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Ensino e Geografia

DOI: 10.5902/2236499415535

A educação cartográfica no ensino-aprendizagem de Geografia: Ederson Nascimento *

reflexões e experiências Aline Beatriz Ludwig**

Resumo: Este ensaio apresenta uma análise das potencialidades da educação cartográfica no processo de
ensino-aprendizagem da Geografia, a partir de experiências didático-pedagógicas desenvolvidas em escolas
públicas. A metodologia das atividades realizadas prioriza o ensino de fundamentos da representação car-
tográfica e a construção, por estudantes do ensino fundamental e médio, de mapas temáticos e maquetes * Doutor em Geografia pela
para subsidiar o estudo de temas geográficos diversos. Com isso, procurou-se promover o aprendizado de Universidade Estadual de Campinas
conhecimentos geográficos e cartográficos de modo inter-relacionado, possibilitando aos estudantes um (UNICAMP). Professor adjunto no
melhor entendimento de fenômenos e processos espaciais a partir da compreensão e uso da linguagem curso de Geografia da Universidade
cartográfica, bem como aprender sobre a natureza da representação cartográfica no âmbito do estudo de Federal da Fronteira Sul (UFFS -
temas da Geografia. Campus de Chapecó-SC).

** Graduada em Geografia pela


UFFS-CampusChapecó. Mestranda
no Programa de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC).
Cartographic education in teaching-learning Geography:
reflections and experiences

Abstract: This paper presents an analysis of the potential of cartographic education in the teaching-lear-
ning process of Geography, starting from didactic-pedagogical experiences carried out in public schools.
The methodology of empirical activities prioritizes teaching fundamentals of cartographic representation Palavras-chave:
and the production of thematic maps and scale models by students in primary and secondary education, in
order to aid the study of different geographical themes. Thus, we sought to provide learning of geographic Cartografia geográfica,
and cartographic knowledge in an interrelated way, allowing students a better understanding of phenome- cartografia escolar,
na and spatial processes from the understanding and using of cartographic language, as well as learning Geografia escolar, formação
about the nature of cartographic representation in scope of the study themes of Geography. docente em Geografia,
ensino-aprendizagem.

Key-Words:
Geographic cartography,
school cartography, school
Geography, teaching
formation in Geography,
teaching-learning.

Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19,


n.3 , set./dez. 2015

ISSN 2236-4994 I 29
Introdução

A Cartografia é um ramo do conhecimento de suma importância para a Geografia. Como


1
Utilizar-se-á a expressão ciência que se preocupa com a organização espacial1 – os agentes e condicionantes sociais e
“organização espacial” no naturais responsáveis pela organização do espaço geográfico –, na Geografia o mapa se faz pre-
sentido apresentado por
Corrêa (1998) para se referir sente tanto para investigação de hipóteses, como para a constatação de seus dados, contribuindo,
ao espaço social produzido e portanto, para a produção de seu conhecimento e para uma compreensão mais abalizada do
estruturado, seguindo ainda a
ideia de que todo espaço social mesmo. Nessa perspectiva, o uso de materiais e linguagem cartográficos é igualmente essencial
apresenta certa ordem, ainda na Geografia Escolar2, uma vez que consistem em um instrumental que potencializa o desenvol-
que caótica do ponto de vista vimento do raciocínio espacial pelos estudantes.
de determinados segmentos
sociais. Embora seja sabido que No entanto, é comum observar diversas limitações quanto à incorporação do saber carto-
expressões como “produção
do espaço” e “organização
gráfico no processo de ensino-aprendizagem de Geografia na educação básica, as quais passam
do espaço” aparecem na pelo próprio nível de abstração que aquele conhecimento congrega, o que, por vezes, o torna de
literatura especializada, por difícil compreensão para estudantes e até mesmo, em alguns casos, para professores. Ademais,
vezes, associadas a diferentes
correntes do pensamento ele ainda é pouco apresentado nos livros didáticos e paradidáticos, sendo colocado, não raro,
geográfico, não está no como um conteúdo “alternativo”, a par dos demais assuntos da disciplina de Geografia.
escopo do presente trabalho
promover essa discussão. Entende-se, assim, que para que o potencial da Cartografia possa ser adequadamente aprovei-
tado no ensino-aprendizagem da Geografia, é preciso inseri-la permanentemente no trabalho com os
diversos conteúdos da disciplina. Para tanto, juntamente à Educação Geográfica no ensino fundamen-
2
A expressão “Geografia
Escolar” será utilizada tal e médio, faz-se necessário elaborar um processo de Educação Cartográfica, o qual deve se iniciar na
ao longo deste texto para universidade, na formação de professores de Geografia com domínio dos conhecimentos cartográfi-
se referir à disciplina de
Geografia na educação básica. cos e com didática adequada para ministra-los na educação básica, e se consolidar na escola com a ela-
boração de atividades didático-pedagógicas que promovam o aprendizado da linguagem cartográfica,
bem como a construção e o uso de mapas nas aulas de Geografia pelos estudantes.
Nesse sentido, o presente estudo apresenta uma análise das potencialidades da Educação
Cartográfica no ensino-aprendizagem da Geografia na educação básica, a partir de experiências
empíricas realizadas no curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Federal da Fronteira
Sul – UFFS, campus de Chapecó/SC, juntamente a escolas públicas do referido município. Fo-
ram desenvolvidas atividades de ensino da Cartografia inseridas no processo de ensino de temas
diversos da Geografia Escolar, com o intuito de promover uma relação dialética no processo de
ensino-aprendizagem. Isto é, procurou-se permitir com que os estudantes pudessem aprender a
Geografia por meio da compreensão e uso da linguagem cartográfica, bem como aprender sobre
a natureza da representação cartográfica ao estudar os conhecimentos geográficos.
Dentro desta perspectiva, um dos procedimentos fundamentais realizados foi a produção de
materiais cartográficos: a criação, a partir de informações sobre o espaço, de mapas e maquetes com
as quais buscou-se, de um lado, uma compreensão dialética do fenômeno ou processo espacial
analisado na Geografia Escolar – dos dados espaciais, cria-se a representação cartográfica para
remeter-se novamente a compreensão do espaço. Viabilizou-se a participação ativa dos estudan-
tes no processo de Educação Cartográfica, colocando-os como sujeitos, mapeadores críticos da
realidade geográfica analisada (Cf. SIMIELLI, 1999). Além disso, a fim de facilitar o aprendizado
de conhecimentos cartográficos ditos “de base”, utilizou-se de atividades “alternativas”, aqui
chamadas de atividades didáticas não formais, em relação às quais é apresentada, a título de exemplo,
uma experiência de ensino de projeções cartográficas.
Cabe ressaltar que para a própria pesquisa acadêmica, a realização de estudos empíricos
Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19, referentes ao uso da Cartografia na educação básica (assim como sobre outras temáticas) não é
n.3, p. 29-42, set./dez. 2015 tarefa simples devido a dificuldades que o cotidiano escolar acaba impondo. Entre os principais
entraves pode-se mencionar a rigidez de programas de disciplinas e de horários de aulas, a escas-
A educação cartográfica no
ensino-aprendizagem de Geografia:
sez de tempo para execução de atividades e, sobretudo, dificuldades para realização de parcerias
reflexões e experiências com docentes e instituições a fim de se poder ingressar em sala de aula, elaborar as experiências
didático-pedagógicas propostas e coloca-las em prática. Em função disso, as experiências de
30 I ISSN 2236-4994
Educação Cartográfica apresentadas neste estudo foram empreendidas no âmbito do projeto
de ensino PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), subprojeto de
Geografia, o qual, devido às suas características3, viabilizou a realização de atividades práticas
envolvendo a Cartografia em diferentes escolas e em longo prazo, o que permitiu uma avaliação 3
Em linhas gerais, o PIBID
é um programa mantido pela
mais abrangente dos impactos das iniciativas no ensino-aprendizagem. CAPES (Coordenação de
O texto está organizado em duas partes. Na primeira, realiza-se uma discussão teórica Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior), que visa
acerca da funcionalidade dos conhecimentos cartográficos para a ciência geográfica e da impor- promover o aperfeiçoamento
tância da Educação Cartográfica no ensino-aprendizagem de Geografia no ensino fundamental e a valorização da formação
de professores para a educação
e médio. Em seguida, são apresentadas reflexões a partir de experiências empíricas de Educação básica. O programa concede
Cartográfica, empreendidas como metodologias para promoção do ensino-aprendizagem dos bolsas a estudantes de cursos
conhecimentos geográficos e cartográficos de maneira inter-relacionada na Geografia Escolar. de licenciatura participantes
de projetos de iniciação à
docência, desenvolvidos por
instituições de educação
superior em parceria com
escolas públicas de ensino
A educação cartográfica e o ensino de Geografia fundamental e médio. Os
referidos projetos devem
A Cartografia, conforme definição da Associação Cartográfica Internacional, é o promover a inserção dos
estudantes no contexto das
escolas desde o início de sua
[...] conjunto de estudos e operações científicas, artísticas e técnicas, baseadas formação acadêmica, para
nos resultados de observações diretas ou de análise de documentação, com vis- que desenvolvam atividades
tas à elaboração e preparação de cartas, projetos e outras formas de expressão, didático-pedagógicas sob a
assim como a sua utilização (CASTRO, 2012, p. 15). orientação de um docente da
licenciatura e de um professor
da escola, estes também
Consiste em “[...] um método científico que se destina a expressar fatos e fenômenos ob- bolsistas do programa. Na
UFFS, o PIBID está em
servados na superfície da Terra, por meio de uma simbologia própria” (OLIVEIRA, 1988, p. 14). funcionamento desde 2011.
Utiliza-se de uma linguagem gráfica estruturada como um sistema de signos, formada e inter- Até o momento, o subprojeto
pretada a partir de três relações espaciais (diversidade/similaridade, ordem e proporcionalidade) de Geografia foi realizado em
parceria com quatro escolas
que contêm os significados da representação gráfica, e expressa graficamente por seis variáveis de Chapecó (duas no período
visuais (tamanho, valor, textura, cor, orientação e forma) que são significantes da mensagem 2011-2013 e outras duas a
partir de 2014), tendo, em cada
gráfica (ARCHELA, 1999; MARTINELLI, 2003). período, uma equipe formada
Como afirma Joly (1990), conhecer e representar a Terra sempre foram os principais por doze licenciandos, dois
professores supervisores
objetivos da Cartografia e ainda hoje o são, o que faz com que esse conhecimento seja um (um de cada escola), além
dos mais importantes para analisar e planejar a organização e uso do espaço geográfico. Neste do coordenador, docente da
sentido, a Cartografia constitui-se em saber de grande importância para a Geografia. A ciência UFFS.

geográfica se utiliza da Cartografia para que as informações levantadas sejam representadas de


modo sistematizado e, assim, se possa apreender sua disposição (distribuição e correlação) no
espaço. As representações cartográficas possibilitam, portanto, uma visão mais ampla e sintética
das relações entre os fenômenos geográficos, uma vez que possibilita visualizá-los em conjunto,
em arranjos espaciais (ALMEIDA; PASSINI, 1999; SIMIELLI, 1999).
Cada vez mais vem sendo destacada a importância da Cartografia no âmbito do ensino da
Geografia (tanto no ensino superior como na educação básica), uma vez que esta tem a impor-
tante função de ajudar no desenvolvimento do raciocínio espacial dos estudantes.

O indivíduo que não consegue usar um mapa está impedido de pensar sobre aspectos do
território que não estejam registrados em sua memória. Está limitado apenas aos registros de
imagens do espaço vivido, o que o impossibilita de realizar a operação elementar de situar
localidades desconhecidas (ALMEIDA, 2001, p. 17).
Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19,
n. 3, p. 29-42, set./dez. 2015
O uso da linguagem da Cartografia e de seus produtos (mapas, plantas, globos, croquis,
imagens de satélite, maquetes, entre outros), contribui para o aprendizado à medida que possi-
Nascimento, E.; Ludwig, A. B.
bilita a visualização e a análise de diferentes recortes do espaço e na escala que convém para o
tema estudado. Ademais, por meio da observação da representação cartográfica de dados e ob- ISSN 2236-4994 I 31
jetos, “[...] o aluno chega a generalizações – percebe diversas áreas em que pode ser identificada
a mesma situação” (ALMEIDA; PASSINI, 1999, p. 13), facilitando o entendimento da lógica da
distribuição espacial de determinados fenômenos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) de Geografia (BRASIL, 1998) ressaltam a
importância da Cartografia ao estabelecerem como um dos objetivos do estudo da disciplina no
ensino fundamental a utilização da linguagem cartográfica, a fim de subsidiar a obtenção de in-
formações a partir de documentos cartográficos, bem como para representar a espacialidade dos
fenômenos geográficos. Neste contexto, sugerem blocos temáticos em que elencam conteúdos,
como a leitura e a compreensão das informações que são expressas em linguagem cartográfica.
Em que pese a importância da Cartografia na aprendizagem da Geografia, para que haja, por
parte dos estudantes, o domínio dos conhecimentos basilares para leitura e interpretação de representa-
ções cartográficas, assim como o seu uso contínuo e adequado para o aprendizado dos conhecimentos
geográficos, deve-se estabelecer um processo de ensino-aprendizagem favorável a isso no âmbito da
Geografia Escolar. É neste contexto que emerge o papel da Educação Cartográfica.
Em linhas gerais, pode-se entender a Educação Cartográfica como um processo de cons-
trução de conhecimentos e metodologias favorecedoras da leitura e interpretação de mapas. Nas
palavras de Passini (1994, p. 26), “A Educação Cartográfica ou alfabetização para a leitura de
mapas deve ser considerada tão importante quanto à alfabetização para a leitura da escrita”, pois
“significa preparar o aluno para fazer e ler mapas”.
Estudar a linguagem cartográfica desde os primeiros anos escolares possibilita à criança
desenvolver a percepção do seu espaço de vivência para, mais tarde, ter capacidades cognitivas
mais complexas sobre suas aplicações e possibilidades de entendimento do espaço. No entanto,
como bem observa Francischett (2004, p. 37), “Os alunos precisam ser preparados para que
construam conhecimentos fundamentais sobre essa linguagem, como pessoas que representam
e codificam o espaço e como leitores das informações expressas por ela.” É importante inserir a
Cartografia na Geografia Escolar como um processo educativo gradual e permanente, exploran-
do possibilidades variadas de uso da linguagem cartográfica e considerando as diferentes faixas
etárias e estágios cognitivos dos estudantes.
Esta questão é abordada por Simielli (1999), que propõe o trabalho com a Cartografia
na Educação Geográfica em diferentes níveis, a começar nas séries iniciais (até a quarta série ou
quinto ano, atualmente) pela alfabetização cartográfica. Nesta fase, o objetivo é fazer com que o
aluno compreenda os processos necessários para a realização das representações gráficas, isto é,
educá-lo para a visão cartográfica. Devem ser trabalhadas noções elementares da representação
cartográfica – tais como a visão vertical, escala e construção de legenda – especialmente a partir
de espaços próximos e conhecidos da criança, para que, no final do processo, ela seja capaz de
explicar um espaço a partir de imagens e símbolos.
Nos dois últimos ciclos do ensino fundamental, segundo a autora, deve-se aprofundar a alfabe-
tização cartográfica (quinta série ou sexto ano) e, gradativamente, introduzir usos mais complexos da
Cartografia através de atividades de localização e análise, com mapas de distribuição espacial que repre-
sentam um fenômeno isoladamente. Por sua vez, no fim do ensino fundamental e no ensino médio,
é desejável aprofundar ainda mais o uso dos mapas, inserindo atividades que incentivem a correlação
entre informações de dois ou mais documentos cartográficos a fim de se obter uma síntese de um
determinado fenômeno espacial. Esta, em um momento mais avançado do aprendizado cartográfico,
pode ser representada pelos próprios alunos em um novo mapa, um mapa-síntese.
Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19,
n.3, p. 29-42, set./dez. 2015
No processo de Educação Cartográfica, é de suma importância que o estudante participe ativa-
mente, sendo treinado a ler a manifestação espacial dos fenômenos a partir de mapas, maquetes e imagens
A educação cartográfica no e, também, orientado a construir suas próprias representações cartográficas. Isso contribui para que ele
ensino-aprendizagem de Geografia: possa apreender melhor a lógica de se cartografar um determinado espaço, além de inserir o aluno como
reflexões e experiências
sujeito na construção do conhecimento geográfico na escola, utilizando-se da linguagem cartográfica.
32 I ISSN 2236-4994 Em suma, o conhecimento geral da Cartografia e o domínio de mapas possibilita ao estudante
entender melhor diversos conteúdos da Geografia Escolar, fornecendo-lhe subsídios para descobrir e in-
teragir com os espaços a sua volta e, assim, contribuir para que possa pensar e ver o mundo em uma pers-
pectiva mais consciente em sua dimensão espacial. Para tanto, como bem ressalva Katuta (2004, p. 133-4), 4
A Escola Marechal Bormann
foi parceira do subprojeto
[...] a apropriação e o uso da linguagem cartográfica devem ser entendidos no con- PIBID/Geografia da UFFS
de junho de 2011 a dezembro
texto da construção dos conhecimentos geográficos, o que significa dizer que não
de 2013, enquanto a Escola
se pode usá-la per se, mas como instrumental primordial, porém não único, para a São Francisco se juntou ao
elaboração de saberes sobre territórios, regiões, lugares e outros. Se a supervalori- projeto apenas em março
zarmos, em detrimento do saber geográfico, corremos o sério risco de defender a de 2014, quando de sua
linguagem por ela mesma, o que, a nosso ver, a esvazia em importância e significado. renovação junto à CAPES.
Por esta razão, a maior parte
das experiências foi realizada
Infelizmente, nem sempre o potencial da Cartografia é adequadamente explorado no ensino- na primeira escola.
-aprendizagem da Geografia Escolar. Estudos da literatura específica – como os de Meneguette (1998),
Francischett (2002; 2004), Katuta (2004), Kaercher (2004), Loch e Fuckner (2005) e Abreu e Carneiro 5
Participaram do
(2006) – e observações realizadas ao longo de nossa prática profissional na formação de professores, desenvolvimento das
atividades descritas a seguir:
apontaram fatores limitantes à compreensão, ao uso e à própria valorização dos conhecimentos carto- os dois coautores deste artigo
gráficos no ensino-aprendizagem de Geografia, sendo os principais: (o primeiro atuando como
coordenador do PIBID/
a) a precária infraestrutura material com a qual convivem os docentes em muitas escolas; Geografia e a segunda, à
b) a falta de domínio dos conhecimentos cartográficos pelos próprios professores e, prin- época, como licencianda do
curso de Geografia e bolsista
cipalmente; do referido projeto); os
c) uma compreensão limitada sobre tais conhecimentos na Geografia Escolar, sendo a licenciandos Geografia Bruno
de Matos Casaca, Cristiane
Cartografia, nessa circunstância, vista e abordada apenas como um tema da disciplina (ou uni- Santin, Flávia Carla Vacarin,
dade do conteúdo escolar) trabalhado de modo concentrado no tempo e com procedimentos Flávia Ruti Mass (estes,
atualmente, já formados),
metodológicos inapropriados, tais como a cópia de mapas a partir de atlas e livros didáticos, Daniela Feyh Wagner e Mirian
memorização de informações e coloração de mapas mudos sem uma reflexão prévia sobre as Pegoraro, além das professoras
informações a serem representadas ou sobre a própria lógica para o uso correto das cores. Cleciomara Sanzovo e Norma
Marmith, docentes das escolas
A realidade atual nos desafia a inserir cada vez mais a Cartografia na Geografia Escolar. parceiras do PIBID.
Além dos livros didáticos, a crescente disponibilização de produtos cartográficos – como mapas
em formato vetorial e em arquivos de imagem, além de imagens de satélite de praticamente todas
as regiões do globo – em bases de dados digitais e em portais na internet, bem como a ampliação
da informatização em curso nas escolas brasileiras (ainda que diferencial em termos regionais),
vêm abrindo um leque cada vez mais amplo de possibilidades para o desenvolvimento de ativi-
dades de Educação Cartográfica na escola. Cabe criar iniciativas para desenvolver o aprendizado
da linguagem cartográfica e seu uso na construção de conhecimentos geográficos. E nisto, a
universidade tem importante papel no processo de formação de professores de Geografia, não
só em sua formação inicial na graduação, mas também por meio de atividades de extensão e de
iniciação à docência (como o é o PIBID, por exemplo), que oportunizem aos professores atuali-
zar seus conhecimentos e promovam uma aproximação entre a universidade e a escola.

Ensinando e aprendendo Geografia e (através da) cartografia: experiências de


educação cartográfica na Geografia escolar

As experiências de Educação Cartográfica doravante apresentadas foram desenvolvidas


no período de 2011 a 2014 no âmbito do subprojeto de Geografia do PIBID da UFFS, cam-
pus de Chapecó/SC, em parceria com as escolas estaduais Marechal Bormann e São Francisco,
situadas no referido município4. Ao longo do projeto foram realizadas várias atividades referen- Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19,
tes ao ensino de Geografia com o uso da Cartografia. Centrar-se-á a descrição e a análise em n. 3, p. 29-42, set./dez. 2015

três modalidades dessas atividades, realizadas em turmas e momentos diferentes, quais sejam:
o ensino-aprendizagem por meio de atividades didáticas não formais para o aprendizado de Nascimento, E.; Ludwig, A. B.

conhecimentos específicos da Cartografia, a produção de mapas temáticos e a construção de maquetes5.


ISSN 2236-4994 I 33
Atividades didáticas não formais na educação cartográfica: o exemplo das projeções
cartográficas

Como afirmam Nascimento et al. (2013, p. 77),


6
De acordo com Bianconi
e Caruso (2005, p. 20), “A Um encaminhamento didático-pedagógico não pautado em uma lógica “formal” –
educação não-formal [...] isto é, não limitado na tríade lousa-exposição-texto e sem a adoção de inúmeras
define-se como qualquer
classificações, nomenclaturas e apelos à memorização – abre importantes possibi-
tentativa educacional
organizada e sistemática lidades para um envolvimento ativo dos estudantes como sujeitos no processo de
que, normalmente, se ensino-aprendizagem. Desse modo, emerge a importância de atividades alternativas
realiza fora dos quadros do no ensino, que busquem romper com a predominância de metodologias estritamente
sistema formal de ensino”. formais na maneira de se trabalhar com os conteúdos, a fim de fazer com que o
Essa modalidade educativa conhecimento seja mais sensível às diferentes características de inteligências e ca-
inclui o desenvolvimento pacidades de aprendizado, além de tornar mais fácil e agradável o ato de aprender.
de atividades extraclasse
(trabalhos de campo, visitas
técnicas, oficinas etc.), bem O processo de Educação Cartográfica deve estar pautado, antes de tudo, em um aprendizado
como “[...] metodologias
[didático-pedagógicas] lúdicas, adequado dos fundamentos da Cartografia de base, trabalhando-se noções como orientação, simbo-
diferentes do que é habitual logia, escalas, coordenadas e projeções, aprendizado este que, muitas vezes, deve preceder o uso dos
no ensino, fazendo das artes, materiais cartográficos a fim de garantir uma compreensão mais abalizada das informações neles repre-
por exemplo, ferramentas de
trabalho capazes de estimular sentadas e, a partir disso, do tema ou fenômeno em análise. Entretanto, o professor deve atentar para o
os estudantes a aprender e a fato de que a abordagem dessas noções, devido à dimensão abstrata que carregam, precisa ser adequada
expressar os conhecimentos
adquiridos através de uma aos estudantes a fim de potencializar o aprendizado.
nova linguagem”. Assim, para o ensino de tais conhecimentos pode-se lançar mão, juntamente aos procedimentos
ditos formais (como a abordagem expositiva de conceitos e exibição de mapas prontos, a leitura e a
resolução de exercícios escritos), também de procedimentos e atividades não formais ou “alternativos”
de ensino6. Há inúmeros trabalhos, alguns dos quais já consagrados – como Simielli (1993), Almeida
e Passini (1999), Almeida (2001), Castrogiovanni (2009) e Schäeffer et al. (2011) – que apresentam
atividades alternativas para o processo de alfabetização cartográfica e demais fases do aprendizado
cartográfico, utilizando-se de materiais, instrumentos e procedimentos diversos e abordando diferentes
noções da Cartografia. No caso específico do presente artigo, as atividades não formais apresentadas
são relacionadas, a título de exemplo, às projeções cartográficas, tema caro ao ensino de Geografia e
cuja dificuldade de compreensão pôde ser constatada também in loco nas escolas pos nós acompanha-
das no âmbito do PIBID.
A compreensão das projeções cartográficas é importante para a interpretação de
mapas, especialmente em escalas médias e pequenas, pois devido à impossibilidade de se
representar concomitantemente as formas, as áreas e as distâncias da superfície terrestre
sem que haja distorções em algumas dessas medidas, são elas, as projeções, que explicam os
padrões dos contornos dos territórios representados nos documentos cartográficos (ESRI,
2000). Devido a essa importância, o tema das projeções integra o conteúdo da Geografia
Escolar, em geral no oitavo ano do ensino fundamental (antiga sétima série) e no primeiro
do ensino médio. Contudo, devido ao seu caráter abstrato, esse é um dos assuntos mais
difíceis de serem entendidos por estudantes e por parcela significativa dos professores de
Geografia. Essa mesma dimensão abstrata inerente às projeções também acaba impondo
dificuldades para os docentes ensinarem o referido conteúdo na educação básica.
Em função disso, a fim de facilitar a compreensão desse tema, elaborou-se, para turmas
das referidas séries escolares da Escola Marechal Bormann, uma atividade de construção de
Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19, projeções usando produtos cartográficos como mapas e globo terrestre, além de alguns ma-
n.3, p. 29-42, set./dez. 2015 teriais simples para realização de demonstrações, no caso, uma folha de papel sulfite tamanho
A4, uma folha plástica, um pincel atômico e duas frutas: uma maçã e uma laranja. A folha A4
A educação cartográfica no
ensino-aprendizagem de Geografia:
foi utilizada para demonstrar projeções cilíndricas e cônicas sobre o globo terrestre. A maçã,
reflexões e experiências por sua vez, foi utilizada para ilustrar como é possível transpor uma superfície curva em co-
ordenadas planas. A Terra, representada pela fruta, deve ser envolvida por uma superfície de
34 I ISSN 2236-4994
representação, no caso, correspondente ao plástico. Feita a sobreposição, inicia-se o desenho
da projeção traçando a linha do equador, demais paralelos e meridianos (Figura 1).
Em outra demonstração, a laranja foi utilizada a fim de exemplificar como ocor-
rem as distorções geométricas contidas em uma projeção cartográfica. A fruta é dividida
ao meio, como se fosse feito um corte transversal da Terra seguindo a linha do equador.
Após retirar os gomos das duas partes (estas consideradas como os hemisférios norte e
sul), colocam-se as cascas da laranja sobre algo plano (uma folha de papel ou uma mesa,
por exemplo) onde se possa tentar encostar toda a casca sobre a superfície. Procedendo
desta maneira, é possível observar as cascas se rompendo e seus fragmentos se separando,
ilustrando assim as possíveis distorções inerentes às projeções (Figura 2).
O impacto da atividade foi satisfatório, uma vez que os estudantes mostraram-se in-
trigados com o teor pitoresco da mesma que, ainda assim, conforme comentários em aula
e respostas colhidas em questionários de avaliação aplicados às turmas, contribuiu para que
eles pudessem ter melhor noção das superfícies e procedimentos utilizados para projetar a
superfície terrestre em mapas.

Figura 1 – Aula sobre projeções cartográficas: representando uma projeção sobre a maçã.

Fonte: acervo dos autores.

Figura 2 – Aula sobre projeções cartográficas:


explicação das distorções geométricas de uma projeção utilizando uma laranja.

Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19,


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Nascimento, E.; Ludwig, A. B.


Fonte: acervo dos autores.
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Ensino-aprendizagem de Geografia com a produção de mapas temáticos

A ação para que o aluno possa compreender a linguagem cartográfica não está simples-
mente em colorir ou copiar mapas prontos, mas em construir seus próprios mapas, afim de que,
acompanhando metodologicamente cada etapa do processo de reduzir proporcionalmente e/ou
de classificar informações e representa-las graficamente, “[...] possam estabelecer um sistema de
signos ordenados, obedecer a um sistema de projeções para que haja a coordenação de pontos
de vista, familiarizem-se com a linguagem cartográfica” (ALMEIDA; PASSINI, 1999, p. 22).
Assim, através de uma relação entre teoria e prática oportunizada, em sala de aula, pelo ensino
das noções cartográficas e do manuseio e produção de mapas, é possível otimizar o aprendizado
dos alunos sobre a Cartografia e seu uso na produção/aquisição de conhecimentos geográficos,
capacitando-os a reconhecer uma determinada organização espacial a partir de mapas.
Com esse intuito, foram realizadas atividades de construção de mapas temáticos em três turmas
da Escola Marechal Bormann, sendo uma da sétima série do ensino fundamental (atual oitavo ano) e
duas de ensino médio: uma do primeiro e outra do segundo ano. Em todas as turmas, o trabalho teve
início com a realização de uma aula expositiva dialogada, ministrada pelos licenciandos do PIBID, sobre
a importância e os fundamentos da representação cartográfica temática, explicando para os alunos os
principais elementos de um mapa e os métodos de representação espacial de dados (quantitativa, qua-
litativa e ordenada), seguindo sistematização apresentada por Martinelli (2003). Em seguida, trabalhou-
-se com a construção dos mapas com os alunos. De antemão, é importante salientar que a elaboração
desses mapas foi feita em momentos em que eram trabalhados conteúdos escolares não diretamente
relacionados à Cartografia, buscando, com isso, relacionar esse conhecimento a outros temas e, sobre-
tudo, desenvolver junto aos alunos a ideia de aprender a Geografia por meio da Cartografia.
No ensino fundamental, cada grupo de alunos recebeu tabelas de dados e um mapa base.
Inicialmente, os estudantes tiveram que reconstruir e ampliar o referido mapa sobre uma cartoli-
na, utilizando a técnica de desenho quadriculado, gerando, a partir disso, um novo mapa base em
escala maior. Depois de prontos, estes passaram a receber as representações que foram desen-
volvidas para cada variável, segundo sua natureza qualiquantitativa ou ordenada, bem como os
principais elementos cartográficos, no caso, legenda, orientação, escala e créditos. Ao término da
atividade, em cada uma das turmas foram produzidos cinco mapas temáticos diferentes, espacia-
lizando, por países, os seguintes temas: índices de desenvolvimento humano na América Latina;
população absoluta da América Anglo Saxônica, e os três setores de atividades econômicas (pri-
mário, secundário e terciário) no continente Americano (Figura 3).
A produção cartográfica temática realizada na sétima série contribuiu para o aprendiza-
do de noções e procedimentos importantes da Cartografia (como o exercício de ampliação de
escalas e representação espacial de dados), bem como para inseri-la no processo de construção
de outros conhecimentos geográficos pelos alunos, auxiliando na caracterização dos fenôme-
nos por meio de sua espacialização. Os mapas produzidos nesta fase escolar ainda são simples
e resultam do exercício de localização de um fenômeno. Porém, com os estudantes do ensino
médio, procurou-se produzir um trabalho cartográfico mais complexo, desafiando-os a realizar
procedimentos mais avançados de classificação e seleção de dados tabulares e a utilizar métodos
variados de representação temática.
Na turma do primeiro ano do ensino médio, realizou-se a construção de mapas temáti-
cos tendo como tema “Os setores de atividades da economia brasileira” (primário, secundário
Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19,
e terciário). Os estudantes, organizados em duplas, receberam uma folha de papel tamanho A4
n.3, p. 29-42, set./dez. 2015 com três mapas mudos do Brasil (divisão de unidades da federação), sendo que em cada um
deles deveria ser representado um setor de atividades. Já no segundo ano, o exercício consistiu
A educação cartográfica no na elaboração de mapas sobre aspectos relacionados ao tema “O espaço geográfico no período
ensino-aprendizagem de Geografia:
reflexões e experiências da globalização”. Os alunos foram divididos em equipes, cada qual com a responsabilidade de
construir dois mapas, visando, com isso, possibilitar que todos os principais métodos de repre-
36 I ISSN 2236-4994 sentação cartográfica temática fossem utilizados.
Figura 3 – Mapas elaborados pela turma de sétima série.

7
Foram utilizados como
mapas base principalmente
mapas físicos e políticos,
presentes nos livros didáticos
e atlas disponibilizados pela
escola aos alunos.

Fonte: acervo dos autores.

Para ambas as turmas, os licenciandos do PIBID levantaram e selecionaram os dados


estatísticos a serem utilizados para cartografação e acompanharam todo processo de elaboração
dos mapas. Após a conclusão dos mesmos, foram realizadas atividades de socialização dos resul-
tados – apresentação oral para a sua turma, a professora da disciplina e os pibidianos – em que
os estudantes tiveram que caracterizar os fenômenos estudados orientando-se a partir de textos e
do material cartográfico que haviam construído. Neste momento, eles também explicaram como
produziram seus mapas.
As atividades de representação compreenderam:
a) a reconstrução de um mapa base, com a ampliação/redução da escala e a seleção de
elementos específicos deste mapa, a fim de impedir a mera cópia do mapa base7, e
b) a representação de dados tabulares sobre o mapa base reconstruído, com os alunos sen-
do orientados a utilizar adequadamente as variáveis visuais cor e valor para representar os dados,
respectivamente segundo sua natureza dissociativa ou quantitativa (Figura 4).

Figura 4 – Produção de mapas temáticos por estudantes do primeiro ano do ensino médio:
a) mapas sendo construídos; b) mapas concluídos.
a) b)

Fonte: acervo dos autores.


Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19,
n. 3, p. 29-42, set./dez. 2015
As atividades possibilitaram ainda exercitar outras noções cartográficas importantes,
como a espacialização de coordenadas geográficas, a construção de legendas e a orientação e Nascimento, E.; Ludwig, A. B.
menção dos locais a partir do norte geográfico.
ISSN 2236-4994 I 37
A construção de mapas temáticos, se desenvolvida priorizando a análise, a classificação e
a espacialização de informações em detrimento da mera cópia de dados e de contornos de um
mapa base para outro, possibilita que o aluno deixe de ser um mero leitor e passe a produzir e a
utilizar mapas em vários momentos de seu desenvolvimento cognitivo.

Figura 5 – Dois dos mapas temáticos construídos pelos alunos do segundo ano.

Fonte: acervo dos autores.

Estudando o espaço através da produção de maquetes

Outro importante produto da Cartografia a ser utilizado no trabalho cartográfico escolar é a


maquete. Esta é uma representação tridimensional do espaço, que simboliza a intensidade de um deter-
minado atributo espacial (dimensão Z) e sua distribuição latitudinal e longitudinal no plano topográfico
(dimensões X e Y).
Como aponta Francischett (2004), a elaboração e o uso da maquete geográfica tem o objetivo
de produzir e transmitir informações espaciais através de seu potencial de comunicação cartográfica.
No dizer desta autora:

Na maquete, criamos a imagem visual modulando as três dimensões do plano


(X, Y e Z), sendo o Z a terceira dimensão visual que atrai a atenção do obser-
vador [...] porque é explorada para representar a temática da maquete (o tema
Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19,
n.3, p. 29-42, set./dez. 2015
escolhido/necessário para o estudo) (p. 47).

A educação cartográfica no Entretanto, concordamos com Simielli (1991) no sentido de que a maquete não é um fim, mas
ensino-aprendizagem de Geografia:
reflexões e experiências
um meio didático pelo qual vários elementos da realidade podem ser trabalhados em conjunto. Assim,
tal como deve ocorrer com os mapas, é importante que a produção e o uso das maquetes na Geografia
38 I ISSN 2236-4994 Escolar sejam inseridos no processo de ensino-aprendizagem dos temas/conhecimentos geográficos.
É com este intuito que foram realizadas experiências de construção de maquetes em turmas das
escolas parceiras do projeto. Na Escola São Francisco, trabalhou-se com o tema “Grandes paisagens
naturais” em turmas de sétima série (atual oitavo ano) do ensino fundamental. Já na Escola Marechal
Bormann, o trabalho foi realizado junto a turmas do terceiro ano do ensino médio, abrangendo o tema 8
Nas turmas da sétima série
do ensino fundamental,
“Geografia do Estado de Santa Catarina”. O principal objetivo das atividades foi exercitar o uso da cada grupo de alunos ficou
maquete – mais precisamente, a sua elaboração, por estudantes de diferentes séries escolares – como responsável pela análise de
instrumento de compreensão dos temas geográficos. características naturais e usos
sociais empreendidos em um
Como, em ambas as séries, as turmas nas quais foi realizada esta atividade não eram as mesmas tipo específico de paisagem
natural do globo: cerrado,
onde foi desenvolvida a experiência anterior (da construção de mapas temáticos), diagnosticou-se, tam- savana, florestas tropicais
bém para estas turmas, a necessidade de ministrar uma aula teórico-conceitual acerca dos fundamentos e temperadas e tundra. Já
da Cartografia, além de outra com orientações específicas para confecção das maquetes em cada série. os terceiranistas do ensino
médio trabalharam com
O encaminhamento metodológico adotado para a atividade seguiu-se com a divisão das turmas os subtemas: unidades de
em grupos de alunos, cada qual recebendo a tarefa de elaborar uma pesquisa bibliográfica sobre um relevo, hidrografia, climas e
vegetação e usos do solo de
subtema específico8, bem como de representar aspectos deste por meio de uma maquete. Esta, por Santa Catarina.
sua vez, teria a função de auxiliar a apresentação da pesquisa acerca do subtema em um seminário de
socialização na turma.
As orientações para construção das maquetes foram dadas observando-se particularidades ne-
cessárias em relação aos temas (escalas, localização e atributos dos fenômenos representados) e faixas
etárias dos alunos. Nas sétimas séries, os alunos ficaram livres para representar o seu subtema em qualquer
recorte espacial, podendo optar pela cartografação da paisagem em um local abstrato qualquer ou pela
representação de sua distribuição em um espaço específico (região, país ou planisfério). Os materiais para
representação das formas das paisagens (papeis, tintas, folhas de plantas, areia, entre outros) também
foram escolhidos por eles. Contudo, solicitou-se a eles para, no processo de representação, manter a coe-
rência no arranjo das formas espaciais típicas de cada paisagem natural, bem como, na medida do possível,
certa proporcionalidade entre as formas representadas na dimensão vertical (Z) (Figura 6).
Por sua vez, no ensino médio, a representação obrigatoriamente deveria ser feita a partir do
limite territorial de Santa Catarina desenhado sobre uma folha de isopor. Inicialmente, os alunos tra-
çaram este limite a partir de um mapa base que eles mesmos construíram extraindo-o de um atlas
estadual (SANTA CATARINA, 2008). Este mapa foi desenhado na folha de isopor usando a técnica
de ampliação por quadrículas. Em seguida, os estudantes realizaram a representação dos subtemas,
com a obrigação de observar a correta aplicação de cores para a espacialização das informações, além
de inserir em sua maquete escala horizontal, referência de orientação e legenda (quando foi necessária),
além de título e créditos (Figura 7).
No seminário de socialização, etapa final do trabalho em ambas as séries, os estudantes apre-
sentaram – para os colegas de classe, a professora da disciplina e os pibidianos – os resultados de suas
pesquisas e a maquete construída acerca do subtema. Neste momento, além de caracterizar a temática
estudada utilizando-se, sempre que possível, da representação cartográfica construída, os estudantes
foram incentivados a explicar os aspectos que se propuseram a representar e os procedimentos que
utilizaram, bem como a avaliar os pontos positivos e negativos da experiência de estudo da Geografia
com a produção de maquetes então realizada.
Das experiências colocadas em prática nas escolas, pôde-se constatar que a maquete auxi-
lia na visualização de atributos espaciais em uma determinada área de modo conjunto e, princi-
palmente, ajuda na compreensão de formas espaciais em um determinado local através de uma
visualização menos abstrata propiciada pela visão tridimensional. Finalmente, convém salientar
que a própria prática de socialização – tanto no trabalho com as maquetes, como também nas
atividades com mapas temáticos – contribuiu para atrair a atenção dos alunos para o aprendiza- Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19,
do dos outros subtemas. Por mais que estes não tenham sido foco de estudo aprofundado por n. 3, p. 29-42, set./dez. 2015

todos os estudantes ao longo da atividade, com a adequada mediação do professor, as discussões


engendradas na socialização dos resultados de pesquisa propiciam uma construção coletiva de Nascimento, E.; Ludwig, A. B.

conhecimentos, favorecendo o aprendizado.


ISSN 2236-4994 I 39
Figura 6 – Maquetes de paisagens naturais construídas por estudantes da sétima série:
a) representação, em elaboração, de paisagem de clima temperado;
b) representação concluída de floresta equatorial.
a) b)

Fonte: acervo dos autores.

Figura 7 – Maquete em construção por estudantes do terceiro ano do ensino médio,


representando as unidades geomorfológicas de Santa Catarina.

Fonte: acervo dos autores.

Reflexões finais

A realidade geográfica é abrangente e complexa. A compreensão dos modos de organização do


espaço geográfico envolve uma análise criteriosa e coerente dos agentes atuantes e dos processos que o
caracterizam e o estruturam em distintas escalas ao longo do tempo. Na práxis do ensinar e aprender o co-
nhecimento geográfico ressalta-se o importante papel da linguagem da Cartografia e de suas representações.
Os diversos produtos cartográficos, como mapas, maquetes, imagens aéreas entre outros, podem
auxiliar os estudantes a entender melhor diversos conteúdos da Geografia Escolar a partir da localização
de objetos geográficos e análise de variáveis e fenômenos em sua dimensão espacial. Considera-se, assim,
que a espacialização de informações fornecida pela Cartografia é um importante instrumento metodoló-
gico para minimizar a abstração de determinados conhecimentos da disciplina de Geografia.
Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19, Ocorre que a abstração é algo inerente à própria natureza da representação cartográfica, mate-
n.3, p. 29-42, set./dez. 2015
rializando-se nos mapas em graus diferenciados. Com isso, o objetivo de se caracterizar um espaço na
leitura do mapa através de seus símbolos, acaba não sendo contemplado se o indivíduo não for ensi-
A educação cartográfica no
ensino-aprendizagem de Geografia: nado a interpretar concretamente a linguagem cartográfica. Assim, a nosso ver, ensinar esta linguagem
reflexões e experiências
demanda torna-la mais palpável aos estudantes, com a realização de atividades que, ainda que se utili-
zem de ludicidade (como a experiência com frutas, apresentada anteriormente), possam minimizar a
40 I ISSN 2236-4994
dimensão abstrata existente em importantes conhecimentos da Cartografia de base, caso das projeções
cartográficas aqui abordado, e de outros como escala e coordenadas.
Ademais, é necessário envolver os estudantes como mapeadores para que entendam, a partir de
suas práxis, a lógica do mapear e da representação gráfica. Isso significa possibilitar que eles construam
suas próprias representações cartográficas, tendo que lidar com tudo o que isso necessita: delimitar
contornos territoriais, classificar dados, ampliar e reduzir tamanhos proporcionalmente, utilizar sím-
bolos e cores, entre outros procedimentos realizados à luz dos conhecimentos teóricos da Cartografia.
Cabe salientar ainda a importância do trabalho permanente e processual com a Cartografia na
Geografia Escolar, que deve ocorrer com o uso didático dos produtos cartográficos como meios de
análise de temáticas diversas. Só assim é possível elevar a Cartografia da condição de mero conteúdo
programático, situação ainda comum do ensino básico de Geografia, para o necessário status de conhe-
cimento potencializador do ensino-aprendizagem da Geografia na educação básica.
Neste sentido, as experiências de Educação Cartográfica que realizamos tiveram seus encaminha-
mentos metodológicos priorizando sempre a articulação entre conhecimentos teóricos da Geografia e da
Cartografia e destes com as práticas cartográficas. E, notadamente, tais atividades contribuíram para que
os estudantes compreendessem os principais elementos das representações cartográficas, bem como os
temas específicos relacionados a cada atividade. Constatou-se que, se inseridos adequadamente na prática
escolar, os usos do mapa e da maquete como recursos didático-pedagógicos potencializam a aprendizagem,
auxiliando o desenvolvimento das habilidades de orientação, reconhecimento de escalas e visualização de
informações geográficas, além de contribuírem para a percepção da interdependência entre fenômenos
representados. Tais capacidades fornecem aos estudantes elementos para, juntamente com referenciais
teórico-conceituais da Geografia, compreenderem mais facilmente diversos conteúdos desta disciplina.
Para concluir este artigo, cabe tecer um comentário sobre o papel do professor de Geografia no
processo de Educação Cartográfica. Ao longo de nossas experiências docentes, em atividades de extensão
universitária e no desenvolvimento de uma pesquisa empírica específica (LUDWIG, 2014), pôde-se consta-
tar, a partir das falas dos próprios docentes, as dificuldades apresentadas por muitos deles na compreensão
da Cartografia e, na esteira disso, para utilizar-se deste conhecimento em sua atividade docente, limitações
estas, em sua maioria, oriundas da formação insuficiente que receberam no ensino superior. Tal fato eviden-
cia a grande importância da Educação Cartográfica também para a formação profissional de professores
de Geografia (graduação e formação continuada). Afinal de contas, o potencial da Cartografia no ensino-
-aprendizagem da Geografia Escolar só poderá ser plenamente explorado em sala de aula por professores
igualmente educados cartograficamente, que possuam domínio dos fundamentos teórico-metodológicos
da Cartografia e uma clara compreensão de sua relevância para a análise do espaço geográfico. Nesse sen-
tido, acredita-se que as experiências empreendidas, que envolveram a participação de diversos licenciandos
em Geografia, também representaram importante avanço.

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Correspondência:
Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19,
n.3, p. 29-42, set./dez. 2015
Ederson Nascimento

E-mail: [email protected]
A educação cartográfica no
ensino-aprendizagem de Geografia:
reflexões e experiências Recebido em 15 de setembro de 2014.

42 I ISSN 2236-4994 Aceito para publicação em 17 de agosto de 2015.

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