Rodrigues Elisatoffoli D

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

ELISA TOFFOLI RODRIGUES

AVALIAÇÃO DO MÉTODO BALINT PAIDEIA NA FORMAÇÃO DE ESTUDANTES


PARA A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

CAMPINAS
2022
ELISA TOFFOLI RODRIGUES

AVALIAÇÃO DO MÉTODO BALINT PAIDEIA NA FORMAÇÃO DE ESTUDANTES


PARA A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

Tese apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da


Universidade Estadual de Campinas como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção do título de doutora em
Saúde Coletiva, na área de Política, Planejamento e Gestão
em Saúde.

ORIENTADOR: GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO


FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA
ELISA TOFFOLI RODRIGUES E ORIENTADA PELO
PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS.

CAMPINAS
2022
FICHA CATALOGRÁFICA
COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO
ELISA TOFFOLI RODRIGUES

ORIENTADOR: GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

MEMBROS TITULARES:

1. PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

2. PROFA. DRA. ELIANA GOLDFARB CYRINO

3. PROFA. DRA. ANA ESTELA HADDAD

4. PROF. DRA DANIELE POMPEI SACARDO

5. PROF. DR. GUSTAVO ANTÔNIO RAIMONDI

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da


Universidade Estadual de Campinas.
A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no
SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da FCM.

Data de Defesa: 03/06/2022


DEDICATÓRIA

Dedico essa tese aos estudantes, docentes e preceptores dos


cursos de graduação em medicina.
Que a educação possa ser significativa e transformadora.
E que a prática seja sempre singular e humana.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a toda a minha rede de suporte que tornou possível eu fazer esse doutorado
imediatamente após o nascimento do Paulo, meu filho mais novo, e durante o período mais
crítico da pandemia da COVID-19.

Agradeço ao prof. Gastão por ser fonte de inspiração para a vida! Agradeço pelo acolhimento
de uma puérpera no processo seletivo, adaptando a entrevista para o formato online (que não
existia na época); por acreditar no meu potencial e investir na minha formação; por ser um
orientador presente e ativo; pelos ensinamentos (e quantos ensinamentos!); pela arte de se
comunicar, transformando assuntos complexos em uma fala gostosa e compreensível. Não
tenho palavras para descrever toda a contribuição desse mestre, mas fica minha gratidão de
poder tê-lo com orientador dessa tese e poder fazer parte do Coletivo Paideia.

Aos meus pais. Pela vida. Pelo exemplo. Pelo suporte em todos os momentos difíceis da vida.
Por compartilhar diariamente amor comigo. Agradeço às conversas amigas e simples troca de
olhares com minha mãe, aos conselhos e poesias do meu pai, que me fortalecem e me fazem
sentir tão amada!

Aos meus irmãos, perto ou longe, que sempre me apoiaram e que torcem pelas minhas vitórias.
Em especial à família do André que tornou possível minhas viagens à Campinas com o Paulo
ainda bebê.

Ao Marcelo, por TUDO!!! Por seu um companheiro daqueles que você sabe que pode contar a
vida toda! Que em diversos momentos acreditou em mim mais do que eu mesma! Que deu
suporte na casa e com os filhos durante minhas ausências. Que sentava comigo e conversava
sobre a tese nos momentos em que ‘eu travava’ e que parecia não ter saída. Pela insistência em
me ajudar a ser mais organizada com o espaço físico, com os prazos e com as minhas tarefas.
Por me ajudar a ser melhor a cada dia. Pela paciência. Por fazer parte da minha vida há tantos
anos.

Aos meus filhos, Paulo e Mateus, pela companhia e por terem ressignificado minha vida!

Aos colegas do Coletivo Paideia da Unicamp pelas trocas, reflexões e aprendizagens. Em


especial à Monica Oliveira Viana que me auxiliou na metodologia e foi coautora de um dos
artigos dessa tese.

Aos amigos e colegas docentes do Departamento de Saúde Coletiva, que me incentivaram na


busca por essa formação e que seguraram as pontas na graduação e residência de Medicina de
Família e Comunidade durante o meu período de afastamento. À Erica, Larissa, Fernanda
Nogueira Campos, Fernanda Bergamini, Henrique, Nilton e Nicole por embarcarem comigo
nos GBP. Obrigada Rosa e Leila pelo companheirismo, ‘maternagem’ e força de sempre. Ao
Gustavo Raimondi, por tornar minhas viagens de Uberlândia a Campinas mais amenas e pelo
exemplo de vida, com seu bom humor e determinação de sempre. E novamente ao Nilton, por
me apresentar o coletivo Paideia e sempre me dar ‘apoio’ (aquele sustenta e empurra).

Aos estudantes do internato de Saúde Coletiva da UFU por aceitarem participar dessa pesquisa.
À Gabriela e ao Vilson, por toparem registrar o Projeto Terapêutico realizado por eles durante
e internato e escreverem em coautoria um dos capítulos publicados no livro Nas entranhas da
Atenção Primária.

Aos trabalhadores das equipes de Saúde da Família de Uberlândia, por acolherem tão bem os
estudantes e nós professores, pelas trocas de conhecimento e pelos aprendizados.

Às professoras Eliana Cyrino, Ana Estela Haddad e Daniele Sacardo e aos professores Gustavo
Raimondi, Gustavo Tenório e Nilton Pereira Júnior, por aceitarem participar das bancas de
qualificação e defesa.
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo avaliar os efeitos do Grupo Balint Paideia (GBP) como
estratégia de formação para estudantes que atuam na Atenção Primária à Saúde (APS) do SUS.
Trata-se de uma pesquisa de intervenção tipo Apoio com abordagem quanti e qualitativa. Foram
realizados GBP com 42 estudantes do 12º período do curso de medicina de uma universidade
pública, os quais realizavam estágio na APS. Os grupos tiveram frequência quinzenal durante
6 meses e foram apoiados por docentes do departamento de Saúde Coletiva da mesma
instituição dos alunos. Os dados foram produzidos por meio da observação participante e diário
de campo dos apoiadores, por meio da avaliação dos projetos terapêuticos singulares (PTS)
realizados por duplas de estudantes, pela aplicação de questionário quantitativo que avaliou a
percepção dos estudantes sobre suas práticas na APS e por meio da realização de grupos focais
no início e final do semestre. A análise dos dados quantitativos foi descritiva e dos dados
qualitativos foi realizada por intermédio da construção de narrativas. Considerando-se a
percepção dos estudantes sobre suas práticas na APS, notou-se que eles valorizaram diferentes
aspectos durante o cuidado do usuário, como idade, gênero, saúde mental, renda, escolaridade
e contexto do território em que usuário residia, porém não a rede de apoio e a raça ou cor do
usuário, as quais nem sempre foram reconhecidas nas atividades clínicas dos internos. Os
estudantes tiveram a oportunidade de trabalhar com 12 categorias profissionais diferentes na
APS, sendo que as visitas domiciliares foram reconhecidas pelos estudantes como o cenário
mais potente para eles vivenciarem a interdisciplinaridade. Houve pequena valorização, pelos
estudantes, das ferramentas de abordagem familiar e comunitária, como genograma e ecomapa,
bem como baixa participação em atividades relacionadas à gestão. A combinação entre a prática
longitudinal na APS, os GBP e elaboração de PTS foi capaz de propiciar aos estudantes de
medicina uma atuação interdisciplinar, a qual foi analisada a partir dos seguintes núcleos
argumentativos: entraves e potencialidades para o trabalho em equipe; influência da formação
baseada no trabalho para o exercício da atividade colaborativa; e papel dos grupos Balint-
Paideia no processo formativo e na aprendizagem de conceitos relevantes para a APS. A
pesquisa também analisou três casos discutidos nos GBP que exemplificaram situações
corriqueiras da APS, demonstrando a complexidade da vida e a singularidade da experiência,
bem como contribuindo para a compreensão do conceito de clínica ampliada. Por fim,
considerando a necessidade premente de se colocar em prática as recomendações das Diretrizes
Curriculares Nacionais do curso de graduação em medicina e considerando a potência dos GBP
como dispositivo de aprendizagem, são sugeridas estratégias para a incorporação dos GBP no
internato médico.

Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Internato Médico; Educação Médica; Práticas


Interdisciplinares.
ABSTRACT

This study aims to evaluate the effects of the Balint Paideia Group (BPG) pedagogical tool as
a training strategy for medical students in Primary Health Care (PHC) of the Brazil’s Unified
Health System This is an intervention research-support combining quantitative and qualitative
evidence. BPG was performed on 42 students of the 6th year of the medical course at a public
university, who were interning at PHC. These groups met biweekly for 6 months and were
supported by professors of the Public Health Department at the same institution as the students.
The data were produced through participant observation and the supporters' field diary, through
the evaluation of singular therapeutic projects (STP) made by pairs of students and through
focus groups. A quantitative questionnaire evaluated the students' perception of their practices
in PHC at the end of the semester. Analysis of quantitative data was descriptive, while
qualitative data analysis relied on the construction of narratives. Considering the students'
perception of their practices in PHC, it was noted that they valued different aspects during the
care of the patient, such as age, gender, mental health, income, schooling and the context of the
territory in which the user lived, but not the support network and the race or color of the person,
which were not always recognized in the clinical activities of the interns. Medical students had
the opportunity to work with 12 different professional categories in PHC, and home visits were
recognized by students as the most powerful scenario for them to experience interdisciplinarity.
There was little appreciation by students of family and community approach tools, such as
genogram and ecomap, as well as lack of participation in management-related activities. The
combination of longitudinal practice in PHC, BPG and elaboration of STP provided medical
students with an interdisciplinary performance, which was analyzed from the following
perspectives: obstacles and opportunities for teamwork; influence of work-based training for
the exercise of collaborative activity; and the role of Balint-Paideia groups in the training
process and in the learning of concepts relevant to PHC. The study also analyzed three cases
discussed in the BPG that exemplified usual situations in PHC, demonstrating the complexity
of life and the uniqueness of the experience, as well as contributing to understanding the concept
of amplified clinic. Finally, considering the pressing need to put into practice the
recommendations of the National Curriculum Guidelines of the undergraduate medical course
and considering the power of BPG as a learning device, strategies are suggested for the
incorporation of BPG in medical internship.

Kewwords: Primary Health Care; Medical Education; Internship; Medical Education;


Interdisciplinary Placement.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADROS
Quadro 1 - Características metodológicas dos Grupos Balint e dos Grupos Balint
Paideia para profissionais de saúde e para estudantes de medicina................................... 20
Quadro 2 - Quadro síntese da estrutura curricular do curso de medicina FAMED-
UFU................................................................................................................................... 35

GRÁFICOS
Gráfico 1 - Distribuição da frequência de construir com o usuário seu plano terapêutico
e de interromper o relato do usuário para garantir a objetividade, segundo os estudantes
do 12º período do curso de medicina (n=33), durante o Internato de Saúde Coletiva,
2019.................................................................................................................................. 49
Gráfico 2 - Distribuição da frequência que o estudante do 12º período do curso de
medicina (n=33), durante o ISC, participou de reunião de equipe ou do colegiado gestor
da UBS, do conselho local, distrital ou municipal de saúde e do comitê de mortalidade
materno-infantil.................................................................................................... 51
Gráfico 3 - Distribuição da frequência em que o estudante do 12º período do curso de
medicina (n=33), durante o ISC, realizou com outra categoria profissional discussão de
caso, visitas domiciliares, discussão sobre encaminhamento do usuário, atividades
coletivas ou grupos, atividades individuais e análise e implementação de ações no
território, 2019.................................................................................................................. 53
Gráfico 4 - Distribuição percentual da frequência com que os estudantes de medicina
utilizaram o genograma e o ecomapa durante o ISC.................................................. 55

Gráfico 5 - Distribuição percentual da frequência com que o estudante do 12º período


do curso de medicina (n=33), durante o ISC, realizou visita domiciliar para os usuários
da UBS................................................................................................................. 56

FIGURA
Figura 1 - Material educativo elaborado pelas estudantes do 12o período de medicina
para realização de uma atividade de educação em saúde com a temática do diabetes.... 105
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACS – Agente Comunitário de Saúde


APS – Atenção Primária à Saúde
CAPS - Centro de Atenção Psicossocial
CEP - Comitê de Ética em Pesquisa
CRPICS – Centro de Referências de Práticas Integrativas e Comunitárias em Saúde
DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais
DESCO – Departamento de Saúde Coletiva
EMECIU – Escola de Medicina e Cirurgia de Uberlândia
ESF – Estratégia Saúde da Família
FAMED - Faculdade de Medicina
FMRP-USP - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
GBP – Grupo Balint-Paideia
GF – Grupo Focal
GFi – Grupo Focal inicial
GFf – Grupo Focal final
GP – General practitioners
HAS - Hipertensão Arterial Sistêmica
HC-UFU – Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia
ISC – Internato de Saúde Coletiva
MEC – Ministério da Educação
MS – Ministério da Saúde
NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família
NHS – Sistema Nacional de Saúde (Britânico)
PET-Saúde - Programa de Educação para o Trabalho em Saúde
PNAB – Política Nacional de Atenção Básica
PROMED - Programa Nacional de Incentivo às Mudanças Curriculares para as Escolas
Médicas
Pró-saúde - Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde
PROVAB - Programa de Valorização da Atenção Básica – PROVAB
PST – Projeto de Saúde no Território
PTS - Projeto Terapêutico Singular
SC – Saúde Coletiva
SEGETS - Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UAI - Unidade de Atendimento Integrado
UBS – Unidade Básica de Saúde
UBS – Unidade Básica de Saúde da Família
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UFCSPA - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
UFU – Universidade Federal de Uberlândia
VD – Visita Domiciliar
SUMÁRIO

Apresentação ................................................................................................................... 14

1. Introdução.................................................................................................................... 17

2. Objetivos....................................................................................................................... 32
3. Metodologia.................................................................................................................. 33
3.1 Campo da pesquisa........................................................................................... 34
3.2 Técnicas utilizadas na coleta de dados.............................................................. 36
3.3 Metodologia de análise de dados...................................................................... 40
3.4 Aspectos éticos................................................................................................. 42
4. Resultados..................................................................................................................... 44
4.1 Artigo 1 - Percepção dos estudantes sobre prática na Atenção Primária à Saúde
durante Internato de Saúde Coletiva (Submetido)................................................................... 44
4.2 Artigo 2 - O desafio da formação interdisciplinar de graduandos de medicina: 62
contribuições dos grupos Balint-Paideia (Submetido).....................................................
4.3 Capítulo 1 - Clínica Ampliada na formação médica: o uso do Método Balint-
Paideia............................................................................................................................... 82
4.4 Capítulo 2 - Formação de estudantes para uma clínica ampliada e
compartilhada: contribuições dos Grupos Balint-Paideia.................................................. 98

5. Considerações finais................................................................................................... 119


6. Referências.................................................................................................................. 128
7. Apêndices..................................................................................................................... 134
8. Anexos.......................................................................................................................... 149
14

APRESENTAÇÃO

Sou Elisa Toffoli Rodrigues, moro em Uberlândia – MG, sou casada e tenho dois
filhos, Mateus e Paulo, sendo que o último nasceu no momento de seleção para o ingresso neste
doutorado.
Sou médica de família e comunidade, graduada em Medicina pela Universidade
Federal de Uberlândia (UFU). Logo após a graduação, fiz residência de Medicina de Família e
Comunidade no Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP (2008-
2010) e, posteriormente, mestrado na área de Saúde na Comunidade, na mesma instituição
(2010-2012). Em 2011, durante o meu mestrado, iniciei a carreira docente na Universidade
Federal de Uberlândia, no curso de medicina, mais especificamente no atual Departamento de
Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina (FAMED – UFU).
Na faculdade, além de ministrar aulas no eixo da Saúde Coletiva, tive experiência
na coordenação da Residência Médica de Medicina de Família e Comunidade, do internato de
Saúde Coletiva, do Núcleo de Atenção Básica e do Centro de Saúde Escola Jaraguá, todos
vinculados à FAMED UFU. Na gestão, ainda tive a experiência de coordenar a Atenção Básica
do Município de Uberlândia por quatro anos (2013-2016), período de aprendizado intenso e
enriquecedor para minha formação profissional e pessoal. Também atuei como tutora de duas
versões do Curso de Especialização em Preceptoria em Medicina de Família e Comunidade, da
UNASUS em parceria com a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
(UFCSPA) e, no segundo curso, com o Hospital Moinhos de Vento. Atualmente também sou
supervisora do Programa Mais Médicos (desde 2012, quando iniciei como supervisora do
Programa de Valorização da Atenção Básica - PROVAB).
Após alguns anos de prática docente e, sentindo a necessidade de me aprimorar
tanto na educação médica como no campo da saúde coletiva, iniciei o doutorado em Saúde
Coletiva na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Após o mestrado fiquei um
pouco desestimulada com a carreira acadêmica por considerar que as produções científicas
atingiam um público muito pequeno e, por esse motivo, teriam baixa capacidade de produzir
transformações da realidade. Após conhecer um pouco mais sobre pesquisa-ação a partir da
experiência de ser docente de um curso de apoio da Unicamp, me senti estimulada a me
aprofundar mais no assunto e aplicá-la na minha realidade local. Assim, essa pesquisa foi
desenvolvida com estudantes de medicina, no internato de Saúde Coletiva, com intuito de tentar
produzir ciência e conhecimento, mas também mudar práticas.
15

Essa tese está organizada no denominado formato alternativo, sendo composta por
uma contextualização do assunto a ser abordado (na introdução), seguida dos objetivos desse
estudo e da metodologia utilizada na pesquisa. Os resultados são apresentados no formato de
artigos e capítulos de livro já publicados ou submetidos para publicação.
No primeiro capítulo dos resultados é apresentado o artigo denominado “Percepção
dos estudantes sobre prática na Atenção Primária à Saúde durante internato de Saúde Coletiva”
o qual nos fornece um recorte sobre a visão dos estudantes sobre a sua própria formação para a
APS durante o internato. Em seguida, apresenta-se o artigo intitulado “O desafio da formação
interdisciplinar de graduandos de medicina: contribuições dos grupos Balint-Paideia”, que tem
como objetivo analisar o trabalho multiprofissional na perspectiva interdisciplinar na formação
de estudantes de medicina por meio de grupos Balint-Paideia. No terceiro e no quarto capítulos
são expostas reflexões sobre alguns casos clínicos apresentados pelos estudantes nos Grupos
Balint-Paideia (GBP). No terceiro capítulo, denominado “Clínica Ampliada na formação
médica: o uso do Método Balint-Paideia”, são apresentadas algumas reflexões que os GBP
proporcionaram para os alunos. No quarto capítulo, denominado “Formação de estudantes para
uma clínica ampliada e compartilhada: contribuições dos Grupos Balint-Paideia”, a partir de
duas histórias narradas nos GBP, exemplifica-se como foram conduzidas as reflexões nesses
Grupos com intuito de ampliar a clínica dos estudantes. Ambos textos compõem o livro “Nas
entranhas da atenção primária à saúde”, da Editora Hucitec, publicado em novembro 2021.
Os GBP foram implementados no internato de Saúde Coletiva da FAMED-UFU desde
início do 2019, coincidindo com o planejamento desta pesquisa de doutorado e com a chegada
da primeira turma de estudantes do currículo novo ao 12º período do curso de medicina. Após
um semestre de implementação da metodologia e formação dos docentes para o apoio dos
Grupos Balint-Paideia, foi iniciada a coleta de dados para esta pesquisa, especificamente, que
durou um semestre letivo. Mesmo após a coleta de dados concluída, os GBP continuaram a ser
realizados sendo que no segundo semestre de 2020 e primeiro semestre de 2021 eles foram
realizados de maneira virtual, denominados de Grupos Web Balint-Paideia, devido instauração
da epidemia do COVID-19 e necessidade de reestruturação das atividades teórico-práticas do
Internato.
No segundo semestre de 2021, com a permanência do cenário da pandemia do
Covid-19 e com a acentuação das dificuldades de diálogo da Universidade com a Secretaria
Municipal de Saúde, houve diminuição, pela prefeitura de Uberlândia, da oferta do campo de
prática na rede de atenção à saúde, sendo disponibilizadas poucas Unidades Básicas de Saúde
(UBS) para a realização do Internato. Desta forma, o internato de saúde coletiva foi totalmente
16

reestruturado e foram incluídos, de maneira emergencial, diversos cenários hospitalares para


suprir a pequena (ou nenhuma) inserção na atenção básica. Neste contexto e, considerando
também a saída de médicos de família e da psicóloga, que davam apoio aos GBP, do
Departamento de Saúde Coletiva, optou-se por não realizar os GBP no segundo semestre de
2021. No primeiro semestre de 2022 não foi ofertado o componente curricular do Internato de
Saúde Coletiva (SC) devido reorganização do calendário acadêmico como consequência da
pandemia do COVID-19. Pretendo retomar os GBP no internato no segundo semestre de 2022,
com a formação de novos docentes para conduzir os grupos.
A contextualização da incorporação dos GBP no currículo do curso de medicina, com
tantas idas e vindas, com adaptações do modelo presencial para o virtual, dentre outros fatores,
permite a compreensão de que a implementação de novas metodologias de ensino é um processo
dinâmico e complexo. O percurso entre o conhecimento, apropriação e a aplicação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a graduação em medicina e das políticas orientadoras de
formação para a APS pode ser árduo e longo.
Para encerrar a tese, apresento as considerações finais que trazem elementos que
mais me chamaram a atenção nos anos de desenvolvimento da pesquisa, bem como propostas
para implementação dos GBP no internato do curso médico.
Espero que apreciem a leitura dessa tese e que ela contribua para formação de
profissionais médicos que possam exercer a clínica ampliada em qualquer cenário que
estiverem atuando.
17

1. INTRODUÇÃO

A formação dos profissionais de saúde no Brasil ainda é pautada por um modelo


biomédico flexneriano, com cenários de prática centrados no hospital e ainda pouco voltados
para a realidade e para o cenário da Atenção Primária à Saúde (APS)1-4.
Diversos modelos de formação buscam há tempos superar esse modelo articulando
diferentes núcleos de saber dos profissionais de saúde da APS bem como considerando a
realidade na qual os profissionais estão inseridos5-7. Neste trabalho destaca-se o Método Balint
Paideia como uma estratégia de formação de estudantes de medicina para a Atenção Primária à
Saúde.
Os grupos Balint-Paideia (GBP) foram desenvolvidos por Cunha8 (2009) na
tentativa de adaptar os grupos Balint para a realidade do SUS em composição com o Método
Paideia para a cogestão de coletivos. Os GBP são uma proposta que leva em consideração a
inseparabilidade entre a gestão (política) e a clínica na Atenção Básica. Essa interseção entre
clínica e gestão é um dos pressupostos da Política Nacional de Humanização do Ministério da
Saúde9.
Balint desenvolveu seu trabalho no Sistema Nacional de Saúde Inglês (NHS
Britânico), em meados do século passado, tendo como foco principal o apoio ao trabalho clínico
dos profissionais. Ele identificou que o aprendizado clínico não se reduzia aos seus aspectos
cognitivos, sendo necessário estudar as implicações psicológicas da clínica tradicional, formar
clínicos para lidar com estas implicações e criar um método de treinamento para lidar com essas
implicações8.
Balint propôs reuniões semanais para discussão de casos clínicos centrados na
relação clínica, com a presença de oito a dez médicos (prioritariamente os médicos generalistas
do NHS), com duração de 1h até 1h30min de cada encontro durante dois anos. Os grupos eram
fechados (mesmo participantes ao longo do tempo), caracterizado como uma atividade
voluntária do médico (horário fora do período de trabalho) e com coordenação externa à gestão
dos serviços8.
A metodologia Paideia (ou método da roda) foi desenvolvida por Campos como
alternativa à forma de gestão pautada na racionalidade gerencial hegemônica. A concepção
teórica e metodológica Paideia foi desenvolvida na tese de livre docência intitulada “Um
método para análise e cogestão de coletivos – a constituição do sujeito, a produção do valor de
uso e a democracia nas instituições: o Método da Roda”. Busca a democratização da gestão nas
organizações, por meio da formação de coletivos organizados, voltados para a produção de bens
18

ou serviços, e de incentivo à participação dos sujeitos na gestão da organização e de seus


aspectos de trabalho. Visa dar suporte à cogestão de coletivos, por meio do apoio institucional,
do apoio matricial e da clínica ampliada e compartilhada10,11.
Características fundamentais do método Paideia8:
- Compromisso com a democracia institucional, com construção permanente de coprodução,
negociação de contratos e compromissos. Considera o espaço institucional como potencial para
a “produção de subjetividade passíveis de transformação e instrumentos para realização de
instrumentos coletivos”.
- Modo de se alcançar essa democracia institucional. O método Paideia considera a tríplice
finalidade de uma instituição: a produção do valor de uso (finalidade declarada da instituição),
a “produção de sujeitos” (os trabalhadores) e a sustentabilidade (reprodução da instituição). A
proposta do método é que seja realizada a cogestão, onde usuários, trabalhadores e gestores
possam viabilizar contratos e compromissos de forma a considerar (e explicitar) os conflitos e
poderes existentes entre os diversos interesses.
- Crítica à racionalidade gerencial hegemônica, herança dos princípios tayloristas que
direcionam profundamente o modo de viver e organizar as instituições. Na saúde, essa lógica
fragmenta o cuidado e reforça uma relação hierárquica entre os trabalhadores e os usuários, já
que se baseia nos princípios do saber especializado do trabalhador, na ideia de que sempre há
uma única e melhor forma de fazer cada trabalho e na dicotomia entre quem pensa (sabe e
decide) e quem faz o trabalho (não sabe e obedece).
- Coprodução de sujeitos (individuais ou coletivos), ou seja, considerar na gestão da clínica a
influência dos diferentes fatores que “determinam” os sujeitos (genética, condições materiais,
instituições, interesses, desejos, etc) de forma relativa, aumentando a capacidade do sujeito de
analisar e intervir sobre a realidade, transformando-a.
- Reconhecimento da influência dos poderes, saberes e afetos em todas as relações das
instituições. O método Paideia favorece a capacidade dos coletivos de lidar com essas forças
que sempre estão presentes na relação entre os sujeitos de uma instituição. Isso reflete na
classificação de núcleos temáticos de análise, divididos em dois pólos: o da “produção de valor
de uso” (resultados) e da “produção de sujeitos”. Entre um pólo e outro estão vários núcleos
que não serão detalhados nesse momento. Importante destacar que esses núcleos temáticos tem
importância significativa nos GBP, pois a partir da análise deles é possível trazer os desafios
encontrados na gestão da clínica, com possibilidade do profissional se auto-analisar e aprender
a “sentir” diferente.
19

O método Paideia, portanto, pretende compreender e interferir nas dimensões do


poder, do conhecimento e do afeto. Procura contribuir na democratização dos espaços,
ampliando a capacidade das pessoas em lidar com os problemas e conflitos, tomar decisões,
realizar compromissos e contratos, estabelecendo relações dialógicas, com compartilhamento
de saberes e poder10.
Além disso, o método aumenta a capacidade das pessoas de compreender a si
mesmas, aos outros e ao contexto onde estão inseridas10,11.
Considerando-se que os grupos Balint foram desenvolvidos para o profissional
médico, principalmente os médicos de família (denominados GP’s ou “General practitioners”),
do sistema de saúde nacional Inglês e que o método Balint-Paideia foi adaptado para os médicos
e demais membros da equipe interdisciplinar, sendo aplicado principalmente no âmbito da
Atenção Primária no Brasil, compreende-se que a realização destes encontros com estudantes
de medicina necessitaria de uma pequena adaptação da metodologia. As principais
características metodológicas dos Grupos Balint e dos Grupos Balint Paideia para profissionais
de saúde e para estudantes de medicina estão descritas no quadro 1.
Nos Grupos Balint-Paideia é necessário tentar construir grupalidade e um espaço
protegido, permitindo que os estudantes tenham liberdade de expressão para expor seus anseios
e erros e que consigam enfrentar as consequências de suas ações escolhidas. Para tanto é
necessário respeitar o ritmo de cada um, que pode ser diferente nesse trajeto12.
O professor, na estratégia Balint-Paideia exerce um papel de apoiador. Isso significa
que o professor deve ter um agir interativo à medida que dá suporte ao aprendiz, facilitando o
aprendizado do aluno e estimulando o seu papel ativo, e também impulsiona esse mesmo aluno,
exercendo nesse momento um papel mais ativo enquanto professor12.
Ainda segundo esses autores, o apoiador tem um duplo papel: dar suporte e
estimular as potencialidades do grupo, o que pode ser feito ao trabalhar com as demandas do
próprio grupo; e também levar ofertas de outros recursos (demanda externa), de forma a
recompor novos interesses, desejos e projetos. No momento em que o estudante leva o caso
para discussão na equipe, após a apresentação no GBP, o caso também serve como oferta para
sua equipe, sendo um treinamento para o próprio estudante no manejo de grupos e condução de
projetos terapêuticos.
20

Quadro 1 - Características metodológicas dos Grupos Balint e dos Grupos Balint Paideia para
profissionais de saúde e para estudantes de medicina

Grupo Balint Grupo Balint Paideia (para Grupo Balint Paideia (para
profissionais de saúde) estudantes de medicina)
8 a 10 participantes 16 a 20 participantes (8 a 10 Em torno de 40 participantes
duplas) divididos em grupos de 20
estudantes (10 duplas cada grupo)
Médicos Médicos e enfermeiros (com Estudantes de graduação de
abertura para outras composições medicina que estão cursando o
de duplas dependendo da Internato de Saúde Coletiva
composição das equipes de Saúde
da Família).
Apresentação e discussão de Apresentação e discussão de casos Apresentação e discussão de casos
casos clínicos. Temas centrados clínico-gerenciais (individuais e clínico-gerenciais (individuais e
na relação clínica. coletivos). Temas flexíveis, abertos coletivos). Temas flexíveis, abertos
aos acontecimentos e aos acontecimentos e
investimentos. investimentos.
Sem ofertas teóricas explícitas. Com ofertas teóricas diversas Com ofertas teóricas diversas
(metade do tempo para discussão, (metade do tempo para discussão,
metade para aulas ou leitura de metade para aulas ou leitura de
textos). textos)

Duração de 2 anos ou mais. Duração de 1 a 2 anos. Duração de 6 meses.

Atividade voluntária Atividade vinculada e articulada Atividade vinculada e articulada


desvinculada da gestão do com a gestão do sistema de saúde. com o curso de medicina.
serviço ou sistema de saúde.
Coordenadores do grupo Coordenadores participantes (ou Coordenadores participantes (ou
externos à gestão dos serviços. não) da gestão. não) da gestão do internato de
Saúde Coletiva (professores)
Tempo de duração de cada Tempo de duração de cada Tempo de duração de cada
encontro: 1h até 1h30min. encontro: um período de 4h, sendo encontro: um período de 4h, sendo
2h para discussões de casos e duas 2h para discussões de casos e duas
horas para atividades teóricas. horas para atividades teóricas.
Encontros semanais. Encontros semanais ou quinzenais. Encontros quinzenais.
Grupos fechados nos mesmos Grupo semi-aberto Grupo fechado nos mesmos
participantes. (multirreferencial). Possível participantes mas possível
presença quando demandados de presença, quando demandados, de
outros profissionais e gestores. outros profissionais, docentes e
gestores.
Sem associação com outros Possível associação com cursos de Possível associação com cursos de
recursos pedagógicos. especialização. extensão.
Apenas encontros presenciais. Utilização de recursos de Ensino a Utilização de recursos de Ensino a
Distância Distância
Possível utilização em pesquisa Possível utilização em pesquisa Possível utilização em pesquisa
participante, com dimensões participante, com dimensões participante, com dimensões
pedagógica e afetiva. pedagógica, gerencial (política) e pedagógica, gerencial (política) e
afetiva. afetiva.
Fonte: Elaborado pela autora, 2022. Adaptado de Cunha (2009), p.59.

Nesse sentido, é importante salientar que o espaço de formação (GBP) deve estar
alinhado às proposições do próprio método, ou seja, nos GBP é preciso estimular a cogestão, a
autonomia e as relações interpessoais. Além disso, a formação dos professores apoiadores
também deve ser na metodologia Balint-Paideia, criando-se uma instância em que apoiadores
21

utilizam os próprios casos de apoio e façam reflexões sobre as suas práticas, pensando em novas
possibilidades de intervenções nos grupos. Nessa formação, os professores são coordenados por
um apoiador mais experiente 12.
Vale lembrar que Balint13 propôs, com a introdução dos Grupos Balint na prática
dos médicos de família, aumentar a capacidade do médico lidar com as implicações
psicológicas da prática clínica, reforçando a importância do afeto nesta relação.
Maio14 cita alguns resultados da partilha de um caso complexo numa sessão de
grupo Balint:
Foi fundamental a discussão deste caso, para ultrapassar a sensação de
frustração gerada e também pelas propostas que foram surgindo ao longo da
discussão. Foi dito por um facilitador do grupo Balint e constata-se isso
sempre que se apresenta um caso, quando voltamos a consultar o doente,
sentimo-nos acompanhados pelos elementos do grupo Balint e com mais
ânimo para prosseguir. (Maio14, p. 500)

A partilha dos chamados «casos difíceis» em grupo Balint foi outra fase
fundamental na «desconstrução» deste caso, pela análise das emoções e pela
discussão de estratégias para este, mas também para outros casos em que as
emoções geradas sejam semelhantes. (Maio14, p.501)

A seguir, são discutidas cinco mudanças que se espera que o estudante de medicina
adquira após a aplicação dos Grupos Balint-Paideia durante o internato de saúde coletiva, que
se entrelaçam com a compreensão das implicações psicológicas da prática clínica, mas que
extrapolam a proposta de Balint. Duas dessas mudanças estão relacionadas aos efeitos
institucionais dos GBP, que tem a ver com mudanças nas relações e no contexto de trabalho
(superação da dicotomia entre clínica e gestão; problematização com o estudante sobre uma
gestão mais horizontalizada); duas relacionadas ao efeito terapêutico dos GBP, com mudança
dos sujeitos, seus valores e visões de mundo (desnaturalizar o instituído/aumentar a criatividade
do estudante e humanização do cuidado) e uma está relacionada ao efeito pedagógico dos GBP
(aumentar a autonomia do usuário em seu próprio cuidado), já que tem a ver com o
aprimoramento do repertório de conhecimentos, dos modos de fazer e pensar dos profissionais,
ampliando sua capacidade técnica para intervir.
Em relação à primeira mudança de prática esperada pelos GBP, que é superar a
dicotomia entre a clínica e a gestão, é importante destacar que é esperado que o estudante de
medicina seja bom clínico e que desenvolva, durante o curso, competências de Educação e
Gestão em Saúde15. O tema de gestão ainda é pouco trabalhado nos cursos de medicina, de
forma geral. Além disso, durante a formação prevalece uma lógica disjuntiva entre clínica e
gestão, sendo a gestão uma atribuição da saúde coletiva. Na minha percepção enquanto
22

professora de saúde coletiva do Internato de Saúde Coletiva da Universidade Federal de


Uberlândia, é comum os alunos chegarem ao 12o período do curso de medicina (no Internato
de Saúde Coletiva) com pouco ou nenhum conhecimento sobre gestão e com a compreensão de
que clínica e gestão são duas “entidades” separadas. Isso é fruto de uma formação disjuntiva,
vivenciada durante 5 anos e meio num ambiente predominantemente hospitalar e com pouco
conhecimento sobre gestão.
É assim que não poucas vezes acabamos por fazer prevalecer, ora a
organização sobre a clínica, ora a clínica sobre a organização, tendendo a
operar uma espécie de lógica disjuntiva, transformando a predominância de
um dos pólos em presença exclusiva, ou mesmo em antipresença, na tentativa
de apaziguar o mal-estar que advém desta relação perturbadora. (MOURA18,
p. 22).

Os grupos Balint-Paideia podem ajudar a explicitar as dificuldades na relação entre


clínica e gestão, superando a dicotomia existente durante a formação médica e aumentando a
compreensão dos estudantes que ambas, clínica e gestão, funcionam de forma entrelaçada e são
importantes para a prática de uma clínica denominada ampliada.
Em relação à segunda mudança esperada, a problematização com o estudante sobre
uma gestão mais horizontalizada, na formação dos estudantes deve-se partir do pressuposto que
fazer clínica ampliada, compartilhada e com cogestão só pode acontecer se a relação com a
organização for mais horizontalizada e menos piramidal. O profissional não se envolve nos
projetos não por ser “uma pessoa má”, mas sim porque não há o suporte da organização para
tal.
A lógica de gestão que opera dentro do serviço, como os trabalhadores lidam e
compartilham suas atividades e atitudes com os usuários reflete como será a promoção da
autonomia destes usuários e, consequentemente, a cogestão e compartilhamento/ampliação da
clínica.
Não é desnecessário lembrar que na relação com o paciente, o pessoal de um
equipamento de saúde assim constituído, qualquer que seja sua posição, desde
o pessoal de apoio até o mais alto escalão, acaba por assumir de modo
reprodutivo esses níveis e relações piramidalizados, fazendo uma separação
nítida entre os que pensam e os que agem, deixando para o paciente somente
a tarefa de seguir operacional e comportamentalmente os bons ditames dos
níveis estratégico e tático (MOURA18, p.25).

Os estudantes do internato de Saúde Coletiva medicina estão inseridos em unidades


de saúde da família que muitas vezes funcionam com um organograma verticalizado, com a
gestão realizada pela enfermeira da unidade, que por sua vez, é gerenciada por um coordenador
de distrito, que está submetido ao coordenador da Atenção Primária à Saúde. Apesar do cenário
23

da equipe de saúde da família ser estruturado para propiciar a horizontalização da gestão, muitas
vezes se observa decisões unilaterais e autoritárias. Nessa forma de organização, cada
trabalhador passa a funcionar como um órgão independente. Isso é uma forma do próprio
indivíduo se “proteger” do autoritarismo da gestão e exercer seu papel sem que “nem precise
pensar”, transmitindo essa lógica para o usuário18.

Nesta sintaxe piramidal e especializante, um médico só saberá ser um médico,


um enfermeiro só saberá ser um enfermeiro e um paciente só saberá ser um
paciente. Há muito já nos adverte o velho ditado: quem só tem uma chave de
fenda, tudo o que vê pela frente, acaba se parecendo com um parafuso!
(MOURA18, p.27).

Há dois tipos extremos de chefia: a super autoritária, que manda em todo mundo ou
aquele chefe que fala que todos são iguais. A relação entre o gestor e o trabalhador não deve
ser autoritária e nem deve ser tratada como se fosse igual, pois há diferenças de função entre os
cargos. Não ter uma hierarquia, não significa que não existirá diferença. Vale refletir junto aos
estudantes: como a diversidade do SUS pode ser sustentada sem se produzir hierarquizações?
Os estudantes de medicina desenvolvem, durante o internato de saúde coletiva, um
Projeto de Saúde no Território (PST) e um Projeto Terapêutico Singular (PTS). A ideia é que
esses estudantes, junto com a equipe, acompanhem uma família considerada “complexa” (PTS)
e que identifiquem problemas do território, desenvolvendo ações para superá-los, com base no
tripé que sustenta o planejamento do PST: intersetorialidade, participação popular e promoção
da saúde.
Nessas atividades, ao realizar a reflexão da prática da equipe de saúde da família,
não é raro o estudante lidar com falas da equipe como: “Já tentamos e não deu certo” ou “Você
não sabe tudo que já passamos até aqui”. Essas falas refletem o medo dos profissionais de
saírem da caverna, tal como Morgan19 (1996) faz a apologia do mito da Caverna de Platão. As
pessoas que estão dentro da caverna, só enxergando as sombras do que acontece no meio
externo, acreditam que aquilo é a realidade e, estando todos perto, criam a ilusão de que todos
são iguais (grupalidade homogênea). O indivíduo que saiu da caverna pode ver outra realidade,
que vai muito além das sombras na parede da caverna visualizadas por seus companheiros. Ao
voltar para caverna e tentar explicar isso para os outros, esse indivíduo é visto com uma pessoa
perigosa, pois fere a segurança de todos, que acreditam que as sombras são a realidade e tudo
o que existe. Esse é um tipo de aprisionamento que a organização traz. A desacomodação
organizacional é muito difícil e, para que ocorra, deve ter um valor (ex: valor financeiro ou um
valor afetivo).
24

A fixação das pessoas às suas funções é ruim pois produz vieses e distorções que
acabam se tornando “direitos”. A enfermeira da equipe de saúde da família, que sempre será a
coordenadora da equipe, pode incorporar o cargo à sua personalidade (fenômeno chamado de
sobrepele), tornando as mudanças mais difíceis18.
No setor público, como na Estratégia Saúde da Família, a novidade trazida pela
academia, por meio da inserção dos estudantes e estímulo a novas reflexões, pode ser rejeitada
pela insegurança dos trabalhadores ao novo. Além disso, como consequência ao fenômeno de
sobrepele, algumas regras estão tão cristalizadas nas organizações que parecem imutáveis. A
finalidade se perde no meio do caminho e o mais prejudicado é o usuário.
Uma forma de lidar com isso é colocar valor nas mudanças, como por exemplo, o
serviço se tornar mais humanizado e referência para as outras unidades caso determinada
mudança ocorra. Além disso, o método Paideia, através dos seus dispositivos organizacionais,
como Unidade de Produção, equipes de referência, apoio matricial, sistema de gestão colegiada,
cogoverno e supervisão matricial, podem ajudar a superar a racionalidade gerencial hegemônica
presente nas instituições, herança dos princípios tayloristas que direcionam profundamente o
modo de viver e organizar as instituições20-22.
Essa relação com a equipe é complexa e difícil de ser executada pelos estudantes
de medicina, assim, espera-se que a problematização das relações de poder, que geralmente
estão ocultas e não são explicitadas, possam ajudar os estudantes a desenvolver essas
habilidades de trabalho em equipe e de reflexão (e capacidade de intervenção) sobre as formas
de gestão e suas consequências no dia-a-dia do trabalhador.
A terceira mudança de prática esperada a partir dos GBP é que o estudante tenha
como um dos focos de seu aprendizado o aumento da autonomia do usuário.
Autonomia e liberdade devem ser consideradas conceitos relativos, ou seja, não há
liberdade nem autonomia absolutas. O conceito de cogestão parte do princípio que todos
participam do governo, em menor ou maior coeficiente. Dessa forma, “ninguém decide sozinho
ou isolado ou em lugar dos outros”20. A organização da gestão em colegiados de gestão não
garante a participação ou envolvimento dos usuários. Outros dispositivos podem aproximar o
usuário da gestão, aumentando sua influência tanto no dia-a-dia quanto nas grandes decisões
do sistema, como a realização de assembleia de usuários e a constituição de conselhos locais de
saúde (ou até mesmo em cada serviço de saúde). Além disso, o aumento do vínculo através da
designação de uma equipe de referência para cada paciente, aumenta a dimensão individual do
cuidado, contribui para aumentar o grau de compromisso e competência de cada trabalhador e
eficácia do trabalho clínico20.
25

Campos20 (1998), há mais de 20 anos propõe um novo método para cogovernar


instituições de saúde produzindo liberdade e compromisso que ainda é extremamente atual.
Considera que deve haver espaço, nas instituições, para serem trabalhados os conflitos e
contradições, considerando os vários interesses envolvidos, ou seja, considera a tensão
permanente entre os objetivos primários da instituição e os interesses dos próprios trabalhadores
e usuários.

Na verdade, sugere-se aqui uma máquina gerencial instituinte. Contradição


em termos: máquina e gestão se referem ao estabelecido, à reprodução do
instituído; e o novo Método as querendo instituinte! Uma máquina
supostamente coprodutora de sujeitos aptos para o exercício da liberdade, para
assumir os riscos e o prazer da criação, mas também preparados para contratar
compromissos, para respeitar a missão primária da instituição em que
estivessem inseridos. (CAMPOS20, p.869)

Quando se pensa num instituinte (algo novo) no instituído, devemos pensar nos
nossos projetos: o que, para que, para quem? Quem vai pensar no projeto? Como fazer para que
algumas coisas permaneçam? Os projetos dos estudantes de medicina, para/com as equipes de
saúde da família (PTS e PST), correm o risco de cair no princípio da falsificação, descrito por
Moura18 (2003), distanciando-se da razão da fundação da instituição e, por isso, fadados a dar
errado.

Com isso, eles introduzem aquilo que denominam princípio de falsificação


institucional que, embora precise ser visto com cautela pelo fato de ele se
apoiar nos princípios de verdade e falsidade, apontando para uma lógica
estrita, prefere mantê-lo como mais um dos exemplos de abordagem da
questão da instituição. Segundo este princípio, a instituição distancia-se da
razão de sua fundação, dirigindo seus esforços para a sua perenização,
procurando recuperar, dissimular qualquer movimento que se aproxime dessa
razão. Quanto a isto, preferimos seguir Oury, afirmando que no momento
mesmo em que é fundada, a instituição já tende a se estabelecer. (MOURA18,
p. 36).

A tendência da instituição é de nos capturar, no sentido de ficarmos fixos (já que a


tendência da instituição é se estabelecer). Por exemplo: reuniões de equipe e conselhos de saúde
muitas vezes não funcionam como deveriam, pois se fixam, se estabelecem demais em
determinado ponto, perdendo a sua função, seus objetivos primários. Ou ainda: se for proposto
uma oficina para aumentar a autonomia do usuário, mas eles têm uma coordenação autoritária,
será que isso surtirá efeito?
Não que a instituição seja má ou ruim. Sem instituição, não temos sociedade. Aliás,
Moura18 refere que “a liberdade do homem se mede a partir do número de instituições que ele
pode participar”. Vale a reflexão: de quantas instituições os nossos usuários podem
26

(conseguem) participar? Família, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), UBS, religião... Se


há dependência exclusiva de um lugar, o usuário não consegue nem pensar ou criticar aquela
instituição. Não é porque ele não quer, mas porque ele depende dela. Dessa forma, a autonomia
pode ser entendida não como “não depender”, mas talvez como “depender de muitos”.
Não há uma solução mágica para a instituição. A ideia é que se mantenha a tensão
e que haja mudanças permanentes. Os GBP devem discutir sobre esses conflitos e ajudar na
reflexão sobre como os espaços podem estar permeáveis a mudanças, além de ajudar a encontrar
o lugar da subjetividade na instituição, aumentando a autonomia dos trabalhadores e usuários.
A quarta mudança de prática esperada para o estudante de medicina, a partir dos
GBP, é que ele seja capaz desnaturalizar o instituído e que aumente a sua criatividade.
Desnaturalizar as culturas institucionais é muito importante. Como ensinar que os
alunos devem atender com privacidade se todos professores atendem com porta aberta? Isso é
muito ruim em termos de formação, mas é cultural, e muitas vezes não causa estranhamento
para nós. A cultura do público, que acaba sendo sinônimo de pouco eficiente, em que tudo pode
ser sujo, com fila, subutilizado, é também uma naturalização.
As diferenças sociais, muitas vezes consideradas como naturais, são frutos de uma
construção sócio-histórica, feita por pessoas que ocupam lugares na sociedade e que olhares
específicos, desejos e poderes. É o que pode ser chamado de posicionalidade, que sem dúvida
influencia na construção do conhecimento.
É importante considerar que as coisas são mutáveis, contingentes: podem ser, mas
podem não ser; estão no seu lugar, mas poderiam estar em outro23.
Não existe conhecimento que não seja autoconhecimento. Um indivíduo filtra e
reproduz o que ele fala a partir de quem ele é.
Quem atribui sentido às coisas são as pessoas, o coletivo. Temos, para o mesmo
evento, sentidos diferentes. Quando determinados grupos começam a trabalhar para fixar
sentidos, constrói-se a essência das coisas. Por exemplo: atribuir à maternidade um determinado
sentido que perpetue, que sirva para mim, para as minhas filhas, etc porque ele é pilar de uma
moral. Esse exercício de fixar sentido necessariamente irá apagar um determinado sentido e
fixar o outro. Esse é o caminho da naturalização, estigmatização, estereotipagem, rotulação.
Quem está identificado com esse sentido, está dentro da moral daquele grupo ou da sociedade.
Quem não está, está estigmatizado. Para fixar sentido, tem que haver naturalização, para parecer
que ele vem de um lugar que não seja relacionado ao contexto.
O contexto contém e é a matriz da contingência. Nos contextos são construídos os
sentidos. O contexto é criado a partir dos atores, do local, da situação, etc. Se mudarmos o
27

contexto, podemos pensar em diversos sentidos para uma mesma situação. Ao voltar ao
exemplo da maternidade, o sentido mudaria completamente se pensarmos numa relação
amorosa entre A e B que querem ter filhos, ou que engravidam mas não queriam filhos, ou
ainda numa situação em que A é estuprador e B estuprada. Será que existe uma essência da
maternidade? Ou há um sentido que depende de cada contexto?
Essência é a categorização de um determinado grupo. A noção de essência é uma
estereotipagem, um rótulo. Se alguém não cabe no rótulo, deve ser vigiado e punido. Há uma
homogeneização para categorizar e aprisionar/apagar as diferenças24.
Como pensar em práticas que descontroem as essências? Como desnaturalizar a
cultura do instituído? Fazer o exercício da crítica continuada. Por exemplo: o profissional de
saúde está “autorizado” a prescrever a moral hegemônica. Dita o que o outro deve ou não deve
fazer, prescrevendo a vida de outras pessoas. No entanto, pode-se escolher se você vai
reproduzir essa moral ou se vai criticá-la. A moral está associada ao poder e à construção de
hegemonia.
Como os estudantes podem fazer mudanças nas instituições onde estão inseridos?
Para suportar o diferente e trabalhar num ambiente onde o criativo seja possível, pode-se
precisar dos dispositivos intermediários25. E uma das apostas é que os GBP podem estimular os
estudantes a compreender um tipo de gestão (Paideia) que estimula os dispositivos
intermediários, com potencial de diminuir o sofrimento e aumentar capacidade criativa. A
horizontalização da gestão auxilia na sustentação do espaço psíquico de uma instituição.
Quanto mais autoritário e quanto mais concentrado o poder, menor o espaço psíquico e menor
a criação.
Sem negar nossas limitações, temos que ter direito de sonhar nas instituições.
É pela familiaridade com a morte, pela meditação sobre a morte e sobre a
finitude que o vivo pode aceder à ordem do vivo: criador sem ser paranoico,
transgressor sem se tornar perverso, apaixonado sem impulso histérico,
animado por uma ideia fixa sem cair na neurose obsessiva. E acreditando
naquilo que se faz sem ser um ‘sequestrado da crença’ (ENRIQUEZ25, p.77).

A última mudança de prática esperada para os estudantes de medicina que


participam de GBP é a humanização do cuidado. Ao pensarmos em humano, logo associamos
o termo à bondade. Seremos sempre humanos e não necessariamente “bons”. Trabalhar na área
da saúde nos leva a um desgaste devido ao contato com a morte e com o sofrimento. O serviço
de saúde nos coloca à beira do sofrimento e daí a necessidade de nos repormos26.
28

A forma de gestão da instituição molda a subjetividade do trabalhador. Um


gestor pode fazer estratégias colaborativas – ser solidário, pensar o processo de trabalho
coletivamente - ou ser autoritário, e isso muda o modo como os funcionários trabalham.
Trabalhadores devem ser estimulados a fazer práxis na própria prática. Os
indicadores quantitativos, valorizados em contratos de gestão enrijecidos e gerenciais, podem
ajudar na objetivação da prática, mas não devem se tornar o centro do cuidado. A incorporação
dos indicadores qualitativos pode ser uma estratégia para a desalienação dos trabalhadores.
Alguns arranjos ajudam (mas não garantem) a mudança de prática: colegiado
gestor, apoio matricial, equipe de referência e adscrição do usuário26. Estes já foram citados em
outros tópicos de discussão pois permeiam todos as mudanças já descritas. Vale aqui algumas
reflexões sobre esses dispositivos.
O colegiado gestor, formado por coordenadores das unidades de produção, tem
como ponto forte a possibilidade de tomada de decisão mais complexas, a horizontalização da
coordenação, com trabalho conjunto em diversas áreas. Como ponto fraco, se não for bem
executado, pode se transformar no ‘clube de amigos do diretor’. Quando um gestor é muito
inseguro, as reuniões passam a funcionar como um repasse de informações e não são criados
espaços para discussão das pautas complexas. Lidar com a heterogeneidade do grupo é um
desafio no colegiado gestor.
O apoio matricial é um dispositivo que pode melhorar a clínica e a sensação de
solidão do profissional. Uma das dificuldades desse arranjo é fazer acontecer a subjetividade
do trabalho, permitir apoiar e ser apoiado sem que isso abale a autoestima do profissional e sua
consciência sobre o núcleo e campo de saber. Por outro lado, deve-se tomar cuidado para que
esse dispositivo não se torne uma panaceia (“o apoiador matricial resolve tudo”).
Em relação à equipe de referência e à adscrição do usuário, o maior ganho que ele
promove é a longitudinalidade do cuidado como possibilidade de ampliação da clínica e
aumento da eficácia e aumento do vínculo.
Conhecer os diferentes dispositivos de gestão é importante para compreender que
a humanização do cuidado não é simplesmente uma ação que depende exclusivamente da ‘boa
vontade’ do trabalhador. É preciso mais, é preciso compreender (e os grupos Balint-Paideia
podem ajudar nessa reflexão) que a relação usuário-trabalhador é extremamente complexa e
moldada pela forma de gestão da instituição.
Dessa forma, compreende-se que os Grupos Balint Paideia podem ser um grande
ferramenta para o ensino aprendizagem de estudantes de medicina, criando espaços
institucionais para dar suporte ao sofrimento psíquico dos estudantes de medicina e para a
29

construção de redes solidárias e habilitação para o enfrentamento das situações complexas da


atenção primária (sejam elas casos clínicos ou gerenciais), vivenciadas por esses alunos.
Permitir a subjetividade do estudante, ainda que no último período do curso de medicina (que
é quando eles realizam o Internato de Saúde Coletiva), é um passo para ajudar a assegurar a
sobrevivência e realização desses futuros profissionais de saúde, qualquer que seja a área de
atuação deles no futuro.
A escolha da Atenção Básica para aplicar os Grupos Balint Paideia se justifica pela
priorização deste cenário de prática pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Medicina15, pela aposta na centralidade da Atenção Básica no sistema de saúde, sendo
importante para a coordenação do cuidado, longitudinalidade e integralidade do cuidado16, 17.
Além disso, esse cenário se justifica por acreditar que a formação do profissional médico
generalista, com olhar voltado para a atenção básica, pode fazer diferença no trabalho deste
futuro profissional, qualquer campo que for atuar.
O momento da inserção dos estudantes na APS ao longo do curso de medicina é
tema bastante debatido na educação médica. É recomendável que os alunos iniciem a prática
na APS desde o início da graduação, aumentando o grau de complexidade das ações
desenvolvidas ao longo do tempo.
No curso de medicina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Itikawa et al.27
(2008) demostraram que a implementação de uma disciplina que aborda a promoção e a
educação em saúde, no primeiro ano da graduação, permitiu a inserção oportuna dos estudantes
em cenários de prática médica e um bom aprendizado sobre o tema.
Na Inglaterra, observou-se que que inserção dos estudantes em cenários baseados
na comunidade, no início do curso, melhoram a visão dos estudantes sobre o sistema de saúde
e ajudam a manter a concepção holística dos alunos sobre a prática médica28.
Algumas dificuldades da inserção de estudantes na APS desde os períodos iniciais
são:
Além dos padrões de conduta cristalizados e da pouca abertura ao novo,
entraves e obstáculos de outras naturezas podem ser pontuados como fatores
que dificultam a inserção do estudante desde os anos iniciais do curso nos
serviços de Saúde, a saber: 1) o receio dos profissionais em mostrar
fragilidades e insuficiências técnicas; 2) a precariedade das condições e
relações de trabalho; 3) o desejo por gratificação financeira; 4) o
reconhecimento da limitação e despreparo; e 5) pouca valorização das
atividades de cunho pedagógico em relação às atribuições assistenciais29.

Também são desafios da inserção dos estudantes no serviço: a necessidade de


pactuação prévia dos cenários de prática com todos os atores envolvidos, como os docentes,
30

membros da gestão municipal e equipes de saúde dos municípios implicados com o ensino;
bem como a dificuldade de articulação dos docentes da instituição de ensino para dar responder
à demanda da rede de educação permanente, como contrapartida à inserção dos estudantes29.
Um dos alicerces da inserção dos estudantes na APS é a valorização da duração
com que o estudante realiza o estágio no serviço de saúde. Demarzo et al.30 (2012) descrevem
que o ensino da APS deve ser longitudinal ao longo do curso de medicina e com inserção em
cenários de prática reais e com aprendizado a partir do trabalho. Howe e Ives28 evidenciaram
que estágio na comunidade com duração de um ano melhoram indicadores atitudinais dos
estudantes, como trabalho em equipe, diferentemente de estágio por um mesmo período de
tempo, porém centrado no hospital, onde não há incremento desses indicadores.
Demarzo et al.31 (2010) propõem uma mudança radical do currículo com a
implantação do internato médico desde o início do curso, valorizando a estrutura longitudinal
da educação médica e como a atenção básica como eixo estruturante do currículo. Os cenários
na APS seriam distribuídos de forma longitudinal do primeiro ao sexto ano, com inserção
gradual do ambulatório de especialidades (a partir do terceiro ano) e do cenário hospitalar (no
quinto e sexto anos do curso médico).
Há várias vantagens da longitudinalidade como estratégia pedagógica: construção
de vínculos com as equipes e comunidades e maior conhecimento da realidade da rede de
atenção à saúde local, o que pode refletir numa prática médica mais centrada na pessoa29.
Um currículo centrado na longitudinalidade do cuidado e na Medicina de Família e
Comunidade, como é o da Universidade de São Camilo, mostrou que há valorização de aspectos
relacionados à habilidade de comunicação e profissionalismo, além de maior responsabilização
do aluno pelo cuidado e aprendizado de questões relacionadas à relação médico-paciente.
Ademais, os estudantes referiram que se sentem mais “médicos” por poderem acompanhar o
paciente ao longo do tempo, visualizando o resultado de suas condutas e formando vínculo com
os pacientes32.
Além dessas vantagens já citadas, a experiência de um estágio longitudinal na
Northern Ontario School of Medicine, no Canadá, contribuiu para a escolha da Medicina de
Família e Comunidade como especialidade médica e para a interiorização do médico em áreas
rurais ou remotas33, aspectos que são desafios no sistema de saúde do Canadá e também no
Brasil.
Durante a reforma curricular do curso de medicina da Faculdade Ciências Médicas
da Universidade Estadual de Campinas, foi identificado que quanto mais cedo o estudante for
inserido na APS, maior a intenção de escolha desse cenário para atuar após o término da
31

graduação. Após a inserção da disciplina Atenção Integral à Saúde, a qual teve o intuito de
ampliar a integração-ensino serviço, aumentar a responsabilidade dos estudantes (já que o
estágio era realizado na UBS de forma longitudinal) e formar médicos que pudessem responder
às necessidades de saúde da população, identificou-se um aumento do interesse dos estudantes
em atuar na APS de 20,9% para 47%, se comparados alunos do terceiro e sexto ano de medicina,
respectivamente34.
Sodré et al.35 (2020) observaram que 48% dos estudantes do internato tinham a
intenção de atuar na APS, fator atribuído ao contato longitudinal destes alunos com a APS. No
entanto, apesar de todos terem interesse em se especializar, nenhum deles tinham a intenção de
fazer residência em Medicina de Família e Comunidade, sendo as área mais desejadas a
cirurgia, clínica médica e pediatria.
Howe e Ives28 identificaram que a exposição dos estudantes em um currículo
centrado na comunidade por pelo menos um ano pode alterar a escolha da preferência da
carreira médica. Neste caso, há aumento da escolha de especialidades baseadas na comunidade.
Por outro lado, a permanência do estudante no cenário hospitalar, também pelo período de um
ano, tem o efeito contrário, ou seja, há maior escolha por especialidades hospitalares.
Na Universidade de Zamboanga, localizada na península da Filipinas, o estágio
longitudinal por 10 meses no último ano do curso médico, baseado no serviço público e
centrado no engajamento com a comunidade, motivou os alunos e docentes a se envolverem
em projetos sociais, culminando em melhoras da infraestrutura da rede de saúde, além de
promover ações de educação em saúde e atividades de prevenção a doenças36.
Diante do exposto, o presente trabalho se justifica pois abordará alguns dos
principais desafios na formação de médicos generalistas, que é a qualificação para atuarem na
atenção básica. Além disso, será realizado a experimentação de uma ferramenta de apoio à
gestão da clínica e formação de profissionais, adaptado para a formação de estudantes de
medicina: os Grupos BALINT-PAIDEIA, que poderão servir de exemplo para outras
instituições de ensino que desejem aprimorar o ensino-aprendizagem dos estudantes de
medicina durante o internato.
32

2. OBJETIVOS

Objetivo geral:
Analisar os efeitos do Grupo Balint Paideia como estratégia de formação para
estudantes de Medicina do Internato de Saúde Coletiva que atuam na Atenção Primária do
Sistema Único de Saúde (SUS).

Objetivos específicos:

- Avaliar o Método Balint Paideia como inovação na formação em saúde;


- Analisar as potencialidades e os desafios da implementação do Grupo Balint
Paideia no internato de Saúde Coletiva do curso de Medicina;
- Analisar os efeitos pedagógicos da implementação e execução do Grupo Balint
Paideia no Internato de Saúde Coletiva do curso de Medicina;
- Sugerir estratégias para incorporação dos grupos Balint Paideia como metodologia
de ensino aprendizagem no internato médico na Atenção Primária do SUS.
33

3. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório de abordagem qualiquantitativa.


A abordagem quantitativa foi realizada de forma transversal para levantar a
percepção dos internos sobre a prática e o processo de trabalho na APS. Já a abordagem
qualitativa, denominada de “pesquisa intervenção tipo Apoio”, foi a principal metodologia da
pesquisa, sendo realizada de forma participativa com o intuito de produzir conhecimentos
científicos e promover processos de educação permanente em saúde mediante a intervenção
junto a um coletivo organizado, no caso, os estudantes de medicina.
A pesquisa qualitativa caracteriza-se por trabalhar com o significado atribuído pelo
sujeito aos fatos, relações, práticas e fenômenos sociais: interpretar tanto as “interpretações e
práticas quanto as interpretações das práticas˜. Tem como alicerce a inserção direta ou indireta
do pesquisador no cotidiano dos grupos e instituições37.
Compreender é o verbo principal na pesquisa qualitativa, seguido do interpretar, o
qual aprofunda a compreensão do objeto estudado. Compreender exige o exercício do
entendimento das contradições da ação e da linguagem e do reconhecimento de que toda
compreensão é parcial e incompleta38.
Para uma boa análise qualitativa é preciso definir claramente o objeto a ser
pesquisado e compreender os termos filosóficos e epistemológicos que fundamentam a
investigação. A resposta de uma pergunta depende de como os dados foram coletados e, sua
análise, depende “da arte, da experiência e da capacidade de aprofundamento do investigador
que dá o tom e tempero do trabalho que elabora”38.
Na pesquisa-intervenção não há neutralidade do pesquisador já que pesquisador e
campo de pesquisa, sujeito e objeto não podem mais ser separados. Ambos ocupam posições
distintas, porém sujeito e objeto se constituem ao mesmo tempo no processo de pesquisa. Um
dos nortes deste tipo de pesquisa é o seu caráter participativo. Os sujeitos da pesquisa passam
a ser protagonistas do processo, o que significa que não há produção de conhecimento ‘sobre’
um objeto ou ‘sobre’ um campo de pesquisa pois a relação entre sujeito e objeto se faz com
‘estar com’39.
Dessa forma, a metodologia de pesquisa participativa possibilita a participação do
sujeito no ato de pesquisar, tornando-o analisador das experiências e possibilitando a análise e
a intervenção do pesquisador na realidade dos sujeitos participantes.
34

A “pesquisa intervenção tipo Apoio” é caracterizada pela articulação da pesquisa


qualitativa participativa e de intervenção à metodologia Paideia.
No Método Paideia, o pesquisador/apoiador se envolve com o grupo e participa
ativamente do processo de analisar e delinear as ações concretas, em conjunto com os sujeitos
participantes (profissional de saúde/estudante) da pesquisa. Esse método considera a
possibilidade de o apoiador apresentar ofertas externas ao grupo como elementos legítimos para
a produção de intervenções.
Assim, destaca-se que um aspecto importante do método de apoio é o trabalho com
ofertas e demandas, de modo simultâneo, utilizando-se de uma abordagem metodológica
dialética problematizadora da práxis. O apoiador externo estimula o grupo trazendo ofertas
externas, que potencializam a discussão e incentiva o grupo a se pronunciar sobre metas e
objetivos, bem como ampliar o olhar dos estudantes/sujeitos da pesquisa para que estes possam
recompor desejos, interesses e projetos. As demandas, por sua vez, são temas que partem do
interesse do próprio grupo. Ambas devem ser analisadas criticamente pelo grupo, de maneira
que possam ser modificadas pelo coletivo de estudantes e apoiadores e que gerem
transformação da prática40.
O pesquisador/apoiador exerce uma função de mediação no grupo, facilitando a
abertura de linhas de comunicação e ampliando o leque de ofertas que o grupo deveria
considerar e lidar, como racionalidades e demandas externas ao grupo, mas essenciais em seu
contexto.

3.1 Campo da pesquisa


A pesquisa foi desenvolvida no curso de medicina da Faculdade de Medicina
(FAMED) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A escolha desse campo de pesquisa
foi por conveniência, já que a autora desta tese é docente deste curso e tinha o desejo de
aprimorar as ferramentas de ensino-aprendizagem utilizadas no Internato de Saúde Coletiva.
O curso de medicina da FAMED UFU iniciou em 1968 na então denominada Escola
de Medicina e Cirurgia de Uberlândia (EMECIU), que posteriormente se transformou em
Universidade Federal de Uberlândia. Nos seus mais de 50 anos de funcionamento, o curso de
medicina passou por diversas transformações com objetivo de adequar-se à realidade e às
diretrizes educacionais do momento, visando formar médicos de excelência. No entanto, até o
início dos anos 2000, o currículo se manteve estruturado no modelo flexneriano, centrado no
professor, com ciclos básicos e clínicos separados (sem integração), disciplinas fragmentadas,
com pouca flexibilidade curricular, pouca oferta de disciplina optativa e centrado no hospital.
35

No ano 2000 o curso de Medicina inicia a discussão de reforma curricular através


do I Fórum de Ensino Médico da FAMED, incentivado pela discussão nacional sobre mudança
curricular (que resultou, dentre outros documentos, na publicação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para o curso de graduação em Medicina em 2001).
Ao longo de 12 anos houve a discussão do currículo em diversas instâncias,
culminando com a proposta de um novo projeto pedagógico para o curso de medicina em 2012,
cuja estrutura está mais integrada à realidade epidemiológica e profissional e que proporciona
maior integralidade das ações do cuidar em medicina. Nesse novo currículo o curso está
estruturado em quatro eixos que integram diversos conhecimentos e contemplam as atividades
optativas e complementares, além do estágio supervisionado em regime de internato (agora com
duração de 24 meses), conforme descrito no quadro síntese da estrutura curricular (quadro 2).

Quadro 2 - Quadro síntese da estrutura curricular do curso de medicina FAMED-UFU


CH total Percentual
Eixo 1: Atividades profissionais de saúde individual e coletiva (8 períodos, 1860h 20,84%
divididos nos seguintes módulos: Saúde Individual I a VIII e Saúde
Coletiva I a VIII)
Eixo 2: Atividades discursivas e de prática laboratorial (8 períodos, 2880h 32,27%
divididos nos seguintes módulos: Das moléculas aos tecidos; Dos tecidos
aos sistemas I e II; e Medicina Integrada I a V).
Eixo 3: Atividades sensoriais, reflexivas e formativas (8 períodos, divididos 345h 3,87%
nos seguintes módulos: atividades sensoriais, reflexivas e formativas I a
VIII).
Eixo 4: Atividades acadêmicas complementares e de apoio (envolvendo 360h 4,03%
atividades de ensino, pesquisa, extensão e representação estudantil; e
atividades de caráter científico e de divulgação científica) e disciplinas
optativas
Estágio supervisionado em Regime de Internato, nas áreas materno- 3480h 38,99%
infantil, clínico-cirúrgica, saúde coletiva, trauma e urgências e estágio
supervisionado eletivo.
Total 8925h 100%
Fonte: Adaptado de Projeto Pedagógico do Curso de Medicina FAMED UFU, 2012

A Saúde Coletiva, nesse novo currículo, ganha mais espaço, passando de três
disciplinas isoladas (que no ‘currículo antigo’ eram denominadas Medicina Preventiva e
Comunitária I a III) para 8 módulos semestrais distribuídos nos primeiros quatro anos do curso.
Além disso, no currículo de transição o Internato de Saúde Coletiva é deslocado do 9º para o
12º período e passa de 21 para 24 semanas, junto com a ampliação geral do internato, que vai
de 18 para 24 meses.
Este projeto pedagógico41 foi implementado em 2014, tendo a primeira turma do
“novo currículo” se formado no primeiro semestre de 2019. Os participantes dessa pesquisa
fizeram parte da segunda turma do “novo currículo” e estavam cursando o 12º período do curso
36

de medicina da FAMED UFU no segundo semestre de 2019, que corresponde ao Internato de


Saúde Coletiva. Isso significa um contexto em que, tanto os estudantes como os professores
estavam se adaptando ao novo currículo e às novas metodologias ativas de ensino-
aprendizagem propostas, bem como estavam mais receptivos a experimentar novas abordagens
pedagógicas.
O principal cenário de prática dos estudantes do Internato de Saúde Coletiva da
FAMED da UFU, em 2019, era a Atenção Primária à Saúde. Os 42 estudantes do 12º período
do curso estavam distribuídos em 10 Unidades Básicas de Saúde (UBS), sendo nove da
Secretaria Municipal de Uberlândia e uma vinculada à UFU (Centro de Saúde Escola), onde
estagiavam em duplas/trios na mesma unidade durante os seis meses do internato. As atividades
nas UBS eram intercaladas por estágios mais pontuais nos seguintes serviços: cuidados
paliativos do setor de oncologia do Hospital de Clínicas da UFU (HC-UFU), saúde mental
(enfermaria e ambulatório de psiquiatria do HC-UFU), saúde do trabalhador (na diretoria de
qualidade de vida e saúde do servidor da UFU), ambulatório do Núcleo de Assistência à Vítima
de Agressão Sexual do HC-UFU, serviço especializado em desenvolvimento e aprendizado
(HC-UFU) e dermatologia sanitária (Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária
e Hanseníase). Além disso, os alunos realizavam estágio rural nos municípios de Capinópolis-
MG e Monte Carmelo-MG (duas semanas em cada localidade).

3.2 Técnicas utilizadas na coleta de dados


A pesquisa foi desenvolvida por meio da realização de Grupos Balint-Paideia
(GBP) com estudantes do 12º período do curso de medicina da UFU, no segundo semestre de
2019. Os grupos foram coordenados pela pesquisadora, com participação de docentes do
departamento de Saúde Coletiva (DESCO) da Faculdade de Medicina da UFU, sob supervisão
geral do professor Dr. Gastão W. S. Campos (UNICAMP).
A intervenção teve duração de 6 meses com 12 encontros quinzenais. Os estudantes
foram divididos em duas turmas, sendo uma com 20 e outra com 22 estudantes (cada turma
denominada de Grupo Balint Paideia). Estes foram os sujeitos da “pesquisa intervenção tipo
Apoio”.
Os encontros ocorreram em horário protegido, dentro da carga horária do Internato
de Saúde Coletiva. Cada GBP teve duração de 4 horas, sendo 2h para discussões dos casos
clínicos apresentados pelos estudantes e 2h para atividades teóricas.
As atividades teóricas foram escolhidas a partir da demanda dos estudantes em
conjunto com ofertas realizadas pelos docentes, sendo discutidos os seguintes temas: grupo
37

Balint, teoria Paideia, PTS, medicina centrada na pessoa, visita domiciliar, saúde mental e
autonomia, apoio matricial e institucional, prevenção quaternária, transferência e
contratransferência e entrevista motivacional.
Para avaliar os efeitos dos GPB nos estudantes de medicina, foram utilizadas quatro
formas de produção de dados.
A primeira foi observacional, realizada pelos apoiadores responsáveis por cada
Grupo Balint-Paideia, que se utilizaram de diários de campo para registro sistemático de suas
observações. Esses docentes realizavam reuniões de supervisão e apoio quinzenais, à distancia,
com o prof. Gastão para reflexão sobre os casos discutidos nos GBP. Após esses encontros a
pesquisadora inseria as reflexões e pontos considerados relevantes para o estudo em andamento.
Apenas esse diário de campo final da pesquisadora foi utilizado diretamente como fonte de
dado para essa pesquisa.
Na observação participante o foco do pesquisador está no comportamento, nas
relações e nos imponderáveis da vida real42. É uma técnica utilizada em pesquisa qualitativa
quando os fenômenos não são passíveis de serem percebidos apenas com questionários ou
entrevistas. Na observação participante é possível olhar além do esqueleto da sociedade,
apreendendo um nível mais profundo da realidade. É necessário observar as regras, tradições e
costumes que estabelecem as relações do grupo, as simpatias e antipatias, os sentimentos e a
importância que os participantes dão a eles43.
O observador, ao adentrar-se na cultura e realidade do contexto a ser observado,
deve ser receptivo a novos olhares e ao estranhamento e assumir uma postura que não seja
verticalizada e nem impositiva43. Segundo Minayo42 há divergências sobre ‘o quê’ e ‘ao como’
observar, sendo consenso de que “existe a necessidade do pesquisador relativizar o seu espaço
social, aprendendo a se pôr no lugar do outro”. O observador deve ter clareza do seu foco de
estudo.
Nesta pesquisa, os grupos Balint-Paideia foram sempre realizados com dois
professores-apoiadores, sendo um deles responsável por fazer as observações que estavam
relacionadas aos movimentos produzidos em cada grupo e ao efeito do processo pedagógico da
formação Balint-Paideia sobre o grupo. Dessa forma, o observador deveria anotar os
comportamentos e as interações entre os participantes do grupo e como a metodologia utilizada
influenciava nessas reações, nas relações entre os alunos e entre estes e o apoiador, bem como
a formação e no processo de aprendizagem desses estudantes. Essas impressões eram discutidas
nas reuniões de apoio realizadas entre os professores.
O diário de campo foi a técnica utilizada para o registro das observações, o qual
38

consiste em um caderno no qual o investigador registra tudo o que observa, como suas
impressões pessoais, as mudanças observadas no grupo ao longo do tempo, os pontos
contraditórios e as relações que lhe chamam atenção42. Segundo o método fundamentalista, o
diário de campo pode ser desmembrado em três diários, dentro do mesmo diário: o diário de
campo propriamente dito, o diário íntimo e o diário de pesquisa. O diário de campo consiste
nas anotações dos dados observados ou a se observar. Já o diário íntimo contém as implicações
do pesquisador com o objeto de pesquisa e pode ser compreendido no extratexto, onde há a
expressão das censuras que usualmente são realizadas ao escrever um texto, seja a censura do
próprio escritor ou impostas pela sociedade, pela ética, pelo contexto. Por fim, o diário de
pesquisa se dá na interseção entre o dado, a observação e a análise da implicação com as
“especulações, projeções e construções teóricas”44.
Há dois momentos de escrita do diário de campo: o momento presente, quando estão
acontecendo os atos. O investigador tenta registrar tudo o que observa e julga importante para
a pesquisa. Como as atividades estão acontecendo concomitante ao ato da escrita, alguns fatos
podem ser perdidos ou não serem possíveis de serem anotados. O segundo momento seria o da
reescrita, onde se reorganiza as anotações, agora em ordem não cronológica ao acontecimento,
tentando tornar compreensível para um leitor externo. Concomitante a esses momentos estão
as releituras, que carregam as implicações do autor e são consideradas um recurso potente tanto
para a observação como para a intervenção dos pesquisadores. Esses momentos foram
realizados de forma coletiva com os professores apoiadores, nas reuniões quinzenais de
supervisão44.
A segunda fonte de dados foi a avaliação dos Projetos Terapêuticos Singulares
apresentados pelos estudantes. Cada dupla ou trio de estudantes acompanhou uma família ao
longo do semestre desenvolvendo, juntamente com a equipe da UBS, um PTS. O roteiro para
elaboração do Projeto Terapêutico Singular45 foi discutido em uma das ofertas teóricas. Os
casos clínicos que dispararam a construção dos PTS foram apresentados nos Grupos Balint-
Paideia em dois momentos do curso, sendo um na primeira metade e outro mais no final do
semestre. Por fim, os alunos entregaram por escrito o Projeto Terapêutico Singular,
incorporando os debates realizados durante os GBP. Foram entregues 17 dos 20 PTS realizados.
A terceira fonte de dados foi a aplicação de questionário (Apêndice 1) que teve
como objetivo avaliar as práticas dos estudantes e o processo de trabalho na APS, sob a
perspectiva dos próprios alunos. O questionário foi elaborado em conjunto com pesquisadores
do Coletivo de Apoio Paideia da UNICAMP para avaliação do curso de especialização em
Saúde da Família (que ocorreu concomitantemente a esta pesquisa, utilizando-se da
39

metodologia de grupos Balint-Paideia) e foi adaptado para o contexto dos graduandos de


medicina. Este instrumento foi aplicado na última semana do curso, dando um recorte da visão
dos estudantes sob a sua formação durante o Internato de Saúde Coletiva e os efeitos
pedagógico, terapêutico e institucional dos GBP.
O questionário é uma técnica de pesquisa em que cada participante emite suas
opiniões de forma individual. Segundo Souza et al.46 ,“os questionários se configuram como
dispositivos normatizados e padronizados, que captam a presença ou ausência de determinada
característica ou atributo no indivíduo, permitindo medir a magnitude com que essa
característica ou atributo se distribui naquele grupo”.
O questionário utilizado nesta pesquisa foi do tipo auto-aplicável e composto
predominantemente por questões fechadas, além de algumas questões abertas e mistas.
As questões fechadas têm a vantagem da rapidez no ato de responder, de serem
objetivas e serem de fácil aplicação e análise. No entanto, apresentam como desvantagens o
fato do respondente poder ser influenciado pelas respostas e de serem reducionistas, o que pode
ser minimizado pelas questões mistas que permitem que seja acrescentada uma outra opção
pelo entrevistado ao ser dado a possibilidade de escolher “outra opção” e ter espaço para
descrevê-la. Vale atentar-se ao fato de que não é esperado que sejam relatadas muitas opções
diferentes da já demonstrada, o que mostraria uma fragilidade na construção do questionário
por não ser capaz de contemplar as principais respostas em suas alternativas. As questões
abertas foram elaboradas com intuito de cobrir pontos que não foram abordados nas questões
fechadas, permitindo a coleta de mais informações e explicações para as respostas. Esse tipo de
questão tem como desvantagem o fato de ser mais demorada para responder e mais difícil de
ser compilada46.
A quarta fonte de dados foram os grupos focais aplicados no início e no término da
pesquisa. As perguntas realizadas nos grupos focais (conforme roteiros do Apêndice 2) tiveram
objetivo de levantar a compreensão dos estudantes sobre o conceito e a prática da coordenação
do cuidado e da clínica ampliada, sobre o papel do estudante na qualificação do SUS, sobre as
potencialidades e fragilidades do SUS, sobre o trabalho multiprofissional e sobre como as
relações de poder interferem na formação médica, além de identificar o papel que a elaboração
dos Projetos Terapêuticos Singulares (PTS) e discussão nos GBP tiveram na formação médica.
No grupo focal inicial os estudantes foram divididos em duas turmas, totalizando
25 estudantes. O grupo focal final foi realizado em uma única turma com a participação de 14
estudantes. O baixo número de participantes nesse grupo provavelmente ocorreu por seu caráter
facultativo (assim como o primeiro) e também pelo fato de ter sido realizado no último dia do
40

estágio, que também coincidia com o último dia do curso de medicina, ou seja, o término de
uma jornada de seis anos.
O grupo focal é uma técnica de investigação muito utilizada na pesquisa qualitativa
que visa o aprofundamento de um tema a partir da visão dos próprios participantes envolvidos
no grupo. É uma técnica que parte de encontros grupais de pessoas com características comuns,
no caso, estudantes de medicina do 12º período. Ele possibilita que apareçam consensos e que
sejam discutidos dissensos sobre determinado assunto. O foco desta técnica é na interação, no
intercâmbio das experiências compartilhadas, já que o grupo focal conta com o poder de uma
pessoa influenciar e estimular a fala da outra, de contrastar suas opiniões, sentimentos e
representações de um determinado fenômeno. Isto o diferencia das entrevistas e questionários
que focam em experiências individuais43,47,48.
Na utilização do grupo focal o moderador tem um ponto crucial e conta com um
roteiro que o orienta a conduzir as falas e reflexões dos participantes43,47. O moderador deve
manter o clima do grupo ameno e não ameaçador entre os participantes, deve ajudar o grupo a
focar na discussão proposta, resolver conflitos, estimular a participação das pessoas e solicitar
informações quando determinada fala não estiver clara. Também tem a função de chamar a
atenção para dissensos que são ignorados pelo grupo, tentando trazê-los à tona para que seja
formada uma unidade de ideia em torno daquele tema, já que no grupo focal essas ideias são do
grupo e não de indivíduos separados. O moderador não deve dar suas opiniões ou tomar partido
diante da discussão48.
Existem controvérsias na literatura sobre a coordenação do grupo focal ser realizada
pelo pesquisador envolvido com o tema investigado. Geralmente espera-se que o grupo seja
conduzido por alguém distante da pesquisa para que não haja interferências no objeto a ser
investigado. Entretanto, diversas pesquisas48-51 demostraram que o envolvimento do
pesquisador ou de membros da equipe de pesquisa na coordenação do grupo focal pode ser
importante para que haja realmente o enfoque no interesse da pesquisa e que possam ser
realizadas sínteses sobre o assunto, provenientes do estudo prévio e acúmulo que o pesquisador
tem sobre o tema. Isso evitaria, por exemplo, que fosse dada muita atenção a falas que se
repetem muito no grupo focal e que sejam tomadas como tema de destaque (quando nem sempre
seria um tema tão importante) em detrimentos a temas que sejam tido como não importante por
não serem, ou serem pouco comentados pelos participantes48.
No presente estudo os grupos focais iniciais foram conduzidos pela pesquisadora e
por um membro da equipe da pesquisa. Já o grupo focal final foi coordenado por uma docente
do departamento de Saúde Coletiva da FAMED-UFU, já conhecida previamente pelos
41

estudantes, mas que não estava envolvida na pesquisa, com o apoio de um membro da pesquisa.
A escolha de um membro externo, e não da pesquisadora, para a coordenação do grupo focal
final se deu para que os estudantes tivessem mais liberdade em suas falas para realizar a
avaliação em relação aos Grupos Balint-Paideia desenvolvidos ao longo do semestre.

3.3 Metodologia de análise de dados


Os dados obtidos com os questionários foram analisados quantitativamente
primeiramente através da tabulação das respostas, seguida da análise descritiva dos dados e
construção de tabelas e gráficos, descrevendo a distribuição das frequências (absolutas e
relativas) das respostas. Para a análise dos dados foi utilizado o programa Microsoft Excel,
pacote Office 2020.
Em relação aos grupos focais desta pesquisa é importante ressaltar que eles foram
gravados em áudio e transcritos pela própria pesquisadora, mantendo o sigilo da identidade dos
autores da fala. Cada grupo focal durou cerca de 70 minutos.
Para a análise do material produzido nos grupos focais bem como dos dados
contidos no diário de campo e nos Projetos Terapêuticos Singulares foi realizada a construção
de narrativas, conforme a metodologia analítico-reflexiva proposta por Onocko Campos e
Furtado52 (2008).
Na narrativa, o analista se coloca como intérprete, como um tradutor do que foi dito
pelo grupo. Isso significa que há a impressão da cultura, do modo de ser e pensar do analista
nas narrativas, e desta forma, a própria escrita da narrativa, com o encadeamento de ideias e
extração dos principais argumentos, já se constitui uma primeira parte da interpretação48.
Para Ricoeur (1997) citado por Onocko-Campos e Furtado52 (2008), as narrativas
são “histórias não (ainda) narradas”, mas que podem ser contadas porque já estão inseridas no
mundo pelo agir social, estão simbolicamente mediatizadas. Nas narrativas é possível
extrapolar a simples transmissão da informação ou de determinado conteúdo, já que é possível
ter uma percepção tanto dos sujeitos envolvidos na narrativa, como de seus contextos, fazendo
com que a experiência seja revelada53.
Ao longo da pesquisa houve uma preocupação de não reproduzir uma lógica
verticalizada e nem que os docentes (apoiadores dos grupos Balint Paideia) assumissem uma
postura pedagógica, de detenção do saber. A proposta foi de construção conjunta de saberes
com os estudantes, por meio da corresponsabilização dos diversos atores no processo de
aprendizagem. O aprimoramento constante dos docentes por meio das reuniões de apoio
42

realizadas quinzenalmente permitiu que estes refletissem sobre a sua prática, construindo novos
olhares e novas relações com os próprios alunos participantes dos grupos Balint Paideia.
O foco da pesquisa não foi apenas nos resultados, mas também nos movimentos
produzidos ao longo dos encontros dos Grupos Balint Paideia. Isso significa que ao longo do
semestre houve o movimento de realizar interpretação e reinterpretação do material produzido
em campo através dos grupos focais, diário de campo e PTS, reorganizando a metodologia e
produzindo modificação nos próprios apoiadores e nos sujeitos analisados54.
A análise da narrativa, utilizando-se uma metodologia hermenêutica, permitiu uma
“abertura interpretativa” da pesquisa, no sentido de permitir mais de uma interpretação válida39.
Cada grupo focal resultou em uma “unidade narrativa”, assim como os casos
discutidos nos grupos Balint-Paideia, cujos dados foram obtidos pelo diário de campo da
pesquisa e complementados pela análise dos PTS, quando necessário.
Na utilização de narrativas para a análise de grupo focal, Onocko-Campos et al. 39
propõem que, após o primeiro grupo focal, seja construída uma narrativa daquele momento, a
qual será lida e legitimada no segundo grupo focal. Esse grupo hermenêutico, como é descrito
pelos autores, é importante para que os participantes do grupo possam confirmar ou contestar
argumentações, bem como se aprofundar nas discussões. Isso não foi realizado nessa pesquisa,
apresentando-se como uma limitação metodológica.
Após a construção da narrativa foi realizada uma grade interpretativa onde foram
extraídos os principais núcleos argumentativos. Esses núcleos foram compostos por frases da
narrativa que tentavam atribuir uma explicação a determinado tema39.
Para finalizar a análise do material produzido foi realizada a triangulação dos
dados55 onde os resultados obtidos pelo conjunto de instrumentos foram analisados a partir das
perspectivas de sua similaridade, de suas divergências e, principalmente pela sua
complementaridade, já que oferecem informações de diferentes níveis de análise.

3.4 Aspectos éticos


A presente pesquisa seguiu todas as normas das resoluções para pesquisa
envolvendo humanos (Resoluções Nº466-12/12/2012 e Nº510-7/04/2016, do Conselho
Nacional de Saúde), sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, sob o número CAAE
00849118.0.0000.5404 e da Universidade Federal de Uberlândia, sob o número CAAE
00849118.0.3001.5152 (Anexo 1).
43

Todos os 42 estudantes do curso de medicina da UFU que estavam regularmente


matriculados e cursando o Internato de Saúde Coletiva (12o período) no momento de aplicação
da pesquisa participantes foram informados sobre os termos da pesquisa e deram anuência para
sua inclusão no estudo mediante a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido -
TCLE (Apêndice 3). Importante destacar que foi esclarecido aos estudantes, previamente à
assinatura do TCLE, que a participação deles na pesquisa não traria benefícios ou prejuízos
para o desenvolvimento de suas atividades curriculares, bem como de suas notas.
44

4. RESULTADOS

4.1 Artigo 1 - Percepção dos estudantes sobre prática na Atenção Primária à


Saúde durante Internato de Saúde Coletiva (Submetido)

Rodrigues ET, Campos GWS. Percepção dos estudantes sobre prática na Atenção
Primária à Saúde durante Internato de Saúde Coletiva. Artigo submetido à Revista Brasileira
de Educação Médica em março de 2022.

Resumo:
Introdução: A superação do modelo flexneriano no ensino médico e a organização de estágios
na Atenção Primária à Saúde (APS) ainda é um desafio de muitas escolas médicas. Objetivo:
Analisar a percepção de estudantes de medicina sobre suas práticas na APS durante o internato
de Saúde Coletiva (ISC) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia.
Método: Trata-se de uma pesquisa quantitativa. Foi aplicado um questionário aos estudantes
do ISC e realizada análise descritiva dos dados obtidos. Resultado: Responderam ao
questionário 78.6% dos entrevistados. Os estudantes consideraram frequentemente diversos
aspectos do usuário na prática clínica, como idade, gênero, saúde mental, renda, escolaridade
e contexto do território em que usuário reside, porém não a rede de apoio e a raça ou cor do
usuário, as quais nem sempre foram reconhecidas nas atividades clínicas dos internos.
Genograma e ecomapa, bem como o telessaúde, foram pouco utilizados. Espaços de gestão,
incluindo as reuniões de equipe das Unidades Básicas de Saúde, foram pouco frequentados
pelos estudantes. Os estudantes tiveram a oportunidade de atuar com diversas categorias
profissionais como enfermeiro e técnico de enfermagem, psicólogo, agente comunitário de
saúde, nutricionista, fisioterapeuta, dentista, assistente social, farmacêutico, educador físico,
terapeuta ocupacional e veterinário. O percentual de estudantes que quase sempre ou sempre
trabalharam com outra categoria profissional foi mais alto nas visitas domiciliares. A discussão
de casos complexos com profissionais de outros equipamentos de saúde ou de outros setores,
de maneira geral, foi baixa. Conclusão: Esse estudo permitiu identificar, a partir da visão de
estudantes de medicina, potencialidades e desafios no ensino e aprendizagem no internato de
Saúde Coletiva que podem auxiliar no planejamento de atividades para a formação de médicos
mais preparados para atuar na APS.
Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Internato Médico; Educação Médica;
Educação de Graduação em Medicina.
45

Abstract:
Introduction: Overcoming the Flexnerian model in medical education and the organization of
internships in Primary Health Care (PHC) is still a challenge for many medical schools.
Objective: To analyze the perception of medical students about their practices in PHC during
the medical internship at the Faculty of Medicine of the Federal University of Uberlândia.
Method: This is a quantitative research. A questionnaire was applied to medical internship
students and a descriptive analysis of the data obtained was performed. Result: 78.6% of
respondents answered the questionnaire. The students often considered different aspects of the
patient in clinical practice, such as age, gender, mental health, income, schooling and the
context of the territory in which the user resides, but not the support network and the patient’s
race or color, which were not always recognized in the clinical activities of the students.
Genogram and ecomap, as well as telehealth, were little used. Management activities, including
team meetings at the primary care services, were little frequented by students. Students had the
opportunity to work with different professional categories such as nurses and nursing
technicians, psychologists, community health agents, nutritionists, physiotherapists, dentists,
social workers, pharmacists, physical educators, occupational therapists and veterinarians. The
percentage of students who almost always or always worked with another professional category
was higher at home visits. Discussion of complex cases with professionals from other health
services or from other sectors, in general, was low. Conclusion: This study allowed us to
identify, from the point of view of medical students, potentialities and challenges in teaching
and learning in the Public Health internship that can help in the planning of activities for the
training of doctors more prepared to work in PHC.
Kewwords: Primary Health Care; Medical Education; Internship, Medical; Education,
Medical, Undergraduate.

INTRODUÇÃO
O ensino médico no Brasil até os anos 90 esteve pautado no modelo médico
centrado e hospitalocêntrico. Com o movimento da reforma sanitária e implementação do
Sistema Único de Saúde (SUS), que prevê que a ordenação e formação de recursos humanos é
de responsabilidade do próprio SUS, se acirram os debates sobre como deveria ser a graduação
em saúde.
Em 2001, o Ministério da Educação (MEC) institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN)1 do curso de Graduação em Medicina para orientar a formação de médicos
no país, revisadas em 20142. Com intuito de auxiliar na implementação das DCN, o governo,
46

numa parceria dos Ministérios da Educação e Saúde (MEC e MS) lançam, em 2005, o Programa
Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde)3. Além disso, a
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES/MS) através do Programa
Nacional de Incentivo às Mudanças Curriculares para as Escolas Médicas (PROMED)4 busca
avaliar se as recomendações das DCN estavam sendo aplicadas nos cursos de graduação de
medicina e demais profissões da área de saúde. Os resultados desse Programa demonstraram
que os cursos, na prática, não estavam conseguindo implementar as recomendações das DCN,
o que reforçou o papel do Pro-Saúde, que foi importante
na reorientação da formação, na direção de que o processo de ensino-
aprendizagem se dê desde o princípio e ao longo de todo o curso, inserido e
articulado com a rede de serviços, com ênfase na atenção básica, na
compreensão ampliada dos determinantes sociais no processo de saúde-
adoecimento, com ênfase no aprendizado do aluno e no uso das metodologias
ativas e na concepção de saúde usuário-centrada5.

Posteriormente, em 2008, o Programa de Educação para o Trabalho em Saúde


(PET-Saúde) é instituído para fortalecimento do eixo de orientação prática do Pró-Saúde e se
mostrou uma importante estratégia de indução de mudanças nos processos de formação
profissional. Houve ampliação da participação de estudantes de cursos de graduação no cenário
da Estratégia Saúde da Família e outras áreas consideradas prioritárias no SUS (Vigilância em
Saúde, Saúde Mental, Rede de Atenção à Saúde) e também a parceria entre instituições de
ensino que atuam no mesmo território6.
Apesar de todo o movimento em prol da mudança curricular dos cursos de medicina
e dos avanços obtidos, ainda se observa dificuldade de implementação das recomendações
sugeridas nas políticas públicas e diretrizes propostas, adequando o ensino às necessidades da
população7.
Na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (FAMED-UFU)
as discussões sobre a reforma curricular do curso de medicina iniciaram-se no ano 2000. Ao
longo de anos de discussões e reflexões provocadas pelas leis e diretrizes que tentam reformular
a formação médica, em 2012 é publicado um novo projeto pedagógico do curso de medicina
que se apresenta em constante mudança, mas que já contemplou, dentre outros fatores, a
incorporação de metodologias de ensino ativa e a mudança da estrutura curricular de disciplinas
para módulos visando desfragmentar o conhecimento advindo de disciplinas específicas e
isoladas, além da ampliação dos cenários de prática, com ênfase na Atenção Primária à Saúde
(APS)8.
47

Especificamente na área da Saúde Coletiva, as antigas disciplinas de Medicina


Preventiva e Comunitária, inseridas em apenas três semestres, foram substituídas por módulos
de Saúde Coletiva do primeiro ao oitavo período, culminando em aumento significativo da
carga horária e ampliação da abordagem teórica e prática sobre a APS e políticas públicas de
saúde. Anteriormente a essas mudanças citadas, houve aumento do internato de 18 para 24
meses, o que culminou com a oferta do Internato de Saúde Coletiva (ISC) com duração de 24
semanas. Além disso, em 2019 foi implementado, como parte dessa pesquisa, os Grupos Balint-
Paideia no internato de Saúde Coletiva, com intuito de trazer uma perspectiva ampliada para a
clínica e a valorização da APS9.
A APS é um cenário de prática importante para a formação de estudantes de
medicina10-15 e permite a vivência em atividades relacionadas à atenção, gestão e educação
em saúde. A complexidade dos casos exige dos estudantes o aprendizado na condução de
projetos terapêuticos singulares e grupos de educação em saúde, o desenvolvimento de um
trabalho em equipe interdisciplinar, a articulação com diversos setores, a reflexão sobre as
práticas a partir da educação permanente e o planejamento, monitoramento e avaliação das
atividades desempenhadas na unidade.
Um dos desafios das escolas médicas é saber como organizar as atividades de
ensino na APS que estejam alinhadas com as políticas públicas e diretrizes nacionais.
Diante desse contexto, esse trabalho tem o objetivo de analisar a percepção de
estudantes do 12º período do curso de medicina da FAMED-UFU, sobre a prática na APS
durante o internato de Saúde Coletiva e indicar caminhos para contribuir com a formação
médica.

MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa descritiva, transversal e de abordagem quantitativa. Este
estudo é um recorte da pesquisa de doutorado da autora principal deste artigo que avaliou os
efeitos do Grupo Balint Paideia como estratégia de formação para estudantes de medicina que
atuam na APS.
O universo da pesquisa foi composto por 42 estudantes de medicina que cursavam
o ISC (12º período) do curso de medicina da Faculdade Medicina da UFU em 2019.
Durante o ISC, que tem duração de 24 semanas, os estudantes realizaram estágio
de forma longitudinal na APS do município de Uberlândia, sendo distribuídos em 10 Unidades
Básicas de Saúde: nove vinculadas à Secretaria Municipal de Saúde e administradas por meio
de Organizações Sociais de Saúde e uma vinculada à UFU (Centro de Saúde Escola). Durante
48

esse período, os estudantes permaneceram pelo menos 5 períodos semanais na mesma Unidade
Básica de Saúde (UBS), exceto pelo estágio rural, que corresponde à imersão em uma UBS de
dois municípios de pequeno porte, durante 28 dias.
Os dados foram coletados na última semana do ISC, com auxílio de questionário
estruturado, autoaplicável, contendo predominantemente perguntas fechadas, além de algumas
questões abertas e mistas.
Todos os estudantes foram convidados a responder ao questionário, sendo obtidas
33 respostas (78,6%), as quais correspondem à amostra desta pesquisa.
O questionário foi elaborado pelo Coletivo de estudos e apoio Paideia da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Originalmente, o questionário teve o intuito
de avaliar as práticas e o processo de trabalho na APS de profissionais de saúde que cursavam
a Especialização em Saúde da Família ofertada pela UNICAMP, sendo adaptado para avaliação
das práticas de estudantes de medicina.
A análise dos dados obtidos a partir dos questionários foi quantitativa, através da
tabulação das respostas, seguida da análise descritiva dos dados e construção de tabelas e
gráficos, descrevendo a distribuição das frequências (absolutas e relativas) das respostas. Para
a análise dos dados foi utilizado o programa Microsoft Excel, pacote Office 2020.
A presente pesquisa seguiu as normas das resoluções para pesquisa envolvendo
humanos (Resoluções Nº466-12/12/2012 e Nº510-7/04/2016, do Conselho Nacional de Saúde),
sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da
UNICAMP, sob o número CAAE 00849118.0.0000.5404 e da UFU, sob o número CAAE
00849118.0.3001.5152.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Todos os estudantes do 12º período do curso de medicina tiveram a oportunidade,
durante o ISC de: construir com o usuário seu plano terapêutico e orientá-lo quanto às
consequências potenciais de sua(s) doença(s), de forma a promover o autocuidado; fazer
perguntas que abordam as questões sociais e/ou emocionais do usuário; mudar o plano
terapêutico a pedido do usuário ou frente a sua opinião divergente; avaliar, junto do usuário, seu
grau de motivação e sua capacidade de autocuidado, seu suporte familiar e social; e desenvolver
e pactuar metas do projeto terapêutico com o usuário e com seu cuidador, observando se o
usuário se sente confiante para mudar e se possui recursos para fazê-lo.
Segundo os estudantes, 48,5% (n=16) quase sempre ou sempre incluíram o
usuário na construção do plano terapêutico. Chama a atenção que 39,4% (n=13) destes
49

estudantes afirmaram que somente às vezes e 12,1% (n=4) quase nunca incluíram o usuário no
plano terapêutico.
Destaca-se o fato de 94% (n=31) dos estudantes quase sempre ou sempre
orientarem o usuário de forma a promover o autocuidado. Já a abordagem de questões
emocionais e sociais foi realizada quase sempre ou sempre por 78% (n= 26) dos alunos. Não
houve estudantes que afirmaram nunca ter realizado esse tipo de orientação ou abordagem.
Ao serem questionados sobre aspectos do usuário que são considerados na prática
clínica, seja em consultas ou outras intervenções, durante o ISC, os alunos relataram que sempre
ou quase sempre levaram em consideração, em ordem decrescente (Gráfico 1): a idade do
usuário (n=31; 93,9% das resposta válidas), a saúde mental do usuário (n=27; 81,8%), a renda
do usuário (n=26; 78,8%), a escolaridade do usuário (n=23; 69,7%), o contexto do território em
que reside o usuário (n=21; 65,6%), o gênero do usuário (n=20; 60,6%), a rede de apoio do
usuário (n=16; 50,0%) e a raça ou cor do usuário (n=15; 45,5%).

Gráfico 1 - Distribuição da frequência que o estudante do 12º período do curso de medicina (n=33),
durante o ISC, considerou na sua prática (consultas, intervenções, etc) a renda, escolaridade, gênero,
raça/cor, saúde mental e rede de apoio do usuário, bem com o contexto do território em que reside o
usuário, 2019.
35
30
Nº de estudantes

25
20
15
10
5
0
Renda do Escolaridade Gênero do Raça/cor do Idade do Saúde Rede de Contexto do
usuário do usuário usuário usuário usuário mental do apoio do território em
usuário usuário que reside o
usuário

Sempre Quase sempre Às vezes Quase nunca Nunca Não respondeu

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022

O fato de menos de 50% dos estudantes (n=15) considerarem frequentemente


(sempre ou quase sempre) a raça/cor do usuário, bem como 21,2% (n= 7) quase nunca ou nunca
levarem em consideração esse aspecto reforça a importância de se abordar o racismo estrutural
durante a graduação de medicina como forma de aprimorar o enfrentamento das iniquidades
que permeiam a população negra. As questões raciais também deveriam ser incluídas em
50

atividades de educação permanente dos profissionais de saúde e em documentos que dão apoio
à prática na APS, seja da Medicina de Família e Comunidade ou da Saúde Coletiva16.
A abordagem integral da pessoa é um passo essencial para se realizar uma clínica
ampliada. O estágio na Estratégia Saúde da Família pode mudar a forma como o estudante vê
a pessoa, encarando-a como um ser biopsicossocial, além de compreender a complexidade de
fatores que interferem na qualidade de vida da população atendida12.
Quando questionados sobre aspectos do acompanhamento dos PTS realizados
durante o ISC, aproximadamente 40% dos estudantes relataram que sempre ou quase sempre
acompanharam o alcance das metas propostas, repactuando o plano de ação bem como
compartilharam com a equipe e, se necessário, com outros serviços e setores os projetos
terapêuticos dos usuários cujos casos são mais complexos.
Os estudantes tiveram mais dificuldade de estabelecer responsabilidades e metas
para o PTS com a equipe (apenas 30,3% quase sempre ou sempre e 36,4% quase nunca ou
nunca o fizeram). O ato de envolver o especialista no projeto terapêutico do usuário, nos casos
em que há necessidade de serviços especializados, foi o item menos desempenhado pelos
estudantes, sendo 37,5% quase nunca e 6,3% nunca elaboraram o PTS em conjunto com o
especialista.
O acolhimento de usuários foi pouco realizado pelos estudantes, sendo que 21,2%
(n=7) deles nunca e 15,2% (n=5) quase nunca desempenharam essa ação junto à equipe.
Os estudantes também tiveram um pequeno envolvimento em ações relacionadas à
gestão e planejamento das atividades desenvolvidas na UBS, sendo que 60,6% (n=20), 51,5%
(n=17) e 54,5% (n=18) dos alunos, respectivamente, relatou que quase nunca ou nunca
realizaram ações de planejamento de atividades, construção de indicadores e monitoramento e
avaliação das ações da unidade de saúde.
A participação dos estudantes em espaços institucionais de gestão e de controle
social foi baixa. O espaço mais frequentado pelos estudantes foi a reunião de equipe da UBS
(Gráfico 2). No entanto, nota-se que apenas 5 estudantes (15,2%) sempre ou quase sempre
participaram desse espaço e que grande parte deles (n=15, 45,4%) quase nunca ou nunca
participaram das reuniões. Vale ressaltar que todas as equipes do município têm horário
protegido semanal ou quinzenal para a realização da reunião de equipe.
A baixa participação dos estudantes em atividades de gestão provavelmente é
reflexo de uma gestão burocratizada das equipes, que utilizam os espaços de reunião de equipe
para repasse de demandas administrativas, com poucos espaços de reflexão sobre a prática ou
discussão de casos. Além disso, algumas equipes supervalorizam o ensino da prática clínica em
51

relação à gestão, desconsiderando a última como responsabilidade do graduando de medicina


(e, por vezes, nem dos médicos, que tradicionalmente se envolvem pouco nas ações de
planejamento).
Outros cenários tiveram ainda menos importância no processo de formação dos
estudantes em habilidades relacionadas à gestão (Gráfico 2). A maioria dos estudantes, durante
o ISC, nunca frequentou o Comitê de Mortalidade Materno-Infantil (n=25; 78,8%), os
conselhos distritais (n=24; 72,7%) ou locais (n=18; 54,5%) de saúde e nem o colegiado gestor
da UBS (n=23, 69,7%). Já o Conselho Municipal de Saúde, apesar de nunca ter sido
frequentado por 36,4% dos estudantes (n=12), se destacou, em relação aos demais espaços, por
ter sido frequentado às vezes ou quase sempre por 42,5% deles (n=14).
Leite et al.10 também identificaram o despreparo de alguns estudantes para lidar, no
estágio da APS do internato, com a gestão em saúde, e atribuíram ao fato de temas como gestão
do SUS e Política Nacional de Atenção Básica não serem abordados durante o curso de
medicina.

Gráfico 2 - Distribuição da frequência que o estudante do 12º período do curso de medicina (n=33),
durante o ISC, participou de reunião de equipe ou do colegiado gestor da UBS, do conselho local,
distrital ou municipal de saúde e do comitê de mortalidade materno-infantil.

Comitê Mortalidade Materno-Infantil 1 1 3 25 3

Conselho Municipal de Saúde 2 12 7 12

Conselho Distrital de Saúde 5 4 24

Conselho Local de Saúde 10 5 18

Colegiado gestor 4 5 23 1

Reunião equipe 3 2 10 7 8 3

0 5 10 15 20 25 30 35
Número de estudantes

Sempre Quase sempre Às vezes Quase nunca Nunca Não respondeu/Não se aplica

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022

Em relação ao envolvimento dos alunos em atividades coletivas com a comunidade,


notou-se que a maior parte (84,8%; n=28) quase sempre ou às vezes conseguiu participar e/ou
realizar atividades de educação em saúde com usuários. Já o percentual de alunos que sempre,
quase sempre ou às vezes participaram de ações coletivas na escola ou em outros equipamentos
sociais da área de abrangência da sua unidade foi um pouco menor (57,6%, n=19). Chama
52

atenção o fato de quase um quarto dos estudantes (24,2%; n=8) nunca terem participado de
ações em escola ou outros equipamentos sociais da área de abrangência de sua unidade.
A APS é um espaço privilegiado para a realização da educação em saúde e diversos
estudos demonstram resultado positivo da atuação de alunos de medicina neste tipo de
atividade. Coelho et al.15 observaram que quando os internos escolhiam os temas que queriam
trabalhar com a comunidade e priorizavam metodologias interativas, havia boa participação das
pessoas nos grupos. Já Leite et al.10 destacaram a importância das ações de educação em saúde
realizadas pelos internos nas escolas de ensino fundamental e médio para o conhecimento da
realidade de vida das pessoas do território.
Nota-se que 81,8% dos estudantes (n=27) quase nunca ou nunca realizaram,
durante o ISC, reuniões com a comunidade para desenvolver ações conjuntas e debater os
problemas locais de saúde, o planejamento da assistência e os resultados alcançados. A maioria
dos estudantes (72,7%, n=24) tampouco ou quase nunca participou de iniciativas de
desenvolvimento comunitário com a população e/ ou movimentos sociais.
Além disso, os estudantes realizaram e/ou participaram de poucas atividades de
formação da própria equipe. A maioria dos estudantes quase nunca ou nunca participou
(52,0%, n= 17) de atividades de educação permanente dos/com os trabalhadores. A participação
dos estudantes foi ainda menor em atividades relacionadas a refletir sobre o SUS e sobre a APS
e como seus princípios ou atributos se apresentam na UBS onde estavam estagiando, sendo que
69,7% (n=23) quase nunca ou nunca participaram de alguma destas atividades.
O preparo de graduandos de medicina para realizar ações multiprofissionais ainda
é um desafio17. O trabalho em equipe na APS, a partir da ampliação do vínculo e da
possibilidade do trabalho multiprofissional, promove a integração com outras categorias
profissionais além de aumentar a adesão do paciente, a resolutividade do caso e a assistência à
família como um todo12. Para uma prática colaborativa, que vai além da multiprofissional, é
necessário o trabalho em equipe e também o envolvimento da comunidade e da rede
intersetorial18. Já a interdisciplinaridade envolve a negociação dos pontos de vista dos diferentes
atores, sendo uma prática eminentemente política19.
No ISC, todos os estudantes trabalharam com outra categoria profissional, seja com
enfermeiro (90,9%), psicólogo (90,9%), agente comunitário de saúde (84,8%), auxiliar ou
técnico de enfermagem (54,5%), nutricionista (51,5%), fisioterapeuta (45,5%), dentista
(36,4%), assistente social (30,3%), farmacêutico (24,2%), educador físico (21,2%), terapeuta
ocupacional (6,1%) ou veterinário (3,0%). A maioria dos estudantes (60,6%) referiu que
trabalhou com mais de duas categorias profissionais ao mesmo tempo.
53

O percentual de estudantes que quase sempre ou sempre trabalharam com outra


categoria profissional (Gráfico 3) foi mais alto nas visitas domiciliares 51,5% (n=17), seguido
da discussão de encaminhamentos de usuários (48,5%, n=16), dos atendimentos individuais
(42,4%, n=14), da discussão de casos e da realização de atividades coletivas/grupos (ambos
com 36,4%, n=12) e, por último, da análise ou implementação de ações no território (apenas
15,2%, n=5). Esse trabalho conjunto com diversos profissionais é um caminho para o
desenvolvimento da interdisciplinaridade.

Gráfico 3 - Distribuição da frequência em que o estudante do 12º período do curso de medicina (n=33),
durante o ISC, realizou com outra categoria profissional discussão de caso, visitas domiciliares,
discussão sobre encaminhamento do usuário, atividades coletivas ou grupos, atividades individuais e
análise e implementação de ações no território, 2019.
18 17
16 16
16 15
Número de estudantes

14
14 13
12 12 12
12 11 11
10 10
10
8 7 7
6 5 5 5
4
2
0
Discussão de caso Visitas Atividades Atendimentos Análise e
domiciliares Encaminhamento coletivas ou individuais implementação
do usuário grupos de ações no
território

Quase sempre e sempre Às vezes Quase nunca e nunca

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022

No manejo de casos complexos, para apoiar as decisões de condução do projeto


terapêutico, os estudantes utilizaram com muita frequência (quase sempre ou sempre) a
literatura científica (78,8%; n=26), os sites de busca de evidência (66,7%; n=22), calculadoras
médicas (78,8%; n=26) e protocolos de atenção (69,7%; n=23) que orientam condutas
terapêuticas.
Já o monitoramento e avaliação de listas de espera de consultas especializadas,
procedimentos, exames e afins, bem como a discussão de eventos-sentinela e incidentes
críticos foi realizada de forma frequente por menos estudantes e há bem mais alunos que quase
nunca ou nunca utilizaram essas estratégias, se comparadas à busca de evidências na literatura,
sites ou protocolos.
O estágio da APS na graduação de medicina é um potente cenário para aumentar
a sensibilidade dos estudantes a aspectos essenciais da clínica na APS que são marginais no
54

currículo, como a clínica do sofrimento social. O contato direto e longitudinal com a


comunidade é capaz de gerar uma visão nos estudantes que supere a dicotomia entre medicina
e sociedade e incorpore o social e humano junto ao que se denomina clínico, biológico e
técnico. Dessa forma, além de valorizar os aspectos biomédicos, por meio da consulta em
guidelines e protocolos, ao estagiarem na APS, com todas as suas especificidades, os
estudantes podem perceber a importância de valorizar aspectos psicossociais dos usuários a
fim de manejar seus sofrimentos14.
A discussão de casos complexos com outros profissionais, seja do Núcleo de
Apoio à Saúde da Família (NASF) ou com especialistas, foi utilizada pela maioria dos
estudantes, tendo uma distribuição semelhante entre esses dois grupos: 33,3% e 30,3% dos
estudantes sempre ou quase sempre discutiram caso com NASF e com especialista, nesta
ordem, e 42,4% e 48,5% o fizeram às vezes, respectivamente. Apenas 9,1% refeririam não
utilizar essa ferramenta de apoio.
Somente quatro estudantes (12,1%) discutiram casos complexos com especialistas
no Telessaúde, sendo definido como quase nunca ou nunca a frequência com que utilizaram
este recurso.
O Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes20 é uma política pública que
apresenta bons resultados na resolutividade dos casos atendidos na APS e melhoria na saúde
global da população, já que engloba diversas atividades como: teleconsultas, com segunda
opinião formativa; atividades de formação dos profissionais de saúde, incluindo construção de
objetos de aprendizagem virtual, cursos de Educação à distância e videoconferências com
profissionais qualificados; acesso à rede de periódicos para auxiliar na tomada de decisão
clínica e em treinamentos educacionais; realização de testes propedêuticos, como o
eletrocardiograma digital ou realização de retinografia (dependendo da localidade)21. Apesar
de todos esses benefícios, nota-se que esse recurso não foi utilizado pelos estudantes de maneira
corriqueira.
O envolvimento de outros setores na condução de casos da UBS ajuda os estudantes
a percebem a complexidade da APS, os limites da atuação médica e a importância da
intersetorialidade12. Apenas 24,3% dos estudantes (n=8) discutiram casos com profissionais do
CAPS, 9,1% (n=3) com o conselho tutelar e 39,4% (n=13) com profissionais do CRAS,
predominando a frequência quase nunca. Em estudo com estudantes do internato de uma
universidade no Rio de Janeiro, a falta de intersetorialidade ficou bem evidente:
Ao imergir no cotidiano das pessoas mais vulneráveis, a quase completa falta
de referência à rede intersetorial no manejo destes casos revelou o profundo
55

desconhecimento destes recursos para o cuidado de pessoas vulneráveis.


Mesmo contando com equipes de saúde mental de referência, apenas um
estudante fez referência aos equipamentos da Assistência Social, o que não
deixa de refletir ainda a força do modelo biomédico e a forma da comunidade
de práticas da APS no contexto do Rio14.

A abordagem sobre o contexto familiar e da rede de apoio é essencial para a


realização de uma clínica ampliada dos sujeitos e é reconhecida por estudantes de medicina
como um tema importante na formação médica12,22. Os principais instrumentos utilizados são
o genograma e ecomapa, os quais são registros gráficos que auxiliam na identificação de
aspectos da dinâmica familiar e envolvimento do usuário e família na sociedade23.
A maioria dos estudantes (n=21; 63,6%) respondeu que nunca ou quase nunca
utilizou o genograma e o ecomapa durante o ISC (Gráfico 4).

Gráfico 4 - Distribuição percentual da frequência com que os estudantes de medicina utilizaram o


genograma e o ecomapa durante o ISC.
50,0% 45,5% 45,5%
45,0%
40,0%
33,3%
35,0% 30,3%
30,0%
25,0%
20,0% 18,2% 18,2%
15,0%
10,0%
5,0% 3,0% 3,0% 3,0%
0,0%
0,0%
Sempre Quase sempre Às vezes Quase nunca Nunca

Genograma Ecomapa

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022

No entanto, na prática todos os estudantes realizaram ao menos um genograma e


um ecomapa, que correspondeu ao usuário e à família que os alunos acompanharam durante
todo o semestre por meio da realização de um Projeto Terapêutico Singular (PTS). Porém, esse
caso em específico, apesar de ser de um paciente da área de abrangência da UBS onde alunos
estagiavam, não foi considerado na resposta a este item por alguns estudantes (que disseram
que nunca utilizaram tal ferramenta) talvez pelo fato de ser uma atividade curricular e que foi
acompanhada e discutida em sala de aula (não consideraram um caso ‘da equipe’ ou ‘da
unidade’ em si).
A visita domiciliar (VD) foi a estratégia de abordagem familiar mais utilizada
56

pelos estudantes (Gráfico 5). Provavelmente por ser uma ação bem incorporada nas equipes
de saúde da família do município, nenhum estudante referiu que nunca ou quase nunca
utilizou essa estratégia.
Gráfico 5 - Distribuição percentual da frequência com que o estudante do 12º período do curso de
medicina (n=33), durante o ISC, realizou visita domiciliar para os usuários da UBS.

45,0% 42,4%

40,0%
36,4%
35,0%
Percentual de estudantes

30,0%

25,0%
21,2%
20,0%

15,0%

10,0%

5,0%
0,0% 0,0%
0,0%
Sempre Quase sempre Às vezes Quase nunca Nunca

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022

Leite et al.10 descrevem que a VD apareceu como uma das atividades mais
relevantes para a aprendizagem dos estudantes nos diferentes cenários de prática (incluindo
UBS, UBS fluviais, atendimento à população indígena e ribeirinha e consultório de rua) por
propiciar contato com a realidade da vida das pessoas. E mais do que isso, a VD foi uma das
situações mais impactante para a vida dos estudantes no internato, talvez pelo contato com o
desconhecido e com uma realidade socioeconômica diferente da deles.
Em estudo realizado com internos da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (FMRP-USP), mais de 60% classificaram a VD como “bastante”
ou “muito importantes” na sua formação. Chama atenção 19,6% dos alunos classificarem a VD
como “nada” e “pouco importante”, sendo justificado que a visita domiciliar não é função do
médico ou que é pouco efetiva. Isso foi atribuído à pouca vivência desses estudantes com a VD
ou ao fato das visitas serem realizadas predominantemente com os agentes comunitários de
saúde e, por isso, os estudantes não consideram a visita como uma prática médica12.
A VD permite uma incursão no território e com isso a percepção de como esse
território pode perpetuar as más condições de saúde e de acesso aos serviços públicos. Ao se
conhecer o local de vida das pessoas é possível também reconhecer as potências do território
57

para o cuidado em saúde. Diferente do cenário hospital, durante as VD há possibilidade de


maior compreensão do contexto e da adesão ao tratamento14.
Saber dosar até onde o profissional de saúde deve intervir, para ser considerado
recurso e não ser invasivo é uma arte. Estar no ambiente das pessoas, sem ser solicitado, reflete
uma postura de controle da medicina sobre os corpos, comum na prática hospitalar. Tanto no
processo de formação como na prática médica, essa postura invasiva pode gerar incômodo nos
estudantes e nas equipes de saúde, o que pode ser contornado ao se respeitar o modo de vida
das pessoas e construir vínculos positivos14.
Outro entrave para a realização das VD é a violência urbana15, a qual não pode ser
negligenciada como um problema de saúde pública e precisa ser considerada no planejamento
tanto das atividades das equipes da APS como dos estudantes que realizam estágios nesse
cenário.
A maioria dos estudantes avaliou de forma positiva a sua comunicação com os
demais membros da equipe durante o ISC, sendo que 81,8% (n= 27) avaliaram-na como ótima
ou boa.
Além disso, a maioria dos estudantes se sentiu satisfeito ou muito satisfeito durante
a maior parte das atividades que realizaram na UBS. Apenas um estudante (3,0%) se sentiu
nada satisfeito com o estágio.
Por fim, dos 31 estudantes que responderam o questionamento se sentiam-se aptos
para atuar como médico da APS ao término do estágio, 30 deles referiram que sim pois o estágio
teve boa preceptoria e propiciou segurança para atuar na APS, vivenciar a realidade, adquirir
bagagem de conhecimentos dos principais problemas da APS, exercitar diversas habilidades,
identificar demandas da população, ter boa comunicação e criar vínculo com equipe e pacientes.
Apenas um estudante relatou que se sentia apenas em parte preparado para atuar na APS,
justificando-se que não possuía domínio de alguns temas e que existiam fluxos desconhecidos
na rede de atenção à saúde.
Acessibilidade, longitudinalidade, trabalho em equipe e atuação na prevenção são
princípios da APS vivenciados por estudantes de medicina em estágio na Estratégia Saúde da
Família12. O contato com o paciente na APS é reconhecidamente relevante para a aprendizagem
de diversos aspectos da formação médica como a realização de procedimentos clínicos ou
terapêuticos e também o desenvolvimento da empatia e da habilidade de comunicação bem
como o manejo de situações complexas15.
58

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse estudo permitiu identificar potencialidades e desafios no ensino e
aprendizagem no cenário da APS, na visão de estudantes de medicina, durante o Internato de
Saúde Coletiva.
Pode-se perceber que a VD foi a atividade que os estudantes mais identificaram a
interdisciplinaridade na prática. Esse pode ser o ponto de partida para deslanchar o
envolvimento dos estudantes com outras categorias profissionais, com discussão de casos e
ampliação da visão sobre os problemas de saúde.
Por outro lado, foi possível perceber a desvalorização da gestão pelos estudantes de
medicina a partir da baixa participação destes nas reuniões da equipe da UBS, em colegiados
gestores ou conselhos de saúde. Propiciar esse aprendizado na graduação é essencial para a
formação de médicos que sejam capazes de lidar com a disputa de saber e poderes, bem como
os conflitos interpessoais e intergrupais de diferentes cenários, ajudando a criar espaços de
gestão em saúde mais democráticos24, aspecto essencial principalmente se levarmos em
consideração o nosso cenário político atual de precarização da APS e desconstrução das
políticas públicas.
O Telessaúde foi pouco utilizado pelos estudantes, sendo que o cenário de baixa
utilização desta ferramenta já foi identificado em outros locais25,26. Seria interessante investigar
os motivos para a pequena utilização do Telessaúde por estudantes de medicina a fim de propor
estratégias de incentivo ao uso dessa política pública, que abarca uma grande gama de
atividades de apoio à APS.
Houve valorização dos estudantes de diversos aspectos do sujeito, principalmente
a idade, escolaridade, renda e saúde mental dos usuários e contexto do território em que reside
o usuário. Já a raça/cor e a rede de apoio dos usuários foram aspectos menos considerados.
Além disso, algumas ferramentas corriqueiras da APS, como a construção de genograma e
ecomapa, também não foram utilizadas com frequência pelos estudantes.
A identificação dessas fragilidades é essencial para se pensar em mudanças na
formação médica que valorizem a clínica ampliada a partir de uma abordagem integral dos
sujeitos e de suas famílias e comunidades e que trabalhem temas importantes ainda
negligenciados, como o racismo estrutural.
Uma limitação do estudo foi a utilização de um questionário quantitativo que
abordou apenas a visão dos estudantes sobre sua formação na APS, a partir de um recorte
transversal, realizado no final do estágio.
59

Apesar das equipes de saúde da família não terem sido avaliadas diretamente nesta
pesquisa, acredita-se que alguns resultados são reflexos de uma APS burocratizada, com
equipes que consideram uma dicotomia entre gestão e clínica e que tem algumas práticas pouco
institucionalizadas, como a utilização do genograma e do ecomapa. Isso reforça a necessidade
de se aprimorar o papel da universidade junto à APS, com ações de educação permanente com
a equipe, atividades de educação em saúde no território e qualificação da participação dos
estudantes e trabalhadores em espaços institucionais.
Para aprofundar a investigação seria interessante ampliar a avaliação da formação
dos estudantes na APS a partir da visão dos docentes e trabalhadores do serviço.

REFERÊNCIAS
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Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. . Diário Oficial da União;
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Disponível em: https://recisatec.com.br/index.php/recisatec/article/view/86.
62

4.2 Artigo 2 - O desafio da formação interdisciplinar de graduandos de


medicina: contribuições dos grupos Balint-Paideia (Submetido)

The challenge of interdisciplinary training for medical students: the Balint-Paideia


groups contributions

Rodrigues ET, Viana MMO, Rizzi FNC, Campos GWS. O desafio da formação
interdisciplinar de graduandos de medicina: contribuições dos grupos Balint-Paideia. Artigo
submetido à revista Saúde em Debate – CEBES em outubro de 2021.

Resumo:
Este artigo tem como objetivo analisar o trabalho multiprofissional na perspectiva
interdisciplinar na formação de estudantes de medicina por meio de grupos Balint-Paideia.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva exploratória e analítica, realizada com
graduandos do internato de saúde coletiva de uma universidade pública brasileira. Os internos
participaram de grupos Balint-Paideia durante sua imersão junto às equipes de saúde da família.
Os dados foram coletados por meio de grupos focais e analisados através da construção de
narrativas. Foram encontrados os seguintes núcleos argumentativos: potencialidades e os
entraves para o trabalho em equipe; influência da formação baseada no trabalho para o exercício
da atividade colaborativa; papel dos grupos Balint-Paideia no processo formativo e na
aprendizagem de conceitos relevantes para a atenção primária à saúde. A estratégia pedagógica
combinando prática na atenção primária à saúde, vivência interprofissional e grupos Balint-
Paideia, com elaboração de projeto terapêutico singular, apesar de desafiante, tende a propiciar
um olhar que transcende a clínica estritamente biomédica e as relações assimétricas, evocando
os estudantes de medicina à construção de uma práxis interdisciplinar.

Palavras-chave: Práticas interdisciplinares. Equipe multiprofissional. Atenção primária à


saúde. Internato em medicina. Educação médica.

Abstract:
This article aims to analyze multidisciplinary work, through an interdisciplinary perspective in
the training of medical students with Balint-Paideia groups. This is a qualitative, descriptive,
exploratory and analytical research. The participants were undergraduate students who were in
the collective health internship, in a Brazilian university. The Interns participated in Balint-
63

Paideia groups while staying in family health units. For data collected, we utilized focus groups.
For data analyses, was employed the narratives construction. The argumentative axles found
potentialities and obstacles to teamwork; the work-based training influence for collaborative
work; Balint-Paideia groups role in the training process and in the relevant concepts to primary
health care learning. The pedagogical strategy combining primary health care practice,
interprofessional experience and Balint-Paideia groups, with a singular therapeutic project
development, although challenging, tends to provide a transcendence view to the strictly
biomedical clinic and to asymmetrical relationships, evoking medical students to an
interdisciplinary praxis construction.

Keywords: Interdisciplinary placement. Patient care team. Primary health care. Internship and
residency. Educational, medical.

Introdução
A formação médica vem passando por transformações com a institucionalização das
Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em saúde1. Apesar de recomendada,
ainda é um grande desafio a inserção dos alunos na Atenção Primária à Saúde (APS). A
formação médica, em muitos espaços, ainda é pautada em um modelo hospitalocêntrico, médico
centrado e com visão biomédica do processo saúde doença2-4.
A APS, especialmente as equipes de saúde da família e do Núcleo de Apoio à Saúde da
Família (NASF), é reconhecida como importante cenário de prática adequado para assegurar
aspectos da formação interdisciplinar e multiprofissional, características indispensáveis ao
próprio trabalho da APS e do Sistema Único de Saúde (SUS), mas ainda pouco valorizadas em
graduandos da área da saúde, mesmo entre os de medicina5. A interdisciplinaridade pressupõe
um eixo em comum entre as disciplinas enquanto a multidisciplinaridade prevê a justaposição
das mesmas, sem um eixo coordenador, ambos os conceitos e aspectos formativos, são
indispensáveis para a formação do profissional de saúde6.
A garantia de uma atenção integral que aumente a resolutividade no âmbito da APS
requer a colaboração entre profissionais de diversas áreas, trabalho esse chamado de
interprofissional7, que apesar de se associar a várias terminologias com prefixos multi, inter e
trans, direcionam-se para o reconhecidamente chamado 'trabalho de equipe', que de acordo com
Peduzzi8 e com Peduzzi e Agreli5, implica em reconhecimento entre profissionais,
compartilhamento, senso de pertencimento, trocas em via de mão dupla, comunicação e
64

colaboração, em consonância com o que Campos, Cunha e Figueiredo9 propõem como cogestão
e efeito Paideia para os serviços de saúde.
Assim, ao orientar-se para a prática colaborativa e ao trabalho interdisciplinar,
viabilizados por estratégias de cogestão, as equipes devem buscar o diálogo, a negociação, a
redução da competição e, concomitantemente, estabelecer relações de parceria e
responsabilidade coletiva, contrapondo-se ao modelo tradicional de formação, de formato
uniprofissional5,10.
Para superar esse contexto, uma alternativa são as metodologias de ensino-
aprendizagem que valorizem a escuta (de si mesmo e do outro), a capacidade de fazer contratos
e compromissos no grupo e, consequentemente, a capacidade de trabalhar com o outro e com
uma equipe multiprofissional11. O aluno necessita de uma formação que não só incida sobre a
conformação de atitudes e comportamentos considerados adequados, mas que inclua a gestão,
a política e o governo de si, superando o discurso moralizante-culpabilizante e as práticas não
humanizadas.
Os Grupos Balint-Paideia (GBP), presentes na proposta da Formação Paideia,
apresentam-se como uma possibilidade pedagógica dentro desse contexto, de acordo com
Oliveira-Viana e Campos12. Na Formação Paideia interagem, de modo sinérgico, diferentes
referenciais teóricos, que incluem a psicanálise, o materialismo sócio histórico dialético, o
construtivismo, dentre outros, de modo a dar sustentação para as propostas de um ambiente
institucional e espaço psíquico acolhedor e democrático, que favoreçam o trabalho
interdisciplinar e a cogestão, ou gestão compartilhada - de casos e de processos de
trabalho10. Entretanto, na presente pesquisa, a abordagem utilizada como orientadora dos GBP
refere-se fundamentalmente à psicanálise e aos aspectos de sustentação e de criação/reflexão
pautada em relações bilaterais de saberes, afetos e poder que favoreçam a articulação entre
teoria e prática12.
A estratégia central dos Grupos Balint Paideia é a discussão de casos concretos,
baseados na realidade e na prática profissional, a partir da escolha dos alunos. Inspira-se nas
proposições de Balint13, derivadas dos grupos realizados com médicos generalistas do sistema
nacional de saúde inglês, na medida em que aposta na discussão de casos reais para acessar
aspectos transferenciais e reflexões sobre a prática para promover a ressignificação e, por
conseguinte, a formação dos participantes. Contudo, nos GBP, diferentemente dos grupos
Balint, os casos podem ser clínicos, com foco no indivíduo ou casos de saúde coletiva ou
institucionais, como os relacionados a problemas da comunidade ou intersetoriais, à promoção
à saúde ou a atendimentos de grupos. Deste modo, pretende-se, avançar nas discussões e
65

proposições teórico-práticas voltadas não apenas para o autoconhecimento e melhoria da


relação médico-paciente, mas para o incremento dos coeficientes de cogestão e de autonomia,
e para a ampliação da capacidade de análise e de intervenção nas dimensões tecnoassistenciais,
sociossanitárias e institucionais9,12,14.
Assim, nos GBP aqui analisados, os alunos apresentam o caso escolhido na forma de
livre discurso (não estruturada previamente, sem apresentação de slides ou algum manuscrito)
para discussão em grupo. A utilização da associação livre, tal como propõe Balint13, permite
que se evidencie a transferência e a contratransferência, contribuindo para um entendimento
das relações intersubjetivas que se estabelecem. Os GBP também contam com apoio do
professor (chamado de apoiador), que ajudam o grupo a aumentar a capacidade de compreensão
do caso e a buscar a gênese dos problemas. Após a reflexão inicial nos GBP, estimula-se que
os alunos discutam o caso com a equipe onde estão inseridos e posteriormente, rediscutam o
caso nos GBP9.
A formação Paideia, que abrange a lógica dos GBP, pautou as reflexões sobre as
intervenções cotidianas e propunha abordar a relação com o outro, o acompanhamento das
dificuldades de manejo de casos reais e também a compreensão das relações institucionais.
Tudo isso agregado à valorização da dimensão técnico-científica da formação, de forma a
compreender os aspectos do processo saúde-doença, como as manifestações das patologias e
seus possíveis recursos terapêuticos, agregado aos aspectos 'psi' e os relacionados à gestão9.
Compreende-se que os aspectos produtivos conscientes e inconscientes são indispensáveis,
sendo propulsores e limitadores nas relações de cuidado. A revivência de modelos, o deparar-
se com falhas e rupturas de campos válidos e estáveis, tende a gerar oportunidades de ação e
saber, porém é perceptível a repetição de relações assimétricas.
Busca-se, dessa forma, compreender a formação como práxis, tal como entendida por
Paulo Freire15, em que, partindo-se da conformação de relações de respeito e de coconstrução
entre professor-aluno, procura articula teoria e prática em uma ação transformadora da
realidade, na perspectiva emancipadora dos sujeitos. Ao contrário da formação estritamente
técnica, na práxis pedagógica pretendida no bojo do referencial dos GBP, o sujeito não pode se
furtar da reflexão e dos questionamentos para escolher os melhores procedimentos e condutas
para situações singulares. É necessário refletir sobre o conhecimento acumulado adequando-o
à peculiaridade de cada situação, ou seja, aos sujeitos envolvidos e às diferenças de valores e
conjunturas9 e engajados com o compromisso da mudança social.
Um ponto essencial na realização dos GBP é a ênfase no manejo das relações
interpessoais, do estudante com ele mesmo, com os seus colegas ou com a equipe de trabalho.
66

As análises e reflexões tanto das relações quanto do contexto visam à construção de


intervenções onde se está inserido. Isso significa que os GBP se pautam numa formação que
estimula, além da reflexão, a intervenção conjunta e a coprodução de mudanças institucionais,
o que demanda lidar com relações de poder no modo de fazer. Na prática, isso ocorre por meio
da elaboração dos Projetos Terapêuticos Singulares9 inseridos na lógica do processo de trabalho
orientado pela gestão compartilhada e pela democracia institucional9.
Nesse sentido, a realização dos GBP, associada aos Projetos de Intervenção/Projetos
Terapêuticos, dentro da Formação Paideia, busca conciliar e reinventar elementos oriundos de
propostas pedagógicas como as da educação permanente16, da supervisão clínico-
institucional17, da aprendizagem baseada no trabalho descrita por Raelin18 e Billett19 e da
aprendizagem baseada em problemas analisada por Vernon e Blake20.
O principal elemento compartilhado por tais abordagens é a aposta na produção de
subjetividade cuidadora, reflexiva e crítica. Barros21 explica que pensar a formação nesse
âmbito significa colocar em cena os territórios existenciais, o cotidiano de trabalho e as
diferentes relações que se estabelecem nesses encontros. Já não se trata de dar informações
sobre um tema, mas de possibilitar a apreensão de diferentes modos de conhecimento e
pensamento, provocando mudanças em nome de novas práticas, novos objetos e novos sujeitos.
Todavia, é preciso reconhecer que persiste a dificuldade em se implementar nas
instituições de ensino superior e no SUS essas estratégias interativas de formação e que as
iniciativas pedagógicas baseadas no trabalho compartilhado ainda enfrentam resistência e
dificuldade operacional22-5. Isto demonstra a relevância de avançar na análise e discussão sobre
experiências voltadas para esses propósitos.
Desta forma, o presente artigo tem como objetivo analisar o trabalho multiprofissional
na perspectiva interdisciplinar na formação de estudantes da graduação de medicina por meio
de GBP.

Material e métodos:
O presente estudo é uma pesquisa qualitativa descritiva exploratória e analítica a
respeito da utilização de estratégia pedagógica de Grupos Balint-Paideia (GPB) com estudantes
do Internato de Saúde Coletiva, durante o 12o período do curso de medicina de uma
universidade pública do interior de Minas Gerais. Toma como objeto de análise a formação
médica interdisciplinar e multiprofissional no cenário da Atenção Básica.
Os GBP funcionavam com discussão de casos clínicos, escolhidos e apresentados por
uma dupla/trio de internos, a partir da vivência destes na APS, e também com momentos de
67

discussão teórica. Os GBP foram incorporados como atividade curricular obrigatória para os
estudantes, porém não incluída na avaliação somativa dessas atividades, para minimizar as
interferências no processo de discussão dos próprios grupos. Os 42 estudantes foram divididos
em duas turmas, cada uma com 12 encontros quinzenais durante o segundo semestre de 2019.
Os estudantes, ao longo dos seis meses do Internato de Saúde Coletiva, estagiaram em
uma Unidade Básica de Saúde, onde realizaram suas atividades junto a uma equipe de saúde da
família e ao Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), exceto por 4 estudantes que fizeram
o estágio no Centro de Saúde Escola cujo modelo de atenção ainda era de uma Unidade Básica
de Saúde (UBS) tradicional, embora em transição para a Estratégia Saúde da Família (ESF).
Apesar do cenário nacional de precarização da APS e importante afastamento do modelo
da ESF, que se manifesta desde a mudança da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) de
201720 e se intensifica na nova forma de financiamento, com o Programa Previne Brasil27, que
tende a remunerar procedimentos médicos do tipo queixa-conduta e retira recursos para ações
interdisciplinares, tais como os NASF28,29, todas as equipes onde os estudantes estavam
inseridos contavam com ACS e NASF e ainda eram organizados segundo as diretrizes da PNAB
(exceto as do centro de saúde escola).
Para a produção de dados, foram realizados grupos focais (GF) com os estudantes: dois
realizados concomitantemente no início (GFi) e um ao final (GFf) do estágio, com a
participação de 25 e 14 estudantes, respectivamente.
O grupo focal tem sido utilizado para avaliar perspectivas e experiências a partir do
olhar dos próprios participantes do grupo. Recomendado para pesquisas avaliativas e
reconhecido por Westphal, Bógus e Faria30 como técnica eficaz para planejamento e avaliação
de programas educativos, o grupo focal adapta-se aos objetivos do nosso estudo, contribuindo
para a avaliação da Formação Paidéia12 e por conseguinte para avaliação do uso do GBP.
Os grupos focais desta pesquisa foram gravados em áudio e transcritos. Para a
interpretação do material produzido nos grupos focais, empregou-se a técnica de elaboração de
narrativas, conforme metodologia analítico-reflexiva proposta por Onocko-Campos e
Furtado31.
Na narrativa, o analista se coloca como intérprete, como tradutor do que foi dito pelo
grupo. Isso significa que há a interferência da cultura, do modo de ser e pensar do analista nas
narrativas, e desta forma, a própria transcrição da narrativa, com o encadeamento de ideias e
extração dos principais argumentos, já se constitui uma primeira parte da interpretação. Em
seguida, as narrativas foram submetidas a uma grade interpretativa para extração dos principais
núcleos argumentativos em relação ao roteiro utilizado nos grupos focais32.
68

Foram cumpridos os requisitos da resolução 466/2012 e suas complementares, tendo


sido o estudo submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, sob o número CAAE
00849118.0.0000.5404 e da Universidade Federal de Uberlândia, sob o número CAAE
00849118.0.3001.5152. Todos os 42 participantes foram informados sobre os termos da
pesquisa e deram anuência para sua inclusão no estudo mediante a assinatura do termo de
consentimento livre e esclarecido.

Resultados e discussão:
Ao analisar as narrativas dos grupos focais sob o olhar do trabalho multiprofissional na
perspectiva interdisciplinar, foram construídos os seguintes núcleos argumentativos: a-
potencialidades e entraves para a realização do trabalho em equipe, b- a influência da formação
baseada no trabalho para o exercício da atividade colaborativa junto a equipes
multiprofissionais, c- o papel dos Grupos Balint Paideia em todo o processo formativo do
estudante de medicina para a atuação no SUS e da aprendizagem dos conceitos práticos básicos
da APS a partir da vivência com profissionais de outras áreas.

a- Potencialidades e entraves para a realização do trabalho em equipe


As potencialidades do trabalho em equipe, como primeiro núcleo argumentativo,
aparecem na narrativa inicial de forma muito vaga e abstrata, reflexo da vivência esparsa e
pontual do trabalho multiprofissional que os estudantes tiveram até o 11o período do curso de
medicina, mais focada no cenário hospitalar.
Apesar da grande admiração dos estudantes pelo SUS, foi difícil identificarem seus
aspectos positivos, que eram relatados de forma genérica ou conceitual, como aqueles
relacionados aos princípios do SUS (universalidade, integralidade e equidade). Chama atenção
que o trabalho multiprofissional foi um dos poucos aspectos que os estudantes conseguiram
exemplificar como o 'SUS que dá certo'.
No final do estágio, percebeu-se que os internos conseguiram identificar mais
concretamente as potencialidades do trabalho multiprofissional, na medida em que puderam
vivenciá-lo nas Unidades Básicas de Saúde. Para a maioria deles, foi somente no 12o período
do curso de medicina que eles puderam exercitar o trabalho multiprofissional pela primeira vez.
Descrevem a atuação com diferentes categorias profissionais (enfermeiros, agentes
comunitários de saúde, assistentes sociais, psicólogos, dentre outros) em diversos cenários:
discussões de casos, consultas conjuntas, visitas domiciliares, construção de PTS, ações no
69

território e intersetoriais e campanhas. Destacaram também a ampliação do cuidado em saúde


mental como uma das potencialidades do trabalho interdisciplinar e multiprofissional.
O interessante é que vimos isso [o trabalho multiprofissional]
acontecendo na prática, como uma discussão conjunta de caso, a
articulação em rede, dentre outros. Pudemos ver casos onde foi
realizada a consulta conjunta entre o médico de família, o médico
especialista que faz a tutoria na unidade e a enfermeira; trabalho
conjunto com a assistente social do NASF, a qual fazia a articulação
com equipamentos sociais do território (como escola). Algumas
equipes até se mobilizaram, em casos pontuais, com arrecadação de
dinheiro na própria equipe ou por meio de doações para fornecer uma
cesta básica para uma família extremamente vulnerável do território
(GFf).

Em relação aos entraves para o trabalho em equipe, pode-se perceber que, apesar de ser
reconhecido como essencial para um bom funcionamento da atenção básica (e outros níveis do
sistema), os estudantes apresentaram diferentes olhares sobre o que seria um trabalho
multiprofissional satisfatório e relataram, no grupo focal inicial, apreensão em trabalhar em
equipe pois não sabiam ao certo o papel de cada profissional.
Japiassu6 discute os conceitos de multidisciplinar e pluridisciplinar para então esclarecer
a interdependência dos saberes, a interdisciplinaridade. Os dois primeiros conceitos geram
agrupamento de saberes, não há um acordo metodológico para a construção do objeto comum.
Para esse autor, um projeto de trabalho interdisciplinar é reconhecido pela intensidade de trocas
entre os pares e pela integração das disciplinas. Desta forma, a preocupação com o papel de
cada profissional denuncia a não compreensão da complexidade do objeto saúde e expõe mais
uma vez a fragilidade da formação reduzida ao modelo biomédico.
A experiência anterior dos alunos havia sido pautada numa lógica médico-centrada, o
que também configura um dos entraves para o trabalho em equipe. Há uma desvalorização de
qualquer tipo de saber dos profissionais não-médicos, refletindo na delegação de funções para
os demais profissionais, sem discussão de caso ou construção conjunta de projetos terapêuticos.
Parece reproduzir a assimetria de poder na divisão social do trabalho, que Peduzzi et al.3
denunciam como ponto a ser superado para a efetivação da interdisciplinaridade.
Muitas vezes só delegamos a função para os trabalhadores das demais
categorias profissionais. Por exemplo, no hospital a gente só entrega a
prescrição para os enfermeiros e pede para eles executarem o que está
descrito, tipo medicação, curativo ou outro. E isso se repete com outros
profissionais, como fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas (GFi).
70

Na prática em saúde, os trabalhadores devem lidar com a multiplicidade de saberes e de


poder de cada profissional, bem como com as diferenças de paradigmas, o que torna importante
saber lidar com conflitos, em vez de evitá-lo ou de tentar consensos em todas as situações. É
preciso exercitar a capacidade de fazer pactuações9. Os estudantes, no grupo focal inicial,
identificam bem esse conflito e encaram que deveriam envolver a amorosidade em sua
resolução.
Os GBP, por sua vez, foram espaços coletivos em que os estudantes puderam refletir
sobre casos clínicos, respeitando as diversas opiniões, e incluindo a complexidade das relações
humanas, que ultrapassam burocracias e lugares instituídos, embora sejam influenciados por
essas estruturas. A experiência de lidar com essa complexidade permitiu aos estudantes
identificar o aspecto intersubjetivo do cuidado, do qual faziam parte ativamente, resultando em
novas percepções sobre a própria identidade profissional. Além disso, os estudantes foram
estimulados a participarem de espaços coletivos nas unidades de saúde (reuniões de equipe)
com intuito de ampliar a discussão do caso a partir de visões diferentes de mundo, da equipe e
de usuários, tentando construir contratos e elaborar projetos comuns.
A vivência dos estudantes na APS evidenciou relações burocratizadas que dificultaram
a construção de um cuidado conjunto entre profissionais, estudantes e usuários. A
burocratização das ações foi também considerada um dos entraves ao trabalho em equipe:
"Quando havia reunião de equipe [nas UBS], pouco se viu a discussão de casos, mas sim a
discussão de demandas administrativas/burocráticas (GFi)". A racionalidade técnica e
normativa, herança do paradigma gerencial hegemônico na saúde, reflete em ações que
endurecem as equipes, dificultam o diálogo entre os próprios trabalhadores e destes com os
usuários e apagam os sujeitos em suas particularidades9.
Além disso, a relação de poder hierárquica vivenciada pelos internos,
predominantemente no ambiente hospitalar, mas também nas UBS, foi relatada como outro
dificultador para o trabalho multiprofissional. Os estudantes ficaram extremamente
mobilizados com esse tema durante os grupos focais, descrevendo o assédio que sofreram
durante o curso de medicina e denunciaram a cultura de competição e de individualismo, que
prioriza o trabalho do médico em detrimento do trabalho de outros profissionais. Essa discussão
tornou-se mais branda no grupo final, quando os estudantes ressignificam o papel do médico
na equipe multiprofissional a partir do estágio na UBS.
Quando somos questionados sobre como vivenciamos a relação de
poder durante o estágio do Internato de Saúde Coletiva, a primeira
reação nossa é de alívio! Alívio ao pensar que pudemos vivenciar uma
relação de poder na UBS bem diferente da do hospital, com bem menos
71

hierarquia. Alívio ao pensar que nós médicos não precisamos ser os


únicos detentores do saber, como era o papel da maioria dos chefes lá
no hospital. Além do mais, podemos compartilhar as decisões com os
usuários, já que aprendemos na prática que o paciente também tem
responsabilidade no cuidado (GFf).

Interessante notar como esta construção social do 'médico todo poderoso' abriu espaço
para que os estudantes dialogassem com profissionais de outras categorias e vice-versa, o que
indica uma possibilidade de reestruturação psíquica que tende a orientar-se para um fazer/saber
colaborativo.
A própria experiência multiprofissional e as relações transferenciais que nela se
estabelecem parecem ter auxiliado na aprendizagem do trabalho colaborativo.
Alguns de nós nos sentimos mal de pensar que no hospital o comum era
não levarmos em consideração a informação do enfermeiro, que tem 5
anos de faculdade. E é bom pensar que na Unidade (na maioria delas)
até os ACS, que não tem formação técnica específica, são valorizados
(GFi).

Toda relação é imersa e sustentada por um ambiente que, se adequado, permite a


atualização de amadurecimentos potenciais do sujeito33. Os estudantes se surpreendem, o tempo
de formação do profissional parecia validar ou invalidar seu conhecimento, agora a premissa
parece questionável, cinco anos de formação é comum a quase todas as graduações em saúde,
exceto ao curso de medicina. Identificando a valorização dos ACS em algumas unidades, logo,
os alunos se aproximam da compreensão de que o trabalho multiprofissional interdisciplinar
não se reduz apenas a saberes constituídos formalmente, envolve saberes populares e avançadas
tecnologias humanas, como a relação entre pares.
Afirmam ainda que "Às vezes achamos mais fácil lidar com profissionais de outras
categorias, que nos tratam como 'médicos' (...)podiam falar abertamente pois não havia
hierarquia... (GFi)" referindo-se à pirâmide de poder dentro dos hospitais, na qual os estudantes
de medicina são considerados 'profissionais de saúde' mais confiáveis aos enfermeiros do que
os médicos. Nota-se que é na relação multiprofissional que os estudantes se reconhecem
valorizados e que identificam lugares estruturalmente forjados para e pela categoria médica.
Assim, na relação com os diferentes e na reflexão sobre as relações de poder, surge a
possibilidade de mudança, construindo uma práxis interdisciplinar.
Entende-se que, no ambiente hospitalar, mesmo cientes da assimetria que afeta
diretamente aos estudantes, a mesma era repetida, atualizada nas relações com profissionais de
outras áreas, que comumente não levavam em consideração. Após a experiência
72

multiprofissional de cunho integrativo8 na APS alguns internos atualizaram suas relações com
o fazer-saber dos profissionais enfermeiros e de outros.
Por vezes, os estudantes se referem aos aspectos clínicos do cuidado concomitantemente
à importância da aprendizagem para além da clínica, favorecida pela vivência no estágio na
APS e pelo encontro com profissionais de outras categorias. Há evidências do reconhecimento
do próprio trabalho como parte de um processo integrado que inclui a intersubjetividade dos
diversos atores envolvidos e diversas áreas de saber.
Um desafio na APS é a construção de espaços de gestão coletivos e democráticos,
operando com a lógica da cogestão e do apoio nas relações interprofissionais34. Nas UBS onde
os internos estagiaram, apesar de haver um espaço protegido semanalmente para a reunião de
equipe, os estudantes relataram que as decisões eram centralizadas na figura do(a)
coordenador(a) da equipe, representado pelo(a) enfermeiro(a): "(…) E isso fica tudo
concentrado no papel da enfermeira pois não há corresponsabilização das decisões" (GFi).

b- A influência da formação baseada no trabalho para o exercício da atividade


colaborativa junto a equipes multiprofissionais
O local de trabalho é um importante campo de aprendizagem do estudante. Existem
diversas ferramentas e abordagens que podem ser empregadas para aprimorar a aprendizagem
baseada no trabalho, garantindo o treinamento de profissionais de saúde capazes de prestar
cuidados eficientes, eficazes e seguros aos pacientes18,19,35. Aqui entra a análise do segundo
núcleo argumentativo: a influência da formação baseada no trabalho para o exercício da
atividade colaborativa junto a equipes multiprofissionais.
Um dos fatores que impactam na aprendizagem no local de trabalho é a duração e o
tempo de um estágio. Estágios mais longos e integrados são mais benéficos que aqueles muito
curtos, os quais dificultam a imersão na cultura do serviço, da equipe e da especialidade35. A
oportunidade da imersão dos estudantes durante seis meses na mesma equipe de saúde da
família foi reconhecida por eles como um diferencial positivo para o aprendizado, refletindo na
integralidade do cuidado inerente ao poder iniciar um pré-natal e ainda ter a oportunidade de
consultar o binômio (GFf).
Uma dificuldade na aprendizagem baseada no trabalho é a falta de padronização do que
vai ser ensinado, já que o local de trabalho nem sempre oferece oportunidades equânimes. Além
disso, existe uma tensão na educação médica entre o que seria promover um ensino médico de
excelência e como dar respostas a questões instrumentais do mundo do trabalho, considerando
as necessidades da população, dos trabalhadores e dos empregadores35. Como cada grupo de
73

quatro ou cinco estudantes estagiaram em UBS diferentes, essa variedade dos cenários foi
identificada como um fator que influenciou no aprendizado deles sobre o trabalho
multiprofissional.
Os Grupos Balint Paideia contribuíram para uma troca sobre essas experiências distintas
nos ambientes de trabalho, já que seus participantes comparavam, identificavam razões,
possibilidades, falhas, características da comunidade, da gestão e até mesmo do modo de se
integrarem a cada realidade. Deve-se apostar em cada cenário sem expectativa de que sejam
iguais, considerando suas singularidades, assim como cada pessoa dá um sentido específico ao
que vê, escuta, sente e faz. Como num movimento dialético, influenciamos o nosso local de
trabalho e somos influenciados e moldados por ele35.
Os estudantes aprendem a partir de todo o contexto que os envolvem: o clima do
ambiente de trabalho pode ser estimulante ou disfuncional, produzindo efeitos diversos na
aprendizagem singular. O aprendizado também pode se dar tacitamente, por meio da
observação do outro, por imitação ou pela identificação de um 'modelo', sendo que bons
professores clínicos são mais reconhecidos por suas características pessoais ou relacionais,
envolvendo aspectos não cognitivos como atitudes, comportamentos e transmissão de
valores18,19,35.
A possibilidade de pertencimento e de se envolver de forma ativa com o paciente é uma
consequência do acolhimento das equipes aos estudantes. Encontramos menções sobre quase
nenhuma experiência de trabalhar junto com outras categorias profissionais antes do internato
de saúde coletiva e que, apesar de cuidar dos mesmos pacientes, se sentiam distantes desses
profissionais. Fica o questionamento: como envolver de forma significativa os estudantes na
equipe? Considerar que a aprendizagem se dá em 'comunidades de práticas'35 é essencial para
compreender o papel da equipe nesse processo, bem como o papel exercido pelo próprio
internato de saúde coletiva e pelos GBP.

c- o papel dos Grupos Balint Paideia em todo o processo formativo do estudante de


medicina para a atuação no SUS
Um dos objetos dos GBP é o desvelar-se do próprio inconsciente atuante por meio das
relações transferenciais, nas quais condutas e interlocutores apontam para pistas sobres valores
e desejos. Compreender a aplicabilidade dos GBP nesse processo formativo do estudante de
medicina constitui-se o terceiro núcleo argumentativo. Em roda, estimula-se que os
participantes desses grupos
74

(...) apurem sua sensibilidade para estar em contato com o outro e seu
sofrimento (...) e propiciar que desenvolvam a capacidade de se
analisarem permanentemente nessas relações"9(197).

A sensibilidade é a primeira condição para a concretização da interdisciplinaridade, que


está fundamentada na compreensão do 'humano'4. Equipes de saúde da família que trabalham
considerando a intersubjetividade no cotidiano de suas ações têm resultados mais positivos,
com exercício diário da interdisciplinaridade no trabalho multiprofissional, já que conseguem
ampliar escuta e diálogo, essenciais para um bom acolhimento; construir maior vínculo entre
trabalhadores e usuários; e também desenvolver sentimento de compromisso dos trabalhadores,
estimulando práticas mais integradas36.
Os internos reconheceram a importância da subjetividade no processo de trabalho e ao
mesmo tempo se sentiam desconfortáveis em expor seus afetos na discussão dos casos durante
os GBP, o que parece reforçar a necessidade aventada por Barros21 sobre processos formativos
pautados na (re)significação subjetiva.
A discussão dos Projetos Terapêuticos Singulares, nos Grupos Balint
Paideia, abriu espaço para lidarmos com a nossa própria
subjetividade. (...) Nos GBP pudemos expor nossos próprios
sentimentos, principalmente a frustração, e como reconhecer e/ou lidar
com isso. Alguns de nós nos sentimos incomodados ao sermos
questionados a expor nossos sentimentos nos GBP. Estamos mais
acostumados a ser práticos, fazer as coisas, a 'colocar a mão na massa',
e nos incomoda um pouco ter que refletir sobre nós mesmos ou teorizar
sobre os casos. (GFf).

Os internos identificaram que “colocar a mão na massa” significa parte da praticidade


da identidade médica, os GBPs, os fazem notar que são pessoas, sensíveis, e isso tende a
permitir a humanização do cuidado. A atenção no que sentiam e faziam gerava incômodo. O
incômodo por sua vez, potencializava a reflexão e valorização do compromisso profissional
com os atendidos.

d- A aprendizagem dos conceitos práticos básicos da APS a partir da vivência com


profissionais de outras áreas
A aprendizagem de dispositivos da APS, como PTS, clínica ampliada e apoio matricial,
ficaram evidentes com o decorrer do estágio e sua análise representa o último núcleo
argumentativo.
Os GBP estimulam que os seus participantes construam o PTS na prática, com
trabalhadores do serviço e, para tanto, precisam aprender a lidar com a equipe, considerando os
75

conhecimentos e práticas das diferentes disciplinas ou das diversas categorias profissionais9.


Para a maioria dos estudantes, foi a primeira experiência de fazer PTS no curso de medicina.
Além disso, consideraram o PTS importante para ampliação da clínica e do trabalho
interdisciplinar em equipe multiprofissional, sendo encarado como uma ferramenta que pode
ser utilizada no trabalho deles enquanto médicos, independente da especialidade ou local de
atuação dos mesmos.
A formação de sujeitos capazes de analisar e intervir na realidade permanece um desafio
na formação de profissionais de saúde9, porém os GF indicam que os entraves inerentes à
utilização de dispositivos mais potentes para que a práxis interdisciplinar ocorra, tal com o PTS,
agregam dificultadores da ordem também da organização do trabalho das equipes. E, ao relatar
que tiveram dificuldade de envolver a equipe na construção dos PTS, os estudantes questionam
sua própria capacidade, enquanto futuros profissionais, de utilizá-lo na prática clínica.
Um dos entraves de fazer PTS no Internato de Saúde Coletiva foi a falta
de articulação com a equipe multiprofissional e a falta de reunião de
equipe nas UBS. Muitas vezes nós internos ficávamos sobrecarregados
para acompanhar o paciente, tínhamos que ficar motivando ou
correndo atrás da equipe, porque senão ninguém se envolvia com o
caso. Dessa forma, não conseguimos nos ver fazendo vários PTS's na
nossa vida profissional pois ficaria muito pesado (GFf).

A vivência do trabalho multiprofissional nas unidades de saúde, com todos os seus


desafios, aliada à reflexão da prática dos estudantes nos GBP, a partir dos casos apresentados,
foram importantes para aumentar a compreensão do valor da clínica ampliada e do apoio
matricial.
Exercer a clínica ampliada implica em aprender que ela só é possível a partir de uma
integração disciplinar no trabalho em equipe5, compreendendo que todos os profissionais de
saúde 'fazem clínica', e incluindo aspectos biopsicossociais nas intervenções terapêuticas11.
Esses aspectos foram reconhecidos pelos estudantes.
Os estudantes também relataram que a forma mais comum de compartilhamento do
cuidado até o 11o período do curso foi através da referência e contrarreferência, um sistema
tradicional pautado na impessoalidade, na burocracia e na baixa capacidade de reconhecimento
do itinerário terapêutico do usuário34. Essa experiência foi diferente da vivenciada pelos
estudantes no hospital, já que na UBS puderam vivenciar, mesmo que de forma incipiente, uma
lógica pautada no apoio, com utilização de diversas ferramentas como o atendimento conjunto,
discussão de casos em equipe, visita domiciliar, PTS, atividades de formação para a própria
equipe, dentre outros.
76

Considerações finais
Ao analisar o trabalho multiprofissional na perspectiva interdisciplinar na formação de
estudantes da graduação de medicina por meio de GBP, notamos que este permanece como
aspecto desafiador e que seus avanços parecem se concentrarem na APS, em detrimento de
outros pontos da rede, na medida em que os alunos tendem a opor a formação em saúde coletiva
à do ambiente hospitalar. Ademais, o foco num campo de práticas real, concreto e dinâmico
emerge como atributo essencial para novas aprendizagens, da ordem da complexidade, já que
os aproximam das vidas envolvidas e do funcionamento institucional: são experiências
verdadeiras e não controladas, embebidas de subjetividade e fonte de muitas inquietações
motivadoras para o aprendizado.
E, se o contexto da APS parece figurar como ambiente propício para uma formação
voltada ao trabalho interdisciplinar, o emprego dos Grupos Balint Paideia, ao levarem em
consideração a intersubjetividade inseparável das condutas humanas, parece constituir um
dispositivo interessante para realizar essa formação. Isto porque, com ele, os estudantes são
estimulados a identificar: a complexidade do processo saúde-doença-sociedade; a importância
do trabalho na atenção básica; as lacunas do saber médico que podem ser minimizados no
entrelaçar cooperativo com outros saberes e práticas; a divisão social do trabalho e sua
reprodução subjetiva que centraliza alguns conhecimentos em detrimento e desvalorização de
outros e, sobretudo, a gama de possibilidades de aprendizagens significativas pautadas na
vivência nas UBSs.
Por seu turno, a formação baseada no trabalho, assim como nos GBP, requer criticidade
e criatividade dos estudantes e docentes, precisando buscar a fundo a teoria e associá-la à
realidade, inventando modos de aplicá-la, de modo compartilhado. Neste ponto, o emprego de
elaboração de PTS como parte inerente ao GBP mostrou-se um recurso importante.
Essa possibilidade crítica oferecida pelo estágio e pelos espaços de discussão e reflexão,
promovida com o auxílio dos GBP, facultou aos estudantes a identificação e reflexão sobre
potências/limitações da teoria e sobre as dificuldades da equipe, as emergências que geram o
novo e requerem construções interdisciplinares.
Assim, entraram em cena nas discussões do PTS no GBP, o envolvimento ou não por
parte de profissionais, as dificuldades inerentes à organização da rede de atenção do município,
as disputas profissionais, a assimetria médico-paciente, as angústias e as onipotências.
Nesse ensejo, a formação oportunizou a reflexão, também, sobre a interdisciplinaridade
na APS, que se por um lado constitui seu diferencial, por outro, permanece como tarefa
desafiadora e pouco privilegiada pela estrutura dos serviços. A percepção dos alunos é de que
77

a resolutividade na APS se associa, bastante, ao fato de se tratar de um trabalho em equipe, feito


por meio de acolhimento, discussão de caso, articulação de cuidados de forma colaborativa,
fortalecimento de rede familiar e institucional.
Ao associar os Grupos Balint Paideia com o contexto da APS, cria-se, ao que parece,
um terreno fértil para que os estudantes possam debruçar-se sobre as relações que se
estabelecem no ambiente de trabalho, considerando suas transversalidades e identificando
pontos de convergências e de divergências entre saberes, demandas, práticas e modos de
subjetivação. Contudo, foram identificados entraves à formação e à interdisciplinaridade na
APS, tais como as relações de poder e inconsistências na efetivação do SUS e de seu projeto de
uma atenção integral.
Por fim, o estudo nos permitiu compreender que a estratégia pedagógica, combinando
prática na APS, vivência interprofissional, e a utilização de GBP, com elaboração de PTS, tende
a propiciar que se transcenda a clínica estritamente biomédica e as relações assimétricas,
permitindo temperar necessidades, conquistas e potencialidades. No caso aqui apresentado,
tratou-se de um olhar que abalou as divisões disciplinares e de se evocar a construção de uma
práxis interdisciplinar.
Os achados da pesquisa levantam reflexões de como a experiência interfere no manejo
do estresse e da emoção do trabalho em equipe e na relação com os pacientes, bem como na
saúde e valorização do trabalhador. Além disso, surge o questionamento sobre quais
aprendizados da vivência interdisciplinar serão duradouros e realmente incorporados na prática
desses médicos após a graduação. Seria relevante investigar, além disso, quais aspectos os
impactam a longo prazo, a ponto de mudar suas práticas. Abrem-se, portanto, perspectivas
relevantes para investigações futuras acerca do tema.

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4.3 Capítulo 1 - Clínica ampliada na formação médica: o uso do Método Balint-Paideia*

*Capítulo publicado no livro “Nas entranhas da atenção primária à saúde” (2021), organizado
por Felipe Guedes, Gastão Wagner, Lilian Terra e Mônica Oliveira Viana, da editora Hucitec.

Autores: Elisa Toffoli Rodrigues1; Erica Maria Ferreira Oliveira2; Fernanda Nogueira Campos
Rizzi3; Henrique Cardoso Marcene4; Gabriela Ferreira de Camargos Rosa5; Vilson Limirio
Junior6; Gastão Wagner de Sousa Campos7.

1
Médica de família e comunidade. Doutoranda em Saúde Coletiva na Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Docente do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
2
Médica de família e comunidade. Mestre em Ciências da Saúde pela UFU. Docente do Departamento de Saúde
Coletiva da UFU.
3Psicóloga. Doutora em Saúde Mental pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP. Tutora da residência
multiprofissional em saúde mental da UFU.
4
Médico de família e comunidade.
5
Médica residente em Emergência na Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasília – DF.
6
Médico residente em Clínica Médica na Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG.
7
Professor titular da UNICAMP.

O caso de Dona Gilda


Era tarde de sexta-feira, dia de grupo Balint-Paideia com os alunos do internato de
Saúde Coletiva (estudantes do 12o período do curso de medicina). O relato do dia ficou sob
responsabilidade de uma dupla de internos que escolheram um caso acompanhado na Unidade
Básica de Saúde da Família (UBSF) onde estagiavam.
[O relato segue]
Dona Gilda procurou a UBSF por demanda espontânea devido a dores
generalizadas de forte intensidade que comprometiam suas funções diárias. Informou que sua
aposentadoria fora suspensa e que, enquanto aguarda a nova perícia, precisava se sustentar com
o dinheiro proveniente do seu trabalho informal como passadeira de roupas.
Como era uma consulta de demanda espontânea, os estudantes focaram na queixa
álgica e propuseram medidas farmacológicas e não farmacológicas para o manejo da dor
crônica. Dentre elas, encaminharam D. Gilda para avaliação da fisioterapeuta do Núcleo de
Apoio à Saúde da Família (NASF) que, em conjunto com um educador físico, realiza grupos
de exercícios físicos, sendo um deles destinado a pacientes portadores de dores crônicas,
incluindo fibromialgia.
Ao revisar o prontuário, os internos notaram que ela havia passado por consulta há
cerca de duas semanas e, dentre as múltiplas comorbidades, o médico deu ênfase a sua Diabetes
83

descompensada, visto que o resultado de Hemoglobina Glicada fora 12,6%1. Na ocasião, foi
proposto início de insulinoterapia, o que foi recusado pela paciente. Diante da negativa,
foram feitas orientações dos riscos do Diabetes descompensado e suas complicações e
agendado retorno dali a três meses.
Os estudantes pensaram que esse caso poderia se beneficiar da proposta do Projeto
Terapêutico Singular (PTS) devido a sua complexidade biopsicossocial e também ao evidente
desencontro de expectativas entre equipe e a própria paciente. Dona Gilda se preocupava
centralmente com suas dores e se recusara a seguir recomendação médica. Propuseram a D.
Gilda, ainda durante a consulta, uma pactuação de corresponsabilidade no seu cuidado por meio
da construção conjunta do PTS, expondo a preocupação em conciliar a agenda dela e a agenda
médica (dos estudantes).
Após a consulta, a dupla de estudantes dialogou com a equipe sobre a proposta de
realizar um PTS com D.Gilda, perceberam assim que a relação equipe-paciente já estava
desgastada, ela era vista como uma paciente difícil, com baixa adesão e resistente às propostas
terapêuticas.
Posteriormente, fizeram uma revisão aprofundada do prontuário e criaram uma lista
de problemas:
1 – Diabetes mal controlada, em uso de hipoglicemiantes orais, sem registro recente
de renovação de receitas;
2 – Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) supostamente resistente em uso de quatro
classes de anti-hipertensivos e com mau controle atual;
3 – Doença Arterial Coronariana com inserção de stent há 10 anos, podendo-se
supor, por meio das medicações prescritas na última receita, provável Insuficiência Cardíaca
com Fração de Ejeção Reduzida;
4 – Polifarmácia (uso de várias medicações);
5 – Consultas frequentes no pronto atendimento devido a queixas álgicas que, no
momento, impactavam sua funcionalidade laboral;
6 – Sofrimento mental associado com quadro de insônia;
7 – Tabagismo;
8 – Dificuldade financeira que trazia sofrimento e impossibilitava a aquisição de
alguns medicamentos.

1
Exame que avalia o nível médio de açúcar no sangue nos últimos meses, para acompanhamento do DM, cujo
resultado deve ser próximo a 6,5g/dL.
84

Com o objetivo de compreender melhor a experiência de doença de D. Gilda, sua


relação com o processo de saúde-adoecimento-cuidado, seu contexto social e familiar, assim
como fortalecer o vínculo iniciado na consulta anterior, os estudantes, acompanhados pela
Agente Comunitária de Saúde, fizeram uma visita domiciliar. A paciente morava sozinha em
um apartamento e recebia ajuda de um de seus filhos para pagar a prestação do mesmo.
Buscaram compreender a estrutura familiar e as relações sociais de D. Gilda por
meio da construção do genograma e ecomapa. Ao perguntarem sobre suas relações familiares,
D. Gilda disse se sentir sozinha e desamparada. Quando questionada sobre relações sociais
extra-familiares e sua rotina, contou-lhes que se restringia a frequentar o centro espírita
semanalmente, onde há cerca de 10 anos aplicava Reiki.
Partiram então para compreender a experiência de doença de D. Gilda. Ela
demonstrava entender os prejuízos do diabetes descompensado e do mau controle de suas outras
morbidades, porém se sentia entristecida pela necessidade de tomar remédios.
Nesse momento da conversa, a ACS realizou uma intervenção com postura muito
impositiva à paciente, destacando as complicações do Diabetes e a necessidade do uso da
insulina. Os estudantes temeram a fragilização do vínculo que estavam construindo com D.
Gilda, pois se reproduzia o que já acontecia em suas diversas idas ao Pronto Atendimento e à
UBSF: uma posição que prescrevia inúmeras medicações e não respondia à sua principal
demanda, a dor crônica, corroborando para sua desesperança no cuidado em saúde.
Ficou evidente que apenas atingir o alvo de hemoglobina glicada de D. Gilda não
significaria cuidar dela e de sua saúde. O grande desafio era conciliar as diversas demandas
do cuidado.
Pactuaram com D. Gilda que as medicações em uso seriam mantidas e reforçaram
a importância do uso correto, programaram reavaliar as medicações na próxima consulta e
otimizá-las, caso necessário. Incentivaram uma dieta mais adequada para uma pessoa diabética.
Com o objetivo de qualificar o cuidado da paciente, os internos reavaliaram seu
histórico médico identificando que, no último ecocardiograma, realizado há menos de um ano,
não havia sinais de insuficiência cardíaca, de modo que algumas medicações da lista enorme
de D. Gilda eram desnecessárias e assim propuseram a suspensão destas.
Dona Gilda comparece à unidade relatando episódios de hipotensão, adesão às
orientações alimentares e participação ativa nos grupos de atividade física.
A consulta de retorno foi feita pela médica da unidade que relatou aos estudantes
sua própria surpresa ao ver tanto os exames laboratoriais (com destaque da queda da
85

hemoglobina glicada de 12,6% para 6,3%) quanto a diferença de postura de D. Gilda em relação
ao seu autocuidado. A paciente parecia satisfeita com a melhoria da sua qualidade de vida.
Cerca de 15 dias depois, D. Gilda retorna com queixa de agudização de suas dores,
o que ela atribuía ao retorno às suas atividades laborais e ao concomitante abandono do grupo
de exercícios físicos por incompatibilidade de horários. Além de abordar a queixa da paciente,
os estudantes aproveitaram a consulta para conversarem sobre o exercício de sua
espiritualidade.
No final do estágio na UBSF, os estudantes realizaram uma visita domiciliar
avaliativa e notaram melhorias da saúde de D. Gilda em relação ao início, seu protagonismo no
processo de cuidado e que já possuía uma nova meta: cessar o tabagismo.

Metodologia Balint-Paideia como inovação metodológica para a discussão de


casos
O caso narrado foi construído a partir de relatório do PTS dos estudantes e
anotações do diário de campo dos apoiadores durante os grupos Balint-Paideia (GBP) com
estudantes do 12o período do curso de Medicina.
Os grupos Balint-Paideia fizeram parte de uma pesquisa-intervenção desenvolvida
com os estudantes do internato de saúde coletiva do curso de medicina da Universidade Federal
de Uberlândia (UFU), cujo objetivo era avaliar o método Balint-Paideia como estratégia de
formação para estudantes que atuam na Atenção Primária do Sistema Único de Saúde. A
proposta desse estágio do internato é de imersão e vivência de duplas de estudantes em Equipes
de Saúde de Família durante seis meses, tanto nas atividades de cuidados em saúde individual
e coletiva, quanto nas atividades com a equipe multiprofissional, incluindo a realização de um
Projeto Terapêutico Singular.
Os encontros do GBP foram quinzenais, durante 6 meses. Cada encontro do grupo
teve duração de 4 horas, sendo 2 horas para discussão dos casos e 2 horas para a oferta teórica.
Os apoiadores foram os docentes do Departamento de Saúde Coletiva do curso de Medicina da
UFU, cuja formação para a metodologia Balint-Paideia foi realizada por supervisões quinzenais
com o Prof. Gastão Wagner de Souza Campos (UNICAMP), com discussão e reflexão sobre os
casos apresentados.
Trata-se de uma metodologia já bem consagrada na Educação Permanente em
Saúde de profissionais de diferentes níveis de atenção (CASTRO, 2011; CASTRO; CAMPOS,
2014; CUNHA, 2009; CUNHA; DANTAS, 2010; FIGUEIREDO, 2012; CAMPOS, 2013), mas
86

ainda pouco utilizada e estudada na formação de estudantes de graduação. Previamente à


implementação dos grupos Balint-Paideia no Internato de Saúde Coletiva, os casos eram
discutidos de forma individual nas unidades de saúde ou com uma apresentação pelos
estudantes, em forma de seminário, dos resultados do Projeto Terapêutico Singular
desenvolvido na unidade onde estagiavam. Nessa época, a discussão era superficial e, dado o
formato tradicional da apresentação dos casos, não havia espaço para os envolvidos lidarem
com os afetos provocados pelo caso, nem para fazer reflexões que permitissem aumentar a
capacidade de ação dos sujeitos envolvidos. Dessa forma, como aposta de inovação
metodológica no processo formativo, foi proposto o Grupo Balint-Paideia.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFU, como
o número CAAE 00849118.0.3001.5152. Os participantes dos Grupos Balint-Paideia assinaram
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido permitindo o uso do material produzido durante
a pesquisa, resguardado o sigilo.

Comentários sobre o caso: a necessidade de ampliação da clínica na APS


O caso de Dona Gilda2 (nome fictício) foi escolhido para esse relato de experiência
por exemplificar uma situação problema comum da APS, em que é possível abordar diversos
temas discutidos nos Grupos Balint-Paideia, como adesão ao tratamento e conflito de
expectativas entre profissionais e usuários, polifarmácia e desmedicalização, vínculo, trabalho
em equipe multiprofissional, ferramentas da atenção primária à saúde, coordenação do cuidado,
projeto terapêutico singular, saúde mental na APS e incompatibilidade de perspectivas.
Percebe-se que a coordenação do cuidado, essencial na condução de casos com
multimorbidade, como o da paciente, ainda é muito pouco eficiente. Havia uma tendência de
se “sobre diagnosticar” e “sobre medicalizar”. Isso é algo paradoxal no contexto do SUS, que
tem escassez de recursos mas no qual, ao mesmo tempo, reproduz-se a lógica de
polidiagnósticos e polifarmácia.
No caso, D. Gilda era atendida pela equipe de estratégia de saúde da família e do
NASF, pelos internos, por especialista (cardiologista) e por profissionais da unidade de
atendimento integrado (UAI) devido às idas constantes ao Pronto Atendimento. Balint (1998)
observa que quando há muitos especialistas envolvidos no caso, ninguém se responsabiliza
verdadeiramente pelas decisões tomadas. Era o que ele chamava de conluio do anonimato. Esse
aspecto foi frequentemente problematizado nos grupos Balint-Paideia, principalmente pelo fato

2
Gilda: aquela que tem valor; capaz.
(Fonte: https://biblia.com.br/dicionario-biblico/g/gilda/. Acesso em: 30/09/2020)
87

dos estudantes reproduzirem a convicção das equipes de saúde da família de que o especialista,
devido aos seus conhecimentos clínicos da área específica, tem uma autoridade máxima sobre
caso, pontuando a decisão final como inquestionável.
Qual era a expectativa da equipe de saúde da família ao encaminhar D. Gilda ao
especialista, já que ela não aderia ao tratamento proposto? Seria para dividir responsabilidades
e cumprir um protocolo clínico (rígido, inflexível e que não singulariza as pessoas)? Percebe-
se que a relação do médico generalista com o especialista muitas vezes é uma relação aluno-
professor, de cujas decisões e condutas fica refém.
A reflexão sobre o papel do especialista nesse caso permitiu que os estudantes
descartassem o diagnóstico de insuficiência cardíaca feito pelo cardiologista e, junto com a
equipe, pudessem reduzir consideravelmente as medicações em uso. Porém, essas foram
reintroduzidas em uma consulta com cardiologista, o que evidencia a fragilidade da
coordenação do cuidado. Isso demonstra a falta de comunicação entre os diversos pontos da
rede e, mais do que isso, a falta de uma política institucional que valorize a lógica do apoio
matricial e não a de simples “encaminhamentos”. Vale notar também a fragilidade do
prontuário eletrônico na garantia da coordenação do cuidado. Ainda que ajude bastante, não é
suficiente, mesmo porque o paciente pode acessar algum ponto de atenção à saúde (ou médico
especialista) de sistema distinto, como o suplementar (seja por seguro, convênio ou particular)
ou mesmo a rede SUS que ainda não está informatizada.
Como alternativa a essa lógica, o apoio matricial visa a dar retaguarda especializada
às equipes de referência, aumentando sua capacidade resolutiva. Trabalha com dois pilares:
assistencial e técnico-pedagógico. É uma forma de gestão do trabalho que possibilita maior
integração entre as especialidades, colaborando para a ampliação da clínica e para a superação
da lógica de encaminhamento que fragmenta o cuidado, dificulta a cogestão e diminui a
responsabilização dos profissionais sobre o cuidado (CAMPOS; DOMITTI, 2007; CAMPOS
et al. 2014; OLIVEIRA; CAMPOS, 2015). O contato com a referência pode ocorrer tanto em
espaços destinados para esse fim, como as reuniões de equipe quanto, quando não é possível
aguardar os encontros periódicos, por “meios diretos de comunicação personalizados, como
contato pessoal, eletrônico ou telefone" (CAMPOS; DOMITTI, 2007 p. 401).
Para que o apoio matricial ocorra, é necessário ampliar os espaços onde o método
Paideia possa ser aplicado, estimulando a reflexão, o fazer junto. Realizar por exemplo, rodas
de discussão, permitindo incluir-se no processo e sofrer o efeito Paideia, compreendendo a
diferença e criando a cultura de exercer críticas e desejar mudanças. O apoiador deve trabalhar
tanto com demandas da equipe de referência como com ofertas decorrentes de suas análises
88

micro e macro pautadas na experiência e conhecimentos, assim pactua com a equipe uma
relação de engajamento que visa contribuir de forma geral e ainda ampliar a autonomia da
equipe de referência, para que tenha mais ferramentas para lidar com suas dúvidas e problemas,
diminuindo a dependência do apoiador (CAMPOS et al, 2014). A dificuldade da equipe de
saúde da família em realizar o compartilhamento do Projeto Terapêutico Singular nas reuniões
de equipe ou outros espaços de roda demonstra, ainda, a dificuldade de implantação do apoio
matricial e da efetivação da clínica ampliada.
Vale ressaltar que a equipe de saúde da família do caso citado tinha um horário
semanal específico para fazer reunião. Estimulados pelas discussões realizadas nos GBP, os
estudantes levaram o caso para ser discutido em reunião, mas se depararam com certa
resistência da equipe, principalmente pelo hábito da equipe de utilizar esses espaços para
resolver predominantemente demandas administrativas da unidade.
A frustração dos estudantes com a dificuldade de diálogo com a equipe
multiprofissional apareceu diversas vezes nos GBP, já que sentiam falta de espaço de rodas e
de discussão de casos junto com as equipes. A experiência de discutir um caso "mais
livremente" nos GBP, chamava a atenção dos estudantes. Neste espaço, não era necessário focar
somente nas doenças (como estavam acostumados nas discussões clínicas nos outros estágios
do internato) mas conseguiam ampliar o olhar para os aspectos sociais, psíquicos e
institucionais (compreendendo que a forma de organização do trabalho influencia nas relações,
incluindo a relação com equipe e usuários). Mais do que isso, alguns internos sentiam-se
confiantes em falar, nos GBP, sobre aspectos que os incomodavam, alguns sentimentos e
emoções que os casos atendidos lhes causavam. No entanto, essa não era a percepção de todos
os alunos. Alguns não se sentiam à vontade para compartilhar seus sentimentos, outros se
incomodavam com a discussão de aspectos mais subjetivos, alegando desfocar do objetivo deles
de se preparar para a prova de residência médica que se aproximava.
Mais do que apenas gerar uma frustração nos estudantes, as consequências da
escassez de trabalho interdisciplinar são percebidas também quando nota-se a hierarquização
da lista de problemas relatadas pela dupla. Os itens iniciais apontam para diagnósticos
biomédicos (Diabetes, HAS, doença arterial coronária, polifarmácia) sendo que os itens que se
seguem possuem características mais sociais e subjetivas (dor, sofrimento mental, tabagismo e
problemas financeiros). Nas discussões do GBP a dupla menciona a preocupação em melhor
avaliar o humor depressivo e a insônia da paciente. Questionados sobre a associação desta
condição psíquica com as dores, respondem que acreditam que estão associadas: “uma leva a
outra e outra leva a um”, diz um outro estudante meio ao debate. A dupla relatou que a paciente
89

era chorosa e que tomava antidepressivo (fluoxetina) com pouco resultado. Apesar de terem
compreendido que a paciente se sentia sozinha e muito incomodada com os adoecimentos
físicos e dores, pareciam de mãos atadas frente a sutileza do sofrimento humano, que chegou a
ser naturalizado por outra aluna presente: “a vida não tem solução, melhor esperar pra morrer”.
A questão da subjetividade no processo saúde-adoecimento-cuidado parece sempre
um desafio na atenção primária, especialmente no que tange ao trabalho médico. É como se a
cisão científica operada entre psiquismo-corpo criasse um abismo entre especialidades e
fragmentações quase insuperáveis na complexidade humana.
Propondo montar um quebra-cabeça, os GBP permitem reflexões e
aprofundamentos, porém estas nem sempre se viabilizam no campo prático, já que a ideia, para
ser executada, requer articulações diversas que não são simples. Explicando melhor, Dona
Gilda apresentava humor deprimido e não dormia bem, preocupava-se com seu
envelhecimento, dores e com habilidades que perdeu, por exemplo, antes de se tornar passadeira
era cozinheira e, afastada por questões de saúde da primeira função, buscou uma segunda opção
para complementar a renda. A paciente já havia então sofrido consequências de seus
sofrimentos em nível laboral, social (agora realizava o trabalho solitariamente em seu
domicílio), físico e financeiro. O afastamento da atividade de cozinheira se deu em decorrência
das dores e o cenário geral posterior às mesmas é de tristeza, solidão e incapacidade. Dona
Gilda não se relacionava nem com os vizinhos e pouco com os filhos. O espaço religioso em
que cuidava de pessoas aplicando Reiki era ainda o ambiente de maior pertencimento.
O enfrentamento da angústia dos estudantes em relação a este desenho complexo
de existência se dá coordenando expectativas, buscam sucesso naquilo que acreditam saber
mais (adoecimentos orgânicos) e deixam em segundo plano os fatores talvez mais associados à
queixa principal da paciente (os problemas de cunho psicossocial).
Interessante notar que os aspectos psicossociais eram os primeiros que apareciam
nas discussões dos casos. A percepção dos autores é que a presença dos apoiadores do grupo
Balint-Paideia, que também eram docentes, estimulava a demonstração dos estudantes sobre
seus conhecimentos teóricos e a valorização que davam para as questões mais subjetivas do
caso. Alguns temas que pareciam consenso na discussão no grupo, se tornavam contraditórios
quando citados nos exemplos de práticas dos alunos. Em vários momentos, os docentes tinham
a sensação de que os alunos falavam "o que os professores gostariam de ouvir", apesar de tentar
se construir um ambiente de roda e, inclusive, de se problematizar essa questão.
Portanto, estimulados em se aprofundar nos problemas psicossociais, os estudantes
procuraram se articular junto à Assistente Social e, devido a sua ausência, buscaram o
90

profissional de psicologia da UBSF, cujo encontro não resultou em maiores discussões nem
aprofundamentos.
Como já relatado, a parceria possível se deu com um grupo pré-existente do NASF
voltado à fibromialgia, ou seja, num movimento de encaminhamento ao invés de apoio e
discussão para o PTS de D. Gilda. Os esforços da dupla pareciam se esbarrar em questões
institucionais, nos funcionamentos prévios da própria equipe, os quais apontavam para
caminhos repetitivos de ação. Mesmo assim, apostam na autonomia da paciente e na
honestidade profissional permitindo que se estabelecessem vínculos positivos.
As propostas de ampliação da clínica dos GBP vão ao encontro do que Greenhalgh
(2007) descreve, já que essa autora considera que os diferentes problemas na APS requerem
diferentes perspectivas. Nenhuma teoria por si só explica um determinado problema e há uma
tensão importante entre as definições de APS contidas na literatura e como ela acontece no dia-
a-dia. A Atenção Primária é tão complexa que necessita do apoio de diversas disciplinas para a
sua prática: ciências biomédicas, epidemiologia, psicologia, sociologia, antropologia, filosofia
e ética, artes e literatura, pedagogia. As duas primeiras são priorizadas pelos profissionais, por
abordarem a anatomia, fisiologia, patologia, farmacologia, o estudo das doenças nas populações
e a medicina baseada em evidências, que dá suporte a decisões clínicas individuais. No entanto,
apenas essas duas disciplinas dão uma visão incompleta e restrita do que é a APS. É necessário
ampliar o olhar para o estudo da subjetividade e das relações, da sociedade humana, dos modos
de vida das pessoas, dos grupos e da sociedade; da história, poesia e drama; da filosofia e da
ética; bem como o estudo das teorias de aprendizagem.
Desta forma, um aspecto que surgiu nos GBP, estimulado pelos apoiadores, foi a
abordagem da espiritualidade, ponto importante de apoio na vida de D. Gilda (identificado no
ecomapa, mas não aplicado na condução do caso).
A espiritualidade pode ser uma estratégia de resgate da relação médico paciente, já
que perguntar sobre espiritualidade e religiosidade tende a gerar mais confiança e empatia. Para
o médico, é importante avaliar a espiritualidade para “detectar sentimentos negativos que
possam contribuir com o adoecimento ou agravamento do mesmo tais como mágoa,
ressentimento, falta de perdão, ingratidão, entre outros” (PRÉCOMA et al, 2019;
PUCHALSKI; ROMER, 2000). Além disso, a abordagem da espiritualidade demonstra um
reconhecimento de que existem outros espaços terapêuticos fora do espaço formal da saúde.
Na apresentação do caso foi sugerido, pelos apoiadores, que a dupla apresentasse
para D. Gilda o Centro de Referências de Práticas Integrativas e Comunitárias em Saúde
(CRPICS) da cidade. A paciente poderia se beneficiar de ser cuidada dentro da mesma
91

perspectiva em que cuida do outro. O CRPICs possui grupos com várias práticas que seriam
possibilidades terapêuticas talvez mais sedutoras para D. Gilda, ampliando suas relações sociais
e tornando-a uma paciente vinculada a práticas na qual ela também é agente. Subjetivamente,
este movimento de cuidar-se em um espaço com familiaridades com suas práticas poderia ser
potente ao fomentar seu próprio saber e abrir espaço para que ela deixasse ser cuidada.
Outro ponto que deve ser discutido é em relação à forma de comunicação e o
processo de aprendizagem inerente à prática em saúde. Nesta relação dos internos com D. Gilda,
torna-se necessário levar em conta a cultura e saber da paciente, o que foi considerado na
construção do PTS porém ainda insuficiente para promover um diálogo horizontalizado. A
sensação dos estudantes de que priorizavam algo que não era a primeira preocupação de D.
Gilda está relacionada ao erro de interpretação nos diálogos em saúde, decorrente de anos de
história de valorização do discurso científico biomédico sobrepondo-se ao discurso do paciente,
considerado inferior, ou irracional.
Para Valla (1996), os problemas de interpretação entre comunidade e profissionais
estão ligados à falta de compartilhamento de critérios de interpretação da realidade. A limitação
de compreensão de contextos, que transcendem consultórios e muros de unidades de saúde,
impede até o mais dedicado e longevo profissional em conceber empaticamente o mundo em
que seu paciente está imerso, seus problemas, suas prioridades que não são trazidas para o
evento da consulta. “O que frequentemente para o profissional é conformismo, falta de
iniciativa e/ou apatia é para a população uma avaliação (conjuntural e material) rigorosa dos
limites da sua melhoria” (VALLA, 1996, p 181).
Dona Gilda fala de dor, de tristeza, solidão e desamparo familiar, da necessidade de
trabalhar e das dificuldades financeiras e legais. Apesar de escutarem atentamente esses
sofrimentos, os estudantes tornam emergentes o Diabetes e a insulina, medicação para as
próprias expectativas médicas e para as limitações em relação ao que fazer com essas outras
dores, “temos ferramentas?”. É exatamente diante desta pergunta que o saber do paciente e das
especialidades não médicas possibilitam, por meio do matriciamento e da educação popular em
saúde, um processo de ensino-aprendizagem para todos os envolvidos no PTS - equipe,
paciente, família e instituição.
O caso apresentado nos traz claramente as potencialidades de algumas das
ferramentas utilizadas na prática da Medicina de Família e Comunidade, como a consulta
centrada na pessoa, abordagem familiar e comunitária e o trabalho em equipe.
A primeira estratégia pensada pelos alunos para ampliar os seus olhares sobre o
caso pelo qual despertaram interesse foi a visita domiciliar (VD), um dos mecanismos de
92

abordagem comunitária. A VD se constitui como uma potente ferramenta não apenas na


descoberta, como também na abordagem de problemas, na busca ativa, na prevenção de agravos
e na promoção da saúde, priorizando o diagnóstico da realidade do indivíduo.
O domicílio traz informações valiosas quanto à forma de viver, de dividir espaços
e respeitar os limites de privacidade, permitindo reflexões e a construção de novos saberes. Por
outro lado, adentrar um espaço desconhecido também pode ser um fato gerador de angústias e
inseguranças, conforme relatado pelos estudantes nos GBP. Adentrar o domicílio é estar no
lugar do outro, âmbito da máxima autonomia do sujeito em relação ao serviço de saúde. O
reconhecimento de um ambiente domiciliar, bem como da singularidade de uma situação
familiar, subsidia intervenções possíveis, voltadas às necessidades específicas da pessoa e da
família. Por meio da visita domiciliar, podemos reconhecer fragilidades, riscos, potencialidades
e possibilidades que dificilmente apareceriam em uma consulta na UBSF (MAHMUD, 2019).
Da mesma forma, as habilidades de comunicação e o “saber ouvir” são
fundamentais nesse processo, despertando o sentimento de confiança que irá proporcionar um
diálogo mais aberto e profundo. Provavelmente, por se sentir acolhida e respeitada em seu
domicílio, D. Gilda conseguiu expor mais intimamente angústias e expectativas em relação às
suas condições de saúde e doença e impressões sobre a vida.
Estar no domicílio demanda do profissional habilidades complementares pouco
exploradas na maioria dos cursos de graduação. No domicílio ou mesmo no consultório,
entender como a família influencia a saúde propicia ao médico de família e comunidade a
oportunidade de antecipar e reduzir efeitos adversos do estresse familiar e usar a família como
recurso para cuidar das pessoas.
Como observado no caso descrito, os problemas clínicos e emocionais podem ser
tratados com um cuidado individual centrado na pessoa, ao abordar a experiência da doença
para a paciente. Porém, a abordagem familiar pode trazer um benefício muito superior,
principalmente para doenças crônicas em situações de não adesão ao tratamento ou situações
que envolvam problemas mentais e interpessoais, pois o envolvimento de outros membros da
família facilita a compreensão do sistema familiar e a adesão ao tratamento.
Assim, uma das formas de entendermos o funcionamento da família é o genograma,
que se constitui como uma excelente ferramenta de compreensão da história das pessoas e suas
famílias. Ele é reconhecido como um instrumento para mapear, ampliar o conhecimento sobre
a família e realizar intervenções pelos profissionais nos cuidados de saúde (DIAS, 2019).
93

Além do genograma, a abordagem familiar pode ser complementada pela realização


do ecomapa, que auxilia a compreender as relações da família com a comunidade (PEREIRA
et al, 2009).
Através do ecomapa, percebe-se claramente o desamparo que D. Gilda sente em
relação aos filhos. Os alunos identificaram o Centro Espírita como possível rede de apoio,
apesar de que não havia a percepção por parte dela de uma rede de apoio suficiente para lhe
amparar; pelo contrário, ela se via como apoio de várias pessoas e, por isso, a ideia do
adoecimento lhe apavorava.
Após terem um pouco mais de clareza dos sentimentos de D. Gilda, os alunos
conseguiram se aprofundar em seus sentimentos ao indagarem sobre a experiência de doença,
pois os profissionais de saúde a enxergavam até então como uma pessoa que apresentava
doenças orgânicas, descompensadas, potencialmente graves e com riscos de complicações,
porém nunca tinham perguntado à Gilda como ela via e sentia a sua doença, pois não era para
ela desconhecido o risco de surgimento destas complicações, inclusive ela já as tinha
vivenciado. Então, porque ela não se cuidava?
Bernard Lown (1997) afirma, sabiamente, que “o processo de cura exige mais do
que ciência”, é o encontro entre dois experts. Quando essas duas pessoas se encontram, têm-se
dois especialistas: o médico ou o profissional que irá atender, especialista em diagnósticos,
exames e medicamentos; e a pessoa, especialista em si própria. Entender o que acontece em
uma consulta é a chave para desenvolver uma melhor comunicação.
Dessa forma, a consulta deve estar direcionada para concentrar esforços sobre as
ideias, preocupações e expectativas das pessoas. É olhar além da doença e tentar alcançar as
percepções dela, criando uma interação sinérgica entre o profissional de saúde e a pessoa.
Por meio dessa abordagem e das reflexões realizadas nos GBP, os internos
conseguiram entender que comprimidos e injeções representavam, para D. Gilda, doença e
incapacidade, com consequente má adesão ao tratamento. E, assim, juntamente com ela,
conseguiram elaborar um plano de cuidados, que englobava o uso racional de medicamentos e
mudanças de estilo de vida, a partir da compreensão que tiveram do seu adoecimento e das
metas a serem alcançadas. Um plano de cuidados, para ser bem sucedido, deveria ser
compartilhado e elaborado em comum acordo, sendo papel do profissional de saúde incentivar
a participação de forma que a pessoa se sinta valorizada e inicie o processo de responsabilização
sobre o manejo da doença (STEWART, 2017).
Quando a comunicação com um paciente é respeitosa, a aliança terapêutica é bem
sucedida. A compaixão, a capacidade de acompanhar alguém em seu sofrimento, a empatia e o
94

respeito que implica o reconhecimento global do outro são verdadeiros instrumentos que trazem
consequências positivas às pessoas e seus recursos internos.
Neste sentido, o profissional de saúde consegue preparar emocionalmente as
pessoas e a relação se torna terapêutica. A discussão nos grupos Balint-Paideia permitiu a
reflexão sobre a importância da "substância médico" na relação médico-paciente (BALINT,
1998), ampliando-a para os outros profissionais de saúde. Ao preparar emocionalmente o
ambiente e as pessoas, a relação pode ser terapêutica. O conhecimento do profissional de saúde
é essencial, mas não basta por si só para a tarefa de cuidar de uma pessoa. A atmosfera criada
nos encontros dos internos com a paciente permitiu nitidamente resultados agradáveis. Ao final
do processo a dupla aponta a repercussão do engajamento profissional da seguinte maneira: “se
fosse eu, ia querer dar retorno”, indicando a posição da paciente em relação a um trabalho
interessado dos profissionais.

Considerações finais
Voltando ao caso de Dona Gilda, os estudantes finalizaram a avaliação do grupo
Balint-Paideia com duas falas que ficaram bem marcadas para os apoiadores. Na primeira,
relataram que foi a primeira oportunidade que tiveram de reconhecer que “o vínculo é
terapêutico”. Isso reforça os princípios da APS, como a integralidade, a longitudinalidade e a
coordenação do cuidado. Ao conseguirem ver a pessoa como um todo e integrada numa rede
de atenção à saúde, em que podiam acompanhar os resultados de suas ações por seis meses e se
responsabilizar pelo seu cuidado, organizando suas demandas e conectando-as com os demais
serviços da rede, os estudantes puderam experimentar laços e afetos diferentes do que já haviam
vivenciado anteriormente.
Além disso, os estudantes reconhecem a importância da autonomia do sujeito no
processo ao afirmarem: “A gente não fez quase nada. Ela (D. Gilda) que fez praticamente tudo,
pois estava disposta”. Sentiram-se gratificados por participarem do processo e realizarem um
PTS. Ao ampliar-se a capacidade de autonomia e liberdade do sujeito, levando em consideração
valores, interesses e desejos da paciente e deles próprios, conseguiram construir contratos com
a D. Gilda.
O que antes parecia baixa adesão, apresentado como desinteresse, transformou-se
em reconhecimento da posição de sujeito da paciente, que realiza escolhas e que é capaz de
pensar sobre seu corpo, necessidades e possibilidades. Puderam constatar, portanto, que o
paciente é o maior responsável pelo próprio cuidado, cabendo ao médico e demais profissionais
de saúde auxiliá-lo nesse processo.
95

Raramente na prática clínica é possível consenso, sendo necessários acordos que


atendam parte dos interesses em jogo (CAMPOS; CUNHA; FIGUEIREDO, 2013). Colocar em
prática fundamentos da práxis Paideia permitiu a ampliação da clínica, aumentando a satisfação
no cuidado tanto dos estudantes como da pessoa envolvida no caso.
Dessa forma, pode-se afirmar que o Grupo Balint-Paideia se mostrou uma potente
ferramenta para se trabalhar clínica ampliada com os estudantes de medicina, apesar de algumas
dificuldades vivenciadas como: (1) o fato do apoiador do grupo ser professor(a) dos estudantes
e remontar a assimetria desta relação (mesmo com a tentativa de horizontalização das relações);
(2) a falta de envolvimento de alguns estudantes por dificuldade de realizar uma escuta empática
ou por não se sentirem responsáveis em colaborar com os demais casos; (3) o horário destinado
aos grupos, que ocorriam na sexta-feira à tarde, período em que estudantes se diziam cansados
pelo acúmulo de atividades desenvolvidas durante a semana; e, (4) a incompreensão da função
e valor da metodologia dos GBP por alguns estudantes, pelo fato de ser apresentada aos alunos
apenas no último período do curso, momento em que estão com suas atenções voltadas aos
exames de ingresso nas residências.
Por último, falar de mudança de paradigma seria muito pretensioso para ser relatado
como um dos resultados dos grupos Balint-Paideia, mas com certeza foi possível criar ao menos
uma tensão paradigmática, tirando os estudantes do conforto de suas percepções iniciais e
trazendo reflexões que, quem sabe, possam resultar em mudanças de prática dos futuros
profissionais de saúde.

Referências

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98

4.4 Capítulo 2 - Formação de estudantes para uma clínica ampliada e


compartilhada: contribuições dos Grupos Balint-Paideia*

*Capítulo publicado no livro “Nas entranhas da atenção primária à saúde” (2021), organizado por Felipe Guedes,
Gastão Wagner, Lilian Terra e Mônica Oliveira Viana, da editora Hucitec.

Autores: Elisa Toffoli Rodrigues1; Fernanda Nogueira Campos Rizzi2; Henrique Cardoso
Marcene3; Gastão Wagner de Sousa Campos4.
1
Médica de família e comunidade. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da UNICAMP.
Docente do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia
(UFU).
2
Psicóloga. Doutora em Saúde Mental pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP. Tutora da residência
multiprofissional em saúde mental da UFU.
3
Médico de família e comunidade.
4
Professor titular da UNICAMP.

Este capítulo discute a formação de estudantes para uma clínica ampliada a partir
de duas histórias que chegaram até os autores por meio dos Grupos Balint-Paideia (GBP). Estes
foram realizados com estudantes do último período do curso de medicina que passavam pelo
estágio obrigatório curricular (internato) de saúde coletiva nas unidades básicas de saúde. Os
estudantes eram organizados em duplas para realizar atendimento conjunto e deveriam escolher
um usuário do serviço para compor um Projeto Terapêutico Singular, levando em consideração
os critérios de elegibilidade, ou seja, a complexidade do caso e a necessidade de uma atenção
interdisciplinar, intersetorial e longitudinal.
Duas destas duplas trouxeram histórias que motivaram a escrita deste capítulo.
Optou-se por transcrever as narrativas destas duas histórias entremeadas pelas discussões que
emergiram nos GBP e outras que vieram posteriormente com leituras e com a constante reflexão
dos autores como educadores, pesquisadores e profissionais de saúde.

Duas histórias:
As narrativas das histórias foram realizadas mudando o nome dos envolvidos e
deixando clara certa ficcionalidade da narrativa, pois tratam-se de narrativas
contratransferenciais. Por quê? Ouvimos, os autores desse texto, os narradores e refizemos a
narrativa, atentos à realidade e aos fatos, mas os reproduzindo com nossas palavras,
entremeando nossas percepções, dando nossas ênfases e cientes de que deixamos passar o que
possa, porventura, ter sido ocultado ou ignorado pela dupla de alunos que acompanhou o caso.
O nosso lugar de educadores em um Grupo Balint-Paideia (GBP) permanece como um lugar de
99

poder e avaliação, por mais que a relação entre os participantes do grupo se proponha
horizontalizada.
Desta forma acreditamos que a narrativa transcrita é uma reedição dos fatos, uma
reinterpretação. Primeiro houve o encontro e a interpretação dos mesmos pelas duplas de
estudantes, posteriormente no GBP, durante a apresentação do caso houve elaboração
secundária dos dados e o que aqui descrevemos é a nossa interpretação dessa apresentação
editada pelos nossos olhares.
Uma característica importante das narrativas apresentadas neste capítulo é que elas
sofrem efeitos dos debates entre os alunos e das discussões realizadas entre os docentes durante
a supervisão dos casos do GBP, que eram momentos, acima de tudo, formativos para estes
atores. Além disso, sabemos que, em alguma medida, as vozes dos estudantes ecoavam em
parte as vozes das instituições que permearam o ambiente, seja das Unidades Básicas de Saúde
onde os estudantes estagiaram por seis meses consecutivos, seja da Universidade e, mais
especificamente, do curso de medicina no qual os alunos estiverem imersos por quase seis anos.
Compartilhamos a seguir duas narrativas, sob a ótica dos docentes, que chegam ao
leitor também sujeita a novas leituras de realidade. Foram somadas às narrativas as perguntas,
colaborações e reflexões da dupla de estudantes responsável pelo caso, bem como dos demais
estudantes e dos docentes que participaram do GBP.
O material utilizado para esse capítulo faz parte de uma pesquisa-ação que teve
como objetivo analisar os efeitos dos GBP na formação de estudantes de medicina para a
Atenção Primária à Saúde. Os preceitos éticos da pesquisa com seres humanos foram
obedecidos. Todos os participantes dos GBP assinaram o termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Uberlândia sob o
número CAAE 00849118.0.3001.5152.

Thomé: ver para crer


“Thomé é um paciente difícil.”. Essa foi a primeira coisa que as estudantes do
último semestre do curso de medicina ouviram da Equipe de Saúde da unidade. Logo a dupla
se dispôs ao desafio de realizar um Projeto Terapêutico Singular (PTS) com Thomé, crendo
que era um caso “complicado”: o paciente tinha 65 anos, era diabético há muitos anos e a
equipe o tachava como teimoso. No relato das estudantes para o Grupo Balint-Paideia, Thomé
foi apresentado como insulinodependente “rebelde”, que se cuidava mal e faltava nas
consultas. Quando aparecia e eventualmente fazia exames, os resultados não eram bons
clinicamente. Aplicava a insulina NPH e regular em doses e horários que ele mesmo escolhia
e em local não recomendado (na região da virilha). Uma das alunas referiu que achou
engraçado o fato dele dizer que entendia muito sobre diabetes já que ele não fazia "o que que
100

os médicos mandavam fazer". Finalizando a apresentação inicial, as estudantes resumiram: "o


caso é esse: há falta de controle do diabetes e o paciente usa a insulina do jeito que quer".
A escolha desse caso para apresentação no GBP se deu pelo fato do paciente ser
"difícil". A forma como Thomé foi apresentado às estudantes pela equipe, deixava claro que
não seria fácil fazer qualquer coisa devido a pouca colaboração do paciente. A impotência da
equipe, como grupo de pessoas e como uma unidade, foi condensada e transferida para o tal
paciente difícil. Este, por sua vez, possuía características específicas que contribuíam para que
o deslocamento ocorresse. Isso é um exemplo do fenômeno chamado de contratransferência,
assim denominado na psicanálise clínica e que se expandiu por influência de Balint para a
Psicologia Médica (NOGUEIRA-MARTINS; NOGUEIRA-MARTINS, 1998).
Os conceitos de transferência e contra-transferência têm sido utilizados e
compreendidos à luz das relações humanas assimétricas em que uns depositam em outros
conteúdos inconscientes, repletos de experiências, de expectativas, de gratificação e de
frustração. Comumente um paciente que parece rebelde, teimoso e desleixado, apresenta-se
assim não apenas em relações com profissionais e instituições, mas em relações que repetem
alguma característica de controle e/ou cuidado. O paciente transfere para a equipe que reage e
também contratransfere, transportando suas experiências anteriores para a atual.
Neste sentido a transferência tem um papel central na análise das relações e na
compreensão de falhas na comunicação e problemas de adesão. Compreende-se que a equipe
deve se atentar às transferências do paciente e às suas reações contratranferenciais, aprendendo
a manejar melhor suas questões nas relações com a população. Assim, pode evitar a
repetição 'automática' de relações infantilizantes que não geram vínculos saudáveis, e sim
dependências e antipatias.
Para que haja alguma forma de autonomia, considerada indispensável para que a
promoção de saúde se efetive, é necessário que haja reconhecimento de emoções e sentimentos
da equipe dirigidos a certos pacientes que dificultam o diálogo e o tratamento. É importante
ainda considerar que toda relação é intersubjetiva, ou seja, carregada de fatores emocionais
conscientes ou não e que, para realizar uma atenção integral ao paciente, deve-se levar em conta
essa dinâmica subjetiva.
Após o relato inicial, os demais estudantes e docentes apoiadores iniciaram seus
questionamentos com intuito de ampliar a compreensão do caso, o primeiro passo da realização
do Grupo Balint-Paideia.
As internas contaram que na consulta, Thomé relatava apenas parestesias nas
pernas. As estudantes identificaram que sua alimentação era boa mas ficava longos períodos
sem comer e assim propuseram um acordo com o paciente para que diminuísse os intervalos
101

entre as refeições. Ao relatar sobre os hábitos de Thomé, as alunas afirmaram que ele ingeria
um litro de cerveja no almoço diariamente.
Ao problematizar sobre a não adesão do paciente às propostas da equipe, as alunas
relataram que Thomé considerava difícil realizar exames matinais porque despertava muito
cedo (às 4 horas da madrugada) e não conseguia manter o jejum. As alunas inclusive se
exaltaram ao contar que ele não frequentava a UBS, convidando outros alunos a confirmar
uma história recente: Thomé machucara a cabeça na viga da escada da casa dele, foi para o
Pronto Socorro e depois foi encaminhado para a UBS para fazer os curativos diários, o que
ele não fez. Os colegas que conheciam o caso e que atenderam Thomé na ocasião disseram que
o ferimento estava infeccionado nitidamente devido a higienização precária. “É muito difícil
dialogar. Seu Thomé nos diz que ele conhece bem o corpo dele”.
Posteriormente, o genograma e ecomapa realizado com Thomé e seus familiares
foi apresentado: ele trabalha na construção, é casado com Lúcia, tem três filhos com quem tem
boa relação e vínculos com amigos e parentes que ele sempre visita. Durante as visitas
domiciliares, ao conhecer um pouco o mundo de Thomé, as alunas pensaram em dialogar com
ele por meio da metáfora da construção “só você vai saber colocar o piso”, porque esse era
universo de trabalho do senhor Thomé. Assim, tentaram aproximar a linguagem delas à
realidade dele.
As estudantes relataram que ficavam com vontade de rir porque Thomé se
vangloriava de conhecer todos os métodos e técnicas e ao contar como usava insulina,
demonstrava certa ignorância. Relataram que ao mesmo tempo ele era muito autônomo, fazia
tudo sozinho e apesar dos familiares se queixarem de que ele era teimoso, contavam com a
ajuda para equipe da unidade para que o tratamento se efetivasse. As estudantes contavam que
as filhas são presentes no cuidado do pai, atenciosas e que o delataram avisando que o pai
anota os valores da glicemia capilar errado de propósito, para “saírem do pé dele”. Por isso,
a dupla decidiu combinar com a esposa que ela iria entregar fitas do glicosímetro, mesmo
sabendo que ele não gostava de receber ajuda. Era uma aposta das internas para controlar um
pouco a sabotagem do paciente, causando polêmica entre os estudantes, já que uns
acreditavam que deveria ser reforçado a autonomia dele e outras achavam que essa ação não
interferiria na autonomia do cuidado e sim, ampliaria a rede de cuidados do paciente.

A preocupação das estudantes claramente ligava-se ao controle da glicemia. O que


se trata de fato de um objetivo médico, o qual esbarrava, neste caso, na subjetividade de seu
paciente. A reação de deboche de uma das alunas, enquanto relatava o caso, fez emergir uma
certa arrogância da dupla de estudantes, aos olhos dos apoiadores do GBP, destacando a
assimetria e verticalidade na relação médico-paciente. O GBP permitiu, por outro lado, que
fosse destacada a autonomia do sujeito em detrimento da natureza do saber. Logo, a discussão
em grupo de forma reflexiva permitiu a aparição do desconforto nos participantes do GBP:
como construir uma rede sem perder a autonomia?
Valla (1996) e Gomes e Merhy (2011) entendem que as ideias preconcebidas dos
profissionais de saúde tendem a reduzir a verdade sem a devida escuta das falas da população.
Desta forma, o discurso popular e o modo com que operam seus saberes são mal compreendidos
ou interpretados a partir do referencial do próprio profissional.
102

O posicionamento das estudantes frente a suposta “ignorância” alterou-se diante do


desafio de se fazerem entendidas. Motivadas pela valorização de sua formação, a dupla se
arriscou na empreitada de uma reconexão dos discursos. Neste sentido, quando as internas
consideraram o contexto de vida do sujeito em questão, fizeram uma transmutação do "faz como
quer" para o "faz como entende", sendo o entender o modo de operar o saber e aprendizagem,
de aceitar um outro dizer, mesmo que distante de seus conhecimentos e crenças: esse aceitar,
ao invés de passivo, torna-se ativo quando ele, o paciente, torna-se sujeito e entra na história.
Elas o convidaram a tomar sua posição de protagonista construtor, como pedreiro, sábio da
construção, como alguém com os próprios conhecimentos e saberes e que poderia agregar no
cuidado de si.
Percebe-se que a rede de relacionamentos e a família, são tomados como parte do
tratamento, como parceiros no cuidado, articulação possível devido a uma lógica ampliada de
saúde em que se considera o ambiente sistêmico do paciente. As ferramentas de abordagem
familiar e comunitária auxiliaram na compreensão do caso e na singularização deste.
Para se realizar uma clínica compartilhada é necessário refletir sobre questões de
gênero que estão presentes neste caso: Thomé como homem, apresentava comportamentos que
são apontados como comuns entre o público masculino. A estrutura social machista solicita do
homem a manutenção de um lugar de superioridade em relação às mulheres, que dá a falsa
impressão de garantir mais saúde e resistência (TEIXEIRA, 2016). O machismo estrutural
indica que as mulheres são responsáveis pelo cuidado de si e dos outros. Logo, cuidados e
preocupações com saúde e corpo, são relacionados ao público feminino, o que acaba por
impactar na gestão de cuidado e nas ações educativas dentro dos serviços comumente voltadas
para mulheres (TEIXEIRA, 2016).
O medo de detecção de doenças, medo de exames invasivos como o de toque retal,
a vergonha de expor-se a profissionais de saúde do gênero feminino e a priorização do trabalho
ao invés do autocuidado aparecem como fatores que afastam os homens das unidades de atenção
primária e acabam empurrando-os para os adoecimentos silenciosos crônicos e para os
atendimentos emergenciais (SILVA et al, 2020; TEIXEIRA, 2016). Silva et al (2020) também
identificaram que pacientes do sexo masculino buscam os serviços comumente e ou se cuidam
apenas em situações de urgência e emergência. O horário de funcionamento das unidades
básicas de saúde, que coincide com o horário comercial na maioria das vezes, é outro fator que
contribui para a falta de acesso deste público ao serviço de saúde, como no caso de Thomé que
acordava cedo e logo saía para trabalhar, retornando para casa apenas no fim do dia.
103

Após compromissos firmados com Thomé, como o de que ele iria medir a glicemia
capilar antes de aplicar insulina, percebeu-se, em um retorno, que ele não havia cumprido com
o combinado. Em um ato de apelo das estudantes se utilizaram da técnica do medo: “Você
pode morrer, é uma coisa muito grave”.
Uma das internas que apresentava o caso acreditava que seria efetivo o terror
quando a pessoa está em risco, mas notou que não é simples assim: juntamente com os
participantes do GBP pensou que essa estratégia dependia do perfil da pessoa e que funcionava
mais encontrar a motivação de vida do sujeito. O consenso era que deveriam alcançar o ponto
que dá sentido à pessoa realizar o autocuidado.

Thomé age como um super-homem diante das duas jovens que se propõem a
cuidá-lo. A vontade de conseguir respeito pelo medo pode deflagrar uma reação
contratransferencial devido à desvalorização do trabalho e saber de duas jovens mulheres. Um
choque de poderes pode impedir aí um mútuo entendimento, o que foi superado pelo
acolhimento do GBP, pela preceptoria e supervisão das internas e, obviamente, pelas formações
pessoal e acadêmica que as permitiram reinventar um encontro, possibilitando uma clínica
compartilhada meio a enfrentamentos.
As relações contratransferenciais são inevitáveis no encontro inter-humano pois
trazem o deslocamento de afetos, fantasias e experiências anteriores para aquelas que ali se
constroem. A irritação das internas que atenderam Thomé, por exemplo, pode ser compreendida
como uma projeção das impotências e frustração que ele causa por uma “desobediência”. Neste
caso, instala-se a relação adulto-criança, professor-aluno, ou seja, aquele que ordena e aquele
que se submete. Quando as internas assumiram a conduta de assustar Thomé para que o mesmo
se atente às suas sugestões, aliaram o poder da ciência ao do mestre e o enxergaram como uma
criança capaz de ser assustada pelo terror da morte. Diante da morte, todos parecemos
pequenos.

A discussão no grupo girou em torno de questões sobre até onde investir num
paciente resistente, surgindo falas dos estudantes como: “Não é fácil cuidar de quem não quer
ser cuidado”, “às vezes sentimos raiva”, “sensação de impotência”, e “temos que gerir até
onde investir”. A reflexão abordou a insuficiência da técnica e a potência de aprender manejos
diferentes para pessoas diferentes de nós. Os estudantes reconheceram que a raiva não é do
paciente em si, mas do fato de ele negar o conhecimento que porventura possam ter sobre sua
saúde. Afirmaram que é dever do profissional médico fazê-lo aceitar, transmitindo o que
sabemos e, se o paciente não quiser, acreditam que “o problema deixa de ser nosso”.

O termo transmissão utilizado pelos estudantes traz a conotação de uma educação


bancária e hierarquizada, ao contrário do formato proposto na atenção básica, de uma educação
que priorize a liberdade, autonomia e que leve em conta que o conhecimento é construído na
relação e não depositado em um outro desprovido de saber. O mal estar gerado pela postura
104

defensiva de superioridade diluiu-se por meio da discussão no GBP, pois coloca em questão o
desejo de valorização profissional, que os estudantes estavam prestes a ser, deixando
transparecer a insegurança, os medos e as dúvidas quanto alguns limites a se estabelecerem.
Concluíram que

é necessário ter sensibilidade e intuição para decidir o momento de investir, como


investir e o tempo de recuar.
Na reapresentação do caso as alunas levaram ao GBP um trabalho de educação
em saúde, tentaram devolver a Thomé seu poder em relação a seu cuidado, realizando uma
dinâmica bem visual com material colorido e ilustrativo elaborado pelas próprias estudantes
(figura 1). Foram criadas pelas internas, com cartolina e canetinha, células, bolinhas (que
representavam a glicose) e um vaso sanguíneo para explicar a fisiopatologia da doença
Diabetes. Criaram um jogo com cartas, com desenhos de pé, coração, olho, entre outros, que
contribuíam para associações causa-efeito. Usaram uma tampa de uma caneta para
demonstrar a insulina e sua aplicação. A atividade foi realizada com Thomé e sua esposa.
Ambos deveriam resolver situações-problemas típicas do dia a dia de Thomé utilizando o
material levado, como por exemplo, a seguinte pergunta: “se vocês estiverem com insulina de
300, como vocês fariam?”.
O gráfico da insulina NPH foi apresentado ao paciente. Ao que as estudantes
perceberam, o paciente e a esposa ficaram satisfeitos com a atividade. O resultado posterior
foi evidente, como a diminuição da hemoglobina glicada que passou de 15% para 11%, o que
deixou as estudantes entusiasmadas. Os sintomas da perna mudaram pouco mas outras
complicações foram prevenidas. Thomé disse ainda que diminuiu muito a bebida, bebia seis
litros por dia e passou para um, o que foi uma descoberta para a estudantes e cuja mudança
viram como avanço considerável. Mesmo assim ele continuou não indo muito à unidade de
saúde. No entanto, todos os presentes no GBP acreditam que houve um aumento da
credibilidade de Thomé, que precisa ver/viver para crer nos serviços e nos conhecimentos da
atenção básica de saúde.

Nesse momento do caso percebe-se que as alunas priorizaram práticas que se


aproximaram da educação popular em saúde. Interessante notar que, durante o
acompanhamento de Thomé e durante as discussões no GBP, as estudantes transitaram entre
uma postura prescritiva de mudanças de hábitos e o compartilhamento de saberes e decisões
com o paciente.
105

Figura 1 - Material educativo elaborado pelas estudantes do 12o período de medicina para realização de
uma atividade de educação em saúde com a temática do diabetes.

Isto pode ser justificado, em parte, por uma construção histórica em que práticas de
saúde e de educação eram vistas de maneira isoladas. O profissional de saúde, em sua ação, e
as instituições, em seus planejamentos, não priorizavam estas práticas, mantendo a postura
prescritiva dos profissionais e a necessidade dos serviços em ditar a mudança de hábitos dos
que adoeciam (ALVES; AERTS, 2011, p.s/n; FALKENBERG et. al, 2014, p. s/n).
Formatos de educação verticalizados de caráter informativo não correspondem às
necessidades cotidianas de um diálogo que faça sentido na relação entre o serviço de atenção
primária e seus usuários. A educação popular em saúde é uma teoria e prática da ruptura e, não
só rompe, como movimenta-se no sentido contrário ao paradigma científico moderno podendo
ser chamada de educação contra-hegemônica. Ao romper com a medicina formal, rompe com
o modelo de educação “bancária” (FREIRE, 1987), em que uns passivamente assimilam aquilo
que é depositado pelo sábio validado, cujos conhecimentos são considerados dele – educador -
e são doados para o outro - aprendiz.
Diante de queixas frequentes dos estudantes e trabalhadores da atenção básica sobre
problemas de adesão da comunidade aos cuidados essenciais para a própria saúde e às
orientações profissionais, compreendemos que a educação popular em saúde e análise crítica
de fenômenos subjetivos como a transferência contribuem para a efetivação da clínica ampliada
e para relação comunidade-serviços. Neste sentido crítico algumas questões devem ser lançadas
sem presunção da resposta: A obediência de um paciente ao tratamento proposto por uma
equipe de saúde, significa adesão? A obediência garante o bem estar do paciente? A falta de
adesão do paciente pode ser compreendida com desinteresse na própria saúde? Qualquer
negativa é irresponsável?
106

Para responder é necessário interpretarmos a partir de uma matriz de saberes e,


infelizmente, a matriz do saber biomédico e a matriz do saber popular não coincidem. Enquanto
o primeiro parte de métodos e evidências científicas o outro parte de experiências, cultura, lutas
e da concretude cotidianas, além das interpretações destas, individuais e coletivas.
Valla (1996) entende que os problemas de interpretação entre comunidade e
profissionais estão ligados à falta de compartilhamento de critérios de interpretação da
realidade. A limitação de compreensão de contextos, que transcendem consultórios e muros de
unidades de saúde, impede até o mais íntimo e longevo profissional em conceber
empaticamente o mundo em que seu cliente está imerso, quais problemas cobram mais atenções
deste, quais prioridades não são trazidas para o evento da consulta. “O que frequentemente para
o profissional é conformismo, falta de iniciativa e/ou apatia é para a população uma avaliação
(conjuntural e material) rigorosa dos limites da sua melhoria” (VALLA, 1996, p. 181).
As internas extrapolaram os muros da unidade de saúde e tentaram adentrar o
universo da família de Thomé para realizar uma atividade com caráter educativo, levando
ofertas ao paciente (como o manejo adequado da insulina) mas estando também abertas a novos
aprendizados.
Esse extrapolar ocorre devido à proposta de se realizar uma clínica ampliada e
compartilhada que lança mão de saberes múltiplos e de uma construção coletiva de um projeto
singular de cuidado.
Durante o GBP, a apresentação da questão do alcoolismo de Thomé foi marcada
por um lógica da abstinência. A narrativa das internas quanto a isso, apresentou emoções
genuínas quanto a ênfase do consumo de álcool por Thomé como uma situação intolerável, mas
não no que dizia respeito a interrelações com sua doença de base. A frase “Era mais fácil
encontrá-lo no boteco que na UBS se cuidando” atraiu as interações do GBP no sentido de um
estereótipo que justificasse o senso do paciente-problema, o que desencadeou intenções de
práticas de Educação em Saúde e o desenvolvimento do caso com propostas de ações
benevolentes e magnânimas das internas. No entanto, na reapresentação a dupla trouxe uma
mudança: uma diminuição importante no consumo diário de cerveja, associado a uma
compreensão de Thomé de que a melhora de seu quadro clínico solicitava algum esforço
pessoal. A dupla havia timidamente falado no GBP sobre a postura redutora que adotaram ao
ver a resistência de Thomé a tantas orientações. O resultado foi transformador tanto para Thomé
quanto para as estudantes, pois a adesão a um manejo próprio da Redução de Danos produziu
autonomia e benefícios para o paciente, mantendo as premissas de uma clínica compartilhada.
107

A discussão sobre Redução de Danos e o trabalho dos futuros médicos no SUS


surgiu também em outra experiência relatada, a do casal ligado ao movimento “Malucos de
Estrada”, Alísio e Mariele, sendo ela gestante e ambos usuários de substâncias psicoativas.

O caso “Malucos na Estrada”

Uma dupla de internos relatou que tinha escolhido para acompanhamento uma
gestante que lhes causou estranhamento no primeiro encontro pela maneira dela se vestir
(hippie), pelo penteado em 'dread' e pelo fato dela chegar na unidade carregando artesanatos.
Em uma breve narrativa, os alunos contaram que conheceram Mariele alguns dias atrás, num
atendimento de pré-natal que estava sendo realizado na UBS. Mariele era uma jovem de 21
anos que vivia com o marido Alísio há cerca de um ano. Ele, na casa dos quarenta, era
responsável pela construção daquele estilo de vida alternativo.
Em meio a esse relato, os alunos comentaram que a médica e o enfermeiro da
unidade pediram que eles fizessem o PTS daquela gestante devido à dificuldade de Mariele
seguir o pré-natal, afinal, ela já havia faltado em várias consultas e no dia agendado para
realizar a vacina. Além disso, ela usava drogas.
Na primeira visita domiciliar apenas Alísio estava presente e deixou claro que
tinham preferência para o uso de plantas medicinais, ele mesmo preparava um jardim de
fitoterápicos para a criança que chegaria. Sobre o uso de drogas, ilícitas eram muito liberais
principalmente sobre o uso de cannabis e, segundo os mesmos, faziam uso regular. Mariele
vinha reduzindo o consumo devido a gestação.

No GBP o debate sobre o uso de maconha durante a gestação levantou muitos


questionamentos e principalmente choques de ideias. Afinal, de acordo com os alunos, a
literatura médica indica que o uso deste psicotrópico durante a gestação oferece riscos à saúde
do bebê, mas o desfecho da história mostrou-se como uma exceção, para a surpresa da
dupla. Embora uma das apoiadoras tenha trazido a tona a discussão da Política de Redução de
Danos, notou-se insegurança dos estudantes em concordarem com essa lógica.
A redução de Danos enquanto alicerce para uma clínica amparada na autonomia e
no respeito a usuários de drogas coaduna também com a perspectiva da promoção de saúde e
prevenção de agravos, permeando ações que já são realizadas nos serviços como: a orientação
nutricional, os exames pré-natais, o acolhimento e a escuta radical com preservação da
autonomia dos sujeitos (SILVA; GARCIA, 2017). De acordo com Campos et al (2014) a clínica
ampliada e compartilhada implica numa prática menos prescritiva e que coloca em evidência
os sujeitos concretos para os quais saberes e tecnologias são dirigidos.

Assim, tanto a prevenção como a terapêutica devem partir das evidências e da


avaliação de riscos para negociar com as pessoas em termos de redução de danos: o
que é possível neste caso, para este paciente, neste contexto? O exercício da função
apoio na relação clínica e nas ações de Saúde Coletiva é um recurso que pretende
desenvolver, junto aos sujeitos, maiores graus de responsabilização e autonomia para
o cuidado com a saúde (CAMPOS et al, 2014, p. 991).
108

Nesta perspectiva, não restrita à saúde mental e ao uso de substâncias, o termo


redução de danos é associado à avaliação da melhor possibilidade a se pactuar junto ao paciente
que não satisfaça simplesmente aos anseios de controle e poder da equipe, mas que resulte numa
construção conjunta e em maior resolutividade.

Na primeira visita domiciliar os estudantes relataram que houve estranhamento


com o estereótipo do esposo de Mariele: "esteticamente ele chama atenção", foi a fala dos
alunos ao descrever esse primeiro contato com Alísio. Impressionaram-se como o jardim
estava bem cuidado e com a quantidade de plantas medicinais e alucinógenas. Apesar de todo
o estranhamento, os alunos estavam abertos para novos olhares. Um dos estudantes relatou
empolgado: "aprendi muito com ele! Foi uma conversa bem aberta que nunca tinha feito na
vida."

Uma aprendizagem significativa se apresenta no relato acima, numa


perspectiva correlata à da Educação Popular: a dupla mantendo a postura da clínica ampliada,
realizou uma escuta atenta a fim de conhecer o modo de vida que gerava tanto “estranhamento”.
A experiência com o novo estimulou os estudantes a ultrapassarem barreiras, estereótipos e
saberes prévios, gerando uma tensão que possibilita a ampliação de seus conhecimentos
(CAMPOS; CUNHA; FIGUEIREDO, 2013). Ao sair deste encontro, aprenderam algo novo
sobre as multiplicidades de organizações de vida.

A relação da equipe para com o casal, sobretudo Mariele, se dava de uma


maneira que chamaram “policialesca”. A partir das questões obrigatórias do pré-natal, as
condutas tanto do enfermeiro quanto da médica eram baseadas nos protocolos, sendo a
tolerância pequena a questões singulares de Mariele. Exemplificam isso com o fato de Mariele
ter sido buscada, no carro do próprio enfermeiro da UBS, para ser conduzida para o serviço
de saúde para garantir que o cartão de vacinas fosse atualizado.
Na reapresentação do caso no GBP a dupla de alunos referiu que ficou um mês
sem frequentar a Unidade de Saúde em razão do rodízio de estágios. Neste intervalo, Mariele
teve o bebê. Ficaram surpresos com o nascimento saudável da criança, apesar do uso da
maconha na gestação. Relataram com bastante indignação que Mariele não fez a consulta do
binômio nos primeiros 10 dias, conforme preconizado e, ao serem questionados, explicam que
ela (absurdamente) fez a primeira consulta apenas no 11 dia. No entanto, consideraram que
o

a mãe era muito cuidadosa e preocupada com seu filho, apesar do seu estilo de vida.
Destacaram o envolvimento da equipe na condução do caso: visitas domiciliares
frequentes da agente comunitária de saúde, envolvimento da assistente social, consulta do
binômio pela médica, busca ativa da equipe para realização do teste do pezinho (enfermeiro
novamente levou paciente em carro próprio para a unidade vizinha onde era realizado o
exame). Por outro lado, identificaram ainda muito preconceito em condutas e comportamentos
dos profissionais de saúde e destacaram como ficaram impressionados com o tom impositivo e
invasivo que foi utilizado, por membros da equipe, ao orientarem Mariele, em visita domiciliar,
a não oferecer chá ao seu filho recém-nascido.
109

Campos et al (2014) identifica as diferenças existentes nos objetivos da equipe e


dos usuários do serviço: enquanto a equipe pretende garantir a saúde e a vida e sentir-se
realizada por isso, o usuário busca apoio para que ele e a comunidade sintam-se bem e com
melhor saúde. Hierarquicamente, devido ao seu lugar de suposto saber, a equipe encontra-se
favorecida e seus interesses parecem ter mais validade diante dos interesses dos usuários, ou
pelo menos, a forma com que irão se realizar. Em nome da razão biomédica ou protocolar
parece que Mariele foi submetida ao exercício do poder da instituição.
No entanto, vale destacar que as atividades e procedimentos de saúde da gestante
possuem uma condição de controle, metas e cobranças diferentes de muitas das atividades das
equipes de saúde da família. Muitas vezes, não apenas a efetividade (bom trabalho aos olhos
dos usuários) mas também a produtividade (resposta às metas mínimas de cobertura) são
importante fator de estresse e angústia para as equipes, o que pode ser transferido para os
estudantes e pacientes. A atividade protocolar dos profissionais de saúde quando se enrijecem,
perdem a flexibilidade imprescindível para lidar com as peculiaridades de cada família.
Para o exercício da clínica ampliada e compartilhada é desejável que se amplie o
"objeto de trabalho", ou seja, espera-se que qualquer profissional de saúde considere que seu
objeto de trabalho "deve ser a pessoa ou grupos de pessoas, por mais que o núcleo profissional
(ou especialidade) seja bem delimitado" (BRASIL, 2010, p. 16). No caso, a ampliação da
clínica se daria pelo fato de reconhecer em Mariele mais do que uma gestante que necessitava
do acompanhamento pré-natal protocolado, ou seja, considerá-la uma pessoa com
singularidades e competências culturais que necessitavam de um cuidado diferenciado e
único.
A compreensão ampliada do processo saúde doença, a partir do envolvimento da
equipe multiprofissional na discussão sobre os diferentes aspectos da situação também contribui
para a efetivação da clínica ampliada e compartilhada (BRASIL, 2010). A elaboração do PTS
pelos estudantes, sobre o caso dos Malucos, previa a integração dos diversos membros da
equipe para que houvesse encontros interdisciplinares e ampliação do olhar sobre o caso.
Apesar do envolvimento de diversos profissionais, a falta da cultura de discussão de casos na
reunião de equipe dificultou o enfrentamento da fragmentação do cuidado e da falta de
elaboração de objetivos comuns para o caso.
Além disso, a clínica ampliada e compartilhada exige a transformação dos
instrumentos de trabalho, sendo necessários dispositivos de gestão que valorizem a
comunicação transversal na equipe e entre as equipes e que estimulem "a capacidade de escuta
do outro e de si mesmo, a capacidade de lidar com condutas automatizadas de forma crítica, de
110

lidar com a expressão de problemas sociais e subjetivos, com família e com


comunidade" (BRASIL, 2010, p. 17).
São necessários também arranjos institucionais que deem suporte para os
profissionais de saúde. Ao se reconhecer a subjetividade das relações entre profissionais de
saúde e usuários, é preciso que haja um espaço para lidar com o sofrimento, a dor e o medo que
o próprio trabalho pode trazer, tirando o profissional da sensação de falsa proteção que a clínica
reduzida (protocolar) pode oferecer (CAMPOS; CUNHA; FIGUEIREDO, 2013).
Pela vivência dos estudantes e docentes na rede de saúde do município onde ocorreu
o caso dos Malucos de Estrada, sabe-se que os profissionais da equipe de saúde da família não
dispunham desses espaços institucionalizados. Já os estudantes podiam contar com ambientes
protegidos ondes era possível falar sobre suas dificuldades e aprender a lidar com elas (os
grupos Balint-Paideia).
Nos GBP os estudantes oscilaram entre o movimento de ampliar o cuidado e
reproduzir o preconceito, sendo que em diversos momentos reconheciam o preconceito mais
nos outros do que neles próprios. Percebe-se que houve um exercício constante dos alunos
confrontarem-se com seus próprios saberes, abrindo espaços para trabalhar (mesmo que
timidamente) com as dimensões do afeto, resultando na ampliação da visão sobre o caso e na
capacidade de singularização das pessoas.
Os alunos finalizaram o relato descrevendo a dificuldade de acompanhamento do
caso devido especificidades culturais da família. "Era esperado que eles não iam fazer o que a
gente falasse, já que nosso conhecimento é baseado numa cultura alopática". A impressão dos
docentes, no grande grupo, é de que os estudantes reconheceram as especificidades do caso
mas sentiam-se ainda impotentes para trabalhar com grupos minoritários, tendo dificuldade
de aplicar, na prática, os conhecimentos e reflexões realizadas durante o curso de medicina.

O desenvolvimento dificultado do PTS para o caso dos Malucos de Estrada foi


influenciado pela complexidade do exercício da competência cultural na prática em saúde,
considerando o ciclo de vida do casal e a necessidade de (co)construção de condutas e de papéis.
A competência cultural é um atributo derivado da Atenção Primária à Saúde descrito por
Starfield (2002), onde presume-se o reconhecimento de necessidades diferenciadas devido
características étnicas, raciais ou outras características especiais de uma determinada
população.
Segundo Gouveia, Silva e Pessoa (2019), a cultura pode ser entendida como um
iceberg. Se encarada de uma forma mais superficial, pode ser associada ao comportamento
humano, ou seja, a forma de agir, pensar, comer, vestir, etc. Seria o que enxergamos
externamente. Num segundo nível, pode-se pensar na cultura como as motivações da escolha
111

de determinado comportamento humano, aquilo que está relacionado a normas e valores e que
podem ser acessadas conscientemente pelas pessoas. Numa análise mais profunda, pode-se
compreender a cultura como as motivações ocultas da escolha dessas normas e valores. Para o
bom desempenho da competência cultural, é esperado que o profissional de saúde, na entrevista
clínica, acesse esse nível oculto, o qual está relacionado
"(...) ao que as pessoas entendem sobre a natureza humana, relacionamentos
humanos, educação de filhos, conceito de tempo e espaço, o que é bom ou
ruim, certo ou errado, aceitável ou inaceitável. Crenças acerca do que é a
natureza e a causa das doenças ou do bem-estar" (GOUVEIA, SILVA,
PESSOA, 2019, p. 85).

Analisando as atitudes da equipe de saúde, através dos relatos dos alunos, observou-
se uma hiper implicação dos profissionais, principalmente pautada no reconhecimento, pela
equipe, de uma dificuldade do casal em cuidar da própria saúde e da saúde do filho. A equipe
presumia a inaptidão de Mariele e Alísio para o momento do ciclo de vida em que estavam por
não reconhecerem as diferenças culturais, entretanto não houve ações para o empoderamento
dos sujeitos e promoção da autonomia. Após o parto, inclusive por metas institucionais do
serviço de saúde, a equipe assumiu a tutela sobre as consultas e visitas.
O aprendizado da competência cultural não deve ser pontual, nem realizado apenas
em um momento específico do currículo, a partir de disciplinas isoladas. Ele deve contemplar
diversos cenários e também estar ligado à postura institucional (GOUVEIA, SILVA, PESSOA,
2019). Como orientar que os alunos devem atender sem preconceitos, com respeito à
diversidade e especificidades culturais se no dia a dia os preceptores atendem os casos baseados
em protocolos rígidos e sem singularizar os sujeitos? Essas atitudes são reproduzidas por
estarem incorporadas na cultura da instituição e acabam sendo naturalizada pelos seus
componentes e, por isso, não geram estranhamentos.
As diferenças socioculturais, muitas vezes consideradas como naturais, são frutos
de uma construção sócio-histórica, feita por pessoas que ocupam lugares na sociedade e que
possuem olhares específicos, desejos e poderes.
Uma das explicações para a manutenção das diferenças sociais é o pensamento
essencialista, que racionaliza essas diferenças e facilita a expressão de juízos negativos sobre
os grupos, reforçando o racismo, a discriminação social e o preconceito (PEREIRA et al, 2011).
O essencialismo procura compreender como as pessoas habitualmente elaboram as
suas percepções sobre si mesmas, sobre os membros do próprio grupo e dos outros
grupos sociais. (...) Para o pensamento essencialista, a crença, expressa por quem
categoriza, de que os membros de um mesmo grupo compartilham uma estrutura
profunda que permite a sua diferenciação dos membros de outros grupos é um fator
decisivo na adoção do raciocínio categórico durante as relações sociais (Gelman &
112

Wellman, 1991; Medin, Goldstone, & Gentner, 1993; Yzerbyt, Rocher, & Schadron,
1997 apud PEREIRA et al 2011, p.146).

A categorização no essencialismo pode acontecer tanto pela homogeneidade


percebida num grupo como pelas teorias implícitas. Isso faz com que as pessoas, após
categorizar pela aparência ou pelas conjeturas disponíveis, pensem que as coisas que existem
o são em definitivo (PEREIRA et al, 2011).
Portanto, a noção de essência gera uma estereotipagem, um rótulo. A
homogeneização ocorre para categorizar e aprisionar ou apagar as diferenças. Se alguém não
cabe no rótulo, passa a ser vigiado e punido (PEREIRA et al, 2011).
O caso dos Malucos vem carregado de estereótipos: um casal com estilo hippie,
sem residência fixa, liberal no uso das drogas, não adeptos a nenhuma medicação convencional
(alopática) e que não teria capacidade de cuidar adequadamente do filho que iria nascer em
breve. Esse foi o rótulo inicial atribuído aos personagens reais do caso.
Como pensar em práticas que desconstroem as essências? Como desnaturalizar a
cultura do instituído?
O principal recurso para essa desnaturalização seria o exercício da crítica
continuada. Os estudantes perceberam que houve um estranhamento deles com o estilo de vida
do casal e refletiram que em muitos aspectos seria difícil lidar com esse "estrangeiro". Também
vivenciaram a realidade de como alguns profissionais de saúde da Unidade estavam
“autorizados” a prescrever a moral hegemônica, ou seja, ditavam o que o outro deve ou não
fazer, prescrevendo a vida de outras pessoas de acordo com valores e saberes dos próprios
profissionais. Nos GBP foi possível fazer a reflexão sobre como não perpetuar essa moral,
fazendo o movimento de criticá-la e reconhecendo o sujeito em seu contexto para construir
novas relações de poder.
Ao descreverem o incômodo sob forma como o pré-natal estava sendo conduzido
pela equipe de saúde da família (denominado como "pré-natal fiscalizatório"), os estudantes
identificaram que em diversos momentos do curso de medicina eles mesmos reproduziram de
forma naturalizada esse cuidado verticalizado, pontual e policialesco. Contaram que era muito
comum, nos ambulatórios de especialidades dentro do hospital universitário, os professores
"falarem para as pessoas o que elas tem que fazer". Dessa forma, a lógica era a tentativa de
manutenção da saúde de forma vertical, onde predominava o conceito de que o profissional de
saúde era responsável por "dar a saúde" para os usuários. A imposição do conhecimento, de
desejos e saberes sobre o outro impede a compreensão do sujeito como ser singular.
113

A discussão do caso dos Malucos evidenciou para os estudantes, na prática, que a


escuta ativa é capaz de captar as singularidades, a variabilidade e a imprevisibilidade do
humano. Além disso, notou-se que a participação do sujeito nas decisões, desde a definição do
diagnóstico até os procedimentos terapêuticos ou preventivos, bem como compartilhar decisões
entre a própria equipe, os serviços de saúde ou outros espaços intersetoriais pode ser muito mais
potente do que a abordagem individual e unilateral.
Por último, o caso ajudou na reflexão de que a promoção da autonomia se dá por
meio do aumento da capacidade do sujeito de cuidar de si mesmo e de conviver socialmente.
Todos esse fatores são essenciais para o exercício da clínica ampliada e compartilhada
(CAMPOS; CUNHA; FIGUEIREDO, 2013).
Outro ponto observado no relato foi a constante angústia dos alunos quanto ao fato
da dimensão médica do caso. Ao considerarem a técnica de pré-natal rígida e inflexível ao
cuidado da paciente incomum, os estudantes fecharam suas expectativas para a oportunidade
observacional sobre a construção do concepto como personagem e integrante de uma família
com cultura e comportamento atípicos. A observação desse processo na população majoritária
(culturalmente típica) muitas vezes é velada pela similaridade cultural entre observador e
observado.
Num contexto amplo, a questão sobre a integração entre as particularidades
culturais dessas minorias atípicas e cuidados de saúde protocolados e institucionalizados é
encarada no Brasil à luz das interpretações de equidade no sistema de saúde. Dessa maneira,
parte do processo é absorvida pelos conceitos antropológicos da saúde pública (CAMPOS,
2006).
Entretanto, no contexto prático, os processos e interações culturais são similares aos
dilemas da saúde de populações migrantes e refugiados, que hoje são profundamente discutidos
na saúde coletiva em vários países (SCHEPPERS et al, 2006).
No Brasil, a situação haitiana, os imigrantes bolivianos em São Paulo, a questão
Venezuela em Roraima e os refugiados sírios são algumas das expressões de grupos culturais
atípicos e de recente contato que, como na história dos Malucos, modificam o status quo da
prática em saúde e da capacidade dos profissionais em interagir e amalgamar a conhecimentos
e práticas.

Considerações finais
Thomé e Malucos de Estrada são histórias que trazem em comum a dificuldade de
adesão do paciente ao serviço que, por sua vez, antecipa o sujeito ao rotulá-lo, enrijecendo suas
114

rotinas protocolares diante pessoas que exigem criatividade, invenção e compreensão de suas
singularidades. Independente da natureza do caso levado pelos estudantes para a discussão, um
dos papéis dos Grupos Balint-Paideia é a valorização das diferentes visões (incluindo a dos
estudantes, equipe de saúde, usuários, família/cuidadores e instituição), sem abrirmos mão do
nosso conhecimento e do nosso ponto de vista. Quando não lidamos com as diferentes formas
de se ver o mundo, não se torna possível alcançar o pacto entre os personagens, que estimamos
simplesmente na forma da "adesão". Formar vínculos e conseguir negociações viáveis é um
processo de dar crédito e só acontece com aproximação, aquela que permita ao sujeito se sentir
contemplado nos interesses institucionais.
Usuários necessitam de espaços de discussão e construção dentro dos serviços, para
validar e valorizar suas demandas e ideias. Da mesma forma, os estudantes necessitam de
cogerir seus processos em assistência e formação, desfrutando de coletivos de apoio que
escutem, compreendam e lhes ajudem a pensar suas ações. Esta potência do encontro formador
crítico parece abalar estruturas rígidas de saberes limitantes e permite aos estudantes
identificarem outras ferramentas com as quais podem exercer uma clínica crescentemente
ampliada.
Os Grupos Balint-Paideia, na formação, trabalham a partir de demandas trazidas
pelos estudantes mas também com ofertas teóricas, organizadas pelos supervisores (de forma
sistematizada e entremeada às discussões dos casos), ferramenta que contribui para reflexão e
ampliação da clínica. Os temas debatidos por meio de metodologias ativas de ensino-
aprendizagem estão diretamente relacionados com a clínica que se exerce na atenção primária.
Neste momento do GBP busca-se correlacionar os desafios encontrados no campo prático com
o que é estudado. A teoria às vezes parece distante da realidade porém, torna-se inspiração para
as mudanças nas práticas, as quais devem ser mais críticas e se configurarem como
posicionamentos políticos.
A construção desse espaço/oportunidade do GBP, frente a casos reais vivenciados
pelos alunos em momento de assistência em seus estágios, junto com equipes reais da Estratégia
de Saúde de Família e suas ausências e emergências, fragilidades e potencialidades, estimulam
os esforços para transformarem suas visões de mundo, ampliando a compreensão sobre a
multiplicidade de contextos, famílias, personagens e papéis .
A partir disso, um momento agregador e potencializador do cuidado amplia, sem
sombra de dúvida, as ações previamente previstas pela equipe, que não estavam gerando o
resultado esperado pela mesma (adesão ao tratamento medicamentoso para o Diabetes, no caso
do sr. Thomé, e adesão ao pré-natal, no caso da Mariele).
115

Isso permitiu que os estudantes conseguissem extrapolar as ações usualmente


realizadas, que tendiam a medicalizar os usuários, usufruindo de saberes novos construídos a
partir de uma clínica ampliada e compartilhada, como a metáfora da construção, no caso de
Thomé, e como a vida pode ser natural e livre, no caso dos Malucos de Estrada.
As discussões dos casos nos GBP valorizaram o retorno do caso para a equipe,
estimulando a discussão do PTS com outros profissionais da UBS. É esperado que cada
profissional de saúde da equipe multiprofissional discuta o caso considerando principalmente
o seu núcleo de competências e responsabilidades (o saber específico de cada profissão,
contrapondo-se ao campo de competências e responsabilidades, que seriam os saberes comuns,
que se entrelaçam nas diferentes profissões ou especialidades) (CAMPOS, 1997). Isso
enriquece a compreensão do caso e deve ser considerado para a elaboração do PTS.
Notou-se uma fragilidade importante nesse quesito já que a construção dos PTS foi
grandemente centrada na visão do(a) médico e dos(as) estudantes de medicina e que as
discussões com outros profissionais ocorreram de forma pontual. Além disso, percebe-se que
os estudantes tiveram que lidar com visões já estigmatizadas, pelos profissionais de referência,
das famílias que passariam a ser acompanhadas por eles. Os internos, em diversos momentos,
tentam romper com essa lógica. Tentaram se manter abertos a novos saberes e em como lidar
com o novo e inesperado para eles.
Entretanto, em diversos momentos apareceram falas que demonstravam como que,
inconscientemente, os estudantes incorporaram alguns discursos semelhantes ao da equipe em
relação aos sentimentos desta pelos usuários, conseguindo identificá-los durante as reflexões
nos GBP. Um momento que isso ficou bem claro foi quando um estudante, que fazia o estágio
na Unidade de referência do Thomé (mas que não estava responsável por esse PTS) relata sobre
o caso incorporando na fala todos os estigmas que a equipe havia dado para ao paciente índice
("difícil", "tigrão", "impossível de fazer com que ele siga qualquer orientação"). Como as
equipes não conseguiam se organizar para ter espaços de roda, percebe-se que as reflexões sobre
prática ocorreram principalmente nos GBP ou nas intervenções dos docentes durante supervisão
in loco nas UBS.
Os GBP têm como estratégia central a discussão de caso, exatamente para instigar
a reflexão sobre a prática. Isto permite ir além da metodologia clássica de discussão teórica,
pois permite a valorização da potência dos sujeitos e a possibilidade de fazer clínica centrada
na pessoa, encarando-a como ser social e como agente transformador da realidade (no caso, de
si mesmos e das instituições onde estão inseridos). A inserção da proposta de Balint permitiu
falas mais livres e atenção aos aspectos subjetivos das relações institucionais e humanas que se
116

desenhavam junto ao grupo. Desta forma os alunos se viam inteiros e complexos assim como
aquelas famílias para as quais dirigiam a atenção.
Diante a apresentação dessas experiências ressaltamos a importância dos Grupos
Balint-Paideia como estratégia pedagógica na formação de futuros médicos. Em razão de suas
características realísticas e reflexivas, o método influi em aprendizado prático, crítico e
autocrítico sobretudo relacionado a habilidades ampliadas dos campos e práticas em saúde.
Desse modo, o incremento da formação, com amplitude e potencialidade, agrega percepções
interdisciplinares, humanistas, sociais e integrais à prática dos estudantes, no sentido das
expectativas para as novas gerações de profissionais da saúde.

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119

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Grupo Balint Paideia se mostrou um potente dispositivo de ensino aprendizagem


na formação de estudantes de medicina para realizar a clínica ampliada e compartilhada na
APS, incorporando conceitos e práticas da Saúde Coletiva na clínica ‘tradicional’. Essa
metodologia foi incorporada ao currículo de medicina da UFU desde início de 2019 (exceto
pela turma do segundo semestre de 2021). Devido ao seu caráter inovador, foram enfrentados
desafios constantes para mantê-la em funcionamento, como a disponibilidade de docentes e
profissionais capacitados para apoiar os grupos e a integração ensino-serviço no SUS local
(vinha ocorrendo instabilidade nos contratos para cenários de prática na APS para o Internato
de Saúde Coletiva), dentre outros aspectos.
A reestruturação do currículo do curso de medicina da UFU foi um fator facilitador
para implementar as inovações no internato. Destacam-se as mudanças relacionadas ao
aumento da carga horária teórico-prática na Saúde Coletiva e nas humanidades médicas e a
mudança de um currículo centrado em disciplinas isoladas para módulos integrados, com
estímulo à incorporação de metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Na percepção da
autora dessa pesquisa, que está implicada na formação dos internos de saúde coletiva na UFU
desde 2011, o perfil do estudante do currículo antigo e do currículo novo eram bem diferentes,
sendo que os do novo currículo estavam muito mais abertos à discussão ampliada sobre
sujeitos, que extrapolava os aspectos médico-centrados. Os estudantes tinham mais vivências
em cenários da atenção básica e haviam se apropriado de ferramentas que auxiliavam na prática
da atenção básica. Além disso, estavam mais acostumados a vivenciar metodologias ativas de
ensino aprendizado, mostrando-se menos resistentes à implementação de novos projetos.
Além da mudança curricular, diversos fatores facilitaram a execução dos GBP no
Internato de Saúde Coletiva, como: a longitudinalidade do aprendizado, visto que o estágio teve
duração de seis meses consecutivos; a imersão no serviço, já que os estudantes frequentaram a
mesma equipe e UBS, de cinco a nove períodos por semana, durante 20 semanas; a realização
de visitas domiciliares em conjunto com os profissionais da Estratégia Saúde da Família e do
NASF, as quais já eram práticas bem consolidadas pelas equipes, permitindo que os estudantes
vivenciassem a interdisciplinaridade na APS; a elaboração do PTS de todos os casos discutidos
nos GBP, o que responsabilizou os estudantes pelo acompanhamento longitudinal dos casos e
incentivou o envolvimento da equipe; e a presença de mais uma categoria profissional entre os
120

apoiadores dos grupos (médicos de família e comunidade e uma psicóloga), que ampliou as
perspectivas nas discussões dos casos.
Considerando esse contexto, vale retomar as cinco mudanças que se esperava que
o estudante adquirisse a partir dos Grupos Balint Paideia, descritas na introdução dessa tese:
superação da dicotomia entre clínica e gestão; problematização sobre uma gestão mais
horizontalizada; aumento da autonomia do usuário; desnaturalização do instituído e aumento
da criatividade; e humanização do cuidado.
Pode-se destacar que um dos principais efeitos dos GBP que foi a ampliação da
capacidade de reflexão dos estudantes sobre a prática, considerando-se as dimensões de
conhecimento, de poder e do afeto. Dessa forma, percebe-se que os alunos conseguiram
incorporar os sujeitos na clínica, procurando aumentar sua autonomia. Além disso, foi notório
observar que, ao se considerar os afetos na prática clínica, os estudantes mudam a trajetória do
raciocínio clínico, ético e moral, aumentando a capacidade de promover um cuidado em saúde
mais humanizado. Os GBP também foram ferramentas importantes para tirar os estudantes de
suas zonas de conforto, desnaturalizando o “senso comum” através da reflexão crítica de
questões comuns do dia a dia, bem como exigindo a criatividade como forma de superação de
muitos desafios.
O movimento dialético e em roda dos GBP oportunizou aos estudantes ampliar suas
práticas, se conhecerem melhor e estarem mais aptos a realizar mudanças de si mesmos e dos
espaços onde atuavam. A problematização sobre a gestão sempre esteve presente nos GBP,
principalmente pelo fato da maioria dos estudantes se sentirem incomodados pela vivência deles
nas reuniões de equipe nas Unidades de Saúde onde estavam inseridos, caracterizada pela baixa
capacidade de mobilização das equipes para reflexões mais profundas, já que esses espaços
eram utilizados predominantemente para resolver questões administrativas e burocráticas.
Alternativamente, nos GBP os estudantes puderam vivenciar relações mais horizontalizadas,
contribuindo para a compreensão sobre a construção de espaços de cogestão.
O maior desafio, dentre as cinco mudanças citadas anteriormente, foi a superação
da dicotomia entre clínica e gestão. Apesar nos avanços na ampliação da clínica, notou-se que
do início ao final do semestre os estudantes tinham a tendência de separar os temas relacionados
à gestão e à prática clínica. Apenas os GBP não foram capazes de reconstruir a lógica disjuntiva
entre gestão e clínica, a qual é reforçada durante grande parte do curso médico. Isso reforça a
necessidade de incorporação no currículo de medicina, nos períodos iniciais, da gestão em
saúde, mas de forma muito cuidadosa para que haja compreensão da relação entre gestão e
clínica ampliada.
121

A capacidade de transformação e qualificação dos serviços, a partir da presença de


estudantes, é uma das conquistas evidenciadas em políticas públicas voltadas para a educação
permanente, como o PET-Saúde, cujas contribuições favorecem o empoderamento dos
trabalhadores, a produção de conhecimento voltadas para as necessidades do SUS e o
fortalecimento da integração ensino-serviço57.
A prática dos estudantes na APS é única. Verifica-se haver um incômodo, tanto por
parte dos docentes como dos estudantes, pelo fato da formação não ser padronizada. É
necessário um esforço por parte de todos os atores para lidar com esse discurso, que tende a
apagar as diferenças e a singularidade do processo de cuidado. Nos GBP essas diferenças foram
evidenciadas devido às características fortemente reflexivas desta metodologia. Por outro lado,
a discussão dos processos de trabalho de cada UBS possibilitou uma certa qualificação e
equalização desses cenários, lembrando que, no entanto, as diferenças sempre existirão.
A partir dos relatos dos estudantes, evidenciou-se que a maioria das equipes de
saúde da família operava predominantemente com formatos normativos e perpetuava relações
de poder autoritárias, o que dificultava a construção conjunta de alguns PTS desenvolvidos
pelos estudantes. Além disso, os médicos muitas vezes não participavam de espaços de gestão
da unidade, seja na coordenação da equipe, sempre realizada pela enfermagem, ou na própria
reunião de equipe.
Incorporar a subjetividade na prática clínica exige esforço epistemológico e
prático, o que implica também em algum grau de desgaste, pois envolve emocionalmente o
profissional. Se não houver espaços de fala e de escuta, de forma segura, sobre os conflitos e
tensões do dia-a-dia (o que seria um dos papéis das reuniões de equipe), o caminho mais
cômodo pode ser a objetivação da prática, por meio do seguimento rígido de protocolos. Apesar
do enrijecimento das condutas, os protocolos criam como se fosse um escudo para os
profissionais de saúde, que falsamente se sentem protegidos e mais confortáveis em suas ações.
No entanto, a fragmentação do cuidado e uma clínica centrada no modelo biomédico são fatores
que podem aprofundar a alienação desses trabalhadores57. A alienação vem acompanhada da
diminuição da capacidade de agir sobre o meio (afastamento) e, consequentemente, da
diminuição das possibilidades de transformação do processo de trabalho, causando frustrações
e desencorajamento nos profissionais.
A fim de identificar se os GBP realizados com os estudantes tem impacto no
processo de trabalho das equipes das UBS seria interessante realizar um diálogo com os
profissionais da APS, o que poderia ser objeto de pesquisas futuras.
122

Diante dos resultados dessa pesquisa, o Internato de Saúde Coletiva se mostrou um


cenário favorável para a implementação dos grupos Balint-Paideia, o que não impede que sejam
realizados também ao longo dos outros anos da graduação. Assim, considerando os benefícios
do GBP, fica o questionamento: de que forma os Grupos Balint-Paideia podem ser incorporados
como metodologia de ensino aprendizagem no internato médico? A seguir serão descritos
pontos a serem levados em consideração nesse percurso:
a – Considerar a longitudinalidade como prioridade na organização do estágio. Seis
meses de acompanhamento se mostrou um bom período para desenvolver diferentes habilidades
nos estudantes e promover reflexão.
b – Sobre a organização dos Grupos Balint-Paideia:
- Reservar carga horária no currículo para encontros pelo menos quinzenais, com
duração de 3 a 4 horas.
- Dividir estudantes em grupos com até 20 alunos.
- Fazer encontros em roda, de preferência presencial, sendo que o formato virtual
também se mostrou produtivo.
- Realizar contrato entre os participantes do Grupo no primeiro encontro. Lembrar
que esse contrato deve ser revisitado sempre que necessário, já que é processual e vai se
modificando ao longo do tempo.
- Elaborar e apresentar PTS por dupla de estudantes. A escolha do caso deve ser
pactuada com a equipe onde os estudantes estão inseridos.
c – Sobre a dinâmica dos GBP:
- Recomenda-se que cada sessão de Grupo seja dividida em duas partes: uma para
apresentação e discussão dos casos/PTS e outra para a discussão teórica.
- Estudantes devem apresentar o caso em dois momentos ao longo do semestre (ou
do período estipulado para o acompanhamento do caso): primeiramente focando nos motivos
da escolha do caso e nas primeiras impressões dos estudantes e, no segundo momento,
discutindo sobre a construção do PTS, os avanços e desafios alcançados, refletindo sobre como
os estudantes se sentiram durante todo o processo. É interessante que haja uma data bem
estabelecida para a escolha dos casos, pois alguns alunos tendem a demorar nessa decisão,
dificultando a questão da longitudinalidade do acompanhamento. Por fim, programar a
devolutiva, para a equipe, dos casos acompanhados pelos estudantes, juntamente com os
apoiadores.
- A discussão teórica deve combinar oferta dos apoiadores com demandas dos
estudantes, correlacionando os temas escolhidos com os casos discutidos. Sempre que
123

necessário auxiliar os estudantes na busca de referências sobre o tema. Dividir responsáveis


pela condução da discussão em cada encontro é uma estratégia interessante para responsabilizar
os estudantes no processo de ensino aprendizagem. Estimular a discussão dos temas em roda,
evitando que sejam realizadas ‘palestras’ sobre os assuntos.
- Os temas das ofertas teóricas variam entre assuntos mais gerais entremeados com
dúvidas específicas dos estudantes. Os temas gerais frequentemente trabalhados nos GBP são:
PTS, entrevista motivacional, medicina centrada na pessoa, cuidando do cuidador, competência
cultural, clínica ampliada e compartilhada, Grupos Balint-Paideia, como lidar com pacientes
que frequentam constantemente a UBS, visita domiciliar, apoio matricial, saúde mental na
atenção básica, fluxos de atendimento na rede de atenção à saúde, dentre outros.
- Intercalar a discussão dos temas gerais com os específicos pode ser uma estratégia
para aumentar a motivação dos estudantes. Por exemplo, uma dupla de alunos iniciou o
acompanhamento de um casal de idosos e o senhor faleceu. Tiveram muita dificuldade em dar
andamento ao caso e nas visitas pós-óbito, o que gerou uma discussão sobre luto. Outro
exemplo foi o caso de mulher transexual de 30 anos, recém chegada à área de abrangência da
UBS, que havia realizado cirurgia de resignação 3 anos antes e que, ao fazer rastreio de
infecções sexualmente transmissíveis, foi diagnosticado sífilis. A oferta teórica foi sobre
acesso, acolhimento e acompanhamento de pessoas transexuais na rede de atenção à saúde, com
presença de professora convidada, que era coordenadora do Centro de Referência e Assistência
Integral à Saúde Transespecífica da UFU. Uma dúvida específica dos estudantes, que foi
acolhida como uma demanda teórica, foi como realizar o exame físico da neovagina.
- Deve-se ter cuidado para não haver excesso instrumentalista na oferta teórica ou
nas reflexões. A discussão de algumas questões mais cognitivas pode ser postergada ou
programada para outros momentos do currículo (ex: tratamento medicamentoso da
hipertensão), mas não podem ser ignoradas pelos apoiadores a reflexão sobre os relatos dos
estudantes que permeiam temas como a culpabilização, racismo, alienação, preconceito, dentre
outros.
d – Sobre os apoiadores:
- Sugere-se que cada GBP sejam apoiados por uma dupla de profissionais;
- O perfil dos apoiadores deve mesclar médicos (médicos de família e comunidade
ou sanitaristas) com profissionais de outras áreas, que tenham uma abordagem mais ‘psi’
(psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, dentre outros).
- Os apoiadores devem lidar com o desconforto dos estudantes (e também deles
próprios) ao expor e lidar com os afetos. Essa dificuldade de se lidar com o subjetivo é comum
124

no curso de medicina que ainda tem predominância do modelo biomédico, o que tende a
objetivar a vida e endurecer as pessoas, enrijecendo-as à protocolos e guidelines.
- Ter em mente que o papel do apoiador no GBP não é neutro. Os estudantes sabem
que os apoiadores são a favor do SUS e da saúde pública, por exemplo, o que vai influenciar
(consciente ou inconscientemente) na sua fala sobre o SUS, seja quando de pontos fortes, das
fragilidades ou mesmo de algum aspecto desconhecido sobre o tema. O apoiador deve
contribuir para a construção de um espaço protegido para reflexão, para facilitar aos
participantes dos GBP dizerem realmente o que pensam, seja opiniões contrárias às concepções
e ideologias do próprio apoiador ou mesmo se colocar quando não sabe ou não compreende
determinado assunto. Por outro lado, o apoiador não deve ser um oráculo ou um conselheiro,
ou seja, não deve ser visto como alguém que sabe tudo e que possui todas as respostas
(corretas!). O apoiador também necessita de ser apoiado, pois é preciso reconhecer suas
próprias emoções e se colocar em análise quando identificar que não está conseguindo exercer
o seu papel de apoio de maneira efetiva, como por exemplo, quando nota que invadiu de forma
negativa o espaço do outro.
- Recomenda-se a existência de um profissional de referência para realizar o
processo de formação e análise dos apoiadores com reflexão durante todo processo.
e – Sobre a integração ensino-serviço e práticas pedagógicas nos GBP:
- Pactuar previamente com os serviços a inserção dos estudantes nas equipes de
saúde da família, num movimento de cogestão do estágio.
- Deve-se envolver os profissionais da rede em todo o processo e dependendo da
organização da instituição, pode-se convidar profissionais para participar dos GBP, ofertar
capacitações e oferecer apoio nas unidades para discussão de casos complexos.
- Recomenda-se pensar em estratégias para realizar o feedback dos casos discutidos
nos GBP com os profissionais da equipe de referência. De preferência, envolver os docentes
responsáveis pela supervisão dos alunos ou os próprios apoiadores na discussão dos casos em
equipe. O trabalho em equipe e interdisciplinar ainda é um desafio para todos os estudantes. É
importante que o apoiador/professor esteja presente em algumas reuniões de equipe para
acompanhar esse processo e, inclusive, servir de modelo e apoio para os estudantes.
- É importante identificar as potencialidades da equipe bem como as práticas mais
frágeis (ou não-práticas). Isso ajuda na singularização do planejamento das atividades dos
internos na rede, visto que a potência do internato é a formação baseada na prática. Por exemplo,
como neste estudo foi identificado que a visita domiciliar é um dos cenários em que os
125

estudantes mais percebem a interdisciplinaridade na prática, essa ação deve ser estimulada neste
contexto.
Os GBP com estudantes apresentam um grau de objetivação maior do que o
realizado com profissionais do serviço, pois os primeiros devem aprender alguns conceitos
básicos, previstos no currículo, além de ter o objetivo final de “passar de ano”. Como forma de
minimizar esses aspectos, os GBP realizados no internato de Saúde Coletiva, apesar de haverem
sido uma atividade obrigatória, tiveram como avaliação um processo formativo e não somativa,
ou seja, não eram aplicadas notas aos GBP, apenas a exigência de uma frequência mínima aos
encontros e uma avaliação processual durante os encontros.
A formação dos estudantes depende de um conjunto de características definidas
pelas culturas das instituições na qual os estudantes estão imersos, ou seja, a cultura do curso
de graduação e da universidade como também a cultura dos serviços que compõem o campo de
prática, envolvendo tanto as boas práticas como aquelas que ainda devem ser aprimoradas ou
que ainda não alcançaram a maturidade desejada.
Uma das limitações metodológicas deste estudo foi a avaliação pontual do olhar
dos estudantes sobre sua prática na APS, já que o questionário foi aplicado apenas ao final do
curso, de forma transversal. Caso fossem avaliadas as práticas dos estudantes no início e ao fim
do semestre, seria possível avaliar mudanças de prática na APS e não apenas um recorte da
percepção dos estudantes sobre sua formação. O aprofundamento desta questão pode ser
realizado com novas pesquisas que incorporem outros olhares na avaliação da prática dos
estudantes, como a de docentes/apoiadores e dos profissionais de saúde da rede. Isso poderia
ter sido feito, por exemplo, com a presença de profissionais das equipes de saúde da família nos
grupos Balint-Paideia.
A incorporação dos trabalhadores nos GBP foi e costuma ser um desafio, visto que
não há a cultura institucional no SUS de se refletir sobre a própria prática nos serviços. Também
precisaria ser revista a quantidade de grupos e de apoiadores, já que aumentaria o número de
participantes em cada GBP. Se os trabalhadores forem inseridos nos GBP, sugere-se que os
apoiadores tenham bastante manejo para lidar com questões prementes que podem surgir, como
os conflitos internos da própria equipe e a relação desta com os estudantes, que poderiam se
sobrepor a uma discussão mais ampliada dos casos.
Vale destacar que esta pesquisa teve um importante papel pedagógico para todos os
atores envolvidos. Para os estudantes, os principais efeitos identificados foram: ampliação da
clínica, possibilidade de reflexão sobre a prática, oferta teórica variada contemplando temas
abrangentes e específicos, importância da realização do PTS e aprendizado de como vivenciar
126

o trabalho interprofissional. Além disso, um aspecto pouco explorado na tese, mas não menos
importante, foi a formação dos docentes que participaram dos GBP já que, exceto pela autora
dessa tese, a metodologia era desconhecida pelos professores, sendo necessário um processo de
formação que perdurou um ano, com discussão e reflexões do papel desses professores como
apoiadores.
Os três casos apresentados nos capítulos dessa tese exemplificaram situações
corriqueira do cotidiano das equipes e dos estudantes. Os casos também exemplificaram a
complexidade da vida e a singularidade de cada experiência, o que pode ser utilizado como
recurso pedagógico em qualquer campo de atuação que os estudantes estiverem.
A experiência tem a ver com o que nos toca, o que nos passa ou nos acontece. O
que é bem diferente de informação, conhecimento ou aprendizagem, apesar de muitas vezes
serem utilizadas como sinônimos. Aliás, o excesso de informação pode atrapalhar o
desenvolvimento da experiência58.
Os GBP permitiram que os internos tivessem espaços de reflexão diferentes dos
tradicionais métodos de ensino de discussão de caso, que tem foco no “aprender com o caso”,
no sentido de adquirir mais informações. Após tantos aprendizados durante o curso de medicina
e, especificamente no 12º período, fica a reflexão: o que ‘tocou’ esses estudantes durante a
discussão dos PTS?
Por outro lado, pode-se enxergar a experiência do ponto de vista dos usuários. A
fala do usuário é a fala da experiência, de quem sofre, de quem foi tocado por determinadas
condições que o fragilizaram ou o fortaleceram. Experiência é sempre a pessoa que tem. Mesmo
que duas pessoas passem pelo mesmo acontecimento, cada um terá uma experiência diferente,
singular e que não pode ser repetida58.
Ao longo dos anos, com a introdução do pensamento científico e do método, a
experiência passou a ser reconhecida como experimento, algo que pode ser planejado,
previsível. Ao se supervalorizar o conhecimento e separar o saber da experiência (aquele que
se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana) do conhecimento, há uma
descaracterização do sentido da experiência como algo singular. É como se as pessoas não
conseguissem encarnar-se em si mesma e nem vivenciar suas experiências singulares e ao
mesmo tempo heterogêneas e plurais58.
Resgatar a valorização da experiência de estudantes no 12º período do curso de
medicina, um curso predominantemente biomédico, embasado nos preceitos da ciência e da
metodologia científica, é um desafio. Não há como saber a experiência que uma pessoa ou um
paciente teve. E para não objetivar demasiadamente a prática clínica, é preciso ter olhos de ver
127

e ouvidos de ouvir, ou seja, é preciso que a escuta também seja singular. Ao se analisar o trajeto
percorrido pelos estudantes, pode-se perceber que alguns deles se aproximaram da vivência da
experiência ao reconhecerem a complexidade dos casos e se imergirem em situações variadas
na APS, e também, por manter um contato longitudinal, prolongado (por 6 meses), com as
famílias acompanhadas no PTS.
Dessa forma, essa pesquisa demonstrou que os GBP podem contribuir para
evidenciar aos alunos a complexidade da APS e, mais do que isso, a complexidade da vida e
como a experiência é singular. Essa é uma das marcas dos GBP que podem ser levadas para
toda a vida acadêmica ou pessoal dos estudantes e futuros profissionais médicos. Assim,
considerando a potência dos GBP como dispositivo de aprendizagem, estes podem ser
utilizados durante a graduação como um dos caminhos de se colocar em prática as Diretrizes
Curriculares do curso de graduação em medicina.
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7. APÊNDICES
135

APÊNDICE 1 – Questionário de Avaliação de Práticas na APS

Questionário de Avaliação de Mudanças de Práticas e Processo de Trabalho na APS


Internato de Saúde Coletiva FAMED UFU 2019-2

Data: ______ / ______ /______

Seção 1 Responda com que frequência, durante o Internato de Saúde Coletiva, você
realizou as seguintes ações:

1. Construir com o usuário seu plano terapêutico.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

2. Interromper o usuário sempre que necessário tendo em vista a objetividade do diagnóstico.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

3. Orientar o usuário, de forma a promover o autocuidado, quanto às consequências potenciais


de sua(s) doença(s).
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

4. Fazer perguntas que abordam as questões sociais e/ou emocionais do usuário. (


) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

5. Mudar o plano terapêutico a pedido do usuário ou frente a sua opinião divergente ou


discordante.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

6. Avaliar, junto do usuário, seu grau de motivação e sua capacidade de autocuidado, seu
suporte familiar e social.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

7. Desenvolver e pactuar metas do projeto terapêutico com o usuário e com seu cuidador,
observando se o usuário se sente confiante para mudar e se possui recursos para fazê-lo. (
) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

8. Acompanhar o alcance das metas propostas, repactuando o plano de ação sempre que
necessário.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
Não se aplica (não pactuo metas)

9. Compartilhar com a equipe e, se necessário, com outros serviços e setores os projetos


terapêuticos dos usuários cujos casos são mais complexos.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

10. Estabelecer entre os membros da equipe, com base nos projeto terapêutico elaborado,
responsabilidades e metas para o cuidado do usuário/família.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

11. Elaborar em conjunto com o especialista o projeto terapêutico do usuário, nos casos em que
136

há necessidade de serviços especializados.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

12. Participar do acolhimento aos usuários junto à equipe.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca
13. Compartilhar com a equipe e, se necessário, com outros serviços e setores os projetos
terapêuticos dos usuários cujos casos são mais complexos.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

14. Estabelecer entre os membros da equipe, com base nos projeto terapêutico elaborado,
responsabilidades e metas para o cuidado do usuário/família
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

15. Elaborar em conjunto com o especialista o projeto terapêutico do usuário, nos casos em que
há necessidade de serviços especializados.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

16. Participar do acolhimento aos usuários junto à equipe.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

Seção 2 - Responda com que frequência, durante o Internato de Saúde Coletiva, você
realizou e/ou participou das seguintes ações:

17. Planejamento das atividades da unidade de saúde/NASF.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

18. Construção e/ou análise de indicadores.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

19. Monitoramento e avaliação das ações e resultados alcançados em equipe.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

20. Atividades de educação em saúde com usuários.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

21. Ações coletivas na escola ou em outros equipamentos sociais da área de abrangência da


sua unidade.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

22. Atividades de educação permanente para/com os trabalhadores.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

23. Atividades destinadas a refletir sobre o SUS e a forma como os princípios do SUS se
apresentam na sua UBS.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

24. Atividades destinadas a refletir sobre a APS e a forma como os atributos da APS se
apresentam na sua UBS.
137

( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

25. Iniciativas de desenvolvimento comunitário com a população e/ ou movimentos sociais.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

26. Reuniões com a comunidade para desenvolver ações conjuntas e debater os problemas
locais de saúde, o planejamento da assistência prestada e os resultados alcançados.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

Seção 3 - Responda com que frequência, durante o Internato de Saúde Coletiva, você
trabalhou com outra categoria profissional

27. Fazendo discussão de caso.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

28. Fazendo visitas domiciliares.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

29. Discutindo o encaminhamento do usuário.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

30. Fazendo atividades coletivas/grupos.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

31. Fazendo atendimentos individuais.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

32. Analisando e implementando ações no território.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

33. Com quais categorias profissionais, durante o Internato de Saúde Coletiva, você trabalhou
realizando as ações acima (itens 22 a 27): MARQUE EM TODAS AS CATEGORIAS
PROFISSIONAIS COM AS QUIAS VOCÊ TRABALHOU.
( ) Médicos ( )Enfermeiros ( ) Dentistas ( ) Psicólogos ( ) Nutricionistas
( ) Fisioterapeutas ( )Terapeuta Ocupacional ( ) Farmacêuticos
( ) Veterinários ( )Educadores Físicos ( ) Auxiliares de enfermagem
( ) Agentes Comunitários de Saúde ( ) Outra. Qual? ___________________

34. E você já trabalhou com mais de duas categorias profissionais ao mesmo tempo?
( ) Sim ( ) Não

Seção 4: No manejo de casos complexos, responda com que frequência você utilizou,
durante o Internato de Saúde Coletiva, os recursos listados abaixo para apoiar as
decisões de condução do projeto terapêutico:

35. Literatura científica.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
138

não se aplica (não disponho de acesso a este recurso)

36. Sites de busca de evidências.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não disponho de acesso a estes recursos)

37. Calculadoras médicas.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não disponho de acesso a estes recursos)

38. Monitoramento e avaliação das listas de espera de consultas


especializadas, procedimentos, exames e afins.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não disponho de acesso às listas de espera)

39. Protocolos de atenção que orientam condutas terapêuticas.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não disponho de acesso a protocolos de atenção)

40. Discussão e análise de casos traçadores, eventos-sentinelas e incidentes críticos.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não disponho de acesso a protocolos de atenção)

41. Discussão com a equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não disponho de NASF ou sou membro do NASF)

42. Discussão de casos na unidade com especialistas.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não disponho de acesso a este recurso)

43. Discussão de casos no Telessaúde com especialistas.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não disponho de acesso ao Telessaúde)

44. Discussão com profissionais do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não disponho de acesso a este recurso)

45. Discussão com membros do Conselho Tutelar.


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

46. Discussão com profissionais do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS)


(ou serviço correspondente de Assistência Social)
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não disponho de acesso a este recurso)

47. Outros serviços de referência importantes.


Descreva, relatando a frequência com que os utiliza (sempre; quase sempre; às vezes; quase
139

nunca; nunca)

Seção 5 - Responda com que frequência você utilizou, durante o Internato de Saúde
Coletiva, as estratégias ou ferramentas de abordagem familiar e de grupos sociais
específicos:

48. Genograma ou Familiograma:


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

49. Mapeamento da rede social significativa ou Ecomapa:


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

50. Visita domiciliar:


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

51. Prontuário familiar:


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não há prontuário familiar)
Seção 6 Responda com que frequência você considera na sua prática (consultas,
intervenções etc) as seguintes questões:

52. Renda dos usuários:


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

53. Escolaridade dos usuários:


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca
140

54. Gênero dos usuários:


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

55. Raça/cor dos usuários:


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

56. Idade dos usuários:


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

57. Saúde mental dos usuários:


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

58. Rede de apoio dos usuários:


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

59. Contexto do território em que residem os usuários:


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca

Seção 7 - Responda com que frequência, no Internato de Saúde Coletiva, você participou
dos seguintes espaços:

60. Reunião de equipe da unidade


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( ) não
se aplica (não existe tal espaço)

61. Colegiado gestor da unidade


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não existe tal espaço)

62. Conselho Local de Saúde


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não existe tal espaço)

63. Conselho Distrital de Saúde


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não existe tal espaço)

64. Conselho Municipal de Saúde


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não existe tal espaço)

65. Comitê de Mortalidade Materno-infantil


( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
não se aplica (não existe tal espaço)

66. Cite outros espaços institucionais e a frequência com que você participou (sempre;
quase sempre; às vezes; quase nunca; nunca)
141

Seção 8 - Assinale a alternativa que melhor contempla sua opinião a respeito das
sentenças:

67. O usuário deve sempre seguir as orientações dos profissionais de saúde.


( ) Concordo totalmente ( ) Concordo parcialmente ( ) Não concordo, nem discordo
( ) Discordo parcialmente ( ) Discordo totalmente

68. Deve haver um profissional de referência – coordenador de caso – que deverá


compartilhar discussões, planos e metas com equipe e com outros especialistas quando
necessário.
( ) Concordo totalmente ( ) Concordo parcialmente ( ) Não concordo, nem discordo
( ) Discordo parcialmente ( ) Discordo totalmente

69. As demandas sociais dos usuários devem ser sempre direcionadas aos profissionais
da assistência social.
( ) Concordo totalmente ( ) Concordo parcialmente ( ) Não concordo, nem discordo
( ) Discordo parcialmente ( ) Discordo totalmente

70. As demandas de saúde mental dos usuários devem ser sempre direcionadas
aos profissionais especialistas em saúde mental.
( ) Concordo totalmente ( ) Concordo parcialmente ( ) Não concordo, nem
discordo ( ) Discordo parcialmente ( ) Discordo totalmente

71. O "trabalhador da ponta" não tem poder de produzir mudanças na instituição (secretaria
de saúde ou Sistema Único de Saúde).
( ) Concordo totalmente ( ) Concordo parcialmente ( ) Não concordo, nem
discordo ( ) Discordo parcialmente ( ) Discordo totalmente

72. A instituição somente influencia seu trabalho de forma negativa.


( ) Concordo totalmente ( ) Concordo parcialmente ( ) Não concordo, nem
discordo ( ) Discordo parcialmente ( ) Discordo totalmente

Seção 9 - Responda a respeito de como se sente

73. Como você avalia sua comunicação com os demais membros da sua
equipe? ( ) Ótima ( ) Boa ( ) Regular ( ) Ruim (
) Péssima

74. Numa escala de 1 a 5, como você se sentiu durante a maior parte das atividades
que realizou na UBSF, sendo 1 nada satisfeito e 5 muito satisfeito?

(1) (2) (3) (4) (5)


142

Descreva seus sentimentos:

Seção 10 - Responda livremente a questão a seguir:

75. Você se considera apto para atuar como médico na Atenção Primária? Por que?
143

APÊNDICE 2 – Roteiros dos Grupos Focais

Roteiro do Grupo Focal inicial

Perguntas norteadoras:

1. O quanto vocês se sentem responsáveis e comprometidos com o funcionamento e


melhoria do SUS?

2. Como as relações de poder nos espaços de formação interferem na sua prática médica?

3. O que vocês entendem sobre o termo Clínica Ampliada e Compartilhada?

4. Conte, a partir de suas experiências, sobre as facilidades e os entraves para a realização


da coordenação do cuidado.

5. Como é para você trabalhar com outros profissionais (enfermeiro, técnico de


enfermagem, auxiliares administrativos, auxiliares de serviços gerais, psicólogos,
fisioterapeutas e outras categorias profissionais)?

Anotações

- Número de participantes:
- Horário de início:
- Horário de término:

Percepções sobre o grupo focal realizado:


144

Roteiro do Grupo Focal final

Perguntas norteadoras:

1. Quais avanços e desafios vocês identificaram na construção e realização do Projeto


Terapêutico Singular? (ver se aparece a importância dos Grupos Balint Paideia).

2. Comente sobre a vivência de vocês no SUS. Que papel os estudantes têm na qualificação
do SUS? (discutir sobre a implicação e responsabilidade dos estudantes com o SUS)

3. Comente sobre os aspectos positivos e negativos do SUS. (compreender o entendimento


dos alunos sobre o SUS)

4. Como as relações de poder nos espaços de formação interferem na sua prática médica?
(compreender o entendimento dos alunos sobre como as relações de poder afetam a
conduta deles)

5. O que é fazer Clínica para vocês? (discutir clínica ampliada e compartilhada)

6. Na sua opinião, qual é a responsabilidade do médico no cuidado do paciente? (discutir


o papel da coordenação do cuidado)

7. Como é para você trabalhar com outros profissionais (enfermeiro, técnico de


enfermagem, auxiliares administrativos, auxiliares de serviços gerais, psicólogos,
fisioterapeutas e outras categorias profissionais)? (discutir trabalho em equipe)

Anotações

- Número de participantes:
- Horário de início:
- Horário de término:

Percepções sobre o grupo focal realizado:


145

APÊNDICE 3 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título da pesquisa:
Avaliação do Método Balint Paideia na formação de estudantes para a Atenção Primária à
Saúde

Pesquisadores responsáveis:
Coletivo de Estudos e Apoio Paideia - DSC/FCM/UNICAMP
Doutoranda: Elisa Toffoli Rodrigues – DSC/FCM/UNICAMP e DESCO/FAMED/UFU
Coordenação geral da pesquisa: Prof. Dr. Gastão Wagner de Souza Campos -
DSC/FCM/UNICAMP

Número do CAAE: 00849118.0.3001.5152

Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa. Este documento, chamado
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos como
participante da pesquisa e é elaborado em duas vias, assinadas e rubricadas pelo
pesquisador e pelo participante/responsável legal, sendo que uma via deverá ficar com
você e outra com o pesquisador.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas.
Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o
pesquisador. Se preferir, pode levar este Termo para casa e consultar seus familiares ou
outras pessoas antes de decidir participar. Não haverá nenhum tipo de penalização ou
prejuízo se você não aceitar participar ou retirar sua autorização em qualquer momento.

Justificativa e objetivos:
Esta pesquisa abordará um dos principais desafios na formação de médicos
generalistas, que é a qualificação para atuarem na atenção primária à saúde. Dessa forma,
este estudo se propõe a avaliar o Método Balint Paideia como estratégia de formação para
estudantes que atuam na Atenção Primária do Sistema Único de Saúde.
Os objetivos específicos desta pesquisa são: (1) Avaliar o Método Balint Paideia
como inovação na formação em saúde; (2) Elaborar instrumento de avaliação de
conhecimentos e práticas dos estudantes que atuam na Atenção Primária; (3) Investigar
as mudanças e efeitos pedagógicos do Método Balint Paideia para a formação de
estudantes para a APS; (4) Sugerir estratégias para incorporação dos grupos Balint-Paideia
como metodologia de ensino aprendizagem no internato médico (5) Descrever os
componentes curriculares que trabalham a inserção dos estudantes de medicina da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU) na Atenção Primária à Saúde.

Procedimentos:
Participando do estudo você está sendo convidado a: participar dos Grupos Balint
Paideia (GBP) no internato de saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da UFU.
Os encontros dos Grupos serão semanais, terão duração de 4 horas, ocorrerão por 24
semanas e serão objeto de pesquisa por meio de observação participante, com a produção de
diários de campo. Neles os pesquisadores irão anotar observações pessoalmente realizadas,
informações prestadas por outras pessoas informalmente e enunciados verbais que
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constituem citações dos atores sociais em estudo. Todos os materiais produzidos por você
ao longo dos Grupos Balint Paideia, como Projetos Terapêuticos Singulares e de
Intervenção, bem como as avaliações também serão objeto de pesquisa. No entanto, estes
materiais serão utilizados sempre de forma anônima, seu nome não será mencionado. Você
também será convidado a responder questionários para caracterização do perfil dos
participantes no estudo e para avaliação da aquisição de habilidades para o trabalho na
Atenção Primária à Saúde a partir da participação na pesquisa. Os diários de campo,
questionários e materiais dos GBP, a serem utilizadas apenas no âmbito desse estudo,
serão arquivadas após a conclusão do estudo e descartados após dois anos do término da
pesquisa.
Além da participação nos Grupos Balint Paideia, você e os demais
participantes serão convidados a participar de grupos focais. Nesse momento, os
participantes do Grupo Focal irão discutir o trabalho na Atenção Primária à Saúde, a
participação nos GBP e temas pertinentes aos objetivos da pesquisa. Nos Grupos Focais,
pretende-se promover reflexão entre os participantes, que poderão apresentar suas próprias
análises e contribuir com reflexões e sugestões para a formulação dos resultados finais da
pesquisa. Os Grupos Focais terão duração de até duas horas, serão audiogravados e as
gravações e transcrições de audio, a serem utilizadas apenas no âmbito desse estudo, também
serão arquivadas após a conclusão do estudo e descartadas após dois anos do término da
pesquisa.
A aceitação ou recusa na participação na pesquisa não trará nenhum
prejuízo para o desenvolvimento das suas atividades acadêmicas, bem como não
repercutirá em mudanças do trato pessoal do docente com o estudante ou das notas
atribuídas às atividades acadêmicas.

Desconfortos e riscos:
Você não deve participar deste estudo se não tiver realizado a maior parte da
graduação de medicina (considerando do primeiro ao décimo primeiro períodos do curso)
na Universidade Federal de Uberlândia.
Os desconfortos e riscos consistem em: riscos psicológicos por constrangimentos nas
discussões dos casos clínicos ou desconforto ao descrever sua participação nos grupos focais.
Todos esses riscos e desconfortos serão minimizados ao considerar que os responsáveis
pela condução dos Grupos Balint- Paideia e dos grupos focais serão treinados e capacitados
para tal, tentando criar ambientes acolhedores e protegidos para que as questões éticas e
morais prevaleçam, preocupando-se sempre com o bem-estar de todos os estudantes,
especialmente aqueles que estiverem se expondo, seja na apresentação de um caso, numa
fala ou em qualquer situação. Por último, há o risco mínimo de identificação do
estudante na participação na pesquisa. Para minimizar esse risco de identificação,
todos os estudantes serão identificados por números aleatórios para contribuir com a
preservação do anonimato.

Benefícios:
O benefício proporcionado por esta pesquisa relaciona-se à participação nos Grupos
Balint Paideia no internato de saúde Coletiva, com acompanhamento longitudinal
pelos docentes do Departamento de Saúde Coletiva, os quais acompanharão o seu
aprendizado e farão feedbacks formativos nas avaliações periódicas, contribuindo para
que você esteja mais qualificados para a prática médica futura. Além disso, a participação
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na pesquisa permitirá o fortalecimento da metodologia dos Grupos Balint-Paideia como


ferramenta de ensino-aprendizado, favorecendo a inserção desta no currículo médico,
tanto na UFU como em outros locais de formação.

Acompanhamento e assistência:
Considerando que os riscos (mínimos) da pesquisa são riscos psicológicos, caso seja
necessário o acompanhamento e assistência dos participantes, estes serão realizados pela
psicóloga Fernanda Nogueira Campos Rizzi, que é colaboradora voluntária da pesquisa.

Sigilo e privacidade:
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma
informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores.
Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será citado.

Ressarcimento:
Você não terá benefícios financeiros decorrentes de sua participação nesta pesquisa,
nem terá ressarcido eventuais gastos que se façam necessários à sua participação.

Contato:
Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com os
pesquisadores: Elisa Toffoli Rodrigues, Departamento de Saúde Coletiva FAMED/UFU, Av.
Pará, 1720, bloco 2U, sala 09, campus Umuarama - Uberlândia/MG, 38400-902, fone: (34)
3225-8273; ou com o pesquisador Prof. Gastão Wagner de Souza Campos, Departamento de
Saúde Coletiva – FCM/UNICAMP-SP, Fone: (19)
35218036, e-mail [email protected].
Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do
estudo, você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa
(CEP) da UNICAMP das
08:00hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:30hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP
13083-887
Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail: [email protected].
Você poderá também entrar em contato com o CEP - Comitê de Ética na Pesquisa
com Seres Humanos na Universidade Federal de Uberlândia (instituição coparticipante)
localizado na Av. João Naves de Ávila, no 2121, bloco A, sala 224, campus Santa
Mônica – Uberlândia/MG, 38408-100; telefone: 34-3239-4131.
O CEP é um colegiado independente criado para defender os interesses dos
participantes das pesquisas em sua integridade e dignidade e para contribuir para o
desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos conforme resoluções do Conselho
Nacional de Saúde.

Consentimento livre e esclarecido:


Após ter recebido esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos,
métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar,
aceito participar:

Nome do (a) participante:


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_______________________________________________________________

___________________________________________ Data: _____/_____/_____


(Assinatura do participante)

Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e
complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma via deste documento
ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi
apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa
exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento
dado pelo participante.

___________________________________________ Data: _____/_____/_____


(Assinatura do pesquisador)
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8. ANEXOS
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ANEXO 1 – Pareceres dos Comitês de Ética em Pesquisa


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UNIVERSIDADE FEDERAL DE
UBERLÂNDIA/MG

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP


Elaborado pela Instituição Coparticipante

DADOS DO PROJETO DE PESQUISA

Título da Pesquisa: Avaliação do Método Balint Paideia na formação de estudantes para a Atenção
Primária à Saúde
Pesquisador: Elisa Toffoli Rodrigues
Área Temática:
Versão: 3
CAAE: 00849118.0.3001.5152
Instituição Proponente: Faculdade de Medicina
Patrocinador Principal: Financiamento Próprio

DADOS DO PARECER

Número do Parecer: 3.363.071

Apresentação do Projeto:
Trata-se de parecer elaborado referente à Carta de respostas às pendências geradas no parecer
consubstanciado número 3.342.109, de 22 de maio de 2019.

O Grupo Balint-Paideia é um método que considera que a formação dos profissionais de saúde deve
assegurar o desenvolvimento de competências técnicas, éticas e relacionais para a compreensão das
múltiplas dimensões constitutivas dos sujeitos e coletivos, essenciais para o trabalho interdisciplinar e em
equipe, e para uma aproximação genuína à complexa realidade das pessoas, além de desenvolver, junto
com os profissionais, a capacidade de agir sobre a instituição e os mecanismos de gestão dos processos de
trabalho. O objetivo deste trabalho é avaliar o Método Balint Paidéia como estratégia de formação para
estudantes que atuam na Atenção Primária do Sistema Único de Saúde. Essa pesquisa utiliza a
metodologia de “pesquisa intervenção tipo Apoio”, a qual está inserida no campo das pesquisas qualitativas.
A pesquisa terá duas etapas: a etapa exploratória, que analisará o currículo do curso de medicina da UFU,
com destaque para a inserção dos estudantes na Atenção Primária à Saúde e servirá como subsídio para
segunda etapa, que será a “pesquisa intervenção tipo Apoio” propriamente dita. Esta se dará por meio dos
Grupos Balint -Paideia para estudantes de medicina. Serão utilizadas quatro formas de produção de dados.
A primeira será quantitativa, a partir da aplicação do instrumento elaborado na etapa pré-intervenção. A
segunda será observacional, realizada pelos pesquisadores e apoiadores

Endereço: Av. João Naves de Ávila 2121- Bloco "1A", sala 224 - Campus Sta. Mônica
Bairro: Santa Mônica CEP: 38.408-144
UF: MG Município: UBERLANDIA
Telefone: (34)3239-4131 Fax: (34)3239-4335 E-mail: [email protected]

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ANEXO 2 –Declaração da Editora Hucitec sobre a publicação dos capítulos de livro que
compõem a tese
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ANEXO 3 – Autorização de reuso de capítulo de livro já publicado

Campinas, 14 de julho 2022.

Editora Hucitec
Rua Dona Inácia Uchoa, 209. CEP: 041100-020. São Paulo-SP

Venho por meio desta solicitar uma permissão para reutilizar os capítulos incluídos no seguinte
livro “Nas entranhas da Atenção Primária à Saúde” para inclusão em minha tese de doutorado:

1- Elisa Toffoli Rodrigues; Erica Maria Ferreira Oliveira; Fernanda Nogueira Campos Rizzi;
Henrique Cardoso Marcene; Gabriela Ferreira de Camargos Rosa; Vilson Limirio Junior;
Gastão Wagner de Sousa Campos. Clínica ampliada na formação médica: o uso do
método Balint Paideia. In: Guedes F et al (org). Nas entranhas da Atenção Primária à
Saúde. São Paulo: Hucitec editora, 2021. p.92-107.

2- Elisa Toffoli Rodrigues; Fernanda Nogueira Campos Rizzi; Henrique Cardoso Marcene;
Gastão Wagner de Sousa Campos. Formação de estudantes para uma clínica ampliada e
compartilhada: contribuições dos Grupos Balint Paideia. In: Guedes F et al (org). Nas
entranhas da Atenção Primária à Saúde. São Paulo: Hucitec editora, 2021. p.283-305.

Esta tese é apenas para uso acadêmico e não será usada para fins comerciais, publicitários ou
promocionais. Estou planejando fazer apenas a versão eletrônica da tese, a qual será
disponibilizada no Banco de Teses da Universidade.

Agradeço muito antecipadamente!


Atenciosamente,

Elisa Toffoli Rodrigues


Pós-graduanda em Saúde Coletiva
Faculdade de Ciências Médicas – Universidade Estadual de Campinas
Rua Vital Brasil, 80. Cidade Universitária Zeferino Vaz. CEP 13083-883 – Campinas-SP,
Brasil.
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