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As troianas de Sartre e sua filosofia

O teatro de situações:
O “teatro de situações” de Jean-Paul Sartre é uma forma de teatro que reflete a
sua filosofia. Para Sartre, o teatro deveria ser um meio para explorar a liberdade
humana e as escolhas que podem serem feitas em situações extremas,
chamadas como “situações-limite”.
Essas situações-limite são momentos em que estamos face a face com os
aspectos mais inevitáveis da existência humana, como o sofrimento, o acaso e
a morte. Nessas situações, somos livres a fazer escolhas que definem quem
somos e assumimos total responsabilidade por essas ações e suas reações.
As troianas:
A peça teatral “As troianas” foi adaptada pelo filosofo francês Jean-Paul Sartre
em 1966, 4 anos após a libertação da Argélia da França. A emancipação do país
africano teve uma grande influência na releitura da peça grega, pois Sartre era
assumidamente contra a existência de uma Argélia francesa, como poderia ser
evidenciado nos artigos publicados na revista Les Temps Moderne. A obra narra
a derrota de Troia contra os gregos na visão das mulheres, únicas sobreviventes,
que serão escravizadas pelos gregos. Trechos do texto, como a fala de Hécuba
que cita que criou suas filhas para se casarem com os grandes e agora serão
escravizadas pelos europeus começa por dá “nome aos bois”, isto é, explicita
nas entrelinhas a mensagem que o texto visa passar. Tal mensagem segue a
influência do seu período histórico, que foi marcado por guerras e conflitos
territoriais na Europa. A obra ao todo tem 9 personagens, sendo os principais a
rainha Hécuba, sua filha, Cassandra, sua nora Andromaca, o mensageiro dos
gregos, Taltíbio, o rei dos gregos, Menelau, e sua esposa, Helena, que foi
“levada” por Páris, filho da rainha.
Má-fé:
Em o Ser o Nada Sartre explica a má-fé como um ato de mentir para-si, isto
implica que o mentiroso esteja completamente a par da verdade que esconde,
pois não se mente sobre o que se ignora. Cassandra, a sacerdotisa de Apolo e
filha da rainha é chamada de louca por todos, pois essa surge com uma ideia de
vingança, o que também poderíamos encontrar algo comum nas obras de Sartre,
a genialidade presente na loucura. Pelas falas e as ações dos personagens da
obra, podemos interpretar que todos, nem que no fundo do fluxo de seus
pensamentos, sabiam que Cassandra não estava louca, pois mesmo após dizer
que mataria seu esposo na cama, Taltíbio, o arauto grego, não faz nada com ela.
O espírito de seriedade:
Sartre, no texto filosófico ``O ser e o nada´´, explica que o espírito de seriedade,
emerge quando um indivíduo atribui valores absolutos e preexistentes a coisas
e regras sociais. Um exemplo, é o fato de uma obediência cega aos seus
superiores, pelo fato de serem seus ``superiores´´ externos. Mas, além dele,
quem é responsável por seus atos? Ninguém. Taltibio é um personagem
claramente sartreano, seja por um ar realista, ou um lado que não é tão belo do
ser humano, a covardia. Taltibio é anunciado como um soldado grego que vem
correndo em direção das troianas, quase como uma anunciação de herói.
Entretanto, aquele que surge nas cenas a seguir é um personagem que nega a
responsabilidade dos seus atos
Autonomia na Autenticidade:
A autenticidade, para Sartre, surgirá quando reconheçemos essa liberdade e ajo
em seu nome. Querer a liberdade significa em me afirmar enquanto um ser livre,
ou seja, em ser algo que não sou, em projetar-me constantemente. Fazer-se livre
é criar a si mesmo, criar valores morais, em ser o que não se é. Assim podemos
considerar a autonomia como reação da autenticidade, pois é impossível ser
autônomo sem ser autêntico para Sartre. No texto, os personagens não
assumem a sua liberdade, não se afirmam como criadores de seus destinos, se
limitando a aceitarem o desconforto da não escolha.
Sobre Cassandra e a sua resistência a dominação
Ao observar o modo como a narrativa está sendo exposta na peça de teatro de
situação ‘’As Troianas’’, a primeira impressão que se tem é de se deduzir que
Cassandra está louca, mas na cena V da peça é possível notar que não estamos
falando de loucura e sim de inversão do papel que lhe foi imposto e resistência
a submissão , como nas seguintes falas;
Cassandra
‘’ Julgam-me doida!
Ouve, mãe:
Tens de te alegrar com as minhas bodas reais,
E, se de repente a coragem me faltar,
Empurra-me para os braços de Agamémnon;
Que ele me leve para Argos.
Ali, o nosso grande leito nupcial
Será o seu leito de morte.
Por Helena morreram milagres de Gregos
Diante das nossas muralhas e.
Eu farei pior.
Cassandra será o seu flagelo.
Vai morrer, o grande rei, o bom rei,
Por minha causa!
Por minha causa, a sua casa ruirá.
Destruirei a sua raça
Como ele destruiu a nossa.
Para de chorar: chegou o tempo de rir!
De rir às gargalhadas!
Anuncio-te que meu pai e meus irmãos
Serão vingados!’’
Hécuba
‘’Por ti?’’
Cassandra
‘’Por mim’’
Hécuba
‘’Minha filha, pobre escrava sem forças,
Como poderás tu...
Sociedades fora do olhar patriarcal;
Um exemplo de sociedade relatada nos mitos gregos que era composta apenas
por mulheres era o reino de Temiscira e as amazonas, que mesmo com a
ausência dos homens não se sentiam inferiores, pelo contrário as amazonas
eram guerreiras corajosas e que viam os homens apenas como parceiros de
reprodução.
A rivalidade feminina no decorrer da obra
A rivalidade e a culpa feminina também é notada ao decorrer da obra, mas tem
uns pontos importantes de se citar, como quando Andrómaca culpa Hécuba de
não ter conseguido matar seu próprio filho Páris, ninguém questionou porque o
rei Priamo não matou seu filho, pois era mais fácil culpar Hécuba, também é
obvio que se Hécuba tivesse feito o assassinato de seu filho seria também
julgada como uma péssima pessoa ou uma mãe cruel. O que mais entrega essa
culpa e essa rivalidade entre as mulheres no texto é quando Hécuba ajuda
Menelau a não se entregar ao discurso comovente de Helena, mostrando que
preferiu ajudar o homem que ordenou a morte de seu povo do que ajudar a
esposa que foi escolhida pelo seu próprio filho, vale ressaltar que a culpa do
relacionamento de Páris com Helena cai sobre ela apesar que Páris havia
consciência de que ela era casada, mesmo assim o peso apenas recaiu para
Helena, deixando a figura de Páris como pobre homem seduzido.
No primeiro capítulo a visão da dominação masculina por Pierre Bourdieu fica
explicita neste trecho;
[...]A divisão entre os sexos parece estar “na ordem das coisas”, como se diz por
vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável: ela está
presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado nas coisas (na casa, por
exemplo, cujas partes são todas “sexuadas”), em todo o mundo social e, em
estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como
sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e de ação. Então, é
comum que seja associada as coisas como objetos complementares, nessa
visão o ‘’homem’’ e ‘’mulher’’ como de natureza oposta e interligada, entretanto
se pode notar que os dois não tem o tratamento como iguais e opostos, mas sim
como a mulher em posição inferior ao homem.

A rivalidade feminina exposta na obra do Bourdieu


‘’Quando os dominados aplicam àquilo que os domina esquemas que são
produto da dominação ou, em outros termos, quando seus pensamentos e suas
percepções estão estruturados de conformidade com as estruturas mesmas da
relação da dominação que lhes é imposta, seus atos de conhecimento são,
inevitavelmente, atos de reconhecimento, de submissão[...]’’.

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