Antropologia Brasileira
Antropologia Brasileira
Antropologia Brasileira
ANTROPOLOGIA BRASILEIRA
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NOSSA HISTÓRIA
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Sumário
NOSSA HISTÓRIA ..................................................................................................................................... 1
OS GRANDES PROBLEMAS DA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA ......................................... 3
1 - APRESENTAÇÃO ..................................................................................................................... 3
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 22
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OS GRANDES PROBLEMAS DA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA
1 - APRESENTAÇÃO
Nacional 2004), que recupera - se não suas principais contribuições analíticas - o fascínio
de uma carreira exemplar dos desafios e das aceleradas mudanças ocorridas no
campo intelectual brasileiro do século XX. Ramos, de uma família de classe média
letrada alagoana, formado em Medicina na Faculdade da Bahia em 1926, teve
desencadeada sua disposição antropológica no contato com a obra de R. Nina
Rodrigues e na frequentação, como psiquiatra, das delicadas fronteiras entre o transe
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religioso e as perturbações mentais, no principal asilo de Salvador. Reconhecendo em
Nina os primeiros esforços em escapar do rígido determinismo da ciência psiquiátrica
e penal da passagem do século XIX para o XX, procurou aprofundá-los, buscando
recursos analíticos alternativos nos saberes da época. As teorias de Lévy-Bruhl e da
psicanálise foram os instrumentos básicos iniciais, permitindo a Ramos formular
hipóteses sobre o funcionamento do pensamento afro-brasileiro independentes do
reducionismo organicista e dos anátemas da teoria degeneracionista. Participou, com
isso, do grande movimento ideológico do entre guerras brasileiro de enfatizar as
possibilidades de "civilização" de um país mestiço, mormente pela via da educação.
Ramos ocupou importantes funções de Estado ligadas à educação infantil nos anos
1930, e defendeu o uso da psicanálise como recurso fundamental para a eficiência do
ensino.
Ao longo dessa viagem, em que também dialogou com segmentos mais engajados da
comunidade acadêmica negra, parece ter se afirmado com mais clareza sua
disposição em dedicar-se a uma "antropologia aplicada" - em contraste, aliás, com
Herskovits. Sua disposição antifascista, que já lhe valera problemas com a polícia de
Vargas (cf. Barros 2004), levou-o a fazer da Sociedade Brasileira de Antropologia e
Etnologia, por ele criada em 1941, uma plataforma para veemente denúncia de todos
os racismos.4
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Antropologia e Etnografia - cargo que ocupou até sua ida para a Diretoria do
Departamento de Ciências Sociais da Unesco, em 1949.
A experiência universitária brasileira das ciências sociais, tão tardia, é o foco do texto
que ora se publica: o "problema" da antropologia brasileira de sua época. A ausência
de um "ambiente universitário" significava, na verdade, a ausência de uma
institucionalidade regular para os esforços reflexivos e etnográficos, esparsos entre
as iniciativas individuais e a acolhida por museus públicos de orçamentos e políticas
instáveis. À época da conferência, as duas faculdades de São Paulo já tinham mais
de dez anos de funcionamento e a Universidade do Brasil quase chegava lá, mas o
problema que denunciava Ramos era sobretudo a enorme lacuna passada, que
tornara os primeiros anos das faculdades inseguros e conflituosos, dependentes de
convidados estrangeiros, nem sempre bem adaptados (como ocorrera em São Paulo),
ou da conversão artificial de intelectuais polivalentes em pesquisadores
especializados. Mas era também uma lacuna do seu tempo, de que só podemos
aquilatar se pensarmos que o CNPq e a Capes só foram criados em 1951 e a
implantação de um sistema nacional de pós-graduação nos moldes estadunidenses
só se iniciou em 1967. Também a Fapesp, embora prevista legalmente desde 1947,
só veio a ser fundada em 1962.
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No nível mais reflexivo, Ramos evoca todas as etapas de sua carreira, tão
características das radicais transformações por que passou o que se poderia chamar
de uma antropologia no Brasil do século XX. Aí aparece com larga ênfase o tema do
"negro no Brasil", com a necessária evocação do "estudo comparativo das culturas
africanas", iniciado - como ele sempre sublinhava - por Nina Rodrigues. Aparecem
também referências a disciplinas que podem ser consideradas de mediação entre os
saberes biologizantes de sua carreira originária e os novos rumos socioculturais: a
paleontologia humana, a paleoetnologia, a arqueologia e a linguística.
Mas o que surpreende não é a evocação dos conhecimentos que foram centrais para
a sua produção intelectual, mas a desses outros, recentes, com os quais se enfrentava
nos últimos anos, sobretudo a partir de sua estada nos EUA: a antropologia urbana
americana desencadeada pelos Lynd, os estudos rurais e urbanos desenvolvidos sob
a influência da Sociologia de Chicago, e os estudos regionais (a que associa Euclydes
da Cunha, o homenageado da cerimônia). Não há muitas referências nominais a
colegas diretos, nem sequer a alguns dos que foram mais próximos de suas fases
anteriores de pesquisa, como Mário de Andrade, Donald Pierson ou Roger Bastide;
ao escritor e médico legista Afrânio Peixoto sim, seu grande companheiro na
manutenção da herança de Nina Rodrigues. Aparecem Charles Wagley, Herbert
Baldus e Emilio Willems, que encarnavam naquele momento a etnologia indígena
brasileira. Chama a atenção a menção a Lévi-Strauss, que só publicara até então, e
nesse mesmo ano, em Paris, sua monografia sobre os Nambiquara.
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USP), no bojo de uma "ciência das relações humanas" - uma perspectiva que acabaria
presidindo a reestruturação da antropologia ocorrida no Brasil mais adiante, na
década de 1960.
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viria afinal a florescer inicialmente no Museu Nacional,5 com a criação em 1968 do
primeiro Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (e não "cultural"). Sua
Faculdade Nacional de Filosofia, duramente castigada pela ditadura de 1964, 6 só
poderia ver se consolidar o seu próprio núcleo antropológico ainda bem mais tarde,
primeiro com um mestrado, a partir de 1983, e, depois, sob a forma do atual PPGSA
do IFCS, a partir de 1998.
Há, no setor dos estudos antropológicos entre nós, uma situação curiosa, que é a
desproporção entre o imenso material de pesquisa e o número relativamente pequeno
de estudiosos que se dedicam ao tratamento deste material. Já se tem dito que o
Brasil é um grande "laboratório de civilização", mas só recentemente é que se vêm
recrutando os seus técnicos para o ingresso nesse laboratório.
Uma das razões deste fato é que a Antropologia é uma ciência de estruturação
recente. Na realidade, ela é a mais jovem das ciências sociais e seus objetivos têm
variado no correr dos tempos. A princípio, ela foi uma simples atividade de coleta
etnográfica. A chamada "etnografia" não constitui mais do que um aspecto
complementar dos estudos sociológicos, quando se trata de exemplificar ou comparar
com o material dos "primitivos" os fatos com que a Sociologia teria de lidar. A
etnografia era, assim, uma disciplina pitoresca ou curiosa, que recrutava seus
materiais de observação entre os povos "selvagens", "bárbaros" ou "primitivos" deste
mundo.
Por isso mesmo, as atividades etnográficas constituíram durante muito tempo uma
disciplina dos museus, preocupada em coletar e catalogar curiosidades exóticas para
suas vitrines de exibição. Esta catalogação de "curios" recrutou para o seu serviço
toda uma equipe de expedicionários e viajantes que se derramaram pelos quatro
cantos da terra, recolhendo dos primitivos um vasto material que era distribuído, em
esforços de competição, pelos museus e universidades.
Só recentemente é que a Antropologia veio a se definir como uma ciência mais vasta
do homem em seus quadros de natureza e cultura. Mas, assim considerada, a
Antropologia não existia como disciplina de estudo nos currículos universitários do
Brasil. Os estudos de antropologia física constituíam apenas atividades subsidiárias
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ou aplicadas, enxertadas nas faculdades de medicina, onde se fragmentavam em
várias disciplinas, como anatomia e fisiologia humanas, medicina legal e identificação,
a biotipologia ou constitucionalística. E a etnografia, de acordo com os objetivos atrás
assinalados, existe desde que o Brasil foi descoberto.
Foi a fase dos esquemas, dos grandes quadros linguísticos, das classificações de
conjunto, das observações "estereotipadas" que enchem a etnografia brasileira, desde
os primeiros observadores até os estudiosos da fase pré-universitária da Antropologia.
O primeiro esquema foi traçado pelos padres da Companhia de Jesus, quando
basearam suas observações principalmente nas línguas indígenas, e de então para
cá se multiplicaram os esquemas classificatórios, desde Martius até Chestmir
Loukotka. Nos fins do século XIX e começo do XX, a tendência ainda era para as
classificações linguísticas, como se pode verificar no grupo francês Société des
Américanistes de Paris. Não quer dizer que não tenham sido de importância os
estudos realizados neste setor, onde se destaca, por exemplo, a obra fundamental de
Rivet, mas esses objetivos não cobriam todo o campo da Antropologia modernamente
considerada como a ciência da personalidade cultural.
Mesmo nos estudos monográficos, de campo, que vêm de fins do século XIX, com a
obra generosa dos expedicionários alemães Von den Stein e Ehrenreich, a tendência
ainda era para uma visão daqueles aspectos das culturas indígenas, consideradas
imóveis, conservativas, curiosas ou aberrantes. Em suma, essas atividades ainda
eram "etnografia", como também é "etnografia", aliás, boa etnografia, a atividade
magnífica que gira em torno das expedições do ciclo Rondon, em começos deste
século, e continuada nos esforços de coleta e catalogação do Serviço de Proteção
aos Índios.
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A criação dos cursos de Antropologia e Etnologia no ambiente universitário originou
uma mudança radical de eixo. Os objetivos se precisam, e os métodos de pesquisa
se aperfeiçoam. Já não se trata de simples atividade de coleta, de classificações
linguísticas, de arrumação de dados curiosos. A preocupação dominante será então
a da reconstituição da história do Índio brasileiro no plano paleontológico e
paleoetnológico; como será da compreensão da sua personalidade cultural, nos
quadros da sua vida atuante de nossos dias.
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a cronologia como as conexões culturais entre o alto, o médio e o baixo Amazonas, e
entre este último e as culturas centro-americanas.
A cultura não material, a linguística, a organização social, por seu lado, constituem
hodiernamente novos campos de interesse, mal abordados pelos investigadores de
outras eras. Os vários traços da cultura não material não devem ser estudados, como
já o dissemos em relação à cultura material, como elementos isolados que se vão
somando progressivamente no decurso da investigação, mas compreendidos em
conjunto, ligados funcionalmente aos outros elementos da cultura total. O moderno
antropólogo deve ter em mira que detrás dos traços da cultura que ele observa está o
agente que os produziu, o Homem, objeto último da sua perquirição.
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As línguas indígenas não devem servir apenas, como se fazia até então, para o
trabalho classificatório das tribos indígenas. Elas oferecem um material psicológico do
mais alto valor, que deve ser explorado em todos os seus aspectos. Certas tentativas
de reconstituição histórica de línguas indígenas - como o caso do tupi-guarani - são
da mais alta importância, mas não me parece que devam constituir o objetivo primacial
da reconstituição cultural desses grupos. As línguas indígenas devem sempre ser
estudadas em conexão com a cultura, ou as culturas totais de que fazem parte.
Com o setor dos estudos sobre o Negro no Brasil, a situação foi talvez pior. A princípio,
não foram sequer considerados matéria de trabalhos etnográficos. Esses estudos se
distribuíam pelos vários departamentos de história, das crônicas de viagem, da
linguística e, quando muito, da sociologia ou da demografia. O assunto era
considerado pitoresco e interessante, mas tropeçou naquela série de dificuldades, que
apontamos em mais de uma oportunidade: a deficiência do documentário histórico, os
preconceitos e os estereótipos dos observadores, a influência da opinião pública pré-
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formada, o interesse menor em contraste com as atitudes românticas que sempre
rodearam os assuntos indígenas.
Aproveita-se, contudo, muita coisa das páginas cheias de colorido e algum interesse
que nos vêm dos cronistas do período colonial e imperial. Nestas páginas não houve
nenhum estudo propriamente antropológico, a não ser a tentativa de Spix e Martius
que nos deixaram o primeiro esboço de classificação étnica dos grupos negros
entrados no Brasil. Convém destacar, de outro lado, as contribuições históricas e
políticas, principalmente no período da campanha abolicionista, onde o "Negro" se
tornou assunto obrigatório no Parlamento e no jornalismo. A atenção dos estudiosos
foi polarizada para o problema e daí surgiram alguns trabalhos de valor, no plano dos
estudos linguísticos e sociológicos, que se enfileiram de Antônio Joaquim de Macedo
Soares a Sílvio Romero e João Ribeiro.
Nina Rodrigues inaugura, em fins do século passado, a fase realmente científica dos
estudos sobre o Negro. De início, seu interesse foi de natureza médico-psicológica.
Professor de medicina legal na velha Faculdade de Medicina da Bahia, Nina
Rodrigues estava preso às correntes da criminologia italiana e do grupo francês da
Société Médico-Psychologique. Por isso mesmo, seus primeiros trabalhos visavam
aos aspectos da criminalidade dos negros e dos mestiços da capital baiana, da
"degenerescência" da mestiçagem, do contágio criminal, da sociologia da mala
vita dos grupos dos candomblés, dos fenômenos de possessão exibidos pelas "filhas
de santo" que o mestre baiano examinava no seu consultório clínico.
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Seus ensaios famosos sobre o bandoleiro Lucas da Feira, sobre a loucura epidêmica
de Canudos, assim como sobre as manifestações psicológicas dos negros dos
candomblés o levaram a pôr em destaque os fatores sociais na gênese daqueles
fenômenos. Era uma correção social e cultural às teses da pura antropologia criminal
e física, uma como antecipação às conquistas recentes da antropologia cultural.
Daí ser levado Nina Rodrigues a alargar o seu campo de observação sobre o elemento
negro no Brasil, propondo um método de estudos que ele aplicou na série de trabalhos
que haviam de culminar na obra famosa, deixada incompleta, O problema da raça
negra na América portuguesa. Esse método - o do estudo comparativo das culturas
africanas e suas "sobrevivências" no Brasil - iria depois ser adotado pelos
antropólogos contemporâneos do Negro, muitos dos quais não tomam conhecimento,
ou o fazem de maneira inadequada, das contribuições pioneiras de Nina Rodrigues.
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personalidade emergente do Negro, como indivíduo e como cultura, nos seus grupos
de vida local, regional ou nacional.
Esta imensa tarefa, que recrutará toda uma equipe de pesquisadores, ainda se
completará com a do estudo antropológico-físico dos tipos negros e seus mestiços,
na análise estatística das medidas antropométricas, visando à existência ou não de
tipos homogêneos nas pesquisas de ordem genética para a verificação mendeliana
das características "negras" e suas combinações; no estudo científico dos grupos
mestiços; na análise dos tipos individuais e suas caracterizações fenotípicas. Num
ponto comum, o moderno antropólogo há de se deter, e é na verificação de que é
impossível estudar o negro no mundo sem sua filiação às raízes africanas, sem
procurar destruir o "complexo de inferioridade do passado africano", que em muitos
pontos da América tem dificultado a correta apresentação do problema. E esse
método é uma proposição que pertence ao grupo de estudiosos que se filiam ao
legado de Nina Rodrigues.
O estudo dos grupos europeus não recebeu até agora um tratamento científico no
nível do Negro ou do índio. Era considerado "sociologia", "demografia", "história" ou o
que mais fosse. A antropologia ou a "etnografia" consideradas disciplinas que lidavam
com os "primitivos" não podiam se ocupar de assuntos tidos como excedendo ou
quando muito tangenciando seus objetivos. E, por isso, todo esse material sofreu um
tratamento não científico, sujeito aos azares ou aos preconceitos de interpretação, de
cor histórica, social ou política.
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Somente agora é que esse material começa a sofrer um tratamento realmente
científico, e um dos meus cuidados, ao escrever o segundo tomo da Introdução à
Antropologia Brasileira, foi justamente o de submeter a uma análise meticulosa o
material disponível e os critérios a serem estabelecidos para o seu correto tratamento
científico. Alguma coisa já foi intentada, sendo de destacar as contribuições de Herbert
Baldus e Emilio Willems sobre o grupo japonês, e as monografias fundamentais do
professor Willems sobre o grupo alemão e a sua aculturação no Brasil. Esses
trabalhos inauguram, na realidade, um novo setor, e dos mais importantes, da
antropologia brasileira.
Por isso mesmo, nestas duas últimas décadas, os especialistas nos vários ramos das
ciências sociais estão se reunindo em torno de um objetivo comum, um campo novo
da ciência - "a ciência das relações humanas", como alguns propõem chamar. A
Antropologia, ciência total do Homem e da Sociedade, proporciona este campo de
encontro, como a nova e a mais promissora das ciências sociais. Ela mudou, nos seus
objetivos e nos seus métodos, não mais interessada apenas em caracterizar os
"primitivos", em realizar medidas antropométricas, em classificar "raças" ou colecionar
curiosidades de museu. É hoje a ciência mestra do comportamento comparado do
homem, a disciplina condutora deste conhecimento das relações humanas.
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escrito em 1929, dizia o professor Clark Wissler ser esta "uma tentativa pioneira de
lidar com uma amostra da comunidade americana à maneira da antropologia social",
acrescentando que essa contribuição realizava "uma experiência, não somente no
método, mas num novo campo, a antropologia social da vida contemporânea".
O Brasil tem uma rica tradição de estudos regionais das suas populações, embora
realizados até agora pelos geógrafos, pelos sociólogos, pelos historiadores sociais. E
é precisamente neste setor que se inclui a grande obra pioneira de Euclides da Cunha.
Quero destacar aqui haver feito, no 2º volume da Introdução à Antropologia Brasileira,
grandes restrições ao famoso autor de Os Sertões, numa crítica cerrada, que poderia
ser julgada um tanto excessiva. Meu intuito fora na realidade uma análise objetiva das
opiniões e das atitudes preestabelecidas em face dos fatos de observação em que
incorreram não só Euclides como outros grandes pioneiros, não se excetuando Nina
Rodrigues, mestre tão das minhas predileções.
Era o que eu propunha, há pouco tempo atrás, ao meu inolvidável amigo e mestre
Afrânio Peixoto, ao ser reeditado As raças humanas e a responsabilidade penal do
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Brasil, talvez o mais fraco de todos os livros de Nina Rodrigues, e o que eu próprio fiz,
nos comentários e nas notas à margem de O animismo fetichista dos negros
baianos e As coletividades anormais.
Reiterando o que afirmei de Euclides da Cunha, nas páginas talvez amargas acima
referidas, quero, no entanto, reivindicar para o autor de Os Sertões o papel de grande
pioneiro da antropologia regional do Brasil. É esta, a meu ver, a mais importante das
suas mensagens às novas gerações - a de ter ensinado como se pode fazer
antropologia e psicologia social de uma região brasileira, dando-nos um documentário
das condições de atraso cultural que levaram a região de Canudos aos movimentos
de fanatismo religioso, ou de rebelião franca, da parte de uma cultura mais atrasada
diante da cultura dominante. Fenômeno que, na moderna terminologia antropológica,
chamaremos de movimentos contraculturativos, quer sejam fechados, introversos, no
plano do misticismo e do fanatismo religioso, quer sejam abertos, extroversos, no
plano das insurreições, das rebeliões, das lutas abertas.
Todos os ensaios brasileiros que, nestes três últimos decênios, se têm ocupado
desses estudos de antropologia e sociologia regionais do Brasil - do bandoleirismo,
do fanatismo, do papel dos heróis, dos beatos, dos criminosos do sertão, das secas,
do atraso cultural, da fome, da história social e cultural da região da folk-cultura -
podem se considerar como ligados à tradição euclidiana de tratamento desse material.
Esta é a perspectiva mais nova e mais promissora que se abre aos estudos
antropológicos no Brasil. Diríamos melhor: uma perspectiva renovada, atualizada à
luz dos novos métodos da ciência das relações humanas. A humanidade chamada
"primitiva" se torna cada vez mais aproximada, no tempo e no espaço. Embora no
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Brasil ainda tenhamos uma pequena porcentagem desses chamados grupos
"primitivos", sua população indígena, o interesse maior das pesquisas antropológicas
se desloca para o estudo da mudança cultural desses grupos, como já dissemos, das
suas modificações sucessivas que culminam na folk-cultura e suas transições para a
cultura urbana. Traçaremos então um diagrama desses estudos de comunidade,
começando pela localização, a identificação e a análise de uma comunidade de folk-
cultura, até o estudo das comunidades urbanas, através da análise dos contatos
culturais, dos cotejos, de ordem histórica e funcional, entre o conservantismo cultural
e a mudança.
Não sabemos ainda o que é o ethos brasileiro, nem poderemos sabê-lo antes destas
pesquisas parciais que permitam a análise da região e da comunidade, e a
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compreensão da personalidade humana diante do seu grupo de cultura. O Brasil se
estende num território imenso povoado por uma humanidade diversificada
erroneamente considerada homogênea. Sua unidade pode ser política, ou quando
muito linguística. Mas do ponto de vista antropológico, não há uma "cultura" brasileira,
mas "culturas" que só agora começam a ser estudadas e compreendidas. Ainda é
cedo, portanto, para indagarmos do "caráter nacional" do seu ethos, em visões
generalizadoras que lancem mão do critério histórico ou social.
Será preciso, de outro lado, que os responsáveis pela administração da coisa pública
procurem os técnicos do estudo do homem e da sociedade, que tragam sua
experiência científica indispensável. Isto não tem sido feito até agora. As ciências
sociais, como já destacamos, só recentemente entraram nos currículos dos estudos
superiores, e seus trabalhos ainda não foram reconhecidos convenientemente pelos
políticos e administradores.
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correções e as medidas são deixadas à aventura principalmente no que diz respeito
ao elemento humano. Com a exceção de São Paulo, os estudos, as pesquisas e o
ensino das ciências do homem ainda se acham praticamente desaparelhados e
desprotegidos entre nós. Não há instituições universitárias de ensino e pesquisa que
se dediquem ao estudo do homem brasileiro com o rigor metodológico que seria de
desejar-se. A universidade do Brasil, tão pomposa no seu título ambicioso, não possui
ainda um Instituto de Antropologia, tão reclamado e tão necessário. O ensino das
várias disciplinas que constituem a ciência do homem se acha distribuído pelos
currículos de geografia, da história ou da sociologia, nos quais é considerado material
subsidiário ou ilustrativo. O estudante passa pelos cursos de Antropologia, num
contato rápido e obrigatório que o habilita apenas a completar os seus cursos de
geografia ou história que o conduzem ao professorado secundário. E como não há
Antropologia nos currículos secundários, como não há aproveitamento de técnicos em
Antropologia nas várias instituições que poderiam recrutá-los, o ensino da
Antropologia nas Escolas Superiores não encontra uma finalidade imediata ou
pragmática.
Estas são as razões por que registramos aquela situação aparentemente paradoxal,
aludida no início desta conferência: a desproporção entre o imenso material de estudo
de antropologia no Brasil e o número reduzido de especialistas. Serviços como o de
Imigração e Colonização, ou de Proteção aos Índios, bem como as várias tarefas de
educação, saúde, obras públicas, ação cultural, distribuídos pelos vários ministérios,
deveriam ter o concurso indispensável das ciências do homem e da sociedade.
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subversiva, como é vez o considerar tudo aquilo que, entre nós, procura remover o
bolor da rotina ou do primarismo. E tudo isso por esta razão simples: o
desconhecimento do papel da universidade, principalmente no setor, ainda mal
consolidado, das ciências do homem e da sociedade.
REFERÊNCIAS
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_____. 2007. "Intelectuais em rede construindo as Ciências Sociais: o arquivo Arthur
Ramos e o Projeto Unesco no Brasil". In: Claudio L. Pereira & Lívio Sansone (orgs.),
O projeto Unesco no Brasil: textos críticos. Salvador: Edufba. pp. 270-320. [ Links ]
_____. 2000. "Dois regimes históricos das relações da Antropologia com a Psicanálise
no Brasil: um estudo de regulação moral da Pessoa". In: Paulo Amarante (org.),
Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. pp.
107-139. [ Links ]
23
23
_____. 1956. "Psicanálise e sociologia". Revista de Antropologia, 4(2):129-142.
[ Links ]
38, 4, 9).
2Uma portaria ministerial de 1948 tinha incluído o nome de Ramos na comissão que
deveria preparar o primeiro congresso brasileiro de antropologia, ao lado de Fróes da
Fonseca, Heloísa Alberto Torres e Roquette-Pinto.
5Instituição que ele associava a uma antropologia ultrapassada e com cuja longeva
diretora Heloisa Alberto Torres mantivera uma reiterada discórdia (cf. Corrêa 1997).
6Uma das muitas vítimas foi sua discípula mais próxima, a professora Marina São
Paulo de Vasconcelos, cassada em 1969, e que hoje dá o seu nome à Biblioteca do
IFCS/UFRJ.
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