46-Texto Do Artigo-269-1-10-20181207

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MONTEIRO, PEREIRA e RIOS.

UNESC EM REVISTA 1 (2018) 34-50

AVALIAÇÃO DA EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL AO CALOR EXEPERIMENTADA


POR OPERADORES DE CALDEIRAS A LENHA: ESTUDO DE CASO

Evaluation of occupational exposure to heat experienced by wood-fired boilers


operators: case study

Edimar Natali Monteiro¹, Carlos Marcelo Pereira², Endrik Nardotto Rios³

¹ Mestre em Engenharia Metalúrgica e de Materiais pelo Instituto Federal do Espírito Santo – IFES,
professor-coordenador do curso de pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho e
professor/coordenador dos cursos de Engenharia Mecânica e Civil; ² Mestre em Educação,
Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos, coordenador/professor dos cursos de
Engenharia Civil e Engenharia Mecânica; ³ Mestrado em Engenharia Civil pela Universidade Federal
de Viçosa, Brasil e coordenador/professor do Curso de Engenharia Civil do Unesc.

RESUMO

São vários os riscos ambientais aos quais um trabalhador pode estar exposto em
seu ambiente laboral, dentre eles o calor. Esse agente físico pode desencadear
muitos efeitos adversos em seu organismo, tais como: desidratação, câimbras,
edemas, choque térmico, exaustão, insolação. Na pesquisa em questão procedeu-
se uma avaliação quantitativa da exposição ocupacional ao referido agente físico
experimentada por um operador de caldeira à lenha que labora em uma indústria
alimentícia localizada no município de Colatina/ES. A metodologia adotada para a
caracterização da exposição ao calor foi aquela definida pelo Anexo nº 3 da Norma
Regulamentadora nº 15 do Ministério do Trabalho, ao passo que os procedimentos
empregados para a realização das medições foram norteados pela Norma de
Higiene Ocupacional nº 06 da Fundacentro. Os resultados mostraram que as
condições observadas expõem o trabalhador a uma carga térmica acima dos limites
de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho. Por fim, medidas de controle
foram propostas de acordo com a hierarquia estabelecida pela regulamentação
desse órgão governamental.

Palavras-chave: risco ambiental, insalubridade, aposentadoria especial, IBUTG.

ABSTRACT

There are several environmental hazards that can affect a worker in his or her
working environment, including heat. This physical agent can cause many adverse
effects in the body such as: dehydration, cramps, edema, heat shock, exhaustion,
and heat stroke. In this paper, a quantitative evaluation of occupational exposure to
heat was carried out using a wood-fired boiler operator working in the food industry
located in Colatina/ES. The methodology used to characterize the heat exposure was
that defined by Annex 3 of Regulatory Standard nº 15 of the Brazilian Labor Ministry,
while the procedures used to carry out the measurements were those suggested by
the Occupational Hygiene Standard nº 6 of Fundacentro. The results showed that the
boiler operation activity exposes the worker to a thermal load above the tolerance
limits established by the Labor Ministry. Finally, control measures were proposed
according to the hierarchy established by this government agency.

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Keywords: environmental risks, insalubrity, special retirement, WBTG.

INTRODUÇÃO

O calor enquadra-se como um risco ambiental do tipo físico, sendo muito


comum em indústrias siderúrgicas, alimentícias, de vidro, dentre outras
(CAMISASSA, 2015).
Camargo e Furlan (2011) ressaltam que a exposição ocupacional ao calor
acima de determinados limites dificulta o alcance do equilíbrio homeotérmico pelo
organismo humano. Esse equilíbrio é alcançado por mecanismos de
termorregulação, que são capazes de manter o balanço entre a produção e a perda
de calor. Em condições normais (estado estável), a produção de calor deve ser igual
à perda de calor.
Os mecanismos de termorregulação são necessários para manter o equilíbrio
entre a taxa metabólica (produção corporal de calor devido à atividade muscular) e
as trocas térmicas do corpo com o ambiente, o que ocorre através dos mecanismos
de condução, convecção, radiação e evaporação (evaporação do suor). Geralmente,
em ambientes com temperaturas amenas (inferiores à temperatura central do corpo,
que fica entre 36,7 ºC e 37,2 ºC) esses mecanismos promovem a perda de calor
para o ambiente. Entretanto, para ambientes com temperaturas acima de 37 ºC
ocorre ganho de calor pelo organismo, principalmente através da pele. Nesse caso,
o organismo lança mão de três importantes mecanismos para a redução da
temperatura: a inibição da termogênese, a vasodilatação e a sudorese (MENDES,
2013).
Quando, no ambiente de trabalho, fatores como a temperatura do ar, a
temperatura radiante, a umidade, a velocidade do ar, as roupas utilizadas e as
atividades desenvolvidas interagem para provocar uma tendência ao aumento da
temperatura corpórea devido à inibição dos mecanismos termorreguladores, sérios
danos à saúde do trabalhador podem ser provocados. Esses danos estão
associados desde doenças mais leves, como câimbras, espasmos, edemas pelo
calor e síncope, até quadros de hipertermia (geralmente desencadeadas por
aclimatação inadequada ou estresse térmico) que pode apresentar quadros mais
graves, como a insolação ou exaustão térmica e até mesmo a intermação ou choque
térmico, que é a forma mais grave e potencialmente fatal de hipertermia. Além disso,
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outros inconvenientes à saúde estão associados à exposição ocupacional ao calor,


como: reações dermatológicas diversas, queimaduras, catarata, má formação fetal e
infertilidade masculina (CAMARGO e FURLAN, 2011; MENDES, 2013).
Face a importância de avaliação da exposição ocupacional dos trabalhadores
ao calor e dada à inexistência de um método direto de medição, adequado à
avaliação da temperatura interna do corpo humano para esse fim, torna-se
necessária a medição de fatores ambientais que se encontram diretamente ligados à
temperatura do corpo, bem como a outras reações fisiológicas ao calor, como a taxa
metabólica, de forma a permitir uma avaliação indireta desse parâmetro (SALIBA,
2016).
Vários métodos de avaliação indireta da carga térmica experimentada pelo
trabalhador foram desenvolvidos ao longo dos anos, tais como: Índice de
Temperatura Efetiva – ITE, Índice de Temperatura Efetiva Corrigida – ITEC, Índice
de sobrecarga Térmica – IST, índice de Termômetro de Globo Úmido – ITGU e
Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo – IBUTG (GOSLING e ARAÚJO,
2008).
No Brasil, por força do Anexo nº 3 da Norma Regulamentadora nº 15 (NR15 –
Atividades e Operações Insalubres), adota-se o método de avaliação indireta,
associando-se o IBUTG a valores tabelados de taxa metabólica para diferentes tipos
de atividades. Essa norma define os limites de tolerância para exposição ao calor e
foi publicada pela portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho (MT). A correlação
entre os fatores determinantes depende do local onde o trabalhador goza seu
período de descanso, se no próprio ambiente laboral ou em local diverso (local de
descanso); do tipo de atividade, se leve, moderada ou pesada; e ainda da taxa
metabólica estimada para cada tipo de atividade (BARBOSA FILHO, 2016).
O IBUTG integra matematicamente três variáveis ligadas à temperatura: (a) a
temperatura de bulbo seco – TBS, que mede a temperatura do ar ambiente (calor
sensível) sem a presença do calor radiante; (b) a temperatura de bulbo úmido
natural – TBN, que mede a queda de temperatura ocasionada pela evaporação da
água; e (c) temperatura de globo – TG, que mede a temperatura devido ao calor
radiante. Essas variáveis são correlacionadas através de equações, adotadas para
ambientes sem carga solar (Equação 1) e ambientes com carga solar (Equação 2).
𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺 = 0,7𝑡𝑏𝑛 + 0,3𝑡𝑔 (1)

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𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺 = 0,7𝑡𝑏𝑛 + 0,1𝑡𝑏𝑠 + 0,2𝑡𝑔 (2)


A forma pela qual o IBUTG é correlacionado a outras variáveis (tipo de
atividade, taxa metabólica e grau de intermitência da atividade), depende de dois
casos específicos: (a) o trabalhador realiza as atividades de forma contínua ou
intermitente, com períodos de descanso gozados no próprio local de trabalho –
nessa situação, aplica-se a metodologia estabelecida no fluxograma exposto na
Figura 1, elaborado conforme os ditames do anexo 3 da NR15; e (b) o trabalhador
realiza as atividades de forma intermitente, descansando em local diverso
(tecnicamente mais ameno) ou realizando atividade leve – nessa situação, aplica-se
a metodologia estabelecida no fluxograma exposto na Figura 2, também elaborado
de acordo com o comando regulamentador.
Adicionalmente, para o segundo caso, (b), deve-se, ainda, definir duas outras
variáveis: o Índice de Bulbo Úmido e Termômetro de Globo Ponderado – 𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺
(dado pela Equação 3) e a Taxa de Metabolismo Média Ponderada – 𝑀 (dada pela
Equação 4). Ambos são calculados para o intervalo de uma hora de trabalho.
𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺𝑡 ∙𝑇𝑡 +𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺𝑑 ∙𝑇𝑑
𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺 = (3)
60

Em que:
𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺 = valor do IBUTG médio ponderado para uma hora de trabalho;
𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺𝑡 = valor do IBUTG no local de trabalho;
𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺𝑑 = valor do IBUTG no local de descanso;
𝑇𝑡 = soma dos tempos, em minutos, em que o trabalhador permanece no local de
trabalho;
𝑇𝑑 = soma dos tempos, em minutos, em que o trabalhador permanece no local de
descanso ou realizando atividade mais leve.
𝑀𝑡 ∙𝑇𝑡 +𝑀𝑑 ∙𝑇𝑑
𝑀= (4)
60

Em que:
𝑀 = valor da taxa de metabolismo, 𝑀, média ponderada para uma hora de trabalho;
𝑀𝑡 = valor da taxa de metabolismo, 𝑀, no local de trabalho, obtida através do
Quadro 3 do Anexo 3 da NR15.
𝑀𝑑 = valor da taxa de metabolismo, 𝑀, no local de descanso, obtida através do
Quadro 3 do Anexo 3 da NR15.
𝑇𝑡 𝑒 𝑇𝑑 = como definido anteriormente.

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Esses fluxogramas representam um resumo do processo de avaliação da


exposição ocupacional ao calor estabelecido pelo Anexo nº 3 da NR-15 (Portaria nº
3.214/78 do MT) e propõem uma forma mais compacta de apresentação da
metodologia ali estabelecida. Entretanto, em um primeiro momento, pode ser
necessário que o leitor tome conhecimento do referido comando regulamentador.
Importante destacar que o fluxograma deve ser aplicado a cada situação térmica
identificada no caso real.

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Figura 1 – Fluxograma guia para avaliação da exposição ocupacional ao calor em regime de trabalho intermitente com período de descanso no próprio local
de trabalho
Fonte: Arquivo próprio

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Figura 2 – Fluxograma guia para avaliação da exposição ocupacional ao calor em regime de trabalho intermitente com período de descanso e/ou realização
de outra(s) atividade(s) em local diverso
Fonte: Arquivo próprio

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Uma vez não observados os limites estabelecidos pelo anexo 3 da NR15, o


trabalhador fará jus à percepção do “plus” remuneratório denominado insalubridade
que, nos termos da própria NR15, decorre da realização de atividades que expõem
os trabalhadores a agentes químicos, físicos e biológicos acima dos limites de
tolerância dispostos em seus anexos (PEREIRA, 2015).
Em seu subitem 15.1.4 a NR15 define o termo “limite de tolerância” como
sendo a concentração ou intensidade máxima ou mínima associada à natureza e ao
tempo de exposição ao agente em análise que não irá provocar, para a maioria dos
casos, danos à saúde do trabalhador durante sua vida laboral.
Face à importância da avaliação e controle das condições ambientais do
trabalho com o intuído de preservar a saúde e a segurança dos trabalhadores,
diversas investigações vêm sendo realizadas com o objetivo de avaliar
quantitativamente a exposição ocupacional ao risco físico calor a fim de propor
medidas de controle e conscientizar trabalhadores e empregadores sobre os riscos
envolvidos. Nesse contexto, estudos realizados por Silva e Teixeira (2014)
destinaram-se à avaliação das condições de sobrecarga térmica dos trabalhadores
do setor de corte de MDF (painel de fibra de madeira de média densidade) de uma
indústria de móveis de madeira. Nesses estudos, os pesquisadores adotaram os
limites estabelecidos pela NR15 e as metodologias de avaliação estabelecidas pela
Norma de Higiene Ocupacional nº 6 (NHO 06) da Fundacentro (Fundação Jorge
Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho). Os resultados mostraram
que os trabalhadores não estavam expostos a sobrecarga térmica, não sendo, por
isso, necessário a adoção de medidas de controle.
Valendo-se da mesma metodologia adotada pelos autores acima, Neves,
Bernini e Epichinn (2016); Schervinsk et al (2013); Gosling e Araújo (2008) também
efetuaram estudos de caso relacionados à exposição ocupacional ao calor em
atividades econômicas específicas, com a finalidade de proposição de medidas de
controle desse risco ambiental.
Dando continuidade a essa importante linha de estudos, o presente trabalho
busca realizar uma avaliação sistemática da exposição ocupacional ao agente físico
calor experimentada por um trabalhador que atua na operação de caldeira a lenha
em indústria alimentícia localizada no município de Colatina/ES, propor um modelo
sistematizado de avaliação desse agente, caracterizar a condição observada quanto

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ao ensejamento ou não do adicional de insalubridade e aposentadoria especial, e,


por fim, sugerir medidas de controle apropriadas para as condições em que se julgar
necessário.

MATERIAIS E MÉTODOS

A presente investigação foi realizada através de visita in loco em uma


indústria alimentícia localizada no município de Colatina/ES. No processo produtivo
foi avaliado, especificamente, o operador de caldeira, que é o profissional
responsável pela produção do vapor utilizado no cozimento dos alimentos. A
caldeira utilizada no processo é do tipo flamotubular à lenha. O trabalhador em
questão é responsável por alimentar a fornalha da caldeira com lenha (toras de
eucalipto) e acompanhar seu funcionamento, sentado, em local próximo a ela.
Os níveis de IBUTG a que está submetido o trabalhador durante a sua
atividade laboral foram avaliados com um medidor de estresse térmico modelo TGD-
200 fabricado pela Instruthern, com certificado de calibração nº 73136/16, calibrado
em 29/11/2016. Dados estatísticos não foram levantados face à falta de imposição
legal e regulamentar. Sendo assim, mesmo as caracterizações de exposição
ocupacional ao calor solicitadas em perícias judiciais pelo juízo competente não
requerem tal tratamento, uma vez que a Norma de Higiene Ocupacional – NHO 06
(Avaliação da Exposição Ocupacional ao Calor – procedimento técnico) - que
estabelece os procedimentos para a avaliação, requer apenas um único conjunto de
medições (mínimo de cinco medições para cada termômetro) com equipamento
padronizado e devidamente calibrado em laboratório técnico competente.
Em consonância com o Anexo 3 da NR15 e com a NHO 06, cada avaliação
foi executada no local onde permanece o trabalhador, à altura da região do corpo
mais atingida pelo calor, para cada uma das situações térmicas a que está exposto.
A camisa pavio de algodão que reveste o termômetro de bulbo úmido natural foi
previamente umedecida por capilaridade devido à sua imersão parcial em um
reservatório de água destilada (Erlenmeyer de 125 ml) e assim mantida durante todo
o período de avaliação. A árvore de termômetros ficou posicionada em cada ponto
de medição durante 25 minutos, para estabilização, e só então foram extraídas as
leituras (mínimo cinco) ou até que os valores ficassem dentro de um intervalo de ±

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0,4 ºC. Os valores finais atribuídos ao TG, ao TBS e ao TBN correspondem às


médias de suas leituras, obtidas no intervalo considerado.
O período de amostragem foi escolhido de maneira a considerar os 60
minutos corridos de exposição que correspondem à condição de sobrecarga térmica
mais desfavorável ao trabalhador durante a jornada, considerando-se as condições
térmicas do ambiente e as atividades físicas desenvolvidas pelo trabalhador. Isso foi
possível através do conhecimento do processo produtivo decorrente da observação
in loco do desempenho da atividade.
A caldeira de geração de vapor do tipo flamotubular está instalada em um
galpão com paredes em alvenaria, coberto com telhado de zinco e encontra-se
localizada na parte externa da planta do processo produtivo. A função do operador
de caldeira é dividida em duas tarefas, que configuram duas situações térmicas
distintas: (1) remoção das cinzas e reposicionamento da lenha remanescente na
fornalha através da fenda inferior (Figura 3.a) e alimentação da fornalha com toras
de eucalipto através da fenda superior (“Janela” da Figura 3.b); e (2) descanso e
acompanhamento do funcionamento da caldeira através do painel de controle
localizado próximo à caldeira (Figura 3.c).
Dada a intermitência da atividade de operação da caldeira e devido ao fato de
o descanso ser gozado em local diverso, o que configura a exposição a duas
situações térmicas distintas, a metodologia de avalição da exposição ao calor
adotada para esse caso foi aquela proposta pelo fluxograma exposto na Figura 2.

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(a) (b)

(C) (d)
Figura 3 – (a) remoção das cinzas e posicionamento da lenha na fornalha; (b) avaliação do IBUTG na
posição de alimentação da fornalha; (c) Local de descanso e monitoramento do funcionamento da
caldeira; e (d) Avaliação do IBUTG na posição de descanso e monitoramento.
Fonte: Arquivo próprio

As atividades de remoção das cinzas e reposicionamento da lenha


remanescente são executadas a uma distância de aproximadamente 2,5 metros da
fornalha, com o auxílio de uma espátula apropriada (Figura 3.a); da mesma forma
opera-se a alimentação da fornalha, pois as toras de lenha são “impulsionadas”
dentro da fornalha e depois posicionadas com a espátula. Essas atividades são
executadas por aproximadamente 15 minutos a cada hora da jornada. O IBUTG
para essas atividades foi avaliado na posição mostrada na Figura 3.b
(aproximadamente 2,5 metros da fornalha) e calculado de acordo com a Equação 1,
devido à ausência de carga solar em função da cobertura do local. Tais atividades
foram enquadradas como atividade pesada fatigante através do Quadro 3 do Anexo
3 da NR15, com taxa de metabolismo de 500 Kcal/h, em função do elevado esforço
físico requerido para impulsionar as toras de lenha no interior da fornalha, bem como
mudança constante de posicionamento.

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O descanso e acompanhamento do funcionamento da caldeira ocorre durante


45 minutos a cada hora de trabalho. O IBUTG dessa etapa foi avaliado na posição
mostrada na Figura 3.d e calculado de acordo com a Equação 1. Essa etapa foi
enquadrada como “sentado em repouso” através do Quadro 3 do Anexo 3 da NR15,
com taxa de metabolismo de 100 Kcal/h, uma vez que o operador permanece
sentado, observando as informações apresentadas no painel de controle de modo a
acompanhar se os parâmetros de operação estão dentro dos padrões normais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os valores de TBS, TBN e TG constantes no Quadro 1 representam as


médias das medições dessas variáveis. No caso, foram efetuadas cinco medições
para cada valor de temperatura, já que a variação entre elas ficou dentro do limite
estabelecido pela NHO 06: ± 0,4 ºC, afastando a necessidade de medições
adicionais.
̅̅̅̅̅̅̅̅̅ calculado em função das condições de
Além do valor médio do 𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺
exposição, a NHO 06 prevê incrementos de ajuste desse valor quando alguns tipos
de vestimentas são utilizadas pelos trabalhadores, uma vez que essas vestimentas
podem agravar as condições de sobrecarga térmica, pois prejudicam a efetividade
dos mecanismos de termorregulação do organismo, principalmente em função da
inibição dos mecanismos de troca térmica com o ambiente.
No tocante aos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) fornecidos ao
operador, observou-se a utilização de botina com palmilha e biqueira de aço, luvas
de raspa de couro e avental frontal de raspa de couro sem manga.
De acordo com os documentos da empresa, a botina com palmilha e biqueira
de aço presta-se à minimização dos danos provocados por um eventual “ato de
pisar” em uma brasa e/ou queda de uma tora de eucalipto sobre o pé. A luva de
raspa de couro é utilizada como medida de controle do calor sensível transferido às
mãos do operador por condução através da espátula, ao passo que o avental é
adotado como medida de controle da radiação não ionizante (infravermelha) e calor
radiante que incide sobre o trabalhador. Nesse caso, com base no Quadro 2 da
NHO 06, não há nenhum EPI utilizado pelo trabalhador que justifique o incremento
de ajuste no valor do 𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺 obtido.

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Quadro 1 – Dados da avaliação da exposição ao calor do operador de caldeira


RECONHECIMENTO
FUNÇÃO: Operador de caldeira
DESCRIÇÃO DA(S) ATIVIDADE(S): Alimentar a caldeira com lenha (toras de eucalipto) e
acompanhar o funcionamento da mesma durante toda a jornada laboral.
LOCAL(IS) DE TRABALHO: De frente para a fornalha e sentado próximo à mesma.
FONTE(S) GERADORA(S): Combustão (queima) do combustível sólido (madeira) e superfície
quente da caldeira.
CONDIÇÃO CLIMÁTICA DO LOCAL DE MEDIÇÃO
U.R
DESCRIÇÃO QUALITATIVA DAS CONDIÇÕES EXETRNAS
%
Sol, sem nebulosidade 56
AVALIAÇÃO QUANTITATIVA
TBS TBN TG IBUTG M TEMPO
ATIVIDADE
ºC ºC ºC ºC (Kcal/h) (min)
Remover as cinzas,
reposicionar a lenha e - 29,8 60,3 38,95 500 15
alimentar a fornalha com lenha
Acompanhar o funcionamento
- 28,1 36,2 30,55 100 45
da caldeira.
DATA DAS AVALIAÇÕES: 10/11/2017 às 13 h.
CÁLCULO:
39,5∙15+30,9∙45
𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺 = = 32.6℃
60

500∙15+100∙45
𝑀= = 200 𝐾𝑐𝑎𝑙/ℎ
60

RESULTADO: De acordo com a o Quadro 2 do Anexo 3 da NR15 a atividade é considerada


insalubre, visto que, para a 𝑀 definida para as atividades o trabalhador deveria estar exposto a um
𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺 máximo de 30ºC.
Fonte: O autor (2017).

Assim, observou-se que o trabalhador está exposto a um 𝐼𝐵𝑈𝑇𝐺


aproximadamente 9% superior ao limite de tolerância estabelecido no Quadro 2 do
Anexo 3 da NR15, sendo, com isso, a atividade considerada insalubre para efeitos
trabalhistas. Nesse caso, o trabalhador faz jus a percepção do adicional de
insalubridade em grau médio, correspondendo a 20% do salário mínimo vigente.
Além disso, conforme estabelece o art. 57.A caput e § 3º da Lei nº 8.213/1991, o
trabalhador também faz jus a aposentadoria especial, uma vez que labora em
condições especiais que prejudicam sua saúde e integridade física em situação de
trabalho permanente, não ocasional, nem intermitente. Para isso, o empregador
deverá contribuir com um adicional de 6% sobre sua remuneração para a
previdência social (art. 57, § 6º da Lei nº 8.213/1991), uma vez que a exposição
ocupacional ao calor acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo anexo nº 3
da NR15 lhe garante o direito à aposentadoria após 25 anos de exposição nessas
condições, tal como estabelece o item 2.0.4 do anexo IV do Decreto nº 3.048/1999.

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Adotando-se a hierarquia das medidas de controle dos riscos ambientais


firmada no item 9.3.5 da NR-9 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais –
PPRA), algumas medidas de controle deveriam ser urgentemente adotadas pelo
empregador. Essa hierarquia é mostrada pelo organograma exposto na Figura 4.

a) Medidas que eliminam ou reduzam a


utilização ou a formação de agentes
prejudiciais a saúde
b) Medidas que previnam a liberação ou
1ª - Proteção coletiva disseminação desses agentes no
ambiente de trabalho

Hierarquia das 2ª - Medidas c) Medidas que reduzam os níveis ou a


medidas de controle administrativas ou de concentração desses agente no
dos riscos ambientais organização do trabalho ambiente de trabalho

3ª - Proteção individual

Figura 4 – Organograma da hierarquia das medidas de controle dos riscos ambientais estabelecida
pela NR9 do Ministério do Trabalho
Fonte: Arquivo próprio

Uma vez impossível a completa eliminação do risco ou mesmo a redução do


calor produzido (hierarquia 1.a da Figura 4), deveriam ser adotadas medidas de
proteção coletiva capazes de prevenir a liberação ou disseminação do elevado calor
radiante (61,1 ºC de TG) no ambiente de trabalho (medida hierárquica 2.a da Figura
2). Isso seria possível através da construção de uma barreira física refratária frente à
fornalha, com fenda apropriada para acesso à mesma, de modo a impedir ou
mesmo minimizar a liberação da radiação térmica para o ambiente de operação do
trabalhador, e, com isso, reduzir a sobrecarga térmica a que ele está exposto. Trata-
se de uma proteção coletiva de simples implementação e baixo custo. Além de
prevenir a incidência direta da radiação sobre o trabalhador, essa medida reduziria a
temperatura de seu ambiente de descanso, visto que o IBUTG medido nesse ponto
também se mostrou bastante elevado, o que se justifica por sua proximidade da
fonte geradora de calor.
Adicionalmente, valendo-se da 2ª medida hierárquica geral de proteção,
poder-se-ia adotar um rodízio de funções, de modo que esse trabalhador realizasse
outra atividade em ambiente mais ameno durante parte de sua jornada. Isso seria
possível com o treinamento e aclimatação de outros trabalhadores para a execução
dessa função.

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Observou-se que a empresa ignorou a hierarquia das medidas de proteção


estabelecida pela NR9 e adotou diretamente a 3ª medida hierárquica, ou seja,
forneceu ao trabalhador tão somente os EPIs. Isso, inclusive, é uma prática comum
em nosso país. Nesse contexto, vale trazer para reflexão as palavras do Auditor
Fiscal do Trabalho (AFT) Amorim Jr (2017, p.195):

Deve-se registrar, todavia, que no Brasil a exceção tornou-se a regra. Em


vez de eliminar as condições de risco na fonte, o empresário prefere a
solução mais cômoda e barata, porém menos eficiente, que é o simples
fornecimento do equipamento de proteção individual.

Não obstante, na avaliação dos pesquisadores, os EPIs ofertados ao


trabalhador não se mostraram completamente adequados, visto que deveria ser
fornecido a ele um EPI para proteção facial com lente filtrante de infravermelho
adequada à proteção dos olhos. Além disso, o ideal seria o emprego de proteção de
todos os membros superiores através de aventais com mangas e ombreiras (ambos
com proteção reflexiva para amenizar incidência do calor radiante) e proteção dos
membros inferiores através de perneiras de raspa de couro. Para completar, o
ambiente deveria dispor de água potável, visando a hidratação constante do
trabalhador, uma vez que é notória a perda de líquido por esse profissional devido à
sudorese intensa apresentada. Além disso, mostra-se necessária a implementação
de uma adequada fonte de ventilação artificial para tonar mais eficientes os
mecanismos de termorregulação nas proximidades da caldeira.

CONCLUSÃO

O conhecimento do processo produtivo, a observância do desenvolvimento


das atividades e o diálogo com os trabalhadores são muito importantes para a
correta avaliação da exposição ocupacional ao calor.
A atividade de operação de caldeira expõe o trabalhador a elevada
sobrecarga térmica, notadamente devido ao elevado índice de calor radiante, que
pode acarretar danos graves à sua saúde, tais como a catarata e o câncer de pele.
Nesse caso em análise, medidas de controle de caráter passivo (proteções
coletivas) deveriam ser adotadas na caldeira, como a construção de uma barreira
refratária, de forma a diminuir a incidência de calor radiante sobre o trabalhador. O

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local de descanso do operador de caldeira deveria ser construído em local mais


afastado da mesma, com isolamento térmico, ventilação adequada e servido de
água potável fresca. Também não foi observada a adoção de medidas de caráter
administrativo, tais como rodízio de funções. Não obstante, as medidas de controle
de caráter individual, que deveriam ser excepcionais, foram as únicas observadas e,
mesmo assim, mostram-se ineficazes, pois deveriam ser fornecidas ao trabalhador
vestimentas adequadas (aventais com mangas fabricados em material reflexivo) e
protetor facial com lente visual dotada de filtro de radiação infravermelha.
Os danos à saúde do trabalhador, a permanecer nessas condições, serão
inevitáveis com o passar do tempo e acarretarão prejuízos para a empresa que,
devido à sua responsabilidade civil objetiva, terá que reparar o dano provocado ao
trabalhador. Além disso, a sociedade, de um modo geral, que terá que arcar com as
custas da aposentaria precoce desse trabalhador, além de gastos decorrentes dos
tratamentos de saúde.
Por fim, com base no Anexo nº 3 da NR-15 da Portaria nº 3214/78 do MT,
pôde-se constatar que o trabalhador labora em condições insalubres e
potencialmente prejudiciais à sua saúde e integridade física (acima dos limites de
tolerância estabelecidos), motivo pelo qual não poderia estar atuando nas condições
apresentadas. Para que sua atuação seja regularizada é necessário que as medidas
de controle propostas sejam adotadas, além de outras que se julgar necessárias.

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