Rodrigues Elisatoffoli D
Rodrigues Elisatoffoli D
Rodrigues Elisatoffoli D
CAMPINAS
2022
ELISA TOFFOLI RODRIGUES
CAMPINAS
2022
FICHA CATALOGRÁFICA
COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO
ELISA TOFFOLI RODRIGUES
MEMBROS TITULARES:
Agradeço a toda a minha rede de suporte que tornou possível eu fazer esse doutorado
imediatamente após o nascimento do Paulo, meu filho mais novo, e durante o período mais
crítico da pandemia da COVID-19.
Agradeço ao prof. Gastão por ser fonte de inspiração para a vida! Agradeço pelo acolhimento
de uma puérpera no processo seletivo, adaptando a entrevista para o formato online (que não
existia na época); por acreditar no meu potencial e investir na minha formação; por ser um
orientador presente e ativo; pelos ensinamentos (e quantos ensinamentos!); pela arte de se
comunicar, transformando assuntos complexos em uma fala gostosa e compreensível. Não
tenho palavras para descrever toda a contribuição desse mestre, mas fica minha gratidão de
poder tê-lo com orientador dessa tese e poder fazer parte do Coletivo Paideia.
Aos meus pais. Pela vida. Pelo exemplo. Pelo suporte em todos os momentos difíceis da vida.
Por compartilhar diariamente amor comigo. Agradeço às conversas amigas e simples troca de
olhares com minha mãe, aos conselhos e poesias do meu pai, que me fortalecem e me fazem
sentir tão amada!
Aos meus irmãos, perto ou longe, que sempre me apoiaram e que torcem pelas minhas vitórias.
Em especial à família do André que tornou possível minhas viagens à Campinas com o Paulo
ainda bebê.
Ao Marcelo, por TUDO!!! Por seu um companheiro daqueles que você sabe que pode contar a
vida toda! Que em diversos momentos acreditou em mim mais do que eu mesma! Que deu
suporte na casa e com os filhos durante minhas ausências. Que sentava comigo e conversava
sobre a tese nos momentos em que ‘eu travava’ e que parecia não ter saída. Pela insistência em
me ajudar a ser mais organizada com o espaço físico, com os prazos e com as minhas tarefas.
Por me ajudar a ser melhor a cada dia. Pela paciência. Por fazer parte da minha vida há tantos
anos.
Aos meus filhos, Paulo e Mateus, pela companhia e por terem ressignificado minha vida!
Aos estudantes do internato de Saúde Coletiva da UFU por aceitarem participar dessa pesquisa.
À Gabriela e ao Vilson, por toparem registrar o Projeto Terapêutico realizado por eles durante
e internato e escreverem em coautoria um dos capítulos publicados no livro Nas entranhas da
Atenção Primária.
Aos trabalhadores das equipes de Saúde da Família de Uberlândia, por acolherem tão bem os
estudantes e nós professores, pelas trocas de conhecimento e pelos aprendizados.
Às professoras Eliana Cyrino, Ana Estela Haddad e Daniele Sacardo e aos professores Gustavo
Raimondi, Gustavo Tenório e Nilton Pereira Júnior, por aceitarem participar das bancas de
qualificação e defesa.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo avaliar os efeitos do Grupo Balint Paideia (GBP) como
estratégia de formação para estudantes que atuam na Atenção Primária à Saúde (APS) do SUS.
Trata-se de uma pesquisa de intervenção tipo Apoio com abordagem quanti e qualitativa. Foram
realizados GBP com 42 estudantes do 12º período do curso de medicina de uma universidade
pública, os quais realizavam estágio na APS. Os grupos tiveram frequência quinzenal durante
6 meses e foram apoiados por docentes do departamento de Saúde Coletiva da mesma
instituição dos alunos. Os dados foram produzidos por meio da observação participante e diário
de campo dos apoiadores, por meio da avaliação dos projetos terapêuticos singulares (PTS)
realizados por duplas de estudantes, pela aplicação de questionário quantitativo que avaliou a
percepção dos estudantes sobre suas práticas na APS e por meio da realização de grupos focais
no início e final do semestre. A análise dos dados quantitativos foi descritiva e dos dados
qualitativos foi realizada por intermédio da construção de narrativas. Considerando-se a
percepção dos estudantes sobre suas práticas na APS, notou-se que eles valorizaram diferentes
aspectos durante o cuidado do usuário, como idade, gênero, saúde mental, renda, escolaridade
e contexto do território em que usuário residia, porém não a rede de apoio e a raça ou cor do
usuário, as quais nem sempre foram reconhecidas nas atividades clínicas dos internos. Os
estudantes tiveram a oportunidade de trabalhar com 12 categorias profissionais diferentes na
APS, sendo que as visitas domiciliares foram reconhecidas pelos estudantes como o cenário
mais potente para eles vivenciarem a interdisciplinaridade. Houve pequena valorização, pelos
estudantes, das ferramentas de abordagem familiar e comunitária, como genograma e ecomapa,
bem como baixa participação em atividades relacionadas à gestão. A combinação entre a prática
longitudinal na APS, os GBP e elaboração de PTS foi capaz de propiciar aos estudantes de
medicina uma atuação interdisciplinar, a qual foi analisada a partir dos seguintes núcleos
argumentativos: entraves e potencialidades para o trabalho em equipe; influência da formação
baseada no trabalho para o exercício da atividade colaborativa; e papel dos grupos Balint-
Paideia no processo formativo e na aprendizagem de conceitos relevantes para a APS. A
pesquisa também analisou três casos discutidos nos GBP que exemplificaram situações
corriqueiras da APS, demonstrando a complexidade da vida e a singularidade da experiência,
bem como contribuindo para a compreensão do conceito de clínica ampliada. Por fim,
considerando a necessidade premente de se colocar em prática as recomendações das Diretrizes
Curriculares Nacionais do curso de graduação em medicina e considerando a potência dos GBP
como dispositivo de aprendizagem, são sugeridas estratégias para a incorporação dos GBP no
internato médico.
This study aims to evaluate the effects of the Balint Paideia Group (BPG) pedagogical tool as
a training strategy for medical students in Primary Health Care (PHC) of the Brazil’s Unified
Health System This is an intervention research-support combining quantitative and qualitative
evidence. BPG was performed on 42 students of the 6th year of the medical course at a public
university, who were interning at PHC. These groups met biweekly for 6 months and were
supported by professors of the Public Health Department at the same institution as the students.
The data were produced through participant observation and the supporters' field diary, through
the evaluation of singular therapeutic projects (STP) made by pairs of students and through
focus groups. A quantitative questionnaire evaluated the students' perception of their practices
in PHC at the end of the semester. Analysis of quantitative data was descriptive, while
qualitative data analysis relied on the construction of narratives. Considering the students'
perception of their practices in PHC, it was noted that they valued different aspects during the
care of the patient, such as age, gender, mental health, income, schooling and the context of the
territory in which the user lived, but not the support network and the race or color of the person,
which were not always recognized in the clinical activities of the interns. Medical students had
the opportunity to work with 12 different professional categories in PHC, and home visits were
recognized by students as the most powerful scenario for them to experience interdisciplinarity.
There was little appreciation by students of family and community approach tools, such as
genogram and ecomap, as well as lack of participation in management-related activities. The
combination of longitudinal practice in PHC, BPG and elaboration of STP provided medical
students with an interdisciplinary performance, which was analyzed from the following
perspectives: obstacles and opportunities for teamwork; influence of work-based training for
the exercise of collaborative activity; and the role of Balint-Paideia groups in the training
process and in the learning of concepts relevant to PHC. The study also analyzed three cases
discussed in the BPG that exemplified usual situations in PHC, demonstrating the complexity
of life and the uniqueness of the experience, as well as contributing to understanding the concept
of amplified clinic. Finally, considering the pressing need to put into practice the
recommendations of the National Curriculum Guidelines of the undergraduate medical course
and considering the power of BPG as a learning device, strategies are suggested for the
incorporation of BPG in medical internship.
QUADROS
Quadro 1 - Características metodológicas dos Grupos Balint e dos Grupos Balint
Paideia para profissionais de saúde e para estudantes de medicina................................... 20
Quadro 2 - Quadro síntese da estrutura curricular do curso de medicina FAMED-
UFU................................................................................................................................... 35
GRÁFICOS
Gráfico 1 - Distribuição da frequência de construir com o usuário seu plano terapêutico
e de interromper o relato do usuário para garantir a objetividade, segundo os estudantes
do 12º período do curso de medicina (n=33), durante o Internato de Saúde Coletiva,
2019.................................................................................................................................. 49
Gráfico 2 - Distribuição da frequência que o estudante do 12º período do curso de
medicina (n=33), durante o ISC, participou de reunião de equipe ou do colegiado gestor
da UBS, do conselho local, distrital ou municipal de saúde e do comitê de mortalidade
materno-infantil.................................................................................................... 51
Gráfico 3 - Distribuição da frequência em que o estudante do 12º período do curso de
medicina (n=33), durante o ISC, realizou com outra categoria profissional discussão de
caso, visitas domiciliares, discussão sobre encaminhamento do usuário, atividades
coletivas ou grupos, atividades individuais e análise e implementação de ações no
território, 2019.................................................................................................................. 53
Gráfico 4 - Distribuição percentual da frequência com que os estudantes de medicina
utilizaram o genograma e o ecomapa durante o ISC.................................................. 55
FIGURA
Figura 1 - Material educativo elaborado pelas estudantes do 12o período de medicina
para realização de uma atividade de educação em saúde com a temática do diabetes.... 105
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Apresentação ................................................................................................................... 14
1. Introdução.................................................................................................................... 17
2. Objetivos....................................................................................................................... 32
3. Metodologia.................................................................................................................. 33
3.1 Campo da pesquisa........................................................................................... 34
3.2 Técnicas utilizadas na coleta de dados.............................................................. 36
3.3 Metodologia de análise de dados...................................................................... 40
3.4 Aspectos éticos................................................................................................. 42
4. Resultados..................................................................................................................... 44
4.1 Artigo 1 - Percepção dos estudantes sobre prática na Atenção Primária à Saúde
durante Internato de Saúde Coletiva (Submetido)................................................................... 44
4.2 Artigo 2 - O desafio da formação interdisciplinar de graduandos de medicina: 62
contribuições dos grupos Balint-Paideia (Submetido).....................................................
4.3 Capítulo 1 - Clínica Ampliada na formação médica: o uso do Método Balint-
Paideia............................................................................................................................... 82
4.4 Capítulo 2 - Formação de estudantes para uma clínica ampliada e
compartilhada: contribuições dos Grupos Balint-Paideia.................................................. 98
APRESENTAÇÃO
Sou Elisa Toffoli Rodrigues, moro em Uberlândia – MG, sou casada e tenho dois
filhos, Mateus e Paulo, sendo que o último nasceu no momento de seleção para o ingresso neste
doutorado.
Sou médica de família e comunidade, graduada em Medicina pela Universidade
Federal de Uberlândia (UFU). Logo após a graduação, fiz residência de Medicina de Família e
Comunidade no Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP (2008-
2010) e, posteriormente, mestrado na área de Saúde na Comunidade, na mesma instituição
(2010-2012). Em 2011, durante o meu mestrado, iniciei a carreira docente na Universidade
Federal de Uberlândia, no curso de medicina, mais especificamente no atual Departamento de
Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina (FAMED – UFU).
Na faculdade, além de ministrar aulas no eixo da Saúde Coletiva, tive experiência
na coordenação da Residência Médica de Medicina de Família e Comunidade, do internato de
Saúde Coletiva, do Núcleo de Atenção Básica e do Centro de Saúde Escola Jaraguá, todos
vinculados à FAMED UFU. Na gestão, ainda tive a experiência de coordenar a Atenção Básica
do Município de Uberlândia por quatro anos (2013-2016), período de aprendizado intenso e
enriquecedor para minha formação profissional e pessoal. Também atuei como tutora de duas
versões do Curso de Especialização em Preceptoria em Medicina de Família e Comunidade, da
UNASUS em parceria com a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
(UFCSPA) e, no segundo curso, com o Hospital Moinhos de Vento. Atualmente também sou
supervisora do Programa Mais Médicos (desde 2012, quando iniciei como supervisora do
Programa de Valorização da Atenção Básica - PROVAB).
Após alguns anos de prática docente e, sentindo a necessidade de me aprimorar
tanto na educação médica como no campo da saúde coletiva, iniciei o doutorado em Saúde
Coletiva na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Após o mestrado fiquei um
pouco desestimulada com a carreira acadêmica por considerar que as produções científicas
atingiam um público muito pequeno e, por esse motivo, teriam baixa capacidade de produzir
transformações da realidade. Após conhecer um pouco mais sobre pesquisa-ação a partir da
experiência de ser docente de um curso de apoio da Unicamp, me senti estimulada a me
aprofundar mais no assunto e aplicá-la na minha realidade local. Assim, essa pesquisa foi
desenvolvida com estudantes de medicina, no internato de Saúde Coletiva, com intuito de tentar
produzir ciência e conhecimento, mas também mudar práticas.
15
Essa tese está organizada no denominado formato alternativo, sendo composta por
uma contextualização do assunto a ser abordado (na introdução), seguida dos objetivos desse
estudo e da metodologia utilizada na pesquisa. Os resultados são apresentados no formato de
artigos e capítulos de livro já publicados ou submetidos para publicação.
No primeiro capítulo dos resultados é apresentado o artigo denominado “Percepção
dos estudantes sobre prática na Atenção Primária à Saúde durante internato de Saúde Coletiva”
o qual nos fornece um recorte sobre a visão dos estudantes sobre a sua própria formação para a
APS durante o internato. Em seguida, apresenta-se o artigo intitulado “O desafio da formação
interdisciplinar de graduandos de medicina: contribuições dos grupos Balint-Paideia”, que tem
como objetivo analisar o trabalho multiprofissional na perspectiva interdisciplinar na formação
de estudantes de medicina por meio de grupos Balint-Paideia. No terceiro e no quarto capítulos
são expostas reflexões sobre alguns casos clínicos apresentados pelos estudantes nos Grupos
Balint-Paideia (GBP). No terceiro capítulo, denominado “Clínica Ampliada na formação
médica: o uso do Método Balint-Paideia”, são apresentadas algumas reflexões que os GBP
proporcionaram para os alunos. No quarto capítulo, denominado “Formação de estudantes para
uma clínica ampliada e compartilhada: contribuições dos Grupos Balint-Paideia”, a partir de
duas histórias narradas nos GBP, exemplifica-se como foram conduzidas as reflexões nesses
Grupos com intuito de ampliar a clínica dos estudantes. Ambos textos compõem o livro “Nas
entranhas da atenção primária à saúde”, da Editora Hucitec, publicado em novembro 2021.
Os GBP foram implementados no internato de Saúde Coletiva da FAMED-UFU desde
início do 2019, coincidindo com o planejamento desta pesquisa de doutorado e com a chegada
da primeira turma de estudantes do currículo novo ao 12º período do curso de medicina. Após
um semestre de implementação da metodologia e formação dos docentes para o apoio dos
Grupos Balint-Paideia, foi iniciada a coleta de dados para esta pesquisa, especificamente, que
durou um semestre letivo. Mesmo após a coleta de dados concluída, os GBP continuaram a ser
realizados sendo que no segundo semestre de 2020 e primeiro semestre de 2021 eles foram
realizados de maneira virtual, denominados de Grupos Web Balint-Paideia, devido instauração
da epidemia do COVID-19 e necessidade de reestruturação das atividades teórico-práticas do
Internato.
No segundo semestre de 2021, com a permanência do cenário da pandemia do
Covid-19 e com a acentuação das dificuldades de diálogo da Universidade com a Secretaria
Municipal de Saúde, houve diminuição, pela prefeitura de Uberlândia, da oferta do campo de
prática na rede de atenção à saúde, sendo disponibilizadas poucas Unidades Básicas de Saúde
(UBS) para a realização do Internato. Desta forma, o internato de saúde coletiva foi totalmente
16
1. INTRODUÇÃO
Quadro 1 - Características metodológicas dos Grupos Balint e dos Grupos Balint Paideia para
profissionais de saúde e para estudantes de medicina
Grupo Balint Grupo Balint Paideia (para Grupo Balint Paideia (para
profissionais de saúde) estudantes de medicina)
8 a 10 participantes 16 a 20 participantes (8 a 10 Em torno de 40 participantes
duplas) divididos em grupos de 20
estudantes (10 duplas cada grupo)
Médicos Médicos e enfermeiros (com Estudantes de graduação de
abertura para outras composições medicina que estão cursando o
de duplas dependendo da Internato de Saúde Coletiva
composição das equipes de Saúde
da Família).
Apresentação e discussão de Apresentação e discussão de casos Apresentação e discussão de casos
casos clínicos. Temas centrados clínico-gerenciais (individuais e clínico-gerenciais (individuais e
na relação clínica. coletivos). Temas flexíveis, abertos coletivos). Temas flexíveis, abertos
aos acontecimentos e aos acontecimentos e
investimentos. investimentos.
Sem ofertas teóricas explícitas. Com ofertas teóricas diversas Com ofertas teóricas diversas
(metade do tempo para discussão, (metade do tempo para discussão,
metade para aulas ou leitura de metade para aulas ou leitura de
textos). textos)
Nesse sentido, é importante salientar que o espaço de formação (GBP) deve estar
alinhado às proposições do próprio método, ou seja, nos GBP é preciso estimular a cogestão, a
autonomia e as relações interpessoais. Além disso, a formação dos professores apoiadores
também deve ser na metodologia Balint-Paideia, criando-se uma instância em que apoiadores
21
utilizam os próprios casos de apoio e façam reflexões sobre as suas práticas, pensando em novas
possibilidades de intervenções nos grupos. Nessa formação, os professores são coordenados por
um apoiador mais experiente 12.
Vale lembrar que Balint13 propôs, com a introdução dos Grupos Balint na prática
dos médicos de família, aumentar a capacidade do médico lidar com as implicações
psicológicas da prática clínica, reforçando a importância do afeto nesta relação.
Maio14 cita alguns resultados da partilha de um caso complexo numa sessão de
grupo Balint:
Foi fundamental a discussão deste caso, para ultrapassar a sensação de
frustração gerada e também pelas propostas que foram surgindo ao longo da
discussão. Foi dito por um facilitador do grupo Balint e constata-se isso
sempre que se apresenta um caso, quando voltamos a consultar o doente,
sentimo-nos acompanhados pelos elementos do grupo Balint e com mais
ânimo para prosseguir. (Maio14, p. 500)
A partilha dos chamados «casos difíceis» em grupo Balint foi outra fase
fundamental na «desconstrução» deste caso, pela análise das emoções e pela
discussão de estratégias para este, mas também para outros casos em que as
emoções geradas sejam semelhantes. (Maio14, p.501)
A seguir, são discutidas cinco mudanças que se espera que o estudante de medicina
adquira após a aplicação dos Grupos Balint-Paideia durante o internato de saúde coletiva, que
se entrelaçam com a compreensão das implicações psicológicas da prática clínica, mas que
extrapolam a proposta de Balint. Duas dessas mudanças estão relacionadas aos efeitos
institucionais dos GBP, que tem a ver com mudanças nas relações e no contexto de trabalho
(superação da dicotomia entre clínica e gestão; problematização com o estudante sobre uma
gestão mais horizontalizada); duas relacionadas ao efeito terapêutico dos GBP, com mudança
dos sujeitos, seus valores e visões de mundo (desnaturalizar o instituído/aumentar a criatividade
do estudante e humanização do cuidado) e uma está relacionada ao efeito pedagógico dos GBP
(aumentar a autonomia do usuário em seu próprio cuidado), já que tem a ver com o
aprimoramento do repertório de conhecimentos, dos modos de fazer e pensar dos profissionais,
ampliando sua capacidade técnica para intervir.
Em relação à primeira mudança de prática esperada pelos GBP, que é superar a
dicotomia entre a clínica e a gestão, é importante destacar que é esperado que o estudante de
medicina seja bom clínico e que desenvolva, durante o curso, competências de Educação e
Gestão em Saúde15. O tema de gestão ainda é pouco trabalhado nos cursos de medicina, de
forma geral. Além disso, durante a formação prevalece uma lógica disjuntiva entre clínica e
gestão, sendo a gestão uma atribuição da saúde coletiva. Na minha percepção enquanto
22
da equipe de saúde da família ser estruturado para propiciar a horizontalização da gestão, muitas
vezes se observa decisões unilaterais e autoritárias. Nessa forma de organização, cada
trabalhador passa a funcionar como um órgão independente. Isso é uma forma do próprio
indivíduo se “proteger” do autoritarismo da gestão e exercer seu papel sem que “nem precise
pensar”, transmitindo essa lógica para o usuário18.
Há dois tipos extremos de chefia: a super autoritária, que manda em todo mundo ou
aquele chefe que fala que todos são iguais. A relação entre o gestor e o trabalhador não deve
ser autoritária e nem deve ser tratada como se fosse igual, pois há diferenças de função entre os
cargos. Não ter uma hierarquia, não significa que não existirá diferença. Vale refletir junto aos
estudantes: como a diversidade do SUS pode ser sustentada sem se produzir hierarquizações?
Os estudantes de medicina desenvolvem, durante o internato de saúde coletiva, um
Projeto de Saúde no Território (PST) e um Projeto Terapêutico Singular (PTS). A ideia é que
esses estudantes, junto com a equipe, acompanhem uma família considerada “complexa” (PTS)
e que identifiquem problemas do território, desenvolvendo ações para superá-los, com base no
tripé que sustenta o planejamento do PST: intersetorialidade, participação popular e promoção
da saúde.
Nessas atividades, ao realizar a reflexão da prática da equipe de saúde da família,
não é raro o estudante lidar com falas da equipe como: “Já tentamos e não deu certo” ou “Você
não sabe tudo que já passamos até aqui”. Essas falas refletem o medo dos profissionais de
saírem da caverna, tal como Morgan19 (1996) faz a apologia do mito da Caverna de Platão. As
pessoas que estão dentro da caverna, só enxergando as sombras do que acontece no meio
externo, acreditam que aquilo é a realidade e, estando todos perto, criam a ilusão de que todos
são iguais (grupalidade homogênea). O indivíduo que saiu da caverna pode ver outra realidade,
que vai muito além das sombras na parede da caverna visualizadas por seus companheiros. Ao
voltar para caverna e tentar explicar isso para os outros, esse indivíduo é visto com uma pessoa
perigosa, pois fere a segurança de todos, que acreditam que as sombras são a realidade e tudo
o que existe. Esse é um tipo de aprisionamento que a organização traz. A desacomodação
organizacional é muito difícil e, para que ocorra, deve ter um valor (ex: valor financeiro ou um
valor afetivo).
24
A fixação das pessoas às suas funções é ruim pois produz vieses e distorções que
acabam se tornando “direitos”. A enfermeira da equipe de saúde da família, que sempre será a
coordenadora da equipe, pode incorporar o cargo à sua personalidade (fenômeno chamado de
sobrepele), tornando as mudanças mais difíceis18.
No setor público, como na Estratégia Saúde da Família, a novidade trazida pela
academia, por meio da inserção dos estudantes e estímulo a novas reflexões, pode ser rejeitada
pela insegurança dos trabalhadores ao novo. Além disso, como consequência ao fenômeno de
sobrepele, algumas regras estão tão cristalizadas nas organizações que parecem imutáveis. A
finalidade se perde no meio do caminho e o mais prejudicado é o usuário.
Uma forma de lidar com isso é colocar valor nas mudanças, como por exemplo, o
serviço se tornar mais humanizado e referência para as outras unidades caso determinada
mudança ocorra. Além disso, o método Paideia, através dos seus dispositivos organizacionais,
como Unidade de Produção, equipes de referência, apoio matricial, sistema de gestão colegiada,
cogoverno e supervisão matricial, podem ajudar a superar a racionalidade gerencial hegemônica
presente nas instituições, herança dos princípios tayloristas que direcionam profundamente o
modo de viver e organizar as instituições20-22.
Essa relação com a equipe é complexa e difícil de ser executada pelos estudantes
de medicina, assim, espera-se que a problematização das relações de poder, que geralmente
estão ocultas e não são explicitadas, possam ajudar os estudantes a desenvolver essas
habilidades de trabalho em equipe e de reflexão (e capacidade de intervenção) sobre as formas
de gestão e suas consequências no dia-a-dia do trabalhador.
A terceira mudança de prática esperada a partir dos GBP é que o estudante tenha
como um dos focos de seu aprendizado o aumento da autonomia do usuário.
Autonomia e liberdade devem ser consideradas conceitos relativos, ou seja, não há
liberdade nem autonomia absolutas. O conceito de cogestão parte do princípio que todos
participam do governo, em menor ou maior coeficiente. Dessa forma, “ninguém decide sozinho
ou isolado ou em lugar dos outros”20. A organização da gestão em colegiados de gestão não
garante a participação ou envolvimento dos usuários. Outros dispositivos podem aproximar o
usuário da gestão, aumentando sua influência tanto no dia-a-dia quanto nas grandes decisões
do sistema, como a realização de assembleia de usuários e a constituição de conselhos locais de
saúde (ou até mesmo em cada serviço de saúde). Além disso, o aumento do vínculo através da
designação de uma equipe de referência para cada paciente, aumenta a dimensão individual do
cuidado, contribui para aumentar o grau de compromisso e competência de cada trabalhador e
eficácia do trabalho clínico20.
25
Quando se pensa num instituinte (algo novo) no instituído, devemos pensar nos
nossos projetos: o que, para que, para quem? Quem vai pensar no projeto? Como fazer para que
algumas coisas permaneçam? Os projetos dos estudantes de medicina, para/com as equipes de
saúde da família (PTS e PST), correm o risco de cair no princípio da falsificação, descrito por
Moura18 (2003), distanciando-se da razão da fundação da instituição e, por isso, fadados a dar
errado.
contexto, podemos pensar em diversos sentidos para uma mesma situação. Ao voltar ao
exemplo da maternidade, o sentido mudaria completamente se pensarmos numa relação
amorosa entre A e B que querem ter filhos, ou que engravidam mas não queriam filhos, ou
ainda numa situação em que A é estuprador e B estuprada. Será que existe uma essência da
maternidade? Ou há um sentido que depende de cada contexto?
Essência é a categorização de um determinado grupo. A noção de essência é uma
estereotipagem, um rótulo. Se alguém não cabe no rótulo, deve ser vigiado e punido. Há uma
homogeneização para categorizar e aprisionar/apagar as diferenças24.
Como pensar em práticas que descontroem as essências? Como desnaturalizar a
cultura do instituído? Fazer o exercício da crítica continuada. Por exemplo: o profissional de
saúde está “autorizado” a prescrever a moral hegemônica. Dita o que o outro deve ou não deve
fazer, prescrevendo a vida de outras pessoas. No entanto, pode-se escolher se você vai
reproduzir essa moral ou se vai criticá-la. A moral está associada ao poder e à construção de
hegemonia.
Como os estudantes podem fazer mudanças nas instituições onde estão inseridos?
Para suportar o diferente e trabalhar num ambiente onde o criativo seja possível, pode-se
precisar dos dispositivos intermediários25. E uma das apostas é que os GBP podem estimular os
estudantes a compreender um tipo de gestão (Paideia) que estimula os dispositivos
intermediários, com potencial de diminuir o sofrimento e aumentar capacidade criativa. A
horizontalização da gestão auxilia na sustentação do espaço psíquico de uma instituição.
Quanto mais autoritário e quanto mais concentrado o poder, menor o espaço psíquico e menor
a criação.
Sem negar nossas limitações, temos que ter direito de sonhar nas instituições.
É pela familiaridade com a morte, pela meditação sobre a morte e sobre a
finitude que o vivo pode aceder à ordem do vivo: criador sem ser paranoico,
transgressor sem se tornar perverso, apaixonado sem impulso histérico,
animado por uma ideia fixa sem cair na neurose obsessiva. E acreditando
naquilo que se faz sem ser um ‘sequestrado da crença’ (ENRIQUEZ25, p.77).
membros da gestão municipal e equipes de saúde dos municípios implicados com o ensino;
bem como a dificuldade de articulação dos docentes da instituição de ensino para dar responder
à demanda da rede de educação permanente, como contrapartida à inserção dos estudantes29.
Um dos alicerces da inserção dos estudantes na APS é a valorização da duração
com que o estudante realiza o estágio no serviço de saúde. Demarzo et al.30 (2012) descrevem
que o ensino da APS deve ser longitudinal ao longo do curso de medicina e com inserção em
cenários de prática reais e com aprendizado a partir do trabalho. Howe e Ives28 evidenciaram
que estágio na comunidade com duração de um ano melhoram indicadores atitudinais dos
estudantes, como trabalho em equipe, diferentemente de estágio por um mesmo período de
tempo, porém centrado no hospital, onde não há incremento desses indicadores.
Demarzo et al.31 (2010) propõem uma mudança radical do currículo com a
implantação do internato médico desde o início do curso, valorizando a estrutura longitudinal
da educação médica e como a atenção básica como eixo estruturante do currículo. Os cenários
na APS seriam distribuídos de forma longitudinal do primeiro ao sexto ano, com inserção
gradual do ambulatório de especialidades (a partir do terceiro ano) e do cenário hospitalar (no
quinto e sexto anos do curso médico).
Há várias vantagens da longitudinalidade como estratégia pedagógica: construção
de vínculos com as equipes e comunidades e maior conhecimento da realidade da rede de
atenção à saúde local, o que pode refletir numa prática médica mais centrada na pessoa29.
Um currículo centrado na longitudinalidade do cuidado e na Medicina de Família e
Comunidade, como é o da Universidade de São Camilo, mostrou que há valorização de aspectos
relacionados à habilidade de comunicação e profissionalismo, além de maior responsabilização
do aluno pelo cuidado e aprendizado de questões relacionadas à relação médico-paciente.
Ademais, os estudantes referiram que se sentem mais “médicos” por poderem acompanhar o
paciente ao longo do tempo, visualizando o resultado de suas condutas e formando vínculo com
os pacientes32.
Além dessas vantagens já citadas, a experiência de um estágio longitudinal na
Northern Ontario School of Medicine, no Canadá, contribuiu para a escolha da Medicina de
Família e Comunidade como especialidade médica e para a interiorização do médico em áreas
rurais ou remotas33, aspectos que são desafios no sistema de saúde do Canadá e também no
Brasil.
Durante a reforma curricular do curso de medicina da Faculdade Ciências Médicas
da Universidade Estadual de Campinas, foi identificado que quanto mais cedo o estudante for
inserido na APS, maior a intenção de escolha desse cenário para atuar após o término da
31
graduação. Após a inserção da disciplina Atenção Integral à Saúde, a qual teve o intuito de
ampliar a integração-ensino serviço, aumentar a responsabilidade dos estudantes (já que o
estágio era realizado na UBS de forma longitudinal) e formar médicos que pudessem responder
às necessidades de saúde da população, identificou-se um aumento do interesse dos estudantes
em atuar na APS de 20,9% para 47%, se comparados alunos do terceiro e sexto ano de medicina,
respectivamente34.
Sodré et al.35 (2020) observaram que 48% dos estudantes do internato tinham a
intenção de atuar na APS, fator atribuído ao contato longitudinal destes alunos com a APS. No
entanto, apesar de todos terem interesse em se especializar, nenhum deles tinham a intenção de
fazer residência em Medicina de Família e Comunidade, sendo as área mais desejadas a
cirurgia, clínica médica e pediatria.
Howe e Ives28 identificaram que a exposição dos estudantes em um currículo
centrado na comunidade por pelo menos um ano pode alterar a escolha da preferência da
carreira médica. Neste caso, há aumento da escolha de especialidades baseadas na comunidade.
Por outro lado, a permanência do estudante no cenário hospitalar, também pelo período de um
ano, tem o efeito contrário, ou seja, há maior escolha por especialidades hospitalares.
Na Universidade de Zamboanga, localizada na península da Filipinas, o estágio
longitudinal por 10 meses no último ano do curso médico, baseado no serviço público e
centrado no engajamento com a comunidade, motivou os alunos e docentes a se envolverem
em projetos sociais, culminando em melhoras da infraestrutura da rede de saúde, além de
promover ações de educação em saúde e atividades de prevenção a doenças36.
Diante do exposto, o presente trabalho se justifica pois abordará alguns dos
principais desafios na formação de médicos generalistas, que é a qualificação para atuarem na
atenção básica. Além disso, será realizado a experimentação de uma ferramenta de apoio à
gestão da clínica e formação de profissionais, adaptado para a formação de estudantes de
medicina: os Grupos BALINT-PAIDEIA, que poderão servir de exemplo para outras
instituições de ensino que desejem aprimorar o ensino-aprendizagem dos estudantes de
medicina durante o internato.
32
2. OBJETIVOS
Objetivo geral:
Analisar os efeitos do Grupo Balint Paideia como estratégia de formação para
estudantes de Medicina do Internato de Saúde Coletiva que atuam na Atenção Primária do
Sistema Único de Saúde (SUS).
Objetivos específicos:
3. METODOLOGIA
A Saúde Coletiva, nesse novo currículo, ganha mais espaço, passando de três
disciplinas isoladas (que no ‘currículo antigo’ eram denominadas Medicina Preventiva e
Comunitária I a III) para 8 módulos semestrais distribuídos nos primeiros quatro anos do curso.
Além disso, no currículo de transição o Internato de Saúde Coletiva é deslocado do 9º para o
12º período e passa de 21 para 24 semanas, junto com a ampliação geral do internato, que vai
de 18 para 24 meses.
Este projeto pedagógico41 foi implementado em 2014, tendo a primeira turma do
“novo currículo” se formado no primeiro semestre de 2019. Os participantes dessa pesquisa
fizeram parte da segunda turma do “novo currículo” e estavam cursando o 12º período do curso
36
Balint, teoria Paideia, PTS, medicina centrada na pessoa, visita domiciliar, saúde mental e
autonomia, apoio matricial e institucional, prevenção quaternária, transferência e
contratransferência e entrevista motivacional.
Para avaliar os efeitos dos GPB nos estudantes de medicina, foram utilizadas quatro
formas de produção de dados.
A primeira foi observacional, realizada pelos apoiadores responsáveis por cada
Grupo Balint-Paideia, que se utilizaram de diários de campo para registro sistemático de suas
observações. Esses docentes realizavam reuniões de supervisão e apoio quinzenais, à distancia,
com o prof. Gastão para reflexão sobre os casos discutidos nos GBP. Após esses encontros a
pesquisadora inseria as reflexões e pontos considerados relevantes para o estudo em andamento.
Apenas esse diário de campo final da pesquisadora foi utilizado diretamente como fonte de
dado para essa pesquisa.
Na observação participante o foco do pesquisador está no comportamento, nas
relações e nos imponderáveis da vida real42. É uma técnica utilizada em pesquisa qualitativa
quando os fenômenos não são passíveis de serem percebidos apenas com questionários ou
entrevistas. Na observação participante é possível olhar além do esqueleto da sociedade,
apreendendo um nível mais profundo da realidade. É necessário observar as regras, tradições e
costumes que estabelecem as relações do grupo, as simpatias e antipatias, os sentimentos e a
importância que os participantes dão a eles43.
O observador, ao adentrar-se na cultura e realidade do contexto a ser observado,
deve ser receptivo a novos olhares e ao estranhamento e assumir uma postura que não seja
verticalizada e nem impositiva43. Segundo Minayo42 há divergências sobre ‘o quê’ e ‘ao como’
observar, sendo consenso de que “existe a necessidade do pesquisador relativizar o seu espaço
social, aprendendo a se pôr no lugar do outro”. O observador deve ter clareza do seu foco de
estudo.
Nesta pesquisa, os grupos Balint-Paideia foram sempre realizados com dois
professores-apoiadores, sendo um deles responsável por fazer as observações que estavam
relacionadas aos movimentos produzidos em cada grupo e ao efeito do processo pedagógico da
formação Balint-Paideia sobre o grupo. Dessa forma, o observador deveria anotar os
comportamentos e as interações entre os participantes do grupo e como a metodologia utilizada
influenciava nessas reações, nas relações entre os alunos e entre estes e o apoiador, bem como
a formação e no processo de aprendizagem desses estudantes. Essas impressões eram discutidas
nas reuniões de apoio realizadas entre os professores.
O diário de campo foi a técnica utilizada para o registro das observações, o qual
38
consiste em um caderno no qual o investigador registra tudo o que observa, como suas
impressões pessoais, as mudanças observadas no grupo ao longo do tempo, os pontos
contraditórios e as relações que lhe chamam atenção42. Segundo o método fundamentalista, o
diário de campo pode ser desmembrado em três diários, dentro do mesmo diário: o diário de
campo propriamente dito, o diário íntimo e o diário de pesquisa. O diário de campo consiste
nas anotações dos dados observados ou a se observar. Já o diário íntimo contém as implicações
do pesquisador com o objeto de pesquisa e pode ser compreendido no extratexto, onde há a
expressão das censuras que usualmente são realizadas ao escrever um texto, seja a censura do
próprio escritor ou impostas pela sociedade, pela ética, pelo contexto. Por fim, o diário de
pesquisa se dá na interseção entre o dado, a observação e a análise da implicação com as
“especulações, projeções e construções teóricas”44.
Há dois momentos de escrita do diário de campo: o momento presente, quando estão
acontecendo os atos. O investigador tenta registrar tudo o que observa e julga importante para
a pesquisa. Como as atividades estão acontecendo concomitante ao ato da escrita, alguns fatos
podem ser perdidos ou não serem possíveis de serem anotados. O segundo momento seria o da
reescrita, onde se reorganiza as anotações, agora em ordem não cronológica ao acontecimento,
tentando tornar compreensível para um leitor externo. Concomitante a esses momentos estão
as releituras, que carregam as implicações do autor e são consideradas um recurso potente tanto
para a observação como para a intervenção dos pesquisadores. Esses momentos foram
realizados de forma coletiva com os professores apoiadores, nas reuniões quinzenais de
supervisão44.
A segunda fonte de dados foi a avaliação dos Projetos Terapêuticos Singulares
apresentados pelos estudantes. Cada dupla ou trio de estudantes acompanhou uma família ao
longo do semestre desenvolvendo, juntamente com a equipe da UBS, um PTS. O roteiro para
elaboração do Projeto Terapêutico Singular45 foi discutido em uma das ofertas teóricas. Os
casos clínicos que dispararam a construção dos PTS foram apresentados nos Grupos Balint-
Paideia em dois momentos do curso, sendo um na primeira metade e outro mais no final do
semestre. Por fim, os alunos entregaram por escrito o Projeto Terapêutico Singular,
incorporando os debates realizados durante os GBP. Foram entregues 17 dos 20 PTS realizados.
A terceira fonte de dados foi a aplicação de questionário (Apêndice 1) que teve
como objetivo avaliar as práticas dos estudantes e o processo de trabalho na APS, sob a
perspectiva dos próprios alunos. O questionário foi elaborado em conjunto com pesquisadores
do Coletivo de Apoio Paideia da UNICAMP para avaliação do curso de especialização em
Saúde da Família (que ocorreu concomitantemente a esta pesquisa, utilizando-se da
39
estágio, que também coincidia com o último dia do curso de medicina, ou seja, o término de
uma jornada de seis anos.
O grupo focal é uma técnica de investigação muito utilizada na pesquisa qualitativa
que visa o aprofundamento de um tema a partir da visão dos próprios participantes envolvidos
no grupo. É uma técnica que parte de encontros grupais de pessoas com características comuns,
no caso, estudantes de medicina do 12º período. Ele possibilita que apareçam consensos e que
sejam discutidos dissensos sobre determinado assunto. O foco desta técnica é na interação, no
intercâmbio das experiências compartilhadas, já que o grupo focal conta com o poder de uma
pessoa influenciar e estimular a fala da outra, de contrastar suas opiniões, sentimentos e
representações de um determinado fenômeno. Isto o diferencia das entrevistas e questionários
que focam em experiências individuais43,47,48.
Na utilização do grupo focal o moderador tem um ponto crucial e conta com um
roteiro que o orienta a conduzir as falas e reflexões dos participantes43,47. O moderador deve
manter o clima do grupo ameno e não ameaçador entre os participantes, deve ajudar o grupo a
focar na discussão proposta, resolver conflitos, estimular a participação das pessoas e solicitar
informações quando determinada fala não estiver clara. Também tem a função de chamar a
atenção para dissensos que são ignorados pelo grupo, tentando trazê-los à tona para que seja
formada uma unidade de ideia em torno daquele tema, já que no grupo focal essas ideias são do
grupo e não de indivíduos separados. O moderador não deve dar suas opiniões ou tomar partido
diante da discussão48.
Existem controvérsias na literatura sobre a coordenação do grupo focal ser realizada
pelo pesquisador envolvido com o tema investigado. Geralmente espera-se que o grupo seja
conduzido por alguém distante da pesquisa para que não haja interferências no objeto a ser
investigado. Entretanto, diversas pesquisas48-51 demostraram que o envolvimento do
pesquisador ou de membros da equipe de pesquisa na coordenação do grupo focal pode ser
importante para que haja realmente o enfoque no interesse da pesquisa e que possam ser
realizadas sínteses sobre o assunto, provenientes do estudo prévio e acúmulo que o pesquisador
tem sobre o tema. Isso evitaria, por exemplo, que fosse dada muita atenção a falas que se
repetem muito no grupo focal e que sejam tomadas como tema de destaque (quando nem sempre
seria um tema tão importante) em detrimentos a temas que sejam tido como não importante por
não serem, ou serem pouco comentados pelos participantes48.
No presente estudo os grupos focais iniciais foram conduzidos pela pesquisadora e
por um membro da equipe da pesquisa. Já o grupo focal final foi coordenado por uma docente
do departamento de Saúde Coletiva da FAMED-UFU, já conhecida previamente pelos
41
estudantes, mas que não estava envolvida na pesquisa, com o apoio de um membro da pesquisa.
A escolha de um membro externo, e não da pesquisadora, para a coordenação do grupo focal
final se deu para que os estudantes tivessem mais liberdade em suas falas para realizar a
avaliação em relação aos Grupos Balint-Paideia desenvolvidos ao longo do semestre.
realizadas quinzenalmente permitiu que estes refletissem sobre a sua prática, construindo novos
olhares e novas relações com os próprios alunos participantes dos grupos Balint Paideia.
O foco da pesquisa não foi apenas nos resultados, mas também nos movimentos
produzidos ao longo dos encontros dos Grupos Balint Paideia. Isso significa que ao longo do
semestre houve o movimento de realizar interpretação e reinterpretação do material produzido
em campo através dos grupos focais, diário de campo e PTS, reorganizando a metodologia e
produzindo modificação nos próprios apoiadores e nos sujeitos analisados54.
A análise da narrativa, utilizando-se uma metodologia hermenêutica, permitiu uma
“abertura interpretativa” da pesquisa, no sentido de permitir mais de uma interpretação válida39.
Cada grupo focal resultou em uma “unidade narrativa”, assim como os casos
discutidos nos grupos Balint-Paideia, cujos dados foram obtidos pelo diário de campo da
pesquisa e complementados pela análise dos PTS, quando necessário.
Na utilização de narrativas para a análise de grupo focal, Onocko-Campos et al. 39
propõem que, após o primeiro grupo focal, seja construída uma narrativa daquele momento, a
qual será lida e legitimada no segundo grupo focal. Esse grupo hermenêutico, como é descrito
pelos autores, é importante para que os participantes do grupo possam confirmar ou contestar
argumentações, bem como se aprofundar nas discussões. Isso não foi realizado nessa pesquisa,
apresentando-se como uma limitação metodológica.
Após a construção da narrativa foi realizada uma grade interpretativa onde foram
extraídos os principais núcleos argumentativos. Esses núcleos foram compostos por frases da
narrativa que tentavam atribuir uma explicação a determinado tema39.
Para finalizar a análise do material produzido foi realizada a triangulação dos
dados55 onde os resultados obtidos pelo conjunto de instrumentos foram analisados a partir das
perspectivas de sua similaridade, de suas divergências e, principalmente pela sua
complementaridade, já que oferecem informações de diferentes níveis de análise.
4. RESULTADOS
Rodrigues ET, Campos GWS. Percepção dos estudantes sobre prática na Atenção
Primária à Saúde durante Internato de Saúde Coletiva. Artigo submetido à Revista Brasileira
de Educação Médica em março de 2022.
Resumo:
Introdução: A superação do modelo flexneriano no ensino médico e a organização de estágios
na Atenção Primária à Saúde (APS) ainda é um desafio de muitas escolas médicas. Objetivo:
Analisar a percepção de estudantes de medicina sobre suas práticas na APS durante o internato
de Saúde Coletiva (ISC) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia.
Método: Trata-se de uma pesquisa quantitativa. Foi aplicado um questionário aos estudantes
do ISC e realizada análise descritiva dos dados obtidos. Resultado: Responderam ao
questionário 78.6% dos entrevistados. Os estudantes consideraram frequentemente diversos
aspectos do usuário na prática clínica, como idade, gênero, saúde mental, renda, escolaridade
e contexto do território em que usuário reside, porém não a rede de apoio e a raça ou cor do
usuário, as quais nem sempre foram reconhecidas nas atividades clínicas dos internos.
Genograma e ecomapa, bem como o telessaúde, foram pouco utilizados. Espaços de gestão,
incluindo as reuniões de equipe das Unidades Básicas de Saúde, foram pouco frequentados
pelos estudantes. Os estudantes tiveram a oportunidade de atuar com diversas categorias
profissionais como enfermeiro e técnico de enfermagem, psicólogo, agente comunitário de
saúde, nutricionista, fisioterapeuta, dentista, assistente social, farmacêutico, educador físico,
terapeuta ocupacional e veterinário. O percentual de estudantes que quase sempre ou sempre
trabalharam com outra categoria profissional foi mais alto nas visitas domiciliares. A discussão
de casos complexos com profissionais de outros equipamentos de saúde ou de outros setores,
de maneira geral, foi baixa. Conclusão: Esse estudo permitiu identificar, a partir da visão de
estudantes de medicina, potencialidades e desafios no ensino e aprendizagem no internato de
Saúde Coletiva que podem auxiliar no planejamento de atividades para a formação de médicos
mais preparados para atuar na APS.
Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Internato Médico; Educação Médica;
Educação de Graduação em Medicina.
45
Abstract:
Introduction: Overcoming the Flexnerian model in medical education and the organization of
internships in Primary Health Care (PHC) is still a challenge for many medical schools.
Objective: To analyze the perception of medical students about their practices in PHC during
the medical internship at the Faculty of Medicine of the Federal University of Uberlândia.
Method: This is a quantitative research. A questionnaire was applied to medical internship
students and a descriptive analysis of the data obtained was performed. Result: 78.6% of
respondents answered the questionnaire. The students often considered different aspects of the
patient in clinical practice, such as age, gender, mental health, income, schooling and the
context of the territory in which the user resides, but not the support network and the patient’s
race or color, which were not always recognized in the clinical activities of the students.
Genogram and ecomap, as well as telehealth, were little used. Management activities, including
team meetings at the primary care services, were little frequented by students. Students had the
opportunity to work with different professional categories such as nurses and nursing
technicians, psychologists, community health agents, nutritionists, physiotherapists, dentists,
social workers, pharmacists, physical educators, occupational therapists and veterinarians. The
percentage of students who almost always or always worked with another professional category
was higher at home visits. Discussion of complex cases with professionals from other health
services or from other sectors, in general, was low. Conclusion: This study allowed us to
identify, from the point of view of medical students, potentialities and challenges in teaching
and learning in the Public Health internship that can help in the planning of activities for the
training of doctors more prepared to work in PHC.
Kewwords: Primary Health Care; Medical Education; Internship, Medical; Education,
Medical, Undergraduate.
INTRODUÇÃO
O ensino médico no Brasil até os anos 90 esteve pautado no modelo médico
centrado e hospitalocêntrico. Com o movimento da reforma sanitária e implementação do
Sistema Único de Saúde (SUS), que prevê que a ordenação e formação de recursos humanos é
de responsabilidade do próprio SUS, se acirram os debates sobre como deveria ser a graduação
em saúde.
Em 2001, o Ministério da Educação (MEC) institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN)1 do curso de Graduação em Medicina para orientar a formação de médicos
no país, revisadas em 20142. Com intuito de auxiliar na implementação das DCN, o governo,
46
numa parceria dos Ministérios da Educação e Saúde (MEC e MS) lançam, em 2005, o Programa
Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde)3. Além disso, a
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES/MS) através do Programa
Nacional de Incentivo às Mudanças Curriculares para as Escolas Médicas (PROMED)4 busca
avaliar se as recomendações das DCN estavam sendo aplicadas nos cursos de graduação de
medicina e demais profissões da área de saúde. Os resultados desse Programa demonstraram
que os cursos, na prática, não estavam conseguindo implementar as recomendações das DCN,
o que reforçou o papel do Pro-Saúde, que foi importante
na reorientação da formação, na direção de que o processo de ensino-
aprendizagem se dê desde o princípio e ao longo de todo o curso, inserido e
articulado com a rede de serviços, com ênfase na atenção básica, na
compreensão ampliada dos determinantes sociais no processo de saúde-
adoecimento, com ênfase no aprendizado do aluno e no uso das metodologias
ativas e na concepção de saúde usuário-centrada5.
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa descritiva, transversal e de abordagem quantitativa. Este
estudo é um recorte da pesquisa de doutorado da autora principal deste artigo que avaliou os
efeitos do Grupo Balint Paideia como estratégia de formação para estudantes de medicina que
atuam na APS.
O universo da pesquisa foi composto por 42 estudantes de medicina que cursavam
o ISC (12º período) do curso de medicina da Faculdade Medicina da UFU em 2019.
Durante o ISC, que tem duração de 24 semanas, os estudantes realizaram estágio
de forma longitudinal na APS do município de Uberlândia, sendo distribuídos em 10 Unidades
Básicas de Saúde: nove vinculadas à Secretaria Municipal de Saúde e administradas por meio
de Organizações Sociais de Saúde e uma vinculada à UFU (Centro de Saúde Escola). Durante
48
esse período, os estudantes permaneceram pelo menos 5 períodos semanais na mesma Unidade
Básica de Saúde (UBS), exceto pelo estágio rural, que corresponde à imersão em uma UBS de
dois municípios de pequeno porte, durante 28 dias.
Os dados foram coletados na última semana do ISC, com auxílio de questionário
estruturado, autoaplicável, contendo predominantemente perguntas fechadas, além de algumas
questões abertas e mistas.
Todos os estudantes foram convidados a responder ao questionário, sendo obtidas
33 respostas (78,6%), as quais correspondem à amostra desta pesquisa.
O questionário foi elaborado pelo Coletivo de estudos e apoio Paideia da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Originalmente, o questionário teve o intuito
de avaliar as práticas e o processo de trabalho na APS de profissionais de saúde que cursavam
a Especialização em Saúde da Família ofertada pela UNICAMP, sendo adaptado para avaliação
das práticas de estudantes de medicina.
A análise dos dados obtidos a partir dos questionários foi quantitativa, através da
tabulação das respostas, seguida da análise descritiva dos dados e construção de tabelas e
gráficos, descrevendo a distribuição das frequências (absolutas e relativas) das respostas. Para
a análise dos dados foi utilizado o programa Microsoft Excel, pacote Office 2020.
A presente pesquisa seguiu as normas das resoluções para pesquisa envolvendo
humanos (Resoluções Nº466-12/12/2012 e Nº510-7/04/2016, do Conselho Nacional de Saúde),
sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da
UNICAMP, sob o número CAAE 00849118.0.0000.5404 e da UFU, sob o número CAAE
00849118.0.3001.5152.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Todos os estudantes do 12º período do curso de medicina tiveram a oportunidade,
durante o ISC de: construir com o usuário seu plano terapêutico e orientá-lo quanto às
consequências potenciais de sua(s) doença(s), de forma a promover o autocuidado; fazer
perguntas que abordam as questões sociais e/ou emocionais do usuário; mudar o plano
terapêutico a pedido do usuário ou frente a sua opinião divergente; avaliar, junto do usuário, seu
grau de motivação e sua capacidade de autocuidado, seu suporte familiar e social; e desenvolver
e pactuar metas do projeto terapêutico com o usuário e com seu cuidador, observando se o
usuário se sente confiante para mudar e se possui recursos para fazê-lo.
Segundo os estudantes, 48,5% (n=16) quase sempre ou sempre incluíram o
usuário na construção do plano terapêutico. Chama a atenção que 39,4% (n=13) destes
49
estudantes afirmaram que somente às vezes e 12,1% (n=4) quase nunca incluíram o usuário no
plano terapêutico.
Destaca-se o fato de 94% (n=31) dos estudantes quase sempre ou sempre
orientarem o usuário de forma a promover o autocuidado. Já a abordagem de questões
emocionais e sociais foi realizada quase sempre ou sempre por 78% (n= 26) dos alunos. Não
houve estudantes que afirmaram nunca ter realizado esse tipo de orientação ou abordagem.
Ao serem questionados sobre aspectos do usuário que são considerados na prática
clínica, seja em consultas ou outras intervenções, durante o ISC, os alunos relataram que sempre
ou quase sempre levaram em consideração, em ordem decrescente (Gráfico 1): a idade do
usuário (n=31; 93,9% das resposta válidas), a saúde mental do usuário (n=27; 81,8%), a renda
do usuário (n=26; 78,8%), a escolaridade do usuário (n=23; 69,7%), o contexto do território em
que reside o usuário (n=21; 65,6%), o gênero do usuário (n=20; 60,6%), a rede de apoio do
usuário (n=16; 50,0%) e a raça ou cor do usuário (n=15; 45,5%).
Gráfico 1 - Distribuição da frequência que o estudante do 12º período do curso de medicina (n=33),
durante o ISC, considerou na sua prática (consultas, intervenções, etc) a renda, escolaridade, gênero,
raça/cor, saúde mental e rede de apoio do usuário, bem com o contexto do território em que reside o
usuário, 2019.
35
30
Nº de estudantes
25
20
15
10
5
0
Renda do Escolaridade Gênero do Raça/cor do Idade do Saúde Rede de Contexto do
usuário do usuário usuário usuário usuário mental do apoio do território em
usuário usuário que reside o
usuário
atividades de educação permanente dos profissionais de saúde e em documentos que dão apoio
à prática na APS, seja da Medicina de Família e Comunidade ou da Saúde Coletiva16.
A abordagem integral da pessoa é um passo essencial para se realizar uma clínica
ampliada. O estágio na Estratégia Saúde da Família pode mudar a forma como o estudante vê
a pessoa, encarando-a como um ser biopsicossocial, além de compreender a complexidade de
fatores que interferem na qualidade de vida da população atendida12.
Quando questionados sobre aspectos do acompanhamento dos PTS realizados
durante o ISC, aproximadamente 40% dos estudantes relataram que sempre ou quase sempre
acompanharam o alcance das metas propostas, repactuando o plano de ação bem como
compartilharam com a equipe e, se necessário, com outros serviços e setores os projetos
terapêuticos dos usuários cujos casos são mais complexos.
Os estudantes tiveram mais dificuldade de estabelecer responsabilidades e metas
para o PTS com a equipe (apenas 30,3% quase sempre ou sempre e 36,4% quase nunca ou
nunca o fizeram). O ato de envolver o especialista no projeto terapêutico do usuário, nos casos
em que há necessidade de serviços especializados, foi o item menos desempenhado pelos
estudantes, sendo 37,5% quase nunca e 6,3% nunca elaboraram o PTS em conjunto com o
especialista.
O acolhimento de usuários foi pouco realizado pelos estudantes, sendo que 21,2%
(n=7) deles nunca e 15,2% (n=5) quase nunca desempenharam essa ação junto à equipe.
Os estudantes também tiveram um pequeno envolvimento em ações relacionadas à
gestão e planejamento das atividades desenvolvidas na UBS, sendo que 60,6% (n=20), 51,5%
(n=17) e 54,5% (n=18) dos alunos, respectivamente, relatou que quase nunca ou nunca
realizaram ações de planejamento de atividades, construção de indicadores e monitoramento e
avaliação das ações da unidade de saúde.
A participação dos estudantes em espaços institucionais de gestão e de controle
social foi baixa. O espaço mais frequentado pelos estudantes foi a reunião de equipe da UBS
(Gráfico 2). No entanto, nota-se que apenas 5 estudantes (15,2%) sempre ou quase sempre
participaram desse espaço e que grande parte deles (n=15, 45,4%) quase nunca ou nunca
participaram das reuniões. Vale ressaltar que todas as equipes do município têm horário
protegido semanal ou quinzenal para a realização da reunião de equipe.
A baixa participação dos estudantes em atividades de gestão provavelmente é
reflexo de uma gestão burocratizada das equipes, que utilizam os espaços de reunião de equipe
para repasse de demandas administrativas, com poucos espaços de reflexão sobre a prática ou
discussão de casos. Além disso, algumas equipes supervalorizam o ensino da prática clínica em
51
Gráfico 2 - Distribuição da frequência que o estudante do 12º período do curso de medicina (n=33),
durante o ISC, participou de reunião de equipe ou do colegiado gestor da UBS, do conselho local,
distrital ou municipal de saúde e do comitê de mortalidade materno-infantil.
Colegiado gestor 4 5 23 1
Reunião equipe 3 2 10 7 8 3
0 5 10 15 20 25 30 35
Número de estudantes
Sempre Quase sempre Às vezes Quase nunca Nunca Não respondeu/Não se aplica
atenção o fato de quase um quarto dos estudantes (24,2%; n=8) nunca terem participado de
ações em escola ou outros equipamentos sociais da área de abrangência de sua unidade.
A APS é um espaço privilegiado para a realização da educação em saúde e diversos
estudos demonstram resultado positivo da atuação de alunos de medicina neste tipo de
atividade. Coelho et al.15 observaram que quando os internos escolhiam os temas que queriam
trabalhar com a comunidade e priorizavam metodologias interativas, havia boa participação das
pessoas nos grupos. Já Leite et al.10 destacaram a importância das ações de educação em saúde
realizadas pelos internos nas escolas de ensino fundamental e médio para o conhecimento da
realidade de vida das pessoas do território.
Nota-se que 81,8% dos estudantes (n=27) quase nunca ou nunca realizaram,
durante o ISC, reuniões com a comunidade para desenvolver ações conjuntas e debater os
problemas locais de saúde, o planejamento da assistência e os resultados alcançados. A maioria
dos estudantes (72,7%, n=24) tampouco ou quase nunca participou de iniciativas de
desenvolvimento comunitário com a população e/ ou movimentos sociais.
Além disso, os estudantes realizaram e/ou participaram de poucas atividades de
formação da própria equipe. A maioria dos estudantes quase nunca ou nunca participou
(52,0%, n= 17) de atividades de educação permanente dos/com os trabalhadores. A participação
dos estudantes foi ainda menor em atividades relacionadas a refletir sobre o SUS e sobre a APS
e como seus princípios ou atributos se apresentam na UBS onde estavam estagiando, sendo que
69,7% (n=23) quase nunca ou nunca participaram de alguma destas atividades.
O preparo de graduandos de medicina para realizar ações multiprofissionais ainda
é um desafio17. O trabalho em equipe na APS, a partir da ampliação do vínculo e da
possibilidade do trabalho multiprofissional, promove a integração com outras categorias
profissionais além de aumentar a adesão do paciente, a resolutividade do caso e a assistência à
família como um todo12. Para uma prática colaborativa, que vai além da multiprofissional, é
necessário o trabalho em equipe e também o envolvimento da comunidade e da rede
intersetorial18. Já a interdisciplinaridade envolve a negociação dos pontos de vista dos diferentes
atores, sendo uma prática eminentemente política19.
No ISC, todos os estudantes trabalharam com outra categoria profissional, seja com
enfermeiro (90,9%), psicólogo (90,9%), agente comunitário de saúde (84,8%), auxiliar ou
técnico de enfermagem (54,5%), nutricionista (51,5%), fisioterapeuta (45,5%), dentista
(36,4%), assistente social (30,3%), farmacêutico (24,2%), educador físico (21,2%), terapeuta
ocupacional (6,1%) ou veterinário (3,0%). A maioria dos estudantes (60,6%) referiu que
trabalhou com mais de duas categorias profissionais ao mesmo tempo.
53
Gráfico 3 - Distribuição da frequência em que o estudante do 12º período do curso de medicina (n=33),
durante o ISC, realizou com outra categoria profissional discussão de caso, visitas domiciliares,
discussão sobre encaminhamento do usuário, atividades coletivas ou grupos, atividades individuais e
análise e implementação de ações no território, 2019.
18 17
16 16
16 15
Número de estudantes
14
14 13
12 12 12
12 11 11
10 10
10
8 7 7
6 5 5 5
4
2
0
Discussão de caso Visitas Atividades Atendimentos Análise e
domiciliares Encaminhamento coletivas ou individuais implementação
do usuário grupos de ações no
território
Genograma Ecomapa
pelos estudantes (Gráfico 5). Provavelmente por ser uma ação bem incorporada nas equipes
de saúde da família do município, nenhum estudante referiu que nunca ou quase nunca
utilizou essa estratégia.
Gráfico 5 - Distribuição percentual da frequência com que o estudante do 12º período do curso de
medicina (n=33), durante o ISC, realizou visita domiciliar para os usuários da UBS.
45,0% 42,4%
40,0%
36,4%
35,0%
Percentual de estudantes
30,0%
25,0%
21,2%
20,0%
15,0%
10,0%
5,0%
0,0% 0,0%
0,0%
Sempre Quase sempre Às vezes Quase nunca Nunca
Leite et al.10 descrevem que a VD apareceu como uma das atividades mais
relevantes para a aprendizagem dos estudantes nos diferentes cenários de prática (incluindo
UBS, UBS fluviais, atendimento à população indígena e ribeirinha e consultório de rua) por
propiciar contato com a realidade da vida das pessoas. E mais do que isso, a VD foi uma das
situações mais impactante para a vida dos estudantes no internato, talvez pelo contato com o
desconhecido e com uma realidade socioeconômica diferente da deles.
Em estudo realizado com internos da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (FMRP-USP), mais de 60% classificaram a VD como “bastante”
ou “muito importantes” na sua formação. Chama atenção 19,6% dos alunos classificarem a VD
como “nada” e “pouco importante”, sendo justificado que a visita domiciliar não é função do
médico ou que é pouco efetiva. Isso foi atribuído à pouca vivência desses estudantes com a VD
ou ao fato das visitas serem realizadas predominantemente com os agentes comunitários de
saúde e, por isso, os estudantes não consideram a visita como uma prática médica12.
A VD permite uma incursão no território e com isso a percepção de como esse
território pode perpetuar as más condições de saúde e de acesso aos serviços públicos. Ao se
conhecer o local de vida das pessoas é possível também reconhecer as potências do território
57
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse estudo permitiu identificar potencialidades e desafios no ensino e
aprendizagem no cenário da APS, na visão de estudantes de medicina, durante o Internato de
Saúde Coletiva.
Pode-se perceber que a VD foi a atividade que os estudantes mais identificaram a
interdisciplinaridade na prática. Esse pode ser o ponto de partida para deslanchar o
envolvimento dos estudantes com outras categorias profissionais, com discussão de casos e
ampliação da visão sobre os problemas de saúde.
Por outro lado, foi possível perceber a desvalorização da gestão pelos estudantes de
medicina a partir da baixa participação destes nas reuniões da equipe da UBS, em colegiados
gestores ou conselhos de saúde. Propiciar esse aprendizado na graduação é essencial para a
formação de médicos que sejam capazes de lidar com a disputa de saber e poderes, bem como
os conflitos interpessoais e intergrupais de diferentes cenários, ajudando a criar espaços de
gestão em saúde mais democráticos24, aspecto essencial principalmente se levarmos em
consideração o nosso cenário político atual de precarização da APS e desconstrução das
políticas públicas.
O Telessaúde foi pouco utilizado pelos estudantes, sendo que o cenário de baixa
utilização desta ferramenta já foi identificado em outros locais25,26. Seria interessante investigar
os motivos para a pequena utilização do Telessaúde por estudantes de medicina a fim de propor
estratégias de incentivo ao uso dessa política pública, que abarca uma grande gama de
atividades de apoio à APS.
Houve valorização dos estudantes de diversos aspectos do sujeito, principalmente
a idade, escolaridade, renda e saúde mental dos usuários e contexto do território em que reside
o usuário. Já a raça/cor e a rede de apoio dos usuários foram aspectos menos considerados.
Além disso, algumas ferramentas corriqueiras da APS, como a construção de genograma e
ecomapa, também não foram utilizadas com frequência pelos estudantes.
A identificação dessas fragilidades é essencial para se pensar em mudanças na
formação médica que valorizem a clínica ampliada a partir de uma abordagem integral dos
sujeitos e de suas famílias e comunidades e que trabalhem temas importantes ainda
negligenciados, como o racismo estrutural.
Uma limitação do estudo foi a utilização de um questionário quantitativo que
abordou apenas a visão dos estudantes sobre sua formação na APS, a partir de um recorte
transversal, realizado no final do estágio.
59
Apesar das equipes de saúde da família não terem sido avaliadas diretamente nesta
pesquisa, acredita-se que alguns resultados são reflexos de uma APS burocratizada, com
equipes que consideram uma dicotomia entre gestão e clínica e que tem algumas práticas pouco
institucionalizadas, como a utilização do genograma e do ecomapa. Isso reforça a necessidade
de se aprimorar o papel da universidade junto à APS, com ações de educação permanente com
a equipe, atividades de educação em saúde no território e qualificação da participação dos
estudantes e trabalhadores em espaços institucionais.
Para aprofundar a investigação seria interessante ampliar a avaliação da formação
dos estudantes na APS a partir da visão dos docentes e trabalhadores do serviço.
REFERÊNCIAS
1. Brasil. Resolução CNE/CES nº 4, de 07 de novembro de 2001. Institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. . Diário Oficial da União;
2001. p. 38
2. Brasil. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências.
Diário Oficial da União; 2014. p. 8-11.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Programa Nacional de
Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pró-Saúde : objetivos,
implementação e desenvolvimento potencial / Ministério da Saúde, Ministério da
Educação. – Brasília:Ministério da Saúde, 2009.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial nº 610, de 26 de março de 2002.
Institui o Programa Nacional de Incentivo às Mudanças Curriculares para as Escolas
Médicas (PROMED). Diário Oficial da União. 1 Abr 2002.
5. Haddad AE, Brenelli S, Cury GC, Puccini RF, Martins MA, Ferreira JR et al. Pró-Saúde
e PET-Saúde: a construção da política brasileira de reorientação da formação
profissional em Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012; 36(supl 1):3-4.
6. França T, Magnago C, Santos MR, Belisário AS, Silva CBG. PET-Saúde/GraduaSUS:
retrospectiva, diferenciais e panorama de distribuição dos projetos. Saúde Debate.
2018;42(2 num especial):286-301.
7. Lacerda SR; Braccialli LAD; Lazarini CA. A integração entre a formação médica e as
reais necessidades do usuário do SUS. RSPMS. 2018 [acesso em 24 fev 2022];1(1):11-
60
(dissertação). Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca; 2021.
17. Vieira SP, Pierantoni CR, Magnago C, Ney MS, Miranda RG. A graduação em medicina
no Brasil ante os desafios da formação para a Atenção Primária à Saúde. Saúde debate,2018
[acesso em 20 jan2022];42 (spe1):189-207. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/RFjdxdhG74jgsGRHRK9VpmM/?format=pdf&lang=pt.
18. Peduzzi M, Agreli HLF. Trabalho em equipe e prática colaborativa na Atenção Primária
à Saúde. Interface (Botucatu); 2018 [acesso em 12 dez 2021];22(suppl2):1525-34.
Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0827>.
19. Japiassu H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago ed, 1976.
20. Brasil. Portaria nº 2.554, de 28 de outubro de 2011. Institui, no Programa de
Requalificação de Unidades Básicas de Saúde, o Componente de Informatização e
Telessaúde Brasil Redes na Atenção Básica, integrado ao Programa Nacional
Telessaúde Brasil Redes. Diário Oficial da União, 2011.
21. Campos FE, Haddad AE, Wen CL, Alkmin MBM, Cury PM. The National Telehealth
Program in Brazil: an instrument of support for primary heath care. Latin Am J
Telehealth, 2009;1(1):39-66.
22. Pícoli RP, Cazola LHO. Genograma na formação médica: percepção do estudante. Rev.
Bra. Pesq. Saúde. 2017;19(3):92-99.
23. Dias LC. Abordagem familiar. In: Gusso G, Lopes JMC [org.]. Tratado de medicina de
família e comunidade: princípios, formação e prática. Porto Alegre: Artmed; 2012.
p.221-32
24. Campos GWS, Cunha GT, Figueiredo MD. Práxis e formação Paideia: apoio e cogestão
em saúde. São Paulo: Hucitec; 2013.
25. Vinhal WC, Araújo DV, Aranha RN. Histórico da normatização da telessaúde e
impactos da regulação da teleconsultoria na atenção primária em Minas Gerais. Rev
Saúde Digital Tec Educ. 2020 [acesso em 26 fev 2021];5(2):58-71. Disponível em:
https://repositorio.ufc.br/ri/bitstream/riufc/54515/1/2020_art_wcvinhal.pdf.
26. Alves MEM, Santi CANC, Ramos MCPS, Matos PBL, Lopes ALN, Nascimento LS.
Telessaúde na Atenção Primária à Saúde no Brasil: uma análise com base no 3º ciclo do
PMAQ-AB. RECISATEC. 1º de fevereiro de 2022 [acesso em 28 fev 2022];2(1):e2186.
Disponível em: https://recisatec.com.br/index.php/recisatec/article/view/86.
62
Rodrigues ET, Viana MMO, Rizzi FNC, Campos GWS. O desafio da formação
interdisciplinar de graduandos de medicina: contribuições dos grupos Balint-Paideia. Artigo
submetido à revista Saúde em Debate – CEBES em outubro de 2021.
Resumo:
Este artigo tem como objetivo analisar o trabalho multiprofissional na perspectiva
interdisciplinar na formação de estudantes de medicina por meio de grupos Balint-Paideia.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva exploratória e analítica, realizada com
graduandos do internato de saúde coletiva de uma universidade pública brasileira. Os internos
participaram de grupos Balint-Paideia durante sua imersão junto às equipes de saúde da família.
Os dados foram coletados por meio de grupos focais e analisados através da construção de
narrativas. Foram encontrados os seguintes núcleos argumentativos: potencialidades e os
entraves para o trabalho em equipe; influência da formação baseada no trabalho para o exercício
da atividade colaborativa; papel dos grupos Balint-Paideia no processo formativo e na
aprendizagem de conceitos relevantes para a atenção primária à saúde. A estratégia pedagógica
combinando prática na atenção primária à saúde, vivência interprofissional e grupos Balint-
Paideia, com elaboração de projeto terapêutico singular, apesar de desafiante, tende a propiciar
um olhar que transcende a clínica estritamente biomédica e as relações assimétricas, evocando
os estudantes de medicina à construção de uma práxis interdisciplinar.
Abstract:
This article aims to analyze multidisciplinary work, through an interdisciplinary perspective in
the training of medical students with Balint-Paideia groups. This is a qualitative, descriptive,
exploratory and analytical research. The participants were undergraduate students who were in
the collective health internship, in a Brazilian university. The Interns participated in Balint-
63
Paideia groups while staying in family health units. For data collected, we utilized focus groups.
For data analyses, was employed the narratives construction. The argumentative axles found
potentialities and obstacles to teamwork; the work-based training influence for collaborative
work; Balint-Paideia groups role in the training process and in the relevant concepts to primary
health care learning. The pedagogical strategy combining primary health care practice,
interprofessional experience and Balint-Paideia groups, with a singular therapeutic project
development, although challenging, tends to provide a transcendence view to the strictly
biomedical clinic and to asymmetrical relationships, evoking medical students to an
interdisciplinary praxis construction.
Keywords: Interdisciplinary placement. Patient care team. Primary health care. Internship and
residency. Educational, medical.
Introdução
A formação médica vem passando por transformações com a institucionalização das
Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em saúde1. Apesar de recomendada,
ainda é um grande desafio a inserção dos alunos na Atenção Primária à Saúde (APS). A
formação médica, em muitos espaços, ainda é pautada em um modelo hospitalocêntrico, médico
centrado e com visão biomédica do processo saúde doença2-4.
A APS, especialmente as equipes de saúde da família e do Núcleo de Apoio à Saúde da
Família (NASF), é reconhecida como importante cenário de prática adequado para assegurar
aspectos da formação interdisciplinar e multiprofissional, características indispensáveis ao
próprio trabalho da APS e do Sistema Único de Saúde (SUS), mas ainda pouco valorizadas em
graduandos da área da saúde, mesmo entre os de medicina5. A interdisciplinaridade pressupõe
um eixo em comum entre as disciplinas enquanto a multidisciplinaridade prevê a justaposição
das mesmas, sem um eixo coordenador, ambos os conceitos e aspectos formativos, são
indispensáveis para a formação do profissional de saúde6.
A garantia de uma atenção integral que aumente a resolutividade no âmbito da APS
requer a colaboração entre profissionais de diversas áreas, trabalho esse chamado de
interprofissional7, que apesar de se associar a várias terminologias com prefixos multi, inter e
trans, direcionam-se para o reconhecidamente chamado 'trabalho de equipe', que de acordo com
Peduzzi8 e com Peduzzi e Agreli5, implica em reconhecimento entre profissionais,
compartilhamento, senso de pertencimento, trocas em via de mão dupla, comunicação e
64
colaboração, em consonância com o que Campos, Cunha e Figueiredo9 propõem como cogestão
e efeito Paideia para os serviços de saúde.
Assim, ao orientar-se para a prática colaborativa e ao trabalho interdisciplinar,
viabilizados por estratégias de cogestão, as equipes devem buscar o diálogo, a negociação, a
redução da competição e, concomitantemente, estabelecer relações de parceria e
responsabilidade coletiva, contrapondo-se ao modelo tradicional de formação, de formato
uniprofissional5,10.
Para superar esse contexto, uma alternativa são as metodologias de ensino-
aprendizagem que valorizem a escuta (de si mesmo e do outro), a capacidade de fazer contratos
e compromissos no grupo e, consequentemente, a capacidade de trabalhar com o outro e com
uma equipe multiprofissional11. O aluno necessita de uma formação que não só incida sobre a
conformação de atitudes e comportamentos considerados adequados, mas que inclua a gestão,
a política e o governo de si, superando o discurso moralizante-culpabilizante e as práticas não
humanizadas.
Os Grupos Balint-Paideia (GBP), presentes na proposta da Formação Paideia,
apresentam-se como uma possibilidade pedagógica dentro desse contexto, de acordo com
Oliveira-Viana e Campos12. Na Formação Paideia interagem, de modo sinérgico, diferentes
referenciais teóricos, que incluem a psicanálise, o materialismo sócio histórico dialético, o
construtivismo, dentre outros, de modo a dar sustentação para as propostas de um ambiente
institucional e espaço psíquico acolhedor e democrático, que favoreçam o trabalho
interdisciplinar e a cogestão, ou gestão compartilhada - de casos e de processos de
trabalho10. Entretanto, na presente pesquisa, a abordagem utilizada como orientadora dos GBP
refere-se fundamentalmente à psicanálise e aos aspectos de sustentação e de criação/reflexão
pautada em relações bilaterais de saberes, afetos e poder que favoreçam a articulação entre
teoria e prática12.
A estratégia central dos Grupos Balint Paideia é a discussão de casos concretos,
baseados na realidade e na prática profissional, a partir da escolha dos alunos. Inspira-se nas
proposições de Balint13, derivadas dos grupos realizados com médicos generalistas do sistema
nacional de saúde inglês, na medida em que aposta na discussão de casos reais para acessar
aspectos transferenciais e reflexões sobre a prática para promover a ressignificação e, por
conseguinte, a formação dos participantes. Contudo, nos GBP, diferentemente dos grupos
Balint, os casos podem ser clínicos, com foco no indivíduo ou casos de saúde coletiva ou
institucionais, como os relacionados a problemas da comunidade ou intersetoriais, à promoção
à saúde ou a atendimentos de grupos. Deste modo, pretende-se, avançar nas discussões e
65
Material e métodos:
O presente estudo é uma pesquisa qualitativa descritiva exploratória e analítica a
respeito da utilização de estratégia pedagógica de Grupos Balint-Paideia (GPB) com estudantes
do Internato de Saúde Coletiva, durante o 12o período do curso de medicina de uma
universidade pública do interior de Minas Gerais. Toma como objeto de análise a formação
médica interdisciplinar e multiprofissional no cenário da Atenção Básica.
Os GBP funcionavam com discussão de casos clínicos, escolhidos e apresentados por
uma dupla/trio de internos, a partir da vivência destes na APS, e também com momentos de
67
discussão teórica. Os GBP foram incorporados como atividade curricular obrigatória para os
estudantes, porém não incluída na avaliação somativa dessas atividades, para minimizar as
interferências no processo de discussão dos próprios grupos. Os 42 estudantes foram divididos
em duas turmas, cada uma com 12 encontros quinzenais durante o segundo semestre de 2019.
Os estudantes, ao longo dos seis meses do Internato de Saúde Coletiva, estagiaram em
uma Unidade Básica de Saúde, onde realizaram suas atividades junto a uma equipe de saúde da
família e ao Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), exceto por 4 estudantes que fizeram
o estágio no Centro de Saúde Escola cujo modelo de atenção ainda era de uma Unidade Básica
de Saúde (UBS) tradicional, embora em transição para a Estratégia Saúde da Família (ESF).
Apesar do cenário nacional de precarização da APS e importante afastamento do modelo
da ESF, que se manifesta desde a mudança da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) de
201720 e se intensifica na nova forma de financiamento, com o Programa Previne Brasil27, que
tende a remunerar procedimentos médicos do tipo queixa-conduta e retira recursos para ações
interdisciplinares, tais como os NASF28,29, todas as equipes onde os estudantes estavam
inseridos contavam com ACS e NASF e ainda eram organizados segundo as diretrizes da PNAB
(exceto as do centro de saúde escola).
Para a produção de dados, foram realizados grupos focais (GF) com os estudantes: dois
realizados concomitantemente no início (GFi) e um ao final (GFf) do estágio, com a
participação de 25 e 14 estudantes, respectivamente.
O grupo focal tem sido utilizado para avaliar perspectivas e experiências a partir do
olhar dos próprios participantes do grupo. Recomendado para pesquisas avaliativas e
reconhecido por Westphal, Bógus e Faria30 como técnica eficaz para planejamento e avaliação
de programas educativos, o grupo focal adapta-se aos objetivos do nosso estudo, contribuindo
para a avaliação da Formação Paidéia12 e por conseguinte para avaliação do uso do GBP.
Os grupos focais desta pesquisa foram gravados em áudio e transcritos. Para a
interpretação do material produzido nos grupos focais, empregou-se a técnica de elaboração de
narrativas, conforme metodologia analítico-reflexiva proposta por Onocko-Campos e
Furtado31.
Na narrativa, o analista se coloca como intérprete, como tradutor do que foi dito pelo
grupo. Isso significa que há a interferência da cultura, do modo de ser e pensar do analista nas
narrativas, e desta forma, a própria transcrição da narrativa, com o encadeamento de ideias e
extração dos principais argumentos, já se constitui uma primeira parte da interpretação. Em
seguida, as narrativas foram submetidas a uma grade interpretativa para extração dos principais
núcleos argumentativos em relação ao roteiro utilizado nos grupos focais32.
68
Resultados e discussão:
Ao analisar as narrativas dos grupos focais sob o olhar do trabalho multiprofissional na
perspectiva interdisciplinar, foram construídos os seguintes núcleos argumentativos: a-
potencialidades e entraves para a realização do trabalho em equipe, b- a influência da formação
baseada no trabalho para o exercício da atividade colaborativa junto a equipes
multiprofissionais, c- o papel dos Grupos Balint Paideia em todo o processo formativo do
estudante de medicina para a atuação no SUS e da aprendizagem dos conceitos práticos básicos
da APS a partir da vivência com profissionais de outras áreas.
Em relação aos entraves para o trabalho em equipe, pode-se perceber que, apesar de ser
reconhecido como essencial para um bom funcionamento da atenção básica (e outros níveis do
sistema), os estudantes apresentaram diferentes olhares sobre o que seria um trabalho
multiprofissional satisfatório e relataram, no grupo focal inicial, apreensão em trabalhar em
equipe pois não sabiam ao certo o papel de cada profissional.
Japiassu6 discute os conceitos de multidisciplinar e pluridisciplinar para então esclarecer
a interdependência dos saberes, a interdisciplinaridade. Os dois primeiros conceitos geram
agrupamento de saberes, não há um acordo metodológico para a construção do objeto comum.
Para esse autor, um projeto de trabalho interdisciplinar é reconhecido pela intensidade de trocas
entre os pares e pela integração das disciplinas. Desta forma, a preocupação com o papel de
cada profissional denuncia a não compreensão da complexidade do objeto saúde e expõe mais
uma vez a fragilidade da formação reduzida ao modelo biomédico.
A experiência anterior dos alunos havia sido pautada numa lógica médico-centrada, o
que também configura um dos entraves para o trabalho em equipe. Há uma desvalorização de
qualquer tipo de saber dos profissionais não-médicos, refletindo na delegação de funções para
os demais profissionais, sem discussão de caso ou construção conjunta de projetos terapêuticos.
Parece reproduzir a assimetria de poder na divisão social do trabalho, que Peduzzi et al.3
denunciam como ponto a ser superado para a efetivação da interdisciplinaridade.
Muitas vezes só delegamos a função para os trabalhadores das demais
categorias profissionais. Por exemplo, no hospital a gente só entrega a
prescrição para os enfermeiros e pede para eles executarem o que está
descrito, tipo medicação, curativo ou outro. E isso se repete com outros
profissionais, como fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas (GFi).
70
Interessante notar como esta construção social do 'médico todo poderoso' abriu espaço
para que os estudantes dialogassem com profissionais de outras categorias e vice-versa, o que
indica uma possibilidade de reestruturação psíquica que tende a orientar-se para um fazer/saber
colaborativo.
A própria experiência multiprofissional e as relações transferenciais que nela se
estabelecem parecem ter auxiliado na aprendizagem do trabalho colaborativo.
Alguns de nós nos sentimos mal de pensar que no hospital o comum era
não levarmos em consideração a informação do enfermeiro, que tem 5
anos de faculdade. E é bom pensar que na Unidade (na maioria delas)
até os ACS, que não tem formação técnica específica, são valorizados
(GFi).
multiprofissional de cunho integrativo8 na APS alguns internos atualizaram suas relações com
o fazer-saber dos profissionais enfermeiros e de outros.
Por vezes, os estudantes se referem aos aspectos clínicos do cuidado concomitantemente
à importância da aprendizagem para além da clínica, favorecida pela vivência no estágio na
APS e pelo encontro com profissionais de outras categorias. Há evidências do reconhecimento
do próprio trabalho como parte de um processo integrado que inclui a intersubjetividade dos
diversos atores envolvidos e diversas áreas de saber.
Um desafio na APS é a construção de espaços de gestão coletivos e democráticos,
operando com a lógica da cogestão e do apoio nas relações interprofissionais34. Nas UBS onde
os internos estagiaram, apesar de haver um espaço protegido semanalmente para a reunião de
equipe, os estudantes relataram que as decisões eram centralizadas na figura do(a)
coordenador(a) da equipe, representado pelo(a) enfermeiro(a): "(…) E isso fica tudo
concentrado no papel da enfermeira pois não há corresponsabilização das decisões" (GFi).
quatro ou cinco estudantes estagiaram em UBS diferentes, essa variedade dos cenários foi
identificada como um fator que influenciou no aprendizado deles sobre o trabalho
multiprofissional.
Os Grupos Balint Paideia contribuíram para uma troca sobre essas experiências distintas
nos ambientes de trabalho, já que seus participantes comparavam, identificavam razões,
possibilidades, falhas, características da comunidade, da gestão e até mesmo do modo de se
integrarem a cada realidade. Deve-se apostar em cada cenário sem expectativa de que sejam
iguais, considerando suas singularidades, assim como cada pessoa dá um sentido específico ao
que vê, escuta, sente e faz. Como num movimento dialético, influenciamos o nosso local de
trabalho e somos influenciados e moldados por ele35.
Os estudantes aprendem a partir de todo o contexto que os envolvem: o clima do
ambiente de trabalho pode ser estimulante ou disfuncional, produzindo efeitos diversos na
aprendizagem singular. O aprendizado também pode se dar tacitamente, por meio da
observação do outro, por imitação ou pela identificação de um 'modelo', sendo que bons
professores clínicos são mais reconhecidos por suas características pessoais ou relacionais,
envolvendo aspectos não cognitivos como atitudes, comportamentos e transmissão de
valores18,19,35.
A possibilidade de pertencimento e de se envolver de forma ativa com o paciente é uma
consequência do acolhimento das equipes aos estudantes. Encontramos menções sobre quase
nenhuma experiência de trabalhar junto com outras categorias profissionais antes do internato
de saúde coletiva e que, apesar de cuidar dos mesmos pacientes, se sentiam distantes desses
profissionais. Fica o questionamento: como envolver de forma significativa os estudantes na
equipe? Considerar que a aprendizagem se dá em 'comunidades de práticas'35 é essencial para
compreender o papel da equipe nesse processo, bem como o papel exercido pelo próprio
internato de saúde coletiva e pelos GBP.
(...) apurem sua sensibilidade para estar em contato com o outro e seu
sofrimento (...) e propiciar que desenvolvam a capacidade de se
analisarem permanentemente nessas relações"9(197).
Considerações finais
Ao analisar o trabalho multiprofissional na perspectiva interdisciplinar na formação de
estudantes da graduação de medicina por meio de GBP, notamos que este permanece como
aspecto desafiador e que seus avanços parecem se concentrarem na APS, em detrimento de
outros pontos da rede, na medida em que os alunos tendem a opor a formação em saúde coletiva
à do ambiente hospitalar. Ademais, o foco num campo de práticas real, concreto e dinâmico
emerge como atributo essencial para novas aprendizagens, da ordem da complexidade, já que
os aproximam das vidas envolvidas e do funcionamento institucional: são experiências
verdadeiras e não controladas, embebidas de subjetividade e fonte de muitas inquietações
motivadoras para o aprendizado.
E, se o contexto da APS parece figurar como ambiente propício para uma formação
voltada ao trabalho interdisciplinar, o emprego dos Grupos Balint Paideia, ao levarem em
consideração a intersubjetividade inseparável das condutas humanas, parece constituir um
dispositivo interessante para realizar essa formação. Isto porque, com ele, os estudantes são
estimulados a identificar: a complexidade do processo saúde-doença-sociedade; a importância
do trabalho na atenção básica; as lacunas do saber médico que podem ser minimizados no
entrelaçar cooperativo com outros saberes e práticas; a divisão social do trabalho e sua
reprodução subjetiva que centraliza alguns conhecimentos em detrimento e desvalorização de
outros e, sobretudo, a gama de possibilidades de aprendizagens significativas pautadas na
vivência nas UBSs.
Por seu turno, a formação baseada no trabalho, assim como nos GBP, requer criticidade
e criatividade dos estudantes e docentes, precisando buscar a fundo a teoria e associá-la à
realidade, inventando modos de aplicá-la, de modo compartilhado. Neste ponto, o emprego de
elaboração de PTS como parte inerente ao GBP mostrou-se um recurso importante.
Essa possibilidade crítica oferecida pelo estágio e pelos espaços de discussão e reflexão,
promovida com o auxílio dos GBP, facultou aos estudantes a identificação e reflexão sobre
potências/limitações da teoria e sobre as dificuldades da equipe, as emergências que geram o
novo e requerem construções interdisciplinares.
Assim, entraram em cena nas discussões do PTS no GBP, o envolvimento ou não por
parte de profissionais, as dificuldades inerentes à organização da rede de atenção do município,
as disputas profissionais, a assimetria médico-paciente, as angústias e as onipotências.
Nesse ensejo, a formação oportunizou a reflexão, também, sobre a interdisciplinaridade
na APS, que se por um lado constitui seu diferencial, por outro, permanece como tarefa
desafiadora e pouco privilegiada pela estrutura dos serviços. A percepção dos alunos é de que
77
Referências
3. Peduzzi M, Agreli HLF, Silva JAM, et al. Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a
seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trabalho, Educação e Saúde [online]. 2020
[acesso em 2021 out 25]; 18(suppl1):e0024678. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1981-
7746-sol00246>.
4. Vilela EM, Mendes IJM. Interdisciplinaridade e saúde: estudo bibliográfico. Rev Latino-am
Enfermagem. 2003 [acesso em 2021 out 22]; 11(4): 523-31. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/S0104-11692003000400016
7. Schimith MD, Cezar-Vaz MR, Xavier DM, et al. Comunicação em saúde e colaboração
interprofissional na atenção a crianças com condições crônicas. Revista Latino-Americana
Enf. 2021 [acesso em 2021 out 17]; 29:e3390. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rlae/article/view/188099/173752.
8. Peduzzi M. Trabalho em equipe. In: Pereira I, Lima JCF. Brasil Dicionário da educação
profissional em saúde. 2.ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: EPSJV, 2009. p. 419-426.
9. Campos GWS, Cunha GT, Figueiredo MD. Práxis e formação paideia: apoio e cogestão em
saúde. São Paulo: Hucitec; 2013.
11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política
Nacional de Humanização. HumanizaSUS: documento base para gestores e trabalhadores do
SUS. 4.ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.
79
12. Oliveira Viana MM, Campos GWS. Formação Paideia para o Apoio Matricial: uma
estratégia pedagógica centrada na reflexão sobre a prática. Cadernos de Saúde Pública
[online]. 2018 [acesso em 2021 out 25]; 34(8):e00123617. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/0102-311X00123617.
13. Balint M. O médico, o seu doente e a doença. 1.ed. Lisboa: Climepsi, 1998.
14. Cunha GT, Dantas DV. Uma contribuição para a co-gestão da clínica: grupos Balint-
Paideia. In: Campos GWS e Guerrero AVP et al. (orgs). Manual de práticas de atenção
básica: saúde ampliada e compartilhada. São Paulo: Hucitec; 2010. p. 34–60.
18. Raelin JA. A model of Work-based learning. Organization Science. 1997; 8(6):563-578.
19. Billett S. Workplace learning: its potential and limitations. Education and Training. 1994;
37(4):20-27.
20. Vernon DTA, Blake RL. Does problem-based learning work? A meta-analysis of evaluative
research. Academic Medicine, 1993; 6(7):550-563.
21. Barros RB. Grupo: estratégia na formação. Laboratório de sensibilidades, 2014. Disponível
em: https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2014/11/20/grupo-estrategia-na-
formacao/.
80
22. Gonçalves DA, Fortes S, Campos M, et al. Evaluation of a mental health training
intervention for multidisciplinary teams in primary care in Brazil: a pre- and posttest study. Gen
Hosp Psychiatry. 2013 [acesso em 2021 out 15]; 35(3):304-308. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1016/j.genhosppsych.2013.01.003
23. Custódio JB, Peixoto MGBP, Arruda CAM, et al. Desafios Associados à Formação do
Médico em Saúde Coletiva no Curso de Medicina de uma Universidade Pública do Ceará. Rev
Bras Educ Med [online]. 2019 [acesso em 2022 jul 3); 42(2):114-121. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rbem/a/nwjD8jVHk8VWGmqZ94HsBJy/?format=pdf&lang=pt
24. Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, et al. Health professionals for a new century: transforming
education to strengthen health systems in an interdependent world. Lancet. 2010 [acesso em
2022 jun 25];376(9756):1923-1958. Disponível em:
https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(10)61854-5/fulltext
25. Vieira SP, Pierantoni CR, Magnago C, et al. A graduação em medicina no Brasil ante os
desafios da formação para a Atenção Primária à Saúde. Saúde em Debate [online]. 2018 [acesso
em 2022 jun 30]; 42(n. spe1):189-207. Disponível em:
https://www.scielosp.org/pdf/sdeb/2018.v42nspe1/189-207/pt
28. Morosini MVGC, Fonseca AF, Baptista TWF. Previne Brasil, Agência de
Desenvolvimento da Atenção Primária e Carteira de Serviços: radicalização da política de
privatização da atenção básica? Cad Saúde Pública, 2020 [acesso em 2022 jun 28];
36(9):e00040220. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/csp/a/Hx4DD3yCsxkcx3Bd6tGzq6p/?format=pdf&lang=pt
81
29. Giovanella L, Franco CM, Almeida PF. Política Nacional de Atenção Básica: para onde
vamos? Ciência & Saúde Coletiva, 2020 [acesso em: 2022 jun 28]; 25(4):1475-1482.
Disponível em:
https://www.scielo.br/j/csc/a/TGQXJ7ZtSNT4BtZJgxYdjYG/?format=pdf&lang=pt
30. Westphal MF, Bógus CM, Faria MM. Grupos focais: experiências precursoras em
programas educativos em saúde no Brasil. In: Boletim da Oficina Sanitária do Panamá́ , 1996;
120(6):472-482.
32. Onocko-Campos R, Furtado JP, Passos E et al. Pesquisa avaliativa em saúde mental:
desenho participativo e efeitos da narratividade. São Paulo: Aderaldo & Rothschild; 2008.
33. Freller CC. Pensando com Winnicott sobre alguns aspectos relevantes ao processo de ensino
e aprendizagem. Psicologia USP [online]. 1999 [acesso em 2021 out 26]; 10(2):189-203.
Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-65641999000200012.
34. Oliveira Viana MM, Terra LSV. Formación Paideia en atención primaria: análisis de la
democracia institucional y las relaciones de poder en las práticas laborales em salud. Salud
Colectiva. 2021 [acesso em 2021 set 20];17:e3298. Disponível em:
https://doi.org/10.18294/sc.2021.3298.
36. Santos DS, Mishima SM, Merhy EE. Processo de trabalho na Estratégia de Saúde da
Família: potencialidades da subjetividade do cuidado para reconfiguração do modelo de
atenção. Ciênc. saúde colet. 2018 [acesso em 2021 out 21]; 23(3):861-870. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/csc/a/s9bmJspgCcykVW6gddLytdG/?lang=pt&format=pdf.
82
*Capítulo publicado no livro “Nas entranhas da atenção primária à saúde” (2021), organizado
por Felipe Guedes, Gastão Wagner, Lilian Terra e Mônica Oliveira Viana, da editora Hucitec.
Autores: Elisa Toffoli Rodrigues1; Erica Maria Ferreira Oliveira2; Fernanda Nogueira Campos
Rizzi3; Henrique Cardoso Marcene4; Gabriela Ferreira de Camargos Rosa5; Vilson Limirio
Junior6; Gastão Wagner de Sousa Campos7.
1
Médica de família e comunidade. Doutoranda em Saúde Coletiva na Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Docente do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
2
Médica de família e comunidade. Mestre em Ciências da Saúde pela UFU. Docente do Departamento de Saúde
Coletiva da UFU.
3Psicóloga. Doutora em Saúde Mental pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP. Tutora da residência
multiprofissional em saúde mental da UFU.
4
Médico de família e comunidade.
5
Médica residente em Emergência na Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasília – DF.
6
Médico residente em Clínica Médica na Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG.
7
Professor titular da UNICAMP.
descompensada, visto que o resultado de Hemoglobina Glicada fora 12,6%1. Na ocasião, foi
proposto início de insulinoterapia, o que foi recusado pela paciente. Diante da negativa,
foram feitas orientações dos riscos do Diabetes descompensado e suas complicações e
agendado retorno dali a três meses.
Os estudantes pensaram que esse caso poderia se beneficiar da proposta do Projeto
Terapêutico Singular (PTS) devido a sua complexidade biopsicossocial e também ao evidente
desencontro de expectativas entre equipe e a própria paciente. Dona Gilda se preocupava
centralmente com suas dores e se recusara a seguir recomendação médica. Propuseram a D.
Gilda, ainda durante a consulta, uma pactuação de corresponsabilidade no seu cuidado por meio
da construção conjunta do PTS, expondo a preocupação em conciliar a agenda dela e a agenda
médica (dos estudantes).
Após a consulta, a dupla de estudantes dialogou com a equipe sobre a proposta de
realizar um PTS com D.Gilda, perceberam assim que a relação equipe-paciente já estava
desgastada, ela era vista como uma paciente difícil, com baixa adesão e resistente às propostas
terapêuticas.
Posteriormente, fizeram uma revisão aprofundada do prontuário e criaram uma lista
de problemas:
1 – Diabetes mal controlada, em uso de hipoglicemiantes orais, sem registro recente
de renovação de receitas;
2 – Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) supostamente resistente em uso de quatro
classes de anti-hipertensivos e com mau controle atual;
3 – Doença Arterial Coronariana com inserção de stent há 10 anos, podendo-se
supor, por meio das medicações prescritas na última receita, provável Insuficiência Cardíaca
com Fração de Ejeção Reduzida;
4 – Polifarmácia (uso de várias medicações);
5 – Consultas frequentes no pronto atendimento devido a queixas álgicas que, no
momento, impactavam sua funcionalidade laboral;
6 – Sofrimento mental associado com quadro de insônia;
7 – Tabagismo;
8 – Dificuldade financeira que trazia sofrimento e impossibilitava a aquisição de
alguns medicamentos.
1
Exame que avalia o nível médio de açúcar no sangue nos últimos meses, para acompanhamento do DM, cujo
resultado deve ser próximo a 6,5g/dL.
84
hemoglobina glicada de 12,6% para 6,3%) quanto a diferença de postura de D. Gilda em relação
ao seu autocuidado. A paciente parecia satisfeita com a melhoria da sua qualidade de vida.
Cerca de 15 dias depois, D. Gilda retorna com queixa de agudização de suas dores,
o que ela atribuía ao retorno às suas atividades laborais e ao concomitante abandono do grupo
de exercícios físicos por incompatibilidade de horários. Além de abordar a queixa da paciente,
os estudantes aproveitaram a consulta para conversarem sobre o exercício de sua
espiritualidade.
No final do estágio na UBSF, os estudantes realizaram uma visita domiciliar
avaliativa e notaram melhorias da saúde de D. Gilda em relação ao início, seu protagonismo no
processo de cuidado e que já possuía uma nova meta: cessar o tabagismo.
2
Gilda: aquela que tem valor; capaz.
(Fonte: https://biblia.com.br/dicionario-biblico/g/gilda/. Acesso em: 30/09/2020)
87
dos estudantes reproduzirem a convicção das equipes de saúde da família de que o especialista,
devido aos seus conhecimentos clínicos da área específica, tem uma autoridade máxima sobre
caso, pontuando a decisão final como inquestionável.
Qual era a expectativa da equipe de saúde da família ao encaminhar D. Gilda ao
especialista, já que ela não aderia ao tratamento proposto? Seria para dividir responsabilidades
e cumprir um protocolo clínico (rígido, inflexível e que não singulariza as pessoas)? Percebe-
se que a relação do médico generalista com o especialista muitas vezes é uma relação aluno-
professor, de cujas decisões e condutas fica refém.
A reflexão sobre o papel do especialista nesse caso permitiu que os estudantes
descartassem o diagnóstico de insuficiência cardíaca feito pelo cardiologista e, junto com a
equipe, pudessem reduzir consideravelmente as medicações em uso. Porém, essas foram
reintroduzidas em uma consulta com cardiologista, o que evidencia a fragilidade da
coordenação do cuidado. Isso demonstra a falta de comunicação entre os diversos pontos da
rede e, mais do que isso, a falta de uma política institucional que valorize a lógica do apoio
matricial e não a de simples “encaminhamentos”. Vale notar também a fragilidade do
prontuário eletrônico na garantia da coordenação do cuidado. Ainda que ajude bastante, não é
suficiente, mesmo porque o paciente pode acessar algum ponto de atenção à saúde (ou médico
especialista) de sistema distinto, como o suplementar (seja por seguro, convênio ou particular)
ou mesmo a rede SUS que ainda não está informatizada.
Como alternativa a essa lógica, o apoio matricial visa a dar retaguarda especializada
às equipes de referência, aumentando sua capacidade resolutiva. Trabalha com dois pilares:
assistencial e técnico-pedagógico. É uma forma de gestão do trabalho que possibilita maior
integração entre as especialidades, colaborando para a ampliação da clínica e para a superação
da lógica de encaminhamento que fragmenta o cuidado, dificulta a cogestão e diminui a
responsabilização dos profissionais sobre o cuidado (CAMPOS; DOMITTI, 2007; CAMPOS
et al. 2014; OLIVEIRA; CAMPOS, 2015). O contato com a referência pode ocorrer tanto em
espaços destinados para esse fim, como as reuniões de equipe quanto, quando não é possível
aguardar os encontros periódicos, por “meios diretos de comunicação personalizados, como
contato pessoal, eletrônico ou telefone" (CAMPOS; DOMITTI, 2007 p. 401).
Para que o apoio matricial ocorra, é necessário ampliar os espaços onde o método
Paideia possa ser aplicado, estimulando a reflexão, o fazer junto. Realizar por exemplo, rodas
de discussão, permitindo incluir-se no processo e sofrer o efeito Paideia, compreendendo a
diferença e criando a cultura de exercer críticas e desejar mudanças. O apoiador deve trabalhar
tanto com demandas da equipe de referência como com ofertas decorrentes de suas análises
88
micro e macro pautadas na experiência e conhecimentos, assim pactua com a equipe uma
relação de engajamento que visa contribuir de forma geral e ainda ampliar a autonomia da
equipe de referência, para que tenha mais ferramentas para lidar com suas dúvidas e problemas,
diminuindo a dependência do apoiador (CAMPOS et al, 2014). A dificuldade da equipe de
saúde da família em realizar o compartilhamento do Projeto Terapêutico Singular nas reuniões
de equipe ou outros espaços de roda demonstra, ainda, a dificuldade de implantação do apoio
matricial e da efetivação da clínica ampliada.
Vale ressaltar que a equipe de saúde da família do caso citado tinha um horário
semanal específico para fazer reunião. Estimulados pelas discussões realizadas nos GBP, os
estudantes levaram o caso para ser discutido em reunião, mas se depararam com certa
resistência da equipe, principalmente pelo hábito da equipe de utilizar esses espaços para
resolver predominantemente demandas administrativas da unidade.
A frustração dos estudantes com a dificuldade de diálogo com a equipe
multiprofissional apareceu diversas vezes nos GBP, já que sentiam falta de espaço de rodas e
de discussão de casos junto com as equipes. A experiência de discutir um caso "mais
livremente" nos GBP, chamava a atenção dos estudantes. Neste espaço, não era necessário focar
somente nas doenças (como estavam acostumados nas discussões clínicas nos outros estágios
do internato) mas conseguiam ampliar o olhar para os aspectos sociais, psíquicos e
institucionais (compreendendo que a forma de organização do trabalho influencia nas relações,
incluindo a relação com equipe e usuários). Mais do que isso, alguns internos sentiam-se
confiantes em falar, nos GBP, sobre aspectos que os incomodavam, alguns sentimentos e
emoções que os casos atendidos lhes causavam. No entanto, essa não era a percepção de todos
os alunos. Alguns não se sentiam à vontade para compartilhar seus sentimentos, outros se
incomodavam com a discussão de aspectos mais subjetivos, alegando desfocar do objetivo deles
de se preparar para a prova de residência médica que se aproximava.
Mais do que apenas gerar uma frustração nos estudantes, as consequências da
escassez de trabalho interdisciplinar são percebidas também quando nota-se a hierarquização
da lista de problemas relatadas pela dupla. Os itens iniciais apontam para diagnósticos
biomédicos (Diabetes, HAS, doença arterial coronária, polifarmácia) sendo que os itens que se
seguem possuem características mais sociais e subjetivas (dor, sofrimento mental, tabagismo e
problemas financeiros). Nas discussões do GBP a dupla menciona a preocupação em melhor
avaliar o humor depressivo e a insônia da paciente. Questionados sobre a associação desta
condição psíquica com as dores, respondem que acreditam que estão associadas: “uma leva a
outra e outra leva a um”, diz um outro estudante meio ao debate. A dupla relatou que a paciente
89
era chorosa e que tomava antidepressivo (fluoxetina) com pouco resultado. Apesar de terem
compreendido que a paciente se sentia sozinha e muito incomodada com os adoecimentos
físicos e dores, pareciam de mãos atadas frente a sutileza do sofrimento humano, que chegou a
ser naturalizado por outra aluna presente: “a vida não tem solução, melhor esperar pra morrer”.
A questão da subjetividade no processo saúde-adoecimento-cuidado parece sempre
um desafio na atenção primária, especialmente no que tange ao trabalho médico. É como se a
cisão científica operada entre psiquismo-corpo criasse um abismo entre especialidades e
fragmentações quase insuperáveis na complexidade humana.
Propondo montar um quebra-cabeça, os GBP permitem reflexões e
aprofundamentos, porém estas nem sempre se viabilizam no campo prático, já que a ideia, para
ser executada, requer articulações diversas que não são simples. Explicando melhor, Dona
Gilda apresentava humor deprimido e não dormia bem, preocupava-se com seu
envelhecimento, dores e com habilidades que perdeu, por exemplo, antes de se tornar passadeira
era cozinheira e, afastada por questões de saúde da primeira função, buscou uma segunda opção
para complementar a renda. A paciente já havia então sofrido consequências de seus
sofrimentos em nível laboral, social (agora realizava o trabalho solitariamente em seu
domicílio), físico e financeiro. O afastamento da atividade de cozinheira se deu em decorrência
das dores e o cenário geral posterior às mesmas é de tristeza, solidão e incapacidade. Dona
Gilda não se relacionava nem com os vizinhos e pouco com os filhos. O espaço religioso em
que cuidava de pessoas aplicando Reiki era ainda o ambiente de maior pertencimento.
O enfrentamento da angústia dos estudantes em relação a este desenho complexo
de existência se dá coordenando expectativas, buscam sucesso naquilo que acreditam saber
mais (adoecimentos orgânicos) e deixam em segundo plano os fatores talvez mais associados à
queixa principal da paciente (os problemas de cunho psicossocial).
Interessante notar que os aspectos psicossociais eram os primeiros que apareciam
nas discussões dos casos. A percepção dos autores é que a presença dos apoiadores do grupo
Balint-Paideia, que também eram docentes, estimulava a demonstração dos estudantes sobre
seus conhecimentos teóricos e a valorização que davam para as questões mais subjetivas do
caso. Alguns temas que pareciam consenso na discussão no grupo, se tornavam contraditórios
quando citados nos exemplos de práticas dos alunos. Em vários momentos, os docentes tinham
a sensação de que os alunos falavam "o que os professores gostariam de ouvir", apesar de tentar
se construir um ambiente de roda e, inclusive, de se problematizar essa questão.
Portanto, estimulados em se aprofundar nos problemas psicossociais, os estudantes
procuraram se articular junto à Assistente Social e, devido a sua ausência, buscaram o
90
profissional de psicologia da UBSF, cujo encontro não resultou em maiores discussões nem
aprofundamentos.
Como já relatado, a parceria possível se deu com um grupo pré-existente do NASF
voltado à fibromialgia, ou seja, num movimento de encaminhamento ao invés de apoio e
discussão para o PTS de D. Gilda. Os esforços da dupla pareciam se esbarrar em questões
institucionais, nos funcionamentos prévios da própria equipe, os quais apontavam para
caminhos repetitivos de ação. Mesmo assim, apostam na autonomia da paciente e na
honestidade profissional permitindo que se estabelecessem vínculos positivos.
As propostas de ampliação da clínica dos GBP vão ao encontro do que Greenhalgh
(2007) descreve, já que essa autora considera que os diferentes problemas na APS requerem
diferentes perspectivas. Nenhuma teoria por si só explica um determinado problema e há uma
tensão importante entre as definições de APS contidas na literatura e como ela acontece no dia-
a-dia. A Atenção Primária é tão complexa que necessita do apoio de diversas disciplinas para a
sua prática: ciências biomédicas, epidemiologia, psicologia, sociologia, antropologia, filosofia
e ética, artes e literatura, pedagogia. As duas primeiras são priorizadas pelos profissionais, por
abordarem a anatomia, fisiologia, patologia, farmacologia, o estudo das doenças nas populações
e a medicina baseada em evidências, que dá suporte a decisões clínicas individuais. No entanto,
apenas essas duas disciplinas dão uma visão incompleta e restrita do que é a APS. É necessário
ampliar o olhar para o estudo da subjetividade e das relações, da sociedade humana, dos modos
de vida das pessoas, dos grupos e da sociedade; da história, poesia e drama; da filosofia e da
ética; bem como o estudo das teorias de aprendizagem.
Desta forma, um aspecto que surgiu nos GBP, estimulado pelos apoiadores, foi a
abordagem da espiritualidade, ponto importante de apoio na vida de D. Gilda (identificado no
ecomapa, mas não aplicado na condução do caso).
A espiritualidade pode ser uma estratégia de resgate da relação médico paciente, já
que perguntar sobre espiritualidade e religiosidade tende a gerar mais confiança e empatia. Para
o médico, é importante avaliar a espiritualidade para “detectar sentimentos negativos que
possam contribuir com o adoecimento ou agravamento do mesmo tais como mágoa,
ressentimento, falta de perdão, ingratidão, entre outros” (PRÉCOMA et al, 2019;
PUCHALSKI; ROMER, 2000). Além disso, a abordagem da espiritualidade demonstra um
reconhecimento de que existem outros espaços terapêuticos fora do espaço formal da saúde.
Na apresentação do caso foi sugerido, pelos apoiadores, que a dupla apresentasse
para D. Gilda o Centro de Referências de Práticas Integrativas e Comunitárias em Saúde
(CRPICS) da cidade. A paciente poderia se beneficiar de ser cuidada dentro da mesma
91
perspectiva em que cuida do outro. O CRPICs possui grupos com várias práticas que seriam
possibilidades terapêuticas talvez mais sedutoras para D. Gilda, ampliando suas relações sociais
e tornando-a uma paciente vinculada a práticas na qual ela também é agente. Subjetivamente,
este movimento de cuidar-se em um espaço com familiaridades com suas práticas poderia ser
potente ao fomentar seu próprio saber e abrir espaço para que ela deixasse ser cuidada.
Outro ponto que deve ser discutido é em relação à forma de comunicação e o
processo de aprendizagem inerente à prática em saúde. Nesta relação dos internos com D. Gilda,
torna-se necessário levar em conta a cultura e saber da paciente, o que foi considerado na
construção do PTS porém ainda insuficiente para promover um diálogo horizontalizado. A
sensação dos estudantes de que priorizavam algo que não era a primeira preocupação de D.
Gilda está relacionada ao erro de interpretação nos diálogos em saúde, decorrente de anos de
história de valorização do discurso científico biomédico sobrepondo-se ao discurso do paciente,
considerado inferior, ou irracional.
Para Valla (1996), os problemas de interpretação entre comunidade e profissionais
estão ligados à falta de compartilhamento de critérios de interpretação da realidade. A limitação
de compreensão de contextos, que transcendem consultórios e muros de unidades de saúde,
impede até o mais dedicado e longevo profissional em conceber empaticamente o mundo em
que seu paciente está imerso, seus problemas, suas prioridades que não são trazidas para o
evento da consulta. “O que frequentemente para o profissional é conformismo, falta de
iniciativa e/ou apatia é para a população uma avaliação (conjuntural e material) rigorosa dos
limites da sua melhoria” (VALLA, 1996, p 181).
Dona Gilda fala de dor, de tristeza, solidão e desamparo familiar, da necessidade de
trabalhar e das dificuldades financeiras e legais. Apesar de escutarem atentamente esses
sofrimentos, os estudantes tornam emergentes o Diabetes e a insulina, medicação para as
próprias expectativas médicas e para as limitações em relação ao que fazer com essas outras
dores, “temos ferramentas?”. É exatamente diante desta pergunta que o saber do paciente e das
especialidades não médicas possibilitam, por meio do matriciamento e da educação popular em
saúde, um processo de ensino-aprendizagem para todos os envolvidos no PTS - equipe,
paciente, família e instituição.
O caso apresentado nos traz claramente as potencialidades de algumas das
ferramentas utilizadas na prática da Medicina de Família e Comunidade, como a consulta
centrada na pessoa, abordagem familiar e comunitária e o trabalho em equipe.
A primeira estratégia pensada pelos alunos para ampliar os seus olhares sobre o
caso pelo qual despertaram interesse foi a visita domiciliar (VD), um dos mecanismos de
92
respeito que implica o reconhecimento global do outro são verdadeiros instrumentos que trazem
consequências positivas às pessoas e seus recursos internos.
Neste sentido, o profissional de saúde consegue preparar emocionalmente as
pessoas e a relação se torna terapêutica. A discussão nos grupos Balint-Paideia permitiu a
reflexão sobre a importância da "substância médico" na relação médico-paciente (BALINT,
1998), ampliando-a para os outros profissionais de saúde. Ao preparar emocionalmente o
ambiente e as pessoas, a relação pode ser terapêutica. O conhecimento do profissional de saúde
é essencial, mas não basta por si só para a tarefa de cuidar de uma pessoa. A atmosfera criada
nos encontros dos internos com a paciente permitiu nitidamente resultados agradáveis. Ao final
do processo a dupla aponta a repercussão do engajamento profissional da seguinte maneira: “se
fosse eu, ia querer dar retorno”, indicando a posição da paciente em relação a um trabalho
interessado dos profissionais.
Considerações finais
Voltando ao caso de Dona Gilda, os estudantes finalizaram a avaliação do grupo
Balint-Paideia com duas falas que ficaram bem marcadas para os apoiadores. Na primeira,
relataram que foi a primeira oportunidade que tiveram de reconhecer que “o vínculo é
terapêutico”. Isso reforça os princípios da APS, como a integralidade, a longitudinalidade e a
coordenação do cuidado. Ao conseguirem ver a pessoa como um todo e integrada numa rede
de atenção à saúde, em que podiam acompanhar os resultados de suas ações por seis meses e se
responsabilizar pelo seu cuidado, organizando suas demandas e conectando-as com os demais
serviços da rede, os estudantes puderam experimentar laços e afetos diferentes do que já haviam
vivenciado anteriormente.
Além disso, os estudantes reconhecem a importância da autonomia do sujeito no
processo ao afirmarem: “A gente não fez quase nada. Ela (D. Gilda) que fez praticamente tudo,
pois estava disposta”. Sentiram-se gratificados por participarem do processo e realizarem um
PTS. Ao ampliar-se a capacidade de autonomia e liberdade do sujeito, levando em consideração
valores, interesses e desejos da paciente e deles próprios, conseguiram construir contratos com
a D. Gilda.
O que antes parecia baixa adesão, apresentado como desinteresse, transformou-se
em reconhecimento da posição de sujeito da paciente, que realiza escolhas e que é capaz de
pensar sobre seu corpo, necessidades e possibilidades. Puderam constatar, portanto, que o
paciente é o maior responsável pelo próprio cuidado, cabendo ao médico e demais profissionais
de saúde auxiliá-lo nesse processo.
95
Referências
CAMPOS, G. W. S. Um método para análise e cogestão de coletivos. 4a. Ed, São Paulo:
Editora Hucitec, 2013.
CASTRO, C.P.; CAMPOS, G.W.S. Apoio Institucional Paideia como estratégia para
educação permanente em saúde. Trab. educ. saúde, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, abril, 2014, p.
29-50.
CUNHA, G.T.; DANTAS, D.V. Uma contribuição para a cogestão da clínica: grupos Balint-
Paideia. In: CAMPOS, G. W. S.; GUERRERO, A. V. P. et al. (Org.). Manual de práticas de
atenção básica: saúde ampliada e compartilhada. 2 ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2010,
p. 34–60.
DIAS, L. C. Abordagem familiar. In: GUSSO, G.; LOPES, J. M. C.; DIAS. L. C. Tratado de
Medicina de Família. Princípios, formação e prática. 2.ed. Artmed. Porto Alegre: 2019.
1449 p
LOWN, B. A arte perdida de curar. Tradução Wilson Velloso. 2. ed. São Paulo: JSN
Editora Ltda., 1997.
MAHMUD, S. J.; et al. Abordagem comunitária: cuidado domiciliar. In: GUSSO, G.; LOPES,
J. M. C.; DIAS. L. C. Tratado de Medicina de Família. Princípios, formação e prática. 2.ed.
Artmed. Porto Alegre: 2019. 1449 p
*Capítulo publicado no livro “Nas entranhas da atenção primária à saúde” (2021), organizado por Felipe Guedes,
Gastão Wagner, Lilian Terra e Mônica Oliveira Viana, da editora Hucitec.
Autores: Elisa Toffoli Rodrigues1; Fernanda Nogueira Campos Rizzi2; Henrique Cardoso
Marcene3; Gastão Wagner de Sousa Campos4.
1
Médica de família e comunidade. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da UNICAMP.
Docente do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia
(UFU).
2
Psicóloga. Doutora em Saúde Mental pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP. Tutora da residência
multiprofissional em saúde mental da UFU.
3
Médico de família e comunidade.
4
Professor titular da UNICAMP.
Este capítulo discute a formação de estudantes para uma clínica ampliada a partir
de duas histórias que chegaram até os autores por meio dos Grupos Balint-Paideia (GBP). Estes
foram realizados com estudantes do último período do curso de medicina que passavam pelo
estágio obrigatório curricular (internato) de saúde coletiva nas unidades básicas de saúde. Os
estudantes eram organizados em duplas para realizar atendimento conjunto e deveriam escolher
um usuário do serviço para compor um Projeto Terapêutico Singular, levando em consideração
os critérios de elegibilidade, ou seja, a complexidade do caso e a necessidade de uma atenção
interdisciplinar, intersetorial e longitudinal.
Duas destas duplas trouxeram histórias que motivaram a escrita deste capítulo.
Optou-se por transcrever as narrativas destas duas histórias entremeadas pelas discussões que
emergiram nos GBP e outras que vieram posteriormente com leituras e com a constante reflexão
dos autores como educadores, pesquisadores e profissionais de saúde.
Duas histórias:
As narrativas das histórias foram realizadas mudando o nome dos envolvidos e
deixando clara certa ficcionalidade da narrativa, pois tratam-se de narrativas
contratransferenciais. Por quê? Ouvimos, os autores desse texto, os narradores e refizemos a
narrativa, atentos à realidade e aos fatos, mas os reproduzindo com nossas palavras,
entremeando nossas percepções, dando nossas ênfases e cientes de que deixamos passar o que
possa, porventura, ter sido ocultado ou ignorado pela dupla de alunos que acompanhou o caso.
O nosso lugar de educadores em um Grupo Balint-Paideia (GBP) permanece como um lugar de
99
poder e avaliação, por mais que a relação entre os participantes do grupo se proponha
horizontalizada.
Desta forma acreditamos que a narrativa transcrita é uma reedição dos fatos, uma
reinterpretação. Primeiro houve o encontro e a interpretação dos mesmos pelas duplas de
estudantes, posteriormente no GBP, durante a apresentação do caso houve elaboração
secundária dos dados e o que aqui descrevemos é a nossa interpretação dessa apresentação
editada pelos nossos olhares.
Uma característica importante das narrativas apresentadas neste capítulo é que elas
sofrem efeitos dos debates entre os alunos e das discussões realizadas entre os docentes durante
a supervisão dos casos do GBP, que eram momentos, acima de tudo, formativos para estes
atores. Além disso, sabemos que, em alguma medida, as vozes dos estudantes ecoavam em
parte as vozes das instituições que permearam o ambiente, seja das Unidades Básicas de Saúde
onde os estudantes estagiaram por seis meses consecutivos, seja da Universidade e, mais
especificamente, do curso de medicina no qual os alunos estiverem imersos por quase seis anos.
Compartilhamos a seguir duas narrativas, sob a ótica dos docentes, que chegam ao
leitor também sujeita a novas leituras de realidade. Foram somadas às narrativas as perguntas,
colaborações e reflexões da dupla de estudantes responsável pelo caso, bem como dos demais
estudantes e dos docentes que participaram do GBP.
O material utilizado para esse capítulo faz parte de uma pesquisa-ação que teve
como objetivo analisar os efeitos dos GBP na formação de estudantes de medicina para a
Atenção Primária à Saúde. Os preceitos éticos da pesquisa com seres humanos foram
obedecidos. Todos os participantes dos GBP assinaram o termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Uberlândia sob o
número CAAE 00849118.0.3001.5152.
entre as refeições. Ao relatar sobre os hábitos de Thomé, as alunas afirmaram que ele ingeria
um litro de cerveja no almoço diariamente.
Ao problematizar sobre a não adesão do paciente às propostas da equipe, as alunas
relataram que Thomé considerava difícil realizar exames matinais porque despertava muito
cedo (às 4 horas da madrugada) e não conseguia manter o jejum. As alunas inclusive se
exaltaram ao contar que ele não frequentava a UBS, convidando outros alunos a confirmar
uma história recente: Thomé machucara a cabeça na viga da escada da casa dele, foi para o
Pronto Socorro e depois foi encaminhado para a UBS para fazer os curativos diários, o que
ele não fez. Os colegas que conheciam o caso e que atenderam Thomé na ocasião disseram que
o ferimento estava infeccionado nitidamente devido a higienização precária. “É muito difícil
dialogar. Seu Thomé nos diz que ele conhece bem o corpo dele”.
Posteriormente, o genograma e ecomapa realizado com Thomé e seus familiares
foi apresentado: ele trabalha na construção, é casado com Lúcia, tem três filhos com quem tem
boa relação e vínculos com amigos e parentes que ele sempre visita. Durante as visitas
domiciliares, ao conhecer um pouco o mundo de Thomé, as alunas pensaram em dialogar com
ele por meio da metáfora da construção “só você vai saber colocar o piso”, porque esse era
universo de trabalho do senhor Thomé. Assim, tentaram aproximar a linguagem delas à
realidade dele.
As estudantes relataram que ficavam com vontade de rir porque Thomé se
vangloriava de conhecer todos os métodos e técnicas e ao contar como usava insulina,
demonstrava certa ignorância. Relataram que ao mesmo tempo ele era muito autônomo, fazia
tudo sozinho e apesar dos familiares se queixarem de que ele era teimoso, contavam com a
ajuda para equipe da unidade para que o tratamento se efetivasse. As estudantes contavam que
as filhas são presentes no cuidado do pai, atenciosas e que o delataram avisando que o pai
anota os valores da glicemia capilar errado de propósito, para “saírem do pé dele”. Por isso,
a dupla decidiu combinar com a esposa que ela iria entregar fitas do glicosímetro, mesmo
sabendo que ele não gostava de receber ajuda. Era uma aposta das internas para controlar um
pouco a sabotagem do paciente, causando polêmica entre os estudantes, já que uns
acreditavam que deveria ser reforçado a autonomia dele e outras achavam que essa ação não
interferiria na autonomia do cuidado e sim, ampliaria a rede de cuidados do paciente.
Após compromissos firmados com Thomé, como o de que ele iria medir a glicemia
capilar antes de aplicar insulina, percebeu-se, em um retorno, que ele não havia cumprido com
o combinado. Em um ato de apelo das estudantes se utilizaram da técnica do medo: “Você
pode morrer, é uma coisa muito grave”.
Uma das internas que apresentava o caso acreditava que seria efetivo o terror
quando a pessoa está em risco, mas notou que não é simples assim: juntamente com os
participantes do GBP pensou que essa estratégia dependia do perfil da pessoa e que funcionava
mais encontrar a motivação de vida do sujeito. O consenso era que deveriam alcançar o ponto
que dá sentido à pessoa realizar o autocuidado.
Thomé age como um super-homem diante das duas jovens que se propõem a
cuidá-lo. A vontade de conseguir respeito pelo medo pode deflagrar uma reação
contratransferencial devido à desvalorização do trabalho e saber de duas jovens mulheres. Um
choque de poderes pode impedir aí um mútuo entendimento, o que foi superado pelo
acolhimento do GBP, pela preceptoria e supervisão das internas e, obviamente, pelas formações
pessoal e acadêmica que as permitiram reinventar um encontro, possibilitando uma clínica
compartilhada meio a enfrentamentos.
As relações contratransferenciais são inevitáveis no encontro inter-humano pois
trazem o deslocamento de afetos, fantasias e experiências anteriores para aquelas que ali se
constroem. A irritação das internas que atenderam Thomé, por exemplo, pode ser compreendida
como uma projeção das impotências e frustração que ele causa por uma “desobediência”. Neste
caso, instala-se a relação adulto-criança, professor-aluno, ou seja, aquele que ordena e aquele
que se submete. Quando as internas assumiram a conduta de assustar Thomé para que o mesmo
se atente às suas sugestões, aliaram o poder da ciência ao do mestre e o enxergaram como uma
criança capaz de ser assustada pelo terror da morte. Diante da morte, todos parecemos
pequenos.
A discussão no grupo girou em torno de questões sobre até onde investir num
paciente resistente, surgindo falas dos estudantes como: “Não é fácil cuidar de quem não quer
ser cuidado”, “às vezes sentimos raiva”, “sensação de impotência”, e “temos que gerir até
onde investir”. A reflexão abordou a insuficiência da técnica e a potência de aprender manejos
diferentes para pessoas diferentes de nós. Os estudantes reconheceram que a raiva não é do
paciente em si, mas do fato de ele negar o conhecimento que porventura possam ter sobre sua
saúde. Afirmaram que é dever do profissional médico fazê-lo aceitar, transmitindo o que
sabemos e, se o paciente não quiser, acreditam que “o problema deixa de ser nosso”.
defensiva de superioridade diluiu-se por meio da discussão no GBP, pois coloca em questão o
desejo de valorização profissional, que os estudantes estavam prestes a ser, deixando
transparecer a insegurança, os medos e as dúvidas quanto alguns limites a se estabelecerem.
Concluíram que
Figura 1 - Material educativo elaborado pelas estudantes do 12o período de medicina para realização de
uma atividade de educação em saúde com a temática do diabetes.
Isto pode ser justificado, em parte, por uma construção histórica em que práticas de
saúde e de educação eram vistas de maneira isoladas. O profissional de saúde, em sua ação, e
as instituições, em seus planejamentos, não priorizavam estas práticas, mantendo a postura
prescritiva dos profissionais e a necessidade dos serviços em ditar a mudança de hábitos dos
que adoeciam (ALVES; AERTS, 2011, p.s/n; FALKENBERG et. al, 2014, p. s/n).
Formatos de educação verticalizados de caráter informativo não correspondem às
necessidades cotidianas de um diálogo que faça sentido na relação entre o serviço de atenção
primária e seus usuários. A educação popular em saúde é uma teoria e prática da ruptura e, não
só rompe, como movimenta-se no sentido contrário ao paradigma científico moderno podendo
ser chamada de educação contra-hegemônica. Ao romper com a medicina formal, rompe com
o modelo de educação “bancária” (FREIRE, 1987), em que uns passivamente assimilam aquilo
que é depositado pelo sábio validado, cujos conhecimentos são considerados dele – educador -
e são doados para o outro - aprendiz.
Diante de queixas frequentes dos estudantes e trabalhadores da atenção básica sobre
problemas de adesão da comunidade aos cuidados essenciais para a própria saúde e às
orientações profissionais, compreendemos que a educação popular em saúde e análise crítica
de fenômenos subjetivos como a transferência contribuem para a efetivação da clínica ampliada
e para relação comunidade-serviços. Neste sentido crítico algumas questões devem ser lançadas
sem presunção da resposta: A obediência de um paciente ao tratamento proposto por uma
equipe de saúde, significa adesão? A obediência garante o bem estar do paciente? A falta de
adesão do paciente pode ser compreendida com desinteresse na própria saúde? Qualquer
negativa é irresponsável?
106
Uma dupla de internos relatou que tinha escolhido para acompanhamento uma
gestante que lhes causou estranhamento no primeiro encontro pela maneira dela se vestir
(hippie), pelo penteado em 'dread' e pelo fato dela chegar na unidade carregando artesanatos.
Em uma breve narrativa, os alunos contaram que conheceram Mariele alguns dias atrás, num
atendimento de pré-natal que estava sendo realizado na UBS. Mariele era uma jovem de 21
anos que vivia com o marido Alísio há cerca de um ano. Ele, na casa dos quarenta, era
responsável pela construção daquele estilo de vida alternativo.
Em meio a esse relato, os alunos comentaram que a médica e o enfermeiro da
unidade pediram que eles fizessem o PTS daquela gestante devido à dificuldade de Mariele
seguir o pré-natal, afinal, ela já havia faltado em várias consultas e no dia agendado para
realizar a vacina. Além disso, ela usava drogas.
Na primeira visita domiciliar apenas Alísio estava presente e deixou claro que
tinham preferência para o uso de plantas medicinais, ele mesmo preparava um jardim de
fitoterápicos para a criança que chegaria. Sobre o uso de drogas, ilícitas eram muito liberais
principalmente sobre o uso de cannabis e, segundo os mesmos, faziam uso regular. Mariele
vinha reduzindo o consumo devido a gestação.
a mãe era muito cuidadosa e preocupada com seu filho, apesar do seu estilo de vida.
Destacaram o envolvimento da equipe na condução do caso: visitas domiciliares
frequentes da agente comunitária de saúde, envolvimento da assistente social, consulta do
binômio pela médica, busca ativa da equipe para realização do teste do pezinho (enfermeiro
novamente levou paciente em carro próprio para a unidade vizinha onde era realizado o
exame). Por outro lado, identificaram ainda muito preconceito em condutas e comportamentos
dos profissionais de saúde e destacaram como ficaram impressionados com o tom impositivo e
invasivo que foi utilizado, por membros da equipe, ao orientarem Mariele, em visita domiciliar,
a não oferecer chá ao seu filho recém-nascido.
109
de determinado comportamento humano, aquilo que está relacionado a normas e valores e que
podem ser acessadas conscientemente pelas pessoas. Numa análise mais profunda, pode-se
compreender a cultura como as motivações ocultas da escolha dessas normas e valores. Para o
bom desempenho da competência cultural, é esperado que o profissional de saúde, na entrevista
clínica, acesse esse nível oculto, o qual está relacionado
"(...) ao que as pessoas entendem sobre a natureza humana, relacionamentos
humanos, educação de filhos, conceito de tempo e espaço, o que é bom ou
ruim, certo ou errado, aceitável ou inaceitável. Crenças acerca do que é a
natureza e a causa das doenças ou do bem-estar" (GOUVEIA, SILVA,
PESSOA, 2019, p. 85).
Analisando as atitudes da equipe de saúde, através dos relatos dos alunos, observou-
se uma hiper implicação dos profissionais, principalmente pautada no reconhecimento, pela
equipe, de uma dificuldade do casal em cuidar da própria saúde e da saúde do filho. A equipe
presumia a inaptidão de Mariele e Alísio para o momento do ciclo de vida em que estavam por
não reconhecerem as diferenças culturais, entretanto não houve ações para o empoderamento
dos sujeitos e promoção da autonomia. Após o parto, inclusive por metas institucionais do
serviço de saúde, a equipe assumiu a tutela sobre as consultas e visitas.
O aprendizado da competência cultural não deve ser pontual, nem realizado apenas
em um momento específico do currículo, a partir de disciplinas isoladas. Ele deve contemplar
diversos cenários e também estar ligado à postura institucional (GOUVEIA, SILVA, PESSOA,
2019). Como orientar que os alunos devem atender sem preconceitos, com respeito à
diversidade e especificidades culturais se no dia a dia os preceptores atendem os casos baseados
em protocolos rígidos e sem singularizar os sujeitos? Essas atitudes são reproduzidas por
estarem incorporadas na cultura da instituição e acabam sendo naturalizada pelos seus
componentes e, por isso, não geram estranhamentos.
As diferenças socioculturais, muitas vezes consideradas como naturais, são frutos
de uma construção sócio-histórica, feita por pessoas que ocupam lugares na sociedade e que
possuem olhares específicos, desejos e poderes.
Uma das explicações para a manutenção das diferenças sociais é o pensamento
essencialista, que racionaliza essas diferenças e facilita a expressão de juízos negativos sobre
os grupos, reforçando o racismo, a discriminação social e o preconceito (PEREIRA et al, 2011).
O essencialismo procura compreender como as pessoas habitualmente elaboram as
suas percepções sobre si mesmas, sobre os membros do próprio grupo e dos outros
grupos sociais. (...) Para o pensamento essencialista, a crença, expressa por quem
categoriza, de que os membros de um mesmo grupo compartilham uma estrutura
profunda que permite a sua diferenciação dos membros de outros grupos é um fator
decisivo na adoção do raciocínio categórico durante as relações sociais (Gelman &
112
Wellman, 1991; Medin, Goldstone, & Gentner, 1993; Yzerbyt, Rocher, & Schadron,
1997 apud PEREIRA et al 2011, p.146).
Considerações finais
Thomé e Malucos de Estrada são histórias que trazem em comum a dificuldade de
adesão do paciente ao serviço que, por sua vez, antecipa o sujeito ao rotulá-lo, enrijecendo suas
114
rotinas protocolares diante pessoas que exigem criatividade, invenção e compreensão de suas
singularidades. Independente da natureza do caso levado pelos estudantes para a discussão, um
dos papéis dos Grupos Balint-Paideia é a valorização das diferentes visões (incluindo a dos
estudantes, equipe de saúde, usuários, família/cuidadores e instituição), sem abrirmos mão do
nosso conhecimento e do nosso ponto de vista. Quando não lidamos com as diferentes formas
de se ver o mundo, não se torna possível alcançar o pacto entre os personagens, que estimamos
simplesmente na forma da "adesão". Formar vínculos e conseguir negociações viáveis é um
processo de dar crédito e só acontece com aproximação, aquela que permita ao sujeito se sentir
contemplado nos interesses institucionais.
Usuários necessitam de espaços de discussão e construção dentro dos serviços, para
validar e valorizar suas demandas e ideias. Da mesma forma, os estudantes necessitam de
cogerir seus processos em assistência e formação, desfrutando de coletivos de apoio que
escutem, compreendam e lhes ajudem a pensar suas ações. Esta potência do encontro formador
crítico parece abalar estruturas rígidas de saberes limitantes e permite aos estudantes
identificarem outras ferramentas com as quais podem exercer uma clínica crescentemente
ampliada.
Os Grupos Balint-Paideia, na formação, trabalham a partir de demandas trazidas
pelos estudantes mas também com ofertas teóricas, organizadas pelos supervisores (de forma
sistematizada e entremeada às discussões dos casos), ferramenta que contribui para reflexão e
ampliação da clínica. Os temas debatidos por meio de metodologias ativas de ensino-
aprendizagem estão diretamente relacionados com a clínica que se exerce na atenção primária.
Neste momento do GBP busca-se correlacionar os desafios encontrados no campo prático com
o que é estudado. A teoria às vezes parece distante da realidade porém, torna-se inspiração para
as mudanças nas práticas, as quais devem ser mais críticas e se configurarem como
posicionamentos políticos.
A construção desse espaço/oportunidade do GBP, frente a casos reais vivenciados
pelos alunos em momento de assistência em seus estágios, junto com equipes reais da Estratégia
de Saúde de Família e suas ausências e emergências, fragilidades e potencialidades, estimulam
os esforços para transformarem suas visões de mundo, ampliando a compreensão sobre a
multiplicidade de contextos, famílias, personagens e papéis .
A partir disso, um momento agregador e potencializador do cuidado amplia, sem
sombra de dúvida, as ações previamente previstas pela equipe, que não estavam gerando o
resultado esperado pela mesma (adesão ao tratamento medicamentoso para o Diabetes, no caso
do sr. Thomé, e adesão ao pré-natal, no caso da Mariele).
115
desenhavam junto ao grupo. Desta forma os alunos se viam inteiros e complexos assim como
aquelas famílias para as quais dirigiam a atenção.
Diante a apresentação dessas experiências ressaltamos a importância dos Grupos
Balint-Paideia como estratégia pedagógica na formação de futuros médicos. Em razão de suas
características realísticas e reflexivas, o método influi em aprendizado prático, crítico e
autocrítico sobretudo relacionado a habilidades ampliadas dos campos e práticas em saúde.
Desse modo, o incremento da formação, com amplitude e potencialidade, agrega percepções
interdisciplinares, humanistas, sociais e integrais à prática dos estudantes, no sentido das
expectativas para as novas gerações de profissionais da saúde.
Referências
FRANÇA NETO, Oswaldo. "Malucos de estrada": subversão e verdade. Psicol. rev. (Belo
Horizonte), Belo Horizonte, v. 25, n. 1, p. 118-132, jan. 2019. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-
11682019000100008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 20 maio 2020.
GOUVEIA, Eneline A. H.; SILVA, Rodrigo de Oliveira; PESSOA, Bruno Henrique Soares.
Competência Cultural: uma Resposta Necessária para Superar as Barreiras de Acesso à Saúde
para Populações Minorizadas. Rev. bras. educ. med., Brasília, v. 43, n. 1, supl. 1, p. 82-
90, 2019 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
55022019000500082&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 10 Jul 2020.
SCHEPPERS, Emmanuel et al. Potential barriers to the use of health services among ethnic
minorities: a review. Family Practice, v. 23, n. 3, p. 325–348, Jun. 2006. Disponível em:
<https://doi.org/10.1093/fampra/cmi113>. Acesso em: 09 jul 2020.
SILVA, Angélica Silva, et al. Saúde do homem: dificuldades encontradas pela população
masculina para ter acesso aos serviços da unidade de saúde da família (USF). Braz. J. Hea.
Rev., Curitiba, v. 3, n. 2, p.1966-1989, mar./abr. 2020.
SILVA, Daniele Cristina da Rocha; GARCIA, Marcos Roberto Vieira. Redução de danos:
interfaces com a Educação Popular e a humanização em saúde. In: GARCIA, M. R. V.;
CONEJO, S. P.; MELO, T. M. P. de C. (orgs). Drogas e direitos humanos: caminhos e
cuidados. Holambra, SP: Editora Setembro, 2017.
TEIXEIRA, Danilo Boa Sorte. Atenção à saúde do homem: análise da sua resistência na
procura dos serviços de saúde. Revista Cubana de Enfermería, [S.l.], v. 32, n. 4, dez. 2016.
ISSN 1561-2961. Disponível em:
<http://www.revenfermeria.sld.cu/index.php/enf/article/view/985/209>. Acesso em: 02 jul.
2020.
VALLA, Victor Vicent. A crise de interpretação é nossa: procurando compreender a fala das
classes populares. Educação e Realidade, v. 21, n. 2, p. 177-190, 1996.
119
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
apoiadores dos grupos (médicos de família e comunidade e uma psicóloga), que ampliou as
perspectivas nas discussões dos casos.
Considerando esse contexto, vale retomar as cinco mudanças que se esperava que
o estudante adquirisse a partir dos Grupos Balint Paideia, descritas na introdução dessa tese:
superação da dicotomia entre clínica e gestão; problematização sobre uma gestão mais
horizontalizada; aumento da autonomia do usuário; desnaturalização do instituído e aumento
da criatividade; e humanização do cuidado.
Pode-se destacar que um dos principais efeitos dos GBP que foi a ampliação da
capacidade de reflexão dos estudantes sobre a prática, considerando-se as dimensões de
conhecimento, de poder e do afeto. Dessa forma, percebe-se que os alunos conseguiram
incorporar os sujeitos na clínica, procurando aumentar sua autonomia. Além disso, foi notório
observar que, ao se considerar os afetos na prática clínica, os estudantes mudam a trajetória do
raciocínio clínico, ético e moral, aumentando a capacidade de promover um cuidado em saúde
mais humanizado. Os GBP também foram ferramentas importantes para tirar os estudantes de
suas zonas de conforto, desnaturalizando o “senso comum” através da reflexão crítica de
questões comuns do dia a dia, bem como exigindo a criatividade como forma de superação de
muitos desafios.
O movimento dialético e em roda dos GBP oportunizou aos estudantes ampliar suas
práticas, se conhecerem melhor e estarem mais aptos a realizar mudanças de si mesmos e dos
espaços onde atuavam. A problematização sobre a gestão sempre esteve presente nos GBP,
principalmente pelo fato da maioria dos estudantes se sentirem incomodados pela vivência deles
nas reuniões de equipe nas Unidades de Saúde onde estavam inseridos, caracterizada pela baixa
capacidade de mobilização das equipes para reflexões mais profundas, já que esses espaços
eram utilizados predominantemente para resolver questões administrativas e burocráticas.
Alternativamente, nos GBP os estudantes puderam vivenciar relações mais horizontalizadas,
contribuindo para a compreensão sobre a construção de espaços de cogestão.
O maior desafio, dentre as cinco mudanças citadas anteriormente, foi a superação
da dicotomia entre clínica e gestão. Apesar nos avanços na ampliação da clínica, notou-se que
do início ao final do semestre os estudantes tinham a tendência de separar os temas relacionados
à gestão e à prática clínica. Apenas os GBP não foram capazes de reconstruir a lógica disjuntiva
entre gestão e clínica, a qual é reforçada durante grande parte do curso médico. Isso reforça a
necessidade de incorporação no currículo de medicina, nos períodos iniciais, da gestão em
saúde, mas de forma muito cuidadosa para que haja compreensão da relação entre gestão e
clínica ampliada.
121
no curso de medicina que ainda tem predominância do modelo biomédico, o que tende a
objetivar a vida e endurecer as pessoas, enrijecendo-as à protocolos e guidelines.
- Ter em mente que o papel do apoiador no GBP não é neutro. Os estudantes sabem
que os apoiadores são a favor do SUS e da saúde pública, por exemplo, o que vai influenciar
(consciente ou inconscientemente) na sua fala sobre o SUS, seja quando de pontos fortes, das
fragilidades ou mesmo de algum aspecto desconhecido sobre o tema. O apoiador deve
contribuir para a construção de um espaço protegido para reflexão, para facilitar aos
participantes dos GBP dizerem realmente o que pensam, seja opiniões contrárias às concepções
e ideologias do próprio apoiador ou mesmo se colocar quando não sabe ou não compreende
determinado assunto. Por outro lado, o apoiador não deve ser um oráculo ou um conselheiro,
ou seja, não deve ser visto como alguém que sabe tudo e que possui todas as respostas
(corretas!). O apoiador também necessita de ser apoiado, pois é preciso reconhecer suas
próprias emoções e se colocar em análise quando identificar que não está conseguindo exercer
o seu papel de apoio de maneira efetiva, como por exemplo, quando nota que invadiu de forma
negativa o espaço do outro.
- Recomenda-se a existência de um profissional de referência para realizar o
processo de formação e análise dos apoiadores com reflexão durante todo processo.
e – Sobre a integração ensino-serviço e práticas pedagógicas nos GBP:
- Pactuar previamente com os serviços a inserção dos estudantes nas equipes de
saúde da família, num movimento de cogestão do estágio.
- Deve-se envolver os profissionais da rede em todo o processo e dependendo da
organização da instituição, pode-se convidar profissionais para participar dos GBP, ofertar
capacitações e oferecer apoio nas unidades para discussão de casos complexos.
- Recomenda-se pensar em estratégias para realizar o feedback dos casos discutidos
nos GBP com os profissionais da equipe de referência. De preferência, envolver os docentes
responsáveis pela supervisão dos alunos ou os próprios apoiadores na discussão dos casos em
equipe. O trabalho em equipe e interdisciplinar ainda é um desafio para todos os estudantes. É
importante que o apoiador/professor esteja presente em algumas reuniões de equipe para
acompanhar esse processo e, inclusive, servir de modelo e apoio para os estudantes.
- É importante identificar as potencialidades da equipe bem como as práticas mais
frágeis (ou não-práticas). Isso ajuda na singularização do planejamento das atividades dos
internos na rede, visto que a potência do internato é a formação baseada na prática. Por exemplo,
como neste estudo foi identificado que a visita domiciliar é um dos cenários em que os
125
estudantes mais percebem a interdisciplinaridade na prática, essa ação deve ser estimulada neste
contexto.
Os GBP com estudantes apresentam um grau de objetivação maior do que o
realizado com profissionais do serviço, pois os primeiros devem aprender alguns conceitos
básicos, previstos no currículo, além de ter o objetivo final de “passar de ano”. Como forma de
minimizar esses aspectos, os GBP realizados no internato de Saúde Coletiva, apesar de haverem
sido uma atividade obrigatória, tiveram como avaliação um processo formativo e não somativa,
ou seja, não eram aplicadas notas aos GBP, apenas a exigência de uma frequência mínima aos
encontros e uma avaliação processual durante os encontros.
A formação dos estudantes depende de um conjunto de características definidas
pelas culturas das instituições na qual os estudantes estão imersos, ou seja, a cultura do curso
de graduação e da universidade como também a cultura dos serviços que compõem o campo de
prática, envolvendo tanto as boas práticas como aquelas que ainda devem ser aprimoradas ou
que ainda não alcançaram a maturidade desejada.
Uma das limitações metodológicas deste estudo foi a avaliação pontual do olhar
dos estudantes sobre sua prática na APS, já que o questionário foi aplicado apenas ao final do
curso, de forma transversal. Caso fossem avaliadas as práticas dos estudantes no início e ao fim
do semestre, seria possível avaliar mudanças de prática na APS e não apenas um recorte da
percepção dos estudantes sobre sua formação. O aprofundamento desta questão pode ser
realizado com novas pesquisas que incorporem outros olhares na avaliação da prática dos
estudantes, como a de docentes/apoiadores e dos profissionais de saúde da rede. Isso poderia
ter sido feito, por exemplo, com a presença de profissionais das equipes de saúde da família nos
grupos Balint-Paideia.
A incorporação dos trabalhadores nos GBP foi e costuma ser um desafio, visto que
não há a cultura institucional no SUS de se refletir sobre a própria prática nos serviços. Também
precisaria ser revista a quantidade de grupos e de apoiadores, já que aumentaria o número de
participantes em cada GBP. Se os trabalhadores forem inseridos nos GBP, sugere-se que os
apoiadores tenham bastante manejo para lidar com questões prementes que podem surgir, como
os conflitos internos da própria equipe e a relação desta com os estudantes, que poderiam se
sobrepor a uma discussão mais ampliada dos casos.
Vale destacar que esta pesquisa teve um importante papel pedagógico para todos os
atores envolvidos. Para os estudantes, os principais efeitos identificados foram: ampliação da
clínica, possibilidade de reflexão sobre a prática, oferta teórica variada contemplando temas
abrangentes e específicos, importância da realização do PTS e aprendizado de como vivenciar
126
o trabalho interprofissional. Além disso, um aspecto pouco explorado na tese, mas não menos
importante, foi a formação dos docentes que participaram dos GBP já que, exceto pela autora
dessa tese, a metodologia era desconhecida pelos professores, sendo necessário um processo de
formação que perdurou um ano, com discussão e reflexões do papel desses professores como
apoiadores.
Os três casos apresentados nos capítulos dessa tese exemplificaram situações
corriqueira do cotidiano das equipes e dos estudantes. Os casos também exemplificaram a
complexidade da vida e a singularidade de cada experiência, o que pode ser utilizado como
recurso pedagógico em qualquer campo de atuação que os estudantes estiverem.
A experiência tem a ver com o que nos toca, o que nos passa ou nos acontece. O
que é bem diferente de informação, conhecimento ou aprendizagem, apesar de muitas vezes
serem utilizadas como sinônimos. Aliás, o excesso de informação pode atrapalhar o
desenvolvimento da experiência58.
Os GBP permitiram que os internos tivessem espaços de reflexão diferentes dos
tradicionais métodos de ensino de discussão de caso, que tem foco no “aprender com o caso”,
no sentido de adquirir mais informações. Após tantos aprendizados durante o curso de medicina
e, especificamente no 12º período, fica a reflexão: o que ‘tocou’ esses estudantes durante a
discussão dos PTS?
Por outro lado, pode-se enxergar a experiência do ponto de vista dos usuários. A
fala do usuário é a fala da experiência, de quem sofre, de quem foi tocado por determinadas
condições que o fragilizaram ou o fortaleceram. Experiência é sempre a pessoa que tem. Mesmo
que duas pessoas passem pelo mesmo acontecimento, cada um terá uma experiência diferente,
singular e que não pode ser repetida58.
Ao longo dos anos, com a introdução do pensamento científico e do método, a
experiência passou a ser reconhecida como experimento, algo que pode ser planejado,
previsível. Ao se supervalorizar o conhecimento e separar o saber da experiência (aquele que
se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana) do conhecimento, há uma
descaracterização do sentido da experiência como algo singular. É como se as pessoas não
conseguissem encarnar-se em si mesma e nem vivenciar suas experiências singulares e ao
mesmo tempo heterogêneas e plurais58.
Resgatar a valorização da experiência de estudantes no 12º período do curso de
medicina, um curso predominantemente biomédico, embasado nos preceitos da ciência e da
metodologia científica, é um desafio. Não há como saber a experiência que uma pessoa ou um
paciente teve. E para não objetivar demasiadamente a prática clínica, é preciso ter olhos de ver
127
e ouvidos de ouvir, ou seja, é preciso que a escuta também seja singular. Ao se analisar o trajeto
percorrido pelos estudantes, pode-se perceber que alguns deles se aproximaram da vivência da
experiência ao reconhecerem a complexidade dos casos e se imergirem em situações variadas
na APS, e também, por manter um contato longitudinal, prolongado (por 6 meses), com as
famílias acompanhadas no PTS.
Dessa forma, essa pesquisa demonstrou que os GBP podem contribuir para
evidenciar aos alunos a complexidade da APS e, mais do que isso, a complexidade da vida e
como a experiência é singular. Essa é uma das marcas dos GBP que podem ser levadas para
toda a vida acadêmica ou pessoal dos estudantes e futuros profissionais médicos. Assim,
considerando a potência dos GBP como dispositivo de aprendizagem, estes podem ser
utilizados durante a graduação como um dos caminhos de se colocar em prática as Diretrizes
Curriculares do curso de graduação em medicina.
128
6. REFERÊNCIAS
11. Campos GWS, Domitti, AC. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia
para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad. Saúde Pública. 2007; 23(2):399-
407.
12. Campos GWS, Cunha GT, Figueiredo MD. Práxis e formação Paideia: apoio e cogestão
em saúde. São Paulo: Hucitec; 2013.
13. Balint M. O médico, o seu doente e a doença. 1.ed. Lisboa: Climepsi, 1998.
14. Maio I. O médico, o seu doente e... Balint. Rev Port Clin Geral. 2008; 24:496-501.
15. Brasil. Resolução CNE/CES 3/2014, de 23de junho de 2014. Institui Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, 2014.
16. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a
Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas
para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 2011.
17. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a
Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a
organização da Atenção Básica, no âmbito do SUS. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 2017.
18. Moura AH. A Psicoterapia institucional e o clube dos saberes. São Paulo: Hucitec;
2003.
19. Morgan G. Imagens da organização. São Paulo: Editora Atlas; 1996. Capítulo 7,
Explorando a caverna de Platão: as organizações vistas como prisões psíquicas. p. 205-
38.
20. Campos GWS. O anti-Taylor: sobre a invenção de um método para co-governar
instituições de saúde produzindo liberdade e compromisso. Cad. Saúde Pública. Rio de
Janeiro. 1998; 14(4):863-70.
21. Campos GWS. Equipes de referência e apoio especializado matricial: uma proposta de
reorganização do trabalho em saúde. Ciênc. Saúde Coletiva. 1999; 4:393-404.
22. Cunha GT, Campos GWS. Método Paideia para co-gestão de coletivos organizados para
o trabalho. Org & Demo. 2010; 11(1): 31-46.
23. Brüseke FJ. A descoberta da contingência pela teoria social. Socied. e Estado, 2002;
17(2):283-308.
130
24. Pereira ME, Álvaro JL, Oliveira AC, Dantas GS. Estereótipos e essencialização de
brancos e negros: um estudo comparativo. Psicologia & Sociedade. 2011 [acesso em 23
jun 2020]; 23(1):144-53. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
71822011000100016&lng=en&nrm=iso>.
25. Enriquez E. O trabalho da morte nas instituições. In: Kaës R, Bleger J, Enriquez E,
Fornari F, Fustier P, Roussillon R, et al. (orgs.). A instituição e as instituições. Tradução
de Joaquim Pereira Neto. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1991, p. 73-101.
26. Onocko-Campos R. Psicanálise e Saúde Coletiva: interfaces. São Paulo: Hucitec; 2012.
Capítulo 3, Humano demasiado humano: uma abordagem do mal-estar na instituição
hospitalar; p. 57-76.
27. Itikawa FA, Afonso DH, Rodrigues RD, Guimarães MAM. Implantação de uma nova
disciplina à luz das diretrizes curriculares no curso de graduação em medicina da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rev Bras Educ Médica [online]. 2008
[acesso em 20 março 2022]; 32(3):324-32. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S0100-55022008000300007>.
28. Howe A., Ives G. Does community-based experience alter career preference? New
evidence from a prospective longitudinal cohort study of undergraduate medical
students. Medical Education. 2001; 35(4):391-97.
29. Oliveira ALO, Melo LP, Pinto TR, Azevedo GD, Santos M. Vivência integrada na
comunidade: inserção longitudinal no Sistema de Saúde como estratégia de formação
médica. Interface: comunicação, saúde, educação. 2017 [acesso em 02 mar 2022];
21(Supl.1):1355-65. Disponível em: https://scielosp.org/pdf/icse/2017.v21suppl1/1355-
1366/pt.
30. Demarzo MMP; Almeida RCC; Marins JJN; Trindade TG; Anderson MIP; Stein AI. et
al. Diretrizes para o ensino na atenção primária à saúde na graduação em medicina. Rev
Bras Educ Med. 2012 [acesso em 06 jan 2022];36(1):143-8. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rbem/a/QSskKsFFqF5BSXwFf6G5qJB/?lang=pt.
31. Demarzo MMP, Fontanella BJB, Melo DG, Avó LRS, Kishi RGB, Mattos ATR et al.
Internato longitudinal. Rev Bras Educ Médica, 2010 [acesso em: 15 março 2022];
34(3):430-7. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rbem/a/9kcDk9tBLJnXQtrK8hwrwTH/?format=pdf&lang=pt.
131
42. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São
Paulo: Hucitec Editora; 2014.
43. Minayo MCS, Costa AP. Fundamentos teóricos das técnicas de investigação qualitativa.
Revista Lusófona de Educação. 2018 [acesso em 10 nov 2021]; 40(40):139-53.
Disponível em: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/issue/view/722.
44. Azevedo BMS, Carvalho SR. O diário de campo como ferramenta e dispositivo para o
ensino, a gestão e a pesquisa. In: Carvalho SR, Barros ME, Ferigato S (Org). Conexões:
saúde coletiva e políticas de subjetividade. São Paulo: Editora Hucitec; 2009. p. 204-19.
45. Oliveira GN. Projeto Terapêutico Singular. In: Campos GWS, Guerrero AVP (org).
Manual de Práticas da Atenção Básica: Saúde ampliada e compartilhada. 2ª Ed. São
Paulo: Editora Hucitec; 2010. p. 283-97.
46. Souza ER, Minayo MCS, Deslandes SF, Veiga JPC. Construção dos instrumentos
qualitativos e quantitativos. In: Minayo MCS., Assis SG, Souza ER (Org). Avaliação
por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz; 2005.
47. Souza LK. Recomendações para a realização de grupos focais na pesquisa qualitativa.
PSI UNISC. 2020 [acesso em 15 nov 2021]; 4(1):52-66. Disponível em:
https://online.unisc.br/seer/index.php/psi/article/view/13500.
48. Onocko-Campos R, Furtado JP, Passos E, Benevides R. Pesquisa avaliativa em saúde
mental: desenho participativo e efeitos da narratividade. São Paulo: Aderaldo &
Rothschild; 2008.
49. Furtado JP. Avaliação como dispositivo [tese]. Campinas: Universidade de Campinas,
Faculdade de Ciências Médicas; 2001.
50. Figueiredo MD. Saúde mental na atenção básica: um estudo hermenêutico-narrativo
sobre o apoio matricial na rede SUS [Dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Departamento de Medicina Preventiva e
Social, 2006.
51. Ferrer AL. Sofrimento psíquico dos trabalhadores inseridos nos Centros de Atenção
Psicossocial: entre o prazer e a dor de lidar com a loucura [mestrado]. Campinas:
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Departamento de
Medicina Preventiva e Social, 2007.
52. Onocko-Campos R, Furtado JP. Narrativas: utilização na pesquisa qualitativa em saúde.
Rev Saúde Pública. 2008 [acesso em 05 jul 2021]; 42(6):1090-6. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/S0034-89102008005000052.
133
53. Muylaert C J, Sarubbi Jr. V, Gallo PR, Rolim Neto ML, Reis AOA. Entrevistas
narrativas: um importante recurso em pesquisa qualitativa. Rev Esc Enferm USP. 2014
[acesso em 17 nov 2021];48(Esp2):184-9. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/reeusp/a/NyXVhmXbg96xZNPWt9vQYCt/?format=pdf&lang=
pt.
54. Cerqueira VMM. Narrativa: a ampliação do olhar acadêmico a serviço da pesquisa. Em
Rede - Revista de Educação a Distancia. 2014; 1(1).
55. Minayo MCS., Assis SG, Souza ER (Org). Avaliação por triangulação de métodos:
abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005.
56. Alves CRL, Belisário AS, Abreu DMX, Lemos JMC, Goulart LMH. Repercussões do
Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) na Reforma Curricular
de Escolas Médicas participantes do Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares
dos Cursos de Medicina (Promed). Rev Bra Educ Médica. 2015; 39(4):527-36.
57. Terra LSV, Campos GWS. Alienação do trabalho médico: tensões sobre o modelo
biomédico e o gerencialismo na Atenção Primária. Trabalho, Educação e Saúde
[online]. 2019 [Acesso 12 Mar 2022]; 17(2):e0019124. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00191>.
58. Bondía JL. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev Bra Educação.
2002; 19.
134
7. APÊNDICES
135
Seção 1 Responda com que frequência, durante o Internato de Saúde Coletiva, você
realizou as seguintes ações:
6. Avaliar, junto do usuário, seu grau de motivação e sua capacidade de autocuidado, seu
suporte familiar e social.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca
7. Desenvolver e pactuar metas do projeto terapêutico com o usuário e com seu cuidador,
observando se o usuário se sente confiante para mudar e se possui recursos para fazê-lo. (
) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca
8. Acompanhar o alcance das metas propostas, repactuando o plano de ação sempre que
necessário.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca ( )
Não se aplica (não pactuo metas)
10. Estabelecer entre os membros da equipe, com base nos projeto terapêutico elaborado,
responsabilidades e metas para o cuidado do usuário/família.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca
11. Elaborar em conjunto com o especialista o projeto terapêutico do usuário, nos casos em que
136
14. Estabelecer entre os membros da equipe, com base nos projeto terapêutico elaborado,
responsabilidades e metas para o cuidado do usuário/família
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca
15. Elaborar em conjunto com o especialista o projeto terapêutico do usuário, nos casos em que
há necessidade de serviços especializados.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca
Seção 2 - Responda com que frequência, durante o Internato de Saúde Coletiva, você
realizou e/ou participou das seguintes ações:
23. Atividades destinadas a refletir sobre o SUS e a forma como os princípios do SUS se
apresentam na sua UBS.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca
24. Atividades destinadas a refletir sobre a APS e a forma como os atributos da APS se
apresentam na sua UBS.
137
26. Reuniões com a comunidade para desenvolver ações conjuntas e debater os problemas
locais de saúde, o planejamento da assistência prestada e os resultados alcançados.
( ) sempre ( )quase sempre ( ) às vezes ( ) quase nunca ( ) nunca
Seção 3 - Responda com que frequência, durante o Internato de Saúde Coletiva, você
trabalhou com outra categoria profissional
33. Com quais categorias profissionais, durante o Internato de Saúde Coletiva, você trabalhou
realizando as ações acima (itens 22 a 27): MARQUE EM TODAS AS CATEGORIAS
PROFISSIONAIS COM AS QUIAS VOCÊ TRABALHOU.
( ) Médicos ( )Enfermeiros ( ) Dentistas ( ) Psicólogos ( ) Nutricionistas
( ) Fisioterapeutas ( )Terapeuta Ocupacional ( ) Farmacêuticos
( ) Veterinários ( )Educadores Físicos ( ) Auxiliares de enfermagem
( ) Agentes Comunitários de Saúde ( ) Outra. Qual? ___________________
34. E você já trabalhou com mais de duas categorias profissionais ao mesmo tempo?
( ) Sim ( ) Não
Seção 4: No manejo de casos complexos, responda com que frequência você utilizou,
durante o Internato de Saúde Coletiva, os recursos listados abaixo para apoiar as
decisões de condução do projeto terapêutico:
nunca; nunca)
Seção 5 - Responda com que frequência você utilizou, durante o Internato de Saúde
Coletiva, as estratégias ou ferramentas de abordagem familiar e de grupos sociais
específicos:
Seção 7 - Responda com que frequência, no Internato de Saúde Coletiva, você participou
dos seguintes espaços:
66. Cite outros espaços institucionais e a frequência com que você participou (sempre;
quase sempre; às vezes; quase nunca; nunca)
141
Seção 8 - Assinale a alternativa que melhor contempla sua opinião a respeito das
sentenças:
69. As demandas sociais dos usuários devem ser sempre direcionadas aos profissionais
da assistência social.
( ) Concordo totalmente ( ) Concordo parcialmente ( ) Não concordo, nem discordo
( ) Discordo parcialmente ( ) Discordo totalmente
70. As demandas de saúde mental dos usuários devem ser sempre direcionadas
aos profissionais especialistas em saúde mental.
( ) Concordo totalmente ( ) Concordo parcialmente ( ) Não concordo, nem
discordo ( ) Discordo parcialmente ( ) Discordo totalmente
71. O "trabalhador da ponta" não tem poder de produzir mudanças na instituição (secretaria
de saúde ou Sistema Único de Saúde).
( ) Concordo totalmente ( ) Concordo parcialmente ( ) Não concordo, nem
discordo ( ) Discordo parcialmente ( ) Discordo totalmente
73. Como você avalia sua comunicação com os demais membros da sua
equipe? ( ) Ótima ( ) Boa ( ) Regular ( ) Ruim (
) Péssima
74. Numa escala de 1 a 5, como você se sentiu durante a maior parte das atividades
que realizou na UBSF, sendo 1 nada satisfeito e 5 muito satisfeito?
75. Você se considera apto para atuar como médico na Atenção Primária? Por que?
143
Perguntas norteadoras:
2. Como as relações de poder nos espaços de formação interferem na sua prática médica?
Anotações
- Número de participantes:
- Horário de início:
- Horário de término:
Perguntas norteadoras:
2. Comente sobre a vivência de vocês no SUS. Que papel os estudantes têm na qualificação
do SUS? (discutir sobre a implicação e responsabilidade dos estudantes com o SUS)
4. Como as relações de poder nos espaços de formação interferem na sua prática médica?
(compreender o entendimento dos alunos sobre como as relações de poder afetam a
conduta deles)
Anotações
- Número de participantes:
- Horário de início:
- Horário de término:
Título da pesquisa:
Avaliação do Método Balint Paideia na formação de estudantes para a Atenção Primária à
Saúde
Pesquisadores responsáveis:
Coletivo de Estudos e Apoio Paideia - DSC/FCM/UNICAMP
Doutoranda: Elisa Toffoli Rodrigues – DSC/FCM/UNICAMP e DESCO/FAMED/UFU
Coordenação geral da pesquisa: Prof. Dr. Gastão Wagner de Souza Campos -
DSC/FCM/UNICAMP
Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa. Este documento, chamado
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos como
participante da pesquisa e é elaborado em duas vias, assinadas e rubricadas pelo
pesquisador e pelo participante/responsável legal, sendo que uma via deverá ficar com
você e outra com o pesquisador.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas.
Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o
pesquisador. Se preferir, pode levar este Termo para casa e consultar seus familiares ou
outras pessoas antes de decidir participar. Não haverá nenhum tipo de penalização ou
prejuízo se você não aceitar participar ou retirar sua autorização em qualquer momento.
Justificativa e objetivos:
Esta pesquisa abordará um dos principais desafios na formação de médicos
generalistas, que é a qualificação para atuarem na atenção primária à saúde. Dessa forma,
este estudo se propõe a avaliar o Método Balint Paideia como estratégia de formação para
estudantes que atuam na Atenção Primária do Sistema Único de Saúde.
Os objetivos específicos desta pesquisa são: (1) Avaliar o Método Balint Paideia
como inovação na formação em saúde; (2) Elaborar instrumento de avaliação de
conhecimentos e práticas dos estudantes que atuam na Atenção Primária; (3) Investigar
as mudanças e efeitos pedagógicos do Método Balint Paideia para a formação de
estudantes para a APS; (4) Sugerir estratégias para incorporação dos grupos Balint-Paideia
como metodologia de ensino aprendizagem no internato médico (5) Descrever os
componentes curriculares que trabalham a inserção dos estudantes de medicina da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU) na Atenção Primária à Saúde.
Procedimentos:
Participando do estudo você está sendo convidado a: participar dos Grupos Balint
Paideia (GBP) no internato de saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da UFU.
Os encontros dos Grupos serão semanais, terão duração de 4 horas, ocorrerão por 24
semanas e serão objeto de pesquisa por meio de observação participante, com a produção de
diários de campo. Neles os pesquisadores irão anotar observações pessoalmente realizadas,
informações prestadas por outras pessoas informalmente e enunciados verbais que
146
constituem citações dos atores sociais em estudo. Todos os materiais produzidos por você
ao longo dos Grupos Balint Paideia, como Projetos Terapêuticos Singulares e de
Intervenção, bem como as avaliações também serão objeto de pesquisa. No entanto, estes
materiais serão utilizados sempre de forma anônima, seu nome não será mencionado. Você
também será convidado a responder questionários para caracterização do perfil dos
participantes no estudo e para avaliação da aquisição de habilidades para o trabalho na
Atenção Primária à Saúde a partir da participação na pesquisa. Os diários de campo,
questionários e materiais dos GBP, a serem utilizadas apenas no âmbito desse estudo,
serão arquivadas após a conclusão do estudo e descartados após dois anos do término da
pesquisa.
Além da participação nos Grupos Balint Paideia, você e os demais
participantes serão convidados a participar de grupos focais. Nesse momento, os
participantes do Grupo Focal irão discutir o trabalho na Atenção Primária à Saúde, a
participação nos GBP e temas pertinentes aos objetivos da pesquisa. Nos Grupos Focais,
pretende-se promover reflexão entre os participantes, que poderão apresentar suas próprias
análises e contribuir com reflexões e sugestões para a formulação dos resultados finais da
pesquisa. Os Grupos Focais terão duração de até duas horas, serão audiogravados e as
gravações e transcrições de audio, a serem utilizadas apenas no âmbito desse estudo, também
serão arquivadas após a conclusão do estudo e descartadas após dois anos do término da
pesquisa.
A aceitação ou recusa na participação na pesquisa não trará nenhum
prejuízo para o desenvolvimento das suas atividades acadêmicas, bem como não
repercutirá em mudanças do trato pessoal do docente com o estudante ou das notas
atribuídas às atividades acadêmicas.
Desconfortos e riscos:
Você não deve participar deste estudo se não tiver realizado a maior parte da
graduação de medicina (considerando do primeiro ao décimo primeiro períodos do curso)
na Universidade Federal de Uberlândia.
Os desconfortos e riscos consistem em: riscos psicológicos por constrangimentos nas
discussões dos casos clínicos ou desconforto ao descrever sua participação nos grupos focais.
Todos esses riscos e desconfortos serão minimizados ao considerar que os responsáveis
pela condução dos Grupos Balint- Paideia e dos grupos focais serão treinados e capacitados
para tal, tentando criar ambientes acolhedores e protegidos para que as questões éticas e
morais prevaleçam, preocupando-se sempre com o bem-estar de todos os estudantes,
especialmente aqueles que estiverem se expondo, seja na apresentação de um caso, numa
fala ou em qualquer situação. Por último, há o risco mínimo de identificação do
estudante na participação na pesquisa. Para minimizar esse risco de identificação,
todos os estudantes serão identificados por números aleatórios para contribuir com a
preservação do anonimato.
Benefícios:
O benefício proporcionado por esta pesquisa relaciona-se à participação nos Grupos
Balint Paideia no internato de saúde Coletiva, com acompanhamento longitudinal
pelos docentes do Departamento de Saúde Coletiva, os quais acompanharão o seu
aprendizado e farão feedbacks formativos nas avaliações periódicas, contribuindo para
que você esteja mais qualificados para a prática médica futura. Além disso, a participação
147
Acompanhamento e assistência:
Considerando que os riscos (mínimos) da pesquisa são riscos psicológicos, caso seja
necessário o acompanhamento e assistência dos participantes, estes serão realizados pela
psicóloga Fernanda Nogueira Campos Rizzi, que é colaboradora voluntária da pesquisa.
Sigilo e privacidade:
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma
informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores.
Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será citado.
Ressarcimento:
Você não terá benefícios financeiros decorrentes de sua participação nesta pesquisa,
nem terá ressarcido eventuais gastos que se façam necessários à sua participação.
Contato:
Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com os
pesquisadores: Elisa Toffoli Rodrigues, Departamento de Saúde Coletiva FAMED/UFU, Av.
Pará, 1720, bloco 2U, sala 09, campus Umuarama - Uberlândia/MG, 38400-902, fone: (34)
3225-8273; ou com o pesquisador Prof. Gastão Wagner de Souza Campos, Departamento de
Saúde Coletiva – FCM/UNICAMP-SP, Fone: (19)
35218036, e-mail [email protected].
Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do
estudo, você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa
(CEP) da UNICAMP das
08:00hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:30hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP
13083-887
Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail: [email protected].
Você poderá também entrar em contato com o CEP - Comitê de Ética na Pesquisa
com Seres Humanos na Universidade Federal de Uberlândia (instituição coparticipante)
localizado na Av. João Naves de Ávila, no 2121, bloco A, sala 224, campus Santa
Mônica – Uberlândia/MG, 38408-100; telefone: 34-3239-4131.
O CEP é um colegiado independente criado para defender os interesses dos
participantes das pesquisas em sua integridade e dignidade e para contribuir para o
desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos conforme resoluções do Conselho
Nacional de Saúde.
_______________________________________________________________
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e
complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma via deste documento
ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi
apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa
exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento
dado pelo participante.
8. ANEXOS
150
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
UBERLÂNDIA/MG
Título da Pesquisa: Avaliação do Método Balint Paideia na formação de estudantes para a Atenção
Primária à Saúde
Pesquisador: Elisa Toffoli Rodrigues
Área Temática:
Versão: 3
CAAE: 00849118.0.3001.5152
Instituição Proponente: Faculdade de Medicina
Patrocinador Principal: Financiamento Próprio
DADOS DO PARECER
Apresentação do Projeto:
Trata-se de parecer elaborado referente à Carta de respostas às pendências geradas no parecer
consubstanciado número 3.342.109, de 22 de maio de 2019.
O Grupo Balint-Paideia é um método que considera que a formação dos profissionais de saúde deve
assegurar o desenvolvimento de competências técnicas, éticas e relacionais para a compreensão das
múltiplas dimensões constitutivas dos sujeitos e coletivos, essenciais para o trabalho interdisciplinar e em
equipe, e para uma aproximação genuína à complexa realidade das pessoas, além de desenvolver, junto
com os profissionais, a capacidade de agir sobre a instituição e os mecanismos de gestão dos processos de
trabalho. O objetivo deste trabalho é avaliar o Método Balint Paidéia como estratégia de formação para
estudantes que atuam na Atenção Primária do Sistema Único de Saúde. Essa pesquisa utiliza a
metodologia de “pesquisa intervenção tipo Apoio”, a qual está inserida no campo das pesquisas qualitativas.
A pesquisa terá duas etapas: a etapa exploratória, que analisará o currículo do curso de medicina da UFU,
com destaque para a inserção dos estudantes na Atenção Primária à Saúde e servirá como subsídio para
segunda etapa, que será a “pesquisa intervenção tipo Apoio” propriamente dita. Esta se dará por meio dos
Grupos Balint -Paideia para estudantes de medicina. Serão utilizadas quatro formas de produção de dados.
A primeira será quantitativa, a partir da aplicação do instrumento elaborado na etapa pré-intervenção. A
segunda será observacional, realizada pelos pesquisadores e apoiadores
Endereço: Av. João Naves de Ávila 2121- Bloco "1A", sala 224 - Campus Sta. Mônica
Bairro: Santa Mônica CEP: 38.408-144
UF: MG Município: UBERLANDIA
Telefone: (34)3239-4131 Fax: (34)3239-4335 E-mail: [email protected]
Página 01 de 08
162
163
164
165
166
167
168
169
ANEXO 2 –Declaração da Editora Hucitec sobre a publicação dos capítulos de livro que
compõem a tese
170
Editora Hucitec
Rua Dona Inácia Uchoa, 209. CEP: 041100-020. São Paulo-SP
Venho por meio desta solicitar uma permissão para reutilizar os capítulos incluídos no seguinte
livro “Nas entranhas da Atenção Primária à Saúde” para inclusão em minha tese de doutorado:
1- Elisa Toffoli Rodrigues; Erica Maria Ferreira Oliveira; Fernanda Nogueira Campos Rizzi;
Henrique Cardoso Marcene; Gabriela Ferreira de Camargos Rosa; Vilson Limirio Junior;
Gastão Wagner de Sousa Campos. Clínica ampliada na formação médica: o uso do
método Balint Paideia. In: Guedes F et al (org). Nas entranhas da Atenção Primária à
Saúde. São Paulo: Hucitec editora, 2021. p.92-107.
2- Elisa Toffoli Rodrigues; Fernanda Nogueira Campos Rizzi; Henrique Cardoso Marcene;
Gastão Wagner de Sousa Campos. Formação de estudantes para uma clínica ampliada e
compartilhada: contribuições dos Grupos Balint Paideia. In: Guedes F et al (org). Nas
entranhas da Atenção Primária à Saúde. São Paulo: Hucitec editora, 2021. p.283-305.
Esta tese é apenas para uso acadêmico e não será usada para fins comerciais, publicitários ou
promocionais. Estou planejando fazer apenas a versão eletrônica da tese, a qual será
disponibilizada no Banco de Teses da Universidade.