Problema 3 - Insuficiência Cardíaca

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 25

Insuficiência Cardíaca

A IC é definida como uma síndrome em que o coração é incapaz de ofertar fluxo


sanguíneo adequadamente aos tecidos por redução ou limitação para aumentar o débito
cardíaco diante de aumento da necessidade, ou o faz à custa de elevação da sua pressão
de enchimento.
Geralmente, a IC resulta de disfunção estrutural ou funcional do coração, que
compromete a sua capacidade de se encher de sangue e/ou de ejetá-lo.
Em termos fisiopatológicos, a IC foi definida como uma síndrome caracterizada por
pressão de enchimento cardíaco elevada e/ou fornecimento inadequado de oxigênio
periférico, em repouso ou durante o esforço, causada por disfunção cardíaca.
A insuficiência cardíaca crônica descreve pacientes com sintomas e/ou sinais de IC de
longa duração (p. ex., meses a anos), geralmente tratada clinicamente ou com
equipamentos.
A insuficiência cardíaca aguda, anteriormente chamada de IC aguda
descompensada, refere-se ao início rápido ou agravamento de sintomas de IC. A maioria
dos episódios de IC aguda resulta de agravamento de IC crônica, mas cerca de 20% são
devidos a IC de instalação recente na vigência de síndrome coronariana aguda, disfunção
valvar aguda, emergência hipertensiva ou síndrome pós-cardiotomia.
Do mesmo modo, o edema pulmonar agudo na IC descreve um cenário clínico no qual
um paciente apresenta sinais e sintomas de congestão pulmonar de evolução rápida,
geralmente causado por elevação acentuada da pressão de enchimento ventricular
esquerda.

EPIDEMIOLOGIA
No Brasil, estima-se que cerca de 300 mil internações ocorrem por conta da IC,
consumindo milhões de reais por ano, sendo a primeira causa de internação pelo SUS por
doença cardiovascular, e principal causa nos pacientes acima de 60 anos de idade. A
incidência e a prevalência da IC aumentam com o crescimento da população acima dos 65
anos. A IC com fração de ejeção preservada é responsável por aproximadamente metade
dos casos, acomete preferencialmente mulheres, pessoas de faixas etárias mais elevadas e
hipertensos. Na America Latina, a prevalência de IC com fração de ejeção de ventrículo
esquerdo reduzida é de 64 a 69%.

CLASSIFICAÇÃO
A insuficiência cardíaca pode ser classificada conforme fração de ejeção, estágio da
doença e sintomas.
Classificação da NYHA
Avaliação da intensidade de dispneia para as atividades físicas habituais ou em
repouso, a clássica classe funcional da New York Heart Association (NYHA).
Assim, a classe funcional I compreende os pacientes que não têm dispneia para
realizar atividades físicas rotineiras; a classe funcional II designa os pacientes que têm
dispneia quando realizam atividades físicas habituais; a classe funcional III diz respeito aos
pacientes que têm dispneia quando realizam atividades físicas menos intensas que as
habituais; a classe funcional IV indica os pacientes que têm dispneia em repouso.

Fração de ejeção
A fração de ejeção é o método ecocardiográfico mais utilizado para se avaliar a
função ventricular esquerda de pacientes com insuficiência cardíaca; com base no valor da
fração de ejeção, pacientes com insuficiência cardíaca são classicamente categorizados
como tendo fração de ejeção reduzida (FEVE ≤ 40%), fração de ejeção preservada (FEVE ≥
50) ou fração de ejeção levemente reduzida (FEVE 41-49%). Esses estratos de pacientes
possuem características clínicas e epidemiológicas, prognóstico e resposta ao tratamento
distintos. Essas diferenças e o fato de que a medida da fração de ejeção é um método
bastante difundido e de fácil realização tornam essa classificação muito útil para a prática
clínica.
ICFER: a ICFEr ou insuficiência cardíaca sistólica resulta na diminuição da função da
bomba cardíaca (fração de ejeção do ventrículo esquerdo ≤ 40%), que está associada a
sinais e sintomas característicos, como dispneia, edema, fadiga e/ou tolerância
prejudicada ao exercício.
ICFEP: Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Preservada. Os pacientes
apresentam sinais e sintomas de insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal ou
quase normal (FE ≥ 50%).

Avaliação do estágio de evolução da insuficiência cardíaca


A insuficiência cardíaca pode ser classificada em estágios de gravidade. O estágio A
é aquele que antecede o aparecimento dos sintomas e da disfunção miocárdica, estando
presentes apenas os fatores de risco para o surgimento da síndrome, tais como a
hipertensão arterial sistêmica, o diabetes mellitus, as dislipidemias e, no nosso meio, a
infecção pela doença de Chagas. Os pacientes no estágio B são aqueles que apresentam
doença cardíaca estrutural, sendo, porém, ainda ausentes as manifestações clínicas; um
exemplo é a presença de hipertrofia ventricular esquerda em paciente assintomático
portador de hipertensão arterial. O estágio C compreende os pacientes com insuficiência
cardíaca propriamente dita, ou seja, com a presença de sinais e sintomas. Já o estágio D
engloba pacientes com doença cardíaca estrutural que apresentam sintomas refratários
ao tratamento baseado em evidência.

FISIOPATOLOGIA
ICFER
Na ICFER, encontramos redução no volume sanguíneo ejetado por distúrbio primário
na ejeção ventricular. O organismo responderá a essa redução do volume ejetado de três
formas:
1. Mecanismo de Frank-Starling: imagine o coração como uma grande cama elástica.
Quanto maior a quantidade de sangue que chega ao coração, maior a distensão de suas
fibras e mais sangue será ejetado. No entanto, tanto o coração como a cama elástica, têm
um limite de distensão. Após atingir esse limite, as fibras não respondem mais com
aumento do débito cardíaco. A quantidade de sangue que chega ao coração é
denominada pré carga. Na ICFER, encontramos sobrecarga de volume na cavidade
ventricular esquerda, que comprometerá o débito cardíaco. Por isso, utilizamos diuréticos
para reduzir a sobrecarga de volume no coração. O mecanismo de Frank-Starling: existe
um ponto máximo de distensão das paredes ventriculares. A partir desse ponto, as fibras
musculares não conseguem responder com aumento da contratilidade, piorando o volume
sistólico.

2. Sistemas neuro-hormonais: a ativação do sistema neuro hormonal ocorre devido à


redução do débito cardíaco e elevação das pressões de enchimento. A redução do débito
cardíaco ativa barorreceptores periféricos que promovem resposta compensatória por
meio do aumento do tônus adrenérgico (eles acham que a pressão arterial está baixa e
tentam compensar isso). Assim, ocorre aumento da frequência cardíaca e aumento da
liberação renal de renina (que é mediada, principalmente, pela hipoperfusão renal). O uso
de betabloqueadores visa interromper esse mecanismo.
O baixo débito cardíaco também reduz a perfusão renal, que responde com intensa
ativação do sistema renina-angiotensina aldosterona (SRAA), promovendo a retenção de
sódio e água (responsável pelo quadro congestivo da insuficiência cardíaca) e
vasoconstrição periférica (aumento da pós-carga). Esses mecanismos justificam o uso de
inibidores da ECA/bloqueadores do receptor de angiotensina e antagonistas da
aldosterona na IC.
Em pacientes não tratados cronicamente, a elevação das catecolaminas, da
angiotensina II (potente estimulador de hipertrofia ventricular) e aldosterona aumentam o
gasto energético miocárdico, induzindo apoptose dos miócitos e deposição de colágeno,
que geram fibrose miocárdica, responsável pela ocorrência de arritmias graves nesses
pacientes.
A hipervolemia e o aumento do estresse ventricular gerado pela sobrecarga
estimulará o aumento sérico do BNP (peptídeo natriurético cerebral). Esse hormônio possui
potente ação natriurética de vasodilatação e supressão do sistema renina
angiotensina-aldosterona. Como você deve ter reparado, ele é um mecanismo
compensatório. Em algumas situações, esse marcador será útil no diagnóstico de IC.
Além do BNP, outras moléculas vasodilatadoras endógenas são ativadas, em menor
escala, como bradicinina, prostaglandinas e óxido nítrico, na tentativa de compensar o
quadro excessivo de vasoconstrição periférica. Em contrapartida, a neprilisina, que possui
atividade aumentada na IC, degrada essas moléculas vasodilatadoras (incluindo o BNP),
promovendo efeito vasoconstritor e reduzindo o efeito dessas moléculas. Por isso,
justifica-se o uso de um medicamento, o famoso sacubitril-valsartana, em que o sacubitril é
um inibidor da neprilisina e atua inibindo esse mecanismo. Você já pode imaginar que essa
droga aumentará o BNP, não é?
3. Remodelamento Cardíaco: o remodelamento é a dilatação ventricular e perda da
conformação cardíaca (assume um formato esférico). O tratamento medicamentoso visa
evitar a ocorrência desse remodelamento, já que a agressão miocárdica decorrente dos
processos adaptativos (necrose e apoptose induzida pelas catecolaminas e sistema
renina-angiotensina-aldosterona, além de hipertrofia dos miócitos remanescentes) pode
ser irreversível.
ICFEN
A fisiopatologia da IC diastólica é diferente. O mecanismo primário para o
desenvolvimento da IC diastólica é a sobrecarga pressórica no ventrículo esquerdo (VE),
que gera hipertrofia e aumento das pressões de enchimento. A causa mais comum é a
hipertensão arterial, mas pode acontecer em qualquer situação que gere sobrecarga
ventricular esquerda (estenose aórtica, por exemplo).
O esvaziamento atrial que ocorre na diástole dá-se em duas etapas: enchimento
rápido do ventrículo e contração atrial. 70% desse processo acontece na fase de
enchimento rápido. No paciente hipertenso, a elevação da pressão na raiz da aorta
dificulta o esvaziamento ventricular, levando à sobrecarga de pressão no VE. A resposta a
essa sobrecarga é a hipertrofia ventricular esquerda (HVE). Há um aumento da pressão
dentro do VE (pressão diastólica final ou Pd2) que dificulta o esvaziamento atrial (que
depende da diferença de pressão entre o átrio e o ventrículo). Assim, a contração atrial
começa a ter um papel mais importante no esvaziamento atrial (assim surge B4). Com a
piora da hipertrofia e sobrecarga de pressão no VE, o átrio esquerdo (AE) fica,
progressivamente, mais sobrecarregado levando à sua dilatação (por isso, pacientes com
disfunção diastólica têm maior risco e maior prevalência de fibrilação atrial).
Nesse momento, há sobrecarga de cavidades esquerdas (AE e VE) que acarretará o
aumento da pressão venocapilar pulmonar. Por fim, esse aumento causará o edema
intersticial pulmonar que provocará a dispneia. Nessa fase adaptativa, qualquer situação
súbita de descontrole de duplo produto (aumento da pressão arterial e/ou frequência
cardíaca) pode provocar o famoso quadro de edema agudo de pulmão. Com o tempo, a
sobrecarga de cavidades direitas gerará repercussão no lado direito do coração, levando
às manifestações sistêmicas da insuficiência cardíaca.
No paciente com disfunção diastólica e sem tratamento adequado, a hipertrofia
concêntrica evoluirá para hipertrofia excêntrica e dilatação da cavidade ventricular
esquerda, evoluindo de maneira semelhante à fisiopatologia da IC sistólica. Na hipertrofia
excêntrica, a espessura da parede ventricular pode ser normal, mas a massa do ventrículo
esquerdo estará aumentada.

IC DIREITA
O ventrículo direito (VD) é uma cavidade com características diferentes do VE. Ele faz
a conexão da circulação sistêmica com a circulação pulmonar. Fisiologicamente, é uma
cavidade que lida com baixas pressões e, por isso, tem musculatura menos desenvolvida.
Por outro lado, como o retorno venoso é variável, o VD tem grande capacidade de
adaptar-se à volemia. Por isso, falamos que o VD tolera muito bem volume, mas não tolera
pressão! Além disso, o VD divide o septo interventricular com o VE. Com isso, parte da
força contrátil do VD depende da contração septal. Dessa forma, você deve imaginar que
a dinâmica de contração ventricular fica prejudicada nos pacientes com bloqueios de ramo
(o VE e VD irão contrair em momentos diferentes).
A maioria dos casos de IC direita está relacionada ao aumento da pós-carga direita
(relacionada a doenças pulmonares ou sobrecarga de cavidades esquerdas), mas também
pode ocorrer em casos de dano à musculatura ventricular direita (infarto de VD, por
exemplo). Quando a disfunção de VD ocorre por doença pulmonar, o quadro é chamado
de cor pulmonale.
A IC direita pode ocorrer de maneira aguda (tromboembolismo pulmonar, por
exemplo) ou crônica. Na IC direita aguda, o VD não tem tempo para tentar adaptar-se à
sobrecarga de pressão e dilata bastante. Se a causa de base não for resolvida, essa
sobrecarga de pressão comprometerá o funcionamento do VE, pois o VD sobrecarregado
comprimirá o VE, dificultando seu enchimento.

ETIOLOGIA
A IC é a manifestação inicial ou final de muitas patologias. Pode ser secundária a:
1. Doenças cardiovasculares sistêmicas como hipertensão arterial, aterosclerose (com
suas várias manifestações, como infarto do miocárdio, cardiomiopatia isquêmica etc.),
doenças das válvulas cardíacas ou doença congênita etc.
2. Cardiomiopatias primárias (de origem genética, mista ou adquirida) ou
secundárias.
3. Pericardiopatias.
4. Endocardiopatias. As etiologias mais frequentes da IC sistólica são cardiomiopatia
dilatada idiopática, isquêmica (aterosclerose coronariana determinando infarto), doença
de Chagas, hipertensão arterial, valvar, alcoólica, miocardite de origem indeterminada e
periparto. A IC com FEVEp mais frequente está geralmente associada à disfunção
diastólica, que, por sua vez, está relacionada a idade avançada, sexo feminino, obesidade,
diabete meli-to, doença coronariana, doença renal e estenose aórtica.
QUADRO CLÍNICO
Pacientes com dano miocárdico (estágio B), que potencialmente leva à IC,
permanecem assintomáticos por muito tempo, devido aos mecanismos compensatórios de
origem neuro hormonal e simpático. Quando esses mecanismos não são suficientes,
surgem os sintomas que podem ser decorrentes do quadro congestivo ou de baixo débito.
A sobrecarga de cavidades esquerdas (presente na IC sistólica e diastólica) promove
aumento da pressão venocapilar pulmonar. Esse aumento de pressão ocasiona
extravasamento de líquido vascular para o interstício pulmonar. O sistema linfático
consegue absorver esse líquido extravasado até um limite. Quando a pressão venocapilar é
superior a 20-25 mmHg, a drenagem linfática é insuficiente, surgindo o edema pulmonar,
responsável por toda sintomatologia respiratória na IC (cansaço, dispneia aos esforços,
ortopneia, dispneia paroxística noturna).
Quando há sobrecarga em cavidades direitas, observaremos a congestão sistêmica
(turgência jugular patológica, edema de membros inferiores, ascite, refluxo hepatojugular).
De uma maneira bem simples, o trânsito de sangue “engarrafa” antes do problema. Se o
problema é no VE, “engarrafa” primeiro o pulmão, depois o VD e depois, todo organismo.
Se o problema é exclusivamente no VD, o “engarrafamento” será sistêmico, poupando o
pulmão!
A história clínica e o exame físico serão fundamentais na avaliação inicial do paciente
com suspeita de IC. O sintoma que geralmente leva o paciente a procurar ajuda médica é a
dispneia. Como diversas doenças podem levar à dispneia, esse sintoma é pouco específico
para o diagnóstico, mas pode ser o primeiro indício de congestão pulmonar. Alguns
sintomas que devem ser investigados nesses pacientes:
● Ortopneia: dispneia ao deitar-se. Sintoma típico, porém, inespecífico. Uma forma de
questionar esse sintoma é perguntando o número de travesseiros que o paciente
utiliza para dormir.
● Dispneia paroxística noturna: surge horas após deitar-se. É uma dispneia súbita que
desperta o paciente. Esse sintoma é mais específico para o diagnóstico de IC.
● Tosse noturna: secundária à congestão da parede brônquica. Pode estar associada
à dispneia paroxística noturna. Em quadros mais acentuados, pode gerar
broncoespasmo (“asma cardíaca”).
● Fadiga: origem multifatorial. Os mecanismos associados à fadiga na IC são
desencadeados pela perfusão sanguínea inadequada, que afeta os músculos
respiratórios e periféricos, levando à diminuição da capacidade oxidativa. A fadiga
afeta mais da metade dos pacientes com IC e está associada a uma redução na
qualidade de vida, restrição de atividade física e pior prognóstico.
● Distúrbios do sono: os distúrbios do sono são comuns e subdiagnosticados em
pacientes com insuficiência cardíaca. As formas mais comuns são: apneia obstrutiva
do sono e apneia central do sono com respiração de Cheyne-Stokes (veremos
adiante). É importante reconhecer os distúrbios do sono porque estão associados a
piores desfechos cardiovasculares e maior mortalidade. Além disso, há evidências
de que o tratamento dos distúrbios do sono pode melhorar os resultados
relacionados à insuficiência cardíaca e à qualidade de vida.
Em casos mais avançados de IC, podemos ter congestão sistêmica secundária à
falência do ventrículo direito (VD). Nesses casos, a dispneia pode tornar-se menos
frequente, visto que a insuficiência ventricular direita ou a insuficiência tricúspide impedem
o bom funcionamento do VD, reduzindo a quantidade de sangue disponível na circulação
pulmonar e, com isso, há menor extravasamento de líquido para o alvéolo.

A insuficiência cardíaca esquerda é a principal causa de hipertensão pulmonar


secundária que causará, mais tardiamente, a disfunção de VD. São sintomas relacionados
à disfunção de VD:
● Edema de membros inferiores: bilateral e sem sinais de trombose venosa profunda.
● Aumento do volume abdominal: ascite com padrão de transudato.
● Derrame pleural: causa de dispneia em pacientes com disfunção de VD
(transudato).
● Hepatomegalia: dor abdominal em hipocôndrio direito.
● Congestão da mucosa intestinal: saciedade precoce, caquexia, diarreia, náuseas.
Os sintomas de baixo débito (cansaço, fadiga, sonolência, mialgia e lipotimia)
também podem estar presentes, especialmente na população com doença mais grave e
avançada. Na história clínica, devemos buscar dados que podem auxiliar na identificação
da causa da IC (questionar comorbidades, quadros virais recentes, doenças na infância,
viagens recentes) e do fator de descompensação (exercício, infecção, sobrecarga hídrica,
má adesão terapêutica, arritmias, síndrome coronariana aguda). O exame físico é peça
fundamental no diagnóstico de IC. Os sinais mais específicos para o diagnóstico de IC são:
presença de B3 e turgência jugular patológica.
DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é CLÍNICO. Uma boa história clínica e um bom exame físico serão
suficientes para o diagnóstico sindrômico de insuficiência cardíaca, na maioria das vezes.
Os exames complementares auxiliarão nos casos duvidosos, na investigação da etiologia e
identificação de complicações e causa da descompensação.

Para o diagnóstico, utilizaremos um desses critérios: critérios de Framingham:


Para o diagnóstico de IC, devemos ter dois critérios maiores SIMULTÂNEOS ou um
critério maior e dois menores. Uma maneira bem simples de memorizar esses critérios: os
critérios maiores são específicos (são menos frequentes, mas, se estiverem presentes,
aumentam a chance de IC) e os menores são sensíveis (são muito frequentes, mas estão
presentes em várias outras condições).
EXAMES
Radiografia de tórax
Auxilia no diagnóstico diferencial entre causas torácicas e pulmonares da dispneia,
além de permitir avaliação da congestão pulmonar. Deve ser sempre solicitada em
pacientes com suspeita de IC. Vale ressaltar que a sensibilidade do método é limitada, visto
que podemos encontrar um paciente com disfunção sistólica significativa, sem
cardiomegalia na radiografia. Esse método terá mais valor na IC aguda, em que as
alterações de congestão pulmonar são mais exuberantes.
Cardiomegalia: pode ser avaliada através do índice cardiotorácico (ICT). Devemos
avaliar a soma da maior distância da coluna vertebral até a sombra cardíaca à direita e à
esquerda e dividir pelo maior diâmetro horizontal da caixa torácica. Se o ICT for maior que
0,5 temos cardiomegalia.

Congestão pulmonar:
- Inversão do padrão vascular: o edema intersticial, mais proeminente nos lobos
inferiores, tornam as veias presentes no ápice pulmonar mais proeminentes;
- Infiltrado intersticial: pode surgir como borramento perivascular, borramento
peribrônquico e infiltrado peri-hilar (em asa de borboleta);
- Linhas B de Kerley: sugestivo de edema intersticial. São linhas paralelas ao
diafragma, visualizadas na região inferior e lateral de ambos os hemitóraces.
- Derrame pleural: geralmente é bilateral, mas predomina à direita.
Eletrocardiograma
Fundamental na avaliação inicial do paciente com IC, pois pode fornecer informações
quanto à etiologia da IC ou ao fator de descompensação. Um eletrocardiograma (ECG)
normal na IC é incomum.
● Bloqueio de ramo esquerdo: os critérios diagnósticos estão na figura, mas vamos
simplificar: viu um QRS largo? Olha para V1! Se estiver para cima é BRD, para baixo
é BRE!
● Hemibloqueio anterior esquerdo + bloqueio de ramo direito: ligue todos os alertas
para doença de Chagas! O bloqueio de ramo direito: QRS largo e V1 com polaridade
positiva. O hemibloqueio anterior esquerdo você identifica através do desvio de eixo
para esquerda. Para identificar facilmente o eixo, olhe para D1 e aVL. No desvio de
eixo para a esquerda, teremos D1 positivo e aVL negativo.
Ecocardiograma
Está indicado, na avaliação inicial, para todos os pacientes com sinais e sintomas
sugestivos de IC. Traz informações sobre a função ventricular (sistólica e diastólica),
diâmetros cavitários, motilidade das paredes, função valvar e estado volêmico. O exame
deverá ser repetido em situações de mudança súbita do quadro clínico ou na reavaliação
da função ventricular, após terapia específica.

Exames laboratoriais
Além dos exames tradicionais, alguns exames específicos podem auxiliar na
abordagem do paciente com insuficiência cardíaca:
● Hemograma: traz informações importantes acerca da presença de anemia (fator de
descompensação e prognóstico na IC) e da presença de leucocitose, que pode
indicar um processo infeccioso como causador da descompensação.
● Gasometria arterial: recomendada em pacientes com baixo débito ou desconforto
respiratório. Além de avaliar o equilíbrio acidobásico e a oxigenação, fornece
informações quanto à perfusão tecidual. Acidose e hiperlactatemia são fatores de
mau prognóstico.
● Bioquímica: a dosagem de eletrólitos e função renal é fundamental na avaliação
inicial. A hiponatremia é comum em pacientes com IC e confere pior prognóstico.
Piora da função renal está relacionada à perfusão renal prejudicada pelo baixo
débito cardíaco ou à congestão renal. Deve ser monitorada durante todo curso da
internação pela possibilidade de evoluir com síndrome cardiorrenal.
● Troponina: tem valor prognóstico na IC. Valores persistentemente elevados, na
ausência de IAM, estão associados à maior mortalidade. Deve ser solicitada em
toda admissão por IC aguda, para exclusão ou confirmação de síndrome
coronariana aguda (SCA).
● Peptídeos natriuréticos (BNP): é um marcador de sobrecarga cardíaca. Além de
apresentarem valor prognóstico, possuem alto valor preditivo negativo (95%) para
exclusão do diagnóstico de IC. Valores menores que 100pg/mL tornam improvável o
diagnóstico. Valores elevados à admissão estão associados à pior evolução
hospitalar. A dosagem no momento da alta traz informações prognósticas
importantes, assim como a queda absoluta do BNP durante a internação. Contudo,
ainda não existem recomendações para sua utilização como alvo de tratamento.
Existem algumas situações que podem interferir diretamente na medida do BNP,
como anemia, insuficiência renal crônica, idade avançada (valores mais elevados de
BNP), assim como a obesidade (valores mais baixos de BNP).
● Hepatograma: a hepatomegalia secundária à insuficiência cardíaca pode alterar o
hepatograma. A alteração bioquímica mais comum nesses pacientes é a elevação
discreta da bilirrubina (presente em mais de 70% dos pacientes). Na maioria dos
casos, o nível sérico será menor que 3mg/dL, às custas de bilirrubina indireta. Nesses
doentes, o nível sérico de bilirrubina tem valor prognóstico. As transaminases estão
discretamente elevadas em 1/3 dos pacientes (até 3 vezes o valor de referência). Em
casos de descompensação da IC no contexto de hipotensão secundária à disfunção
ventricular, pode ocorrer elevação expressiva das transaminases, com quadro
semelhante ao de uma hepatite viral.
● Cinética do ferro: metade dos pacientes com IC possuem deficiência de ferro,
mesmo sem anemia presente, conferindo lhes pior prognóstico. Devemos dosar
ferritina sérica e saturação de transferrina em todos pacientes com IC. Em caso de
deficiência, está recomendada a reposição por via INTRAVENOSA, visando
melhorar a capacidade funcional e a qualidade de vida e reduzir hospitalizações,
independentemente da fração de ejeção. Estudos com reposição oral não
demonstraram benefícios (absorção ineficaz).

TRATAMENTO
A maioria dos ensaios clínicos tem mostrado redução consistente de mortalidade
cardiovascular com o tratamento apenas nos pacientes com ICFER.
O tripé clássico da terapia que modifica mortalidade na insuficiência cardíaca (IC) de
fração de ejeção reduzida é composto por: IECA/BRA, betabloqueadores e antagonistas
de mineralocorticoide (espironolactona). Dentre os betabloqueadores, os que modificam a
mortalidade comprovadamente são apenas: carvedilol, bisoprolol e succinato de
metoprolol.
Cinco primeiras opções de drogas que devem ser usadas: IECA/BRA,
betabloqueadores, espironolactona, sacubitril-valsartana e gliflozinas.
Após essas cinco opções, nos pacientes que estejam em uso de betabloqueadores em
dose máxima e persistam com FC> 70 bpm, há benefício de mortalidade com o uso de
ivabradina (um inibidor do canal IF do nó sinusal).
Além disso, a associação entre hidralazina e nitrato também é capaz de reduzir a
mortalidade em pacientes autodeclarados afrodescendentes ou em substituição aos
IECA/BRA em pacientes que não toleram essas medicações.
Para melhor controle de sintomas, sem alterar, no entanto, a mortalidade, você pode
prescrever diuréticos na menor dose necessária e digitálicos (principalmente se a fração de
ejeção for ≤ 45%).
Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e bloqueadores dos
receptores AT1 da angiotensina 2 (BRA)
O mecanismo de ação dos IECA é através de vasodilatação e bloqueio do sistema
renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), cuja atividade se encontra exacerbada nos
pacientes portadores de insuficiência cardíaca. A ativação do SRAA tem como
consequências a ocorrência de retenção hídrica e fibrose miocárdica, a qual está associada
ao remodelamento e disfunção ventricular esquerda. Ao bloquearem o SRAA, os IECA são
capazes de diminuir a hipervolemia e promover o remodelamento reverso do VE, o que se
associa a uma melhora da função ventricular.
Os IECA devem ser usados em todos os pacientes com ICFER sintomáticos,
independente da etiologia, assim como nos pacientes com disfunção ventricular
assintomática, a fim de evitar a evolução para a forma sintomática. Os principais
representantes dos IECA usados na prática clínica são o captopril, enalapril, ramipril,
lisinopril e perindopril.
Os bloqueadores dos receptores AT1 da angiotensina II (BRA) são uma classe de
medicações que também tem benefício na redução da morbimortalidade cardiovascular
nos pacientes com ICFER. Seu mecanismo de ação também dá-se através do bloqueio do
SRAA, agindo diretamente ao nível dos receptores da angiotensina II. Dessa forma, devem
ser utilizados como alternativa aos IECA nos pacientes com intolerância ou alergia
confirmada a essa classe medicamentosa.

Betabloqueadores
Os betabloqueadores (BB) são drogas que agem, basicamente, através do bloqueio
de dois possíveis receptores: beta-1, que é responsável por fazer taquicardia e aumento de
contratilidade cardíaca, e beta-2, que faz, principalmente, vasodilatação e
broncodilatação.
Essas drogas são consideradas de primeira linha para o tratamento da ICFER. São
benéficas ao promoverem antagonismo da hiperatividade simpática, que causa efeitos
deletérios no miocárdio, provocando fibrose, remodelamento e disfunção ventricular.
Dessa forma, os BB revertem os efeitos tóxicos do hiperadrenergismo no coração,
promovendo remodelamento reverso. Esse efeito é observado em algumas semanas a
meses após o início do tratamento.
Existem vários ensaios clínicos demonstrando o benefício dessa classe terapêutica na
redução de morbimortalidade por insuficiência cardíaca e morte súbita, além de redução
da taxa de reinternação por IC. Quanto à morte súbita, os betabloqueadores são as
drogas mais efetivas em sua prevenção. Esses resultados foram demonstrados de forma
consistente com o uso de 3 medicações dessa classe: o carvedilol, o bisoprolol e o succinato
de metoprolol.

Antagonistas dos receptores mineralcorticoides


Os antagonistas dos receptores mineralocorticoides são representados pela
espironolactona (Aldactone®) e pela eplerenona (não disponível no Brasil). Eles estão
indicados em pacientes com ICFER com disfunção ventricular esquerda sintomática, ou
seja, em classe funcional NYHA II a IV, em associação aos IECA/ BRA e betabloqueadores.
Nesse cenário, os ensaios clínicos mostraram redução adicional de mortalidade e
reospitalização com o uso desses agentes.
A dose utilizada de espironolactona na ICFER varia de 12,5 mg a 50 mg/dia, sendo a
dose-padrão de 25 mg/dia, uma dose com efeito diurético discreto. O objetivo é atuar de
forma complementar aos IECA/BRA no bloqueio do SRAA, através do bloqueio direto dos
receptores da aldosterona no coração, auxiliando, dessa forma, no remodelamento
reverso do miocárdio; já que a aldosterona é responsável pelo depósito de fibras de
colágeno no miocárdio.

Inibidores da neprilisina e dos receptores da angiotensina 2 (sacubitril/valsartan)


Os inibidores da neprilisina associados ao bloqueador da angiotensina II (INRA)
constituem-se em uma nova classe terapêutica para o tratamento dos pacientes com
ICFER, representados por uma única droga, o sacubitril/valsartan (Entresto®). Trata-se da
associação de um BRA (valsartana) com o sacubitril, um inibidor da neprilisina, uma enzima
que participa da degradação da bradicinina e dos peptídeos natriuréticos. Ao inibir essa
enzima, ocorre um aumento no nível sérico dos peptídeos natriuréticos e da bradicinina, o
que tem efeito benéfico na IC devido à vasodilatação e a um possível efeito
anti-remodelamento.

Inibidores da SGLT2 (Dapagliflozina e empagliflozina)


As gliflozinas, antidiabéticos orais, são as drogas “da moda” no tratamento da ICFER.
Essas drogas foram testadas em diabéticos e não diabéticos com fração de ejeção do VE ≤
40% e demonstraram redução de mortalidade.
Os mecanismos envolvidos ainda estão sendo estudados, mas já se sabe que são
drogas que causam reabsorção de sódio e glicose nos túbulos proximais e, dessa forma,
têm efeito natriurético. No entanto, não é possível atribuir somente a isso o benefício e
acredita-se que as gliflozinas também aumentem o metabolismo de ácidos graxos e
cetonas pelo miocárdio, inibam o sistema renina-angiotensina-aldosterona e reduzam a
pressão intraglomerular.
Até o presente momento, a droga mais consagrada nesses pacientes é a
dapagliflozina (Forxiga®), seguida pela empagliflozina (Jardiance®).
Pacientes que devem usar: Pacientes diabéticos com fatores de risco para
insuficiência cardíaca (IC) ou com IC já diagnosticada devem usar gliflozinas em associação
com a metformina. Pacientes com IC e fração de ejeção do ventrículo esquerdo ≤40%,
diabéticos ou não, ainda sintomáticos a despeito do uso de terapia tripla.

Ivabradina
O controle da frequência cardíaca é um dos alvos terapêuticos na IC. A ivabradina é
uma substância que atua inibindo seletivamente a corrente elétrica “If” (essa corrente é
responsável pela modulação das correntes iônicas no nó sinusal), reduzindo, dessa forma, a
frequência cardíaca, o que tem efeito benéfico na ICFER devido à modulação do tônus
adrenérgico. Só por essa informação, já podemos perceber que seu uso é estrito aos
pacientes que estejam em ritmo sinusal, não havendo indicação em pacientes com
fibrilação atrial ou outras taquiarritmias não sinusais.

Diuréticos de alça e tiazídicos


Os diuréticos são a classe de medicações mais prescrita para os pacientes com IC.
Isso ocorre devido ao seu efeito terapêutico de aliviar a sobrecarga de volume e os
sintomas de congestão pulmonar e sistêmica. Esses são, sem dúvida, os principais sintomas
que levam os pacientes portadores de IC a procurar atendimento, seja ambulatorial ou nas
salas de emergência.
Nos pacientes que permanecem com sinais de congestão refratária a despeito de
doses crescentes dos diuréticos de alça, pode-se associar um diurético tiazídico (como a
hidroclorotiazida ou a clortalidona), a fim de potencializar a diurese e tentar controlar
melhor os sintomas. Nesse caso, as doses de tiazídicos necessárias são geralmente maiores
do que aquelas usadas na hipertensão arterial. Também é possível utilizar essas duas
classes em associação com os antagonistas de receptores da aldosterona
(espironolactona), estratégia essa conhecida como bloqueio sequencial do néfron e usada
como última alternativa nos casos de congestão refratária.

Dispositivos cardíacos implantáveis no tratamento da insuficiência cardíaca com


fração de ejeção reduzida
Terapia de ressincronização cardíaca
A insuficiência cardíaca está associada à ocorrência de remodelamento miocárdico, o
que pode desencadear distúrbios da condução intraventricular, conhecidos como bloqueios
de ramo. Sabe-se que os bloqueios de ramo, principalmente o bloqueio de ramo esquerdo
(BRE), promovem contração assincrônica entre os ventrículos esquerdo e direito (fenômeno
conhecido como dissincronismo interventricular). Isso leva a uma deterioração adicional da
função ventricular, com agravamento do quadro de IC e piora dos sintomas.
Baseado nesse conhecimento, foi desenvolvida uma técnica capaz de recuperar o
sincronismo ventricular, baseada na estimulação artificial de ambos os ventrículos de
forma programada. Isso se dá através da colocação de um marcapasso com eletrodos de
estimulação nos ventrículos direito e esquerdo (esse último geralmente posicionado no seio
coronariano). Com a recuperação da contração ventricular sincrônica, espera-se uma
melhora da função ventricular e consequentemente dos sintomas de IC. A essa técnica de
estimulação dá-se o nome de terapia de ressincronização cardíaca (TRC).

TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA COM FRAÇÃO DE EJEÇÃO


PRESERVADA
Diferente do que acontece na ICFER, na ICFEP a maioria dos ensaios falhou em
mostrar benefício de qualquer droga em redução de mortalidade, mostrando, no máximo,
benefício na melhora dos sintomas e redução das taxas de hospitalização. Acredita se que
essa dificuldade de replicar os resultados da ICFER esteja relacionada a uma maior
heterogeneidade da população portadora de ICFEP, o que implica em uma maior
dificuldade de uniformizar o tratamento.
Posto isso, um dos pilares do controle de sintomas na ICFEP baseia-se no controle da
congestão, que geralmente é o que causa maior limitação funcional para os pacientes.
Sendo assim, as diretrizes recomendam a utilização dos diuréticos de alça (furosemida) ou
tiazídicos (clortalidona, hidroclorotiazida, indapamida) visando aliviar os sintomas
congestivos. Já drogas com efeito inotrópico, como os digitálicos, não devem ser usadas,
pois não aliviam sintomas e nem mortalidade, uma vez que a perda de contratilidade não
está envolvida na gênese da ICFEP.
As comorbidades que geralmente acompanham a ICFEP, como hipertensão,
coronariopatia, fibrilação atrial e obesidade devem ser abordadas segundo as
recomendações específicas de cada uma.

TRATAMENTO DA IC AGUDA OU DESCOMPENSADA


Os pacientes com predomínio de congestão pulmonar e perfusão periférica
adequada (padrão “quente e úmido”) representam a grande maioria dos acometidos por
descompensação e seu tratamento está relacionado ao uso de vasodilatadores e
diuréticos. Nas situações de congestão associada à má perfusão
periférica (padrão “frio e úmido”), os inotrópicos estão indicados, geralmente
associados a diuréticos; em condi-ções de monitoração hemodinâmica mais avançada,
preferencialmente com medida invasiva da pressão arterial, também é possível a utilização
de vasodilatadores endovenosos. O achado de má perfusão sem congestão pul-monar é
raro (padrão “frio e seco”) e costuma responder à expansão volêmica (inotrópico pode ser
necessário).
Inotrópicos: classificados em agentes que aumentam o cálcio intracelular
(dobutamina e milrinona) e agentes sensibilizadores do cálcio (levosimendam). Em geral, as
medicações inotrópicas estão associadas a aumento de arritmia.

Dobutamina:

● Agonista β1-adrenérgico com efeito inotrópico e cronotrópico.


● Aumenta o cálcio intracelular e o consumo de oxigênio.
● Pode causar arritmias e aumento de mortalidade.
● Indicada para má perfusão periférica e congestão pulmonar, melhorando a
hemodinâmica em casos de hipotensão por disfunção miocárdica grave.
● Dose de manutenção: 2,5 a 20 μg/kg/min.

Milrinona:

● Inibidor da fosfodiesterase, aumenta o cálcio intracelular independentemente dos


receptores beta.
● Efeito vasodilatador pulmonar, útil em pacientes usando betabloqueadores.
● Aumento da mortalidade em pacientes isquêmicos.
● Deve ser usado com cautela em pacientes hipotensos.
● Dose de manutenção: 0,25 a 0,75 μg/kg/min.

Levosimendam:

● Ação inotrópica (aumenta a sensibilidade ao cálcio) e vasodilatadora.


● Maior risco de arritmias que a dobutamina.
● Metabólitos ativos por até 1 semana.
● Útil em pacientes usando betabloqueadores, mas deve ser evitado ou usado com
cuidado em hipotensos.
● Dose de manutenção: 0,1 μg/kg/min por 24 horas.

Dopamina:

● Efeito dose-dependente:
○ Baixa dose: estimula receptores dopaminérgicos (efeito renal controverso).
○ Dose intermediária: efeito β1 e precursor de noradrenalina.
○ Dose alta: efeito α1 por noradrenalina.
● Não é de primeira linha, mas pode ser usada em dificuldade de manutenção da
pressão arterial.
● Dose: 0,5 a 25 μg/kg/min.

Noradrenalina:

● Predomínio de efeito α1 > β1, com potente vasoconstrição.


● Pouco efeito no débito cardíaco, não sendo ideal como primeira escolha para
insuficiência cardíaca.
● Usada em casos de falha com outros inotrópicos para manutenção da pressão
arterial.
● Dose: 0,01 a 0,5 μg/kg/min.

Vasodilatadores:

● Reduzem a pré e pós-carga do coração, exigindo menor consumo metabólico


miocárdico que os inotrópicos.
● Proporcionam uma condição fisiopatológica mais favorável.

Nitroglicerina:

● Dose: 10 a 100 μg/min.


● Efeito: Diminui a pressão de enchimento ventricular, aliviando a congestão
pulmonar.
● Limitação: Tolerância desenvolvida com administração prolongada.

Nitroprussiato de Sódio:

● Efeito: Vasodilatador potente, reduz drasticamente a resistência vascular sistêmica


e pulmonar.
○ Venodilatador: Diminui a pressão de enchimento.
○ Arteriodilatador: Melhora a complacência arterial e o acoplamento
ventrículo-arterial.
● Dose inicial: 0,2 μg/kg/min (ou 10 μg/min, aumentando a cada 5 minutos até
resposta adequada).
● Contraindicação: Isquemia coronariana aguda (risco de roubo coronariano e piora
da isquemia).

Neseritide:

● Peptídeo natriurético tipo-B recombinante.


● Efeito: Vasodilatação significativa, útil para dispneia e congestão pulmonar em
ausência de hipotensão.
● Limitação: Doses elevadas associadas à insuficiência renal.
● Dose: Bolo inicial de 2 μg/kg, seguido por infusão contínua de 0,01 μg/kg/min.

DOENÇA DE CHAGAS

Introdução

A Doença de Chagas (DC) é causada pelo Trypanosoma cruzi, um protozoário que provoca
miocardite aguda e, mais frequentemente, uma miocardite crônica fibrosante. Isso leva à
cardiomiopatia crônica da doença de Chagas (CCC), sua manifestação mais relevante.

Epidemiologia

A DC é endêmica na América Latina, com cerca de 6 milhões de infectados em 21 países,


sendo causa significativa de insuficiência cardíaca (IC) e mortalidade. A globalização
trouxe casos para os EUA, Canadá, Europa e outros países, totalizando 300 mil casos nos
EUA, dos quais 30-45 mil apresentam sintomas.

A transmissão pelo vetor (Triatoma infestans) está controlada no Brasil desde 2006, mas
surtos relacionados ao consumo oral, como açaí contaminado, continuam a ocorrer.

História Natural

A DC possui fases:

● Aguda: Geralmente assintomática ou com sintomas leves. Pode causar miocardite


ou meningoencefalite em casos graves.
● Crônica: Inclui a forma indeterminada (latente) e a forma determinada (cardíaca,
digestiva ou mista). Reativação pode ocorrer em imunossuprimidos.

Cerca de 30% dos pacientes da forma indeterminada desenvolvem CCC após 10-30 anos.
A evolução pode levar à cardiomiopatia dilatada, com disfunção ventricular e IC.

Etiopatogenia
Na fase aguda, o dano é causado pela infestação do miocárdio. Na fase crônica, ocorre
destruição progressiva de fibras miocárdicas por miocardite de baixa intensidade,
culminando em fibrose e dilatação ventricular.

Fatores como anormalidades microcirculatórias e desnervação cardíaca contribuem para


o dano miocárdico.

Manifestações Clínicas

Fase aguda

● Sinais e sintomas: Febre, mialgia, hepatoesplenomegalia; miocardite em casos


graves.
● Diagnóstico: Visualização do parasita no sangue ou por xenodiagnóstico.
● Prognóstico: Geralmente benigno, com mortalidade <5%. Casos por via oral tendem
a ser mais graves.
● Tratamento: Benzonidazol, com taxa de cura parasitológica de 60-85%.

Fase crônica

● Forma indeterminada: Assintomática, com exames anuais recomendados.


● Forma cardíaca:
○ IC: Inicialmente fadiga; em estágios avançados, congestão sistêmica e
biventricular.
○ Tromboembolismo: AVC pode ser a primeira manifestação. Anticoagulação
indicada em casos de alto risco.
○ Arritmias: Bradicardia, bloqueios AV, taquicardia ventricular, associadas a
fibrose miocárdica.
○ Angina: Alterações microcirculatórias simulam doença coronariana.
● Diagnóstico diferencial: Cinecoronariografia é importante para descartar doença
aterosclerótica.

Você também pode gostar