7, Maquiavel afirmouque:
as armas comque umprmcipedetende Sf'U estado ou sao prprias, ou mer-
cennas ou auxiliares ou mistas. Asmercenarias e auxiliares sao inteis e
per gosas. Quem rem seu estado baseado em armas mercenarias jamis
estar seguro e tranquilo, porque elas sao desunidas, ambiciosas. indis-
opltnadas. infis, valentes entre amigos e covardes entre inimigos, sem
temor a Deus, nemprobidade potra comos hornens. Oprncipe apenas terA
adiada sua derrota pelo tempo que for adiado o ataque, seudo espoliado
por eles na paz e pelos inimigos na guerra.
Segundo BARROS, 2004, p.192.
por tropas mercenarias enrendam-se aquelas que, comandadas por um
conJottierl", alugavam seus serviros a um prncipe em traca de soldo. J
as tropas auxiliares seriam as que, enviadas por potencia amiga, viriam
em socorro do prncipe. Para Maquiavel. esses exrdtos erampor demais
perigosos, pois seus componentes nao lutavam por amor .1 patria. Seu
sonhoera a c r i a ~ a o de urna milicia. t1orentina. S6urnatropa formada pelos
prprios cidadosdo Estado poderladefend-locomvalor.
Nocaptulo XII, p.56, Maquiavel apresentou as bases de susten-
tacoda ordempoltica que pretendamser duradouras, pois, segundo
ele,os fundamentos dos Estados eramas les e as armas; portanto:
necessnc a um prncipeter bons fundamentos; caso rontrno, neces-
sanamente se arr uinara. Os prmcipais fundamentos de todos osestados,
tanto dos neves comodos velhos oudos mistos. do boas 1eis e boas armas.
Comonaose podemter boas lesande nao exstemboas armas, e ondesao
boas as armas costumamser boas as leis, dexare de refletir sobre as leis
efalareidas armas.
Maquiavel continuouseus comentrios acercados exrci tos me r-
cenriose enfatizou queesse tipodeexrcitoeradesunido. semf esem
le, pouco devorado ac Estado ou ac principe que o pagaya, maldotado
emnfantaria e emartilharia, e sub:netido a umchefe prestigioso (con-
dottiere), (cap. XII, p.57): "a razo disto eque nao temoutra paixo nem
razcque a mantenha emcamposeno umpequenosoldo, que todav a
nao suficiente para rnotiv-Ias a morrer por ti. Querernmuitoser teus
soldados enquanto nao h guerra; mas durante a guerra, queremfugir
ou ir embora".
Continuou Maquiavel, nocapituloXII, p. 62:
usaram todo engenho para afastar de si e dos soldados a fadiga e o medo,
naose matando nos combates, mas [azendo-se uns aos outros prisioneiros
sern resgate. Nao atacavam.a. noite as ddadcs, assim como defendiamas
ddades, nao atacavamos do acarnpamentc. Em torno do acampamento,
nao construiamfossosnempaltcadas. nembatalhavamno Inverno. Todas
estas mi sas estavamincluidaseroseus cdigos militares e foramconcebi-
das. como foi dito, para escaparcm fadga e aos perigos. Assim, levarama
Ita liaa ser escravizada e vilipendiada.
n.OPRINCIPE NICOLAU MAQUlAVEL Textos filosficos emdiscussro
(1)
oproblema, constatado por Maquiavel, acerca da derrocada dos
exrdtos mercenrios italianos, naosedevia somenteao valorou ao nao
valor dos soldados, mas, devido essencialmente apostura e a acc do
prncipe, que nao apresentava nenhurna perspectiva guerreira e muito
menos talento para se impar aos outros e, principalmente, acabar com
as divises.
Segundo Maquiavel. a acomilitar deveriaser urnaarte, e que ela
s6 seria posta emprticapor umprncipeeondottiere, porqueo universo
poltico era urna guerra. Epor isso, o prncipe deveria exercitar a todo
moment oa arte da guerra, fosse comexerccios militaresoucoma leitu-
ra de clssccs, uroprncipedeveria entender de exrcitos, mais do que
isso, o conhecimento militar deveriaser exclusividade do prncipee sua
paixo. Podemos verificar essa percepco e compreensc de Maquiavel,
no captulo XIV, p. 68-9:
umprincipe nao&w jamai.s .a!uur o pensamentodo exercio daguem
e, durante a paa, pn tic-La mas anda do que durante a guern. Isto
podeserfritodeduasmaneiras, comobns ecomamente1._.Jdeve portan-
to umprncipe nlo teroutroob;etivo. nempensamento, nemtomar como
arteseaasa a.lguma quen10 sejaaguern, suaonJeme disciplina.porque
esta a nica arte que compete a quem comanda. Ede tanta l'irt'U que
naos mant m aqueles quej nasceramprncipes. comotambmmuitas
veaes permite que homens de privadaascendam ao
Inversamente, ve-se que os prncipes que pernam mais cm rt'finamento
doque nasarmasperdem seuestado.Aprimeira razo que televa aperder
teu estado negligenciar esta arte, e a raac que te fazconquist-le ser
versadonela.]...] N:io hqualquerrornpararoentreumhornero armadoe
outrodesarmado;nao razovelqueumhornero armadoobedece debom
grado a quem esteja desarmado, nemque o desarmado se sinta seguro
entre servidores armados, pois, hacendo desdm em um e suspeita no
outro. nao possivel que entrem em acorde. Purtanto, um prncipe que
naoentenda deexrrito, almdeoutros inconvenientes, comodissemos,
n.io pcderserestimado por seus soldados nemconfiar neles.
Por ser aguerraoexercciodoprncipe, eporser elaquepossibilitava
a mobilidade social, tambmensejava ao simplescidado ascender ao po-
11. OPRINCIPE - NICOI.AU MAQUIAVEL
der, porque a prtica da arte cIa guerraeraa nicaquese esperarla claquele
que estava no govemo, e ela era de tal valla, que nao apenas sustentava
os que nasceram prncipes, como, muitasvezes, fazia comquehornens de
condicc privada tivessema oportunidade deascender ao poder.
O prncipe, capaz de reerguer e regenerar a Itlia e libert-la
dos brbaros, e de promover a uncaro da pennsula, seria aqueje
que conseguisse compreender a real necessidade da formaco de urna
milicia nacional, apresentando no capituloXXVI, p.123, qual deveriaser
a ttica a ser adorada pelo prncipe:
sen necessno, antes detudo, comoverdaderc fundamento de qu.alquer
empresa, formar exrdtos prprios., porque nlo pode h.a.ver soldados
mais fiis, nem mais verdadeiros, nem melhores. Se cada um deles ind-
vidualmente for bom, todos juntos ateda serac melhoresquando se virem
comandados por seu pr1ndpe, prestigiados e cuidados por ele. precise,
portante, preparu esses exrcitcs para poder. coma virtu italia na, defen-
der-se dos estraegeres.
Semarmasprpriasnenhumprincipadoestar seguro;alis, estar
inteiramente amercda fortuna, nao havendo virtis que confiavelmente
o defenda na adversidade. Sempre foi opino e sentenca dos hornens
sbios quodnihil sit tamnrmumaut instabilequam fama potental nonsua
vinixa. (Nadahde mais instveJ e fracodo que a fama de urnapotencia
que nao se apa na prpriaforra) (MAQUlAVEL, XIII, p.67).
Virtu e Fortuna
"Aintelignciada forra, mais do que a prpria forra,
est no coracoda poltica." (Claude Lefort].
Osignificado de virtit e fortuna tem sua origem na cultura dssica,
Os romanos tratavam a deusa Fortuna com admraco e apreenso. Ela
significava oinesperado, oacaso, a inconstancia; atribtam-Ihe ogovemo do
mundo e a representaco na figurade urnamulher que, por ser denatureza
Tutosfi losficoserndiscussc
(1)
, I
caprichosa, distribua obemeomalaseubel-prazer. Ouseja, eraapresentada
comoaquelaque retrava dos hornens rudoaquilo queconqustaram, quando
decida mudar o curso das coisas sem aviso previo. Contrapondo-se a ela,
aparecia a vtrta, que representava a fortalezade animo, a determinaco e a
solidez, enfima torca, masaliada aracionalidade. SegundoMaquiavel, avirtu
tinha dais componentes: a torca e a razo. Aforca a energia criadora e a
violencia fsica, ja razo sancionada pelaprticapoltica, o conhecimento
doquej triunfouea previso doque provavelmente poderla triunfar.
Nocaptulo XXV, Maquiavel pensou acerca doalcance dasaces hu-
manas, rompendocomo"mprioabsolutodafortuna!sorte",poisnaohavia
comoculpar ouatribuir as escolhasa sorte/ fortuna. AprincipioMaquiavel
invocou a viso criste de seus contemporneos acercada fortuna, ou seja,
de que os homens estariamimpossibilitados de alterarem o curso de suas
aces. devido aaco da fortuna; portanto, o que decorria aos hornens pauta-
se na fatalidade. Porm percebemos que ern seguida Maquiavel veio tecer
urna crtica a essa visc e apresentou urna visohumanista, assegurando
que os hornens, no caso, os prncipes, erarn dotados de livre-arbtrio (l-
berdade), conseqenternente os hornens t inham controle sobre a fortuna,
e que ela estava nas mos e nas aces dos prncipes, quer dizer que estava
nas mos de um hornero de virtu, garant ir a estabilidade de um govemo,
pois a virru, dizia respeito aeapacidade do governante/prncipe de agir de
maneira adequada no momento adequado.
Naoignoroquemuitos forame saodeopiniodequeascotsasdeste mundo
saogovernadas pelafort una e por Deus, e que .lOS homens prudentes nao
selhe s podeopor eat nao t m remedioalgumcontra elas. Por tsso, poder-
se-a julgar que nao devemos incomodar-nos demais rom as relsas, mas
deixar-nos governar pelasorteo Estaopinio tem-se reforcado ernnossos
das devido as grandes variar es que foram e sao vistas todos os dias,
alm de qualquer conjetura humana. Pensando nisto, as veaes me sinto
um tanto inclinadoa esta opini o: entretanto, jque o nosso livre-arbitrio
nao desapareceu, julgo possrvel ser verdade que a fortuna seja rbitro de
metade de nos sas aces, mas que tambmdexe ao nosso governo a outra
metade, ou quase (MAQUI AVEL, XXV, p.116).
11. OPRNCIPE- NlCOLAUMAQUIAVEL
oconfront o entre o governante e a adversidade foi apresentado
por Maquiavel na metfora que se t ornou a mais conhedda, quando
comparou a fortuna
a um desses rios impetuosos que, quandose irritam, alagamas planicies,
arrasamasarvores eascasas,arras tamterras deumladoparalevaraoutro:
todos fogem deles, mas cedema seu mpeto sem poder det -los emparte
alguma. Mesmo assim, nada impede que, vohando a calma, os homens
tornem providencias, construambarreiras e diques, de modoque, quando
a cheia se repetir, ou o rio flua por um canal, ouSUd forra torne-se menos
livree danesa. Omesmoaconteceroma fortuna, que demonstra sua forra
ande nao encontra uma virtuordenada, pronta para Ihe resistir e voltar
seu Impero para onde sabe que nao foram erguidos diques ou barreiras
para cont -la (MAQUlAVEL, XXV, p.117).
Para Maquiavel, o pr ncipe para se man ter no poder deveria saber
conter/controlar os efetos desast rosos do impondervel. Afrmula para
tal vit ria sobre os infort nios da fortuna, residira na virtu, ou seja,
perceber a necessidade poltica e agir conforme o imprio das circuns-
tand as. Principalmente, porque a fortuna aparecia como urna forca que
nao podia ser inteiramente dominada pelos homens, pois da fortuna o
governante conheca somente os efeitos e o fato de que ela podia sempre
se manifest ar - conti ngncia -, mas nunca suas vontades e o moment o em
que iria lancar "seus fios". Portanto, segundo Maquiavel, seria o poder, a
vir ilidade humana, capaz de agir e dominar o curso das coisas humanas,
imprirnindo nos acontecimentos as mudancas necessrias arealizaco de
grandes obras era o que garantia a conquista e conservaco do poder.
Por isso , eram tao predosos os conselhos de Maquiavel no ca-
ptulo XXV de O Prncipe, quando exortava os governantes/prncipes a
cons t rurem ba rragens contra a fri a da fortuna, pos, dizia ele, penso
poder ser verdade que a fortuna seja rbit ra de metade de nossas aces,
mas que, ainda assim, ela nos dexe governar quase a outra metade.
Portante, a fortuna, segundo o autor, s avancaria quando o governante
nao est ivesse prevenido para resistir-lhe .
Textosfilosficos em discusso
(1)
Maquiavel conduiusua anlise no captuloXXV, p.133-34, demons-
trando que a virtil podia conquistar e dominar ou driblar a imprevisibili-
dade da fortuna , mesmo quando a conjuntura nao parava, se ogovemante
mostrava-se dispostoa persegu-la; para isso, fazia-se necessrio paciencia
e prudencia; .10 surgir a oportundade e a ocaso nao devia hesitar em
utilizara violencia, seelaIosse indispensvel. Dza ele:
estou convencido do seguinte: emelhor ser impetuoso do que timido.
porque.ll fortuna ~ mulber, e enecessario, para domin-la, bater nela e
contrui-1.l. Vl-se que ela se deixavencer m.1S pelos que .lIgem assrn do
que pelosqueagemframente: e, come mulher, esempreamig.ll dos jcvens.
porque do menos tmidos. mae feroaes e a dominamcommaior aodoa.
Dom-la era essencal, mas s6 o homem de vrtu conseguiria
realizar a faranha de manter-se no poder e no controle do estado ante a
tempestade da fortuna, isto , dos golpes e das tramas dos infortnios, e
assimobter xito: conseqentemente, somente o homemde vittis que
merecer govemar, porque o governante se tornava a personificacoda
lberdade de a{ao, do poder e da autonoma, que acabava por definir
suas aces contra a indeterminaco e a resistencia da fortuna. Segundo
BARROS, 2004, p.20S, virta. desse modo, para o secret rio florent ino,
nao um comportamento moral estabeleddo a priori, mas a a{aO que,
apesar de cruel ou ard ilosa , mantm o Estado; lago, o poder a maior
preocupac o de Maquiavel.
O homem/prindpe de vina. segundoMaquiavel, era flexvel, p o s ~
sula elementos docarter das duas naturezas: a do homeme a doanimal,
ou seja, oleoe a raposa, sabendo, portanto ser cruel ou astutoconforme
as circunstancias e oportunidades. Uro prncipe de vmu era aquele que
sabia aparentar urna qualidade valorizada socialmente, sem contudo.
possu-la de fato, conforme percebemos no captulo XVIII , p. 82-83:
devemos, pois, saber que exstem dais generas de combates: umcom
as leis e cutre coma forra. Oprimeiroe prpriodo hornero,o segundo
eo dos animis. Pc rm como freqe ntemente o primeiro r ae basta,
convmrecorrer .10 segundo. Portante, enecessanc .110 prncipe saber
usar bemtanto oanimal quanto o homem. {...l Visto que umprincipe,
se necessario, precisasaber usar bema naturesa animal,deveescolher
a raposa e o Id o, porque o Ido nao temdefesas contra os leeos. nema
raposa contra os lobos. Precisa. portante. ser raposapara conheceros
laces e Id o para aterrorizar os lobos.. os que fizeremsimplesmente .lI
parte do leo naoserc bem-suceddos. (...1Quemmelhor sesa quem
melhor sabe valer-se das quahdades da raposa. Mas enecessric saber
di sfarcar bem essa natureza e ser grande simulador e dissimulador,
posos homens sao taosimplese obedecemtantoas necessidades pre-
sentes, que o enganador encontrar ~ m p r e quemse dexe enganar.
Maquiavel pontuou algumas qualidades de um prncipe, a saber:
a prudencia, a audda. a generosidade, a crueldade, a demencia, a si-
mulaco, a verdade ou a mentira, a fidelidade ou a trak o, a liberalidade
e a avareza. Conduiu afirmando que semente a necessidade poderla
dizer qual dessas qualidades deveria guiar um prncipe, caracterizando
especficamente o homemde virru.
Como Maquiavel nao visava qualquer fimindiscriminadamente,
afirmou que quem qusesse governar comsucessoteria de se equilibrar
entre o ser e o parecer, pois ele nao cessavade dizer que era importante
para o prncipe encarnar algumas virtudes, ou parecer possu-las. Alm
disso, o prncipe teria de respeitar as leis e os cont ratos, mas deveria
recorrer a forca, quando os mecanismos de persuaso derivados da
apli caco da le nao se mostrassem suficientes.
Aoquestionar, nocaptuloXVII, p.79, se era melhor a umprncipe
ser amado que temido, Maquiavel enfatizavaque nao era necessario ser
amado verdadeiramente para governar, mas era preciso fugir do do e
do desprezo dos sdtos. Sendoassim, melhor
o prncipefazer-setemerdemodoque,senaoconquistar oamor, pelo menos
evitarodio, pcis perfeitamente posslvel ser temidoe nao ser odiado.110
mesmo tempo, o queconseguir sempre quese abstenha de se apoderar do
patrimonioe das mulhcres de scus cidadaos e sduos. Seprecisar derramar
osangue dealgum, deverIaz-lcquando houver justificativa conveniente
e causa manifesta. Mas, sobret udo, dever respettar o patrim moalheio.
Il. OPRI NCIPE- NICOLAU MAQUIAVEL
Tutosfi losficos11'10discusso EZC:==::'
(1)
Natureza humana e a postura do prncipe
Maquiavel aler tou os prncipes sobre a natureza humana dos
homens e que agir na pressuposico de que podia contar coma bondade
alheia seria expor-se ao perigo e aruina. isto , um prncipe nao devia
nunca confiar semente no amor de seus sditos; por isso, os prncipes
deviam se precaver cont ra a manifestaco da natur eza m dos homens.
Decorreu, portanto, da prpria concepco de natureza humana a noco
de poder poltico e o jogo das forcas polticas. No captulo XVII, p. 79,
encontramos a seguinte afirmaco acerca dos hornens: "so ingratos,
volveis, simulados e dissirnulados, fogem dos perigos, sao vidos de
ganha r e, enquanto lhes fizeres bem, pertencem inteiramente a ti, te
oferecem o sangue, o patri monio, a vida e os filhos, [...] desde que o
perigo esteja distant e; mas, quando precisas deles, revoltam-se".
A1m disso, Maquiavel enfatzou. no captulo XVII, p.BO. que os
homens sao rnaus, tanto que esquecem mais rapidamente amarte
do pai do que a perda do patrimonio (grifo nosso) .
Ecomo os hornens tendemadivso e a desuni o, ent o:
um principe prudente nao pode, nem deve, guardar a palavra dada,
quando Isso se torn a prejudieial ou quando deixam de existir as razes
que o haviamlevadoa prometer. Seos homens fossem t odos bons, este
preceit o n10 u n a hom, mal , como sio ma us e ni o mantem su..
palavra contigo, nio teas tambm que cumpri r .. tu(MAo.UlAVEL,
XVI II, p.SJ, grifo nosso).
Segundo Maquiavel, trata-se de urna prtica que visa alcancar e
controlar o agir huma no. Alm disso, segundo Maquiavel, observando-
se a necessidade de assegurar o poder e, hajavista a condc oda natureza
humana. no capt ulo 11I, p. l O. encontramos a seguinte ponderaco: "h
de se observar que os hornens devem ou ser mimados ou aniquilados,
porque, se verdade que podem vngar-se das ofensas leves, das grandes
nao o podem; por sso. a ofensa que se fizer a um homem dever ser de
tal ordem que nao se tema a vnganca".
Ainda Maquiavel, nos captulos VIII e XVII, enfatizou que cruel-
dades bem empregadas, aquelas que efetivadas de urna s vez, permi -
tiam ao prncipe govemar sem usar corrqueiramente a violencia. Essa
foi urna das estratgias que Maquiavel apresentou para que o prncipe
pudesse evitar a fria popular.
Poderamos dizer que, quando tratava-se de polti ca, nao exista
intrnsecamente urna poltica boa ou ruim, mas sim til ou danosa a
s e g u r a n ~ a do Estado; e como a Itlia precisava de um lder audacioso
e impiedoso, dotado de excepcionas qualdades polticas e militares,
frament e determinado a criar um grande estado, enfim, como a It lia
precisava de um homem de vrt e sbio, este deveria ser guiado antes
de tuda pela necessidade, ou seja. era aquele que sabia agir sobre a
possibilidade; senda assim.
precisoentender que umprncipe, sobretudo uroprncipe novo, nao pode
observar todas as cesas pelas quais os homens so considerados bons,
sendo-lhe freqente mente necessario, >.ara manter o poder, agir contra
a f, contra a caridade, contra a humanidade e contra a religio. Precisa,
portante, ter o espirito preparado para vcltar-se para ende lhe ordenarem
os ventas da fortuna e as variaces das relsas e, como disse adma, nc
se afastar do hem, mas saber entrar no mal, se necessartc (MAQUlAVEL,
XVIII, p.84).
Os homens precisavam de limites, porque suas paixes e seu
comportamento ameacavam constantemente derrubar eles mesmos
e o Estado, por m esqueciam imediatamente os castigos recebidos, se
bern aplicados. Por isso, segundo Maquiavel, o prncipe envolvido com a
poltica no deviam preocupar-se comos criterios morais vigentes, por-
que havia determinados viciosque eram virt udes e havia dete rminadas
virtudes que, postas ero prtica,levavam aruna, e por isso em alguns
momentos ver-se-la abrigado a agir de forma totalmente diferente
daquela que era julgada rnoralmentel eticamente carreta. O prncipe
deveria impar-se pela aparencia. pela dissmular o, para assegurar o
poder, como podemos perceber no capitulo XV, p. 73-74:
lI. oPRiNClPE NICOLAU MAQUIAVEL
sei que do dizer que seria muito louvvei que um prncipe, dentre
todas as qualdades (...[, pcssusse as consideradas boas. Nao sendo
sto por minteiramente possvel, devido as prprias condices huma -
nas, que olo o permitem, necessita ser suficientemente prudente par.
evitar a inUmia daqueles viciosque lhe tirariam o estado eguardar-se,
na medida do possivel, daqueles que lhe fariam perd -lo:ent retanto,
se no o conseguir, poder. sem grande preocupacc , drixa r estar.
Tarnbmolo dever importar-se de incorrer na infamia dosviciossem
os quais Ihe seria dificil conservar o estado porque, considerando tudo
multo bem, se encontrar ollguma coisa que parecer virtU e. sendo
prancada. levana 1 ruina; enquanto uma cctra que parecer vicio,
quem a pratcar poder akanrar s e g u r a n ~ e bem-estar.
Para Maquavel, o poder do prncipe tinha sua origem nos con-
flitos humanos e, por isso, s poderia ser conseguido pelo homem de
vin; o poder tnha, portante, a nica justificativa na forcae na astda
de quem o conquistasse. Segundo Maquiavel, .10 tratar de garantir o
poder e o Estado, muitas veees, para se conseguir um bem, tornava-se
justficvel que se pratcasse o mal. E. segundo BARROS, 2004, p.68, ao
dissertar sobre as relaces entre fortunae virtu, Maquiavel afirmar que
adquirir e conservar o comando estatal quem souber acomodar seu
modode proceder as conjunturas que se sucedem. Tal flexibilidade, ante
as variaces da Fortuna, o que caracterizao verdadeiro prncipe e o faz
perpetuar-se no governo.
Para concluir essa refiexo e caracterzaco da onipc tnda do
Estado, que se enc ontrava centralizada na pessoa/no homem de vina.
Maquiavel no captulo XVIII, p. 85, nos disse que
como no ht ribunal onde reclamar das acoes de todos os hcmens, e prin-
clpahnente dos prncipes. o que conta por fimsao os resultados. Cuidepois
o prncipe de vencer e manteeo estado: os meios serio .empre julgado.
honroso. e louvados por todos, porque o vulgo est sempre voltado
para as aparencias e para resultado das coisas, e nao h.i no mundo
sen o o vulgo; a minora nao tem vezquando a malcra tem onde se apoiar
(grifonosso).
11. OPRiNCIPE - NlCOLAU MAQUIAVEL
Paraaan liseouleiturapoltica, oquerealmenteinteressavaeram
os resultados das eces e naoas consideraces de ordemmoral ou tica,
principalmente, as crist s. Foi por isso que encontramos em OPrncipe,
segundoARANHA, 1993, p.75, um Maquiavel que abandona a perspec-
tiva da moral crist. e propeuma moral laica, mundana, manente. isto
, quando a moral deixade ser transcendente, os valores passam a ser
compreendidos a partir de urna lgica interna, a da realidade concreta
vivida pelohornem. Aa considerar a novamoral imanente, secularizada,
distingue os espa(os da moral e da poltica. ande nos movemos segundo
princpios diferentes. Na moral individual, o critrio nao depende do
resultado da aco (faze o que deves, acontece o que acontecer). Na po-
ltica, o critrio o resultado (fu e o que deves, a fim de que aconteca o
que desejas), porque a perspectiva da poltica a sobrevivendadogru.po,
e nao apenas do indivduo (grifo no texto original).
Idealismo e oportunismo
Podemos concluir, dizendo que no O Prncipe, oportunismo e
idealismo se confundiram, se misturaram. Maquiavel, em alguns mo-
mentos, fazia urna defesa emcausa pr pria, agindo com oportunismo
.10 buscar de algumaforma voltar a desenvolver as funces pblicas, das
quais foi abrigado a se afastar e, em outros, buscou incansavelment e
mostrar a necessidade de umprncipeque retirasse a Itlia do estado de
enfermidade emque se encontrava.
No captulo XX, p. lOO, encontramos a seguinte afirmac c
maquiaveliana:
Tm os prncipes. e sobretudo os novos, encont rado maior fidelidade
eserventia nos homens que ao inicio de seu principado lhes eram sus-
peitcs do que naquelcs que no comeeo Ihes inspiravam conance. 1...]
Direi apenas que com grande Iadldede o pr ncipe poder conquista r
os hornees que. no comeco de um principado. sao considerados inimi-
gos e que, para se mant erem, precisam de apoio. Pon osamente ter o
eles que serv-lo com lealdade, urna vez que sabem que Ihes mais
Textos filosf'Kosem diswsslo
(1)
necessnc afnda, em seu U.SO, ap.gar com atas a opno adversa que
se tinha deles. Assim, o prncipe sempre obter maior proveitc deles
que daqueles que, servmdo-lhecomexcessva seguran,.., negligenciam
os meresses do prncipe.
E no captulo XXVI, p. 121, Maquiavel aproveitou para elogiar os
Mdo, elevando a importanciada estirpe dos govemantes de Florenca.
pois Maquiavel entendeuque a oportunidadeestava na casados Mdici,
que coincidentemente tambm estavam a. frente da Igreja Catlica, o
que viabilizaria urna importante alianca assegurando a estabilidade do
govemo. Maquiavel, espedficou que a stuaco de Lorenzo era similar a
doduqueCsar Borgia (oautor reftetiu sobreoduqueesuasaces e situa-
{DeSnocaptuloVIO, oqualtinha contadocoma protecc de uropapa(no
caso seu pai Alexandre VO, dotado de planos audaciosos e ambiciosos, ou
seja, o de criar umprincipadode grandesdimenses na Itlia central.
W-se que a Italia roga a Deus que Ihe enve aIgum para redim-la da
crueldade e insolencia dos brbaros; ve-se que est inteiramente pronta
e disposta a seguir urna bandera. contento que algu m a can egue. Nao
h. atualmente, nmgu m em qucm , Italia possaesperar mais, do que de
VOl sa ilustre CASA que, com sua fortuna e virtil. foi eleta por Deu.
e pela Igreja - a ruja frent e "gora - para se tornar o chefe delta
(grifo nosso).
Alm dsso, continuou enfatizando a magnitude e a competncia
de tal familia, para realizar a tao almejada unificaco da ltlia, mas a
qual s poderia acorrer coma criaro de um Estadonovo; por isso, no
captulo XXVI, p. 124, disse para Lorenzoque:
assuma, portante, vossa ilustrt' casa esta quest o, comani moe a esperan,a
com que se empreendem os projetos justos, para que, sob vossa insignia,
seja esta pat ria enobrecida e. sob vossos auspicios, se verifique o dito de
Petrarca: Virt controa [urore prl'ndl'rd l'arme. l' sia 1'1 combaUtr (orto; Che
l'antico voiorenell'iralici cor nont an(ormorro CAvirtude, cont ra o furor,!
Tomar armas e que seja breve o combate,! Pois o antigo valor/ Nao est
morto no ccracodos italianos).
Podemos verificar nao somente a referencia a urna situaco
poltica que o novo prncipe pudesse organizar, mas a necessidade de
um prncipe que fosse capaz de prevenir ou de se antedpar aos males
que poderiamafligir ou acometer um Estado. Maquiavel comparou as
enfermidades do organismo estatal a urna mol sta humana - a tsica
- e afirmou que, nessa doenca. o nico modo de curar os males que
infestam o governo preveni-Ios. Portanto, quando o mal era difcil de
conhecer, era fcil de curar-se; quando era fcil de conhecer, era difcil
de curar, ent o comtal antevso, empoltica comoemmedicina, podia-
se remediar. Maquiavel expressou tal situaco tanto no captulo XXVI,
como encont ramos no captulo III, p.12, a saber:
precaver-se nao somente cont ra as discrdias at uais, como tambm
cont ra as futu ras, e evit-las com toda a per icia porque, prevendc.as
com ampla antecedncla, podemfacilmente remeda-las. mas esperan-
do que se avizinhem nlio haver tempo para trat -las, pois a doenca j
se tera tornado incuravel. Acontece, neste caso, o mesmo que dizem
os mdicos dos nsiccs : no principio o mal fcil de curar e difcil
de diagnosticar, mas, com o passar do tempo, nao tendo sido nem
reconhecdo nem medicado, torna-se mais fdl de diagnosticar e mais
difcil de curar. O me.mo acont ece nas eoilas do es tado, ji que,
qunldo se eonbe<em com antecede ncia (o que s ocorre quando
M li prudente) os m.ales que surgem, eles se caram facilmente;
mas quando, por ni. t erem sido identificados deixa-.e que
a ponto de todo. pass.arem a eonheci-lol. nio h mai.
remdio (grifo nosso).
No captuloXXVI de OPrncipe, percebemos claramente umideal
que iluminou as reflex es e argumentaces maquiaveliana acerca da
poltica e da natureza do poder, a saber: a unficar o da patria italiana,
que se encontrava fragmentada/esfacelada empequenos Estados e era
constantementevtirna deinvas es estrangeiras, das aces dos brbaros.
Para mudar esse quadro, a ltla necessitava de um monarca absoluto,
ou um ditador, algum que soubesse aproveitar a ocasio que lhe era
oferecida pela sorte para galgar os degraus do poder que se apresentava
1I. OPRJNC1PE NICOLAU MAQU1AVEL Textos fil osl1cO$ emdiscussio
(1)
para ele, mas que depois, com ele unificada e com a ordem e o equilbrio
restabelecidos, pudesse finalmente vir a t riunfar a forma republicana
de governo.
Para finalizar mos nossa exposko do texto maqulaveliano,
reportamo-nos ao filsofo Ant onio Gramsci, que nos diz em Maquiavel.
apolticae oEstadoModerno, que o Prncipe, al! contrario dos t ratados
sistemticos medievas, foi um Iivro "vivo onde a ideologa, a pol tica e
a ciencia fundem-se na forma dra mtica do mito" e que expressou nao
a idia isolada de um autor, mas urna vontade coletiva determinada
pela histria, pelas relaces econmicas e sociais. assim como pelos
interesses polticos. O livro era como um manifest o que apontava a
consclidaccda burguesa, o recua da Igreja. a lngua nacional popular
e a unficaco italiana que eram do nteresse de todo o povo. Gramsci
disse que. como nenhum prncipe preencheu as caracterisricas deseja-
das por Maquiavel, "seu carter utpico consiste em que o prncipe nao
existia na realidade histrica, nao se apresentava ao POyO italiano com
caractersticas de imediatismo objetivo, mas era urna pura abst raco
doutrn ria, smbolo do chefe, do dirigente ideal-oMaquiavel most rou
como devia ser o pr ncipe para levar um POyO afundaco de um novo
Estado, e Odesenvolvimento conduzido com rgor lgico nao passou de
urna reflexo acerca do pOYO, urn raciocinio interior que se mani fest ou
na consciencia popular e acabou em um grito apaixonadc e imediato.
Gramsd afir rnou que Maquiavel buscava um prncipe capaz de mediar
os fins da vontade coletiva das massas na conquista do poder e da
hegemo na cult ural e polt ica sobre o conjunto da sociedade civil e que,
contemporaneament e, o moderno prncipe capaz de tal a ~ a o seria o
partido comunista.
11. O PRI NCIPE- NICOLAU MAQUIAVEL
1
11.5 INDICAC;: A DE FILMES
UMASIMPLES FORMALIDADE
SACCO EVANZETTI
Textos filosficos emdiKuss.W
(1)
11 1.1 CONTEXTO HISTRICO
Luciana Teixeira
DISCURS DO
REN DESe
RenDescartes (1596-1650), sculo XVII . Nasceu ero 31de mar-
';0 de 1596, ero La Haye, urna pequena cidade do distrito de Tourane
- Franca, e chamada a partir de 1802 de LaHaye-Descar tes. Pertencia a
urna familia de burgueses enobrecidos. Morreu em Estocolmo- Suda,
aos 53 anos, no dia 11de fevereiro de 1650.
Descartes estudou letras no colgio jesut a de La Fleche. Nesta
instituico apr end eu latim. grego, poesia, gramti ca e retrica, alm
de Filosofia, que reuni a os ccnhecimentos de metaf sica, fsica,lgica,
matemtica e ti ca.
As refer encias histricas do periodo em que Descartes viveu
elucidam: a condenaco as novas teoras cientficas. Giordano Bruno
foi queimado vivo, Galileu Galilei, ero 1633, foi proibido de lecionar,
(...) o mal desgnio nc ensinar aqui o
mtodo que cada qua! deve seguir para bem
conduzir sua razo, mas apenas mostrar de
que maneira me esforc por conduzir a minha
(DlSCURSO.I, p. 38).
REFERENCIA
ARANHA. Marial.U.m deArrud.t. Maquiawl: a lgicada forca. 5,joPaulo:
Moderna, 1993. lagos)
ASSI5, Machadode: Teoria domeda/hao. Bauru - SP: EDUSC. 2001.
BARROS, Vinfcus Soares de Campos. Introdufooa Maquiavel:urnateora do
estado ou urna teora do poder? Carnpinas, SP: Edicamp, 2004.
BIGNOTTO, Newton. Maquiollel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
Filosol1a Passc-a-passc)
____ ' Moquiavtl rrpublicano. sao Paulo: Loyola, 1991.
GRAMSCI, Antonio. Mllquioll't:l. Q Poltica tO Estado Moderno. Ro de Janeiro.
Civilzaco Brasileira, 1991.
LARlVAILLE. Paul. Aluilia noUmpo deMaquDllel: Florencae Roma (trad. Jn.ttas
Bat ista Neto). Paulc:Ccmpanhia das Letras, 1988.
LEFDRT. (laude. Apr imeira figura da filosofia da praxis: urna mter pr et acc
de Antonio Gramsd. In: Optnsamentopotitico c1$Sico: Maqctavel, Hobbes,
Locke, Montesquieu, Rousseau. Solo Paulo: Mart ins fontes, 2003(p.09-33).
___ o Sobre a lgicada In: Oprnsamentopolticocassico: Maquiavel,
Hobbes, Locke, Montesquieu, RUUSSl' ilU . Solo Paulo: Martins Fontes, 2003
(p.3558).
MAQUIAVEL, Nicolau. OPrinpt'. (trad. MariaJ ulia Goldwasser). Solo Paulo:
Mart ins Fontes, 1993(Colecc Clssiccs).
MAQUlAVEL, Ncclau. OPrincipe. (tud. sao Paulo: Nova Cultural,
1996 Os Pensadores).
PINZANl, A1ess.andro. MQquiawf& O Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2004
Fosofia Passo-a-passo).
11. OPRNCIPE- NICOLAU MAQUIAVEL Talos filosficos r mdiscuss.loo
(1)
pos defenda a dia de que a Terra girava em torno do Sol. Vvia-se um
tempo de conflitos, crises e incertezas.
Ren Descart es, ou Renati Cartesius, quando escrevia em latim,
viveu durante o perodo de consolidaco do Estado moderno na Franca.
Na primera metade do sculo XVII, a Franca foi territrio de governos
mais estveis do que o restante da Europa. Apartcpaco dreta do pas
na Guerra dos Trinta Anos s ocorreu em sua ltima fase para decidir
o conflito e devido ao recelo frente ao fort alecimento do lmprio dos
Habsburgos (na Bomia e na Repblica Tcheca).
Descartes foi um personagem central na. Revoluco Intelectual
do sculo XVII na Europa; um dos fundadores da filosofia moderna,
do racionalismo, ou seja, de urna doutrina filosfica que apresenta a
razo, tomada emsi mesma e semo apooda experiencia sensvel, como
fundamento e fonte do conhecimento verdadeiro. Emoutras palavras,
a experiencia sensvel s tem valor e senti do, bem como seu uso na
prcduccdo conhecimento, dependentes de principios, regras e normas
estabelecidas pela razo.
O pensamento cartesiano, devdo ac temor excessivc da
Inqusco. absteve-sede urna postura mais destacada ern fsicae moral.
Por outro lado, na metafsica pde, com seu mtodo da dvida, inau-
gurar com firmeza urna nova forma de pensar. As dias de Descar tes
foram as mais sistemticas a refletirem a preocupar o, no inicio da
modemi dade, em considerar as pessoas como seres racionais e nao
como seres cujo destino est nas mos de urna autoridad e divina.
Osistema cartesiano na lgebra fezcomque Descart es fosserequi-
sitado por reis e rair.has a ensinar seu novo mtodo pessoalmente, como
o fez, ao atender aoconvite da Rainha Cristina da Sucia (1626-1689).
Durante suas meditaces fi losficas engajou-se no exrcito
holands de Maurcio de Nassau (1604-1679), entre 1618 e 1620,
como parte de seus planos de ler o livro do mundo. Emsua breve car-
reira militar, passou pela Dinamarca, Polonia, Hungria e Al emanha. Em
1620, Descartes encerrou sua carreira militar para dedicar-se apenas a
pesquisa cientfica e filosfica. Durant e os sete anos seguintes, escreveu
vrios textos inspirados na Sociedade Rosa Cruz.
Todava, .10 pensarmos em Descartes como fil sofo que inaugura
o pensamento moderno, imedlatamente nos vem amente a oposco
entre ruptura e continuidade na leitura da t radico. Aofalarmos dessas
duas poscoes podemos afi rmar que a ruptura com a tradco nao sig-
nificouque Descartes a ignorasse, mas sim que ele lhe fez urna crtica.
Sendo assim, a continuidade com relaco atradco nao significou um
repetir de pensamentos, mas urna retomada de temas dssicos para
lhes dar o t ratamento que o filsofo entendia ser masconveniente.
Acrtica atradicc, ou seja, a aluso amodemidade, no caso de
Descartes ao racionalismo- no proced.imento de que h urna separacc
ent re osujeito do conhecimento e oobjeto a ser conhecido - referencia a
id ia do termo motlpmo. Rm larim modernus foi utilizado pela primeira
vez no final do sculoVe passou a significara libertacode laces hist-
ricos, opondo o presente atradicc que transmite crencas e costumes
como um 60 entre geraces.
A cposkc .lOS acontedmentos advindos antes desse perodo
apresentada no racionalismo e determina quea consciencia, o pensamen-
te, osujeitotomampossvel cefeto doconhecimento. Oponto departida
a separacoentre o sujeitodo conhedmento e o objetoa ser conhecido.
Esta cscessencialdetermina a necessidade da pesquisasobre o mtodo
que bem conduza a razo e que permita vencer a exterioridade entre o
sujeito e o mundo, favorecendo, portanto, oacessodo sujeitoao objeto.
Para Descartes, bem como para todo aquele que expresseo pensa.-
mentodualista, rompe-seacontinuidadegreco-crist entre o mundosens-
vel eo mundointeligvel. Esta dso determinaa necessidadedeummtodo
para bemconduzir a razo e assim permitir que se venca a exterioridade
entreosujeito e o mundo, procedimento quefavorecer oacessodosujeito
ao objeto. Portante, Descartes faz urna oposk o a toda tradicc platnica
paraaqualoespirito humanoscapazdeaprender seuobjetivo, seestiver
iluminado por urnaluzcuja fonte ele nao traz emsi, mas que lhe vempela
111. DISCURSO DO MTODO - R E N ~ DESCARTES Textos fiJosOhcos emdlscusso
(1)
luztranscendente (idiade Beme de Deus). Descartes aindarecorre a. dia
de Deus para fundamentar o conhecimento do mundo sensrvel e dirige
todo seu pensamentc paraas pessoas que se valem de sua prpria razo
como guia de seupensamento e de sua existencia.
Descartes dirige sua obra "Discurso do Mtodo", um escrito ps-
medieval, queles que se valem de sua prpra luz natural ou razo. Sua
ntencoeraproconhecimentoaprovaafimdedescobrirumfundamento
seguro sobreoquala estruturade entendimento humanodeverla estar.
111.2 APRESENTAC;:O DA OIl RA
111.2.1 Estrutura da Obra
(...) Nao temerei dizer que penso ter tido muua fehodade de me haver
encontrado, desde a juventude, em cerros caminhos, que me ronduzirama
ccosderaces e mximas, deque formei ummtodo, peloqcal mepareceque
eutenha meie deaumentargradualmente meoconhecimmto,edeak...
pooco a pooco aomais alto ponto, a que a mediocridade de meuespirito e a
rurta de minha vida!he permitamati ngir (DISCURSO, !. p. 3n.
O Discurso do Mtodo escrito em primeira pessoa e dirigido ao
homemsimplese debomsenso. Discurso do Mtodo (l 63n , ou Discurso do
Mtodopara bemconduzir arazdo eprocurar averdade nas cinaas, urna auto-
biografia intelectual. Urna pedagoga da razo para a exposko e construco
de wn Mtodo de aquisico racional do conhecimento. da busca de urna
verdade absoluta, deumconhed.mentoverdadeirosobreascoisas davida, do
mundo; dividida emseis partesequeconfigura oracionalismodssico.
O primero ttulo em que pensou o autor era: Projeto de urna
Ciencia Universal que possaelevarnossa natureza ao seu mais altograude
peretio. O volume inclua tres outras obras, publicadas sob o titulo
"Ensaios desre mtodo, a saber: a tica, a Meteorologia e a Geometra"
(escrita coma ntenco de ilustrar matemticamente as consideraces
filosficas gerais do Discurso relativamente ao mtodo cientfico).
O mtodo (caminho) diz respeito a dia de como conduzir a
vida. Oobjetivo de Descartes encontrar urna. ponte entre opensamen-
to subjetivo e a realidade objetiva, ent re o mundo interior e o mundo
exterior. No Discurso do Mtodo, Descartes descreve sua formaco
intelectual, relata o desencanto que lhe causaramas letras e proclama
a. superiordade das matemticas. Finalmente. apresenta os preceitos
metodolgicoscapazes de conduzir o espirito a verdade.
Essa obra. se divide em seis partes e apresenta as etapas que
levaram o filsofo a criaco de uro mtodo de raciocnio cientfico,
apoiando-se emfundamentos firmes e irrefutveis, a saber:
descreve a formaco educacional do jovem Descartes e
sua insatisfaco como mtodo corno muitas materias t radicionais dos
currculos eram ensinadas; faz consideraces referentes as dncias.
Apresenta a experiencia adquirida mm suas viagens pelo mundo o
que lhe proporcionou a descoberta de urna variedade de costumes e a
aquisico de dvidas sobre tudo o que lhe fora inculcado por meio de
exemplos e hbitos condicionantes.
(...) tao lago a idade me permitiu sair da. sujeiyao de meus preceptores.
deixei inteiramente oestudo das letras. E, resolvendc-me a r c mals pro-
curar outra ciencia. alm daquela que se poderla achar em mimprprio,
cu ento nograndelivrodomundo.empreguei o resto de minhamocdade
emviajar(DISCURSO. 1, p. 41).
Assim, resolveprocuraremsuaprpria menteoc.aminhomais reto
que poderlatomar eroface das influenciasdeformadoras da. sodedade.
11 parte: vale ressaltar queas regras do mtodo, que a obraintitula-
da "Regras para a Dreco do Espirito" (composta de 21 regras), tambm
conhedda como: Regras para a Direcc de nossa Inteligencia Natural (co-
nhecda como Regulae, emlatim), escrita de meados parafinsda segunda
dcada do sculo XVII, mas nunca acabada.e publicada somente aps a
morte dofilsofo, que ele formula e aplica, sao resumidasousintetizadas
por meio de quatropreceitos na obra Discurso do Mtodo.
111. DISCURSO DOMTODO - DESCARTES Textos filosficos rm discussio
(1)
(...) resolv usar de tanta drcunspecc c em todas as coisas, antes de des-
pender bastante tempo emelaborar o projeto da obra que la empreender,
e emprocurar o verdadeiro mtodo para chegar aoconhecimento de todas
as cotsas de que meu esprito fosse capaz(DISCURSO, JI, p. 44/ 5).
Nesta segunda parte do Discurso, Descartes apresenta as quatro
regras cartesianas da seguinte maneira:
1. evidencia, 2. anlise, 3. sntese e 4. enumeraco.
Aprimeira recusa qualquer fato tidocomoverdadeiroqueo sujeito
nao possa reconhecer como evidente por si mesmo. Asegunda prope
decomporo problema empequenas partes mais simples, a timde facilitar
sua resoluco. Depois disso, eroterceiro lugar, ordenar os pensamentos a
partir daqueles sobre os objetos mais simplese fceis de compreender at
o conhecimento maiscomplexo. Por fim, fazer a revso geral e enumera-
(3.0 de todas as possibilidades semque nada fosse omitido.
Vale enfatizar que as regras do mtodo, cujo sentido facilitar o
uso da razo, devemguiar-nos sempre na procura da verdade, na busca
doverdadeiro conhecimento.
III parte: apresenta os rudimentos de urocdigo moral provisrio
comquatro mximas.
(...) a fimde naopermanecer irresolutoem minhas ar es, enquanto a razo
me obrigassea s-lo, emmeus juzos, e de nao dexar d viver desde ent oo
mais felizmente possvel, forme para miromesmo urna moral provisra,
que conslstia apenas cm tresou quatro mximas (DISCURSO, III, p. 49).
Essas mximas permitemaosujeito a tomada de deds es quanto
as ac es a serem realizadas externamente no convvio social. Baseiam-
se ero quatro regras:
a)obedeceras leisecostumesdeumpas, manterareligio emquefora
iniciado eseguir a opiniodas pessoas consideradasmaissensatas;
b) ser o mais firme possvel emsuas ac es, evitando vacilaces e
mximas duvidosas;
c)procurar semprevencer a si mesmo, isto. modificar os desejos
nao passiveis de realiaaces, erovezde tentar mudar a ordem
do mundo;
d) empregar a vida cultivando a raz o e progredir no conheci-
mento da verdade.
IVparte: estabelece ocernemetafsico da obra, relatasuabuscapelas
bases de umsistema de conhecimento confi vel - urna resumo das idias
presentes a posteriori na obra: Medtaces Metafsicas(1641). Meditaces
sobrea Filosofia Primeira, aschamadas Meditaces Metafsicasousimples-
mente Medtaces, concementes a PrimeiraFilosofia nas quais aexistencia
de Deus e a dstnco real entre alma e o corpo do homem sao demons-
tradas. Nesta obra (dividida em seis meditaces) aparece em detalhes a
const ruc o do argumento que leva aconcluso sobre a existencia de Deus
e da alma. Passoa passo o mtododa dvida vai retirando dopensamento
os conceitos empricos sujeitos ao engano. Depois sao postas eroxeque as
noces oriundas dageometriaeda matemtica. Oargumentodosonhoe a
figura dogeniomaligno saomobilizados, a fim derealizarempor completo
a limpeza detodoconhedmentc duvidoso.Apartir daa suposicoda exis-
tencia de tal entidade servede garanta paraa sustentac o firme docogito.
Da terceiramed itacoemdiente, vema defesa da existencia de Deus (anao
efet ivaco do argumento do Deosenganador) pela simples presen(a desta
idiana mente, como marca docriador na criatura.
Olivro IVcontmtambm o famoso enunciado: Je pense, doneje
mis ou Eupenso, portanto eu sou. Sete anos mais tarde (a publicaco da
obra) traduzido paraolatimcomo Cogito, ergoswn ou Penso, logoexisto.
Aexpresso: Eu penso. portantoeusou metafisica. Eest presente
na parteIVdo Discurso (1637, obra emfrancs)e, mais tarde e demaneira
mais completa, na obra Meditaces(1641). Dizer que se trata de urnafrase
que expressaa idia metafsica, significa afirmar que Descartes apresenta
a idiade que o conhecimentc daprpriaexistencia deve ser omais seguro
passo no caminho para o conhecimento das demais coisas. Pas enquanto
III. DISCURSODOMTODO - RENDESCARTES Textos filosficos emdiscussao
(1)
I
eu me ocupono processodo pensamento, tenhoque existir.
J Penso, lagoexisto, urna express algica. Esta formulacc em
latim aparece na obra: Principios de Filosofia (1644 ), part e 1, artigo
VII. Ecostumeiramente apresentada nas treduces fetasdo Discurso
do Mt odo. Afirmamos, pois que Penso, lago existo lgica no sent ido
de que o sujeito reconhece que seria impossvel pensar sem existir,
entende que o pensamento pressupe a existen cia. OCogito representa
a primeira verdade. entretanto necessario pressupor suas implicares
lgicas, afirmares e explicaces acerca de sua fundementar o.
{,..) E, tendo notado que nada hno ' eu pens, lagoexisto", que me asse-
gure de que digo a verdade. exceto que ve]o muito claramente que, para
pensar, precisoexistir (DISCURSO, IV, p. 55).
Ero outras palavras, a filosofia cartesiana construida como um
encadeamento de idias daras e distintas. Seu ponto de partida a
evidencia do cogito, que supera toda dvida.
OCogita, do latim (agitare. significa cogitar, pensar. urna afir-
macoda existenciado eu que percebe a si mesmo como existente. Esse
eu umeu pensante, ele o sujeito doato de conhecer, Pode-se afirmar,
portanto, que o cogitoviablza dais marcos da modernidade: a verdade
eoconhecimentoquepassama residir nosujeito pensante inaugurando
a subjetividade moderna.
Vpart e: esboce das concepces cartesianas sobre fsica e cosmo-
logia, a dualidade ou independencia ent re carpo e alma.
(...) a .uma racional nl 0 pode ser de modo a1gum ti rada do poder da ma-
t rta (...), excetc talvez para mover seus membros, mas que preciso que
esteja junta e unida est ret amen te com ele para ter sentirnentos e ape tit es
e rompe r um verdadeiro homem (DISCURSO, V, p. 69nO).
Tambmdiscuteotemacientfico especfico da drculecodosangue
descoberta pelo mdico ingls William Harvey, em 1628, e apresenta uro
argumento baseado na linguagem radical entre os sereshumanos e os ani-
mais. Os animais, por nao seremcapazes de expressar seus pensamentos
por intermdiodalinguagem, comofazemoshomens, seriamconsiderados
comomquinas movimentadas por urnaalma corruptvel e mortal.
VI parte:
(...) quero que se saiba que o poucoque aprend at agora nao quase nada ,
emccmparacoccmo que ignoro, e que nao desespero de poder aprender;
pois acontece quaseo mesmo aos que descobrem pouco a pouco a verdade
nas ciencias (DISCURSO, VI, p. 74).
Esta parte da obra revela concordancia com as teses de Galileu
Galilei e discute o papel da ciencia e as raaes que o levarama escrever
e da utilidade que os curros poderiam tirar do livro, j que para evitar
qualquer problema coma Igreja, suas idias foramtodas postas emtom
meramente pessoal, narrado emprimeira pessoa. Naosemantes fazer
advertenciasquantc aos comentadores e divulgadores que distorcemo
raciocinio dos autores ao empregarem palavras difceis e obscuras em
seus comentar ios. Tambm sao apresentadas as razes da nao publi-
cacao de seu t ratado sobre Fsica. Prefere ento publicardeste algumas
partes: a Diptrica, os Meteoros e a Geometra, com a intenco de nao
ser tia polmicoe fomentar o progresso das ciencias no futuro.
11 1.3 TEMAS CENTRAIS
opensamentocartesianopresente na obra "DiscursodoMtodo"
apresenta algumas nor es especficas com relaro as seguintes idias:
dualismo, idealismo, subjetivismo e representaplo. E especfi -
camente, nesta obra, eluddaces a temas como: saber adquirido,
ciencia e conhecimento emprico.
Quando nos referimos a Descartes como dualista admitimos a
111. DISCURSO DOMIToOO- REN DESCARTES Textos fil osficos emdiscussio
(1)
idia de duas realidades distintas: a alma (substancia pensante ou res
cogitans) eocorpo (substanciaextensa ou res extensa). E esta divsoque
determina oprocesso deconst itucodosaber. Portanto, correto afirmar
que essa separaco significa urna independenciaentre carpo e esprito, e
entre sujeitoeobjeto (quinta parte do Discurso). Suafilosofia consisteem
tomar o sujeitocomoponto de partida do conhecimento. Maso que isso
significa?Quepara haver conhecimento precisoumsujetoqueconbeca.
entendendo-se osujeitocomoexclusivamente o pensamento. Paratanto,
a realidadeest sempre nosujeito e se apresenta na forma de idias.
Aprimeira realidade que dada ao sujeito pensante o prprio
pensamento. Tudo o que ternos sao representar es das quais tentamos
atestar a realdade. Eu, sujeito, parto das idias e nelas procuro aquilo
que atestar o que na realidade corresponde a elas.
Outra conseqnda desta diviso. mencionada anteriormente,
entre res cogitanse resextensa a separacoent re sujeitc (ser pensante) e
objeto(ser pensado). Osujeito quemassume a ordenacc de todoe qual-
quer conhedmento, caracterstica que ter, na filosofia cartesiana, a de-
nomnacode subjetivismo. essesubjetivismoque fazcomqueas dias
que at ribumos ou ternos sobreas coisassejamapenas representaces.
Emsentido geral e do ponto de vista da problemticado conheci-
mento, podemos afirmar que o pensamento cartesiano idealista, pois
implica a reduco do objeto de conhecimento ao sujeito conhecedor e,
no sentido ontolgico, equivale areducto da matria ao pensamento.
Estas idas est opresentes na obra ' Discurso do Mtodo" (1637),
cujo projeto que almeja e acredita poder obter a verdade absoluta.
o conhecimento verdadeiro sobre o mundo. a verdade expressa pela
evidenciadascoisas. Oqueeuconhecoecomoeuatinjoesseconhedme nto
acorre pelo uso de meus sentidos ou peloatributo de meu pensamento?
Aid ia de atingir a verdade e saber se meus sentidos me enganam
pode ser apresentada inicialment e pela visualzacodas obras de alguns
arti stas. Aintenco tentar aludir a da do texto e elucidar de maneira
mais objetiva e clara corna recorr nda a diferentes recursos dd tcos:
a) Escher - imagens sobre iluses de tca,
b) Salvador Dali - "A persistencia da memoria" (1931) e "Sonho
causado pelo vo de urna abelha em torno de urna roma, um
segundo antes de acordar" (1944).
A intenco, ao usar estas obras e imagens, determinar, aluz
do pensamento cartesiano, de que manera eu apreendo a realidade
e a expresso; e como ter certeza de que aquilo que meus sentidos me
apresentam determina ou nao a verdade das coisas.
Q "Discurso" tem como intences precisas:
a) estabelecer alguns passos para a criaco de um mtodo;
b) apresentar uro percurso que vai da dvidasistemtica acerte-
za da existencia de uro sujeito pensante;
e) inferir a respeito da separaco entre sujeito e objeto do
conhecimento;
d) elucidar uro mtodo universal capaz de garantir a verdade do
conheciment c humano;
e) saber se existe alguma cosa que sobreviva advida, se h algo
que eu nao tenha como duvidar.
I1I.4 IJI ALOGAN()O COM O TEXTO
oincioda obra- primeirapartedo"Discurso"- marcadopelaidia
deborosenso; oque maiscompartilhado no mundo.Asegunda afirmaco
detennna o bom senso como a capacidade de distinguir o verdadeiro do
falso, isto , nao basta ter umespirito bom; necessarioaplic-Io.
(...) o poder de julgar e dist inguir bem o verdadcirc do falso, que propr ia-
mente o que se denomina bom senso ou razao, naturalmente igual em
todos os homens. Dcsse modo , a dversidade de nossas opini es nao se
origina do fato de que alguns s30 mais racion is que out ros, mas semente
pelo fato de dirigirmos ncssos pensament os por caminhos diferentes e
nao consldeearmcs as mesrnas cosas. Pois nao suficient e ter o espirito
bom, o principal aplica-le bem (DISCURSO 1, p. 37, I pargrafo).
111. DISCURSODOMTODO- RENDESCARTES Textos filosficos em discuss o
(1)
o born senso repartido para todos os hornens, ern grau sufi-
ciente, pelo fato de t odos os homens serern racionais. Entretanto, isso
nao garante por si s a dentficaco da vcrdade. necessari o que a
razo seja conduzida, e isso occ rrer por meio de regras que permitiro
at ingir a evide ncia.
Om todo temcomo finalidade precisa por a raao no boro caminho
para que desta maneira evite o erro. E o caminho para isso visa garant ir
o sucesso da elaboraco de urna teoria cientfica. O mtodo, portanto,
um caminho que procede para garantir o sucesso de urna t ent at iva de
conhecer as coisas. Aquest o, a saber, por que o mtodo necessario?
a) Porque, .10 serem feit as crticas as autoridades, a tradiro. <lOS
preconcet os, as crencas a pessoa, percebe-se s. Pois desconfia dos
conhecimentos sensveis e dos conhecimentos herdados. Advida me-
t dica faz a pessoa rejcitar qualquer id ia que possa supor passvel de
questi onament o. Dizele: os sent idos nos enganam e nos fazem perceber
ccisa s, nao como realmente sao, mas como nos parecem ser. Assim, a
nica certeza que eu tenho, o nico fator nao passvel de dvida o fato
de que o sujeito pensa, e isso determinar sua existencia.
Ad vida deve, portanto, fazer pa rte de seu percurso em busca da
verdade, senda o germe da at it ude crtica, da reflexosobre os limites
do conhecimento humano. Com a clara intenco de: ent endermos a ns
mesmos e nossa relacocom o mundo.
Descartes, qcerendc construir urna dncia certa, romeca por duvidar de
tudo. Acerteza. comefeito, nao imediata. O cerro o indubitdvcl, o
que resiste ad vida, a urna dvlda que precisopraticar, exercer como um
trabalho, ensalar, a fimde descobrir o que ela naoconsegueabalar. neste
sent ido que a dvida de Descartes metdica: um rnelc utilizado para
descobrir ocerro (BEYSSADE, p. 33).
b) Porque d seguran;a ao pensamento, evit a esforco int il,
permite conhecer o que for possvel para u entendment o humano.
Um procedimento que se consti t ui basicamente de quatro regras
(segunda parte da obra) e prindpios que sao as diretrizes deste Discur so.
IlI. OISC[JRSO 00MTODO _ DESCARn:S
Com relaco as regras do mtodo, segunda part e do Discurso,
como Descartes justifica a necessidade de novas regras do mtodo?
As justificativas para expressar estas regra s est o centradas na
mat emti ca (geometra) que possui a ordem e a medida como fun -
damento. Dest a forma, Descartes busca nela a causa da cer t eza para
aplica-la a todos os objetos que podem ser conhecidos.
(...)Oat rativo da matemticaestava. para Descartes. u ntoemsuaret texa
dedutiva quanto no fato de que fomecia uma especiede modelo para a
nvest gacaodas releces fo rmise abstratasque, emsuaopnio.estavam
na base de urna vasta gama de fenmenos fsicos. Assi m, o estudante
de matemtica estana capacitadoa ampliar o escopo de suas pesquisas
para alrn da aritmtica e da geornetria, as ciencias como a astronoma.
a msica. a ticae a mecnica, que poderlarntodas ser dassicadas como
mathesis universalis (.. disciplina universal) que englobava todo conheci-
mento humano, independentemente da natureaa especifica do objeto de
esrudo emumcasoespecfico(COTTINGHAM, p. 106).
As regras de Descartes inspiradas na geometria sao as seguintes :
O pnrneim era 11 dp jamis arolher Iguma ccisa como verdad{'ira que eu
naoconhecesse evidentemente comatal: isto , de evitar cuidadosamente
a e a prevenco, e de nada incluir em meus juzos que nao
se apresentasse tao ciara e tao distintamente a meu esprito, que eu nao
tivessc nenhuma ocasic de pe-le emd vda (DISCURSO,!l , p. 45).
1.Regra daevidencia: s aceita r como verdadeiro o que se apresentar
a meu esprit o de forma clara e distinta que eu nao tenha como duvidar.
Esta regra expressa duas at itudes para as pessoas que buscam a
verdade. Prlmeiro, evitar os juzos a part ir de preconcei tos, julgamentos
e opinies simplesmente recebidas (o chamado "ouvi dzer", sempre
se explica as coisas de tal maneira). Segundo, evitar ser precipit ado
ou estabelecer um juzo sobre as misas, at que cada termo, palavra,
expressn (idias e pensamentos presentes na anlise) tenham total
distincc e clareza.
Textos filos ficos erndis cusso
(1)
o segundo, o de dividir cada urna das dificuldades que eu examtnasse
em tantas parcelas quantas posslveis e quantas necessras fossem para
melhor resolv-jas (DISCURSO, JI,p. 4S/6) .
2. Regra da anlise: quando presente as dificuldades em conhecer
algo, devo dvidi-las em tantas partes quanto forem necess rias para
t orn-las claras e distintas e solucionar o problema da dvida.
Descartes confere a esta regra urna questo de an lise matemti-
ca, pois dividir as dificuldades significa pensar a luz da decomposico de
equac es complexas ou da reducc de mltiplos a seus multiplicadores.
oterceiro, o de eonduzir por ordem rneus pensamentos, comecando pelos
objetos rnas simples e mais faces de conhecer, para subir, poueo a poueo,
como por degraus, at o eonhecimento dos mais cumpostos, e supondo
mesmo urna ordem entre os que nao se precedem naturalmente uns aos
outros (DiSCURSO, n. p. 46).
3. Regra da sntese: devo sempre conduzi r meus pensamentos
por ordem, iniciando pelos aspectos mais simples e prosseguindo pa ra
os mais complexos. Eu estabeleco como tarefa a ordenacc das id ias
quando elas nao se apresentam ordenadas.
Parte da deduco (argumentaco dedutiva - ar isto tlica) como
forma de ampliar o saber. H um encadeamento de elementos para a
demonstraco da verdade.
Faz-se necessario ressaltar que para Descartes, em sua teoria do
conhecimento, t odas as verdades primarias sao percebidas pel a intui-
co. Por m, alm dela h um outro modo de conhecer, que a deduco.
A metfora que Descartes emprega no Discurso, para ilustrar sua idia
de deduc o, a de urna eorrente eomposta por muitos elos .
(...) os gemetras costumam servir-se para chegar s suas mais difceis
de monstrac es, haviam-me dado ocasio de imaginar que todas as coisas
possive is de rair sob o conhecimento dos hornens seguem-se urnas as
out ras da mesma maneira e que, contante que nos abstenhamos seme nte
111. DISCURSO DOMTODO - REN DESCARTES
de aceitar por verdadeira que nao o seja, e que guardemos sempr e a ordem
necessria para deduai-las urnas das out ras. nao pode haver quaisquer
tao afastadas a que nao se chegue por fim, nem tao ocultas que nao se
descubram (DISCURSO, n, p. 46/7).
4. Regra da devo estabelecer revis es e enumerac es
completas sobre cada aspecto analisado para poder ter certeza de que
todos os element os envolvidos foram considerados.
Eo ltimo, o de fazer em toda parte enumc racos tao completas e rcvis es
tao gerais, que eu t ivesse a certeza de nada omiti r (DISCURSO, Il, p. 46).
Esta regra permite o sentido inverso daquele feito pela anlise (segun-
daregra), j que recupera a visode totalidade do conjunto ou das idas pen-
sadas at ento. As representaces ocorrem pela simplicidadee separaco de
urna idiasobre as demais que poderiam numa anlise serem confundidas .
Mas qual o objetivo de Descartes ao formular as quatro regras
cartesianas?
As id ias presentes no mtodo apresentam como conseqncia
a seguinte afirrnaco: tudo aquilo que a razo nao reconheca deve ser
colocado em dvida. Em outras palavras, tudo o que antes da aplicaco
do mtodo aparecia como verdadeiro nao pode, de fat o, responder pela
origem de sua verdade. necessrio, port ant o, colocar tudo em dvida
e invalidar a pr pria esfera do conhecimento sensivel (as coisas que
conheeemos mediante o uso de nossos sent idos e percepces). Assim,
toda e qualquer proposico deve ser rejeitada, caso haja o menor mot ivo
para duvidar. Devemos, port anto esvaziar-nos de todos os nossos conhe-
cimentos e crencas, j que dentre eles h alguns que nao sao confiveis.
Mas nao sabemos quais at examin-los todos, visto que a intenc o do
autor possibil itar o homem conheeer de forma eert a e definitiva o real.
Como a ccmpreenso de homem cm Descartes tem de ser pesquisada em
sua totalidade, nao se pode negar que as explicares cartesianas sobre
problemas moris sejarn par tes integrantes de urn conjunto eujos delinea-
ment os sed o apresentados (MARQUES, p. 109).
Textosfilosficos emdiscusso
(1)
Nesta terceira parte da obra, Descartes apresenta urna moral pro-
visria. Suaintenco tao somente articular umcdigo moral paraalojar
temporariamente o edificio do conhedme nto. Amoral necessria (como
nosdiz SILVA, p. 88)porque"mesmo enquanto reconstruo aciencia,devo viver
emsodedodeeemcontatocomoutros homens,numcertopas e$Ohdeterminadas
leis e costumes". Este cdigo moralconsiste emquatromximas, a saber:
Aprimeira era obedecer s leis e ,lOS costumes de meu pas, retendo
constantemente a religioio em que Deus me concedeu a de ser
instruidodesde a infoinc;ia, egovernando-me, emtudo o mais,segundo
as opiniees mais moder,<Us e as mais distanciadas do excesso. que
fossemcomumente .lCoI hidas em prri ca pelosmaissensatosdaq ueles
comos quais tertade viver(DISCURSO, 11I. p. 49).
Aprimeiramxima da moralprovis raapresenta urnaobediencia
passiva le existente, umconformismoprtccas regras da sociedade.
O objetivo ser um espectador e nao um ator nesta 'comdia' da vida
e a grande questo levantada o que devo fazer?Tambm se refere ao
respeito necessric a religic na qual se foi educado. Urna atitude de
bomsensoaoadotar urnapostura mais sensata e moderadacomrelaco
a obediencia das leis, costumes e religiosob a qual se vive.
A segunda mxima baseia-se na necessidade de continuar a
funcionar bem na vida cotidiana, a despeito da utilidade, em questes
tericas, do programa da d vida sistemtica.
Minha segunda mxima consista em ser o mais firme e o mais resoluto
possfvel em mnhas ares, e em nao seguir menosconstantemente doque
se fossem mul to seguras as opinies mais duvtdosas, sempre que eu me
tivesse deci dido a tanto (DISCURSO, 11I, p. SO).
Esta mxima moral enaltece a idia de seguir constantemente a
opini o adotada como se estivessecompletamente seguro dela. Agora a
pergunta : comodevoagir?
A terceira mxima consiste em constantemente dominar a
si mesmo, e nao o desti no. O que significa, que devemos ser mais
sensatos ao dominar nossos desejos do que procurar modificar a
ordem do mundo.
Minha terceira mxima era a de procurar sempre antes vencer a mim
prprio do que afortuna, e de antes modificar meus desejos do que a
ordem do mundo; e, em geral, a de accs tumar-me a crer que nada h que
esteja interamenteem nosso poder,excetc nossos pensamemos. de sorte
que, depois de termos fetoo melhorpossvel no tocante as cetsasque nos
sao exteriores, tudo o que deixamos de nos sair bem , em a ns,
absolutamentempossivel (DISCURSO, m,p. 51).
Die-nos ser melhor adaptar minha vontade arealdade, visto que
o inverso dficlmente acontecer. Descartes nos apresenta, portanto, a
Idiade que s nossospensamentos esto inteiramente emnosso poder.
Epara concluir, Descartes diz na quarta mxima:
Enfim, para a ccnduso dessa moral, delbere passar em revista as diver-
sas ocupacesque os homens exercem nesu vida, para procurar escober
a melhor; e, semque pretenda dizer nadasobreas dos outros, pensei que
o melhor a fazer seja conti nua r naquela mesma em que me ,lchava, isto,
, empregar toda a minha vida em cultivar a razo, e adiantar-me, o mas
que pudesse, no conhecmentc da verdade, segundo o mtodo que me
prescrevera (DISCURSO, 11I, p. 51).
Essas regras morais pennitem que o filsofoajaemconformidade
coma sodedadeea natureza, "pondo aliberdadede pensamento aservifode
urna provisria entrenecessidadee virtude"(SILVA, p. 90). Essa
concluso conduzao engajamento concreto, aescolha de urna forma de
vida, como se eh fosse urnaconseqnd a das outras tres regras.
Essas mximas cartesianas apresentam a vis o moral na concep-
lFao de homem que Descartes pretende elucidar, E, na seq ncia de sua
obra, Ivrcquatro, a frase cannica "Penso, lago existo", cujo conheci-
mento da prpria existenciadeve ser o primeiro e mais seguropasso no
caminho para o conhecimento das demais ccisas.
Naintroducoa sua metafsica, part e IVdo Discurso do Mtodo,
lII. DISCURSO00 METODO - DESCARTES Textosfilosficoscm
(1)
Descartes apresenta vrias razes para submeter suas crencasanterio-
res a urna dvida sistemtica. As refiexes cartesianas capazes de gerar
dvida saotres:
reflexes sobre a confiabilidade dos sentidos;
refiexes sobre o engano do mais simples radodnic
matemtico;
refiexes sobre a possibilidade de estarmos sonhando e de nao
serem verdadeiros os juzos que fazemos enquanto estamos
acordados.
(...) Mas, pordesejarentaomeocuparsementecomapesquisadaverdadepensei
qUI' eranecessarioagirexatamenteeorontrno, erejeitarcomoabsolutamente
falsorudo aquiJo emquepudesse imaginaramenordvda, afim dever se,aps
isso, nao restaa algoemmeu crdito, que Iosse inteiramcnte indubitvel. (...) E
enfi m,considerandoque todosos mesrnos pensamentos que ternos quandodes-
perros nospodemUmbrn ocorrer quando dormimos, semque hajanenhurn,
resse caso, queseja verdedeiro, resolvi fazer de conta que todas as cosas que
atento haviamentradoemmeu espirito nao erammaisverdadeiras queas
luses demeussonhos. Mas, Jogo emseguida, advm:i que, eeqcantceu queria
assimpensarquetudoera falso, cumprta necessariamenteque eu, que pensava
fosse aIguma coisa. E, notandoque esta vmiade: eu penso, lago uiHo, en
ucftnnee taoceltaque todas as maisex:tunganles dos ctcce n.io
seramcapases deme abalar. julguri quepodiaet-l.a, semescrpulo, comoo
prillK'iroda FJlosofia queprorunva (DISOJRSO, lV, p. 54).
Acerteza de minha existencia, que a primeira verdade metaf -
sica, nao como a certeza de alguma verdade atemporal e necessria da
lgica ou da matemtica.
A matemtica mostrou a Descartes o papel e a natureea do mtodo a
seguir para procurara verdade nas rlndas. Sua reflexaosobremtodo,
aprofundando-se aprocura dos principios do conhecimento, conduloa
urna reexo propriamente metafsica (BEYSSADE, p. 30).
Contudo, enguanto estou ocupado no processo de pensamento,
tenho que existir. Alrn disso, o prprio fato de duvidar de minha exis-
tnda, prprio de levantar a possibilidade de ser enganado, confirma
que, enquanto realizo tais refiexes, eu, de fato, existo.
O fato de existir e estar pensando remete a tres idias claras e
distintas:
a) estou pensando, lago eu sou;
b) ningum pode me enganar a ponto de me fazer pensar que
existo, se eu nao existo;
e)naoposso pensarqueminhaexistenciasejafalsa, porque, sepenso
isso, estou pensando,e minha exstnda temdeser um fato.
Oargumento do COGITO, ERGOSUM pode residir no fato de que
duvidar de que "pens" algo que se refut a a si mesmo, urna vez que a
dvida urna ins tncia do pensament o.
Ao estabelecer a existencia do eu, sujeto que pensa, Descartes
apresent a tambm a existencia primeiro de Deus e depois do mundo
externo.
Como rnelhor saber do que duvidar, Descartes cond ui que im-
perfeito. Ele tambm cond ui que nao pode ser Deus, pois do contrrio
teria criado a si mesmo perfeito, algo que nao .
A idia de perfeko tem de vir de algum lugar: de Deus, pois
Descartes demasiado imperfeito para conceb-la. Lago, Deus existe.
(_),41saber, queas cosas queconhecemos mui dm. e mui distinUmentes10
todas venbdeiras, n.io certcserUoporqueDeos existe,e uroserperfeitc,
porque tudaoqueexiste emns nosvemdeIt. Donde SI' segue queas rossas
idiasou00lfl'S, smdocoisas reais,eprovmientrsdeDeeserntudoemque sao
claras edlsrntas, spodemporissoserverdadeiras(DlsaJ RSO, lV, p. 58).
Assm, a preva da existencia de Deus d au filsofo Descar tes
sua segunda certeza : nao s6 ele existe como ser pensante, mas tamb m
Deus existe. Eo mund o ele existe? Descartes reconhece que existem
idias claras e distintas sobre a realidade ext erior. Porque se a idia
de verdade a clareza e distlnco de urna idia, a realidade de se reco-
nhecer nas coisas (idia de urna mesa, por exemplo) a certeza de sua
UI. DISCURSO DOMEToDO - DESCARTES filosficos em discusslo
(1)
extenso. Em outras palavras, as propriedades quant itativas. Assim,
existe al m da res eogitans (a coisa pensante), a res extensa (a coisa
extensa). O que significa dizer que, para Descartes, o conhecimento
do mundo ext erno, almde mim e da existencia de Deus, ser possvel
com refe rencia as propriedades quantitativas das coisas, geomtricas,
matemticas, pois sao as nicas reconhecidas pela razo.
As idias claras e distintas se encontram no esprito, como funda-
mento para a apreens o de out ras verdades. Sao idias inatas, verdadeiras,
nao sujeitas ao erro. Pois nos vmda razo, independent es das idas que
nos vmdos sentidos e das que sao formadas pela imaginaco.
Como idias inatas, daras e distintas, Descartes entende ser :
eogito - o homem se descobre como ser pensante;
Deus - sua infinitude e perfeico:
Fsica - idias de extenso e movimento.
Estas idias inatas nos doa possibilidade de:
conhecimento de ns mesmos;
conhecimento de Deus;
conhecimento da matemt ica.
Mas para se ter certeza das coisas , saber que nao nos enganamos
e que podemos obter id ias d aras e dist int as sobre as coisas necessria
a invocaco explcita de Deus.
Deus a razo de ser de t odas as verdades . Mas o eu pensante j nao
desempenhava papel semelhante? Na verdade, o eu pens ante a raao de
ser de todos os pensamcnt os. nao de toda s as verdades (SILVA, p. 68).
No universo cartesiano, somos, port anto, o limite das ilus es:
iluso dos sentidos, iluso dos sonhos, ilus o do conhecimento absol uto
e das certezas: da existencia de um sujeito que pensa e de um Deus que
nao nos engana.
Neste limiar do conhecimento, Descartes apresenta na Vparte do
Discur so a impossibilidade ontolgica de pensar sensvel e inteligvel, o
extravic do caminho da raz o.
Aseparaco de sujeit o e objeto procede afratura entre sensvel e
racional, entre cor po e espirito.
(. --> as funces que podiam est ar neste corpo, encontrava exatamente toda s
as que podem estar em nos sem que o pensemos, nem, por conseguinte
que a noss a alma, ou seja, essa parte distinta do corpc cuja natureza (...)
apenas a de pensar (DISCURSO. V, p. 63).
Descartes explica os fenmenos que fazem a unidade corpo e
alma apelando para a influencia casual. O corpo exerce urna influenci a
casual sobre a alma na experiencia sensve1. Para explicar fenmenos
com a mem ri a, a imaginaco e o movime nto volunt r io, Descartes
apela para a infl uencia da alma sobre o carpo.
At eoria cartesiana, como podemos not ar, procura mostrar a sepa -
racoentre alma e corpo. EDescartes alega que Deus foi quem possbilitou
esta dualidade. Pois eu (sujeit o) posso perceber minha exist encia e que
tambm possuo um corpo. Tenho a certeza de que sou um ser pensant e e
que de meu corpo apenas a idia dara e distinta de que ele urna exte nso
e nao pensa. Esta constataco faz a alma ser diferente do corpo e que
eu, portanto, posso existi r sem ele. Entret anto, tenho a certeza de que a
afirmacode que a alma ser ia unida ao corpo s per accidens, ou seja, por
sua situaco ou disposco. Urna cons t atac o que repousa sobre o fato de
que os dois element os podem existi r separadament e um do outro.
Estas reflexes podem nos remeter a id ia de que o homem o
senhor de suas prprias realizaces, seu pensamento e a constataco de
que sua existencia o faz ser.
Este pe rcurso pelo pensamento de Descartes (que inaugura a
filosofia como t eoria do conhecimento) apresenta matrizes impor-
tantes para o racionalismo moderno. No decorrer da obra "Discurso
do Mtodo" ele apresenta sua metafsica (com o intento de buscar a
verdade absol uta, um conh ecimento verdadeiro sobra as coisas), urna
relaco entre filosofia e ciencia (sobretudo a fsica, como elucida na
IV parte do Discurso). Nela assenta-se a convcco de que a natureza
lIl. DISCURSO DOMTODO - REN DESCARTES Textos filosficos erndiscuss o
(1)
tem leis pr prias, que cabe ao homem descobrir para seu bem e para a
utilidade em sua vida.
Quanto a utilidade que os outros colheriamda ccmunicacode meus pen-
samentos. nao poderte tambm ser muito grande, tanto mais que alnda
nao os levei to longe que nao seja necessario juntar-lhes muitas coisas
antes de aplk-lcs ao uso (DISCURSO, VI. p. 75).
Um conhecimento seria expresso e justificado a luz de todo
terreno cientfico.
(...) Pois, embora seja verdade qut' cada hornern deve procurar, no que
depende dele, o bern dos cutres. e que propriamente nada valer o nao
ser t il a ningurn,todavia verdadetambmque nossos cuidados devem
estender-semais longequt' o tempo presente (DISCURSO, VI , p. 74).
Vimos, ao langa desta anlise da obra, que no ' Discurso"
Descartes procura demonstrar, a partir de sua prpria experiencia,
como o hornem comum pode chegar averdade e como conduzir o bom
senso, por intermdio de um mtodo rigoroso - expresso pelas quatro
regras - agarantia do conhecimento verdadeiro.
ocritrio utilizado para este propsito dava-se emverificar se as
idias sobre as coisaseramcoerentes em si e ap s, claras e distintas.
Essemtodo - adotado por Descartes - foi tirado dos gemetras,
como intento de ser aplicado a todos os ramos do saber: (...) um m-
todo para bem conduzir a prpria razaoe procurar a verdade nas ciencias
(DISCURSO, 1, p. 38).
Esteo primeiro passoparaa formulacode urnafilosofiade carter
universal, de umconhedmentosegurosobretodas as coisas, explicando as-
sima da de Galileu, paraquemafilosofiaest escritonolivro douniverso.
Espodeser apreendida sualeitura - comoest expresso sobremaneirana
Ir parte do Discursodo Mtodo- pelalinguagemda matemtica.
Segu-sequepormeiodomtodoeseguindoosprincipiosdafilosofi a
nessaordem, basta continuar a raciocinar de forma ordenada para resolver
todas as dficuldades, relativasateoria do conhecimentopropostas desde
a primeira parte da obra, que porventura verem a existir. De tal maneira
que, segundo Descartes, praticando o mtodo que se tomar um hbito,
fardohornerouroconhecedor das idiasinatas na alma,superiores as que
derivamdossentidosouas quesaofabricadaspelaimaginaco. Entretanto,
paraexaminara verdade, diante dos contatos empricos, ou seja, de nosso
contatocomo mundopor intenndiodo usodenossossentidos, segundo
o pensamento cartesiano, duvidar das coisas tais quais nos apresentam.
pelo uso da 'dvida metdica' constante que surge a primeira certeza
evidente: o cogito. Assim, toda e qualquerdvida, todas as perguntam as-
sentam-sena primeiracertezasubjetiva que oprprio pensamento. Nesta
certezade que pensoe, por isso mesmo, existoque se poderoconstruir as
certezasdas cosas que saoobjetivas e tao indispensveis paraa validaco
doconhecimentocientfico.
Este fo o desafio de Ren Descartes ec decantar seu pensamento
para a contribucodo cenriofilosfico do sculo XVII, comimportantes
matrizesparaaeluddacodeurnateoriadoconhedmento, tendocomomo-
tor da refiexo filosficaaapresentaco de urnanovametafsica eagarantia
doconhecimento cientfico possibilitado pelafsica e pelamatemtica.
1I1.5INDICA<;' OES DE FILMES
As indica,es dos filmes abaiICo sdo lontribui,es do ProfesS(lr Sandm Pemandes.
CABRERA, Julio. O cinema pensa: urna int roduco aFilosofia
atravs dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
Cbeervac osobre aobra: editada pela prme ra vez em1999, naEspanha. O
autordivide olivro emExerccios:
Exerccio cinco: Descartes e os fotgrafos indiscretos (A dvida
e o problema do conhecimento) p. 140 158;
IlI. DISCURSODOMTODO- RENDESCARTES Textos fi losficosemdiscussc
(1)
- Blow-up - Depois daquele beijo (1966).
Podemos acreditar emtuda ernque vemos? O filmeprolloca 11 incer1:e.za.
- Janela indiscreta (1953).
Como pegar um assassinodesobedecendoa Descartes?
- Aprova. MOORHOUSE, Jocelyn. Austrlia, 1991. 90 minoVHS.
Um.lI prava moralda domundo. Melhor-pemraruzlislrr', pais tnltatia Pida
IIUII golpetlnamfia da risliodlUololtTa,JJH'SSls. Dvida metdica - colocar
ern mmos ureavezna vida- nossoconbeomento ao::eI'U das misas.
isso qUl' o fu . Pois ele podeter sidofilgmadoac renhecer o mundorombase
nos oIhOll deoutras pessoas. Assim Descartes desconfa de tuda, quemgMante que
o que !he fol ensinados porque fDi fflSinado por livros, peofessores ou familiares e
verdadf'iro? e rao:: iocinio levarao .1. verdade. Acoasdl!Ddl do m...do
- Martin, o perscnegem(ego. temo ruKlado artesi. mo: nadae at quea
proYa se;a evidenciada.Opersonagemnaoe coeo, acreditanummrio dedlegarse
1 verdsde. A difl'ffl'l(.l e que Martin temque confiar nos senodos,
na 'tislo queek rYo tem. Porese a mor-a1 e ume&emt'tlto fundamenlal erosua vida
e nas ccm osoutros. DESCARTES TEM AGARANTIA DMNA; MARTlN
TEMAGARANTIA DE ANDY(anjo). Martin nao demonstn afeto, separa a ru.io
desennmentcs, pensamuito. Sua vida atormentada pela mMe a emum
fim,quandooamigoconfi rmaas irnagensda inUrria e M-mn demite a eropregad.t.
Osdemnios s10 exorcizados peloalance dacerteza das imagens.
Outros filmes quepossibilitama abordagem sobre Descartes,
mas nao citados no livro de Julio Cabrera.
- HOWARD, Ron. Unu. mente brilhante. EUA: 2001. 135min. DVD.
Pod. faur 11 n lllfQOn1M a bv.sca da rteza matemlitifa. o mlmllo
rae/onld dnnwlado I _ &fon . O filme baseado na vida do materntko,
professor e premio Nooel John Nash. Umaspecto do filme a ser relecjcnadc ao
pensarnentc de Des<art '" o de que o matem.itic:o ooSl:a as (ertnas t'Xdusiva
mente ( ilncia: fora dis50 nlo h.i certt'1.a. At as pesso;is e os afetos
tem que ser demonstrados matem.lIicamente. OargulI\("nto prindp.a.1do filmee a
do matem.lit icotutada JM:la psiquiatria.: I.'Squizofrenia. Mas a abord.lgem
(artesiana do filmedeve pro<: urar entendl' r a realidade dos jooYens matemticos e
a prC'Sd o em dM(Onta de l'ntl'nder e resolvl'r do periodo da Guerra Fria, A
desc:obf'rta indita e o objetivo de Nash no filme. Averdade desvelada
e mais importante que qualquer outra (oisa p.a.ra o jovem matemtico, sem vida
social. nlo ao: redita ou nl o consegue ter sentimentos ou demonstrar afetofora das
posslbtldades matemticas de entendimento do mundo e das relsres. Acena em
queeleobjetivamente dizo que quer de Um.ll no bar demonstra tssc.
- ROWLANDS, Mark. Sfi =scifilo: a filosofia explicada pelos
filmes de ficcocientfica. Rio de Janeiro: Relume, 2005.
Nesta obra sc citadas referndas de vri os filsofos. DeKartes e. citado
ndretamente sobre dualismo nas pginas 61-R4 (O I'xtl' rminador do
futuro). Ediretamente quando trata. dofilme Matrix. nas pginas35-59.
- Matriz (1999).
Abordagem sobrea realidade, o desconhecido, a verdade. as enganaces
captadas peles se-nt idos,osenganos s10provocados por qu?
- Outerminador dofuturo. CAMERON,James. EUA: 1984. 107min.
O exterminador do futuro 2. CAMERON, James. EUA: 1991. 135min. O
exterminador do futuro 3: a rebeliodas mquinas. MOSTOW, J onathan.
EUA: 2003. 109min.
Dualismo: biste Um.ll mente separada docorpo?Este problema e por
Desu nes que separa a r.tUo (0IYl0 demento fundamental da hUm.llnidade dos ho--
mens.EUPENSQLOGOEXISTO. ,", .as esta dualidadte poi" vrios fil-
pdoautor des:se livro. posstvdsepafafa raUo,lrx.tli:z:ada namente
do wrpo? Fu parte docarpo. e inftuerKiada por ek? Cartesianammteo cihorgue da
filme No temmentee. portan to e urnacoisa. NotemhumanidadeapnaI deourms
personagensrrarem afeto por ek, e tee imprnsJ,u que ek tem, prilKipalmente 00
segundo fillN' da trilogia. Eisso poderla N ser de outm jeito
e demonstrar a u. rac:teristic.a fisiu. da mente hUm.lIN, que o (iborgue. portante
pcdera t-la. Etssc, segundoautOf, que.t(raie fasdlUac dnema de
Matrilr , Runner. A.I., Pndidosno Jornada nasestretas, :lOOl. et c.
Referencias
CABRERA,Julio. Ocinemapensa: urnaintroduco Filosofia
atravs dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
ROWLANDS, Mark. Scifi=scifilo: a filosofia explicada pelos
filmes de cientfi ca. Rio de Janeiro: Relume, 2005.
Sitio do professor Julio Cabrera, autor do livro referenciado
anteriormente: http://www.unh.br/ih/fillcabrera/portugues/
111. DISCURSODOMTODO- RENe DESCARTES
Textos filosficos l'mdiSl: USslo
(1)
REFERNCI AS
BEYSSADE, MicheUe. Descartes. Lisboa: Edkes 70, 1972.
CABRERA, Julio. O dnema pensa: urna. aFilosofia at ravs dos
filmes. Ro de Janero: Rocco, 2006.
COTTlNGHAM. John. Dicionrio Descartes. Riode Janero:Jorge lanar,
1995.
DESCARTES, Ren. Discurso do Mtodo. Traduro: J. Guinsburge Benro Prado
Jnior. Sao Paulo: Abril Cult ural, 1', edk o, 1973, p. 33-79, (Colecc: Os
Pensadores).
MARQUES, Jordino. Descartes e sea concepfio de hornem. SaoPaulo:
l oyola, 1993 (Ccleco Filosofia).
ROWLANDS, Mark. Scifi.=scifi.lo: a filosofiaexplicada pelos filmes de ficl;ao
cientfica. Rio de Janeiro: Relume, 2005.
SILVA, FranklinLeopoldo e. Descartes: a metafsica da modemidade. Sao
Paulo: Moderna, 1993 (Ccleco Lagos).
E:=;,j O!l IIl. DISCURSO00 MTODO- RENE DESCARTES
Ivo Ribeiro Luska
Geroldo Balduino Horn
IV I BREVE HISTRI CO
Jean-Paul Sart re nasceu em 21 de junho de 1905, em Paris.
Quando t inba nove anos, em meados de 1914, comecou a P Grande
Guerra e em 1939, aos 34 anos, foi testemunha e viti ma da 2
a
Guerr a
Mund ial como prisioneiro de um dos campos de guerra, na Alemanha
em 1940. Essas guerras comecaram pela Europa e ti veram nela o pr in-
cipal terri trio de combates. Ent o o per odo da vida de Sart re foi, para
o mundo , um perodo de crises, conturbaces, violenci as e guerras. Sem
mencionar que, desde o ini cio do sculo XX, havia guerras espalhadas
por toda a Terra' .
Em Paris, aos 19 anos (1924), Sart re comecou o curso de filosofia
da Escola Normal Superior. bom lembrar que desde muto crianca ele
gostava de ler; aos dez anos de dade j tnha urna mquina de escrever , a
1 Podemos ler: ""Pu" signifiCl Y.l "antes de depois di..... yeio algo que n.io mais
mereca este nome." HOBSBAWM, Eric In ERADOS EXTREMOS O breve <:u1o XX1914-1991, p.30,
Ed. Comp;lnhia das u t ras, Sao Paulo, 1995.
Textos filosficos emdiscusso
(1)
qualtomou-seseuinstrumentodetrabalho. Vemdaedesuacriatvidade
a facilidadeque tinha para a prcducc literria. Terminandoseucurso de
filosofia, Sartreprestouservico militar (de1929 a 1931) como meteoro-
logista. Posteriormente, aindaem1931, ccmecou a lecionar filosofia ero
uma escola de ensino mdio (Liceu Francisco 1), ero Havre. Lescreveu
umromance. Anda da Verdade, quefoi recusado peloseditores.
De1933a 1934viveueroBerlim, para estudar a Fenomenologa!
e o Existendalismo! de Husserl, Heidegger, Jaspers e Scheller. Apartir
destes autores, Sartre tevecontato comas obras de Kierkegaard.
2 .....
UIlt nMtoclo cM tnbdho COla.. losofu.. ft'ftnft sobn o do f1lt....dimnlto
do ..... n. ftIl .... essftw;;".; como o s..-,..t r.1ris dos M1ltidof;..pl'ft'nck _ ronscWnri.I d.ac""'" no
mUDdo f do pt'prio Dlundo .. partir do fftlrnmo cM SUI. fKtilbde. Om- fui criadopoi" HIdSffi
ftIl _ pri","1'OI tr.b.tlhos _A fmolMflOlosi.t .tinda. filosoafu lrudCnNInIt.ai 'f'W
as .m-..;6ft; " priori d.a uitw n.ahl r.tI par.t pructsso. . f1lUo...... mvdo d.u ...
Rndos, sen. 0<1problfm.ll o ft'tOhoidof; .tnris cb.
m.lI tlIm","" lUl o:istincill doSerqowe o bomna. pon 0 .... _
d.a par.t lI'l.t o InUndo jii Ht. -Mi - dado. dncW -,n. e e bonwm"'" nUu
d llido, t paru do fmclommo. Ena lM'ftdou fiIosofu. 6umuit o -coUeb- n.arulidaM
nosu.. pois se """'" ..... u_filo.oli.t do ndo eWe. n.io smdo compat iftl com.t risio 11priDrl
dos llloOe'b d.a cWndII f'tn ptrk... mas ""' .. dnpnu. 8usa cont...oo.1""" .... domundo par.
cIorscrnf!..lo Poma , fcil buta qoM unh,,roos par.. busd
... n.tS ftSftlriu,; cb. prrup(io, ..... o:ist.mri.t. AfmoRmlOIogi.tnos
_ moftmonto, ... casa. "" .........,"",ndo, eW' o quesnnp nosso .tk..nce, dftde
0<1 primoiros....- cM -... nist mri.o no ..undo. que ' o mundo do feoo_. o mundo doS.r b
.....aa delr;pOdo dos pn-jui.aw cMcomo t\ldo Do dtoft ser. o ... tor.... as cois.as das mnllW<. como ...
_ , cbrir._ntt'l cMqu.alqUft'rdInio, s s.... fi.t ic.a, ...aI, o basu. nio
nesstu. de npliu{Mos uUS.tis ou qu.aisqUft'outu.S. A CO..-;OU (011I Hus.serf. Heide&'
vrwio.t ugui r, IIW<' reencon t ramos em M.tn, NieUsche,lkrpn e fft'l>d. E....
.. FUosofu Fenomenolgiu. esti em too .t p.trt e, H t inclusift nn ns. ..nt H cM ser losofu., UIII
Htilo, UlII lIu;r ..t nWs claond.t que t olhe .t todos .
MH nIo se pode H<JUf'Cer que .t s i .tCt'lSin l .t um metodo fnw_noigKo, i -t run-
.tIgo n.a de si e p.tr.t si, utili u ndo-se. p. u isso. de Hu. prprio sn conscwnt e. s.... ment e q....
pau S. rtre ' o par.. si, i .tntes de tudo , .t conwnri.t Osnnn I;. Oser que
H t pront o .tc.th.tdo, se t rata do homem, e u mbim o sn-p.tu si, est por bur
posto que i i sempre projet o e projet.tr se, o SU-fln si ""'I....nto nunca
i somente Oproprlo corpo , pois h Oser--pau si que i definido na conscii nci.t dest e mesmo
que pcrm uti liz.t-Ie do u r ems;'
3 O t ermo Existncialismo nl o foi cri.tdo por Sartre, IIUS f de IU' filoIOfi. , mesmo que
tenha se 'in. pirado' em Heidegger. e outrcs filsofos. P.tr.t o Existenc i. lismoo que
o ser que t em consclhda do mundo f que est no mundo, como diz BORNBEIM(ill SARTRE,
debal es n"36. filosoli.a, d . Pers pect iva, 3" 5.io Paute, 2005, P.19) -: tU, porl anto, Umponto
partid. que consdhd a. M.. a consci.nd .t nl o f" h.td.t em si prpri. , visto que Ohomeme ser-no-
mundo; t o ser-no mundo 1'110 seu funclamenl o n.t reexivdade ou n.t res cogitans, ;.ti que ele u
esl .belen num pu.no pre... lIuivo. 1110 impli"" , por l ua vez, .t preeminenci a ablo!ut.. do exil ti r- ,
Depoisdocurto perodocomoprofessor, coma 2"Guerra emcuro
so, tornou-seativistapoltico, o que foi possvel porquejsebeneficiava
do sucesso de sua notvel e maior obra OSer e oNada (de1943).
Foi, ainda, autordos maisdiversos gneros literrios, como ensaios,
romances e teatro. Podemosdestacar:Os romances:Caminhosdaliberda-
de; Anusea; Omuro; Aidadeda raeac: Odiabo e o bom Deus; As pefaS:
As moscas; Entre quatro paredes; tambmcomps msicas, foi editor e
jomalistada revista Les Temps modemes; escreveu para osjomais Combat e
Libration,sendoquepartidpoudafundacodesteltimo. Ero 1964depois
deescolhi:loparareceber o Premio Nobel deliteraturaelerecusouopremio
por "raaes pessoals": pcrmurna possvel explicarc para a recusa podeser
que.10 receber aque1e premioeleestariasoboolhar deoutremej naoseria
mais o senhor da situaco, uro terceiro tena escolhdo' pelo ser-para-s' ;
o que seria. urna contradko para sua filosofia... Mas, Sartre, sobretudo,
tomou-seo mais famoso e pol mico dosfilsofos exstencalstas.
IV.2 O EXISTENCIALlS MO UM
HUMANISMO
lV:2.1ApresentafGo da obra
O texto O existencialismo ; um humanismo (Sartre) para
compreend-lo erosua tese e argumentos, conceitos e problemas, para
4 -Com o olhar do outro, .t -sifual:1o- lIlI! esup.t. 001. ""r.t US.tr u..... b.1n.tI. mas que t r.td\l%
bem non o jII ..........."""'dasill"'l ...... Aa cont rrio,.lO do curre fu surgir nilS;tu.
11m u p<'do ni.o por mim, do qua! n10 lOu dol>O r que me esup.. por prindpio, pos to que
""'11 oOllr..,. de OSEREONADA. ElISllioJeOlIloIiII{fflOI'MnOgiCII, Edit or. Vozrs, 12'
p. 341, Petl"poIil , 2003, ntraicla de Annie Cohn Soi.tI, in SARTRE, p. 36, ende el. cita Oongin.tl L'
Etrtff k Ntllnt . f.ssaid'o"tt!loriepltmnmmologiqut, Gallimard , 1943, p. 31 1-312.
S Oser ""ra,i i.t que Sar tre d para O que est4 plen.tm..nt r na condi{Jo sa_
bedor de , ua e:ril tfnci.a, (o ""r-p.t ra-s i) o ser que esU .t' no mundo (ser-no-mundo) e qlle lem n U
conlcifnci.t ele . o que t .to par.t est e mundo, elr escclbe e se fu mundo, i
um. de q"" o homrm resultado d. Ietencicnaldad.. da conscitnd.t. EnUo o Irr-p.u.t. si . o
ser que tem.t conscitncia que sua ellistt ncia pTecd e Sil. de ler, nao hi n.d.t planrjado 11priori,
esper. ndo por ele p.tr.t que ele se enc.tixe COmo num. fol1l1.t, ele sr fu .. li, ""'1 COm uso, ..o Iaeer-se,
faz u mbm o que os OUlf OS vkm dele.
Iv. OEXISTENCIAllSMO UM HUMANISMO SARTRE
Textos filosficos emdiscusso
(1)
tentar transp-loernurnalinguagemclarae concisa e, assim, auxiliarde
algummodotodos aqueles que tambmtenham interesse nesseestudo,
suscitou a necessidadede retomar a letura commais vagar e atenco.
Esta urna leitura possvel para alunos que, egressos do ensino
mdio, tentem compreender o texto filosfico ero questo, j que
a densidade de uro texto acadmico torna deveras rida e difcil a
compreenso. De inicio bom termos em mente que o opsculo O
existencialismo um humanismo a edico (1946) da clebre con-
ferencia de mesmo neme", na qual Sartre defende o existendalismo?
das crticas que vinha recebendo nao s por nterpretaces superficiais
ou equivocadas da filosofia da existencia, mas tambm dos opositores
religiosos, visto que Sartre era ateu e seu vis era de demonstrar que se
pode compreender a invenco de Deus pelo Homem, o que toma este
mesmo Dl:'US desnecessrio.
Nessa conferencia, Sartre fez urna explidtaco do significado
tico da obra O Ser e o Nada . Diz ele que o Homem ao fazer suas
escolhas, guiado pela liberdade que lhe pr pria", faz. tamb m a sua
moral. Ecomo o Homem nao faz escolhas alheio ao mundo, pasto que
sua existencia acorre no mundo, entso sua aco determinante da pr-
pria Humanidade urnavezque o ser-para-si agee Caz os acontecimentos
do mundo. Assim ternos a a construco tica e a justificativa para que
o existencialismo seja um humanismo, que o neste sentido tico de
construco da humanidade, a partir desta liberdade, pois, sendo o ho-
memtotalment e livre, o nico respons vel pelo que faz de si mesmo,
faz tambmo mundo, faz. tambrna humanidade. Voltaremos a abordar
esta questo mais afrente e com mais vagar.
6 Conffl+nciaq foi "m rrande ewnto midi:dic" q... _ ..... rm 20 de Olltl1bnl de 1945 roo CIroh M.m
rnooom, p.ris, nu 1 de ABnie Contn-SoIa.l(2OOS) SARTRE, p.32.
7 OttnnOEristencia.li. mo nio " ut ilizado PO' Sul... no tido q"t . midl<1l daq"tlI pt'riodo dops.
gutrT<1l utilizan. e quan& lhe ptTgunu.am soMt o tIlillencia.lismo. ele I"t$pond...: 0 u i$lencia'
1Ilmo? Nio $ei o que ,," ... "Minha. filosoli.a." " 1TI<1l .lIStt. a filosob da u u t"nd a". Annie CohenSolal
(200S) ti SARTRE. p.32.
8 Mal. adiante ve...mol q"" Liberd.de p<1l.<1l S...t ... " a prpri a ,on.ciencia.
!I Ot ermo 'pTpriO' "'lu utilizado nlo" o de pass"ir <1llgo que passa In<1ll ienado "Iim de bu. p"rt e.
ou Intlbor de (oR$titui . o m;e;IO.
IV; OEXlmNCIALlSMO EUM HUMANISMO- SARTRE
Sartre apresenta ainda reexes sobre o problema do entendi-
mento do mundo em sua. essnca' P; como o ser-para-s, atravs dos
sentidos, apreende e toma consciencia da coisa (do ser-em-s!'] no
mundo e do prprio mundo a partir do fenmeno de sua facticidade e
tambmcomoa partir de entende e concebe o ser-para-si.
Assim, o escrito O existencialismo um humanismo, ero
decorr nda de ser originriode urna conferencia, est estr uturado ero
duas partes: na primeira, tem-se a apresentacodos problemas e acusa-
c;:es que Oser e o nada sofreu por parte de vrios crticos (jornalistas,
comunistas, crist os) e, na segunda, tem-se o regist ro do debate feito
emdecorr ncia da apresentaco. Oestilopodeser considerado, al mde
urna conferencia, tambm umdepcimento, j que ele est frente a um
pblico, ern um audit rio, vivendo o que est falando, argumentando
e rebatendo criticas, .10 mesmc tempo ern que retoma o debate que
antecedeua conferencia.
Feitas as consideraces e advertencias iniciis, podemos e de-
vemos fazer a necess ra incurso pelo texto pasto que somente ele, o
texto, nos dir o que procuramos e dele poderemos extrair informaces
ou algumas pistas que nos de sua significaco.
IV..1 A MORAL DA L1BERDADE - TICA
Aa comecar a conferencia Sartre faz. menrc as acusaces que
vm das mais diferentes origens, comunistas. religiosos, e at de urna
vertente existendalista, por m crist. Daele que o Exis tendalsmo e
urna Filosofia contempornea que torna a vida humana poss vel. No
entanto, nos alerta sobre as conseqncias da banalzaro do termo e
que devido a esta banaliaaro, que tomou tal vulto, transformou-se em
modae emsinnimode ' fealdade", e que por isso j nao significanada,
10 Esll!nda: que (on.til '" "m $U, o q"e Ih" " proprio e o define, o qu" lhe d l ua ItU
predicado. o q"t permite dize. que o It. " aquilo qut "le e.
11 0 ser-em-.i " todo IU qut tll no mundo , mnmO que do sej.a animado. Mn mo t p. 'ncip,lm"ntt
ll5 seres que nio tl m consci"ncia de sua eristinri<1l sio os """''''IIl ''' Solo objetos, animaS, pb.nla.s,
mine.ai' , elC. ele n.MI 1"'" ( onscienci<1l de CI"t nUo roo m"ndo, de qUt fu t'" p"rte do mundo.
Text os em di5cu.ss.io
(1)
vejamos urna dtaco (pp. 4-5) que sugere esta ampliaco de significaco
para o existendalismo:
Urna senhora de quem me falaram recentemente, quando por nervosismo
delxa escapar urna palavra menos prpria, declara para se desculpar:
parece-me que estou a tornar-me existencialista. Por conseguinte, alia-se
a fealdade ao existendalsmo; (,..) Parece que afalta de urna doutrina de
vanguarda, anloga ao surrealismo, as pessoas vidas de escandalo e de
volram-se para esta filcsofia, que, alls, nada lbes pode trazer
nesse dominio; na realidade, a doutrina menos escandalosa e a mais
austera poesvel: ela estritamente destinada .lOS tcnicos e .l OS filsofos.
Sart re adverte para urna determinada banaliaaco do termo
"existend alist a". Essa banaliaaco ou vulgarizaco do termo levou
muitas pessoas a usarem a filosofia existenci allsta, em sua vers o mas
popular, como urna vlvul a de escape para suas prprias afetacoes. Esse
entendmento deve-se. principalmente, por haver duas corrent es de
pen samento ou escolas exist endalist as na poca, a saber : a crist e a
atesta. Portanto, Sart re trat ar de diferenciar essas duas escolas.
H duas escoJas existend alist as
A complicaco toda, segundo Sartre, d-se por haver duas esp-
cies de exstendalstas: os crist os e os ateus. "O que t m em comum
simplesmente o fato de admiti rem que <l. existnda precede a ess n-
cia , OU, se se quiser, que ternos de partir da subjetividade". Da segue-se
a pergunta necess ria: "Que que a rigor se deve entender por isso?"
Bom, segue-se a explcaco de que o modo vulgar e o mod o religioso de
ver os objetos do mundo, acabam por definir tuda a partir de um concei-
t o universal. O exemplo dado o de corta-papel, que vamos chamar de
tesoura12. Para se produzir urna tesour a o artfice reporta-se ao conceito
e at cnica de que seria a receit a de produc o, es te objeto, a t esoura,
foi concebido antes de sua produco por este conceito de corta-papel,
entao t ero-se a que a ess nda, que o ser do objeto, precedendo a
12 H out ras mquinas que cort.m e que nao 5;;'0 tesouras, a guilhot in. uro t n mplo.
existencia deste objeto. Primeiro tem-se o conceito, concebe-se e depo is
produz-se. Com a expli caco da criaco do Homem por Deus (p.S),
Sart re demonstra que o processo o mesmo:
Quando concebemos um Deus criador, esse Deus identificamo-Io quase
semprecom umartfice superior; e qualqucr quesejaa doutrina que con-
sideramos, trate-se de urnadoutrina como a de Descartes ou a de Leibniz,
admitimos sernpreque a vontadesegue mais ou menos a inteligencia ou
pelomenos a acompanha, eque Deus, quandocria, sabe perfeitamente o
quecria. Assimoconceitode homem, noespiritode Deus, assimilvel ao
conceto de corta-papel noespirito doindustrial; e Deus produzo homem
segundo tcnicas e urna ccncepcc. exatamente como o artfice fabrica
um corta-papel segundouma definiro e urna tcnica. Asstm o homem
individual realiza um cene conceito que est na consciencia divina. No
sculo XVIII, para o ateismo dos filsofos, suprime-se a noco de Deus,
masnao a idiade que a ess ncia precede a existencia. ...0 hornem possui
umanatureaa humana; esta natureza,que oconcetrohumano, encontra-
se em todos os homens, o que significa que cada homem e umexemplo
particular de umconcetto universal - o hornem; ..
Mas essa afirmaco nao significa que essa nat ureza humana deva
manter-se em separado do conceito de um Deus onipotente e onisci ente.
Sartre fala aqui em "condcao humana" . A condco do homem lancado
no mundo tal que se torna o autor e responsvel por todos os atas que
pratica em sua esfera pessoal e que, conseqent emente, vo acabar por
interferir na vida de todas as outras pessoas do mundo. Por outro lado,
o prprio problema do existendalista, assim, nao rnais se existe ou nao
existe um Deus. Essa quest o nao importa. Mesrno que Deus exista, a
par tir do momento em que o hornero jogado pra fora dele, pos ta no
mundo, deve ser responsvel por seus atas na mesma medida ero que suas
aces sao dirigidas a todos os homens do mundo, senda ele um individuo
particular representativo de todos os outros hornens do mundo.
ohomem que ele prprio se faz
Percebemos ent oque a forma, de ver o homem, apontada acima
16 nr. OEXI STENCIALl SMOUM HUMANISMO SARTRE Textosfilosfi cos ern discussu
(1)
coisifica o homem e d-lhe urna natureza. Porm para o existencialismo
ateu, considerando ent o que Deus nao existe, que mais coerente, "h
ao menos um ser no qual a existencia precede a essncia, um ser
que existe ant es de poder ser definido por qualquer conceito, e que este
ser o homem cu, como diz Heidegger, a realidade humana" (outra
dtaco p.S):
Mas se verdadeiramente a existencia precede a essncia, o homem
responsvel por aquilo que . Assim, o primeiro esforco do existen-
cialismo o de por todo o homem no dominio do que ele e de lhe
atribuir a total respcnsabilidade de sua existencia. Equando diurnos
que o hornem responsvel por si prpric, nao queremos dizer que
o homem responsvel por sua rescrita individualidade, mas que
responsvel por todos os homens.
Se um homem age, ou se nao age (omiss o) por isso mesmo esco-
lhe. Dir Sartre, s a n o-escolha !he proibida. Aa homem lancado ao
mundo nao h o nao escolher; escolha, mesmo quando nao escolhe est
tomando partido desta ou daquela posico. Est condenado a ser livre,
na medida em que nao pode, inconscient e ou deliberadamente, deixar de
escolher, em t odos os momentos de sua vida. Emfunco de seu projeto, o
homem assim tornado livre poder escolher com mais ou men os interesse,
do ponto de vista daqueles objetivos que ele mes mo se prope realizar.
Oprojeto
O que h a que o homem primeiro existe e dep ois de sua exis -
tencia, dep ois de acorrer sua descoberta para si, que atravs de suas
escolhas projeta-se para o futuro e constr i-se. E ao agir dessa ma neira,
ele que pri meirament e nao era nada, vai sendo equ ilo que projeta ser, tal
como se fizer at rav s de suas escolhas. Porm nao ser como ele quiser,
porque o querer pos terior aescolha na qual o homem se faz (p.B):
Porque oque ns queremos dizer que o homemprimeiro existe, ou seja,
que ohomem, antes de mais nada, o quese lancepara umfuturo, e o que
IV. OEXISTENClALlSMO UMHUMANISMO - SARTRE
econsciente de se projetar no futuro. O homem, antes de mais nada,
umprojeto que se vive subjetivamente, emvezde ser um creme, qualquer
cosapodre ou urnacouve-flor; nada existeanteriormente a este projeto.
Essa escolha, esse projeto pessoal e int ransferlvel. Se os at as
individuais sao objetivos, as escolhas feitas a pa rt ir do estabeleciment o
do projet o sao obri gac es das quais nao se pode fugir, urna vez que sao
deliberadame nte escolhidas por ns mesmos em nos sa intimidade.
Lendo um pouco mais afrent e no text o, encont ramos a reafir ma-
~ a o do homem como projeto, que alis principalmente esta a discusso
feita por Sartre ao longo da conferencia, vejamos (p.13):
Adoutrina que vos apresentc justamente a oposta ao quietismo, visto
que ela declara: s h realidade na a ~ a o ; e va alls mais longe, visto que
acrescente: o homemnao seno seu projeto, s existena medidaem que
se realiza, no portante, nada maisdo que o conjuntode seus atos, nada
mais que sua vida...
Assim, para o existencialis t a nao h escape fcil de suas res-
ponsabilidades, nem de vivenciar as conseqnd as de suas aces. Isso
implica a prpria noco do que significa estar vivo, do ponto de vista
existenciali sta. Que seria a vida seno o vver, delibe rado, cons ciente de
seus at as e responsabilidades sobre as conse qncias - quaisquer que
forem - desses mesrnos atos?
oato individual envolve toda a humanidade
O hornero se escolhe e, em se escolhendo, escolhe toda huma-
nidade, cna urna imagem par a si, a da monogamia, por exemplo; a
part ir dai constr i tuda em torno disso, projetando e fazendo seu
futuro acontecer. Estes atas e escolhas que envolvem urna drec o, uro
caminho, ist o t arnbm acaba senda valor, e como antes desse projeto
nao havia nada, lago para o homem nao existe urna moral prvia ou
anterior, ela (a moral) cons ti t uida no momento de sua aco, de sua
escolha; essa ac o que do homem j de in cio autentica, [ que
Textos filosficos ero drsccssao l.i:l':::::
(1)
12
todo ser nico e em sua escol ha constr i-se a si , o mundo e t oda a
Humanidad, (pp.6-7J:
Quando diz.emos que o homem se escolhe a si, queremos dizer que cada
um de ns se escolhe a si prprio; mas coro issoqueremos tambm dzer
que, .10 escolber-sea si prprio, eleescclhe todos os homens. Comefeito,
nao h de nossos aros um sequer que, .10 criar o homem que desejamos
ser, nocne ac msmotempo urnaimagemdo homemcomojulgamos que
deva ser. Bscclher ser sso ouaquilo afirmar.10 mesmo tempoo valor do
que escolhemos, porque nuncapodemos escclher o mal, o que escolhemos
sempreo bem.e nada pode ser bom para ns semque o seja para todos.
... Assim, nossa responsabilidade muitomaior doque poderiamossupor,
porqueelaenvolve toda a humanidade. ... Esequero, fato mas inrl ividual,
casar-me, ter filhos, ainda que este casamento dependa unicamente de
minha stuace, ou de minha peixc, ou de meudesejo, tal ato implica-me
nao somenrea mim, mas a toda a humanidade na escolhadesse caminho:
a monogamia.
Cada ato indi vidual pode ser entendido como extenso daquilo
que eu, enquanto ser humano indi vidual, desej o para toda a hu mani-
dade e manifesto atrav s de meu ato de assim agir. Se nao desejo o mal
para mim mesmo (e como poderia faze-Io?) nao posso desejar, para o
conj unto da humandade da qual sou parte ativa, out ra coisa seno o
bem que desejo para mim mesmo. Aquilo que julgo bom e vlido para
mim mesmo, enquanto considero minha individualidade, h de ser
boro e vlido para o conjunto de todos os demais seres humanos que
perfazem a comunidade humana de que sou pa rte.
A angsti a mio conduz ainapio /
Ao agi r de maneira tal, o homem est ent o implicando toda a
hu manidade, toda a conformaco de sua poca pautada por essa aco,
ele faz de si o que sua poca enxergar de si, e, se pratica um at o qual-
quer, por sua escolha, ele ter de dizer se tal ato born ou mau, e t udo
se passa para quern tem respons abilidad es assumidas, como se t oda a
humanidade estivesse com os olhos voltados para si (p.S):
Iv. OEXISTENCIALlSMO UM HUMANISMO _SARTRE
Tudosepassacomose, paratodo hornem, toda ahumanidadetvesse osolhos
postesno queelefaz e seregulasse peloqueelefaz. Ecada homemdeve dzer
a si prprio: tereio direitodeagirdetal modoquea humanidadeseregule por
meusatos?Eseo hornemnodizisso, porqueeledisfaJ? suaangustia. N.io
setrataaquiduma angstiaquelevaria aoquietismo, a Trata-seduma
angstia simples, conhecida por todos os que tm tido responsabilidades.
Quando, por exempto, umchefe militartomaa responsabilidade durnataque
e at ra para a morte um certc nmerode hornens, tal escolha fe-la elee no
fundoescolhesozinho. Sem dvida, h ordens quevmdecima; mas saoelas
demasiadolatitudinarias eimpe-se, pois,umainterpretacoquevemdoche-
fe; desta interpreta co depender a vida de dee, catoree, vinte homens. Nao
podeeledeixarde ter, na dedsode tomar, urna rerta angstia. Tal angstia
todos os chefes a conhecem. Mas tssonaoos impede de agr. pelo contraro,
issomesmoacondeaodesuaeco. Implicasso,cornefeto, queelesencaram
urna pluralidade de possibilidades; e quandoescolhem urna, do-se renta de
queelas temvalor por ter sdo escolhida. Esta. especie de angstia, que a:
quedescreve onistenciali smo, veremos queseexplica, almdo rnais,poruma
responsabilidade direta frente aos curros hornens queelaenvolve. Nao ela
urnacortina quenos separeda mas faaparte daprpriaaco.
Pobre e fraco seri a o hornem que, diante de urna sit uaco de
confito, preferisse a omisso em vez de agir. Porque, o existencialismo
o demons t ra, nao poder esse homem escapar de sua escol ha, mesmo
que ele opte por nao escolher at it ude alguma. Por si s essa omlsso
t orna-se urna escolha, consciente ou nao. Deliberada ou inconscient e
todo hornero em pasto de comando, por ou mesmo por omsso,
est fadado a escolher um caminho que ser trilhado por ele ou pelo
conjunto de seus subordi nados.
Desse modo, o hornero exist encialista pesar suas aces, procu-
rando encont rar o melhor caminho na realiaaco de um determinado
projeto. Sabedor de que nao poderjamas renunciar ao momento de
escolher ent re esta ou aqueJa aco, o hornern exist end alista procura
escolher a melhor aco.
DostoillSki e o existencialismo
Na busca por urna moral laica, por volta de 1880, professores fran-
Textos filosficos emdiscusso
(1)
ceses, tentando constru-la "disseram mais ou menos isto: Deus uma
hiptese int il e dispendiosa , vamos, poi s, suprimi-la, mas torna-se neces-
s rio, para que haja urna moral, uma sociedade, um mundo policiado, que
certos valores sejam tomados a srio e considerados com exist indo aprio-
(p.9). Ent o a discuss o sobre a existencia de Deus, como fundamento
de urna moral pr-existente, j vem de longe. As sucessivas tentativas de
negar sua existencia tambm, pormnao se quera o nusdesta exduso
da divindade. "Dostovski escreveu: 'Se Deus nao existisse, tudo seria
permitido', A se sit ua o ponto de partida do exstendalismo (p.9). Assim
o existencia lismo radicaliza esta discuss o e vai as lt imas conseqncias,
em nao exis tindo Deus, o hornero est abandonado aprpria sorte" e
sem desculpas, pois nao existindo Deus, tambm nao h valores escrit os
no firmamento, nao ha escr ituras sagradas , nao h determinismo. Nao
h ta mbm a natureza humana dada e imutvel. E a o homem t ero que
dar conta de si, tern que cuidar-se sabendo que nao h ningum por ele,
e portanto ele far, ele inventar sua moral , sua tica. Os valores sero
frutos de urna construco cotidiana na qual o prprio hornem tambm
construdo, o processo de escolha que falamos an teriorment e. Vamos a
uro trecho (p.9):
...Se por outro lado Deus nao existe, nao encontramos diante de ns valo-
res ou imposires que nos legit imem o compo rtamento. Assm, nao ternos
nem at rs de ns, ncm dia nte de ns, no dominio luminoso dos valores,
jus tficaees ou desculpas. Estamos ss e sem desculpas. o que tr aduzirei
dizendo que o homem est condenado a ser livre. Condenado porque
nao se cnou a si pr prio; e, no entamo. livre porque , urna vez lencadc ao
mundo, responsvel por t udo quanto fizer ..
ohomeminventa ohomem
Part indo do pressuposto de que nao exist e Deus, parti ndo ainda
de que os valores nao sao imposc es ao homem, e ainda que o homem
13 A"xpl't'ssao ' abandonado a propr ia SOrlf" , uti li....da <I'Iu como 'po r tonta propria ' ou ' s no mundo
tf'n do sement e a si proprio'.
responsvel sozi nho por seu comportamento, Sartre afirma que estes
pressupostos iniciais tomam o hornero livre, e ero senda o hornero livre
ele responsvel por tuda. O existencialismo, por isso, nao concede
legit imidade para as aces levadas pela forca das paixes. O homern at
pode us-las como desculpa. mas responsvel por estas paxes. Com
isso a liberdade int rnseca ao homem, nao h como ele alien-la ou
livrar-se dela, at quando se submet e ele est exercendo a sua liberdade,
nesse aspec to o homern se inventa quotdianamente (p.9):
oexistencialismo nao er na forra da paixo. Nao pensar nunca que urna
bela paixo eurna torre nte devastadora que conduz fatalmente o hcmem
a cerros atos e que, por consegunte, tal paixo urna desculpa. Pensa,
sim, que o homem responsvel por essasua paixo. Oexistencialista nao
pensar tambm que o homem pode encontrar auxilio num sinal dado
sobre a terra, e que o hde orientar: porque pens.1 que o homem dedfra ele
mesmn es te sinal como Ihe aprouver. Pensa, portante, que o homem, sem
qualquer apoio e sem quelquer auxi lio, est condenado a cada inst ante a
inventar o hornem.
Engana-se aque le que pensa estar o homern fada do ao desespero.
O homern , ant es de t udo , capaz de cria r, desenvolver e manter seu
pr ojeto. Esse projeto pode se r pasto e reposto a qualquer momen t o,
urna vez que o homem exist enci al ista pode sempre recomecar . A cada
recomeco, urna nova reinvenco de se u ser enquanto hornem Iivre,
pleno e res ponsvel por seus atos, que precisa deliberar e escolher com
consdnda.
Nao hmoralgeral
Se o homem cons tante mente est a inventar-se, ele pode valo-
rar est e ou aquele sen t imento, esta ou aquela decisc, esta ou aquela
escolha, sem constrangimentos. J que ele escolhe , mesrno que ponde-
radamente, mesmo que sua escolha parece vir de conselhos de outrem,
quando vai at algum para se aconselha r, j escolheu aquele com quem
tem afinidade. Ou j conhece ou sus peita qual ser o conselho, age e
Iv. OEXISTENClALlSMO UM HUMANISMO-SARTRE Textos filosficos emdscuss o
(1)
escolhe algumcom quem desde sempre pode contar para seu objetivo
de tomar a decis o ou de escolher o caminho que deve seguir, ou ainda
de valorar um ou outro sentimento. o que sucede na passagem que
segu, na qual Sartre j est finalizando a narrativa de umjovem que
estara em dvidas sobre o que deveria fazer engajar-se nas lutas da
resistencia ou cuidar de sua mefp.H):
Poroutns palavras,osentmenteconstitu-sepelosates quesepraticam;
nao POSSO pcis consulta-le pna me guiar por ele. Oque quer dzer que
nao possonemprocurar emmimOestado autenticoque meobrigara
agir nem pedira urna moral 05 conceitos queme autorizem a agir. Pelo
menos, dinis vs, ele procurou um professor para lhe pedir conselhos .
Mas se procurardes umconselho junto dum padre, por exempio, que
escclhestes esse padre, sabeis ~ no fundo mais ou menos o que ele ir
aconselhar-vos. Por outr.u palavras. ao escolhermos o consdheiro
amda comprceeeermo-nosa ns prprios. Aprov.a est.i t'ITI que, sesois
crstcs, dirris: consulta um padre. Mas h! padres colaboracionistas,
padres oportunistas, padRs resistentes. Qua! escoIher? Ese o jovml
escolhe um padre resistente, ou um padrecol.lborotcionista, j.i didiu
sobre o pro<kconselhc que va receber. Assim, procurando-me a
mim, j.i sabia a resposta que eu lhe iria dar, e ec tinba semente UINI
resposta a <br)he; voci i l iere, escolha, querodiser, invente. Nenhuma
moral gen!pode indicar-voso que t.a fuer; nlo N sinas no mundo.
ohornern faz, antes de qualquer intervenco divina ou extraterre-
na, os prprios sinais deque ir dispar-se a seguir pelos caminhos de seu
prprio mundo. Nern o homem sabeos carninhos que escolher amanh,
ounomesseguinte,oua formacorn aqual desenvolver seuprojetofuturo.
Quereis maior l iberdade de a{ao do que nem rnesmo super o que estar
a fazer no dia seguinte? Por mas que o hornemse coloque determi nadas
tarefas, o exstendalismo implica urn completo desprendimento naquilo
quetangeaoenfoque moralpeloqualnossasescolhassaofeitas. Assim, nao
ser responsabilizado o homemexistendalsta que adotou essaou aquela
opcopoltica ouideolgica;antes, fazpartedoprprioprocessodeescolha
estarvivo e atuante tantosocial, quanto politicamente erosodedade.
odesespero
O homem, quando escolhe seu objetivo, quando age, ele est
s . Essa sua escolha de inteira responsabilidade sua, ele a faz em sua
solido, por estar no desamparo. Ento ao escolher o que vai ser, ao
prcjetar-se, ele tambm se faz forjando moral, visto este desamparo,
visto nao haver smas no firmamento. Eero sua consciencia, porque
age forjando moral, condenado que est a fazer tudo por sua prpria
conta, ele sabe que estar inventando, construindo-se. Eatravs desta
consciencia que a negacc de outras possibilidades, que responsvel
pelo dar conta de si, que o ser-para-si, e por dar conta de queest no
desamparo, ocorrea angstia, ocorre o desespero.
odesamparo implica sermcs ns a escclher nossoser. O desamparo pa-
ralelodaangstia. Quanto ao desespero, esta expresso temuro sentido
bastante simples. Quer ela dieer que ns nos limitamos a contar como
quedepende de nossa vontade, ou coroo conjuntodas probabilidades que
tomam nossa a ~ a o posstvel, Quando se deseja algurna ccisa, hsempre
urnasriede elementos provaves.
Dessa vasta srie de elementos, de possveis projetos que nao
podero ser realizados jamais todos, nasce urna certa angustia. ou de-
samparo. prprio doprocesso deescolha essaangstia, mas piar seria
nao escolher, pos, dada a impossibildade disso, conforme mostramos
acima, nada mais desesperador do que arcar com as responsabilidades
por aquiloque deixamos de fazer.
Nao h natureza humana
Em estando o homemno desamparo, sozinho no mundo, isto
semque haja sinais no firmamento, sem que haja urna regra divina, ele
deve agir para buscar ser. Eeste ser buscado pelo homem, chamado
por Sartre de ser-para-si, que a consciencia de si, conscienciaqueele,
homem, temde sua existencia, e que abertura. E esta abertura que
p e e quesignifica o mundo, e ta mb m esta abertura quesepara o ser-
em-si de sua consciencia, separacc ainda que a consciencia faca parte
IV. oEXISTENCIALISMO~ UMHUMANISMO- SARTRE
Textos filosficos emdis<ussAo( I )
do ser-em-si. Separa porque ela. a consciencia, que nega tuda para
diferenciar-se dos seres do mundo e para forjar-se constantemente,
quotidianamente. Dessa forma no hnatureza humana para servir de
modelo, visto que ao hornern, emseu desamparo, resta fazer-se no dia-
a-dia, oeste agir, e neste fazer-se est a busca de ser o que projetado
por si e para-si (p.13).
Maseu nao possocontar comhomens que nao ccnheco,apelando-mena
bondade humana e no mteresse do homempelo bem da sodedade, senda
aceiteque o homem livree que nao h nenhuma natureza humana em
que eu possabasear-me.
Dado que o hornem faz-se a cada novo projet o, nao Ihe dado
fundar sua aco numa regra geral de conduta humana. Ero outras pa-
lavms, cada hornero tero urna stuaco especfica para agir e deliberar
de determinada maneira ou de out ra, como assim Ihe aprouver. Quem
sabero melhor caminhoa seguir, senoeleprprio?Dequalquer modo,
feita a escolha, da qual nao se pode escapar, naturalmente, pois assim
a vida, pois assim o mundo, trata-se de colher os frutos ou pagar as
perdas de tal escolha.
oexstend alismo opoese 410 quietismo
Amedida que o hornem s6 toma consciencia de si quando sabe
que est s6 e no desamparo para forjar-se, e emestando s , ele percebe
que ter que agir para buscar ser o que projeta para-si, ento. as cosas
serc o reflexo das decises e dessa aco. Quando ele vai embuscadesse
projeto, quandoelebusca completar seuser, mesmoquesempre perceba
haver ainda a falta, ele sempre dar conta de que algoainda Ihe escapa,
porm, ainda assm, ele estar sempre nesta busca, neste agir, j que 3
realidade est neste agir. Assimo existendalismoop e-se 30 quietismo,
que era urna das acusaces que fi zeram contra esta doutrina (p.13).
oquietismo a atitude das pessoas que dizem: os curros poden fazer
IV. OEXISTENClAlISMO UM HUMANISMO- SARTRE
aquiloque eu nao possofuer. Adoutrina que vosapresento justamente
a oposta 010quietismo, visto que eladeclara: s h reahdade na a ~ o ; e vai
alis mais lcnge, vistoque acrescenta: o hornem nao senoseu projete,
s existe na medida ern que se realiza, nao, portante , nada maisdo que
o conjunto de seos atas, nada mais do que SU.l vida. De acordo com tstc
podemos compreender porque nossa doutrina causa. horror a um certc
nmerode pesscas.
Essas peSSO.lS, supe-se que Sartre esteja falando de adeptos de
alguma relg o, t m medo de agir e nessa a ~ o perderem-se. Julgam,
errneamente, serem capazes de salvar-se pela in rd a da no-escolha.
Nao praticando seno o bem, por meio de outros seres, julgamestarern
lirnpas da roda pecaminosa da aco material. Mas .10 homem nao
dada tal possibilidade. Ano-aco tambm implica escolha: escolhi nao
me mover, sou responsvel por tuda que minha imobilidade produz
ou, antes, sou rcsponsvel por tudo que minha imobilidade deixou de
produzir no mundo.
Responsabilidade do homem
O hornero o conjunto de seus atas, sao suas ac es e as relar es
que vo estabelecendo e definindo o ser hornem, e sernpre pode ser de
out ra maneira, j que toda a ~ a o foi decorrente de urna escolha, que foi
feta valorando este ou aquele sentmento, valorando esta ou aquela
necessidade. mas que poderia ser outra. ent o um empreendimento
contingente, que chegou at onde chegou devido asoma de atos e a
organizaco dada pelo ser-para-si, dada pela consciencia que move o
ser-em-s. desse modo responsabilidade sua, s temo que fci projeta-
do para o ser-em-s pelo ser-para-si (p.14).
oque queremos dizer que umhomemnada mais t do que urnasrie
de empreendmentos, que ele a soma, a crganieaco, o conjunto das
relares que consttuernest s empreendimentos. e..)Se ha pessoas
que nos censuram nossas obras romanescas nas quais apresentamos
seres indolentes. fracos, covardes, e algumas veees mesmo franca-
mente maus, no nicamente porque estes sao indolentes, fracos,
Tuto.sti.lolfico.s emdiscuss.io
(1)
covardes ou maus: porque se, como 201.1, dissssemos que eles do
assim por causada bereduaoedede. por causa da influencia do meio,
da sodedade, por causa dum determinismoorgnico ou psicolgico,
tais p6soas ficartam sossegadas e diriam: ora, al est, somos assim,
contra tssc ningumpode nada. Masoexistendalista. quando descre-
ve um covarde, diz que este covarde responsvel por sua covardia.
...Nao h temperamento covarde; (,..) O que certas pesSOilS sentem
obscuramente, e queas horroriza, queocovardequeapresentamos
o culpadode ser covarde.
A face mais dura do existenciali smo a verdade de mais dificil
aceitaco dessa doutrina: o homem nao est em determinada situaco
porque foi nela colocado, mas porque aceita nela permanecer. Nada que
fizeram conoscopode ser ent endido como urna fatalidade, pois nos cabe
livrar-nos de qualquer situaco, conduzir nossa vida e mudar nosso
destino. O homem que est fragilizado, por qualquer moti vo, a ele cabe
a responsabilidade de assim se sentir. Emcada pessoa existe um poder
de alterar sua prpria situaco, a condico em que se encontra. Apenas
o lamento de nao poder escolher Ihe negado.
o "cogi to"
O homem o nico objeto no mundo que etambm e ao mesmo
sujeito, eo ser-em-si e tamb m o ser-para-si, ea partir desta consci-
encia, de que ele pe o mundo, mas tambm est e e parte dele que
possvel o existencialismo, alas este o incio do existencia lis mo, o
ponto de partida, a existencia que precede a ess ncia, a subjetividade
do individuo. Eesta subjetividade est no (agitocartesiano, "penso logo
exist o" (p.15).
Nosso ponto de partida .comefeito, a subjetividade do individuo, e
sso por raaes estrttemente fil osfi cas. Nao por sermos burgueses,
mas por querermos uma doutrina baseada na verdade, e nao umcon-
junto de teonas bonitas, cheias de esperance, mas semfundamentos
reais. Nao pode haver outra verdade, nc punto de partida, seuao esta:
"penso.Icgo existo": a que se atinge a si prpria a verdade absoluta
da coesdno a. Toda teoraqueconsiderao homemforadeste momen-
rv. OEXISTENCIALlSMO UM HUMANISMO SARTRE
to antes de mais urna teoria que suprime a verdade, porque, fora
deste cogito car tesiano, todos os objetos sao apenas provveis, e urna
doutrina de possbildadeequenaoest ligadaa urnaverdadedesfaz-se
no nada; para definir o prcvavel. ternosque possuir o verdadeiro.
O verdadeiro existe no universo da subjetividade humana. Que
eesse hornem que nada mais do que seu projeto? Essa consciencia de
ser, de estar vivo, de ser responsvel por seus atas e de tuda o que dol
advm toma os homens conscientes do fato sumrio da vida humana:
eu sou, eu existo. eu estou no mundo para agir, para escolher, para
construir o mundo segundo minha vontade, para redimensionar meus
pr prios limites.
A exist ncia de outrem
Quando o hornem toma consciencia de si e descobre-se aber-
tura para o mundo, ele j est vendo o mundo atravs da existencia ,
atravs de sua presenca, diferente do ser-em-si, mas tambm diferente
dos outros exist entes que tambm se projetam e que ele ve. e percebe.
Descobrindo que vai senda aquilo que projeta ser, atravs do cogto, ele
tambm descobre os outros existentes, j que o que ele projeta para-si,
tambm depende da viso de out rem, como os outros existentes , que
tambm agem e projet am-se,lhes ve. e Jhes percebe, e ainda, como sao
seos julgamentos a seu respeito (p.16)_
Assim, o homem que se atinge diretarnente pelocogilodescobre tambm
todos os curros. e descobre-os comoa ccndkc de sua existencia. Da-se
conta de que IO pode ser nada (no sentido emque se diz que se espiri-
tuoso, ouque se perverso, ouciumentol, salvoseos outroso reconhecem
como tal. Para obter urna verdade qualquer sobre mim, necessrlo que
eu passe pelo cutre. Ooutro lndispensvel a minha existencia, tal como,
alias, .10 conheci mento que eu tenho de mimoNestas condces. a deseo-
berta de minha intimidade desccbre-me ao mesmo rempo o outro como
urna liberdade posta em tace de mim, que nada pensa, e nada quer sen o
a favor ou contra mimoAssim, descobrimos lmediatarnente um mundo a
que chamamos a mtersubjetlvldade, e oeste mundoque o homemdeci de
sobreo que ele e o que530 os outros.
Textosfilosficos erndiscusso
(1)
ohomemnaosedescobresozinho nomundo, parte de umtodo
interligado, responsvel e responsabilizado constantemente por seus
atos. Minha a.;:ao individual implica meu entendimento de que tudo
aquilo que eu estver porventura fazendo numponto determinado do
planetaafeta toda a vidahumana na terra. Nao se age para si mesmo
apenas, mas para o conjunto de todos os seres que, como eu, saolivres
paraconstruir oquedenominamos mundoedequesomosparte consti-
tuinte, responsveis diretos por seudesenvolvimento e conservaco.
Situapio histricat condipio humana
Ohomemnao est sempre na mesrnacondco. dependendo de
onde ele venha a existir, ele pode ser escravo, prisioneiro, proletrio,
padre, nobre, dentre tantas possibilidades, mas com estas condkes
nao saodadas por urna natureza humana, e simpor urna contingencia,
nao h ento urna condico perene, que perduraat sua inexistncia, j
queoslimites impostos pela contingencia saoou podemser quebrados,
s6 dependendo da escolha e da aco do homem, exemplodsso sao as
revoluces francesae russa. Emnao havendo natureza humana, hque
considerar ao menos urna condko da qual o homem nao escapa, ele
temque estar no mundo, comos outros, e que ele mortal (p.16).
Por condit;loentendemmaisou menosdisrntamente o conjunto de limites
a priori que esbocarn SlLl fundamental no universo. As situ.a(Oes
histricas variam: o hornero pode nascer escrasc nurna sodedade pag.l ou
senhor feudal00 prcletrio. Mas o que naovariaea necessidade p.ara elede
estar no mundo, de hitar, de viverromos outros e de ser mortal. Oslimites
nao sao nem subjetivos nem objetivos, t m antes urna face objetiva e urna
(ace subjetiva. Objervos porque tas limites se encontram em todo lado e
em todo lado so reccnbcovets. subjetivos porque sao vividos e nada sao
se o homemos nao viver, quer dieer, se o homem nao se determina livre-
ment e ernsua exst ncaem relacac a eles. Eembotaos projetos possamser
diversos, pelo menos ncnhum me etnteiramente est ranho, porque todos se
apresentam romournatentat iva para transpor estes limtes ou par a os faaer
recuar ou para os negar en para nos acomodar a eles. Porronseqnda , todo
projeto, por mais individual que seja. temo valor universal.
IV. O EXISTENClAlISMOUMHUMANISMO SARTRE
Do ponto devistadoindividuo, oprojeto podeparecer individual
ou subjetivo. Mas dado que esse hornem se encontra inserido nurna
teia social, onde seus atos sao representativos de sua prpria vontade,
e ondecada vezemqueemana o poder desua vontadeest se referindo
diretamente ao conjunto dos demais seres humanos, influenciando-os,
o projeto de urn hornem torna-se o projeto de toda urna coletividade.
Seescolho o celibato, por exemplo, porque acredito ser essa a rnelhor
opco para toda a humanidade.
Escolha e subjetividade
Ohornemquandoage, quando escolhe oprojeto, quando se proje-
ta, faz-se a si, mastambm faz umtipode sociedade; posso exemplificar
(sabendo quenemsempre seatinge oobjetivo postoqueoexemplo limita
muitoo quese quer dizer): quando o homem faz escolh.a por umregme
de fundonamento econmico, eleprovoca paratoda a hurnanidade urna
situaco ernqueseestabelece urna. poca" foi ocaso doliberalismo advin-
dodo Duminismo e das revoluces industrial (na Inglaterra), americana
e francesa. O homem nestes casos fez sua escolha, agiu e realzou urna
transformaco e imps urna situaco para toda a humanidade. Porm
mesmo as escolhas saocontingentes e saodadas relativamente acondi-
.;:.io de rompimentoou nao debarreiras, entoainda quenaobajanadaa
priori, ainda hurna situaco queelesabeorganizada, queo implica eque
aotomarurna. dedsoimplica tambmtodaa humanidade. Por mvamos
.10 texto, poisSartre explica-nosmelhor estacondko nas pp.I?18, aps
a objeco desubjetivismo; vejamos:
Emprimeirolugara primeira vocpodeescolher seja o quefor, nao
exata. Aescolhaepossivel numsentido. mas oque n....o possivel naoes-
colher. Posso sempreescclher, mas devo saberque, se eu n.... o escclher,alnda
escolho.Isto, embora parecendc est nnmente formal. temurna importancia
multo grande, para limitar a fantasa e o capricho. Se verdade que emface
duma situaco (por exemplo, a que fazque eu seja umser sexuado
14 Utilizo o como: Itmpo no q.....J Ocomport amtnto t OS costumu dos
Yo miMo p.adronWdos, sendo lamWm uma cultura .
Textos filosficos emdiscuss.lo
(1)
podendo ter relecoes com um ser de out ro sexo, podendo ter filhos) eu
sou obrgado a escolher urna atitude, em que de toda maneira eu tenho a
responsabilidade duma escotha que, ligando-me por um comprcrnisso. liga
tambm a humanidade intei ra, ainda que nenhum valor a priori determine
minha escclha, esta nada tem a ver com o capricho; e se se julga encontrar
aqui a teoria gideana do ato gratuito, que nao se ve a enorme diferenca
ent re esta dout rina e a de Gide. Gide nao sabe o que urna situaco; ele age
por simples capricho. Para mim, pelo contraro, homem encontra-se numa
situac o organizada, em que ele prprio est implicado, implicasua escolha
a humanidade inteira, e nao pode evitar o escolher : ou ele permanece casto,
ou se casa sem ter filhos, ou ento casa-se e tem filhos; de qualquer forma,
fara o que fizer, mpossvel que ele nao assuma urna responsabilidade total
em face deste problema. .,
ohomemescolhe-se em relafiio com os outros
O hornern quando age de determinada manera a sua escolha,
escolha livre mas nao gratuita, quando escolhe o projeto, julga, inventa,
cria, ele responsvel pelo que est fazendo, pelo que est projetando,
os outros o ver ocomo ele projetar, mas tambm com seus julgarnentos ,
j que a aco realizadora de moral (p.19).
Podemos, no entanto, julgar moralmente, porque, como j disse, em
face dos out ros que escolhemos e nos escolhemos a ns. Podemos julgar,
antes de mais (e isto nao talvez um juzo de valor, mas sim um juzo
lgico), que cenas escolhas sao fundadas no erro e outras na vcrdadc .
Pode julgar-se um homem dizendo que ele est de m-f. Se definimos a
situaco do homem como urna escolha livre, sem desculpas e sem auxilio,
todo homem que se refugia na desculpa que inventa um determinismo
um homem de m-f. Objetar-se-: mas por que nao se escolhetia ele
de m-f? Respondo que nao tenho que julg-lo moralmente, mas defino
sua m-f como um erro . Ncste ponto nao se pode escapar a um juzo de
verdade. A ma-t evidentemente urna mentira, purque dssimula a total
liberdade do compromisso.
A escolha baseada nu ma mentira, por exemplo, ilude o pr prio
mentiroso, porque este nao escolheu de fato nem verdadeiramente.
Assim, escolhe iludir-se e ludibriar a si mesmo, escolhe enganar-se na
m-f para consigo mesmo e para com o restante da humanidade. Tal
atitude nao desmerece o sentido do existe ndalismo, antes, o demonst ra
mais urna vez. Posso escolher ment ir, enganar, roubar e mesmo matar,
mas nao poss o escolher enganar a mim mesmo, ainda que a descoberta
desta auto-traco denuncie urna contradco ern termos: nao existe
urna mentira contada por outro para me enganar, se no mximo fui eu
mesmo quem escolheuacreditar nessa men tira. Se a ment ira foi contada
de mim para mim, tanto piar, escolhi tentar enganar-me e, duplarnente,
escolhi acreditar ero minha prpria mentira.
Aliberdade
J dissemos por diversas vezes que o homem escolhe de acordo
com sua consciencia; nessa escolha, nessa acoele cons t ri-se, esta aco
aco de quem livre. Aliberdade, porm, nao algo que se possa ter
por si mesma, mas bus camo-la dessa maneira; no entanto, ela mani -
festa-se quando estamos frente a cada circunstancia particular. Urna
coisa a liberdade como definico, out ra a liberdade da existencia; o
hornem que o ser-para-si nao out ra coisa seno esta liberdade, faz-se
como quelra, atravs de seus at as, constri-se enqua nto vive, engu anto
existe. E por existir antes de ser, isto por sua existencia preceder sua
essncia que ele t otalmente livre, livre at e principalmente para se
constit uir, para se realizar, para definir sua essnda, que no entanto
est sempre ern processo, sempre em const ruco, a menos que morra, a
menos que deixe de exist ir, da ent o a liberdade deixa de existi r, da ele
estar complet o (p.19) .
Quando declaro que a liberdade, atravs de cada circuns tancia concreta ,
nao pode ter outro fimsen o querer-se a si pr pria. se alguma vez o homem
reconbeceu que estabelece valores em seu abandono, ele j nao pode querer
seno urna coisa - a liberdade como fundamento de todos os valores. Nao
significa isso que ele a queira em abstrato. Quer isso dizer simplesmente
que os at os dos hornens de boa-f t m como ultimo significado a procura
da liberdade enquanto tal. Umhomemque adere a tal sindicato comunista
ou revoludonno quer fins concretos; estes fins irnplicam urna vontade
rv. O EXISTENCJALISMO UM HUMANISMO SARTRE Textos filosficos emdiscusso
(1)
abstrata da lberdade, mas esta liberdade quer-se em concreto. Queremos
a liberdade pela lberdade e atravs de cada circunstancia particular. E,
ac querermos a liberdade, descobrimos que ele depende lnteirarnente da
liberdade dos outros, e que a lberdade dos cutres depende da nossa. Sem
dvida, a liberdade como definicc do homem nao depende de outrem.
mas, urna vez que existe a lgaro de um ccmpromisso, sou obrigado a
querer ao mesmotempominha liberdade e a liberdade dos cutres: s pos-
so tomar minha liberdade comoum fim se tomo igualmente a dos cutres
como um fim. Por conseq nda, quando, num plano de autenticdade
total, reconheci queo hotnern umser no qual a ess ncia precedida pela
existencia, que umser lvre, que nao pode, emquaisquer circunstancias,
seno querer a sua liberdade, reconher ac mesmo tempo que nao posso
querer senc a liberdade dos outros. Assim. ern nome desta vontade de
liberdade, implicada pela prpria liberdade, possc formar jufzos sobre
aqcelesqueprocuramocultar-se a total gratuidade de sua existenciae sua
totalliberdade.
Esses, segundoSartre, estariam escraviaando-se emsuas prprias
masmorras, tra dos por sua prpria fraqueza de nao se desejarem Iivre,
enganados pela prpria obscuridade de sua viso que nao enxerga sua
total liberdade e responsabil idade de aco. Se sou livre, devo ver-me
como tal , e ver nos outros um refiexo dessa liberdade de que disponho.
Urna humanidade livre, responsvel, diretamente conseqente de seus
atos de escolha soberana.
Se represento urna d asse social determinada, ou se sou filiado
au sindicato de minha categcria, reallzo, individualmente, o projeto
de toda urna coletividade mais ou menos envolvida em meu projeto
individual. O que nao posso deixar de fazer, enquanto homem livre e
ser social consciente, engajar-me de todas as formas pelas quais sou
chamado a construir meu projeto de ser humano, atuante, poltico,
politizado e cidado.
Os ...alores eristencialistas
At o momento vnhamos conversando sobre a aco do nico
existente cuja existencia precede a essnda, esta aco que resultante
do projetar-se do hornero, roas que tambm fazer-se e escolher-se,
esta forma de existir, agindo como ser-para-si, acaba (como tambm j
vimos) por const ituir a humandade, acaba por julgar, acaba por valorar
os atos e escolhas de outrem, ent o pode-se dizer que os valores sao
inventados pelo homem amedida que ele vive, a vida adquire sentido
enquanto vai-se vivendo, nao h essnda antes disso, nao h senti do
antes da vivencia. Agora podemos verificar que os valores, para o ente
que o ser-para-si, sao construidos amedida que se vive, sao definidos ,
sao estabelecidos, sem covardia, pos os sentidos, os valores, sao dados
na escolha, e s escolhe aquele que e que tem consciencia de ser a
ser-para-si, aquele que na escolha carrega e altera o ser-ero-si, carrega
porque existe at ravs dele, altera porque sempre ero processo de busca,
de escolha, de aco, sempre nega o ser-em-si, fazendo dele algo diferen-
te do que era, posto que sempre est, o ser-para-si, ero projeto, sempre
est em const ruco, em realizaco (p.21).
A1m de que, dieer que inventamos os valores nao significa seno isto: a
vida nao tem sentido a priori. Antes de viverdes, a vida nao enada; mas
de vs depende dar-lhe um sentido, e o valor naoeoutra cotsasenc este
sentido que escolherdes. Por isso vedes que ha possblidade de criar urna
romundade humana. Criricaram-me por perguntar se o exstendalsmo
era um humanismo. Responderam-me: mas vecescreveu na Nusea que
os humanistas nao tinham razo. Vace trorou de um cerio tipode huma-
nismo, para quevcltar a eleagora? Na realidade, a palavrahumanismo tem
dois uruhu diferentes. Purhumanismo pudeentender-se urna
teoria que toma o homemcomo fim e comovalorsuperior. Neste sentido
h o humanismo em Cocteau. por exemplo, quando na sua narrativa A
Vo/ta ao Mundo em Oitenta Horas. urna personagem declara, por sobre-
voar montanhas de avio: o hornem espantoso. Significa sto que eu,
pessoalmente, que naoconstru avies, beneficiar-me-edestas invenres
extraordinarias, e que poderei pessoalmenre. na qualidade de homem,
considerar-me como responsvel e honrado com os ates particulares de
alguns homens. Issoimpllcaria que poderamas dar um valor ao homem
segundoos ates mais altos de certos hornens. Este humanismo absurdo,
porque s o coe o cavalo poderiam emitir umjulzode conjunto sobre o
homeme declarar que o homem espantoso, cotsa que eles est o longe
de fazer, tanto que se... Mas, quantc a um homem, nao se pode admitir
IV; OEXI STENCIALISMO UMHUMANISMO SARTRE
Textos filosficos emdlscussc
(1)
que POSs.l emitir umjuizo sobre o homem. O existencialismo dispensa-o
de todo julgamento deste genero; o exst encalsta nao tomar nunca o
homem como fim, porque ele est sempre por fazer .... O culto da huma-
ndade conduz ao humanismo fechado sobre si de Cornree, enecessario
dia-lo, ao fascismo. umhumanismo comoqual nao queremos nada.
Os juzos de valor sao constantemente fundados numa per spec-
t iva limitada da aco humana e, porque nao dizer, num entendimento
limitado daquilo que significa, efetivamente, ser humano. Urna lista
de regras e regulament os que acabarn por t olher as aces humanas
aproximam o homem da dit adura, dos regimes total-totalit rios,
de urna viso de mundo engessada, na qual toda aco corresponde a
um iderio que deva ser correspondido prontamente por aqueles que
praticam efetivamente essas aces . Ora, claro que o existencialismo
de Sart re vai rigorosamen te contra essa posico, urna vez que trata o
ser humano de um ponto de vista livre, autnomo, ccerente, em que as
responsabili dades individuais visam, sobretudo, ao bem comum.
ohumanismo existencialista
Aresultante do projetar-se do homem faz uro outro humanismo, um
humanismo que considera, que percebe, que o homem est constantemente
em projeto, enquanto ele existe em-si e para-si ele est na busca de suprir
a falta , ele responsvel ento por sua realizaco, mas suas aces sao cau-
sadoras da humanidade, ao fazer-se existir em sua ess nda em processo,
faz e escolhe tambm a humanidade, ento ele vive e faz este universo, o
universo humano que ele vive, que ele provoca, que ele pe. Nesse sentido o
existente, o ser-para-si, o existencialista faz o humanismo, este humanismo
real e concreto, que acorre no da-a-da, que est presente em toda a ~ a . o hu-
mana, com toda sua carga, coro todas as responsabilidades, sem desculpas ,
mas com muita responsabilidade e compromisso, j que compromete toda
hurnanidade ero sua aco, em seu existir, ero sua realizaco de ser-em-si,
que nao atingvel senccom a inexistencia, e numa existencia que s pode
ser humana, que s pode ser num universo humano, este o sentido do
humanismo existencialista (p.21).
Mas h umoutro sentido de humanismo, que significa no fundo isto:
o homem est constantemente fora de si mesmo, eprojetando-se e
perdendo-se fora de si que ele faz existiro homeme, por outro lado,
persegundo fins transcendentes que ele podeexistir; sendoo homem
esta superaco e naose apoderandodos objetos senc em referencia a
esta superaco, ele viveno corac o, nocentrodesta superaco. Nao ha
ouu o universo seno u universo humano, u universo da subjetividade
humana. a esta l i g a ~ o da transcendencia, como estimulante do
homem ... e da subjetividade, no sentido de que o homemnao est
fechadoem si mesmo mas presente sempre numuniversohumano,
a ssc que chamamoshumanismoexistencialista. Humanismo, porque
recordamos ao homemque nao ha cutre legislador almdele prprio,
e que eno abandono que ele decidir de si; e porque mostramos que
issc se nao decidecomvoltar-separa si, mas que procurandosempre
fora desi umfim- que tal lbeztaco, tal realaacc particular - que
o homemse realizar precisamente comoser humano. (...) Oexisten-
cialismo nao senc um esfcrcc para tirar todas as conseq nc ias
duma pcsko ata coerenre. Tal atesmonaovisade maneira alguma
a mergulhar o homem no desespero. Mas se se chama desespero,
comofazemos cr istos, a toda a atitude dedescrenca. nossa posico
at ia parte do desespero original. O existencjalismo nao ede modo
algum um atesmo no sentido de que se esforca por demonstrar que
Deus n e existe. Ele declaraantes: ainda que Deus existisse, emnada
alterara a quest o; esse nosso ponto de vista. Naoque acredi temos
que Deus exista; pens.lmos antes que o problema no est ai, no de
sua existencia: necessario que o homemse reencontre a si prprio e
se persuada de que nada pode salva-le de si mesmo, nemmesmo urna
preva vlida da existenciade Deus. Neste sentido,o existencialismo
umotimismo,urna doutrina de a;:ao...
Oti mismo na exata medida em que coloca o hornem como nico
senhor e artfice de seu prprio destino. Nao um Deus soberano quem
aliment a os planos de ascenso individual do homem, nem esse mesmo
Deus quem cria para a humanidade um futuro de delicias, seja na pr pria
exst nda terrena de que dispomos, seja num mundo futuro no alm.
A vida aqui, agora, est a pra ser feita, est a para ser vivida .
Cabe apenas e tao somente ao ser humano colocar-se como senhor
soberano de sua prpria existencia, de nao esperar pela bondade divina,
Iv. oEXISTENCIALlSMO UM HUMANISMO- SARTRE Textosfilosficos emdiscusso
(1)
nao sonhar com a divina providencia. Cabe apenas ao ser humano ter
a forca de vontade para fazer sua prpria historia, enquan to ser pen-
sante. capaz de cons truir todo um mundo de slgnificaces, completo e
pulsante, por meio de seu projeto.
Ha muitos livros de comentadores da doutri na de Sartre. dentre
eles destacam-se como comentadores de expresso, no Brasil . Gerd
Bomheim, Paulo Perdgo. este ltimo escreveu in Existncia &
Liberdade: "Os sistemas de dominaco procuram ocultar a verdade
intolervel do existencialismo" p.26.
IVA CONCLUSO
De tuda o que lemas podemos afirmar que o homem nao e s6
existencia objet iva, nao existe soment e como ser-em-si, nas palavras de
Sartre. ele e tambm consciencia, e o projeto, o projetar-se, ent o faz
parte do horneroeste mundo subjet ivo, que e um mundo humano, seudo
s este mundo humano o exist ente, posta que quem pe o mundo, quem
organiza o mundo e o homem. E ac tomar consciencia, ao per ceber-se
assim, ac ver-se ern sua existencia consciente. ele se conquista em sua
plena liberdade e toma-se senhor de si, e o ser-para-si.
Quando ajo. nao como quera, dessa forma (conscie nte de mim) ,
mas qua ndo faco exatamente como os outros esperam que eu faca, por
submisso, por alienaro, acorre a um erro- ama-fe. pois vejo-me e
porto-me pelo outro, como o outro espera que seja, - e a a ~ a o sem au-
tentlddade, somente a aco do existent e. do ser-cm-si. o qual, segundo
Sar tre, e o absurdo. Mas para ter o controle e para viver a existencia de
maneira plena, tem o homem que ass umir seus atas e dirig-los, com
responsabilidade e corn a consciencia de que em agi ndo assim est ar
realizando el. liberdade.
Senda assim o hornem res ponsvel por sua liberdade, por sua
aco, ele existe e tem que dar conta des ta existencia, tem que da r canta
dos costumes , tem que dar cant a da moral, tem que dar canta da tica,
tem que fazer-se, tem que fazer a humanidade , ento, assim, ele pode,
ele est na condkc e em condcaode realizar a utopia, faaer um mundo
melhor com a mxima liberdade hu mana.
Por isso a obra O existendalismo um humanismo urna
necessidade e um pret ext o para que comeremos a refexosobre nossa
existencia. nossas aces e sobre a humanidade e ainda sobre as coisas
que esto ocorrendo no mundo. O hornem e o nico responsvel por
tuda, o que de bom e de ruim estiver ocorrendo no mundo. visto que
este o seu mundo, fruto de sua ac o, de sua ccnstruco.
A aco do ser-para-si e consciente. e formadora de objetivos e
caminhos, formadora de significado, e esta consciencia est na base
da formarc dos valores e dos compromissos; o maior dos valores para
o existencialismo a Liberdade, ent c a acc do ser-para-si s pode ser
totalmente livre; se assim ele agir, ele estar pleno de existencia e essn-
da senda que ambas (ess nca e existencia) sao inseparveis quando o
ser-para-s est em sua plent ude: no entanto ele s totalmente livre
(pleno), se o outro tambm o foro e a escolha do ser-para-si. implicando
toda a Humanidade. "Assm nao h atrs, nem a frente de ns, no
domnio luminoso dos valores. justificati vas ou desculpas. Ns estamos
ss, sem desculpas. o que exprimirei dizendo que o homem e/est
condenado a ser livre" (SARTRE,20D0, p.39).
Estes destaques, todos. que fizemos do t exto do Sart re, bem como
os comentrios nao excluem a necesstdade. para urna compreenso
prpria e mais completa. de leitura do t exto integral. somente urna
maneira de darmos urna aproximada as quest es postas por Sartre, at
porque seu texto possui muitos perodos longos o que as vezes dificulta
a sustentaro de sent ido, di ficult ando ent o o entendimento; nada, pa-
rm, que nao se resolva com urna segunda ou terceira leitura do trecho
em quest o. Esperamos que este t rabalho seja de alguma valia para os
est udantes.
IV. oEXISTENCIAl.ISMO ~ UM HUMANISMO - SARTRE TfXIOS filosficos emdiscusso
(1)
IV. 5 INDlCA<;:AO DE FILMES
Amarela manga
Este filme brasileiro apresenta questes existencialistas , que
sempre envolvem as pessoas ao redor. Varias person agens busca m atra-
vs de armadilhas e vngancas ati ngir sua prp ria felicidade. O ttulo
a cor predominante nas cenas, representando uro amarelo heptico e
pulsante.
Cena importante: Como o filme tem muitas personagens nao h
urna cena s que se destaque, mas siro as seq ncias das cenas, apresen-
tanda aces e atitudes que sao tomadas devido a outras aces. Como a
seqncia queocorrequandoaesposadeurna daspersonagens descobre
por urna carta de outra personagem que seu marido a trai. Ela toma
atitudes que envolvem a que mandoua carta, o marido,a amante e um
desconhecido. Este filme mostra exatamente o que Sarte apresentou no
texto, quando vivemoslexistimos afetamos os outros a nossa volta, seja
positiva mente ou negat ivamente: o exstendalismo um humanismo,
doque basta existir paraser.
Out ros filmes que abordam o t ema:
- lhe Wall
- Ofabuloso destino de Amelie Poulain
REFERENCIAS
SARTRE. Jean-Paul - O eri.tencialismo eum humanis mo. Os Pensadores ,
Abril Cultural (Editor Victor Civita), selecsc de textos de Jos Amrica Motta
Pessanha, t radur es de Vergilio Ferreira, Luiz Roberto Salinas Fortes, Bento
PradoJnior, 510 Paulo, 1978.
_ _ --,--=-:::_--;- L' eKStentiali.me e.t um humanisme, Collecton folio
essais, Gallimard, Pars, 2000.
BORNHEIM, Gerd - SARTRE. Debates, Pcscfa. 3&ed. 2&reimpr.. Editora
Perspectiva S.A., S10 Paulo, 2000.
COHENSOLAL, Annie - SARTRE, Biografias, L&PM Editores. tradurode
Paulo Neves. Porto Alegre, 2005.
PERDIGAD, Paulo- EXISTENCIA& LlBERDADE: Urna introdufio a
filosofia de Sartre, L&PMEditores, PortoAlegre. 1995.
IV. OEXISTENCIALI$MOEUM HUMANISMO- SARTRE T..xtos filosficos ..mdiscusso a:U:=:I
(1)