Ebook-Interseccionalidades e Producao de Subjetividades
Ebook-Interseccionalidades e Producao de Subjetividades
Ebook-Interseccionalidades e Producao de Subjetividades
Esta obra foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas/
FAPEAM – Edital n.º 005/2022 referente ao PROGRAMA HUMANITAS – CT&I FAPEAM
Conselho Editorial
Presidente:
Henrique dos Santos Pereira
Membros:
Antônio Carlos Witkoski
Domingos Sávio Nunes de Lima
Edleno Silva de Moura
Elizabeth Ferreira Cartaxo
Spartaco Astolfi Filho
Valéria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel
Interseccionalidades e produção de
subjetividades: diálogos sobre racismo,
sexismo e direitos humanos
Amazonas
2024
Copyright © 2024 Universidade Federal do Amazonas
Reitor
Sylvio Mário Puga Ferreira
Editora
Parimpar editora independente
Revisão Português
Os Autores
Revisão Técnica
As Organizadoras
6,49 MB ePUB.
CDD: 302.13
CDU: 316.3
Editora PARIMPAR
Rua Alcântara, nº 340 Belo Horizonte, Minas Gerais.
Contato: (31) 9.9979-87.21 / E-mail: [email protected]
Site: parimpar.com.br
SUMÁRIO
Afetuosamente, a Organização.
INTERSECCIONALIDADE E
PESQUISA NA AMAZÔNIA:
DIÁLOGOS ENTRE A
PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO1
Isabel Cristina Fernandes Ferreira
Adria de Lima Sousa
Iolete Ribeiro da Silva
Regina Lúcia Sucupira Pedroza
Introdução
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INTERSECCIONALIDADE E PESQUISA NA AMAZÔNIA: DIÁLOGOS ENTRE A
PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO
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trajetórias de escolarização de jovens estudantes Amazônidas” -
PROCAD/Amazônia-CAPES - (Silva et al., 2018), constituiu-se
como um modo de busca de formas de enfrentamento, valorização
de superações e de resistência.
Para tal, considera-se a interseccionalidade como uma
abordagem teórica que enfatiza a interdependência de diferentes
categorias de identidade, tais como raça, etnia, classe, gênero,
território e orientação sexual. Essa perspectiva reconhece que as
formas de opressão e discriminação não atuam isoladamente, mas se
entrelaçam, resultando em experiências complexas e únicas para
pessoas que ocupam diversas posições sociais. Assim, não é possível
compreender totalmente a opressão e as desigualdades ao examinar
apenas uma dimensão da identidade, como gênero ou raça
isoladamente. A interseccionalidade busca, em vez disso, analisar
como essas categorias se intersectam, influenciando as experiências
e oportunidades de uma pessoa de maneira interconectada. No
ambiente acadêmico, isso não é diferente. Alguns estudos já
evidenciam a importância de atentar para a interseccionalidade na
universidade e suas implicações na saúde mental, no desempenho e
nas condições de possibilidade de êxito acadêmico (Oliveira, 2020;
Vieira; Torrente, 2022).
Nas pesquisas, a abordagem interseccional tem sido
aplicada especialmente em contextos de justiça social, feminismo e
estudos críticos, visando abordar as complexidades das experiências
individuais e garantir que as lutas por igualdade sejam inclusivas e
abrangentes. No Brasil, um país caracterizado por seu território
continental, repleto de diferenças e desigualdades sociais, os estudos
são desafiados a conceber um olhar interseccional sem negligenciar
as territorialidades de pessoas que vivem em regiões como as
marcadas pelas singularidades Amazônidas. Destarte, os tópicos a
seguir versarão sobre especificidades do Ensino Superior
Amazônida, os atravessamentos interseccionais presentes/
observados a partir das reflexões sobre pesquisas realizadas,
indicando possibilidades e caminhos para novas pesquisas que
valorizem a interseccionalidade.
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INTERSECCIONALIDADE E PESQUISA NA AMAZÔNIA: DIÁLOGOS ENTRE A
PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO
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Brasil, apenas os estados de Tocantins, Amapá e Roraima possuem
taxa de escolarização líquida acima da média do Brasil (18,1%).
A análise desses dados de desigualdade educacional aliados
à desigualdade socioeconômica da região e as suas especificidades,
expõe as condições de vulnerabilidade (Brasil, 2004) de jovens
estudantes Amazônidas, na medida em que as características
geográficas, condições econômicas, origem social, cultura, raça,
etnia, gênero e orientação sexual ainda são fatores relevantes na
construção de desigualdades nas trajetórias de escolarização. Além
disso, aponta necessidades oriundas da implementação de políticas,
programas e projetos de ações afirmativas; de efetivação de
processos de gestão institucional, de ensino e de aprendizagem e
investigativos-participativos-formativos que busquem
cooperativamente, além do acesso, a permanência e a conclusão dos
estudos com qualidade formal, ética e política (Resende; Ferreira;
Silva; Pedroza, 2022).
Além desses aspectos, o ingresso no ensino superior
apresenta diversas exigências como a necessidade de mudanças no
estilo de vida; construção de novos hábitos e rotinas;
desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e atitudes
necessárias às competências profissionais a partir de novas
aprendizagens; além daqueles referentes aos aspectos financeiros e
de relacionamentos interpessoais (Soares; Monteiro; Maia; Santos,
2019; Matta; Lebrão; Heleno, 2017).
Diante da necessidade da realização de pesquisas
comprometidas com as especificidades do Ensino Superior da
região Amazônida, o Laboratório de Educação e Desenvolvimento
Humano (LADHU) tem liderado projetos de pesquisa que buscam,
ao longo dos últimos anos, debruçar-se sobre as trajetórias
acadêmicas de estudantes Amazônidas. Para tal, parte do
pressuposto que é preciso compreender as demandas antes de
indicar ações; assume que, para apresentar proposições que
subsidiem políticas públicas, baseadas em evidências do que é
considerado funcional ou não para superação de problemas vividos
nas trajetórias, concernentes a acesso e permanência, é mister
construir percursos investigativos para ouvir as vozes, conhecer e
compreender os sentidos pessoais e os significados culturais desses
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PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO
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narrativa aberta, entrevista semiestruturada, entrevista mediada por
objetos ou imagens e entrevistas móveis.
Acredita-se que os resultados científicos dessa pesquisa
fornecerão informações que poderão ser aplicadas em setores de
organização das universidades relacionados ao acolhimento e
acompanhamento estudantil, durante sua permanência nas
universidades, contribuindo para o desenvolvimento regional
amazônico. O desenvolvimento do projeto de pesquisa em parceria
possibilitará a colaboração científica entre os campi da UFAM de
Manaus, Parintins, Humaitá e Benjamim Constant e Campi da
Universidade Estadual do Amazonas (UEA) em Tabatinga, todos no
estado do Amazonas, contribuindo para o aperfeiçoamento na
produção de conhecimentos e o fomento à formação de futuros
grupos de colaboração científica em parcerias entre os três campi,
possibilitando o incremento na avaliação nacional das pós-
graduações envolvidas. No âmbito das instituições, espera-se que os
resultados desses estudos possam ser utilizados na organização de
protocolos de acolhimento, atendimento e acompanhamento de
estudantes com diferentes bases culturais durante sua estadia na
universidade e, por exemplo, fomentar o protagonismo estudantil.
Realizado a partir da parceria estabelecida entre
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade Federal
de Rondônia (UNIR) e Universidade de Brasília (UnB), o primeiro
Projeto, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da UFAM, em
2019, sob o número CAAE 15366619.1.1001.5020 (CEP/UFAM),
intitula-se “Os significados das trajetórias de escolarização de jovens
estudantes Amazônidas” (PROCAD/Amazônia-CAPES) e tem
como objetivo geral analisar como os(as) estudantes Amazônidas
significam a sua trajetória de escolarização e vivências no ensino
superior, sua participação e protagonismo e o quanto a universidade
responde às suas demandas, em narrativas e argumentações, a partir
de sua inscrição socioinstitucional.
Suas atividades investigativas buscam propiciar a ampliação
da produção científica nos estados do Amazonas e Rondônia,
integrantes da Amazônia Ocidental, correlacionada aos desafios da
Amazônia, a partir da compreensão de seus processos humanos, de
modo a consolidar uma política de ciência e educação, assim como
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PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO
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estruturado em curso de desenvolvimento e de autocriação” (Kosik,
2002, p. 43) é um desafio premente no percurso investigativo, posto
que se assume o compromisso ético-político com o
desenvolvimento humano. Ao nos debruçarmos sobre o acervo das
pesquisas já citadas, observamos que a abordagem da
interseccionalidade amplia nossas possibilidades de compreensão
da complexidade das especificidades e das desigualdades, bem como
da sobreposição de opressões e discriminações ainda existentes em
nossa sociedade, as quais impactam as vivências de estudantes em
suas trajetórias, a conquista de direitos, a formação com qualidade
formal, ética e política, as possibilidades profissionais como
egressos(as) e as de contribuir para a valorização dos saberes e
fazeres Amazônidas.
Embora o conceito de interseccionalidade tenha se
debruçado inicialmente em relação ao impacto dos sistemas de
opressão sobre as mulheres negras, assumimos sua relevância como
uma ferramenta analítica relevante para as pesquisas que se
propõem a contribuir para a formulação, implementação e
acompanhamento de políticas públicas, atravessadas por
marcadores sociais como raça, etnia, classe, gênero, território e
orientação sexual, os quais se relacionam e se sobrepõem
estruturando mecanismos discriminatórios e excludentes, como os
relacionados ao acesso e à permanência no ensino superior. A
interseccionalidade, na pesquisa, substancia, como uma ferramenta
de luta política, a afirmação dos Direitos Humanos e a justiça social.
Ambos os projetos aqui apresentados, empenham-se em
realizar pesquisas sustentadas no compromisso ético-político com a
dignidade e a emancipação humana e a conquista dos direitos
humanos no ensino superior. Aliados à abordagem sócio-histórico,
tais pesquisas representam um importante salto no modo de se
produzir ciência no contexto do ensino superior Amazônida.
Nessa acepção, efetivar pesquisas a partir de um viés que
considere as intersecções entre raça, etnia, classe, gênero, território e
orientação sexual é fundamental. Os estudos até então realizados
convergem ao buscar promover avanços relevantes que permitam a
compreensão da complexidade da trajetória de estudantes que
vivem no contexto Amazônida. Isso implica em ir além das visões
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PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO
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atravessamentos entre raça, classe, gênero, territórios, orientação
sexual e demais demarcadores de desigualdade econômica e social
que permeiam as estruturas da sociedade contemporânea. Diante da
necessidade de um olhar interseccional para realização de pesquisas
coerentes com os modelos investigativos preconizados pelo
Materialismo Histórico-Dialético, pela Teoria Histórico-Cultural, e
por outras abordagens desnaturalizantes da realidade humana,
pode-se afirmar que se faz necessário conceber epistemologias e
metodologias outras, condizentes com que tem sido debatido por
pesquisadores(as) que pautam as repercussões nocivas do racismo,
sexismo e classismo (Akotirene, 2019).
A Psicologia pode contribuir para a compreensão das
múltiplas diferenças e desigualdades que perpassam a vida social ao
levar em consideração os marcadores sociais/interseccionais em
seus processos formativos. Isso implica em problematizar os
agenciamentos e suas potências na produção de subjetividades,
compreendendo que essas são produzidas no campo coletivo e não
individual, constantemente atravessadas por dispositivos de poder
que delimitam, por vezes, a ampliação da vida e da percepção das
realidades. Compreender as dinâmicas das relações de poder que
(re)produzem desigualdades múltiplas, constroem visões parciais e
dicotômicas no tratamento das diferenças ainda se constitui um
desafio para a Psicologia enquanto ciência (Perpétuo, 2017).
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INTERSECCIONALIDADE E PESQUISA NA AMAZÔNIA: DIÁLOGOS ENTRE A
PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO
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superarmos a naturalização da desigualdade, da alienação e da
desumanização na sociedade. A pesquisa, por meio da tomada de
consciência (subjetivação), pode comprometer-se com a luta
política pelos direitos humanos, os processos de desenvolvimento
humano, a mediação teórica e a explicitação das contradições
geradas pelas condições objetivas históricas que determinam a
produção e a apropriação do conhecimento na sociedade capitalista
na contemporaneidade.
Nas narrativas das trajetórias das estudantes, observamos
que as leis sócio-históricas condicionam a existência de cada uma
como ser social e, numa sociedade capitalista e, portanto, desigual,
produzem diferenças que potencializam, dificultam ou limitam seu
desenvolvimento como um processo essencialmente educativo
(Pino, 2005; Duarte, 2013). Tais situações se expressam nas
condições sociais e econômicas, nas relações de poder e gênero, nas
ideologias e preconceitos, na (des)valorização das culturas, nos
currículos dos cursos, no não acesso e não permanência na
universidade, nas propostas de gestão acadêmico-administrativo-
financeira do ensino superior, assim como no modo como as
políticas públicas educacionais são implementadas e avaliadas.
Nessa perspectiva, a formação para o desenvolvimento
humano genérico, como síntese das atividades humanas mais
elevadas (Duarte, 2013), em que o ensino superior é uma das
instâncias constituintes, depende das condições objetivas de vida
(do meio, das características de cada um dos sujeitos, das interações
que estabelecem consigo, com os outros e com o meio) (Duarte,
2007). Desse modo, todas as características do meio (cultural,
geográfico, político, ético, social e institucional) e as de cada sujeito
(raça, etnia, classe, gênero, território e orientação sexual) sua
situação social de desenvolvimento, necessidades, motivações,
personalidade, os sentidos e significados construídos - a sua
subjetividade) são importantes.
Tais pressupostos apontam a relevância de se considerar nas
pesquisas os sentidos pessoais e os significados culturais
construídos pelas estudantes em suas vivências como uma “[...]
união indivisível das particularidades da personalidade e das
particularidades da situação representada na vivência” (Vygotsky,
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INTERSECCIONALIDADE E PESQUISA NA AMAZÔNIA: DIÁLOGOS ENTRE A
PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO
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consciência, colocando-nos como parte integrante de todo o
processo da pesquisa, concretizando a unidade sujeito-objeto. Isso
se dá porque o nosso psiquismo é uma imagem subjetiva da
realidade objetiva (Martins, 2015), uma conversão em forma de
subjetividade individual do que é vivenciado, construído na nossa
interação com o meio, em movimentos intra e inter psíquicos que
envolvem a unidade apropriação-objetivação. Assim, a participação
na pesquisa e a apropriação dos seus resultados pode gerar “[...] na
atividade e na consciência dos seres humanos, novas necessidades,
forças, faculdades e capacidades”, bem como “[...] a necessidade de
novas apropriações e novas objetivações” (Duarte, 2013, p. 32).
Isso acarreta outro cuidado, a ciência, como um produto
histórico, não está isenta de tendências subjetivas ou
condicionamentos dos quais precisamos tomar consciência e
explicitar de onde partimos, a partir do que, para que, por que, com
quem, a favor do que e de quem estão sustentadas todas as nossas
escolhas, explicitando no percurso analítico o que é propriedade do
objeto ou fenômeno e o que é o conhecimento operado pelo(a)
pesquisador(a).
Considerações finais
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PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO
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concepção científica está relacionada a uma compreensão da
realidade em que a correlação entre os aspectos que a constituem
solicita uma conclusão e a apreensão histórica do processo de
construção do conhecimento, assumimos que toda pesquisa é
também um produto histórico como o são os sujeitos envolvidos,
pesquisadores(as) e participantes.
O compromisso ético-político de percursos investigativos-
participativos-formativos com as necessidades emancipatórias e
humanizadoras, fundamentadas nos níveis mais elevados da
produção histórica da humanidade, sustenta-se na descoberta das
múltiplas determinações ontológicas do real e na identificação de
fatores constituintes das relações de poder, que funcionam como
articuladores entre tais sistemas no âmbito do objeto investigado,
para constituir uma atividade teórica orientadora da intervenção
prática transformadora e concretização da inclusão de estudantes
Amazônidas em ambientes educacionais universitários nos quais se
possa reconhecer, valorizar e promover a presença, a participação e
a aprendizagem de cada um e de todos(as).
O conhecimento produzido, a partir de uma abordagem
interseccional, possibilita a superação da invisibilidade vivenciada
por estudantes e de suas vulnerabilidades pela compreensão das
desigualdades e injustiças produzidas pela organização social
capitalista excludente e desigual e de como as múltiplas diferenças e
desigualdades se articulam e produzem desvantagens para
determinados grupos sociais, incluindo-as.
Esperamos que este texto possa contribuir com a
problematização de questões que podem ser aprofundadas em
futuras pesquisas. O desafio de continuar o processo de construção
de uma educação superior cuja principal referência seja a pessoa e o
seu desenvolvimento permanece atual e convoca pesquisadoras/es a
construírem novas perguntas e percursos de construção de
conhecimentos.
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INTERSECCIONALIDADE E PESQUISA NA AMAZÔNIA: DIÁLOGOS ENTRE A
PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO
Referências
35
CUNHA, Sínthia Constancia Mar da. Entre Sífiso e Fênix:
Trajetórias impossíveis a partir do não diálogo entre assistência e
educação superior. 2021. Dissertação (Mestrado não publicado] -
Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Amazonas, 2021.
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INTERSECCIONALIDADE E PESQUISA NA AMAZÔNIA: DIÁLOGOS ENTRE A
PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO
LUKÁCS, Georg. Por uma ontologia do ser social II. São Paulo.
Boitempo, 2013.
37
LUZ, Itacir Marques. Compassos Letrados: artífices negros entre
instrução e ofício no Recife (1840-1860). Recife: Ed. Universitária
da UFPE, 2013. Disponível em: https://editora.ufpe.br/books/
catalog/view/469/458/1378. Acesso em: 13 de abril de 2023.
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INTERSECCIONALIDADE E PESQUISA NA AMAZÔNIA: DIÁLOGOS ENTRE A
PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO
39
SILVA, Iolete Ribeiro. Itinerários e condições de desenvolvimento
de jovens estudantes do ensino superior: desafios para a
permanência. Projeto de pesquisa financiado pelo Programa
Humanitas, Edital nº 005/2022. CT&I/FAPEAM, Manaus,
Amazonas, 2022.
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INTERSECCIONALIDADE E PESQUISA NA AMAZÔNIA: DIÁLOGOS ENTRE A
PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO
Mini currículos
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INTERSECCIONALIDADES -
CONQUISTANDO DIREITOS
AINDA VOLÁTEIS
Silviane Barbato
Kristine R. Medeiros Alves
Victoria Goulart da Silva
Ana Beatriz Goyanna
Introdução
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INTERSECCIONALIDADES - CONQUISTANDO DIREITOS AINDA VOLÁTEIS
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conjuntura enfrentada, se mostra apenas como um reflexo da
sociedade. A liderança se distancia da competência e se funde com o
poder no intuito de gerar submissão e obediência, possibilitando
preferencialmente posicionamentos que refletem o modelo
econômico vigente: a agressão e o desligamento de valores pessoais
e comunitários. Homens lideram no intuito de se tornarem porta-
vozes e aplicadores do capitalismo, e mulheres são associadas com o
mundo privado na intenção de garantir a mão de obra doméstica
que possibilita a dedicação dos homens ao mundo corporativo
(Rubin, 1975) e a outros tipos de lideranças como as religiosas e
políticas.
Direitos voláteis
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INTERSECCIONALIDADES - CONQUISTANDO DIREITOS AINDA VOLÁTEIS
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violados, castrados, arrastados, chicoteados e mortos, incluindo
pelas polícias morais que ainda existem em vários países.
Ter acesso e poder exercer os direitos ainda exige resistência
persistente. Poder exercer a cidadania varia de um a outro momento
histórico. As políticas, crenças e valores de uma época podem
potencializam ou não a permanência de meninas e mulheres na
educação nos diferentes países, incluindo nos ocidentais (Goldin;
Katz; Kuziemko, 2006) e ocidentalizados. Por exemplo, quando
enfocam o incentivo ou não à igualdade de condições de estudo com
aprimoramento e geração de novos mecanismos, políticas públicas,
que garantam às mulheres acessar e, sobretudo, permanecer
estudando, inclusive quando exercem a maternidade.
Em diferentes países, como o Brasil, em que questões de
gênero, etnia e condições sociais são estruturais, a dimensão
política, regida por crenças e valores que sublinham interações que
invisibilizam e inviabilizam a mulher trabalhadora (França; Barbato,
2020), impede percepções da valoração do trabalho e expertise das
mulheres em suas trajetórias, provocando diferenciações que as
distanciam da igualdade de oportunidades, de trajetórias que
garantam a igualdade de remuneração, pois na medida em que se
desenvolvem, assumem cada vez mais responsabilidades de cuidado
com o outro, tornando-se multifacetárias, como malabaristas para
darem conta das duplas e triplas jornadas (Gonzalez; Barbato, 2023).
A violência se camufla no cotidiano, em questões que
parecem não ser importantes. No entanto, são estruturais,
econômicas, e podem incluir as distâncias a serem percorridas. As
distâncias, em um país com a extensão do Brasil, dificultam o acesso
e a escolha dos cursos que uma etnia ou grupo pode fazer, visto as
dificuldades de estudantes migrarem e viverem em cidades maiores
para poderem se formar em certas profissões, e que envolvem a
interiorização das universidades públicas de cursos mais caros como
os de saúde, incluindo a medicina; as engenharias; e, tecnológicos.
Somam-se aos problemas de permanência, a falta de informação
sobre o direito assegurado de continuarem a escolarização,
escolherem cursar o ensino superior, acesso a bolsas de
permanência e outras políticas públicas, informação e incentivos
para que exerçam liderança e escolham a profissão que quiserem, no
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INTERSECCIONALIDADES - CONQUISTANDO DIREITOS AINDA VOLÁTEIS
Maternidades na graduação
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estudantes no curso superior. No Brasil, a Lei 6.202, de abril de 1975
garante às estudantes a possibilidade de, a partir do oitavo mês, o
direito a quatro meses de licença-maternidade (Brasil, 1975).
Porém, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases - Lei 9394/96) não
menciona em nenhum dos artigos regime especial para as
estudantes lactantes, puérperas ou mesmo grávidas (Brasil, 1996).
Ficando a critério das instituições de ensino garantir o acesso e a
permanência à educação durante o período de gravidez e pós-parto.
Exemplo a Resolução 023/2017 (UFAM, 2017) da Universidade
Federal do Amazonas (UFAM), que dispõe sobre o regime didático
dos cursos de graduação, em seus artigos 15 ao 20, descreve as
condições para solicitação e encaminhamentos da coordenação do
curso no que se refere ao regime de exercícios domiciliares.
Em sua dissertação de mestrado Alves (2023), a partir de
entrevistas narrativas de estudantes universitárias da UFAM que
enfrentam a dupla jornada de trabalho, identificou que, para
finalizarem seus cursos, as estudantes necessitam conciliar suas
funções de cuidado dentro da família com as demais jornadas fora
de casa como trabalho remunerado e estudos. Não somente as
estudantes mães pa ssam pela conciliação como também estudantes
sem filhos, pois mesmo sem responsabilidades maternais as
mulheres e meninas têm responsabilidades de cuidados com outros
membros da família, pessoas idosas ou doentes - basta ser mulher
para ter responsabilidades de cuidados.
Ser responsável por cuidados restringe o tempo livre das
mulheres, dificultando muitas vezes a permanência no Ensino
Superior. Estudos de Barbosa e Montino (2020) mostraram como as
mulheres acadêmicas enfrentam jornadas duplas/triplas de
atividades, que resultam, muitas vezes, em cansaço físico e mental,
comprometendo o rendimento acadêmico. Dentre as principais
dificuldades enfrentadas pelas mães universitárias estão: (i) cansaço
físico e mental, (ii) dificuldades em encontrar alguém para deixar os
filhos, (iii) gravidez, (iv) questões financeiras, e (v) desafios para
manter o curso.
A sobrecarga nas responsabilidades domésticas pode
orientar o ato de renunciar, pela falta de tempo e pelo acúmulo de
papéis, pois as estudantes precisam priorizar cuidados com a família
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INTERSECCIONALIDADES - CONQUISTANDO DIREITOS AINDA VOLÁTEIS
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como mal-amadas, não como trabalhadoras em luta (Federici, 2019,
p. 42-43).
A partir desse conjunto de significados, impactados pelo
valor: cuidado, atribuído ao trabalho doméstico não remunerado, as
crenças reverberam e se estendem naturalmente ao trabalho fora de
casa. As mulheres, assim, podem ser menos remuneradas, pois já
acostumadas ao cuidado de todos no espaço doméstico, seu
trabalho no espaço organizacional também é atrelado a esse valor,
dentre outros como passividade, com o sentido de falta de
iniciativas agressivas, competitivas. E podem, inclusive, não ser
remuneradas, por exemplo, em ciência, onde por anos trabalhavam
fora dos espaços comuns dos laboratórios sem remuneração ou
menos remuneradas, sem reconhecimento do valor de seu trabalho.
Atualmente, a não remuneração em ciência dá-se pelo trabalho
como bolsista voluntária ou estudantes de pós-graduação e pós-
doutoranda(o)s sem bolsa, sem qualquer remuneração.
Mesmo que as mulheres adentrem a esfera pública através
do trabalho remunerado e os estudos, ainda prevalece a ideia de que
são responsáveis pelos cuidados com a família, ser mãe cuidar dos
filhos (Zanello, 2018) e dos pais idosos. A maternidade na divisão
sociossexual do trabalho assume o papel principal na vida das
mulheres. Uma vez mãe, a maior prioridade serão os cuidados com
os filhos, restringindo a participação em outras esferas da vida
(Biroli, 2018). A maternidade, dessa forma, pode ser compreendida
como fator de vulnerabilidade por conta da dedicação desigual de
tempo nos cuidados com os filhos, reduzindo a autonomia relativa,
individual e coletiva das mulheres, contribuindo para o incremento
da desigualdade de possibilidade de mobilidade empregatícia e
salarial (Goldin; Kerr; Olivetti; Barth, 2017).
As trajetórias educacionais, também, oferecem exemplos
concretos dos diversos obstáculos enfrentados pelas mulheres. Em
narrativas analisadas pelas autoras e colegas colaboradoras, as mães
estudantes tecem como suas vidas e sonhos mudam durante a
graduação. Na narrativa de Juliana (Alves, 2023), por exemplo,
identificam-se três reviravoltas marcantes: a gravidez, o
trancamento do curso e a pandemia de COVID-19, entre a entrada
no curso de graduação em Psicologia e a futura conclusão.
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INTERSECCIONALIDADES - CONQUISTANDO DIREITOS AINDA VOLÁTEIS
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classificou sua vivência como complicada, em tensão com os colegas
que não são mães ou pais e com a instituição, num jogo entre sentir-
se incluída-excluída, pois a posicionavam como diferente, quando
estava com criança na universidade. Ao analisar sua própria
narrativa dessas situações no cotidiano da universidade, incluindo
suas interações com os coordenadores de graduação, desencadeou
críticas em relação ao processo de acolhimento e inclusão de
estudantes mães.
Apesar de seguir as políticas existentes, e da situação que
descreve como privilegiada, por contar com o apoio cotidiano da
família e do cônjuge, há momentos imprevistos que implicam em ela
ter que levar a criança à universidade. Clara critica, sobretudo, a
burocratização da universidade. Com a fragilização de sua saúde
durante a gravidez e na hora de obter a licença maternidade, teve
dificuldades de solicitar os apoios à continuidade da educação a que
tinha direito. É importante desburocratizar as solicitações
necessárias à continuidade das trajetórias das estudantes.
Há, assim, a necessidade de criação de políticas que apoiem
e ofereçam suporte às mães em seu cotidiano e no enfrentamento de
imprevistos momentâneos, para motivar a permanência das
estudantes, também, frequentando fisicamente o campus, se assim o
quiserem. A criação de creches, pré-escolas e/ou centros de
educação infantil apoia e muito, no entanto, a demanda continuará a
ser maior do que as vagas existentes. Como gerar alternativas que
sejam iniciativas apoiadas pela instituição?
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INTERSECCIONALIDADES - CONQUISTANDO DIREITOS AINDA VOLÁTEIS
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Uma das autoras deste texto participou do Projeto Jovens
Líderes pela Paz (ver liderespelapaz.com), uma iniciativa criada com
o objetivo de diminuir os níveis de violência em escolas públicas,
tendo surgido em um momento de crise enfrentado pela educação
no país, com frequentes ameaças de massacres e violência. Nesse
projeto, estudantes são eleitos "Líderes Pela Paz" e têm a
responsabilidade de incentivar atividades no colégio que promovam
interações saudáveis, de união, em atuações partilhadas entre pares.
A organização é responsável por medidas e atividades relacionadas à
Saúde Mental e Violência contra a mulher. Por exemplo, há
psicólogos voluntária(o)s que promovem palestras mensais sobre
tais assuntos no colégio, além de disponibilizarem algumas sessões
gratuitas para as(os) estudantes. Sendo formado por 3 ex-estudantes
de escola pública, o projeto conta com uma forte participação
feminina, que lidera e é responsável por tocar o projeto de perto,
diariamente. A organização, que simboliza a superação das meninas
e sua luta contra a violência, foi reconhecida recentemente com a
conquista do Prêmio LED - Luz na Educação - da Rede Globo, um
dos maiores prêmios de educação do Brasil.
Um outro exemplo a ser mencionado, como uma iniciativa
que provoca reflexão, é a da Associação das Mulheres Indígenas em
Mutirão (AMIM). O movimento indígena no Oiapoque foi por
muito tempo focado e coordenado por homens, tendo a presença
feminina limitada aos arredores e aos serviços domésticos. Porém,
na década de 80 a situação começou a mudar quando a missionária
do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), irmã Rebecca Spires,
iniciou um processo de incentivo da participação feminina,
reunindo grupos de mulheres para a formação de redes e criação de
vínculo e posteriormente, a realização de oficinas, cursos, palestras e
debates focados na experiência como mulher indígena com a
abertura de um espaço para a troca de ideias, opiniões e relatos (Dos
Santos; Machado, 2019).
Tais encontros foram ganhando popularidade e suas
participantes se empoderando sobre suas narrativas, formando
grupos de mulheres que iniciaram a Associação das Mulheres
Indígenas em Mutirão (AMIM) de forma institucionalizada e
regulamentada, dando início a primeira assembleia geral de
56
INTERSECCIONALIDADES - CONQUISTANDO DIREITOS AINDA VOLÁTEIS
57
suas ações se tornam uma exceção ao seu gênero, carregando o peso
de representá-lo. É exigido dureza ao mesmo passo que são
condenadas à beleza, paciência e gentileza, para que cuidem dos
funcionários como esperado, como uma mãe, mas sem de fato
deixar transparecer tais características, pois apenas qualidades
masculinas evocam respeito (Hoyt; Simon, 2011).
O mundo profissional despiu essas mulheres das
características das quais foram socializadas para exercer, porém
ainda são cobradas das mesmas - se esforçam para mostrar que
podem ocupar espaços de comando enquanto têm seus direitos
sociais, financeiros, reprodutivos e pessoais impossibilitados por
jornadas duplas ou até mesmo triplas de trabalho.
Vivendo em condições de socialização ambivalentes,
conquistar a igualdade e sair da invisibilidade requer a continuidade
da luta em diferentes espaços societais com mudanças discursivas
que concretizem crenças e valores modificados e modificáveis.
Mudar e atualizar os significados que valoram negativamente o
trabalho feminino realizado tanto nos espaços privados quanto nos
públicos, impedirá algumas possibilidades de trabalho não ou mal
remunerado. Dividir as responsabilidades na família, estabilizar os
ganhos e estabelecer reconhecimentos institucionais e de governo
orientam os próximos passos. Avançar nas propostas de políticas
públicas que garantam os direitos e o reconhecimento das mulheres,
exige participação cotidiana na política e nas diferentes iniciativas
da democracia, com mudança de valores relacionados às trajetórias
educacionais e profissionais das mulheres, abrindo mais
oportunidades de lideranças também nos diferentes cargos mais
valorizados nos governos e empresas.
Considerações finais
58
INTERSECCIONALIDADES - CONQUISTANDO DIREITOS AINDA VOLÁTEIS
Referências
59
dificuldades e superações para ingressar e permanecer na
Universidade Pública. Seminário Nacional e Seminário
Internacional Políticas Públicas, Gestão e Práxis Educacional, v.
7, n. 7, 2019.
60
INTERSECCIONALIDADES - CONQUISTANDO DIREITOS AINDA VOLÁTEIS
www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2018/i-encontro-de-
troca-de-saberes-das-mulheres-indigenas-do-baixo-oiapoque-e-
assembleia-anual-da-associacao-das-mulheres-indigenas-em-
mutirao-amim>. Acesso em 20 de abril de 2023.
61
the LEHD-2000 Census. American Economic Review, v. 107, n. 5,
p. 110-114, 2017.
62
INTERSECCIONALIDADES - CONQUISTANDO DIREITOS AINDA VOLÁTEIS
Mini currículos
Silviane Barbato
Professora Associada do Dept. de Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília.
É líder do Grupo de Pesquisa Pensamento e Cultura e estuda
narrativas e explicações nas interpretações de si em processos de
transição de graduandos (PROCAD Amazônia/FAPEAM/CAPES) e
no DF, e em eventos de impacto. E-mail: [email protected] Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8809856521908528
63
Ana Beatriz A. Santa Cruz Goyanna
Estudante do Colégio Militar D. Pedro II. É bolsista PIBIC Ensino
Médio (CNPq), estudando narrativas da pandemia. Tem interesse
em como eventos inesperados afetam o comportamento humano.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0235044997631360
A TRAJETÓRIA E
PERMANÊNCIA DE JOVENS
INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES
DE ENSINO SUPERIOR NO
AMAZONAS: A
TRANSFORMAÇÃO DO
ESTIGMA EM PROTAGONISMO
Rosemary Amanda Lima Alves
Raniele Alana Lima Alves
Socorro Gamenha
Vanderlécia Ortega dos Santos (Wanda Witoto)
Consuelena Lopes Leitão
Iolete Ribeiro da Silva
Introdução
66
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
67
debates dentro da comunidade universitária (Rodrigues; Santos;
Cruz, 2022).
Entende-se que, ainda que haja a democratização do acesso,
tal prática não é suficiente para assegurar uma educação com êxito,
demandando, portanto, o início de modificações no sistema
universitário, bem como a elaboração de políticas de permanência
que ofereçam fixação material e simbólica aos(às) acadêmicos(as)
no ambiente universitário e diminuam as hostilidades cotidianas.
O presente estudo se apresenta como uma pesquisa de
natureza qualitativa dividida em três estágios: Levantamento de
referências bibliográficas, através de autores(as) que tratam do tema,
produção de dados através de entrevistas narrativas de três
mulheres, estudantes indígenas moradoras da área urbana da cidade
de Manaus. Para as análises, interpretação e tratamento dos dados,
foi utilizada a Análise de Discurso (AD) (Rocha; Silva; Oliveira,
2022), em articulação a Psicologia Sócio-Histórica (Freitas, 2002).
A seguir serão descritos os procedimentos éticos da
pesquisa, mas antes importa ressaltar que no curso da pesquisa de
campo surgiram alguns impasses que mudaram as intenções iniciais
da proposta. O primeiro foi o de encontrar jovens indígenas na
Universidade Federal do Amazonas que estivessem disponíveis para
participar da pesquisa. O segundo, foi o recesso das universidades a
partir de março de 2020, em função da Pandemia de COVID-19.
Inicialmente, buscamos jovens que cursavam os períodos iniciais
dos cursos de graduação da Universidade Federal do Amazonas,
mas a logística e protocolos impostos pelo período de afastamento
social dificultaram o acesso a essas jovens. Assim, o perfil foi
ampliado para jovens indígenas de cursos graduação ou de pós-
graduação de universidades públicas e, através da técnica bola de
neve (Oliveira et al., 2021), foram recrutadas 8 participantes, sendo
que 3 aceitaram participar da pesquisa, uma delas vinculada à
graduação na Universidade do Estado do Amazonas e as outras duas
à pós-graduação da Universidade Federal do Amazonas.
A pesquisa atende as Resoluções nº 466/2012 (Brasil, 2012),
tendo sido aprovada pelo Comitê de Ética da UFAM com o
Certificado de Apresentação de Apreciação Ética – CAAE de
número 15366619.1.1001.5020. As participantes, durante as
68
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
69
As narrativas foram transcritas e analisadas através da
Análise de Discurso (AD) (Rocha; Silva; Oliveira, 2022), com a
busca da compreensão atenta ao sentido do discurso presente nas
narrativas das estudantes, o que deu origem às categorias empíricas
ou unidades de sentido, transformadas em títulos neste capítulo.
Portanto, para discussão, foram utilizados três enfoques: o primeiro
aborda Políticas afirmativas versus diversidade cultural; o segundo
trata da presença e da luta indígena na realidade das universidades;
e o terceiro discute a realidade social dessas estudantes a partir do
enfoque sócio-histórico, destacando as oportunidades e desafios.
70
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
71
mas que construa um diálogo entre formas de conhecimento
distintas (Aurora, 2018).
As reinvindicações por direitos à educação para os povos
indígenas foram mais expressivas a partir da década de 1980, mas
somente com a instituição da Constituição Federal de 1988 (Brasil,
1988) houve maior incentivo por parte da legislação, pois se passou
a garantir o reconhecimento de direitos básicos exigidos pela
população indígena, referente ao seu território e a sua cultura, além
da proposição de programas de inclusão da educação indígena
(Renault; Albuquerque, 2023). A partir desse fato, anos mais tarde,
surgiu a proposta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Lei de nº 9.394 do ano de 1996 (Brasil, 1996), a qual decreta o direito
a uma educação específica para essas populações, incluindo sua
linguagem bilíngue e as diversas culturas e tradições de cada grupo
(Ayres; Brando; Ayres, 2023).
Desde então, observou-se o aumento do número de escolas
indígenas, tendo como resultado a grande participação de
estudantes indígenas no ensino fundamental e médio, contribuindo
consequentemente para o surgimento da demanda pelo ensino
superior, bem como de discussões em torno da temática, para que
seja garantido também o acesso à universidade as estudantes
indígenas (Bergamaschi; Doebber; Brito, 2018).
Todas essas iniciativas, proporcionaram a implementação
das ações afirmativas para ensino superior, impulsionando a
consolidação da lei nº 12.711 de 29 de agosto de 2012 (Brasil, 2012),
conhecida popularmente como a “Lei de Cotas”, na qual dispõe em
seu artigo 3º, a obrigatoriedade de reserva de vagas para
autodeclarados indígenas, pretos e pardos nas universidades
públicas e instituições federais (Renault; Albuquerque, 2023).
Ao ingressar na universidade, os estudantes indígenas se
deparam com a metodologia de seleção e classificação social,
determinando quem continuará e quem ficará de fora da
universidade. Por essa razão, ofertar possibilidades de acesso e
permanência aos(às) estudantes indígenas tornou-se uma prática
indispensável para seu desenvolvimento. Além disso, se levarmos
em consideração que os(as) indígenas constituem um dos grupos a
quem foi por muito tempo negado o espaço universitário, a
72
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
73
proporcionasse a continuidade desses direitos, mas, infelizmente,
tem demostrado ser um espaço com poucas, ou nenhuma, ações
educativas inclusivas, de acordo com as narrativas a seguir:
74
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
75
além dos cursos específicos técnicos e de licenciatura indígena –
cursos mais gerais passam também a ser atrativos.
Para além das políticas públicas que abrem a possibilidade
de acesso ao ensino superior para estudantes indígenas, faz-se
necessário que a sua presença dentro do espaço universitário seja
evidenciada e que seus caminhos sejam mostrados também como
forma de construir o papel e a presença da universidade junto à
comunidade (Amaral, 2010; Renault; Albuquerque, 2023).
A presença indígena, no meio acadêmico, mostra-se como
uma forma de debater o papel da universidade pública, não apenas
em sua dimensão de formação acadêmico-profissional, mas também
com um papel na formação social e no compromisso com a
comunidade, além de proporcionar aos(às) acadêmicos(as) de
modo geral, o convívio com a diversidade (Ayres; Brando; Ayres,
2023).
O espaço universitário, portanto, apresenta-se como
construtor de conhecimento, mas ainda se diferencia das escolas
indígenas que já realizam diálogos interculturais evidenciando os
saberes locais. A universidade pública brasileira ainda se caracteriza
como um espaço de limite para as estudantes indígenas que
vivenciam incompreensões, reconexões e reinvenções identitárias
(Viana; Maheirie, 2017).
76
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
77
“transitável, transponível, como situação criativa na qual
conhecimentos são repensados, às vezes reforçados, às vezes
rechaçados, e na qual emergem e se constroem as diferenças étnicas”
(Tassinari, 2001, p. 68).
As narrativas das mulheres indígenas proporcionam a
ressignificação do campo, tanto para os(as) pesquisadores(as),
quanto para as participantes, o que indica que o imaginário social
pode ser ressignificado. Aqueles(as) que há séculos foram vistos no
processo de colonização como inferiorizados(as), entram no cenário
acadêmico com luta e resistência, buscando protagonizar e criticar
atitudes de preconceito, onde todos(as) têm a oportunidade de
refletir e aprender, dando novo sentido à pesquisa e à universidade.
Assim, para Bakhtin (1992) e Vygotsky (1987) o percurso da
pesquisa torna-se também um trabalho de educação e
desenvolvimento para ambas.
A experiência de cursar o ensino superior para estudantes
indígenas vai além das questões comuns enfrentadas pelos(as)
demais estudantes, pela necessidade de encarar e por vezes enfrentar
os estigmas relacionados à sua imagem, e a partir dessas
experiências, construírem o seu protagonismo. Protagonismo esse
que pode lhe servir como mecanismo de luta e é parte integrante da
construção social (Ames; Almeida, 2021).
78
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
79
cobrança de se comprovar ser indígena (Bó, 2018). Por essa
perspectiva, as estudantes indígenas não enfrentam somente as
barreiras que os(as) estudantes não indígenas enfrentam, mas
precisam passar por todo um processo de validação de suas
identidades. Todo esse processo gera desigualdade social que pode
fazer com elas se isolem do convívio social.
A desigualdade social traz um problema que se traduz na
tensão interna entre o social e o individual, entre a adaptação e
transformação, dessa maneira, a desigualdade desencadeia um tipo
de sofrimento, nomeado como ético-político que se constitui pela
condição social de opressão e se dá devido à desigualdade social
(Sawaia, 2011).
Dessa forma a adaptação à universidade por esse grupo
acaba se complexificando pelo fato de que, além da compreensão
intelectual de conteúdos e regimentos da universidade, as estudantes
poderão vivenciar o sentimento de solidão por não se reconhecerem
nesse novo ambiente. Nesse caso, seria de competência da
universidade elaborar políticas de ensino que pensem esse espaço
social a partir das individualidades, para que as estudantes
identifiquem essa dificuldade, mas se sintam inseridas e não
excluídas dos espaços, para que as barreiras de linguagem e de
cultura sejam mitigadas. A narrativa a seguir demonstra a
dificuldade da participante nesse campo:
80
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
81
da avó, bem como da importância de ser a primeira a ingressar na
universidade pública junto com o irmão, ao mesmo tempo em que
ressalta a importância do acesso para outros(as) indígenas.
82
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
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Eu entrei na universidade [...] pela política de
cotas, quando eu estava no ensino médio eu
não tinha nenhuma perspectiva de curso,
nenhuma perspectiva de cursar o ensino
superior, isso. porque a minha mãe, ela só tem
o ensino fundamental incompleto, então ela
dizia que a gente tinha que estudar (S.
Militância indígena, 2020).
84
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
Considerações Finais
85
políticas institucionais que possibilitem a esses(as) estudantes
permanecerem na universidade até a conclusão de seus cursos.
O fato de a universidade ser situada, via de regra, em
ambiente urbano, faz com que muitos(as) estudantes indígenas que
vivem em suas comunidades precisem se deslocar para lugares onde
não possuem algum tipo de suporte para garantir sua estadia e
manutenção das suas necessidades materiais, uma vez que a lógica
vigente nesses espaços é a do capitalismo. Como foi mencionado em
uma das entrevistas, “na cidade tudo precisa ser comprado” (S.
Militância Indígena, 2020).
Pensar em políticas afirmativas que favoreçam maior
diversidade cultural, criar possibilidades para viabilizar a presença e
a luta indígena na realidade das universidades e tentar compreender
a realidade social dessas estudantes, a partir do enfoque sócio-
histórico, permitiu-nos entender que, apesar de existirem políticas
públicas de acesso e permanência, ainda nos falta compreensão e
iniciativa para transformarmos as universidades públicas em um
espaço inclusivo, de respeito à diversidade e que, sobretudo,
considere as subjetividades das estudantes.
A partir desse contexto, observa-se que as Universidades,
tais como as sabemos hoje, necessitam movimentar-se em direção
ao respeito à diversidade de forma mais ampla, buscando garantir
um espaço social democrático e plural em que seja possível discutir
temáticas dos mais variados assuntos, para que as pessoas possam
relacionar-se melhor consigo mesmas e com os demais,
proporcionando o respeito com os distintos grupos e culturas que
fazem parte dessa comunidade. Os espaços de interação oferecidos
pelas instituições universitárias, assim como os sujeitos envolvidos
nas dinâmicas dos processos educacionais oferecidos, devem ser
capazes de atender a pluralidade de identidades sociais que
adentram as universidades para a realização do ensino superior.
Cabe também destacar que as trajetórias nas narrativas são
cheias de obstáculos e vitórias. Histórias ricas, repletas de ações e
iniciativas mobilizadoras, singulares a cada mulher, as quais nos
serviram para repensar as políticas públicas para essa população,
principalmente no que diz respeito à trajetória educacional.
86
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
Referências
87
em: <https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/23999?show=full>.
Acesso em: 15 de outubro de 2023.
88
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
89
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Resolução nº 466/2012.
Brasília: Conselho Nacional de Saúde, 12 de dezembro de 2012.
90
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
91
VYGOTSKY, Lev Semionovich. História del desarrollo de las
funciones psíquicas superiores. Habana: Editorial Científico
Técnica,1987.
Mini Currículo
92
A TRAJETÓRIA E PERMANÊNCIA DE JOVENS INDÍGENAS EM INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR NO AMAZONAS: A TRANSFORMAÇÃO DO ESTIGMA EM
PROTAGONISMO
93
OS ATRAVESSAMENTOS DO
RACISMO ESTRUTURAL NO
BRASIL: HERANÇAS DE UMA
SOCIEDADE COLONIAL
ESCRAVOCRATA
Melquides Felipe de Gois Maia Neto
Caní Jakson Alves da Silva
Introdução
A Escravidão no Brasil
96
OS ATRAVESSAMENTOS DO RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL: HERANÇAS DE
UMA SOCIEDADE COLONIAL ESCRAVOCRATA
97
exterior brasileiro, sendo a maior nação escravista do Novo Mundo
e a que mais dependia de escravos (Leite, 2017).
O tráfico negreiro era uma atividade admitida por lei e
envolvia diferentes nações. No comércio brasileiro os escravos eram
absorvidos pelo cultivo do açúcar, do fumo e do algodão, economia
mineradora e serviço doméstico (Araújo, 2021). Com o passar dos
anos, a abolição da escravatura passou a ser uma exigência
internacional, porém, esse interesse ia além do respeito pela
humanidade, calculava-se os econômicos, acreditavam que um
trabalhador livre custaria menos ao patrão que o escravo, pelo
menos como custo corrente e como investimento, pois, quando
desnecessário, o operário poderia ser dispensado sem qualquer
direito (Mattos, 2023).
As leis foram gradativamente proibindo o tráfico e a
escravidão no Império e nas suas colônias, mas foram ineficazes no
combate à escravidão (Filho, 2018). Em 1781, ocorreu a abolição da
escravatura em Portugal, mas em suas colônias ainda era permitida
essa prática. Em 25 de fevereiro de 1869 proclamou-se a abolição da
escravatura em todo o Império Português, porém, essa prática ainda
persistia no Brasil (Neves e Matos, 2023). Somente em 13 de maio de
1888 ocorreu a emancipação completa através da promulgação da
Lei nº 3.353, conhecida como Lei Áurea, assinada pela Princesa
Isabel (Brasil, 1888).
A Lei de Terras e as políticas de imigração em nada
favoreceram os negros livres daquela época e a Abolição da
Escravidão não foi seguida por nenhum tipo de reforma agrária,
inviabilizando que essas pessoas, agora “livres”, tivessem uma fonte
formal de sustento e trabalho (Filho, 2018). O Brasil, por meio dessa
lei, foi o último país do continente americano a extinguir a
escravidão. No entanto, os proprietários foram isentos de qualquer
indenização, sendo o povo negro recebendo um grau de liberdade
da escravidão, porém sem qualquer tipo de indenização ou amparo
do Estado (Neves; Matos, 2023). Esta libertação foi apenas uma
conquista legal, formal e de interesse puramente comercial, sem
preocupação social nem efeitos práticos (Teixeira, 2023).
Os escravos foram libertados sem condições de ascender na
sociedade, não possuíam emprego, qualificação, direito à moradia
98
OS ATRAVESSAMENTOS DO RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL: HERANÇAS DE
UMA SOCIEDADE COLONIAL ESCRAVOCRATA
99
A estrutura social brasileira não sofreu alterações
significativas e suficientes para eliminar as desigualdades sociais,
pois as transformações das formas de exploração persistem sob uma
nova roupagem, na qual os velhos conceitos são readequados à nova
realidade social influenciada pela economia de mercado neoliberal
(Ribeiro, 2019). O racismo, fruto desse processo escravocrata,
complexifica-se e se transforma ao longo da trajetória das relações
desiguais de produção e reprodução do capital, nas desigualdades
políticas econômicas e jurídicas (Almeida, 2019).
A sociedade brasileira se encontra hoje essencialmente
desigual, caracterizada pela concentração da renda. O Brasil ostenta
a 87ª posição no ranking mundial de qualidade de vida das Nações
Unidas (IDH/PNUD), no ano de 2021. Segundo o levantamento
divulgado pelo IBGE (2021), entre 10% com maior rendimento per
capita, brancos são 70,5%, enquanto pretos e pardos 27,7%; já entre
os 10% mais pobres, isso se inverte: 74,1% são pretos e pardos, e
25%, brancos, cargos gerenciais são mais ocupados por brancos,
com 69%. Os dados apresentados nos possibilitam vislumbrar os
efeitos do racismo estrutural – conceito melhor desenvolvido na
obra de Sílvio de Almeida – se apresentam na nossa sociedade
através da intersecção de classe (Almeida, 2019).
Para Carneiro (2011), a herança escravista continua
mediando nossas relações sociais, além disso, as relações de poder
geradas durante o período de dominação colonial permanecem até
hoje produzindo efeitos que se traduziram na formação de um
sistema de opressão e dominação racial. Como diz Almeida (2019),
o racismo está enraizado na sociedade e exposto com normalidade
na vida cotidiana, ele institui as ações conscientes e inconscientes,
como estruturante nas relações sociais e na formação do sujeito, ou
seja, a sociedade naturaliza a violência contra pessoas negras.
100
OS ATRAVESSAMENTOS DO RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL: HERANÇAS DE
UMA SOCIEDADE COLONIAL ESCRAVOCRATA
101
oprimido, quem deve morrer e quem deve viver, estabelecendo
hierarquias de violência, controle e justiça para que o poder e o
privilégio da população branca esteja sempre se legitimando e
alimentado.
Os resultados da Tabela 1 são condizentes com as ideias
debatidas por Almeida (2019) ao discorrer sobre racismo estrutural,
pois os dados expostos atestam que a relação de violência estrutural
imposta sobre corpos negros, resulta na exclusão, morte e
marginalização dos corpos e da cultura negra no país. Assim,
observa-se que a realidade da história da escravidão negra, mesmo
no período pós-abolição, ainda reflete na sociedade nos dias de hoje,
considerando que as lógicas de opressão e dominação ainda
mantém a população negra em um lugar de marginalização.
Pela Tabela 1 são identificadas cinco formas predominantes
de violentar letalmente pessoas negras, ocorrências que estão
constantemente acima da taxa de 50%, como formas
contemporâneas de violência que substituíram os troncos, as
correntes, o açoite, os grilhões e o capitão do mato. A escravatura,
abolida em termos legislativos em 1888, parece se limitar ao campo
simbólico, pois mesmo tendo sido um grande avanço, não efetivou
de fato a liberdade do povo negro da condição de escravo (Zamora,
2012).
Para Almeida (2019), o racismo torna uma raça subjugada a
outra, justificada por vezes pelas normativas estatais. Nesse sentido,
a Tabela 1 mostra um grande quantitativo da população negra
vítima de Homicídio doloso 30.232 (76,5%), Latrocínio 719 (58,5%),
Lesão corporal seguida de morte 440 (72,1%), Policiais Civis e
Militares Vítimas de CVLI 108 (36,7%), Morte por intervenção
policial 5.342 (83,1). Esses dados nos levam a constatar que a
população negra está exposta a maior grau de violência, nesse caso,
cometidas por forças do Estado que, assim como no decorrer da
história deste país, legitimam a morte sistemática do povo negro.
Estes dados tornam evidente que o racismo é uma herança
inevitável da ordem senhorial e escravocrata, enquanto uma é
tornada essência, a outra é feita apêndice, definida como perigosa,
um risco eminente, uma degeneração biológica, humana, social e
102
OS ATRAVESSAMENTOS DO RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL: HERANÇAS DE
UMA SOCIEDADE COLONIAL ESCRAVOCRATA
103
Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública / Fórum Brasileiro
de Segurança Pública. – 1 (2006) – São Paulo: FBSP, 2023.
104
OS ATRAVESSAMENTOS DO RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL: HERANÇAS DE
UMA SOCIEDADE COLONIAL ESCRAVOCRATA
105
Em relação à violência sexual, a Tabela 2 apresenta o
quantitativo de estrupo e estupro de vulnerável. No total da primeira
variável, das 74.930 pessoas que sofreram dessa violência, 88% das
vítimas eram mulheres e 56% do total eram de pessoas. Na segunda
variável, correspondente à faixa etária, notamos que 40.659 (54%)
eram de crianças e adolescentes de 0 a 13 anos de idade, sendo
22.850 (56,2%) negras. Esses dados demonstram que as pessoas
negras são as principais vítimas de violência sexual no Brasil, em sua
maioria mulheres e crianças. As crianças e adolescente vêm sendo as
maiores vítimas de estupros de vulnerável. Chama a atenção a
proporção de crianças negras vítimas dessa violência. Isso sugere
que elas estão no centro do alvo dos agressores, como um padrão de
vítimas que podem atacar e não chamar tanta atenção da justiça e da
mídia.
A realidade exposta na Tabela 2 vem, de acordo com Davis
(2016), destacando que as mulheres negras brasileiras receberam a
herança cruel de serem o objeto de prazer dos colonizadores. Nos
dias de hoje, a mulher negra, por meio das condições de pobreza,
ausência de status social, e ainda total desamparo, continua a vítima
“fácil”, vulnerável a qualquer agressão sexual.
Tal realidade social é oposta à prevalecente ideia de que a
formação do Brasil se formou obedecendo a um processo imune de
qualquer preconceito e violência, a convicção de que as relações de
raça no Brasil, apresentam-se como características positivas, na
busca de justificar a violência sexual sofrida por mulheres negras,
corroborando para a institucionalização de um crime que remete ao
contexto histórico da escravatura (Nascimento, 2016).
De acordo com Davis (2016), durante a escravidão, a
violência sexual do homem branco sobre as mulheres negras foi
institucionalizada, bem como o direito alegado pelos proprietários e
seus agentes sobre pessoas negras como um todo. Esses atos
seguiram mesmo após a escravidão, junto ao linchamento de
homens negros que teve outros mitos como desculpa para gangs de
homens brancos matarem homens negros e estuprarem as mulheres
negras.
106
OS ATRAVESSAMENTOS DO RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL: HERANÇAS DE
UMA SOCIEDADE COLONIAL ESCRAVOCRATA
107
uma das políticas que têm a função de combater, dominar e punir
esse inimigo, tendo como base de seu funcionamento o racismo
institucional na reprodução de práticas discriminatórias
direcionadas à população negra e pobre, apontada como a ameaça
social (Almeida, 2019).
Em relação ao delito de ser negro e aos atravessamentos do
racismo estrutural no sistema prisional brasileiro, a Tabela 3
apresenta o crescimento de 57% de 2005 a 2022 na taxa de pessoas
privadas de liberdade, equivalente a 832.295 pessoas sob a tutela do
Estado. Entre o crescimento da população carcerária, a população
branca apresenta uma variação de 215%, com o percentual reduzido
de 39,8% para 30,4% no ano mais recente, enquanto a população
negra apresenta crescimento de 381,3%, passando de 58,4% do total
de presos negros para 68,2%, o maior da série. Esse crescimento
evidencia o racismo estrutural brasileiro, a predominância de
violência letal com pessoas negras, a qual opera como um fator
determinante na política prisional brasileira, dela sendo integrante.
A análise da Tabela 3 sustenta o olhar para o racismo
estrutural como um fator operante e determinante na política
prisional brasileira, dela sendo integrante. De acordo com Almeida
(2019), o sistema de justiça tem reproduzido padrões
discriminatórios, naturalizando a desigualdade racial. E, para
corroborar esse argumento, em cotejo com os dados apresentados, o
encarceramento é uma ferramenta de manutenção do poder no
sentido de manter a opressão racial, de diferentes formas, com o
objetivo de controlar socialmente a população negra brasileira,
perpetuado principalmente pelo sistema carcerário e pela tentativa
de extermínio desse povo (Borges, 2019).
Considerações Finais
108
OS ATRAVESSAMENTOS DO RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL: HERANÇAS DE
UMA SOCIEDADE COLONIAL ESCRAVOCRATA
Referências
109
ALVES, Christiane Luci Bezerra; ALENCAR, Jaqueline Kelândia
Ferreira; PINHEIRO, Valéria Feitosa; MOTA, João Luís do
Nascimento. Padrão de inserção da mulher negra no mercado de
trabalho nordestino: notas para o período 2005-2014. Redes.
Revista do Desenvolvimento Regional, 2020, 25.2, p. 2713-2736.
Disponível em: <https://www.redalyc.org/articulo.oa?
id=552068861034>. Acesso em: 9 julho. 2023.
110
OS ATRAVESSAMENTOS DO RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL: HERANÇAS DE
UMA SOCIEDADE COLONIAL ESCRAVOCRATA
111
Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/
uploads/2023/07/anuario-2023.pdf>. Acesso em 10 de julho de 2023.
112
OS ATRAVESSAMENTOS DO RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL: HERANÇAS DE
UMA SOCIEDADE COLONIAL ESCRAVOCRATA
Mini currículo
113
Sociedade da Amazônia (LAPSAM). E-mail: Melquides.
[email protected] Lattes:
https://lattes.cnpq.br/252908607176358
114
A QUESTÃO RACIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES
A QUESTÃO RACIAL NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Fernanda Priscilla Pereira Calegare
Introdução
115
oito) artigos, destes 42 (quarenta e dois) publicados em periódicos
revisados por pares. Na distribuição de áreas temáticas mais
significativas foram Education & Educational Research (13),
Racismo (9), Racism (8); Formação De Professores (7); Education
(5); Currículo (4).
A partir da leitura do material encontrado, é possível inferir
que os temas de maior recorrência são (i) contribuições da formação
para o trabalho com o tema da diversidade racial; (ii) concepções,
discursos e representações sobre diversidade racial; (iii)
enfrentamentos de desafios para o trabalho com o tema nas escolas;
(iv) implementação dos marcos legais; (v) fragilidades no percurso
formativo para o trabalho com o tema. Também presentes, entre os
temas trabalhados pelos artigos, estão (vi) as estratégias de
formação; (vii) multiculturalismo; (viii) propostas de recursos para
o trato pedagógico da diversidade, com vistas a favorecer a
implementação da Lei nº 10.639/2003 no cotidiano das escolas e,
por fim, (ix) currículo, docência e diversidade.
Dentre os artigos encontrados, destacou-se para esta autora
que alguns trouxeram experiências propositivas em relação ao
debate da temática racial em cursos de formação inicial e em
propostas efetivadas em disciplinas. Foi possível perceber,
analisando a produção, uma conjugação de esforços para promoção
de formação continuada que privilegiam a temática, como forma de
complementar a formação básica que porventura tenha deixado
uma lacuna em relação ao tema. Também despontam como
contribuição para importantes reflexões, artigos que trouxeram
iniciativas de análise e compreensão sobre a identidade profissional
docente em diálogo com a trajetória profissional de pessoa negra e
sua respectiva correlação com a atuação docente.
A partir da leitura do material encontrado, este capítulo será
composto na seguinte estrutura (i) a concepção sobre raça (ii) o
fenômeno do medo como fator estruturante e fortalecedor do
racismo; (iii) a potencialidade da educação no enfrentamento da
estrutura de desigualdades raciais e (iv) a centralidade da questão
racial necessária à formação de professores e professoras.
116
A QUESTÃO RACIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES
Concepção de raça
117
grupos sociais em que estão inseridos e as outras relações que
experimentam na sociedade.
As múltiplas identidades sociais que os negros e as negras
vão construindo possuem dimensões pessoais e sociais que não
podem ser separadas. Elas se entrecruzam e estabelecem uma
conexão com a vida social dos sujeitos. Ser negro é um “tornar-se
negro” (Souza, 1983), pois vai muito além dos estereótipos
determinados pela sociedade. É importante, portanto, buscar
entender a construção da identidade negra não somente na sua
dimensão subjetiva e simbólica, mas, sobretudo, no seu sentido
político (Gomes, 2005).
Nesse sentido, dialogamos com a ideia de que é necessário
ouvir e dar visibilidade às histórias, ao ponto de vista e ao modo de
pensar, conceber e viver de pessoas negras, tal como nos inquieta
Chimamanda Adichie (2019) quando nos alerta sobre o perigo das
histórias únicas. Segundo a escritora, cria-se uma única história
quando mostramos um povo como se fosse somente uma coisa, um
objeto do discurso dos outros. Para a escritora, é impossível falar da
história única sem se falar de poder, uma vez que quem conta a
história única é quem detém poder, seja ele econômico, político ou
epistêmico. O poder, para além de ter a capacidade de contar a
história de outra pessoa, consegue fazer com que esta história seja
definitiva (Adichie, 2019).
Partindo dessa reflexão, inquieta-nos a forma como o termo
raça vem sendo concebido e utilizado na sociedade, de maneiras que
podem, inclusive, se contrapor. Um exemplo dessa contraposição é
o uso do termo raça de modo a contribuir com a ressignificação
política atribuída aos próprios negros e negras, principalmente no
campo da militância ou quando é utilizado de forma a categorizar
socialmente um grupo para promover formas de exclusão, violando
direitos e reafirmando estereótipos.
Assim, destacamos que a sociedade brasileira, de modo
geral, faz uso do termo “raça” para nomear, identificar ou falar sobre
pessoas negras, evidenciando o racismo e a inferioridade do negro.
Quando se fala de raça não se inclui o branco. Com isso, o termo
raça se apresenta carregado pelo ranço da escravidão e pelas
imagens construídas do negro e do branco no Brasil (Gomes, 2005).
118
A QUESTÃO RACIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES
119
vida, pela manutenção da ordem e pela segurança dos bens de
consumo da vítima em potencial. Não são raros os casos em que as
pessoas cruzam a rua ao encontrarem pessoas negras, ou apertam a
bolsa contra o próprio corpo com medo de serem vítimas de assaltos
ou situações nas quais pessoas negras são abordadas por seguranças
ou policiais, simplesmente por estarem passando por um local onde
não deveriam estar, ao qual não pertencem, como lojas de luxo,
shopping center etc. Essa é a dimensão mais primária e explícita do
medo. Especialmente direcionado a homens negros, pois como
vimos em Fanon (2008), a imagem do homem negro costuma ser
associada a ideia de violência, força e virilidade.
Assim, os homens negros ainda são associados à imagem de
quem comete assaltos, são julgados e condenados sem provas
quando ocorrem crimes de roubo ou assalto, por exemplo. Um
levantamento feito pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em
parceria com o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais
mostrou que os homens negros são, na maioria absoluta (83%) entre
as vítimas de prisões injustas baseadas no reconhecimento facial.
Por outro lado, o Anuário de Segurança Pública mostra que do total
de 47.508 homicídios, 76,9% eram pessoas negras, os registros de
racismo saltaram de 1.464 casos em 2021 para 2.458 no ano passado,
os registros de injúria racial chegaram a 10.990 (FÓRUM, 2023).
O homem negro é, portanto, inserido em um contexto
desde sua infância, onde é identificado como a face do inimigo, a
personificação do crime e da periculosidade, como foi ilustrado no
livro O Avesso da Pele de Jefferson Tenório (2020). A obra conta a
história de Pedro que, após a morte do pai, assassinado numa
desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado
da família e refazer os caminhos paternos. Com uma narrativa
sensível e tão verossímil que chega a ser brutal, Tenório evidencia
um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido,
em um denso relato sobre as relações entre pais e filhos. Assim,
embora seja uma ficção, a obra fala muito da realidade vivenciada
pela população negra e o medo mais primário e arcaico é o que mata
as pessoas negras sem prova e sem causa justa, simplesmente
motivado pela cor da pele, que representa o risco à vida.
120
A QUESTÃO RACIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES
121
As desigualdades raciais evidentes em dados estatísticos de
nossa sociedade evidenciam que alguns são menos iguais que
outros. Cabe-nos, então, o questionamento de quais ameaças estão
em jogo e o que se busca calar, com esses dois tipos de medo
associados. A branquitude busca, portanto, manter com todas as
forças o privilégio construído por séculos, em cima da opressão, do
suor, do sangue e da vida de pessoas negras. Em suma, esses dois
tipos de medo associados, compõem alianças fortes e resistentes em
relação à mudança no perfil racial nos lugares de poder e de decisão
na sociedade.
122
A QUESTÃO RACIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES
123
diferentes instituições da sociedade, como o próprio ambiente
escolar.
O racismo se configura como uma forma sistemática de
discriminação cujo fundamento é a raça e se manifesta por meio de
práticas conscientes e inconscientes que culminam em desvantagens
ou privilégios para os indivíduos de acordo com o grupo racial a que
pertencem (Almeida, 2018). Assim, é preciso reconhecer a luta de
muitos anos dos movimentos negros – e quais ações e políticas
públicas precisam ser priorizadas para que haja uma educação de
qualidade para todos e todas.
A escola, tal qual as demais organizações da sociedade
brasileira marcadamente influenciadas pelo processo de colonização
e escravização de pessoas negras, foram construídas com base na
estrutura cristalizada da branquitude. Atualmente, a educação
antirracista vem ganhando bastante força, e esse debate tem
produzido estranhamentos para que pessoas negras e não-negras,
brancas e não-brancas, não mais compactuem com essas estruturas.
Configura-se, portanto, uma espécie de chamamento ético, que se
impõe pela força da causa e pela não mais possibilidade de negação
ou silenciamento.
É histórico o processo de negação dos múltiplos locais
ocupados por negros e negras no período da escravatura, como um
reflexo do racismo impregnado em nossa sociedade, que
deliberadamente apaga traços e representações de negritude e
recusa o papel relevante ocupado pelos sujeitos classificados como
negros na construção da cultura brasileira, principalmente quanto a
colaborações pela via do trabalho intelectual. Exemplo disso é a falta
do reconhecimento das obras de intelectuais brasileiros negros
internacionalmente reconhecidos dentro das universidades, como é
o caso de Lélia Gonzalez.
A educação brasileira continua a ser historicamente elitista
e, apoiada na proposta de homogeneização cultural, reforçou a
construção da ideia de que africanidade, afrodescendência e suas
múltiplas representações culturais são inferiores e dignas de
demonização. Esse processo discriminatório se mantém até a
atualidade e tem sido, no decorrer dos anos, apropriado pelo
discurso hegemônico de acadêmicos que pretendiam apresentar
124
A QUESTÃO RACIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES
125
No art. 5º, que versa sobre os direitos fundamentais, temos o
inciso 42, o qual estabelece o racismo como crime inafiançável. Já
no art. 206, sobre os princípios da educação brasileira, temos o
inciso I, que trata da igualdade de condições para o acesso e a
permanência na escola. Não há menção necessariamente à educação
antirracista, mas nós sabemos que nem todos os grupos
populacionais têm as mesmas condições de acesso às escolas e daí a
necessidade da educação antirracista.
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº
9394/1996 (Brasil, 1996), o art. 3º reitera os princípios estabelecidos
na Constituição para a Educação, e insere outros. Mas o principal
artigo que ancora a educação antirracista na legislação educacional é
o 26, que foi primeiramente adicionado pela Lei nº 10.639/2003
(Brasil, 2003) e depois suplantado pela Lei nº 11.645/2008 (Brasil,
2008), definindo a obrigatoriedade do conteúdo das culturas
africana, afrobrasileira e indígena no currículo da Educação Básica.
Ademais, a Lei 10.639/2003 (Brasil, 2003) tornou
obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
no currículo da educação básica, o que teve uma importância
enorme ao pautar o debate da educação antirracista em todos os
âmbitos educacionais. Assim o debate sobre o racismo é
fundamental no contexto escolar, mesmo que ele circule em torno
da existência ou não do racismo na escola e a necessidade do
destaque ao tema, porque existir a discussão significa que há tensão.
Mesmo antes da lei, já existiam iniciativas aliadas ao
movimento negro que mereciam destaques na luta pela superação
das desigualdades raciais. Há muitas escolas e professores e
professoras realizando experiências de educação antirracista em
todo o Brasil, da Creche ao Ensino Superior. Isso sem contar as
iniciativas comunitárias, como cursinhos populares. Esses grupos
lutam pela inclusão, não apenas reivindicando, mas desenvolvendo e
criando propostas antirracistas (Abe, 2020). Neste aspecto, pontua-
se em concordância com Gomes (2003, p. 77), que:
126
A QUESTÃO RACIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES
127
pesquisa. A partir delas, poderão ser criados conhecimentos sobre a
questão do racismo e o seu enfrentamento na escola, mantendo o
assunto em pauta permanentemente e extrapolando as fronteiras
acadêmicas para circular no espaço e na comunidade escolar. Nesse
sentido, a produção de conhecimento sobre práticas educativas
antirracistas se mostra um caminho profícuo e potente de
compreensão dessas práticas e de suas possíveis reverberações na
realidade educacional dos estudantes (Martins; Amaral, 2023).
A escola precisa, portanto, estar enraizada em sua
comunidade no sentido mais amplo possível, olhando para o
território, inclusive por meio do currículo, que abarque os anseios e
os saberes da comunidade. No caso do Brasil, onde o mito da
democracia racial é parte componente desse país estruturalmente
racista, esse enraizamento da escola no território tem um efeito
especial, principalmente em territórios periféricos, onde estão a
maior parte da população negra. Se esta instituição está em parceria
com o território, percebe e acolhe o que está acontecendo ao seu
redor e reconhece os sujeitos e a realidade local, precisa colocar as
questões da localidade em seu currículo. O racismo deverá ser
necessariamente discutido dentro da sala de aula, em vários
componentes curriculares, não negligenciando a dimensão histórica
e contextual do Brasil e das comunidades, de modo que se torne
possível que a escola desenvolva ações para enfrentar os problemas
da comunidade e para a criação e desenvolvimento de práticas
antirracistas (ABE, 2020; Martins; Amaral, 2023).
Assim, defende-se que a escola pública básica precisa ter a
questão racial como prioridade, de modo que questões relativas às
diferenças e as diversidades precisam ter centralidade. Isso significa
que ela vai disputar espaço com outros temas – por exemplo, a
política de avaliação externa, com base em testes de aprendizagem.
Assim, para que as escolas consigam implementar projetos político-
pedagógicos comprometidos com uma educação antirracista, é
preciso tempo de estudo e dedicação, para a elaboração,
implementação e avaliação dessas atividades. Sabemos que o tempo
de trabalho na escola é constantemente disputado por demandas de
diversas naturezas, que recaem sobre a direção e os professores e
professoras, o que interfere diretamente na prática pedagógica.
128
A QUESTÃO RACIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES
129
É nesse sentido que, historicamente, tem-se percebido a
ausência do debate sobre relações étnico-raciais e educação no
currículo dos cursos de docência a qual aponta a necessidade de que
a formação de professores e professoras contemple, amplamente,
nos projetos políticos pedagógicos, nos planos de ensinos e, ao
longo da formação, conteúdos, metodologias, práticas e discussões
teóricas acerca história e cultura africana e afro-brasileira e sobre a
dinâmica do racismo no Brasil e suas implicações na educação
(Cardoso; Castro, 2015).
A partir de movimentos sociais e da pressão exercida pelo
movimento negro, no entanto, a educação antirracista, a abordagem
da temática racial e diversidade racial têm ganhado espaço no
cenário formativo de professores e professoras, embora ainda seja
incipiente a presença do tema no currículo de formação básica e se
constitua como cenário de disputas e contradições. Isso porque tem-
se construindo a compreensão de que o ato educativo é
eminentemente cultural e que a relação ensino/aprendizagem se
constrói no campo dos valores, das representações e de diferentes
lógicas (Gomes, 2003). O processo de ensino-aprendizagem está
para muito além dos aspectos meramente cognitivos e está
intimamente relacionado e conectado com os aspectos subjetivos,
históricos, contextuais e culturais.
Nesse sentido, ao exercer a docência, cabe ao educador e à
educadora compreender como os diferentes povos, ao longo da
história, classificaram a si mesmos e aos outros, como certas
classificações foram hierarquizadas no contexto do racismo e como
este fenômeno interfere na construção da autoestima e impede a
construção de uma escola democrática. É também tarefa do
educador e da educadora entender o conjunto de representações
sobre a pessoa negra existente na sociedade e na escola, e enfatizar
as representações positivas construídas politicamente pelos
movimentos negros e pela comunidade negra. A discussão sobre a
cultura negra poderá nos ajudar nessa tarefa (Gomes, 2003; Martin;
Amaral, 2023).
É crucial, no entanto, a busca por uma prática educativa
cada vez mais qualificada, pautada em elementos teóricos e práticos,
para além de mobilizações sazonais e em datas comemorativas,
130
A QUESTÃO RACIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES
131
cultura negra. Para o impulsionamento da qualidade e criticidade
do processo formativo docente no âmbito da diversidade racial é
preciso que se admita e se escancare a existência do racismo, e mais,
a forte e determinante presença do racismo na estruturação de nossa
sociedade, relações intra e interpessoais, profissionais,
mercadológicas e educativas. Não se pode perder de vista o enfoque
no racismo, com o risco de que sejamos conduzidos a um debate
despolitizado sobre o tema.
Considerações Finais
132
A QUESTÃO RACIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES
realidade será grande aliada para que se possa combater as ações das
elites opressoras (Freire, 1999), promovendo assim práticas
emancipatórias dentro das escolas. As questões raciais demandam
mobilização de toda a sociedade, na tentativa de desconstruir
qualquer forma de discriminação.
A árdua tarefa de pensar a formação de professores e
professoras e o racismo traz importantes discussões sobre as
questões raciais, focando na reflexão e reformulação dos currículos
e na promoção de políticas públicas antirracistas. Além da
necessidade de se fazer cumprir a legislação, é preciso que os sujeitos
abandonem práticas racistas enraizadas na sociedade e também
práticas de discriminação racial. Torna-se urgente respeitar as
diferenças e o outro em sua alteridade. Importante reafirmar ainda a
necessidade de se adotar na educação a produção de estratégias e
ações relacionadas à temática étnico-racial para aplicação nas
escolas, com vista ao cumprimento da Lei n. 10.639/2003 e do
Estatuto de Igualdade Racial. Com isso, é importante tratar a
questão da pessoa negra para todos, respeitando as várias formas de
ser e existir no mundo.
As discussões sobre educação e racismo não se encerram
por aqui. Elas continuam a movimentar a vida da estudante autora
deste ensaio, que vivencia o processo do “tornar-se negra” e de
construções múltiplas.
Referências
133
ARROYO, Miguel Gonzalez. Currículo, território em disputa.
Petrópolis: Vozes, 2011.
134
A QUESTÃO RACIAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES
135
MARTINS, Francisco André Silva; AMARAL, Felipe Bueno.
Educação Antirracista: Potencialidades e Obstáculos. SciELO
Preprints. julho de 2023. Disponível em: <https://preprints.scielo.
org/index.php/scielo/preprint/download/6305/12060>. Acesso em
30 de outubro de 2023.
Mini Currículo
136
BRANQUITUDE E SUBJETIVIDADE: UM ENSAIO SOBRE A IDENTIDADE
MANAUARA
BRANQUITUDE E
SUBJETIVIDADE: UM ENSAIO
SOBRE A IDENTIDADE
MANAUARA1
Alessandra dos Santos Pereira
Introdução
1
Este artigo foi elaborado com o apoio e financiamento da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e FAPEAM (Bolsa
de Doutorado).
137
se pensar qualquer consideração sobre as características identitárias
da população.
Na história social da Amazônia, observa-se o registro de
que povos e comunidades indígenas foram amplamente afetados
pelas invasões dos europeus, tornando essas populações
marginalizadas e forçadas a abandonar suas tradições culturais e
adotar a cultura dominante europeia. Nesse sentido, na
historiografia “oficial” é fundamental considerar o caráter
etnocêntrico e europeu dos registros feitos por viajantes,
exploradores, missionários, naturalistas, dentre outros, que se
dispuseram a catalogar informações sobre as relações entre
sociedades indígenas da época e os colonizadores. O registro crítico
da história revela um agrupamento de famílias indígenas ao redor
do Forte São José do Rio Negro, dando início ao primeiro núcleo
populacional da cidade, não permitindo dúvidas de que a origem de
Manaus foi, eminentemente, indígena (Silva, 1999).
Não apenas o período colonial foi determinante na
constituição da identidade do manauara, bem como outros dois
grandes ciclos econômicos (borracha e zona franca), também
tiveram impactos estruturantes na maneira como pessoas nascidas
na cidade de Manaus se reconhecem. A expansão das atividades
econômicas, com a extração da borracha no período áureo, permitiu
que comunidades indígenas fossem exploradas e pessoas indígenas e
negras fossem submetidas a condições de trabalho precárias. Com a
instalação da Zona Franca de Manaus, ocorreu um grande fluxo
migratório de nordestinos para a região, resultando em uma
mudança na composição étnica e diminuindo a presença indígena e
negra na historiografia da população.
A partir desse cenário, observa-se que esses ciclos
econômicos, impulsionados por políticas de branqueamento da
população (processo histórico de miscigenação e assimilação
cultural) levaram a uma diminuição da população indígena e sua
consequente perda de diversidade cultural e marginalização das
identidades. Ao mesmo tempo, esses processos permitem-nos
reconhecer como os aspectos históricos contribuíram para a criação
de uma cultura e identidade dominante que valoriza a branquitude e
subalterniza povos e pessoas indígenas.
138
BRANQUITUDE E SUBJETIVIDADE: UM ENSAIO SOBRE A IDENTIDADE
MANAUARA
139
senso de identidade e pertencimento das pessoas em uma
determinada cultura.
Já o conceito de representação é compreendido a partir da
forma como se constrói o significado. É através da linguagem, no
uso que se faz das coisas, do que se diz, do que se pensa e sente –
como representação – que surgem os significados. Isso implica
considerar que os significados dados aos objetos, pessoas e eventos
são construídos a partir de uma estrutura de interpretação que a
pessoa possui, ou seja, os significados surgem a partir das formas
como são utilizadas e integradas às práticas cotidianas (Hall, 2002).
Reconhecer o significado faz parto do senso de nossa
própria identidade, gerando uma sensação de pertencimento. Os
sinais – combinação de um significante (palavra, som ou gesto) e
um significado (conceito ou ideia associada) – são compartilhados
socialmente, dando formas aos nossos conceitos, ideias e
sentimentos de maneira que outras pessoas do grupo social
decodifiquem ou interpretem mais ou menos da mesma maneira.
Por isso, as linguagens funcionam através da representação,
configurando sistemas de representação. Sua construção é social e
diz respeito à própria constituição das coisas (Moraes, 2019).
Em suas contribuições, Hall (2002) aborda três teorias que
discutem a representação: a reflexiva, a intencional e a
construcionista. Cada uma delas propõem concepções diferentes
para a interpretação dos significados. Na teoria reflexiva, a
linguagem funciona como um espelho que reflete o verdadeiro
significado sobre as coisas já existentes no mundo. Na intencional,
aquele que fala impõe o significado através da linguagem. Já na
teoria construcionista, a linguagem é tomada como um produto
social, no qual os significados são elaborados através dos sistemas de
representação. É nesse último aspecto abordado pelo autor que
ancoramos a concepção de representação apresentada neste ensaio.
Sendo assim, as representações têm sérias implicações sobre
as identidades, uma vez que a maneira como somos representados e
como essa representação se relaciona, a maneira como nós podemos
representar, dão origem às narrativas do eu (Hall, 2000). Essa
consideração passa a assumir um caráter de importância a partir do
momento em que as mudanças sociais, por se tornarem cada vez
140
BRANQUITUDE E SUBJETIVIDADE: UM ENSAIO SOBRE A IDENTIDADE
MANAUARA
141
falar. Nesse sentido, as fronteiras da identidade não são fixas, estão
sempre sendo reconstruídas e negociadas, sem nunca poder se
afirmar como um tecido por inteiro, mas sim como um conjunto de
retalhos superpostos, sempre em nova configuração.
Ao desenvolver uma concepção de identidade como
estratégica e posicional, Hall (2000) defende que as identidades,
cada vez mais fragmentadas e fraturadas, são construídas ao longo
de discursos, práticas e posições. A identidade seria algo que emerge
do diálogo entre os conceitos e definições, representados pelos
discursos de uma cultura e pelo nosso desejo de responder aos
apelos feitos por estes significados. Logo, as identidades sociais
devem ser pensadas como configuradas no interior da
representação, a partir da cultura, como resultado de um processo
de identificação que permite posicionamentos orientados pelas
definições fornecidas pelos discursos culturais. Desse modo, as
subjetividades são produzidas, parcialmente, de maneira discursiva
e dialógica.
Em Hall (2006), há três concepções de identidade: a do
sujeito do iluminismo, baseado na individualidade, unificada e
dotada de razão; do sujeito sociológico, com a ideia de que o mesmo
não é autônomo e autossuficiente, mas sim formado na relação com
outras pessoas; e a do sujeito pós-moderno, resultado das mudanças
estruturais e institucionais, permite que o processo de identificação
seja instável e provisório, tornando a identidade pouco fixa e
permanente, além de não unificadas ao redor de um “eu” coerente.
Isso significa dizer que o sujeito e a identidade, antes da era
moderna, estavam ancorados em estruturas e concepções
tradicionais estáveis, contudo com as mudanças introduzidas pela
era moderna as identidades tornaram-se mais descentradas e
ancoradas a partir de uma concepção mais social (Moraes, 2019).
142
BRANQUITUDE E SUBJETIVIDADE: UM ENSAIO SOBRE A IDENTIDADE
MANAUARA
143
Por exemplo, nos EUA, ser branco está relacionado à origem étnica
e genética de cada pessoa. Na África do Sul, o fenótipo e origem são
elementos importantes para demarcar branquitude. No Brasil, está
ligado à aparência, ao status, e ao fenótipo (Schucman, 2014). Dessa
maneira, ser branco na sociedade brasileira:
144
BRANQUITUDE E SUBJETIVIDADE: UM ENSAIO SOBRE A IDENTIDADE
MANAUARA
145
branqueamento populacional e consequente pacto da branquitude
na sociedade manauara: o período áureo da borracha e a
implantação do modelo econômico de desenvolvimento da região
através da Zona Franca de Manaus.
Durante a segunda metade do século XIX, Manaus viveu
um período de modernização proporcionado pela economia da
extração da borracha. O famoso teatro Amazonas, as praças e
palacetes, os casarões na área central, o porto, o mercado, dentre
outros lugares da cidade, retratavam Manaus como a “Paris dos
Trópicos” - um local de civilidade, de grandeza e riqueza exacerbada
por adotar o estilo francês (rococó ou art nouveau) e um lugar de
elite, na qual tudo vinha do exterior, mais precisamente da Europa.
Esse discurso de grandeza e modernidade, não ficava restrito aos
aspectos arquitetônicos e estruturais da economia que sustentava as
elites regionais, mas incluía também, o cultivo de uma visão de
mundo branca e europeia refletida nos hábitos, costumes, modos de
ser e de viver.
146
BRANQUITUDE E SUBJETIVIDADE: UM ENSAIO SOBRE A IDENTIDADE
MANAUARA
147
costumes europeus e imposta pela modernidade, fez com que os
costumes estrangeiros impusessem um modo de vida que
modificaria, inclusive, a própria moradia da população (Braga,
2016).
148
BRANQUITUDE E SUBJETIVIDADE: UM ENSAIO SOBRE A IDENTIDADE
MANAUARA
149
Outro aspecto importante no processo de europeização da
sociedade manauara eram as estreitas relações e as recorrentes
viagens dos membros da elite da cidade à Europa. O estilo de vida
propagado evidenciava desde os estudos dos filhos na Europa, até a
lavagem de roupas que seguiam em navio por vários meses até
retornarem devidamente embranquecidas (Daou, 2014). Assim, o
viver manauara buscou semelhanças num viver europeu,
materializando-se nos hábitos e costumes que passaram a ser uma
prática unilateral e dominante.
Com o declínio do ciclo da borracha, nos vinte primeiros
anos do século XX, a região amazônica deixou de ser atrativa do
ponto de vista econômico. Os povos indígenas que habitavam as
florestas, mesmo sofrendo redução populacional drástica, deixaram
de ser escravizados. A população agora era composta,
principalmente, por pessoas miscigenadas (negros, indígenas e
brancos) conhecidos como ribeirinhos ou caboclos. Seus arranjos
econômicos estavam alicerçados na pesca e coleta de produtos da
floresta (fauna e flora), utilizando-os de maneira sustentável, ou seja,
sem afetar a capacidade da natureza de produzir novos recursos
para futuras gerações (Imazon, 2022).
Foi na década de 50 que o governo federal fez tentativas
para a retomada da Amazônia como capital a ser explorado. Mas, os
anos 60 foram decisivos, principalmente porque as ações do estado
brasileiro para a região estavam voltadas para a ocupação territorial.
A base da economia ainda era o extrativismo de produtos naturais.
Com o olhar do regime militar sobre a região, dois aspectos ficaram
evidentes: a) a elevada riqueza em recursos naturais e b) a baixa
densidade populacional. Sob o pretexto de integrar a Amazônia ao
resto do país, os militares pregaram a unificação e proteção da
floresta contra a “internacionalização” ou “cobiça de estrangeiros”
utilizando um discurso nacionalista e realizando várias obras de
infraestrutura para a ocupação da Amazônia, como, por exemplo, a
construção da Transamazônica. A abertura de estradas para
“facilitar” o povoamento deu início também ao período de
colonização agropecuária da região (Imazon, 2022).
Assim, pode-se dizer que a saída da Amazônia do
isolamento ocorreu por meio de um movimento centrípeto, num
150
BRANQUITUDE E SUBJETIVIDADE: UM ENSAIO SOBRE A IDENTIDADE
MANAUARA
151
interferem diretamente nas pessoas e nas dinâmicas sociais dos
territórios geográficos. No caso, quando um governo com propósito
de integrar nacionalmente uma área, incentiva (política) a entrada
do capital estrangeiro (as empresas), tendo como resultado um
considerável número de imigrantes do interior para capital, que
levam consigo a identidade e cultura local (simbólico), com intuito
de compor a força de trabalho das indústrias, garantindo a renda
para si e para as corporações do grande capital (econômico) ocorre
o pacto narcísico da branquitude conforme nos revela Cida Bento
(2022).
Há a operacionalização das discriminações dentro das
instituições em questões éticas, morais e relacionadas a processos de
democratização de espaços institucionais, sendo sempre abordadas
de maneira “racional” justificando as desigualdades a partir da ideia
do mérito. Isso implica em considerar que existe um número
excessivo de pessoas brancas, no caso da cidade de Manaus,
principalmente sulistas, ocupando os lugares mais qualificados e
justificando essa ocupação a partir de ideias pré-concebidas sobre a
população da cidade, dentre elas: o amazonense é pouco instruído e
preguiçoso e as mulheres são facilmente acessíveis sexualmente,
dentre outros (Bento, 2022).
Isso implica considerar que o avanço histórico e econômico
da região, produziu menosprezo e desrespeito pela diversidade,
complexidade, fragilidade e superabundância da natureza,
considerando apenas a exploração da região e a negação do diálogo
com as características do território local. Além disso, ocorreu a
construção do caráter autoritário e lesivo das políticas públicas e a
progressiva perda da identidade cultural e desenraizamento de
grupos sociais que moram em Manaus (Loureiro, 2002).
Há, também, preconceitos expressos nos planos e nas
políticas institucionais de empresas públicas e privadas para região,
evidenciando, pelo menos, duas grandes vertentes: a) que indígenas
e caboclos viveriam em terras excessivamente vastas com atividades
pouco rentáveis para o Estado, gerando uma economia desfavorável
as sociedades modernas; b) as culturas de indígenas, negros e
caboclos seriam tribais, primitivas e pobres, consequentemente,
inferiores ao processo de desenvolvimento, não sendo priorizadas
152
BRANQUITUDE E SUBJETIVIDADE: UM ENSAIO SOBRE A IDENTIDADE
MANAUARA
Considerações finais
153
desenvolvendo um desprezo pela identidade indígena e um
silenciamento das origens ancestrais.
Noutro tempo, a chegada de mão de obra nas empresas
multinacionais exigia um “perfil” dominante que satisfizesse os
interesses dos grandes grupos internacionais, no caso homem e
branco com força de trabalho coerente para produzir. Colonizar as
identidades dentro do chão de fábrica era tarefa dos gerentes e
supervisores das indústrias. Com o arrefecimento do modelo
econômico do PIM, sobram os escombros e entulhos depositados
nas subjetividades do cidadão manauara que se perde em meio às
suas próprias origens, na época do festival de folclórico, mas que se
acha com relativa facilidade quando é orientado por discursos
racistas e colonizadores.
Porém, como as fronteiras do eu, são dialógicas, estão em
constante reconfiguração, acredito que reflexões, como essa que
busquei organizar neste texto, podem colaborar para uma mudança
efetiva na maneira como olhamos para a concepção que temos de
nós mesmos e nos aproximamos um pouco mais da nossa história,
por vezes invisibilizada e, muitas vezes, esquecida e desvalorizada.
Referências
154
BRANQUITUDE E SUBJETIVIDADE: UM ENSAIO SOBRE A IDENTIDADE
MANAUARA
155
LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Amazônia: uma História de
Perdas e Danos, um Futuro a (Re)Construir. Estudos Avançados.
16 (45), 2002.
156
BRANQUITUDE E SUBJETIVIDADE: UM ENSAIO SOBRE A IDENTIDADE
MANAUARA
Mini Currículo
157
RACISMO ESTRUTURAL NOS
SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE
NO BRASIL
Henrique de Araújo Martins
Marck de Souza Torres
Introdução
160
RACISMO ESTRUTURAL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE NO BRASIL
161
raciais são naturalmente predispostos a características negativas,
como a violência ou a falta de inteligência.
A discriminação racial, por sua vez, é a atribuição de
tratamento diferenciado a pessoas com base em sua identificação
racial. Ela requer poder a fim de ter a capacidade efetiva de impor
vantagens ou desvantagens devido à raça. A discriminação pode ser
direta, manifestando-se como rejeição explícita de indivíduos ou
grupos com base em sua raça, como proibições de entrada em locais
públicos ou negação de serviços; ou pode ser indireta, quando as
práticas ou normas, aparentemente neutras em relação à raça,
resultam em impactos adversos para grupos racializados, muitas
vezes sem intenção explícita de discriminar. Um exemplo de
discriminação indireta é a aplicação de regras de "neutralidade
racial" que não levam em consideração diferenças sociais
significativas existentes (Almeida, 2021).
O racismo, por fim, é uma forma sistêmica de
discriminação racial que tem a raça como seu fundamento. Ele é
caracterizado por práticas conscientes ou inconscientes que levam a
desvantagens ou privilégios com base no grupo racial ao qual um
indivíduo pertence. O racismo não se limita a atos discriminatórios
isolados, mas é um processo em que as desigualdades sociais são
reproduzidas sistematicamente em diferentes esferas, como política,
economia e relações cotidianas. Além disso, o racismo muitas vezes
está ligado à segregação racial, envolvendo a divisão espacial de
grupos raciais em áreas específicas e a definição de estabelecimentos
e serviços como exclusivos para determinados grupos raciais. A
consequência dessas práticas é um fenômeno intergeracional de
estratificação social, onde o percurso da vida dos integrantes de um
grupo racial é afetado pelo impacto limitante que estes
experimentam em suas chances de reconhecimento, ascensão social
e sustento material. A raça, dessa forma, demonstra o seu verdadeiro
lugar enquanto elemento essencialmente político (Almeida, 2021).
O debate em torno das disparidades raciais no contexto
brasileiro tem sido influenciado por duas ideologias predominantes.
De um lado, há a persistência do mito da democracia racial, que
tende a minimizar as discrepâncias raciais, sugerindo uma suposta
harmonia entre grupos étnicos. Por outro lado, existe a perspectiva
162
RACISMO ESTRUTURAL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE NO BRASIL
163
fortaleceu a autoestima e o autoconceito do grupo branco,
justificando assim sua supremacia econômica, política e social. A
branquitude também está associada ao narcisismo, onde os brancos
se veem como o padrão de referência da condição humana,
depositários do "lado bom", enquanto projetam sobre os negros as
características consideradas "ruins" ou inferiores. Essa projeção,
juntamente com a falta de reflexão sobre o papel dos brancos nas
desigualdades raciais, perpetua a ideia de que o racismo é
exclusivamente um problema do negro, desviando a atenção das
responsabilidades dos brancos na manutenção dessas desigualdades.
Além disso, o medo da sexualidade desempenhou um papel
importante na construção do racismo. A repressão da sexualidade
na sociedade branca europeia foi projetada sobre os negros, e essa
aversão à sexualidade negra contribuiu para a estigmatização dos
grupos não-brancos, resultando em inúmeros genocídios e políticas
discriminatórias. Contribui para a manutenção desse contexto o
recalcamento coletivo, expresso na transmissão intergeracional de
conteúdos inconscientes, que solidifica a persistência do "acordo
tácito" na sociedade brasileira de evitar o debate aberto acerca do
racismo e de encarar as desigualdades raciais como uma
problemática que recai unicamente sobre os ombros da população
negra.
O silenciamento diante do racismo e das desigualdades
sociais associadas desempenha um papel significativo no contexto
sócio-histórico da população negra, exercendo efeitos adversos em
sua saúde. No ensaio "O Preto e a Psicopatologia" de Fanon (2008),
o autor ilustra como muitos indivíduos negros são compelidos a
adotar a perspectiva dos brancos ao avaliar sua identidade,
resultando em impactos psicológicos profundos. Ao verem-se por
essa ótica externa, os negros buscam a aceitação branca, podendo
resultar no desenvolvimento de complexos de inferioridade,
autodesvalorização e, até mesmo, na adoção de uma "máscara
branca" para ocultar sua negritude.
Outrossim, as experiências de discriminação racial e o
racismo sistêmico acarretam problemas psicológicos, como
ansiedade, depressão e alienação, impactando negativamente na
autoestima e na formação da identidade dos negros (Barros et al.,
164
RACISMO ESTRUTURAL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE NO BRASIL
165
pode ser perpetuado através das instituições, direcionando a
atenção para o funcionamento dessas entidades e como elas, ainda
que de maneira indireta, podem criar desigualdades e privilégios
com base na raça. Nesse contexto, a raça é considerada uma parte
intrínseca das instituições, sugerindo a implementação de políticas
antirracistas dentro delas para promover a igualdade racial.
Entretanto, essa abordagem pode ser considerada limitada se não
considerar o contexto mais amplo da estrutura social em que essas
instituições operam. Por fim, a perspectiva estrutural transcende as
instituições e argumenta que o racismo não é meramente um
problema de indivíduos ou instituições isoladas, mas é uma parte
inerente da própria estrutura da sociedade. O racismo é visto como
um componente orgânico da sociedade e suas diversas relações
políticas, econômicas e jurídicas. Isso implica que as instituições,
mesmo quando buscam promover a igualdade racial, estão
arraigadas em uma estrutura social que normaliza o racismo. Nesse
contexto, a implementação de políticas antirracistas é considerada
necessária, mas insuficiente, sendo enfatizada a necessidade de
mudanças profundas nas relações sociais, políticas e econômicas
para combater efetivamente o racismo.
Com vistas a intensificar o enfrentamento do racismo no
Brasil, emergiu, ao longo do século XX, o movimento social negro,
cujo propósito era promover a igualdade racial no país. Esse
movimento foi influenciado por figuras históricas de resistência,
como Zumbi e Dandara dos Palmares, dentre outros. Ele englobou a
ativa participação de artistas, intelectuais, políticos e ativistas em
diversos eventos cruciais para o debate e a implementação de
políticas públicas voltadas para a população negra (França, 2019;
Pereira, 2011). A Constituição de 1988, também conhecida como
Constituição Cidadã, foi um desses eventos fundamentais que
contaram com a contribuição do movimento social negro. Essa
Constituição posteriormente serviu como base para a elaboração da
Lei 8.080/1990, que estabeleceu o Sistema Único de Saúde (SUS) no
país (Brasil, 1990). No entanto, apesar desses avanços, não se
alcançou a pela incorporação, no âmbito do SUS, de dispositivos
eficazes para mitigar as barreiras de acesso enfrentadas pela
população negra, as quais são resultantes do racismo estrutural.
166
RACISMO ESTRUTURAL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE NO BRASIL
167
(2010) revelou que as pessoas negras enfrentam maiores obstáculos
no acesso aos serviços de saúde, relatam sintomas de infecções
sexualmente transmissíveis com maior frequência e tendem a
recorrer mais à automedicação em comparação com indivíduos não
negros. Além disso, a população negra apresenta taxas elevadas de
mortalidade materna e infantil, óbitos prematuros, maior
prevalência de doenças crônicas e infecciosas, bem como altos
índices de violência em comparação com outros grupos étnicos
(Ministério Da Saúde, 2009). Para alterar essa realidade, é
fundamental reconhecer e atribuir significado às desigualdades
resultantes e perpetuadas pelo racismo.
Em várias circunstâncias, o Estado brasileiro desempenha
um papel na perpetuação das desigualdades raciais. De acordo com
a argumentação de Werneck (2016), o racismo institucional
representa possivelmente a dimensão mais subestimada do racismo.
O racismo institucional está intrinsecamente relacionado à
vulnerabilidade, pois se refere a práticas e políticas adotadas pelas
instituições que, de forma deliberada ou inadvertida, resultam na
produção e/ou manutenção da vulnerabilidade em grupos alvo do
racismo.
Diante dessa realidade, o Ministério da Saúde reconheceu a
necessidade de estabelecer estratégias para abordar o racismo
institucional no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 13 de
maio de 2009, foi promulgada a Portaria GM/MS no 992,
instituindo a Política Nacional de Saúde Integral da População
Negra. O principal objetivo dessa política é "promover a saúde
integral da população negra, priorizando a redução das
desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo e à
discriminação nas instituições e nos serviços do SUS" (Ministério
Da Saúde, 2009, p.24). No processo de formulação dessa política,
foram identificadas as doenças, agravos e condições mais frequentes
na população negra, abrangendo: a) Doenças relacionadas a fatores
genéticos, como anemia falciforme, deficiência de glicose 6-fosfato
desidrogenase, hipertensão arterial e diabetes mellitus; b) Doenças
adquiridas devido a condições socioeconômicas desfavoráveis,
como desnutrição, mortes violentas, alta mortalidade infantil,
abortos sépticos, anemia ferropriva, DST/AIDS, doenças
168
RACISMO ESTRUTURAL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE NO BRASIL
169
racializados. Isso abarca: a) Microagressões: Refere-se a ações ou
comentários frequentemente sutis, porém ofensivos, que espelham
preconceitos raciais. Por exemplo, alguém pode proferir
comentários depreciativos sobre a aparência de uma pessoa com
base em sua raça; b) Comportamentos inadequados: Envolve
discriminação racial mais explícita, como insultos, tratamento
injusto ou hostilidade direcionada a alguém com base em sua raça;
c) Violência: Abrange atos violentos dirigidos a indivíduos em
virtude de sua raça, como agressões físicas ou ameaças de morte; d)
Testemunhar assassinatos raciais: Refere-se à exposição de uma
pessoa à violência racial direta, como ser testemunha do assassinato
de alguém de sua própria raça motivado por razões raciais; e)
Outras formas de discriminação racial: Além das categorias acima, o
trauma racial também pode incluir discriminação sistêmica e
institucional que afeta as oportunidades de vida de pessoas
racializadas em áreas como educação, serviços de saúde, emprego e
habitação. O que singulariza o trauma racial é sua característica de
persistência e acumulação ao longo do tempo, em eventos
traumáticos relacionados à raça. Além disso, o trauma racial é
contínuo e está interconectado com a opressão sistêmica que as
pessoas racializadas continuam a enfrentar em suas vidas
cotidianas. Embora essas vitimizações frequentemente sejam
microagressões, elas exercem um impacto constante e cumulativo
na vida das vítimas, afetando vários aspectos, incluindo saúde
mental, bem-estar emocional e oportunidades econômicas, o que
também influencia na necessidade de um acesso e qualidade de
serviços de saúde ampliadas para essa população.
Reconhecer e combater o "perigo da história única" é
também uma abordagem eficaz na luta contra o racismo. Segundo
Adichie (2019), esse fenômeno da “história única” refere-se à
criação e perpetuação de narrativas unilaterais e estereotipadas
sobre grupos étnicos, localidades ou culturas, contribuindo para a
disseminação de preconceitos e estereótipos prejudiciais, resultando
na desumanização e desvalorização dos indivíduos retratados. Para
combater eficazmente o racismo, é imperativo desafiar e questionar
essas histórias unidimensionais, buscando uma compreensão
abrangente e multifacetada das pessoas, lugares e culturas em
170
RACISMO ESTRUTURAL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE NO BRASIL
171
No contexto das experiências vividas por mulheres negras,
Crenshaw (2004) enfatiza a importância da intersecionalidade na
compreensão das discriminações de raça e gênero, evidenciando a
complexidade das vivências daquelas que enfrentam discriminação
em múltiplos níveis. Quando uma mulher negra é vítima de
discriminação, não é suficiente abordar isoladamente a
discriminação racial ou de gênero; ao contrário, é essencial
considerar como essas formas de discriminação se entrelaçam e se
amplificam mutuamente. Tanto a discriminação racial quanto a de
gênero são influenciadas por fatores interconectados, resultando em
uma intricada rede de desigualdades. No entanto, apesar do
reconhecimento da intersecionalidade, desafios persistem, como a
tendência de tratar raça e gênero como questões separadas e
mutuamente exclusivas. Essa abordagem invisibiliza as experiências
interseccionais das mulheres negras atendidas pelo SUS. Para
superar essas barreiras, é fundamental reformular práticas, integrar
movimentos e nomear líderes que representem a diversidade. Além
disso, é importante adotar abordagens que produzam dados que
capturem as complexas vivências interseccionais das pessoas,
possibilitando a formulação de políticas e práticas mais inclusivas e
eficazes. A intersecionalidade se apresenta como uma oportunidade
valiosa para alcançar esse objetivo e assegurar soluções mais efetivas
para as complexas questões de discriminação de raça e gênero.
A necessidade imperativa de implementar medidas para
uma abordagem eficaz das desigualdades em saúde é destacada por
Werneck (2016). Essas medidas devem abranger a criação de
programas direcionados às populações vulneráveis e o
desenvolvimento de estratégias para reduzir disparidades entre
grupos. Além disso, é essencial adotar ações afirmativas em diversos
níveis, envolvendo a instituição de medidas individualizadas, como
meio de mitigar as discrepâncias raciais no âmbito da saúde e
promover respostas adequadas para a promoção da saúde da
população negra. Fatores interconectados, como racismo, sexismo,
condições socioeconômicas e culturais, continuam a atuar de
maneira conjunta, influenciando a promoção do acesso universal e
equitativo à saúde.
172
RACISMO ESTRUTURAL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE NO BRASIL
Considerações finais
173
implementação de políticas públicas eficazes que promovam a
igualdade racial e a inclusão da população negra no
desenvolvimento do país.
Outrossim, é essencial evitar o perigo de criar estereótipos
incompletos sobre grupos populacionais, como alertado por
Adichie (2019). Estudos contínuos que investigam aspectos
culturais, sociais, econômicos e políticos das comunidades
atendidas pelos serviços de saúde são essenciais para adaptar esses
serviços de forma a garantir disponibilidade, acessibilidade e
aceitabilidade dentro de contextos específicos.
A criação de políticas públicas voltadas para a equidade
racial representa um avanço significativo, mas o monitoramento e a
avaliação contínuos dos serviços prestados são igualmente cruciais
para garantir a qualidade do acesso e a adesão da população negra.
Ademais, a sensibilização contínua dos gestores e profissionais de
saúde para a atuação diante da diversidade é essencial.
É importante ressaltar que a discriminação positiva, por
meio de políticas de ação afirmativa, também é uma abordagem
relevante para corrigir as desigualdades raciais historicamente
perpetuadas. Essas políticas visam corrigir as desvantagens causadas
pela discriminação negativa, contribuindo para uma sociedade mais
justa e igualitária.
Em última análise, a busca pela equidade racial no acesso
aos serviços de saúde no Brasil requer uma abordagem abrangente
que envolva todos os segmentos da sociedade e reconheça a
interconexão entre raça, saúde, e justiça social. Somente por meio
do compromisso contínuo e da ação coordenada será possível
alcançar um sistema de saúde verdadeiramente inclusivo e
equitativo para todos os brasileiros.
Referências
174
RACISMO ESTRUTURAL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE NO BRASIL
175
CRENSHAW, Kimberle. A Intersecionalidade na discriminação de
raça e gênero. Cruzamento: raça e gênero, Brasília, p. 7-16, 2004.
176
RACISMO ESTRUTURAL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE NO BRASIL
177
movimento eugênico brasileiro (1920-1930). Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 42, n. 89, p. 93-115, 2022.
Mini Currículo
178
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
RACISMO OBSTÉTRICO,
INTERSECCIONALIDADE E A
ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO
PUERPERAL
Karolayne Rodrigues Silva
Letícia Moura da Silva Patrício
Aline de Lima Sousa
Consuelena Lopes Leitão
Iolete Ribeiro da Silva
Introdução
179
violência referentes a mulheres pretas. Apesar de existirem pessoas
pretas com vulvas que se encontram diante de violência obstétrica,
este ensaio será direcionado a mulheres pretas e cisgêneras.
O tema deste ensaio se articula com a temática violência
obstétrica estudada pela primeira autora em sua dissertação, além
disso integra os estudos voltados ao racismo, sexismo, classismo e
direitos humanos desenvolvidos pelas outras autoras.
Vale ressaltar que fazem parte da autoria deste estudo uma
mulher negra e uma mulher não-binária, pois essa diversidade de
perspectivas enriquece a discussão sobre questões relacionadas à
violência obstétrica. Ao reconhecer e valorizar as vozes e
experiências de mulheres de diferentes origens e identidades de
gênero, podemos trazer à tona uma análise mais abrangente e
sensível sobre o tema. Todavia, essa temática está sendo abordada
também por levar em conta nosso horizonte histórico, o qual se
apoia em bases binárias e misóginas que ditam os papéis sociais
aprisionadores de corpos e mentes de mulheres. Essas são vistas
apenas como corpos com função reprodutiva e de cuidado, cujas
decisões sobre seus corpos são limitadas, impostas por um sistema
patriarcal que não considera as existências femininas e despreza
ainda mais as mulheres pretas, gerando desse modo impacto na
assistência que estas recebem nas políticas de saúde. Por isso, é
necessário que se reflita não apenas sobre violência obstétrica de
forma geral, mas sobre o racismo obstétrico que atinge mulheres
pretas não apenas por seu gênero, mas por serem pretas e, por vezes,
de origens periféricas.
Assim, este ensaio busca compreender como as práticas do
racismo obstétrico afetam a existência de mulheres pretas, a partir
da perspectiva da interseccionalidade. Entende-se que certas
práticas terminam sendo rotineiras no âmbito hospitalar, as quais
podem representar violências normalizadas oriundas do racismo
institucional e, muitas vezes, passam despercebidas pelos
profissionais e pelas vítimas, especialmente quando dirigidas às
mulheres pretas, sendo por isso, necessário compreender as práxis
que sustentam tal lógica. Nesse sentido, o problema que delineia o
presente ensaio se norteia a partir da seguinte questão: Como a
180
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
181
do status quo da branquitude, refletindo na forma de tratamento de
como as instituições abordam os indivíduos pretos.
Na saúde, o racismo institucional se manifesta na prestação
de serviços dos profissionais que, por vezes, estigmatizam e
minimizam o sofrimento da população preta, especialmente
durante o pré-natal e parto de mulheres pretas (Oliveira; Kubiak,
2019). Durante o governo Lula, em 2009, foi aprovada a política
nacional de saúde integral da população preta, dentre essas situações
ligadas ao descaso na prevenção de doenças, mortalidade infantil,
destaca-se a mortalidade materna de mulheres pretas vítimas de um
descaso na assistência durante a gravidez, parto e puerpério - todas
questões atreladas ao racismo institucional e racismo obstétrico
(Carneiro, 2011). Mulheres pretas estão mais sujeitas a mortes
maternas e esse fenômeno está ligado ao termo que Crenshaw
determinou como superinclusão (Lima; Pimentel; Lyra, 2021). A
superinclusão se caracteriza como algo que afeta um grupo
específico de mulheres de forma desproporcional, a situação em que
é desproporcional e está ligada ao racismo, por exemplo, é lida como
uma questão de gênero apenas (Crenshaw, 2002).
Em uma pesquisa sobre a prevalência de disparidades
raciais na assistência pré-natal e parto no Brasil, observa-se que em
2018, 67,37% das mulheres pretas e 65,71% das mulheres pardas
tiveram o número mínimo de consultas recomendadas. No entanto,
esse percentual ficou abaixo do quantitativo de consultas necessárias
no pré-natal das mulheres brancas, que foi de 80,80% (Costa;
Mascarello, 2022). As diferenças raciais na realidade institucional
também se traduzem nos dados referentes à mortalidade materna,
possíveis reflexos da violência obstétrica (Diniz et al., 2015). As
mulheres pretas possuem mais chances de morrer por causas
relacionadas à gravidez, parto ou pós-parto, com cerca de 65%
acima da de mulheres brancas (Ferreira, 2018).
Considerando o Relatório Anual Socioeconômico da
Mulher – RASEAM, referente a 2020, observa-se que mulheres
pretas e pardas são as maiores vítimas da mortalidade materna, em
percentuais de 11,7% e 54,3% respectivamente, se comparadas à
30,1% de mulheres brancas em todo o Brasil. Na época, conforme o
relatório, o norte do país ocupava o terceiro maior índice de
182
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
183
dar ênfase à matriz de opressão/ privilégio (Nogueira, 2021). Além
disso, essa é utilizada para explorar estudos direcionados à saúde
materna, às experiências de racismo, gênero, classe e ciclo puerperal
(Hemphill et al. 2023).
Desse modo, é importante considerar as discriminações
interseccionalizadas às quais mulheres pretas estão expostas. Alguns
marcadores acerca de mulheres pretas não são considerados em
pautas feministas, como raça, classe social, contudo afetam
diretamente a existência dessas mulheres, contribuindo com a
manutenção e formação de desigualdades (Crenshaw, 2002).
Durante o período de escravidão, as mulheres pretas
sofriam de formas diferentes, como maus tratos e abusos sexuais. A
partir da conveniência dos senhores, as mulheres eram lidas
enquanto sem gênero; para serem exploradas em atividades braçais,
eram lidas como homens; e, para serem violentadas e exploradas,
eram lidas como mulheres. Ao mesmo tempo que os homens pretos
eram açoitados e mutilados, as mulheres pretas eram açoitadas,
mutiladas e violentadas (Davis, 2016).
Essa realidade oriunda a partir do período de escravidão,
demonstra que existe uma particularidade no racismo sofrido entre
homens e mulheres. Mulheres pretas, além de serem vítimas do
racismo, também sofrem violência de gênero, existindo uma
especificidade quanto ao gênero (Crenshaw, 2002). Olhar para essas
particularidades é entender que, ainda que homens pretos sofram
racismo, o machismo e o sexismo lhes dão condições inclusive para
que violentem e oprimam as mulheres (hooks, 2015). São assim,
intersecções que se estabelecem em caminhos pouco horizontais e
lineares, ocorrendo em diferentes fluxos que perpassam o gênero, a
raça, o corpo, a classe social, a saúde e a informação sobre o racismo,
o processo de gravidez e o parto.
A partir disso, destaca-se que os atos de violência obstétrica
estão ligados a condições socioeconômicas das mulheres, e o
tratamento rude era destinado às mulheres pretas e em
vulnerabilidade social (Smith-Oka, 2015 apud Menezes et al., 2020).
Esses preconceitos e estereótipos arraigados, ainda presentes na
sociedade, desde o período da escravidão, são perpetuados por meio
de atitudes que reproduzem desigualdades. A realidade atual reflete
184
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
185
portanto, uma questão central, mantida por meio do modelo
patriarcal, baseado no poder, domínio e opressão que homens
exercem contra as mulheres (Leite et al., 2019).
A violência contra a mulher se manifesta de duas formas:
coletiva e interpessoal. A violência coletiva está ligada aos atos
perpetrados pelo Estado ou por instituições, como a violência
policial, terrorismo, escravização sexual em períodos de guerra ou
ditaduras e outras formas de subordinação. Já a interpessoal se
caracteriza pela violência praticada por indivíduos que tem ou não
vínculo com a vítima, manifestando-se na comunidade ou
domicílio, como a violência doméstica, a coerção reprodutiva,
assédio sexual, estupros e mutilações, dentre outras formas de
opressão (Leite et al., 2022).
Além das formas coletiva e interpessoal, a violência também
pode ser estrutural e simbólica. A violência estrutural está enraizada
nas normas, instituições e estruturas sociais, e perpetua
desigualdade de gênero e vários tipos de violência (física,
psicológica, patrimonial, moral e sexual). Já, a violência estrutural
manifesta-se por meio de sistemas e políticas que marginalizam as
mulheres, negando-lhes acesso a recursos e oportunidades,
limitando sua participação na tomada de decisões e reforçando
estereótipos de gênero. Essa forma de violência pode ser observada
em disparidades salariais, falta de representação política e
obstáculos enfrentados no mercado de trabalho. Na violência
estrutural, destaca-se como as desigualdades de gênero se
entrelaçam com o racismo, trazendo à tona formas sistemáticas de
opressão e discriminação, especialmente às mulheres pretas e
periféricas (Ribeiro, 2018).
A violência simbólica refere-se às práticas, discursos e
símbolos que perpetuam a subordinação das mulheres e reforçam as
desigualdades de poder. Ela se manifesta em estereótipos de gênero,
linguagem sexista, objetificação em diversos espaços, além de
padrões rígidos de comportamento e aparência. Essa forma de
violência contribui para a manutenção de uma cultura que
desvaloriza e silencia as mulheres, restringindo sua autonomia e
reforçando relações de poder desiguais.
186
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
187
confrontada por profissionais que buscam concluir seu trabalho e
sair do plantão. Essas situações revelam a violência obstétrica, onde
poder e controle são exercidos sobre a mulher, desconsiderando
suas necessidades, desejos e direitos durante o processo de parto.
Chegar a um conceito do que seria a violência obstétrica
ainda é um longo caminho que está sendo trilhado. A literatura nos
disponibiliza um acervo de definições, dependendo do país e das
legislações que se destinam a essas violências. A falta de definição e
consenso não é algo exclusivo da América Latina ou do Brasil, e sim
uma questão mundial, visto que países da Ásia, África e Europa se
encontram no mesmo impasse. São poucos os países envolvidos em
legislações sobre Violência Obstétrica, e um deles é a Venezuela, que
tem uma legislação promulgada em 2007 a qual defende os Direitos
das mulheres a uma vida livre de violência. Essa legislação ainda
define que a violência obstétrica é toda conduta, ação ou omissão da
equipe de saúde, que oprima e se aproprie do corpo e dos processos
reprodutivos das mulheres, gerando a perda de autonomia.
Observa-se ainda que a Argentina aprovou uma Lei em 2009, que
define a violência obstétrica e a violência contra a liberdade
reprodutiva, caracterizando-as como: tratamento desumanizado,
abusos de medicamento, interrupções sem necessidades durante o
ciclo gravídico puerperal (Leite et al., 2022).
No Brasil, existem programas que buscam reverter o cenário
dramático no âmbito obstétrico: o Programa Nacional de
Humanização do Parto e Nascimento (Brasil, 2017), Lei do
Acompanhante, Rede Cegonha - Rede de Atenção Materno Infantil
e Diretriz Nacional de Atenção à Gestante (Brasil, 2005). Em 2019, o
Ministério da Saúde publicou um ofício (n° 017/19 - JUR/ SEC) que
torna inadequado o termo Violência Obstétrica em documentos
legais e em políticas públicas, o que gerou revolta entre os ativistas
(Henriques, 2021).
Uma das definições utilizadas no Brasil de violência
obstétrica, a classifica como uma das violências de gênero, porém,
essa violência é causada por profissionais da área da saúde que estão
assistindo às mulheres durante o pré-natal, parto, puerpério e
abortamento. Em síntese, a violência obstétrica se manifesta por
meio de maus-tratos físicos, psicológicos e verbais em práticas
188
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
189
e em raros casos, com a alforria, as mães escravizadas que geravam
grandes quantidades de filhos (Cooper Owens, 2017).
Conforme a medicina avançava, a obstetrícia, que antes era
predominantemente realizada por parteiras, passou a ser explorada
e estudada por médicos brancos. Apesar dos avanços nesse campo,
como procedimentos cirúrgicos durante os partos e cirurgias de
remoção de ovários doentes, os quais contribuíram para a medicina
obstétrica se estabelecer como ciência, é importante reconhecer que
o passado dessa área está interligado às parcerias entre médicos e
senhores de escravos com acesso irrestrito aos corpos das mulheres
pretas (Cooper Owens, 2017). Em resumo, ao longo da história da
medicina, o corpo das mulheres pretas foi frequentemente visto
apenas como um objeto descartável, utilizado como experimento
pelos homens brancos, desconsiderando seus direitos reprodutivos e
sua dignidade.
190
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
191
promovem a redução das diferenças sociodemográficas (Oliveira;
Kubiak, 2019).
No contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), em nome da
ciência e de um suposto saber superior médico, os profissionais
podem propagar discursos e práticas violentas, preconceituosas e
racistas contra mulheres pretas durante o ciclo gravídico puerperal.
Vale ressaltar que a ciência se fundamentou a partir de práticas que
fortaleceram o racismo no Brasil, com discursos que idealizam uma
suposta superioridade e inferioridade acerca das raças (Curi;
Ribeiro; Marra, 2020).
Apesar do racismo obstétrico ocorrer durante todo o ciclo
gravídico puerperal, é durante o parto que ocorrem algumas
intervenções invasivas, abusos, maus-tratos e agressões que violam
os direitos reprodutivos (Resende; França, 2021). Dessa forma,
apresentaremos alguns dos principais procedimentos e intervenções
que se distanciam da lógica da humanização e não possuem
evidências científicas, podendo até mesmo provocar complicações
graves no binômio mãe-bebê, não sendo recomendadas pela
Organização Mundial da Saúde (OMS). É válido ressaltar que
algumas práticas pontuadas ainda são perpetuadas no âmbito
hospitalar e discernir sobre elas é uma forma de contribuir para o
conhecimento do que se configura violência obstétrica.
A violência obstétrica pode se dividir em quatro categorias,
sendo elas: violência verbal e/ou psicológica, física, por negligência
e sexual (Barboza; Mota, 2016). Algumas dessas práticas, baseando-
se no estudo de Mena-Tudela et al. (2020), consistem no tratamento
desrespeitoso ou ofensivo, abuso físico ou verbal, humilhação,
realização de procedimentos médicos sem consentimento da
mulher ou sob coação, falta de confidencialidade, recusa em
administrar analgésicos alegando que a dor não é intensa, bater na
parturiente, forçar a mesma a ficar em uma posição que não a
agrade, dentre outras formas de abusos e maus-tratos. Outra prática
a ser pontuada é quando o profissional se nega a prestar
informações sobre os procedimentos que vão ser realizados no
corpo da puérpera (Barboza; Mota, 2016).
Outra forma de violência obstétrica é a proibição de
acompanhante durante o trabalho de parto e pós-parto. O suporte à
192
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
193
contra a dominação dos homens, quanto dos brancos, não
ocupando nenhum espaço na sociedade (Resende; França, 2021).
Considerações finais
194
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
Referências
195
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196
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
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197
CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de
especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao
gênero. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p.
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026X2002000100011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 06 de jun.
2023.
198
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
199
2015. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/0103-
335220151608>. Acesso em 06 de jun. 2023.
200
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
em: <https://doi.org/10.1590/1413-812320222710.01282022>.
Acesso em 06 de jun. 2023.
201
MENA-TUDELA, Desirée; ROMAN, Pablo; GONZÁLEZ-
CHORDÁ, Victor Manoel; RODRIGUEZ-ARRASTIA, Miguel;
GUTIÉRREZ-CASCAJARES, Lourdes; ROPERO-PADILLA,
Carmen. Experiences with obstetric violence among healthcare
professionals and students in Spain: A constructivist grounded
theory study. Elsevier¸ v.36, n.2, pp. 219-226, mar. 2023. Disponível
em: <https://doi.org/10.1016/j.wombi.2022.07.169>. Acesso em 09
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202
RACISMO OBSTÉTRICO, INTERSECCIONALIDADE E A ASSISTÊNCIA A MULHERES
PRETAS NO CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
SILVA, Helena Clécia Barbosa da; LIMA, Telma Cristiane Sasso de.
Racismo institucional: violação do direito à saúde e demanda ao
Serviço Social. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 24, n. 2, p. 331-
341, mai./ago. 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1982-
0259.2021.e77586>. Acesso em 07 de jun. 2023.
203
Mini Currículo
204
INTERSECCIONALIDADE ENTRE RAÇA E GÊNERO: UMA REFLEXÃO ACERCA DA
VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NAS ESCOLAS DE EJA DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE MANAUS/AM
INTERSECCIONALIDADE
ENTRE RAÇA E GÊNERO: UMA
REFLEXÃO ACERCA DA
VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NAS
ESCOLAS DE EJA DA REDE
PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE MANAUS/AM
Débora Napoleão de Sena
Márcio de Oliveira
Introdução
205
Diante dessas reflexões, realizou-se uma pesquisa com o
propósito de responder: Como a interseccionalidade de raça e
gênero contribui para a violência simbólica nas escolas de Educação
de Jovens, Adultos/as e Idosos/as da Rede Pública Municipal de
Ensino de Manaus/AM?
Para tanto, traçou-se como objetivo geral compreender
como a interseccionalidade de raça e gênero contribui para a
violência simbólica nas escolas de Educação de Jovens, Adultos/as e
Idosos/as da Rede Pública Municipal de Ensino de Manaus/AM. E
como objetivos específicos: a) Identificar os sujeitos que compõem o
público da Educação de Jovens, Adultos/as e Idosos/as; b)
Apresentar a interseccionalidade como uma possibilidade de análise
das exclusões de gênero e de raça; e, c) Analisar como a
interseccionalidade de gênero e raça contribui para a violência
simbólica nas escolas de EJA da Rede Pública Municipal de Ensino
de Manaus/AM.
Para atingir os objetivos, utilizou-se como abordagem
metodológica a pesquisa qualitativa, pois “[...] parte do fundamento
de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma
interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo
indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito”
(Chizzotti, 2000, p. 79). Como procedimento de coleta de dados,
utilizou-se a pesquisa bibliográfica, que consiste em utilizar-se “[...]
de dados ou de categorias teóricas já trabalhadas por outros
pesquisadores e devidamente registrados” (Severino, 2016, p.131).
Quanto à fundamentação teórica, o estudo dialoga com
autores/as como: Bourdieu (2010), Oliveira; Peixoto e Maio (2018),
Almeida (2019), Ruas e Quirino (2019), Collins e Bilge (2020), Sena
(2022), Valentim e Souza (2020), dentre outros/as. É oportuno
salientar que o presente capítulo está estruturado em 3 (três) seções,
denominadas de: Os sujeitos da Educação de Jovens, Adultos/as e
Idosos/as; A interseccionalidade: uma possibilidade de análise das
exclusões de gênero e de raça; e, A interseccionalidade de gênero e
raça: implicações para a violência simbólica nas escolas de EJA da
Rede Pública Municipal de Ensino de Manaus/AM. Ressalta-se que
as seções foram elaboradas a partir dos objetivos específicos da
referida pesquisa.
206
INTERSECCIONALIDADE ENTRE RAÇA E GÊNERO: UMA REFLEXÃO ACERCA DA
VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NAS ESCOLAS DE EJA DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE MANAUS/AM
207
O predomínio de estudantes mulheres na EJA, tanto no
âmbito nacional como municipal, pode refletir as desigualdades de
gênero presentes na sociedade brasileira, como, por exemplo, a falta
de acesso dessas mulheres à educação formal em idades mais jovens;
uma gravidez precoce, em que a adolescente vê-se obrigada a
abandonar a escola para dedicar-se à maternidade, retomando os
estudos tardiamente; a interrupção da vida escolar em virtude das
responsabilidades familiares e domésticas – responsabilidades essas
que são historicamente destinadas ao gênero feminino. Dados do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira – INEP reafirmam essa realidade, ao destacar que 58,9%
das matrículas nesta modalidade de ensino são de mulheres acima
de 30 anos (Brasil, 2023).
Desse modo, tal disparidade destaca a relevância de abordar
e combater as desigualdades de gênero, para isso, torna-se
necessário criar oportunidades educacionais para todos/as,
independentemente do gênero.
Em relação à raça/cor, percebe-se que os/as estudantes
autodeclarados/as como brancos/as, constituem apenas 6% do
público da EJA; e, os/as autodeclarados/as como pretos/as e
208
INTERSECCIONALIDADE ENTRE RAÇA E GÊNERO: UMA REFLEXÃO ACERCA DA
VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NAS ESCOLAS DE EJA DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE MANAUS/AM
209
privados do acesso à cultura letrada, aos bens culturais e sociais,
comprometendo uma participação mais ativa no mundo do
trabalho, da política e da cultura (Paiva, 1983).
210
INTERSECCIONALIDADE ENTRE RAÇA E GÊNERO: UMA REFLEXÃO ACERCA DA
VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NAS ESCOLAS DE EJA DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE MANAUS/AM
211
Nessa perspectiva, enquanto construção teórica, a
interseccionalidade visa analisar a complexidade das identidades e
das desigualdades sociais por intermédio de um enfoque integrado,
refutando o enclausuramento e a hierarquização dos grandes eixos
da diferenciação social que são as categorias de sexo/gênero, classe,
raça, etnicidade, idade, deficiência e orientação sexual.
Dessa forma, o uso da interseccionalidade como ferramenta
analítica vai além do simples reconhecimento da multiplicidade dos
sistemas de opressão que operam a partir dessas categorias e postula
sua interação na produção e reprodução das desigualdades sociais.
Portanto, o problema interseccional não consiste somente
em não abordar um único tipo de descriminação completo, mas em
não considerar as vulnerabilidades interseccionais de mulheres
marginalizadas, contribuindo para a violação de direitos humanos
(Crenshaw, 2002).
Em se tratando do conceito de gênero, Oliveira, Peixoto e
Maio (2018, p. 31) apontam que o seu objetivo é
212
INTERSECCIONALIDADE ENTRE RAÇA E GÊNERO: UMA REFLEXÃO ACERCA DA
VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NAS ESCOLAS DE EJA DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE MANAUS/AM
213
as diversas manifestações de racismo em ascensão no mundo
inteiro, inclusive no Brasil.
Desse modo, a raça tem sido o fundamento do racismo, em
que determinados grupos raciais se definem como superiores a
outros. Para Almeida (2019) o racismo se manifesta na sociedade de
forma individual, institucional e estrutural, estabelecendo os lugares
que podem ser ocupados por determinados grupos raciais. Vale
destacar que toda prática de racismo deve ser combatida, prevenida
e punida.
Na obra literária O avesso da pele, Tenório (2020) ilustra
muito bem o cotidiano de uma família negra na cidade de Porto
Alegre - RS, a qual vivencia o racismo impregnado na sociedade
brasileira e a ausência de políticas públicas por parte do Estado. O
autor discute o peso que a cor da pele exerce sobre as pessoas. Desde
muito cedo o personagem de Henrique sofre racismo, seja durante a
infância, em uma partida de futebol inocente com os amigos; seja na
adolescência, quando aos quatorze anos sentiu “[...] o ferro frio de
uma algema nos pulsos” ao ser confundido com um bandido
(Tenório, 2020, p. 18); seja na juventude, quando aos dezenove anos
durante uma entrevista de emprego foi vítima de racismo ao ouvir a
frase “[...] não gosto de negros” (Tenório, 2020, p. 18) e até mesmo
na vida adulta, ao ser parado pela polícia incontáveis vezes e
terminar sendo assassinado em uma abordagem policial.
Portanto, o racismo se materializa como uma discriminação
racial, caracterizada pelo caráter sistêmico de um processo em que
as condições de subalternidade de um grupo social e os privilégios
de outro, encontram condições de reprodução nos âmbitos da
política, da economia e das relações cotidianas. Uma das expressões
mais cruéis do racismo manifesta-se por meio da violência. No
Brasil, por exemplo, 76,5% das pessoas assassinadas em 2022 eram
negras; 83,1% das mortes por intervenção policial são de negros/as e
apenas 16,6% de brancos/as (FBSP, 2023).
O recorte, em termos de raça/cor das mulheres vítimas de
violência letal no Brasil, reafirma os elementos de racismo que
perpassam todas as modalidades criminosas no país, de um jeito ou
de outro. Entre as vítimas de feminicídio, têm-se que 61,1% eram
negras e 38,4% brancas. Nos demais assassinatos de mulheres, o
214
INTERSECCIONALIDADE ENTRE RAÇA E GÊNERO: UMA REFLEXÃO ACERCA DA
VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NAS ESCOLAS DE EJA DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE MANAUS/AM
215
relação a expressão social mais perversa, a desigualdade, presente
em todos os âmbitos da vida social, em especial na EJA, considerada
por muito tempo como uma modalidade de ensino direcionada
apenas para adultos/as analfabetos/as.
Desse modo, a visão interseccional permite evidenciar a
fragilidade de alguns grupos sociais que possuem marcas
identitárias que revelam posições de vulnerabilidade social, o que
pode ser notado pela análise interseccional de gênero, classe, cor e
escolaridade (Ruas; Quirino, 2018).
216
INTERSECCIONALIDADE ENTRE RAÇA E GÊNERO: UMA REFLEXÃO ACERCA DA
VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NAS ESCOLAS DE EJA DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE MANAUS/AM
217
Ressalta-se que, no Brasil, a população negra é discriminada
por seus traços fenotípicos. Assim, ao ter o corpo e cabelo
desvalorizados, reforçam-se estereótipos e representações negativas,
desqualificando a estética dos/as negros/as.
Para Coutrim (2014, p. 68), “[...] apesar de saber que a
estética negra é extremamente desvalorizada socialmente, manter e
resgatar o cabelo crespo demonstra um resgate da memória, da
cultura e espiritualidade ancestrais do/a negro/a”. Nesse sentido,
Gomes (2003) afirma o desafio enfrentado pela população negra
brasileira para construir uma identidade negra positiva em uma
sociedade que, historicamente, ensina aos/as negros/as, desde muito
cedo, que para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo.
Para Carneiro (2011, p. 73), “[...] a fuga da negritude é a
medida da consciência de sua rejeição social e o desembarque dela
sempre foi incentivado e visto com bons olhos pela sociedade”. Cada
negro/a claro/a ou escuro/a que celebre sua mestiçagem – ou
suposta morenidade – contra sua identidade negra tem aceitação
garantida. O mesmo ocorre com aquele/a que afirma que o
problema é somente de classe e não de raça (Carneiro, 2011).
Para Nogueira (1998), à medida que o/a negro/a se depara
com o esfacelamento de sua identidade negra, ele/a se vê obrigado/a
a internacionalizar um ideal branco. Entretanto, o caráter
inconciliável desse ideal de ego com sua condição biológica de ser
negro/a exigirá um enorme esforço a fim de conciliar um ego e um
ideal, e o conjunto desses sacrifícios pode acarretar um
desequilíbrio psíquico.
A violência simbólica no ambiente escolar também aparece
por meio de gestos, condutas, agressões hostis, mas principalmente,
por atitudes consideradas “normais” pela sociedade, como por
exemplo, quando o/a professor/a privilegia sempre determinados
estudantes brancos/as para certas atividades. Essa seletividade social
pode ser observada nas apresentações extracurriculares das escolas,
onde ao/à estudante branco/a está reservado o espaço de destaque,
enquanto ao/à estudante negro/a são direcionadas atividades mais
submissas dentro da estrutura social.
Para Carneiro (2011), a relação professor/a-estudante
mostra que os/as estudantes brancos/as recebem mais
218
INTERSECCIONALIDADE ENTRE RAÇA E GÊNERO: UMA REFLEXÃO ACERCA DA
VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NAS ESCOLAS DE EJA DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE MANAUS/AM
219
Segundo Carneiro (2011), diante dessas atitudes racistas, a
autoestima dessas estudantes e sua autorrepresentação ficam
seriamente abaladas. A imagem de si mesmas seria inferiorizada e as
estudantes brancas que presenciaram as cenas provavelmente se
sentirão superiores a elas, estabelecendo-se assim, “[...] o círculo
vicioso do racismo que estigmatiza uns/umas e gera vantagens e
privilégios para outros/as” (Carneiro, 2011, p. 76).
É oportuno destacar que as práticas cotidianas no ambiente
escolar podem determinar tanto a manutenção e reprodução de
preconceitos, quanto a mudança de paradigmas e a construção de
novos valores a partir do respeito às diferenças e da promoção da
igualdade. Para Bourdieu (1998), a violência simbólica não acontece
apenas entre estudantes, mas também com os/as profissionais da
educação. Quanto mais elevado/a for a posição social do indivíduo
maior será a capacidade de impor algo sobre os/as demais. Por isso,
acredita-se que toda a ação pedagógica se trata de uma violência
simbólica, visto que todos/as impõem algo sobre seus “inferiores”,
inclusive os/as professores/as sobre seus/suas estudantes.
Nessa perspectiva, toda ação pedagógica se trata de uma
violência simbólica, porque o/a professor/a tenta, arbitrariamente,
impor uma cultura que não está inserida em alguns/algumas
estudantes. Para que esse fenômeno não ocorra no ambiente escolar
é necessário que esses/as profissionais estejam preparados/as para
lidar com as diferentes realidades de seus/suas estudantes,
especialmente na Educação de Jovens, Adultos/as e Idosos/as.
Assim sendo, a escola tem o papel de posicionar-se diante
das relações de dominação, definindo o que pretende promover
neste espaço de formação: uma Educação racista, machista e sexista
ou uma Educação que questiona as discriminações vivenciadas ao
longo da história por diferentes grupos sociais. Desse modo, ela
necessita desenvolver ações eficazes, visando à emancipação dos
diferentes sujeitos de direitos desenvolvendo práticas sociais para
superar o preconceito e a discriminação racial.
220
INTERSECCIONALIDADE ENTRE RAÇA E GÊNERO: UMA REFLEXÃO ACERCA DA
VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NAS ESCOLAS DE EJA DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE MANAUS/AM
Considerações finais
221
deve propor atividades no sentido de historicizar as ações e o
protagonismo de mulheres negras.
Referências
222
INTERSECCIONALIDADE ENTRE RAÇA E GÊNERO: UMA REFLEXÃO ACERCA DA
VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NAS ESCOLAS DE EJA DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE MANAUS/AM
223
questões de gênero e sexualidade. Revista Amazônida, Manaus,
vol. 03, n. 02, 2018, p. 27 – 39. Disponível em: < https://periodicos.
ufam.edu.br/index.php/amazonida/article/view/4893/4181>.
Acesso em: 07 ago. 2023.
224
INTERSECCIONALIDADE ENTRE RAÇA E GÊNERO: UMA REFLEXÃO ACERCA DA
VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NAS ESCOLAS DE EJA DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE
ENSINO DE MANAUS/AM
publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/
49743/34967>. Acesso em: 07 ago. 2023.
Mini Currículo
Márcio de Oliveira
Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM). Mestre em Educação e Licenciado em Pedagogia pela UEM.
Docente na Faculdade de Educação da Universidade Federal do
Amazonas. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Amazonas. E-mail:
[email protected] Lattes: http://lattes.cnpq.br/
2808188859997677.
225
FEMINISMO NEGRO
INTERSECCIONAL:
CONTRIBUIÇÕES PARA UM
(RE)PENSAR DA ENSINAGEM
Raescla Ribeiro de Oliveira
Introdução
228
FEMINISMO NEGRO INTERSECCIONAL: CONTRIBUIÇÕES PARA UM (RE)PENSAR
DA ENSINAGEM
229
permaneceu por muito tempo e no final da
década de 1920 tem início uma política estatal
para destituir essas professoras (e os
professores negros) de suas funções, bem
como do cargo de diretoras/es das escolas
primárias e técnicas. Nos anos iniciais da
década de 1930, as netas de ex-escravizadas
haviam sido expulsas da profissão de
normalistas (Oliveira, 2018, p. 34-35).
230
FEMINISMO NEGRO INTERSECCIONAL: CONTRIBUIÇÕES PARA UM (RE)PENSAR
DA ENSINAGEM
231
melhor repensar as nossas práticas cotidianas de planejamento.
Nesse sentido, elaborei um modelo Interseccional de Ensinagem
inspirado nos constructos da teoria Feminista Negra Interseccional
de Patrícia Hill Collins (2016) e no espiral da Aprendizagem
Criativa de Mitchel Resnick (2020).
232
FEMINISMO NEGRO INTERSECCIONAL: CONTRIBUIÇÕES PARA UM (RE)PENSAR
DA ENSINAGEM
233
discorressem sobre seus significados. A partir disso, identifiquei por
meio das contribuições de Ricardo Lopes Correia, Samira Lima da
Costa e Marco Akerman (2017, p.24), no artigo “Processos de
ensinagem em desenvolvimento local participativo”, que o termo foi
“cunhado por Léa das Graças Camargo Anastasiou em 1994, para se
referir a uma prática social, crítica e complexa em educação entre
professor e estudante”. No trabalho de Léa Anastasiou há a seguinte
definição para o termo:
234
FEMINISMO NEGRO INTERSECCIONAL: CONTRIBUIÇÕES PARA UM (RE)PENSAR
DA ENSINAGEM
235
A proposta é que o espiral possa ser utilizado de forma
interativa pelas professoras e pelos professores durante o
planejamento de uma aula ou projeto. Ao planejar e passar pelo
espiral, a pessoa responsável pelo material pode se questionar “Meu
plano de aula é representativo para?”. Na primeira ondulação há o
aspecto gênero, se considerar o plano representativo para tal basta
colorir a ondulação gênero. Na sequência há outros aspectos como
raça-etnia, classe, território e sexualidade. Ao fim do espiral, há a
indicação “Adicionar mais cor ao plano”, as setas então vão indicar
“Pesquise”, depois “Crie”, planeje novamente. Com isso temos um
exercício importante para a elaboração e reelaboração de planos de
aula de formas mais inclusivas.
Esse é apenas um modelo inicial, considero ser necessário
ampliar as ondulações desse espiral. Compreendo também que nem
sempre será possível contemplar todas as ondulações, mas vejo que
esse exercício é um importante caminho para tornar as práticas em
sala de aula menos excludentes e mais antirracistas e antissexistas.
Lembrando de minhas vivências como estudante da
graduação e da pós-graduação, penso que, se o espiral fosse aplicado
no planejamento, teria tido contato com uma bibliografia menos
eurocêntrica, branca, cis-heteronormativa e masculina.
Para melhor demonstrar as possibilidades do uso deste
espiral trouxe como exemplo uma sequência didática que elaborei e
executei no ano de 2021 com uma turma da Educação Infantil. No
período, realizei o exercício de pensar a proposta em uma
perspectiva interseccional, mas ainda não dispunha do modelo
exposto neste trabalho. Vou exemplificar como seu uso pode
simplificar a elaboração de aulas de forma interseccional.
236
FEMINISMO NEGRO INTERSECCIONAL: CONTRIBUIÇÕES PARA UM (RE)PENSAR
DA ENSINAGEM
237
Se após essas inserções passasse novamente minha ideia
pelo espiral, teria novas ondulações coloridas:
238
FEMINISMO NEGRO INTERSECCIONAL: CONTRIBUIÇÕES PARA UM (RE)PENSAR
DA ENSINAGEM
239
matemática pode também trazer filmes como o “Estrelas além do
tempo” (Melfi, 2016) em que a história de mulheres negras como
Katherine Johnson e suas descobertas são enfatizadas. Chuvas de
ideias devem ser estimuladas com o recurso do espiral da
Ensinagem Interseccional e entrecruzadas com a perspectiva do
espiral da Aprendizagem Criativa.
Ao compartilhar ideias e incentivar os próprios estudantes a
participarem com ideias estaremos mais próximos de um futuro que
contemple nossas diferenças e receba assim o colorir do nosso giz,
conforme a imagem abaixo:
Referências
240
FEMINISMO NEGRO INTERSECCIONAL: CONTRIBUIÇÕES PARA UM (RE)PENSAR
DA ENSINAGEM
241
CRENSHAW, Kimberle. A interseccionalidade na discriminação
de raça e gênero, 2012. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/
mod/resource/view.php?id=2295749&forceview=1>. Acesso em 10
nov. 2023.
MIGA, Sua Lôca Cultura Diversidade. [S. l.], 2023. Disponível em:
<https://www.facebook.com/migasualocaculturadiversidade>.
Acesso em: 2 dez. 2023.
242
FEMINISMO NEGRO INTERSECCIONAL: CONTRIBUIÇÕES PARA UM (RE)PENSAR
DA ENSINAGEM
Mini currículo
243
GÊNERO E SEXUALIDADE NAS
POLÍTICAS PÚBLICAS
EDUCACIONAIS: INDICADORES
SOCIAIS E MÉTRICAS PARA A
AVALIAÇÃO NA PROMOÇÃO DA
INCLUSÃO
Maise Caroline Zucco
246
GÊNERO E SEXUALIDADE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
INDICADORES SOCIAIS E MÉTRICAS PARA A AVALIAÇÃO NA PROMOÇÃO DA
INCLUSÃO
247
Horizonte, Brasília, São Paulo, Fortaleza e Belém identifica que para
meninas e meninos negros o peso do racismo estruturado nas
práticas e cotidiano escolares impactavam diretamente na sua
relação com os estudos. Embora o grupo investigado estivesse
cursando a escola e não represente o universo de evasão e
desistência, o desinteresse pelos estudos e desânimo em ir para a
instituição foram narrados a partir da experiência de práticas
discriminatórias e naturalização das injúrias raciais e racismo.
Esse foi um contexto histórico nacional em que uma série
de iniciativas por parte do Estado estavam em vigor para promoção
dos debates nos ambientes escolares. Desde 1989, com a Lei de
Crime Racial (nº. 7.716) (BRASIL, 1989), as discriminações e os
preconceitos relativos à raça, cor, etnia foram tipificados
juridicamente, pontuando que a injúria racial, antes prevista apenas
no Código Penal, viesse a ganhar nova estrutura com o aumento da
pena na Lei 14.532, no ano de 2023 (BRASIL, 2023). No que se
refere à documentação que orienta a prática docente, o debate
étnico racial esteve, assim como está, presente nos temas
transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais desde a segunda
metade da década de 1990 e com as leis 10.639 de 2003 (BRASIL,
2003) e 11.645 de 2008 (BRASIL, 2008), passou a integrar o
currículo da educação básica, do ensino superior, principalmente
nas licenciaturas. Em acréscimo, ainda podemos destacar a série de
cursos de formação continuada e especialização promovidos pela
SECADI nos anos 2000, possibilitando a instrumentalização de
docentes atuantes na Rede. Esse movimento permitiu que
professoras e professores com conclusão das licenciaturas anteriores
aos novos currículos pudessem receber capacitação e, ainda, como
iniciativa voltada à reestruturação em vigor naquele período, foi
incentivada a inclusão do tema nos materiais com o acréscimo do
recorte étnico racial promovido pelo Plano Nacional do Livro
Didático. Essas são apenas algumas das iniciativas, dentro do campo
das políticas públicas educacionais, direcionadas ao combate do
racismo e das desigualdades sociais provenientes dessa opressão.
Entretanto, mesmo diante de uma trajetória de proposições
governamentais, cabe destacar a parcialidade da efetividade dessas
ações com as constantes ponderações sobre como as temáticas
248
GÊNERO E SEXUALIDADE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
INDICADORES SOCIAIS E MÉTRICAS PARA A AVALIAÇÃO NA PROMOÇÃO DA
INCLUSÃO
249
de algumas especificidades, em dados coletados do INEP, as
mulheres correspondiam, em 2019, a 60% das pessoas concluintes
nas instituições de ensino superior. Entretanto, ao pensarmos no
marcador racial em associação com o gênero, a diferença entre as
mulheres negras (21%) concluintes é inferior a de brancas (27%).
A publicização dessas informações e a possibilidade de
análise com base na interlocução desses números excedem a função
de instrumentalização das pesquisas acadêmicas. Como observado
anteriormente, os dados desagregados e a possibilidade de
entrecruzamento desses, com a maior especificação das diferenças
entre as experiências sociais e das desigualdades, são relevantes para
a construção de um diagnóstico apropriado e para a identificação
das maiores necessidades de intervenção por parte do Estado.
Os indicadores sociais, dentro das políticas públicas,
cumprem a função de atribuir significado qualitativo a um dado
estatístico, ou quantificável, que possibilita mensurar
constantemente uma realidade social. Para Paulo Martino Januzzi
(2004), os indicadores sociais são instrumentos para monitorar uma
dada realidade social e cumprem uma relevante função de dar
suporte à construção e ao monitoramento das políticas públicas.
Nesse sentido, conhecer a realidade educacional das mulheres, em
sua diversidade, é importante para acompanharmos as
transformações sociais e as mudanças promovidas a partir das
iniciativas empreendidas pelos governos, conhecendo variações
históricas, dentre outras características consideradas positivas aos
indicadores sociais.
Em associação às preocupações políticas pertinentes ao
campo dos estudos feministas, atentar para a identificação dos
marcadores que promovem experiências sociais específicas, frente à
associação de opressões que passam por outros marcadores não
mencionados, como as deficiências e as territorialidades, traz um
alinhamento com o debate interseccional. Dessa forma, tal qual o
conceito de interseccionalidade a preocupação não está apenas na
identificação e na desagregação dos marcadores sociais nos dados
quantitativos e qualitativos levantados pelos organismos
governamentais e institutos de pesquisas, mas nos efeitos desse
levantamento que promovem a identificação das especificidades de
250
GÊNERO E SEXUALIDADE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
INDICADORES SOCIAIS E MÉTRICAS PARA A AVALIAÇÃO NA PROMOÇÃO DA
INCLUSÃO
251
Em síntese, podemos considerar que são produzidos dados
positivamente qualificados para construção de diagnósticos
referentes à educação dentro das especificidades dos indicadores
sociais no que tange à raça, gênero e deficiências, mas não significa
que esse levantamento técnico instrumentaliza a construção de
políticas públicas educacionais alinhadas a essas informações.
Assim, perguntas precisam ser lançadas como, por exemplo, em que
medida aspectos técnicos e números sobre as especificidades
regionais embasam programas e iniciativas estaduais voltadas ao
combate de problemas ligados à educação no que tange o recorte
identitário? Como os dados governamentais produzidos são
avaliados pelo corpo técnico construtor das políticas públicas
educacionais e quais as principais fontes de dados para a construção
dos diagnósticos e delimitações dos problemas a sofrerem
intervenção do Estado? Essas seriam apenas algumas ponderações
diante da breve explanação sobre os números aqui apresentados,
mas que pode ser problematizada sob outra ótica. O exemplo da
pesquisa sobre estudantes negras e negros em diferentes regiões do
Brasil, nos possibilita avaliar que esses dados não dão conta da
complexidade das experiências escolares e das questões que devem
receber atenção e estarem presentes na agenda governamental para
educação. É através de investigações que se debruçam em aspectos
qualitativos, de ordem mais sensível, que podemos ter indicativos
dos formatos mais apropriados de combate às opressões e a
sinalização de metodologias de maior impacto.
Compreender os aspectos históricos dos indicadores no
Brasil, em especial os ligados à população em vulnerabilidade social,
ajudam a entender um campo que é relativamente recente. Embora
a origem da área de indicadores sociais no IBGE seja atribuída ao
ano de 1973, com a criação do Grupo Projeto de Indicadores Sociais
(GPIS) durante a ditadura civil militar, é no final desta década que
novas preocupações alinhadas aos interesses de organismos
internacionais passam a ganhar o empenho institucional. Em
parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), estabelecida no ano de 1979, pesquisas voltadas ao
mapeamento da situação da infância e da adolescência passaram a
ser desenvolvidas pelo IBGE até 1990. A produção desses dados
252
GÊNERO E SEXUALIDADE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
INDICADORES SOCIAIS E MÉTRICAS PARA A AVALIAÇÃO NA PROMOÇÃO DA
INCLUSÃO
253
conjunturas, aos debates internacionais e, ainda, às pressões
populares para a coleta e sistematização de dados. Portanto, os
movimentos sociais também fazem parte dessa narrativa e estão
presentes nas reivindicações e na conquista de indicadores como
uma das respostas sociais possíveis. Não sem disputas, esse
movimento pode ser observado nos debates em torno da inclusão de
questões referentes à orientação sexual no Censo, produzido pelo
IBGE.
De forma geral, o último Censo (2022) passou por desafios
dos mais diversos. Não é possível ignorar uma resistência social que
foi criada em relação ao fornecimento de respostas e ao recebimento
de pessoas do recenseamento, assim como o noticiado corte de
verbas para sua realização. Isso pode ser observado na apresentação
dos primeiros resultados, transmitido pelo canal do IBGE na
plataforma Youtube, em que o então presidente substituto do
Instituto Cimar Azeredo sinalizou para a falta de pessoas para a
coleta de dados e para o atraso de dez meses (IBGE, 2023). Em
entrevista à Agência Brasil complementou a questão pontuando a
dificuldade de contratação com a limitação de recursos que
resultaram em pagamentos baixos (BRASIL, Cristina Índio do,
2023). É nesse contexto, de um Censo brasileiro que deveria ser
referente ao ano de 2020, adiado em 2021 pela Pandemia de Covid-
19 e com resultados divulgados no ano de 2023, que a inclusão da
orientação sexual como item a ser respondido passa a ser
reivindicada de forma pública com maior visibilidade e noticiada
nos meios de comunicação. Essa pressão foi fruto dos movimentos
sociais em um momento histórico de recrudescimento das pautas
ligadas ao debate de gênero e sexualidades. Em relação ao executivo
federal nesse período, suas manifestações públicas antes e durante
sua gestão foram invariavelmente contrárias às pautas LGBTQIAP+,
declarando um combate ao que intitulava “ideologia de gênero” e
que, por sua vez, encontrou ressonância na sociedade civil e em
grupos que se manifestaram nas redes sociais.
Tratando de alguns eventos relativos a essa disputa, em três
de junho de 2023 a inclusão de questões sobre a orientação sexual e
identidade de gênero no Censo 2022 foi determinada por uma
liminar do juiz Herley da Luz Brasil, da 2ª Vara Federal Civil e
254
GÊNERO E SEXUALIDADE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
INDICADORES SOCIAIS E MÉTRICAS PARA A AVALIAÇÃO NA PROMOÇÃO DA
INCLUSÃO
255
Países como Reino Unido, Nova Zelândia e
Estados Unidos vêm realizando testes há anos
e, até o momento, não conseguiram introduzir
o levantamento ora pretendido em seus censos
por motivos técnicos e operacionais.
256
GÊNERO E SEXUALIDADE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
INDICADORES SOCIAIS E MÉTRICAS PARA A AVALIAÇÃO NA PROMOÇÃO DA
INCLUSÃO
6
A utilização da primeira pessoa é intencional e embasada nos debates
feministas sobre a produção do conhecimento científico. Como instiga
Donna Haraway, no texto Saberes Localizados, a produção do saber é
atravessada pelo sujeito da investigação e o reconhecimento dessa
parcialidade expõe uma honestidade analítica possibilitando reconhecer
das escolhas que levam a determinados resultados de pesquisa. Nesse
sentido, o apagamento da pessoa autora na escrita, corrobora com
afirmações universalizantes que historicamente favoreceram a exclusão das
mulheres, da população negra e das sexualidades dissidentes, por exemplo.
257
Embora a pesquisa anterior tenha um universo
investigativo limitado, podemos identificar o crescimento
progressivo de estudos que enfocam a experiência de pessoas
LGBTQIAP+ durante o processo educacional e dos desafios
recorrentes dessa experiência. Em publicação sobre violência nas
escolas realizada para UNESCO, publicizada no ano de 2002, o
abuso sexual e o racismo são identificados como violências
praticadas tanto por estudantes como por docentes. A sexualidade
não aparece na pesquisa e não há menção a palavras como
homossexualidade, lésbicas, gays ou termos correlatos
(ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças, 2002). Em
pesquisa mais recente ligada ao Ministério da Educação (2015),
coordenada também pela professora Miriam Abramovay com o foco
nos motivos que levam jovens a frequentarem as escolas, a
sexualidade e as identidades de gênero aparecem. A referida
pesquisa explorou aspectos da sociabilidade sobre os interesses
estudantis em um campo investigativo constituído de todas as
regiões do Brasil, capitais e uma cidade do interior definida
aleatoriamente e neste levantamento temos uma dimensão de como
os marcadores sociais operam. Para os rapazes, 31,3% manifestaram
não querer ter colegas de turma homossexuais, transgênero,
transexuais e travestis, enquanto para as meninas essa proporção é
de 8% (ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia;
WAISELFISZ, Júlio Jacobo, 2015, p. 94). Segundo a publicação, após
o debate de cotas, que nega a existência do racismo e atribui a
prática a outras pessoas, retirando a autorresponsabilidade diante da
pauta, a homossexualidade foi o tema que mais mobilizou os grupos
focais realizados pela pesquisa. Entre estudantes que se
autodeclararam homossexuais o medo era da violência e a oposição
à manifestação afetiva desse grupo por estudantes em geral foi
justificada por premissas religiosas e morais (ABRAMOVAY,
Miriam; CASTRO, Mary Garcia; WAISELFISZ, Júlio Jacobo, 2015,
p. 174-177). Dos grupos investigados, foi pequeno o número de
pessoas que acreditavam que esses temas não deveriam ser
debatidos no ambiente escolar e cerca de 80% identificaram que a
instituição de ensino deveria se engajar nas questões relativas aos
preconceitos.
258
GÊNERO E SEXUALIDADE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
INDICADORES SOCIAIS E MÉTRICAS PARA A AVALIAÇÃO NA PROMOÇÃO DA
INCLUSÃO
259
masculinidade normativos, por exemplo. Estabelecendo um avanço
nesse diagnóstico frente às preocupações do início dos anos 2000
em torno da violência escolar, o documento identifica que esse perfil
identitário possui três vezes mais chance de sofrer violência no
espaço escolar, onde 85% das pessoas LGBT nos Estados Unidos
sofreram bullying. Na Tailândia, 31% dos estudantes que sofreram
violências de natureza homofóbica narraram, durante o período
investigado, terem se ausentado na escola no último mês. Austrália,
Chile, Dinamarca, El Salvador, Itália e Polônia avaliaram que o
desempenho em relação às pessoas heterossexuais foi pior e, na
Argentina, 45% das pessoas transgêneros abandonaram a escola
(UNESCO, 2019, p. 28-29). No Brasil, essa situação, no ano de 2016,
era de 82% de evasão escolar de pessoas travestis e transgêneros
segundo dados divulgados na mídia pelo então defensor público
João Paulo Carvalho Dias que ocupava a presidência da Comissão
de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil. Nesse
ano a média de permanência escolar era de quatro anos e a evasão e
desistência era sucedida de desemprego, a realização de trabalhos
clandestinos e a prostituição (ALMEIDA, Aline, 2016).
Em suma, indicadores sociais e dados quantificáveis das
experiências vivenciadas pela população a partir de seus marcadores
identitários estabelecem padrões e a possibilidade de replicarmos
essas pesquisas, seguindo os mesmos moldes, favorece a construção
e a identificação das variações históricas, podendo sinalizar as
mudanças sociais promovidas. Como observado no movimento
estabelecido por este ensaio, o levantamento dessas informações
possui relação direta com as demandas sociais e são produzidos
nesses entrecruzamentos com os limites técnicos de coleta e
confiabilidade para garantia de informações que sejam
representativas e possivelmente fidedignas de uma dada realidade. A
sua construção por instâncias do Estado que não oscilem a partir
das transições governamentais faz parte de um dos caminhos
possíveis para a construção de diagnósticos qualificados que
orientem as políticas públicas educacionais no combate às opressões
identitárias. Ainda assim, dentro desse recorte, o universo de
construção é consideravelmente complexo, conforme os fragmentos
aqui apresentados.
260
GÊNERO E SEXUALIDADE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
INDICADORES SOCIAIS E MÉTRICAS PARA A AVALIAÇÃO NA PROMOÇÃO DA
INCLUSÃO
261
programas (VIANA; Ana Luiza, 1996, p.6-43). Em acréscimo, ainda
poderíamos pontuar alguns fluxos como o político, impactado pelo
humor nacional, as forças políticas estabelecidas em uma dada
conjuntura e as mudanças governamentais como pontos a serem
considerados na definição da agenda. Esses se articulariam com os
fluxos de problemas, que é visibilizado pelos indicadores que
constroem o diagnóstico de uma realidade; pelas devolutivas
recebidas diante de ações anteriormente empreendidas; assim como
acontecimentos e crises pontuais que poderiam evidenciam uma
questão. As decisões governamentais ainda seriam pautadas pelos
fluxos de soluções, mobilizado pela aceitação social da ação e da
forma como a questão poderá ser encaminhada, a anuência da
sociedade em relação aos gastos, bem como a viabilidade técnica. É
nesse grupo extenso de fatores em convergência que as janelas de
oportunidades estariam constituídas e uma determinada iniciativa
passaria a integrar a agenda (CAPELLA, Ana Cláudia N., 2006,
p.25-52). Portanto, refletir sobre os indicadores sociais na
construção das políticas públicas não pode ocorrer de forma
ingênua, apenas na crença de que a instrumentalização técnica
possa assegurar escolhas governamentais de maior impacto, até
mesmo pela pluralidade de grupos envolvidos e de instâncias a
qualificarem o que seria a ação mais pertinente.
Em suma, quando tratamos das pautas educacionais
historicamente nomeadas como da “diversidade”, atravessadas por
marcadores identitários múltiplos em suas experiências de opressão,
temos cenários diferenciados de produção e coleta de dados. Uma
solução investigativa seria a escolha de um marcador específico, mas
a necessidade de uma leitura interseccional que produza dados
desagregados sobre cada um desses marcadores é politicamente
importante e o presente exercício não busca dar conta dessa
demanda em sua totalidade, mas promover problematizações. Ao
longo deste ensaio, conseguimos identificar que nem todos os
marcadores identitários estão entre os indicadores produzidos pelo
Estado e os enfrentamentos em torno das inclusões fazem parte da
trajetória desses números. Em complementaridade, organismos
internacionais, pesquisas pontualmente financiadas e as
investigações acadêmicas complementam um diagnóstico social
262
GÊNERO E SEXUALIDADE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
INDICADORES SOCIAIS E MÉTRICAS PARA A AVALIAÇÃO NA PROMOÇÃO DA
INCLUSÃO
Referências
263
BILGE, Sirma. Interseccionalidade desfeita: Salvando a
interseccionalidade dos estudos feministas sobre
interseccionalidade. Revista Feminismos. v. 6 n. 3, 2018.
Disponível em: <https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/
article/view/33680>. Acesso em: 30 out. 2023. Acesso em: 25 de
outubro de 2023.
BRASIL, Cristina Índio do. Censo: cai liminar que mandava incluir
perguntas de orientação sexual. Agência Brasil. Economia. 27 de
junho de 2022. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/
justica/noticia/2022-06/censo-cai-liminar-que-mandava-incluir-
perguntas-de-orientacao-sexual>. Acesso em 21 de outubro de
2023.
264
GÊNERO E SEXUALIDADE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
INDICADORES SOCIAIS E MÉTRICAS PARA A AVALIAÇÃO NA PROMOÇÃO DA
INCLUSÃO
265
das Políticas Públicas. Indicadores de Gênero e Raça no PPA
2008-2011. Brasília: CFEMEA. 2012. p. 37-60.
G1. IBGE Diz que não é possível incluir questões sobre orientação
sexual no Censo 2022. Economia. G1: Portal de notícias da Globo.
09 de junho de 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/google/
amp/economia/noticia/2022/06/09/ibge-vai-recorrer-de-decisao-
da-justica-de-incluir-questoes-sobre-orientacao-sexual-no-censo-
2022.ghtml>. Acesso em: 18 de outubro de 2022.
266
GÊNERO E SEXUALIDADE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
INDICADORES SOCIAIS E MÉTRICAS PARA A AVALIAÇÃO NA PROMOÇÃO DA
INCLUSÃO
267
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura. Violência escolar e bullying: relatório sobre a
situação mundial. Brasília: UNESCO, 2019.
Mini currículo
268
SENTIDOS E TRAJETÓRIAS DE MULHERES CAMPONESAS NA AMAZÔNIA:
RELATOS DA LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA E NA UNIVERSIDADE
SENTIDOS E TRAJETÓRIAS DE
MULHERES CAMPONESAS NA
AMAZÔNIA: RELATOS DA LUTA
PELA PERMANÊNCIA NA
TERRA E NA UNIVERSIDADE
Angélica de Souza Lima
Juliana da Silva Nóbrega
Introdução
269
Dentre as reivindicações que surgem nesses movimentos, a
educação do campo torna-se uma das principais pautas, pensando
não somente na viabilização do acesso ao ensino para a população
camponesa, como também em processos de escolarização e
formação que fossem voltadas para a realidade dos povos do campo
(Munarim, 2006).
Assim, o curso em nível superior de Licenciatura em
Educação do Campo (LEDOC) de modo geral surge como uma
estratégia oriunda das lutas em torno de uma educação que tem
como objetivo considerar na formação de educadores e educadoras
para a educação básica, os interesses e necessidades do campo,
utilizando-se da pedagogia da alternância como metodologia para o
desenvolvimento das práticas e da pesquisa na graduação, bem
como possibilita a entrada na universidade de pessoas que antes
fossem excluídas desses espaços, tais como as mulheres
trabalhadoras camponesas (Brasil, 2003).
Diante disso, é necessário pensar produções em psicologia
voltada às questões relativas à terra, é visto que cada vez mais,
profissionais e pesquisadoras da psicologia se voltam para práticas
em comunidades rurais e os desafios que se constituem nesta
relação. Na polêmica sobre ser ou não ser um campo de
conhecimento/atuação específico ou geral, tecer, construir a relação
entre Psicologia e as ruralidades consiste na direção de uma práxis
descolonizadora (Hur; Calegare, 2022).
A partir disso, o estudo originou-se da pesquisa “Os
significados das trajetórias de escolarização de jovens estudantes
Amazônidas”1, tendo como objetivo conhecer o cotidiano e os
sentidos das trajetórias de estudantes do curso de LEDOC da
Universidade Federal de Rondônia- UNIR. Pautado na pesquisa do
cotidiano do construcionismo social, realizou-se um grupo focal,
observação participante e duas entrevistas narrativas com
estudantes da LEDOC em Rondônia.
A fim de apresentar as narrativas de mulheres camponesas
no acesso ao ensino superior por meio da LEDOC, o presente texto
1
Programa de Cooperação Acadêmica (PROCAD/CAPES-Amazônia -
Edital 21/2018). Projeto, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da
UFAM, em 2019, sob o número CAAE 15366619.1.1001.5020 (CEP/
UFAM).
270
SENTIDOS E TRAJETÓRIAS DE MULHERES CAMPONESAS NA AMAZÔNIA:
RELATOS DA LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA E NA UNIVERSIDADE
271
negras, o que não somente contribui o fortalecimento da luta para
implementação da política de reforma agrária, como faz
representação das mulheres trabalhadoras rurais em todo o país que
tinham o seu trabalho invisibilizado e não recebiam direitos
(Mesquita; Silva, 2019).
Ressalta-se que os conflitos por terras afetavam diversas
populações, em contexto amazônico, os conflitos agrários e a luta
por territórios aumentavam progressivamente devido ao
crescimento do latifundiário e do agronegócio, especialmente no
período da ditadura militar em que as terras eram vendidas por
preços irrisórios, o que acarretava na expropriação de diversas
famílias camponesas (Lima, 2022).
Com isso, na luta pela defesa dos territórios, o direito de
permanência e dos modos de vidas tradicionais, “mulheres e
crianças tiveram um papel fundamental, pois, elas é que tomavam à
linha de frente para ‘empatar’ os peões dos fazendeiros de destruir a
floresta, arriscando as próprias vidas” (Silva, 2019, p. 04).
A partir de 1988, como um fruto da resistência histórica e
cotidiana das mulheres que, integradas ao Movimento Leigo para a
América Latina (MLAL) e do Setor Mulher da Comissão Pastoral da
Terra (CPT), começaram a surgir organizações específicas. O
movimento que já se expandia em todo o país, especialmente em
Santa Catarina, firmou-se em território amazônico acreano a partir
de organizações que tinham como intuito promover a
conscientização e valorização das mulheres camponesas a partir do
desenvolvimento de: “atividades produtivas (corte e costura,
artesanato, pintura em guardanapos, plantios comunitários, criação
comercial de galinha caipira)” o que possibilitaria o aumento da
renda familiar, bem como incentivar a participação das mulheres
nas lutas reivindicatórias (Cruz, 2012, p. 01).
Destaca-se que a invisibilidade feminina é histórica,
inclusive no trabalho do campo e na luta por território. De tal modo,
em território amazônico estudos apontam que, no processo de
ocupação dos seringais até o estabelecimento das colônias agrícolas,
a figura feminina sempre esteve atrelada à “rainha do lar”. Com isso
buscou-se através do MMC romper com essa designação nas
trajetórias históricas dessas mulheres e traçar caminhos para o
272
SENTIDOS E TRAJETÓRIAS DE MULHERES CAMPONESAS NA AMAZÔNIA:
RELATOS DA LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA E NA UNIVERSIDADE
Percurso metodológico
273
professores para atuarem na educação básica em escolas voltadas
para o campo tendo como a existência de uma “consonância do
processo de educação e escolarização com a realidade
socioeconômica e cultural” específica das populações do campo
(UNIR, 2016, p. 01).
Ao todo, participaram desse estudo, 15 estudantes
matriculadas(os) no 4º período da LEDOC/UNIR, mas para fins de
análise e discussão neste capítulo nos ateremos ao recorte das
narrativas apresentadas no grupo focal, que foram guiadas pela
seguinte pergunta disparadora: o que é cursar Licenciatura em
Educação do Campo? Sendo aqui explanados e analisados os relatos
das narrativas gravadas e transcritas de sete mulheres camponesas
do estado de Rondônia, aqui apresentadas com nomes fictícios,
sendo elas: Ana 34 anos, Patrícia 41 anos, Dandara 28 anos, Helena
42 anos, Amanda 19 anos, Larissa 18 anos e Daniela 18 anos.
274
SENTIDOS E TRAJETÓRIAS DE MULHERES CAMPONESAS NA AMAZÔNIA:
RELATOS DA LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA E NA UNIVERSIDADE
275
disso. Sentem-se pertencentes a um grupo que adentra a
universidade e que carrega em seus corpos as marcas da história do
campesinato, das lutas dos povos do campo e todas as dificuldades e
desafios.
Assumir-se, reconhecer-se como camponesa dentro da
universidade é olhar para si mesma e para o grupo a partir de
experiências/trajetórias de vida com muitas semelhanças, tanto pelo
que foi, como é no presente e o que se espera do futuro. De tal modo,
as falas evidenciam, igualmente, a marca colonial que perdura por
entre os tempos na possibilidade que o povo do campo tem de
acessar as produções da modernidade (Gonçalves, 2016).
Entrar na universidade, espaço marcado por princípios
positivistas de cientificidade, neutralidade, objetividade;
predominantemente urbano, com cursos ofertados para o público
das cidades, numa lógica produzida pela racionalidade técnica do
capitalismo é, portanto, uma resistência significativa para estas
mulheres. E perceber-se camponesa e universitária ao mesmo
tempo foi algo inimaginável para gerações anteriores (Quijano,
2005; Santos, 2018).
O curso produz novos sentidos do que se pensava antes
acerca do ser camponês(a), permitindo pensar agora sobre essa
forma de posicionar-se aqui também, politicamente, inclusive para
as mulheres na luta por espaços, direito e reconhecimento no acesso
à universidade. Esse fenômeno vai de encontro com a lógica da
ecologia dos saberes de Boaventura Souza Santos (2018), para quem
o conhecimento vai além do aprimoramento dos saberes científicos
instaurados, contemplando todas as formas de saberes, sendo essa
junção a ampliação de um caráter emancipatório na ciência.
Considerar os saberes do campo dentro do espaço universitário é
sair, como o autor chama, do ponto de ignorância, que é o saber a
rigor do colonialismo, e seguir para um conhecimento chamado
solidariedade.
Nesse sentido, as falas apresentam o quanto o curso é
importante para a formação profissional e para o reconhecimento
social. A partir dessas vivências, os sentidos são produzidos em uma
perspectiva tanto pessoal quanto coletiva acerca da configuração
política urbano centrada. Para quem é do campo, estar em um curso
276
SENTIDOS E TRAJETÓRIAS DE MULHERES CAMPONESAS NA AMAZÔNIA:
RELATOS DA LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA E NA UNIVERSIDADE
277
A gente tem várias dificuldades, né, que
encontramos, mas pela alternância, pelo
tempo universitário, pra nós é bom. Como ela
falou que nós somos dona de casa, né, temos
serviço. Então, pra nós ajuda muito desse jeito,
agora se fosse todos os dias, pra muitos isso aqui
não teria como, mesmo sendo na
universidade, tinha alunos que não tinha
como (Ana, 34 anos).
278
SENTIDOS E TRAJETÓRIAS DE MULHERES CAMPONESAS NA AMAZÔNIA:
RELATOS DA LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA E NA UNIVERSIDADE
279
pedagogia da alternância se destaca como uma alternativa para
alguns cursos, e para a inserção de muitos camponeses e
camponesas na universidade, abrindo espaço para se pensar outras
políticas para resolver essa problemática em questão.
Nessa constante, entende-se que o curso de LEDOC, através
da pedagogia da alternância. beneficia, em muitos aspectos, boa
parte da população camponesa, principalmente, mulheres que
precisam conciliar seus trabalhos com a universidade. Vemos,
assim, que a possibilidade de estar na universidade vem ao encontro
de uma população que, por tantas violências, nunca se imaginou
nesse espaço e, agora, o ocupa reconhecendo como um direito a ser
vivido.
280
SENTIDOS E TRAJETÓRIAS DE MULHERES CAMPONESAS NA AMAZÔNIA:
RELATOS DA LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA E NA UNIVERSIDADE
281
vão de Alto Floresta ou vão de Alto Alegre pra
dar aula lá né, e vai e volta todos os dias e
acaba que acontece de algum dia não ir né, a
gente sabe que é estrada de chão e o tempo
não ajuda (Daniela, 18 anos).
282
SENTIDOS E TRAJETÓRIAS DE MULHERES CAMPONESAS NA AMAZÔNIA:
RELATOS DA LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA E NA UNIVERSIDADE
com condições para escolarizar com qualidade, uma vez que pelas
próprias experiências entendem a relevância de uma escolarização
que contemple a realidade do campo.
Dessa forma, o protagonismo da juventude do campo
também possui história e significância para a luta da permanência
no campo e, também, na universidade. A organização juvenil
começou a partir dos anos 2000, e veio ganhando cada vez mais
espaço na agenda dos movimentos sociais, tornando-se uma “[...]
importante categoria de identificação política” (Castro, 2016, p. 194-
195).
Desse modo, a presença da juventude, rural, indígena, de
povos e comunidades tradicionais nos movimentos sociais, marcam
a luta histórica do campo, uma nova relação no processo de
configuração social, situando dois importantes campos, “o campo
das políticas públicas e o do campo político da juventude” (Castro,
2016, p. 195).
Considerações finais
283
acontecendo violências, genocídios, assassinatos, expulsões e
despejos sob a égide do agronegócio. Nesse sentido, a luta da mulher
camponesa também consiste na luta por território, pelo direito de
plantar e colher, de acessar espaços de direito.
A educação do campo, nesse constructo, possui um grande
sentido, no enfrentamento a essa estruturação homogênea, bem
como a perspectiva de Paulo Freire (2018) de que é por meio da
educação que se promove a libertação e a emancipação humana.
Contudo, o sistema educacional só é emancipatório se permitir e
fortalecer o pensamento crítico do entorno social, viabilizando um
acesso cujo processo de formação escolar seja de qualidade. Se o
sistema educacional é excludente, hegemônico e inacessível a povos
que historicamente são colocados às margens da sociedade,
inclusive as mulheres, os fenômenos de desigualdades sociais
tendem a aumentar e a população camponesa a ficar cada vez mais
reprimida nesse sistema.
Diante disso, este estudo buscou trazer os sentidos
produzidos por mulheres no processo de formação em LEDOC e
possibilitou compreender como as trajetórias de escolarização são
atravessadas por processos de desvalorização do campo,
preconceitos, marcadores sociais de gênero e falta de políticas
públicas principalmente voltadas aos contextos rurais.
Nesse sentido, o curso de LEDOC possui um significado
que vai além do processo formativo, mas que também promove um
resgate identitário de povos, culturas e identidades, bem como
colabora no fortalecimento dessas comunidades, inclusive na luta
pela permanência da terra e na universidade, almejando a garantia
de direitos sociais, inclusive para as mulheres do campo.
Desse modo, as estudantes que se formam em LEDOC e
planejam atuar em suas comunidades a partir da licenciatura,
apresentam a partir das próprias experiências de escolarização, a
importância de um ensino horizontal, crítico, inclusivo e adaptado a
sua realidade. Entendem, também, que não fornecer um ensino que
rotule, discrimine ou exclua, é promover uma educação libertadora.
A partir disso, este estudo pretendeu, de modo geral, tecer
contribuições no sentido de ampliar a discussão sobre os contextos
rurais dentro da psicologia, entendendo-a como campo de
284
SENTIDOS E TRAJETÓRIAS DE MULHERES CAMPONESAS NA AMAZÔNIA:
RELATOS DA LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA E NA UNIVERSIDADE
Referências
285
11-27, 2012. Disponível em: <http://www2.unemat.br/revistafaed/
content/vol/vol_17/artigo_17/11_27.pdf>. Acesso em 02 de nov.
2023.
286
SENTIDOS E TRAJETÓRIAS DE MULHERES CAMPONESAS NA AMAZÔNIA:
RELATOS DA LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA E NA UNIVERSIDADE
287
14 de Agosto” em Rondônia. 2013. 277 f. Tese (Doutorado em
Psicologia) Instituto de Psicologia da Universidade Estadual de São
Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: < https://www.teses.usp.br/
teses/disponiveis/47/47134/tde-31032014-122418/publico/
nobrega_do.pdf>. Acesso em 17 de jul. 2023.
288
SENTIDOS E TRAJETÓRIAS DE MULHERES CAMPONESAS NA AMAZÔNIA:
RELATOS DA LUTA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA E NA UNIVERSIDADE
Produ%C3%A7%C3%A3o_de_Sentido_no_Cotidiano>. Acesso em
12 de out. 2023.
Mini currículo
289
REFLEXÕES SOBRE AS
VIVÊNCIAS DE PESSOAS
BISSEXUAIS À LUZ DA
INTERSECCIONALIDADE1
Victor Lucas da Silva Carvalho
Paulo Guilherme da Encarnação Matos
Gisele Cristina Resende
Breno de Oliveira Ferreira
Introdução
1
Agradecimentos: CAPES pelo apoio ao Projeto PROCAD-Amazônia/
CAPES “Os significados das trajetórias de escolarização de jovens
estudantes Amazônidas” e ao CNPq pelas bolsas de Iniciação Científica.
interseccionalidade está presente na vivência deste grupo de
pessoas.
A partir da identificação da interseccionalidade que
perpassa as vivências humanas, estudos sobre as especificidades de
um grupo social são de fundamental importância para a
compreensão da pluralidade da existência humana como um todo.
Nessa pluralidade ocorrem os processos psicossociais, isto é,
processos que constituem o psiquismo por meio da interação com o
contexto social e com outros humanos.
292
REFLEXÕES SOBRE AS VIVÊNCIAS DE PESSOAS BISSEXUAIS À LUZ DA
INTERSECCIONALIDADE
293
vitais, do nascimento até a morte, na qual a saúde, a duração da vida,
a longevidade torna-se objetos de estudo para a elaboração de
intervenções que controlam os corpos humanos, demonstrando
uma biopolítica da vida (Foucault, 1988). Segundo o filósofo, os
corpos e suas histórias não podem ser separados nem deslocados
dos dispositivos de construção do chamado biopoder, uma vez que
esses corpos são construídos e reconstruídos em um processo de
produção-reprodução sexual.
A preocupação acerca do gênero e da sexualidade emergiu
no final do século XX para reivindicar uma nova formulação social,
admitindo outras expressões de gênero e sexualidade, pois as teorias
existentes não foram capazes de explicar as desigualdades entre
homens e mulheres (Scott,1995). A sexualidade começa a ser
pensada para além das questões biológicas da genética e não mais se
reduzindo ao DNA ou a expressão visual/fenotípica do corpo, o que
trouxe um novo olhar sobre o ser humano e as possibilidades de
expressar sua sexualidade (Mação, 2017), desse modo, a
compreensão dos grupos humanos e de suas sexualidades torna-se
mais próximas da realidade e consegue qualificar as experiências e
vivências humanas.
É importante que se pense a sexualidade como um conjunto
de características construídas durante a trajetória individual e
coletiva e não como um desvio de um passado perfeito, que é, em
vários momentos, descrito como heterossexual. A visão de que
existem outras sexualidades que não são desvios da norma, pode
promover reflexões e evitar que a ideia cisheteronormativa e
patriarcal seja predominante e desencadeie vivências de
preconceito. Assim, a perspectiva da interseccionalidade pode
favorecer importantes diálogos.
Ao abrir um espaço de diálogo sobre sexualidades não-
heterossexuais, a bissexualidade pode ser debatida e pensada
enquanto uma possibilidade da expressão sexual, pois ainda se
encontra pouco estudada. Não somente está à margem dos estudos
sobre a sexualidade humana como também enfrenta preconceitos
tanto das pessoas heterossexuais quanto da comunidade
LGBTQIA+, pois associam, de maneira geral, aos bissexuais um
papel preconceituoso de infidelidade, alta transmissão de IST
294
REFLEXÕES SOBRE AS VIVÊNCIAS DE PESSOAS BISSEXUAIS À LUZ DA
INTERSECCIONALIDADE
295
relações de poder, preconceitos e compõem o campo das
interseccionalidades. Assim, o objetivo deste estudo é o de realizar
uma revisão da literatura científica para encontrar estudos
brasileiros dos últimos cinco anos sobre a bissexualidade e a bifobia,
de modo a ampliar a compreensão sobre essa expressão da
sexualidade.
Metodologia do Estudo
296
REFLEXÕES SOBRE AS VIVÊNCIAS DE PESSOAS BISSEXUAIS À LUZ DA
INTERSECCIONALIDADE
códigos iniciais; iii) Busca por temas; iv) Revisão dos temas, v)
Definição e denominação dos temas; e, por fim, vi) Produção do
relatório.
Resultados e análises
297
muitas manifestações de bifobia das mais diversas fontes e formas:
violência e preconceito de dentro e de fora da comunidade
LGBTQIA+.
Dentre os artigos trazidos como referência para esta
pesquisa, é viável destacar o Faces da bifobia dentro (e fora) da
comunidade LGBTQIAP+: reflexões a partir de narrativas e pessoas
bissexuais (Cruz; Lima; Carneiro, 2022) que, através de entrevistas
narrativas e análise de conteúdo, investigou como a bifobia se
manifestava nas experiências de pessoas bissexuais, abordando
desde a hiperssexualização e obrigação de escolher um gênero
específico, e somente este, para se relacionar até o deslocamento e
distanciamento das pautas da comunidade.
Uma das violências simbólicas que traz maior prejuízo à
saúde mental, é a da fetichização da mulher bissexual, que é
reduzida a um objeto de prazer e desejo de um homem
normalmente heterossexual na sociedade cisnormativa, nestas
ocasiões a mulher bissexual vive preconceito, encontra-se
diminuída e desvalorizada. Já dentro da comunidade LGBTQIA+, a
mulher bissexual relata que em algumas vezes, é obrigada a escolher
um gênero para se relacionar e uma sexualidade para se identificar,
ou como hétero ou como lésbica, por exemplo. Os autores
encontraram narrativas de vivência de preconceitos, não aceitação
da própria sexualidade e a negação dela nos relacionamentos a fim
de demonstrar heterossexualidade. Tal fato reforça o preconceito e a
aceitação desta expressão da sexualidade na sociedade.
No artigo Violência interpessoal contra homossexuais,
bissexuais e transgêneros (Fernandes, 2022), o pesquisador traz
informações sobre como nas últimas três décadas os estudos sobre a
sexualidade e as vivências diferentes das heterossexuais
aumentaram. Relatam que havia um apagamento social e uma
subnotificação das violências sofridas por pessoas homossexuais,
bissexuais e transsexuais. A pesquisa teve metodologia exploratória,
descritiva, com delineamento transversal, orientada pela ferramenta
Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology
(STROBE). O artigo alega que as pessoas do gênero feminino de
orientação homossexual e bissexual apresentaram maior associação
com a violência moral ou psicológica.
298
REFLEXÕES SOBRE AS VIVÊNCIAS DE PESSOAS BISSEXUAIS À LUZ DA
INTERSECCIONALIDADE
299
pesquisadores se debruçaram nas produções internacionais e
notaram que os estudos tratam de temáticas mais diversas
relacionadas à saúde de pessoas da comunidade LGBT (Lésbicas,
Gays, Bissexuais e Transsexuais) e não somente nos estudos com
foco no HIV/Aids, cenário diferente do nacional, no qual as
produções precisam avançar na temática da saúde de maneira
ampliada. Os primeiros artigos que não envolvem a abordagem de
HIV/Aids na comunidade são de 2001. Observou-se que, para cada
letra da comunidade LGBTQIA+, há experiência e pensamentos
sobre a própria saúde de modo diferente e específico.
Utilizando a metodologia de revisão integrativa de literatura
entre 2016 e 2019, o artigo Violência contra mulheres lésbicas/
bissexuais e vulnerabilidades em saúde: revisão da literatura (Souza
et al., 2021) apontou que, dentre as violências específicas as quais as
mulheres LGBTQIA+ estão submetidas, são duplamente
vitimizadas, pois vivenciam as manifestações violentas devido à
orientação sexual em sobreposição à violência de gênero. Essa
problemática torna-se uma questão de saúde pública e o artigo
também discorre sobre o fato dessas mulheres se encontrarem em
um ambiente propenso à violência pode ser correlacionado à
suscetibilidade de se adquirir transtornos mentais.
Nem todos os profissionais de Psicologia concordam entre
si sobre alguma temática. Não é de se estranhar que o assunto sobre
manejo e cuidado da comunidade LGBTQIA+ apresente o mesmo
padrão. Em Relações entre Preconceito e Crenças sobre Diversidade
Sexual e de Gênero em Psicólogos/as Brasileiros/as (Gaspodini;
Falcke, 2018), foi observado que houve uma baixa ocorrência de
preconceito nos profissionais, entretanto, ao se avaliar as abordagens
teóricas, representadas pelas atribuições causais de perversão, má
resolução de conflitos com figuras parentais e abusos sexuais
sofridos na infância. Outro dado preocupante foi o de que
psicólogos/as heterossexuais manifestaram maior preconceito
comparados aos não heterossexuais. Considerou-se preocupante a
manifestação de preconceito entre os profissionais da psicologia,
mesmo com pequena magnitude, pois são profissionais que poderão
trabalhar com a diversidade sexual e de gênero, considerando que a
profissão deve combater quaisquer formas de violência.
300
REFLEXÕES SOBRE AS VIVÊNCIAS DE PESSOAS BISSEXUAIS À LUZ DA
INTERSECCIONALIDADE
301
homossexual e bissexual: percepção do discente (Nietsche et al.,
2018), discute-se os conhecimentos sobre bissexualidade em uma
pesquisa qualitativa, realizada com estudantes de graduação em
enfermagem. Os resultados indicam que os discentes apresentam
poucos conhecimentos acerca do conceito de homossexualidade e
bissexualidade, pois em sala de aula não são abordados conteúdos
sobre o tema, o que fragiliza a formação para o cuidado direcionado
a essa população. O artigo apontou também a invisibilidade e
banalização das sexualidades dissidentes.
A integralidade é um dos princípios mais importantes do
Sistema Único de Saúde (SUS). Para que ele funcione corretamente,
os profissionais da saúde necessitam ter uma formação ampla e clara
sobre os mais diversos aspectos biopsicossociais das comunidades,
pessoas, grupos e da sociedade. Mas nem sempre isso ocorre. No
artigo Cuidado às mulheres lésbicas e bissexuais na formação em
enfermagem: percepção de discentes (Nietsche et al., 2022), os autores
informam que ainda se carece de instruções durante seu período de
formação acadêmica sobre cuidado prestado às mulheres lésbicas e
bissexuais. Essa formação precária não permite que o profissional
aprenda e tenha contado com o conhecimento sobre as influências
sociais e culturais das minorias. Os autores trouxeram, em relatos
dos participantes, que ainda há o tabu sobre falar da
homossexualidade e que isso preciso ser rompido. A
homossexualidade é um termo mais conhecido, mas pouco
debatido e é preciso primeiro poder falar disso para depois abarcar
outras vivências como algo que não é feio. Logo, os participantes
bissexuais entrevistados para o estudo relataram uma invisibilidade
em sua trajetória acadêmica.
Considerações finais
302
REFLEXÕES SOBRE AS VIVÊNCIAS DE PESSOAS BISSEXUAIS À LUZ DA
INTERSECCIONALIDADE
303
sexualidade reconhecida e, a partir dessas vivências, é possível
surgir o uso problemático de álcool e outras drogas, maiores taxas
de suicídio, dificuldades em sua formação profissional. Esse
sofrimento pode ser atenuado a partir do acolhimento social,
psicológico e afetivo das vivências únicas que as pessoas bissexuais
apresentam e quando essa interseccionalidade é compreendida e
combatida.
O atual estudo espera contribuir para as reflexões sobre a
bissexualidade e permitir que as pessoas que vivenciam essa
expressão da sexualidade sejam respeitadas e tenham acesso a uma
sociedade mais justa e que respeite a diversidade. Ele teve como
limitação a pesquisa em apenas uma base de dados, mas entende-se
que foi capaz de demonstrar as diversas possibilidades de pesquisa
envolvendo essa temática. Em estudos futuros poder-se-á pesquisar
em bases de dados internacionais, para que se tenha uma visão de
como encontram-se as pesquisas em outros países. Além disso, os
estudos futuros podem focalizar nas vivências de jovens bissexuais
em diversos ambientes, como em ambientes de trabalho, lazer e
educação para entender as múltiplas possibilidades de viver a
sexualidade na sociedade, contribuindo para a compreensão das
interseccionalidades. Espera-se que as vivências de sexualidades que
diferem da heterossexualidade e dos padrões estabelecidos na
sociedade cisnormativa e heterossexual sejam aceitos para evitar a
vivência de preconceitos que podem atravessar as trajetórias de vida
destas pessoas.
Referências
304
REFLEXÕES SOBRE AS VIVÊNCIAS DE PESSOAS BISSEXUAIS À LUZ DA
INTERSECCIONALIDADE
305
2022. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1984-6487.
SESS.2022.38.E22207.A>. Acesso em: 10 de setembro de 2023.
306
REFLEXÕES SOBRE AS VIVÊNCIAS DE PESSOAS BISSEXUAIS À LUZ DA
INTERSECCIONALIDADE
307
SANTOS, Cinthya Giselle Coutinho Oliveira. Da invisibilidade ao
reconhecimento: experiência de roda de conversa e validação da
bissexualidade em São Paulo. BIS. Boletim do Instituto de Saúde,
v. 19, n. 2, p. 77-85, 2018. Disponível em: <https://doi.org/10.52753/
bis.2018.v19.34594>. Acesso em: 14 de setembro de 2023.
Mini currículo
308
REFLEXÕES SOBRE AS VIVÊNCIAS DE PESSOAS BISSEXUAIS À LUZ DA
INTERSECCIONALIDADE
309
Interseccionalidades e produção de subjetividades
ORGANIZAÇÃO
311
Interseccionalidades e produção de subjetividades
312
Interseccionalidades e produção de subjetividades
L N
Lansky, Sônia 200 Nascimento, Abdias 242
Leal, Maria do Carmo 200 Nascimento, Abdias do 112
Lebrão, Susana Marraccini Giampietri 38 Nascimento, Enilda Rosendo 200
Leitão, C. Lopes 12, 13; 65, 93; 179, 204 Nascimento, Ketre Iranmarye Manos 202
Leite, Franciéle Marabotti Costa 200 Neves, Cleuler Barbosa das 112
Leite, Maria Jorge dos Santos 112 Niy, Denise Yoshie 198
Leite, Tatiana Henriques 200 Nóbrega, Juliana da Silva 15; 269, 288, 289
Lemos, Cassandra Torres 37 Nogueira, Conceição 202
Leonarde, Charlini da Rocha 287 Novaes, Carla Dulcirene Parente 202
Liese, Kylea L 199 Novais, Danielle Fiorin Ferrari 199
Lima, Angélica de Souza 15; 269, 287, 289 Nucci, Marina Fisher 200
Lima, Jéssica Fabrícia Silva 37
Lima, Kelly Diogo de 201 O
Lima, Layanne 62 Oliveira, Beatriz Muccini Costa 202
Lima, Telma Cristiane Sasso de 203 Oliveira, Enio Walcácer de 112
Lima, Vitória de Souza 202 Oliveira, Juliana Lana Querino de 202
Lira, Talita de Melo 357 Oliveira, Márcio de 14; 205, 225
Lopes, Ninfa Carina Costa 197 Oliveira, Maressa Melo 199
Lopes, Tatiana Coelho 202 Oliveira, Megg Rayara Gomes de 243
Loureiro, Violeta Refkalefsky 155 Oliveira, Raescla Ribeiro de 14; 227, 243
Luis, Mayara Alves 200 Olivetti, Claudia 61
Lukács, Georg 37
Luz, Itacir Marques 368 P
Lyra, Tereza Maciel 201 Paes Loureiro, João de Jesus 156
Paes, Valquiria Normanha 59
M Patrício, Letícia Moura da Silva 13; 179, 204
Machado, Tadeu Lopes 61 Pearson, Pamela 199
Maciel, Ethel Leonor Noia 200 Pedroza, Regina Lúcia S. 5; 6; 11; 17, 41; 310
Maia Neto, Melquíades F. Gois 12; 95, 113 Peixoto, Julli Martins 203
Manzi, Maya 38 Pereira, Alessandra dos Santos 13; 137, 157
Marciano, Amanda Silva 201 Pereira, Kellen Cristine 203
Marcondes, Mariana Mazzini 242 Pereira, Mayara Cândida 201
Marques, Emanuele Souza 200 Pinheiro, Raissa Maria Albuquerque 202
Marra, Camilla Bonelli 197 Pinheiro, Valéria Feitosa 109
Martins, Francisco André Silva 136 Ponte, Adrianne Raposo 202
Martins, Henrique de Araújo 13; 159, 178 Portella, Yammê 200
Martins, Lígia Márcia 38
Martins, Paulo de Sena 267 Q
Mascarello, Keila Cristina 197 Quijano, Aníbal 288
Matos, Paulo G. da Encarnação 15; 291, 308
Matta, Cristiane Maria Barra 38 R
Mattar, Laura Davis 201 Rabelo, Isadora de Oliveira 203
Mattos, Leandra Iriane 112 Ramos, Tammy Rosas 156
Mbembe, Achille 112 Reed, Luecendia 199
Mello, Marcella da Silva 111 Reis, Gabriela Maciel dos 202
Mena-Tudela, Desirée 201 Reis, Sônia Maria Alves de Oliveira 59
Menezes, Fabiana Ramos de 202 Resende, Augusto César Leite de 203
Mesquita, Rogério Nogueira 287 Resende, Gisele Cristina 15; 291, 308
Mietto, Gabriela 62 Resnick, Mitchel 243
Modena, Celina Maria 266 Ribeiro, Djamila 112; 203
Montino, Mariany Almeida 60 Ribeiro, Mariana Thomaz de Aquino 197
Moraes Filho, Iel Marciano de 201 Ricardo, Helenice Aparecida 243
Moraes, Maria Laura Brenner 155 Rocha, Nathalia Fernanda Fernandes da 203
Mota, Alessivânia 195 Rodriguez-Arrastia, Miguel 201
Mota, João Luís do Nascimento 109 Ropero-Padilla, Carmen 201
Munarim, Antônio 287 Rua, Maria das Graças 263
313
Interseccionalidades e produção de subjetividades
Rubin, Gayle 62 W
Rutherford, Julienne N 199 Waiselfisz, Júlio Jacobo 263
Weschenfelder, Noeli Valentina 285
S Witoto, Wanda 12; 65, 92
Salazar, João Pinheiro 156
Sales, Aline de Abreu Silvestre 202 Z
Salgado, Heloisa de Oliveira 198 Zamora, Maria Helena Rodrigues Navas 113
Santos, Boaventura de Souza 288 Zanello, Valeska 63
Santos, Caroline 267 Zhang, Wenqiong 199
Santos, Elizier 113 Zucco, Maise Caroline 14; 245, 268
Santos, Francisco Jorge 156
Santos, Goiacymar Campos dos 201
Santos, Tatiana de Lima Pedrosa 156
Schucman, Lia Vainer 156
Schwarcz, Lia Moritz 113
Secchi, Leonardo 267
Sena, Débora Napoleão de 14; 205, 225
Silva, Ana Verônica Rodrigues da 203
Silva, Antônio Augusto Moura da 200
Silva, Caní Jakson Alves da 12; 95, 114
Silva, Helena Clécia Barbosa da 203
Silva, Iolete Ribeiro da 5; 6; 11, 12, 13; 17,
41; 65, 93; 179, 204; 310
Silva, Jordany Molline 203
Silva, Karolayne Rodrigues 13; 179, 204
Silva, Maria das Graças S. Nascimento 287
Silva, Raimundo Nonato Pereira da 156
Silva, Tomaz Tadeu da 136
Simões, André 267
Simões, Renata Duarte 287
Simon, Stefanie 61
Siqueira, Arnaldo Augusto Franco de 203
Sousa, Adria de Lima 5; 6; 11; 17, 41; 310
Sousa, Aline de Lima 13; 197, 204
Souza, Jessé 113
Souza, Neusa Santos 136
Sovik, Liv 156
Spink, Mary Jane 288
Starling, Helisa Murgel 113
Stewart, Karie 199
Steyn, Melissa 156
T
Teixeira, Diana do Carmo 113
Torres, Marck de Souza 12; 159, 178
Trindade, Gabriela Blanco de Morais 202
Tussing-Humphreys, Lisa 199
U
Umberlandia, Cabral 113
V
Valero-Chilleron, María Jesús 20
Veiga, C. G. 136
Venturi, Gustavo 268
Viana, Ana Luiza 268
314
Interseccionalidades e produção de subjetividades
315