Depressão Laboral
Depressão Laboral
Depressão Laboral
Nuno Álvaro Caneca Murcho | Doutor e Mestre em Psicologia – Psicologia da Saúde. Pós-graduações em Gestão de
Recursos Humanos e em Toxicodependências.| [email protected], N. (2021). A Depressão Laboral:
Alguns Contributos para a sua Compreensão. Revista Segurança Comportamental, 14, 7-12. GA, Lda. Lisboa, Portugal
A depressão laboral pode ter consequências muito graves, sendo assim é relevante que este
fenómeno seja compreendido em termos conceptual, sendo este distinto entre stresse e
burnout, de forma que a sua identificação e intervenção preventiva e/ou corretiva tenha
sucesso, eliminando, reduzindo ou controlando a exposição aos riscos associados e
sequencialmente os seus efeitos.
INTRODUÇÃO
Numa época em que o stresse ocupacional e a síndrome de burnout (ou burnout), são temas
que passaram a dominar quer a produção científica, como o próprio discurso político e
sindical e ainda ocupam muita da informação transmitida pela comunicação social, tem sido
aparentemente minimizada a importância de outros problemas de saúde mental relacionados
com o trabalho, como a ansiedade e principalmente a depressão, e em particular a depressão
laboral.
Contudo, na realidade observamos com alguma frequência, que alguns trabalhadores têm que
recorrer a medicação para ultrapassar os sintomas que apresentam, nomeadamente
antidepressivos e ansiolíticos, e sendo tanto o stresse ocupacional como o burnout,
respetivamente um estado e uma síndrome e não doenças propriamente ditas, podemos ser
levados a pensar que as pessoas, para além destes problemas, podem, quer como
consequência ou em concomitância com estes, apresentar quadros de depressão, seja com
origem na própria pessoa e no seu meio sociofamiliar, ou com origem no contexto de
trabalho, isto é, depressão laboral.
Ora, apesar de sabermos que o stresse ocupacional, o burnout e a depressão laboral estão
interligados, estas problemáticas são diferentes no que respeita às suas caraterísticas e
manifestações, às diferentes intervenções ou tratamentos a adotar, e ainda em relação às
suas consequências, quer a nível individual como organizacional, nomeadamente se não
forem tomadas as medidas adequadas à resolução ou minimização do impacto da
problemática principal apresentada.
Deste modo, pensamos que um melhor conhecimento sobre estas problemáticas, permitirá
uma maior sensibilização para as mesmas, nomeadamente ao nível da importância da sua
prevenção e da adoção de medidas de intervenção, podendo contribuir para a minimização do
seu impacto seja ao nível individual como organizacional, em particular no que concerne à
depressão laboral.
Nesse sentido, elaboramos este artigo com a finalidade de fazer uma breve abordagem teórica
da depressão laboral com os objetivos de permitir uma melhor compreensão da mesma, e
facilitar a sua distinção relativamente ao stresse ocupacional e principalmente ao burnout.
STRESSE OCUPACIONAL E BURNOUT
Deste modo, o stresse pode ser definido como uma condição que é positiva (eustresse) ou
negativa (distresse), surgindo como resposta às influências externas adversas (stressores), e
que ocorre quando existe um desequilíbrio entre as exigências do meio envolvente e os
recursos pessoais (físicos, emocionais ou sociais) que o indivíduo possui para fazer face às
adversidades, com impacto na saúde física ou mental das pessoas e no seu bem-estar
(International Labour Organization [ILO], 2016; Quintas, Queirós, Marques & Orvalho, 2017).
Por outro lado, o stresse ocupacional é determinado pela organização e modelo do trabalho e
pelas relações laborais, ocorrendo quando as exigências do trabalho não se adequam ou
excedem as capacidades, recursos ou necessidades do trabalhador, para lidar com as
mesmas, ou quando o seu conhecimento ou habilidades para lidar com estas não se adequam
às expetativas da cultura organizacional das empresas (European Agency for Safety & Health
at Work [EU-OSHA], 2015; ILO, 2016).
Relativamente ao burnout, podemos dizer que é uma síndrome psicológica que surge em
resposta aos stressores interpessoais crónicos no trabalho, e cujas três dimensões chave
desta resposta são a exaustão emocional, os sentimentos de cinismo e desapego do trabalho
(despersonalização), e a sensação de ineficácia e de falta de realização (falta de realização
pessoal) (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001).
Ou seja, enquanto o stresse é definido como uma situação de ameaça ou perda efetiva de
recursos energéticos, o burnout é caracterizado pela fadiga física, desgaste cognitivo e
exaustão emocional devido ao envolvimento duradoiro em situações profissionais de elevada
exigência emocional, sendo uma consequência insidiosa do stresse crónico no trabalho
(Quintas et al., 2017).
- De nível terciário, que são intervenções reativas, visando os efeitos adversos do trabalho
para a saúde (e.g., afastamento provisório do trabalhador do ambiente de trabalho ou mesmo
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mudança de posto de trabalho, programas de retorno ao trabalho, de assistência aos
trabalhadores, terapia ocupacional, intervenções médicas no stresse).
De referir ainda que a planificação destas intervenções, nos seus diferentes níveis, deve
envolver sempre os trabalhadores, desde a fase da identificação dos riscos psicossociais, e
assentar na promoção de uma cultura de prevenção, a qual é uma responsabilidade de todos
os intervenientes - governos, empregadores e trabalhadores (ILO, 2016).
"Do ponto de vista laboral, a depressão pode levar, entre outros aspetos, ao presenteísmo (ou
absentismo funcional) ou ao absentismo laboral, a acidentes de trabalho (no local de trabalho
e no trajeto de e para o mesmo), à restrição na atividade ocupacional, a erros profissionais, ao
turnover, ao desemprego, à reforma antecipada e à baixa qualidade de vida (BNAOH, 2019;
Coronel, Fuentes & Rincón, 2011; ILO, 2016; Quintas et al., 2017)”.
Podemos então dizer, que a depressão pode ter origem na própria pessoa e no seu meio
sociofamiliar, embora acabando por ser repercutir no contexto laboral, e pode também ter
origem no próprio contexto laboral. Neste último caso, designa-se como sendo depressão
laboral.
Contudo, no que concerne às manifestações, não existem diferenças significativas entre estes
dois tipos de depressão, até porque se a depressão com origem na esfera individual e
sociofamiliar das pessoas afeta a sua esfera laboral, o inverso também é verdadeiro, ou seja, a
depressão com origem na esfera laboral das pessoas também afeta a sua esfera individual e
sociofamiliar, mesmo porque na perspetiva sistémica, todos estes subsistemas estão
interligados em interação dinâmica entre eles.
Do ponto de vista laboral, a depressão pode levar, entre outros aspetos, ao presenteísmo (ou
absentismo funcional) ou ao absentismo laboral, a acidentes de trabalho (no local de trabalho
e no trajeto de e para o mesmo), à restrição na atividade ocupacional, a erros profissionais, ao
turnover, ao desemprego, à reforma antecipada e à baixa qualidade de vida (BNAOH, 2019;
Coronel, Fuentes & Rincón, 2011; ILO, 2016; Quintas et al., 2017).
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As causas mencionadas na literatura para a depressão laboral, incluem o stresse ocupacional
e o burnout (que em si já é uma consequência do stresse ocupacional crónico), a pressão da
avaliação da produtividade, o grupo socioprofissional, a sobrecarga de trabalho, a baixa
capacidade de decisão, o fraco suporte social, o tipo de recompensas no trabalho, a
insegurança, a insatisfação laboral, o assédio e o género (nas mulheres a está associada a um
baixo nível de autoridade e a trabalhos de alta exigência emocional, e nos homens, ao elevado
stresse, à elevada insegurança laboral e a trabalhos passivos) (BNAOH, 2019; Coronel et. al.,
2011; ILO, 2016; Quintas et al., 2017).
No que respeita ainda às causas para a depressão relacionada com o trabalho, alguns autores
organizam estas em seis fatores, que são os seguintes (Harvey et. al., 2017):
- A justiça organizacional, que está relacionada com a equidade das regras e normas sociais
dentro das empresas, designadamente a distribuição de recursos e benefícios (justiça
distributiva), os métodos e os processos que governam essa distribuição (justiça processual)
e o relacionamento interpessoal (justiça interacional), compreendendo este último aspeto, o
respeito e a dignidade recebido da gestão (justiça relacional) e a presença ou ausência de
adequada informação da gestão relativa aos procedimentos do local de trabalho (justiça
informacional);
- O regime de trabalho e horários de trabalho atípicos, que estão relacionados com o aumento
do trabalho temporário nos países desenvolvidos, bem como de regimes de trabalho atípicos,
acima das 40 horas semanais ou das oito horas diárias;
- Os conflitos no local de trabalho e o assédio laboral, que ocorrem quando ações não
apreciadas ou prejudiciais são cometidas contra um trabalhador, evoluindo para situações de
assédio laboral se persistirem por um longo período de tempo;
- O stresse derivado da função ou do papel, que surge quando o trabalhador não possui
informações sobre as responsabilidades e os objetivos de sua função (ambiguidade dos
papeis) ou quando há duas ou mais expetativas opostas sobre a função do trabalhador
(conflito de papeis).
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No que concerne ao tratamento da depressão, designadamente no caso da depressão laboral,
está comprovado a eficácia da farmacoterapia com antidepressivos em associação com a
terapia ocupacional, a psicoeducação, a psicoterapia, como a psicoterapia de base cognitivo-
comportamentalista ou outras modalidades de psicoterapia (presenciais ou por à distância), e
ainda intervenções multifacetadas (com recurso à psicoeducação, autoajuda, relaxamento e
técnicas de meditação) (BNAOH, 2019).
Neste sentido ainda, esta distinção tem sido apoiada por estudos mais recentes,
nomeadamente quando se analisam as relações entre os diferentes modelos, uma vez que se
verifica que as dimensões do burnout se relacionam de forma diferente com a depressão,
sendo a exaustão emocional, a dimensão que apresenta a relação mais potente com a
depressão, levando a inferir que são construtos diferentes (Murcho et al., 2014; Quintas et al.,
2017).
Assim, podemos dizer que o burnout surge como consequência do stresse ocupacional,
podendo ambos ter como consequência a depressão laboral (e também a ansiedade), embora
o burnout aqui aparente ter um papel mediador entre o stresse ocupacional e a depressão
(Maslach et al., 2001; Murcho et al., 2014; Quintas et al., 2017).
CONCLUSÕES
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De acordo com o que mencionamos anteriormente, concluímos então, que o burnout e a
depressão laboral são duas entidades distintas embora interligadas, podendo a depressão
laboral ocorrer também como uma consequência do burnout (BNAOH, 2019; Coronel et. al.,
2011; ILO, 2016; Quintas et al., 2017).
Por outro lado, não obstante a projeção que a temática do burnout tem vindo a ter, quer em
termos de produção cientifica, como ao nível do próprio discurso político e sindical, bem
como do mediatismo que lhe é dado na comunicação social, parece haver alguma confusão
de conceitos com a depressão, e em particular, com a depressão laboral, o que é prejudicial,
nomeadamente para os trabalhadores que são afetados por este tipo de depressão.
Mesmo pelas consequências que a depressão pode ter para a saúde se não for devidamente
tratada, uma vez que é uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo,
podendo inclusive levar ao suicídio (ILO, 2016; Murcho et.al., 2016; Quintas et al., 2017).
Conclusões:
Depressão laboral é uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo, podendo
inclusive levar ao suicídio.
Assim sendo, e apesar de sabermos que de forma alguma esgotamos este tema, esperamos
poder ter contribuído para um melhor conhecimento sobre as problemáticas do stresse
ocupacional e do burnout, e em particular da depressão laboral, pelas consequências que esta
doença tem, seja para a saúde dos trabalhadores afetados, como para as próprias
organizações, e deste modo, também podermos ter contribuído para uma maior sensibilização
sobre a importância da adoção de medidas de prevenção adequadas, permitindo a clarificação
de conceitos e a distinção entre estas três problemáticas, designadamente entre o burnout e a
depressão laboral.
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