Urbanização e o Crescimento Da Criminalidade No Brasil

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

URBANIZAÇÃO E O CRESCIMENTO DA CRIMINALIDADE NO BRASIL

Sérgio Paranhos Fleury Belizário

Belo Horizonte
2016
SÉRGIO PARANHOS FLEURY BELIZÁRIO

TEMA DO TRABALHO

Monografia apresentada pelo pós graduando


Sérgio Paranhos Fleury Belizário como exigência
do curso de pós graduação em Segurança Pública e
Criminalidade da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Orientador: Prof . Frederico Couto Marinho

Belo Horizonte
2016
Sérgio Paranhos Fleury Belizário

URBANIZAÇÃO E O CRESCIMEDNTO DA CRIMINALIDADE NO BRASIL

Aprovada em ____/____/_____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________
Nome Completo (orientador)
Titulação-Instituição

__________________________________________________
Nome Completo
Titulação-Instituição

__________________________________________________
Nome Completo
Titulação-Instituição

CONCEITO FINAL: _____________________


AGRADECIMENTOS

À Deus por sua sabedoria e bondade, sempre nos


mostrando o caminho a seguir, demonstrando que dificuldades
existem para serem superadas.
À minha família pelo apoio, principalmente minha
querida esposa Elza pelo carinho e compreensão.
Aos companheiros de turma e de profissão, com os quais
aprendi muito nesta caminhada.
Ao Prof.° Frederico que me inspirou com suas aulas e,
posteriormente, me orientou na elaboração do presente trabalho.
RESUMO

O Brasil até o início do século XX foi um país predominantemente de população rural,


mas no final da década de 70 iniciou a aceleração da urbanização, a qual se acentuou nas
décadas seguintes. A urbanização acelerada e a falta de planejamento e políticas públicas nas
cidades, produziu uma série de fenômenos como: segregação social, concentração de
vulnerabilidades (trabalho e moradias precárias e irregulares, sistema educacional, de saúde,
saneamento e transporte público insuficientes) que contribuíram para o crescimento das taxas
de crimes nos centros urbanos.
A segurança pública ganhou destaque na cena pública, mas, infelizmente, as ações
planejadas pelos entes estatais não têm dado o efeito esperado.
As teorias sociológicas do crime, principalmente a teoria da anomia e a abordagem
ecológica trazem contribuições para compreendermos as causas do aumento das taxas de
criminalidade.

Palavras chaves:Urbanização, Segregação Social, Concentração de Vulnerabilidades,


Crescimento dos crimes.
5

Sumário

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................... 6
1.1 TEMA........................................................................................................................................................ 6
1.2 DELIMITAÇÃO DO TEMA ................................................................................................................. 6
1.3 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ...................................................................................................... 7
1.4 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................................................... 7
1.6 OBJETIVO................................................................................................................................................ 9
1.7 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................................................ 10
1.8 METODOLOGIA .................................................................................................................................. 14
2 TEORIAS DA ANOMIA E ECOLÓGICA DO CRIME .......................................................................... 16
2.1 TEORIA DA ANOMIA ........................................................................................................................ 16
2.2 TEORIA ECOLÓGICA DO CRIME .................................................................................................. 18
3 A BAIXA ARTICULAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO..................... 22
4 ANÁLISE DA REALIDADE BRASILEIRA ............................................................................................ 25
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................................................ 31
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................ 34
6

1 INTRODUÇÃO

O aumento das taxas de crimes no Brasil é um fenômeno que nos últimos anos vem
chamando a atenção da sociedade, uma vez que todas as classes sociais tem sido vitimadas
com as ações de criminosos. Importantes setores da economia vem sendo prejudicados. Não
são raros as ações de grupos organizados em roubos e receptação de cargas roubadas, furtos e
golpes de estelionatos em estabelecimentos comercias.

Ao se analisar o fenômeno do aumento das taxas de crimes, percebe-se que este


aumento está intimamente relacionado com o processo de urbanização acelerado pelo qual
passou a sociedade brasileira nas últimas décadas. Como resultado desse processo a
desorganização social que se formou e cresceu nas periferias das grandes cidades serviu como
fator exponencial para a explosão da criminalidade que assola o país atualmente.

Tendo em vista que o Brasil é um país com economia capitalista em desenvolvimento,


tem-se que as metas culturais de sucesso econômico são largamente difundidas pela mídia e
sociedade, mas, do outro lado, tem-se que as condições estatais oferecidas à grande parte da
população são precárias. Faltam boas escolas, hospitais e políticas públicas sérias de
planejamento familiar, fato que leva muitas pessoas, principalmente os jovens, a escolherem
uma alternativa desviante para o alcance das metas culturais.

1.1 TEMA

O tema escolhido, a relação causal entre urbanização e o aumento nas taxas de crime
no Brasil, procura demonstrar que o fenômeno da urbanização acelerada em muito contribuiu
para aumento das taxas de criminalidade.

1.2 DELIMITAÇÃO DO TEMA

Procuraremos demonstrar que a violência sempre esteve presente na sociedade


brasileira, mas, nas últimas décadas, com a mobilidade social, urbanização desenfreada e
ausência de planejamento, as taxas aumentaram consideravelmente. As ações de gangues de
7

traficantes transformaram as regiões periféricas em locais perigosos, onde as políticas


públicas do estado muitas vezes se resumem a ações repressivas das polícias.

1.3 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Como a urbanização acelerada levou o país a ser um dos mais violentos do mundo?
Como nossas taxas de homicídios superaram a de muitas nações em guerra, quanto à números
absolutos?

1.4 JUSTIFICATIVA

O tema da violência é um dos mais importantes da atualidade e está diretamente


relacionado à sociedade brasileira. Nosso país viveu recentemente (2002 a 2012) um período
de crescimento econômico e inclusão social, mas, apesar disso, os problemas da violência e
criminalidade cresceram exponencialmente.

As explicações de que o crime e a violência são o mero reflexo das desigualdades


sociais veio por terra e os governantes não estão conseguindo resolver o problema. As taxas
de homicídios e crimes violentos vem aumentando ano a ano, fazendo com que as pessoas
alterem seus hábitos. Os gráficos abaixo demonstram o aumento das taxas, principalmente nas
regiões nordeste e centro-oeste. No país como um todo, há um decréscimo após o ano de
2013.
8

Em muitos locais a violência tem prejudicado outros programas sociais e a economia


local. Vários estabelecimentos comerciais vêm fechando, face ao número de assaltos, e, vários
projetos do governo vêm sendo prejudicados. Vários são os casos de hospitais e escolas
destruídos pelo vandalismo e roubos de equipamentos essenciais para a continuidade de
projetos, v.g., furtos de computadores, pichações, destruições de portas, janelas, carteiras
escolares, e, até, incêndios criminosos.

As gangues de traficantes dominam vastas regiões periféricas, onde o Estado não


consegue fornecer aos cidadãos serviços de qualidade. Os criminosos impõem, através do
9

medo e assassinatos, uma cultura do silêncio, sendo que as pessoas não envolvidas com a
criminalidade ficam em meio a um fogo cruzado entre criminosos x criminosos, e criminosos
x policiais.

A ação repressiva do Estado às vezes se dá de forma abusiva e discriminatória, o que


coloca os moradores das regiões periféricas contra a ação estatal. Em algumas localidades, os
moradores até preferem conviver com os criminosos, uma vez acreditarem que estes são
menos nocivos que a ação policial. Não é raro traficantes passarem a exercer uma função
“social” nas comunidades carentes, fornecendo medicamentos, cestas básicas e proibindo a
prática de furtos e estupros nas regiões por eles dominadas. Tal fato aos olhos das pessoas que
convivem nas regiões periféricas acaba sendo visto com bons olhos, o que fortalece a relação
social de confiança daquela comunidade com os lideres do tráfico de drogas.

O resultado é que vive-se hoje no Brasil um fenômeno de violência exponencial e de


altas taxas de crimes violentos, e, em uma visão realista, não há como modificar este fato a
curto prazo.

1.6 OBJETIVO

1.6.1 OBJETIVO GERAL

O objetivo geral é analisar a urbanização brasileira, a ação de gangues de traficantes e


a repressão estatal, visando compreender os aumentos das taxas de crimes violentos no país.

1.6.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 Demonstrar como a desestruturação social impacta na violência;


 Demonstrar como as agências de repressão estatais agem isoladamente e sem
comunicação;
 Demonstrar que o fenômeno do crime não está associado, necessariamente, à
distribuição de renda e melhora de indicativos sociais.
10

1.7 REFERENCIAL TEÓRICO

O estudo da criminalidade é um tema de interesse das Ciências Sociais, do Direito, da


Medicina Legal, e que, para se compreender o assunto, deve-se levar em conta a
complexidade do tema.

Émile Durkhein foi um dos grandes estudiosos do tema, e, em sua obra Da Divisão do
Trabalho Social, observou que os crimes, em regra, são reprovados universalmente pelos
membros da sociedade. (Durkhein. fls. 43)

De fato, a única característica comum a todos os crimes é que eles consistem – salvo raríssimas
exceções aparentes, que serão examinadas abaixo – em atos universalmente reprovados pelos
membros de cada sociedade. Muitos se perguntam hoje se essa reprovação é racional e se não seria
mais sensato considerar o crime apenas uma doença ou erro. Não temos, porém, de entrar nessas
discussões; procuramos determinar o que é ou foi, não o deve ser. Ora, a realidade do fato
acabamos de estabelecer não é contestável; isso significa que o crime melindra sentimentos que se
encontram em todas as consciências sadias de um mesmo tipo social.

Veja que a violência tem sido na atualidade um dos problemas mais discutidos na
sociedade brasileira. Alterações legislativas, v.g., lei Maria da Penha, Lei dos Crimes
Hediondos, Instituto da Delação Premiada et c. vem sendo criados, uma vez que os membros
do Poder Legislativo, visando atender o desejo social, fazem as alterações legislativas,
geralmente aumentando e agravando as penas.

As conclusões de Durkhein de que os membros da sociedade reprovam a prática de


crimes se adéqua bem ao fenômeno que ocorre na sociedade brasileira da atualidade. Como
citamos, as alterações legislativas são uma demonstração da preocupação do corpo social com
o crime.

As mudanças sociais, urbanização acelerada e desorganização social fizeram com que


as taxas de crimes aumentassem muito nos últimos anos. Vejamos na tabela abaixo:
11

Dentre as várias teorias criminológicas, procuraremos demonstrar que a teoria da


anomia e ecológica explicam e demonstram como as alterações sociais, taxas de urbanização
e aspectos culturais, influenciam no aumento das taxas de crimes.

A teoria ecologia do crime procura explicar o crime através da desorganização social,


a qual é provocada pela urbanização acelerada e sem planejamento. Nossa sociedade é um
exemplo desses fenômenos, quais sejam, urbanização acelerada e espaços urbanos
desorganizados, v.g., favelas e cortiços.

A abordagem ecológica do crime trás a idéia de coesão social, a qual se traduz em


maior ou menor eficácia coletiva, o que se traduzirá em maior ou menor taxa de crime. As
taxas de crimes não são analisadas sob a perspectiva individual, mas coletiva, onde as esferas
privada, paroquial e pública são levadas em conta para se explicar porque há locais onde as
taxas de crimes são altas e locais, onde são baixas.

Nas regiões onde a infraestrutura é precária, onde faltam saneamento básico, escolas
de qualidade e tempo integral, moradores de baixo status socioeconômico, e desconfiança
entre as pessoas, geralmente, forma-se o local ideal para o aumento da violência e do
comportamento desviante. Nessas regiões os jovens não tem um controle informal, gerando a
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oportunidade deles se associarem em gangues, visando a aceitação e o sentimento de grupo.


Como consequência, o comportamento desviante e a violência são praticados pelas gangues,
as quais dominam as regiões periféricas e exercem nos jovens e crianças fascínio e admiração.

A teoria da Anomia Social ao analisar macroscopicamente o crime e o desvio social,


através da análise das metas culturais e dos meios legítimos disponibilizados às pessoas para
se alcançar tais metas, explica em parte os desvios e altas taxas de criminalidade na sociedade
brasileira.

De acordo com esta teoria, o crime é um fenômeno comum nas sociedades e varia de
acordo com a distorção/tensão entre as metas culturais impostas e os meios legítimos
disponibilizados pela sociedade aos indivíduos. Quanto maior a distorção, maiores serão os
índices de crimes, ao contrário, quanto menor, menores taxas, haja vista a atenuação das
tensões.

Como explicar o aumento das taxas de crimes, quando há melhorias nas taxas de
distribuição de rendas? Este é um problema que aparentemente parece um paradoxo, mas ao
observamos mais de perto o fenômeno, veremos que a teoria da anomia e ecológica explicam
e entendem o porquê isso aconteceu no Brasil.

Citamos o artigo denominado de: “O retorno da cidade como objeto de estudo da


sociologia do crime”, escrito por Lígia Mori Madeira, para demonstrarmos como a
urbanização acelerada se inter-relaciona com o aumento das taxas de crimes:

Em seu segundo momento, a obra de Freitas, passa a tratar, especificamente, da cidade de Chicago
- a qual, segundo o autor, foi uma das três cidades americanas (as outras são Nova Iorque e
Filadélfia) que mais sofreram o processo de urbanização acelerada. Chicago foi a que recebeu o
maior número de imigrantes, tanto externos como internos (cujo maior grupo era formado por
negros vindos do Sul). Em 1890, Chicago passou a ser a segunda mais populosa cidade dos
Estados Unidos, avultando-se a sua importância econômica graças ao seu vasto centro industrial e
comercial. Paralelo a essa expansão ocorreu o crescimento da criminalidade, que foi atacada por
uma política de repressão policial, cujo resultado apontou altos índices de encarceramento.

Em artigo denominado “Avanço no socioeconômico, retrocesso na segurança pública:


paradoxo brasileiro?” Luiz Flávio Sapori demonstra como as taxas de violência aumentaram,
13

apesar de haver nítidos avanços nos processos de distribuição de renda da população no


período compreendido entre os anos de 2001 à 2010.
14

1.8 METODOLOGIA

1.8.1 MÉTODO DE ABORDAGEM

Existem vários métodos de abordagem do tema, dentre os quais, citam-se abordagem


dedutiva (parte-se do geral para o caso específico), indutiva (parte-se do particular para o
geral) e dialética (contraposição de idéias). Utilizaremos a metodologia dedutiva, partindo-se
do geral para o específico.

Os tipos de abordagens da pesquisa se dividem em qualitativa e quantitativa. Na


primeira a preocupação é com o aprofundamento de um grupo social, uma organização et c.
Visa-se a compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais. Já a segunda, tem como
foco tudo o que pode ser mensurado em números.

1.8.2 MÉTODOS DE PESQUISA

As técnicas que utilizaremos será a coleta de dados através da internet (Google


acadêmico, por exemplo), pesquisas em livros e artigos publicados sobre o tema.

Nossa abordagem quanto ao método de pesquisa será a qualitativa, uma vez que
procuraremos estudar grupos populacionais urbanos e as dinâmicas das relações sociais
desenvolvidas neste ambientes.

1.8.3 TIPOS DE PESQUISAS

As pesquisas científicas, quanto aos objetivos, se dividem em exploratória, descritiva e


explicativa.

Pesquisa exploratória geralmente é aquela que assume a forma de um estudo de caso.


A descritiva tem como objeto a descrição das características de uma população, experiência
ou fenômeno. A pesquisa explicativa tem como objetivo identificar as causas e fatores que
contribuem ou determinam a ocorrência de fenômenos.
15

Nossa pesquisa quanto ao objetivo será explicativa, uma vez que procuremos
demonstrar, utilizando-se das teorias do crime (teoria da anomia e ecológica), como o
processo de urbanização acelerado está intimamente ligado ao aumento das taxas de crimes no
Brasil.
16

2TEORIAS DA ANOMIA E ECOLÓGICA DO CRIME

2.1 TEORIA DA ANOMIA

A teoria da anomia é uma das mais importantes e tradicional tese de explicação para a
criminalidade, sendo que, para ela, o crime é um fenômeno comum nas sociedades e varia de
acordo com a distorção/tensão entre as metas culturais impostas e os meios legítimos
disponibilizados pela sociedade aos indivíduos. Quanto maior a distorção, maiores serão os
índices de crimes, ao contrário, quanto menor, menores taxas, haja vista a atenuação das
tensões.

A sociedade brasileira tem em seu âmago cultural a valorização do capital, riqueza e


bens de consumo, entretanto não disponibiliza para as camadas baixas da pirâmide social
meios adequados e eficientes para o alcance das metas. Diariamente, as pessoas,
principalmente as mais jovens, vem nos meios de comunicação, na internet, nos grupos de
amigos e familiares, a supervalorização do sucesso econômico, o que ocasiona uma forte
pressão, haja vista que os indivíduos interiorizam tais metas culturais, mas, através dos meios
legítimos, fica quase impossível conquistá-las.

A teoria da Anomia Social apresenta 05 (cinco) categorias de indivíduos, de acordo


com o grau de aceitação ou não das metas culturais e dos meios institucionais disponíveis.

Tem-se a conformidade: indivíduo que aceita as metas culturais e os meios


institucionais disponíveis; a inovação: indivíduo aceita as metas culturais, mas não os meios
tradicionais disponíveis; ritualismo: não aceita as metas culturais, mas sim os meios
institucionais para consegui-lo; retraimento: não aceita as metas culturais, nem os meios
disponíveis; rebelião: rejeitam as metas e os meios institucionais e pretende uma mudança no
sistema.

Para a teoria da Anomia Social a conformidade e a inovação são os tipos mais


importantes.
17

Indivíduos classificados na categoria conformidade procuram seguir os meios


instituídos, i.e., escola, carreira profissional, para atingir as metas culturais de sucesso
econômico. Geralmente, tais indivíduos provém de famílias com poder aquisitivo elevado, o
que permite que estudem nas melhores escolas e se preparem eficientemente para ocuparem
cargos e empregos altamente qualificados e bem remunerados.

Na inovação, geralmente, os indivíduos provém dos extratos mais baixos da pirâmide


social, razão pela qual não conseguem acesso em boas escolas, nem nos postos de trabalho
qualificados e bem remunerados. Em regra, tais pessoas ocupam cargos desvalorizados
economicamente e sem status social, v.g., faxineiros, empregados domésticos. Entretanto, os
indivíduos pretendem alcançar as metas culturais de sucesso, e, como tem pouquíssimas
chances, através dos meios legítimos, acabam se utilizando dos meios ilegítimos para o
alcance das metas.

Aplica-se o ditado: “os fins justificam os meios”, e, assim, na inovação os indivíduos


começam a infringir as leis e os códigos de ética, visando ao alcance das metas de sucesso
econômico. Como resultado tem-se altas taxas de crimes contra o patrimônio na sociedade, e
o comportamento desviante passa a crescer exponencialmente.

A teoria da Anomia Social também explica o fato de pessoas altamente qualificadas e


bem remuneradas inovarem nos meios para alcançarem o sucesso. De acordo com a teoria,
tais pessoas por serem altamente pressionadas pelas elevadas metas de sucesso, acabam por
não seguirem as regras de condutas nos negócios, vindo a cometerem os chamados “crimes do
colarinho branco”. Entretanto, para a teoria, as pessoas das classes menos favorecidas são o
foco principal da conduta desviante.

Mais recentemente, Agnew (1992) procurou estender a teoria da anomia para compreender – além
da frustração entre as aspirações individuais e os meios socialmente existentes para satisfazê-las - ,
adicionalmente, duas circunstâncias. Para contemplar o foco de divergências que derivam do fato
de outros terem retirado do indivíduo algo de valor (não estritamente material), em primeiro lugar,
e o fato de que as pessoas confrontadas com circunstancias negativas engendradas por
discordâncias ou divergências sociais, por último. Esse desenvolvimento, que ficou conhecido
como Teoria Geral da Anomia (General StrainTheory), foi testado por Agnew e White (1992),
Agnew (1993), Paternoster e Mazerolle (1994) e Hoffmann e Miller (1998), e todos esses
trabalhos encontraram evidências empíricas a favor. (Cerqueira e Lobão, 2003).
18

Um bom exemplo para a teoria da Anomia Social pode ser o seguinte:

João, 17 anos, é morador de uma favela na região norte de BH, seus pais não tiveram
educação formal, são analfabetos funcionais. Seu pai trabalha como servente de pedreiro e
tem uma renda de R$ 1.000,00 para cuidar da esposa, de João e mais três filhos. João escuta
todos os dias o chamado “funk ostentação” e pretende adquirir os automóveis luxuosos de
seus ídolos, entretanto, a escola que João estuda é de péssima qualidade. João passa a se
autodenominar “Jony boy” e gosta de usar roupas e tênis caros, de marca, mas como sua
família não pode custear, e ele não tem emprego fixo e bem remunerado, João passa a
cometer assaltos e se junta a uma gangue de roubos de carros de luxo.

Através de seu comportamento desviante, João acredita que conseguiu alcançar suas
metas, pois anda em carros luxuosos e possuí roupas caras. A forma como conseguiu não faz
muita diferença, pois o que importa é a satisfação das metas consumistas e culturais. João em
seu carrão, apesar de roubado, é admirado pelas garotas do aglomerado e idolatrado pelas
crianças, as quais passam a ver nele um exemplo de “sucesso”.

2.2 TEORIA ECOLÓGICA DO CRIME

A abordagem ecológica do crime, também conhecida como Teoria da Desorganização


Social, traz a idéia de coesão social, a qual se traduz em maior ou menor eficácia coletiva, o
que se traduzirá em maior ou menor taxa de crime. As taxas de crimes não são analisadas sob
a perspectiva individual, mas coletiva, onde as esferas privada, paroquial e pública são
levadas em conta para se explicar porque há locais onde as taxas de crimes são altas e locais
onde são baixas.

A esfera privada é baseada nas relações interpessoais, onde os laços entre as pessoas
são fortes, v.g., parentes, amigos, vizinhos; a esfera paroquial são aqueles locais onde os
indivíduos da comunidade se reúnem, tais como escolas e igrejas, e os laços entre os
indivíduos são fracos; a esfera pública pode ser entendida como a capacidade da comunidade
em atrair recursos (públicos e privados) para a região. Citam-se a instalação de programas
como FICA VIVO e UPPs. A dinâmica dentro da comunidade das três esferas (privada,
paroquial e pública) é de extrema importância para o controle das taxas de crimes.
19

Citamos um trecho da monografia OS “ENTRAVES” PARA O SURGIMENTO DA


EFICÁCIA COLETIVA: Um estudo de casos em um Aglomerado de Belo Horizonte (Cruz,
2010) para melhor explicarmos os conceitos de esfera privada, paroquial e pública:

ALBERT HUNTER (1985) desenvolveu três níveis de abordagem do controle social que
possibilita um melhor entendimento de como as redes de relações são intrínsecas ao controle do
crime no nível comunitário. Assim, o mais básico é o controle no nível "privado", que está baseado
na intimidade informal dos grupos primários existentes na área. Dentro de tais grupos, o controle
social é geralmente conseguido através da alocação ou da retirada do sentimento de prazer, apoio
social e estima mútua. BLACK (1989: 4) teria colocado alguns mecanismos primários de controle
existentes nesse nível, como críticas a comportamentos, a ridicularizarão ou a marginalização de
grupos, o que poderia redundar em autodestruição ou violência. Contudo, segundo os autores, há
indícios de que tal controle é mais eficiente em adolescentes.

O segundo nível de controle social discutido por Hunter é chamado de"paroquial" e representa
os efeitos da rede interpessoal local e a interlocução entre instituições locais, como igrejas, escolas,
comércios e organizações voluntárias. Assim, se a ordem privada refere - se às relações entre
amigos, a ordem paroquial refere - se às relações entre grupos em que a ligação “sentimental” não
seja o instrumento principal de coesão. E esse nível paroquial pode ser entendido como “conexão
entre instituições ou grupos dentro de uma comunidade”. SPERGEL e KORBELIK (1979)
mostraram que existem contingências que mediam a capacidade das redes locais e as instituições
de controle da ameaça de crime. São algumas associações locais que se ergueram inicialmente
devido à intervenção de organizações externas à comunidade.

O terceiro nível de controle é o "público" que focaliza a capacidade da comunidade em


assegurar a implantação de bens públicos para a sua área;serviços que são oferecidos por agências
localizadas fora da comunidade. Esses resultados externos podem tomar duas formas básicas: a) a
comunidade pode desejar se engajar em atividades de controle do crime, que apenas serão bem
sucedidas se as organizações locais tiverem a capacidade de influenciar na burocracia dos serviços
municipais e nas decisões das políticas públicas,que alocam recursos econômicos e b) referente ao
controle externo do crime, isto é, a relação existente entre a comunidade e o departamento de
polícia da cidade.

O ideal de uma comunidade seria aquele onde a taxa de vulnerabilidade das pessoas é
baixa, e a coesão paroquial e pública, forte. Nessas regiões a comunidade consegue se
mobilizar e atrair recursos financeiros e ações políticas para a solução das demandas locais.
Essas regiões geralmente são de classe média, e os moradores compartilham valores comuns,
bem como agem de forma à controlar as atividades locais. Cria-se um ciclo virtuoso, onde a
20

coesão social, a solidariedade e a confiança entre os residentes aumentam, melhorando a


sensação de segurança.

Nas regiões onde há concentração de vulnerabilidades (infraestrutura e saneamento


básico precários, pouca oferta de serviços de saúde, educacionais, culturais, grande
concentração de subempregos e pouca mobilização social, geralmente, forma-se o local ideal
para o aumento da violência e do comportamento desviante. Nessas regiões as crianças e
adolescentes não estão submetidos a um controle social informal consistente e contínuo,
gerando situações de exposição e / ou envolvimento com comportamentos de risco como:
falta de supervisão de adultos, tempo livre na rua, abandono escolar, relações com membros
de gangues, consumo e venda de drogas ilegais. Como consequência, há um grande número
de adolescentes e jovens que podem assumir um comportamento desviante e estão expostos a
violência praticada por gangues, que dominam várias regiões periféricas e exercem nos jovens
e crianças fascínio e admiração.

Citamos um trecho da monografia do professor Bráulio Figueiredo Alves da Silva, a


respeito do tema:

De acordo com a teoria, os processos de urbanização descontrolada e degradação física de


determinadas áreas urbanas refletem um ambiente de desorganização social. Nesse contexto, o
baixo nível de integração social impede o estabelecimento de laços sociais estáveis e a manutenção
de valores relativos à normas, papeis e arranjos hierárquico entre seus residentes
(KORNHAUSER, 1978). Sem a percepção de valores comuns, o exercício coletivo de
mecanismos informais de controle social torna-se inoperante e as oportunidades para o crime se
afloram (SILVA, 2012)

A teoria ecológica do crime analisa muito bem os crimes urbanos, principalmente os


derivados da desorganização social (territórios segregados, guetos, favelas). Os crimes de
delinquência juvenil e de gangues, homicídios, assaltos e violência doméstica, são bem
retratados e explicados através dos métodos desta teoria, uma vez que a teoria ecológica do
crime demonstra a origem e as causas do problema.

Os crimes acima citados têm seu fenômeno causal muito bem explicado e
compreendido através dos métodos e conceitos apresentados pela teoria ecológica do crime,
21

uma vez que ao se demonstrar que nas regiões de baixa infraestrutura, a coesão social e a
eficácia coletiva são baixas, o resultado é o aumento da violência e das taxas de crimes.

Com o crescimento desordenado dos grandes centros urbanos, os quais receberam


grandes fluxos migratórios, iniciados em nosso país a partir da década de 1950, pessoas
vindas das zonas rurais tiveram de se acomodar e residir em grandes áreas degradadas e sem
infraestruturas nas periferias das grandes cidades.

Os descendentes destes imigrantes cresceram em um ambiente onde a presença do Estado


era precária. Falta de saneamento básico, escolas públicas de péssima qualidade e sem
estrutura, falta de hospitais e postos de saúde lotados. Aliado a este fato, tem-se que as
famílias destas regiões eram de baixo status socioeconômico, sendo que os pais tinham de
trabalhar e os filhos, geralmente, ficavam em casa sozinhos, tendo a rua como escola, e os
amigos de bairro como referência.

Muitas mulheres se tornaram mães solteiras novas, e o consumo de álcool e outras drogas
ilícitas explodiram nestas regiões. O resultado foi que os adolescentes ficaram sem um
controle informal (família) e formal (escolas em tempo integral), e, visando pertencerem a
um grupo, muitos se enturmaram em gangues, as quais tinham como padrão o
comportamento desviante.

O ambiente acima propiciou que as gangues exercessem um fascínio a muitos jovens, os


quais passaram a seguir os códigos de condutas destes grupos, sendo o comportamento
desviante e violento, suas principais características.

O jovem pobre e sem perspectivas, geralmente, encontra nas gangues vantagens, haja vista
o ambiente hostil e degradado de onde ele vem. Não é somente o aspecto econômico, tem
também o sentimento de pertencer a um grupo, ter uma identidade, ser visto e respeitado na
região onde vive.

O tráfico de drogas foi outro fator que elevou as taxas de violência, uma vez que as
disputas por territórios e as cobranças de dívidas de usuários, elevaram as taxas de
homicídios. Juntamente com o tráfico, cresceu o comércio de armas de fogo, o que
aumentou o poder destrutivo e intimidador das gangues de traficantes.
22

3 BAIXA ARTICULAÇÃO DOSISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

O sistema de Justiça Criminal Brasileiro é definido através da Constituição Federal de


1988, a qual demarcou as competências dos diversos órgãos encarregados do sistema. Tem-se
a parte do poder Judiciário, do Ministério Público e das Polícias (Civis, Federal, Militares,
Rodoviária Federal e Ferroviária Federal).

No que tange ao sistema policial, a Constituição adotou um modelo de polícia


bipartido, sendo uma parte investigativa e outra ostensiva. Tal modelo teve o embrião na
época da ditadura, onde as guardas civis foram extintas e as polícias militares passaram a
efetuar o policiamento fardado e ostensivo, o qual era desempenhado pelas guardas.

A Constituição Federal também aumentou as atribuições do Ministério Público, o qual


passou a desempenhar várias funções nas áreas civil e criminal, bem como ficou encarregado
de realizar o controle externo da atividade policial. Feito um breve e modesto resumo das
alterações constitucionais, explicaremos as razões da baixa articulação do sistema de Justiça
Criminal.

Inicialmente, tem-se que o modelo de instituições policiais que trabalham círculos


incompletos de polícia foi um fator de retrocesso adotado pela Constituição Federal, uma vez
que as polícias passaram a disputar qual era a mais importante, qual deveria ter mais recursos
e poder. Uma polícia passou a realizar indevidamente atribuições da outra, ocasionado vários
casos de usurpação de função. Não são raros conflitos entre Polícias Civis e Militares, Federal
e Rodoviária Federal, sendo que em todos os casos sempre eclode o corporativismo e os
ranços de uma polícia para com a outra.

A Constituição reza que o trabalho das polícias deveria ser integrado e colaborativo,
mas, na prática, o que aconteceu foi justamente o contrário, e o Ministério Público que tem o
dever de realizar o controle externo não exerce esta atividade adequadamente.

O que se vê é uma competição entre o Ministério Público e as Polícias, principalmente


as investigativas (Civis e Federal), uma vez que o primeiro confunde controle externo com
subordinação, fato que as polícias não aceitam e cria-se um litígio entre as instituições.
23

Também há um conflito entre PMs e Guardas Municipais sobre a forma de policiamento


ostensivo, uma vez que foi criado o estatuto das Guardas municipais, o qual concedeu poder
de polícia a este órgão.

Citando um exemplo, tem-se o fato de que em Minas Gerais quando um policial


militar mata um cidadão civil, mas em serviço, os milicianos ao invés de o levarem para uma
Delegacia, geralmente o levam para um Batalhão e instauram um Inquérito Policial militar
para apurar os fatos. Mas, também é instaurado um Inquérito Policial pela Polícia Civil e
ambos os inquéritos são encaminhados para a Justiça Comum. Vê-se que enquanto os
militares estão trabalhando no IPM, os mesmos estão deixando de realizar o patrulhamento
ostensivo e, ainda, tem-se que os fatos serão apurados em dois procedimentos, o que gasta
recursos e tempo dos órgãos. Muitas vezes os procedimentos são finalizados, mas com
conclusões opostas, ou seja, um aponta excesso e o outro, legitima defesa. Tal fato leva a
ocorrer na Justiça uma batalha entre acusação e defesa, gerando em alguns casos demora e
impunidade.

Um outro fator que leva à baixa articulação do sistema é uma competição entre o
poder Judiciário e o Ministério Público, uma vez que este órgão ao receber as mesmas
garantias do poder Judiciário, entende que é um quarto poder, e, muitas vezes, pretende
investigar, denunciar e condenar. Ou seja, algumas vezes o Ministério Público extrapola suas
funções.

Assim a racionalidade e coerência da divisão do trabalho postulada no fluxo formal


(ocorrência, inquérito policial, denúncia, sentença e aprisionamento) não imperam. Na prática,
as instituições da justiça criminal agem segundo lógicas distintas e, muitas vezes, conflitantes
(Kant, 2008) inviabilizando a divisão de trabalho do fluxo formal.

A articulação prevista no arcabouço formal do sistema de justiça criminal brasileiro,


não se realiza na sua dinâmica cotidiana de funcionamento. O sistema de justiça criminal é
descrito como uma arena onde prevalece o conflito devido à cultura e autonomia específicos
de cada organização. Disputas por espaços de poder são comuns, além da competição por
recursos escassos.
24

Descrever o sistema de justiça criminal, como um sistema frouxamente articulado,


significa reconhecer uma tensão inerente à implementação da ordem pública na sociedade
brasileira. Os conflitos e a informalidade, resultantes dessa desarticulação são realidades
fáticas constitutivas da justiça criminal e são explicadas por diversas abordagens.

As organizações da justiça, as prisões assim como as organizações policiais,


apresentam disjunções entre estrutura formal e atividades práticas, de modo que a
compreensão de sua dinâmica incorpora uma cultura própria. Cultura capaz de gerar um forte
corporativismo, que desenvolve um espírito de permanente desconfiança de todos aqueles que
não fazem parte da organização, e de auto-percepção como a única capaz de garantir a ordem
e a segurança.

A consequência mais grave da desarticulação do sistema de justiça brasileiro se


expressa na baixa credibilidade que ele alcança na população, aumentando a descrença dos
cidadãos nas instituições promotoras de justiça. Os que dispõem de recursos apelam, cada vez
mais, para o mercado de segurança privada, a grande maioria da população urbana permanece
refém do medo e da insegurança. Todos essas conseqüências contribuem ainda mais para
enfraquecer e desarticular o funcionamento do sistema de justiça criminal.
25

4ANÁLISE DA REALIDADE BRASILEIRA

O Brasil durante muitos séculos foi um país eminentemente rural, mas a partir da
segunda metade do século XX iniciou um processo intensivo de urbanização. Este fenômeno
ocorreu de forma acelerada e desorganizada, gerando cidades com inchaço populacional e
forte concentração de vulnerabilidades.

O intenso fluxo migratório do campo para as cidades é demonstrado pelo extrato


seguinte, que caracteriza o processo de urbanização brasileira:

Em 1940, apenas 31% da população brasileira vivia em cidades. Foi a partir de 1950 que o
processo de urbanização se intensificou, pois com a industrialização promovida por Getúlio
Vargas e Juscelino Kubitschek houve a formação de um mercado interno integrado que atraiu
milhares de pessoas para o Sudeste do país, região que possuía a maior infraestrutura e,
consequentemente, a que concentrava o maior número de indústrias. 1

A partir de 1970, mais da metade dos brasileiros já se encontrava em áreas urbanas, cuja oferta de
emprego e de serviços, como saúde, educação e transporte, eram maiores. Em 60 anos, a
população rural aumentou cerca de 12%, enquanto que a população urbana passou de 13 milhões
de habitantes para 138 milhões, um aumento de mais de 1.000%. 2

Fonte: IBGE

1
http://educacao.globo.com/geografia/assunto/urbanizacao/urbanizacao-brasileira.html
2
http://educacao.globo.com/geografia/assunto/urbanizacao/urbanizacao-brasileira.html
26

O gráfico acima demonstra que na década de 1990 mais de 70% dos brasileiros viviam
em áreas urbanas, e que nas décadas seguintes, tal índice de urbanização passou para mais de
80%. Ou seja, ocorreu uma transformação radical nos espaços urbanos, onde as pessoas
advindas das áreas rurais passaram a se acomodar e a ter de viver um outro estilo de vida.

A análise da taxa de homicídio demonstra que nos últimos 30 anos a taxa de


homicídios no Brasil mais que dobraram.

Fonte: SIM/SVS/MS

Observando a figura vemos que no início da década de 1980 os índices de homicídios


eram de 11,7 homicídios para cada 100.000 habitantes, mas, nas décadas seguintes tal índice
aumentou muito, mais que dobrando, tendo no ano de 2003 um pico, onde as taxas quase
chegaram a 28,9 homicídios para cada 100.000 habitantes. Posteriormente, as taxas caíram e
no ano de 2010 fechou em 26,2 homicídios para cada 100.000 habitantes. Apesar da melhora,
percebe-se que os índices ainda são extremamente altos, uma vez que a OMS (Organização
Mundial de Saúde) considera epidêmicos os locais onde os índices são superiores à 10
homicídios por 100.000 habitantes.

Analisando-se as duas figuras, vemos que nas últimas décadas ocorreu o aumento da
taxa de urbanização da população, sendo que tal fenômeno veio acompanhado pelo aumento
das taxas de homicídios.
27

As pesquisas realizadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública3, demonstram


que são elevadas as taxas de crime no Brasil. Em 2014 foram ao menos 58.497 pessoas
vítimas de mortes violentas, 398 policiais foram assassinados, foram registrados 47.646
crimes de estupros e 28,4% dos crimes violentos letais intencionais ocorreram nas capitais.
Ainda tem-se que 89,8% das mortes violentas são homicídios dolosos. Vejam os dados:

Tabela 1: Panorama dos Crimes Violentos no Brasil

Mortes violentas intencionais Vitimização e letalidade policial


Ao menos 58.497 vítimas de mortes violentas no 398 policiais foram mortos em 2014,ao menos um
Brasil em 2014. por dia. Este número significa 2,5% de redução de
policiais mortos em relação de 2013.
Se somarmos todas as categorias de mortes A cada três horas uma pessoa foi morta pela
violentas, o Brasil teria uma taxa de 28,8 mortes polícia no ano passado, resultado em 3.009 vítimas
para cada 100 mil habitantes.
Essa taxa significa um patamar 9,9% superior 37,2% de crescimento da letalidade em relação a
aquele alcançado apenas pelos homicídios dolosos. 2013.

28,4% dos crimes violentos letais intencionais do O número de mortes decorrentes de intervenção
país aconteceram nas capitais ( exclusive mortes policial representa 5% do total de mortes violentas
por intervenção policial). intencionais e é 46,6% superior à quantidade
registrada de latrocínios em 2014.
Armas apreendidas Efetivo
118.379 armas de fogo foram apreendidas em O Brasil contou em 2014 com 666.479 policiais e
2014. Este número é 8,2% menor do que o de guardas municipais.
2013.Entre 2013 e 2014, a Polícia Federal reduziu 64%-PM 18%PC 15%Guardas 2%PF 1%PRF
sua participação na apreensão de armas de fogo de
12,2% para 7,5%.
Socioeducativo Estupros
O números de adolescentes cumprindo medidas 47.646 estupros foram registrados no país, em
socioeducativas privativas de liberdade cresceu 2014, redução de 6,7% em relação a 2013.
443% entre 1996 e 2013. Porém,considerando que em média apenas 35%
23.006 adolescentes cumpriam medida no último dos crimes sexuais são notificados,mais dados
ano. precisam ser acumulados para confirmar a queda.
Considerando os dados disponíveis, o percentual
de adolescentes autores de homicídios em relação
ao total de homicídios esclarecidos e/ou inquéritos
relatados é de 10,7% no Brasil.

Prisões
A população carcerária brasileira atingiu,em
2014,607.373 pessoas.

3
http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2015.retificado_.pdf
28

Os dados das figuras anteriores demonstram a associação entre urbanização acelerada


e crescimento dos crimes violentos. Grande parte da população que migrou para as cidades,
foi morar nos territórios mais vulneráveis em função da ausência de financiamentos de
habitações populares. Segundo dados do Censo do IBGE de 20104 seriam mais de 11 milhões
de pessoas residindo em áreas vulneráveis (favelas) em todo o Brasil.

Este fato demonstra que o processo de urbanização brasileiro aconteceu sem


planejamento e, como consequência, impactou no crescimento das taxas de crimes violentos.

4
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2011/12/21/mais-de-11-milhoes-vivem-em-favelas-no-
brasil-diz-ibge-maioria-esta-na-regiao-sudeste.htm
29

Quanto a incidência dos crimes contra o patrimônio, uma pesquisa5 demonstrou que
no ano de 2011 o Brasil teve a terceira maior taxa de roubos da América Latina, são 572,7
roubos para casa 100.000 habitantes. Pela tabela seguinte, vemos que neste índice negativo,
estamos na frente de vários países, tais como Paraguai e Peru. A pesquisa ainda aponta a
urbanização acelerada, a expectativa de consumo e baixa mobilidade social como causas do
aumento das taxas de crimes. Vejamos um trecho:

A pobreza e o desemprego sozinhos não explicam o aumento da violência – na última década, a região
teve um crescimento econômico médio de 4,2%, segundo o relatório, mais de 70 milhões de pessoas
saíram da linha da pobreza e as taxas de desemprego caíram continuamente entre 2002 e 2009.
Entretanto, o crescimento urbano rápido, aliado a uma maior expectativa de consumo e à baixa
mobilidade social são fatores que levam muitas pessoas ao crime. E o desemprego não está diretamente
relacionado a taxas criminais mais altas.
Uma pesquisa inédita realizada com presos de seis países da região (Argentina, Brasil, Chile, El
Salvador, México e Peru) deixa clara esta questão. No Brasil, 70% dos presos entrevistados estavam
empregados quando cometeram os crimes pelos quais foram detidos – e na média, eles começaram a
trabalhar aos 13,9 anos.
Os problemas dos sistemas educacionais também influenciam diretamente nos índices criminais – sem
educação, a população tem mais dificuldades para ascender socialmente, e em alguns casos busca nos
crimes um acesso mais rápido. Nos países da região, 51% dos homens e 45% das mulheres não
completam o ensino médio.
Por fim, as instituições familiares fracas possuem seu peso – enquanto a taxa de fertilidade entre
adolescentes caiu 26% no mundo entre a década de 1970 e o período entre 2005 e 2010, na América
Latina a redução foi de apenas 5%.

5
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/11/brasil-tem-terceira-maior-taxa-de-roubos-da-america-latina-diz-
pnud.html
30

Taxa de roubos a cada 100 mil habitantes na América Latina


PAÍS TAXA EM 2011*
Argentina 973,3
Bolívia 86,3
Brasil 572,7
Chile 468,1
Costa Rica 397,6
El Salvador 88,3
Guatemala 67
Honduras 276,3
México 688
Nicarágua 71,5
Panamá 52
Paraguai 18,2
Peru 217
República Dominicana 210,9
Uruguai 456,5
Venezuela 211

*Os dados da Argentina são de 2008; Bolívia tem dados de2000;Costa Rica e Paraguai de 2010; El
Salvador e Chile de 2012.
31

5 CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou enfatizar as complexas causas multidimensionais do crime


dando ênfase aos impactos da urbanização acelerada e sem planejamento no crescimento dos
crimes nas áreas que concentram vulnerabilidade nos centros urbanos.

Não há apenas uma razão para o comportamento desviante, ou seja, apenas a falta de
oportunidades disponibilizadas versus metas culturais impostas. Temos de levar em conta
vários aspectos, como: baixa mobilidade social, aspectos psicológicos dos indivíduos, além da
eficácia coletiva e eficiência do sistema de justiça criminal para uma análise mais completa.

O crime é fenômeno social complexo, não podendo ser compreendido pela representação
simplória de que este ou aquele fator é sua causa determinante. A diversidade das teorias
criminológicas evidencia que é mais prudente tratar o crime como produto de múltiplas
causalidades, o que não significa ignorar a influência das condições socioeconômicas, incluindo a
pobreza e desigualdade.

A criminologia crítica, como também a teoria da desorganização social, a teoria da


eficácia coletiva e mesmo a teoria da anomia reconhecem que indivíduos submetidos a contextos
de carência de saúde, educação, infraestrutura urbana e emprego são mais vulneráveis ao
desenvolvimento de motivações criminosas. Isso decorreria de eventual embrutecimento diante das
necessidades básicas da sobrevivência, ou da incapacidade das comunidades empobrecidas de
exercerem controle social informal, não ignorando também a relativização de parâmetros morais
quando os sonhos de enriquecimento e consumo defrontam-se com as limitações da posição social.
A ênfase da teoria da anomia, na verdade, recai menos sobre pobreza absoluta e mais sobre a
desigualdade social (SAPORI, 2014)

Outro fator que influência no comportamento desviante é o sistema de justiça criminal.


Quanto mais eficiente o sistema, menor a taxa de comportamento desviante, uma vez que o
indivíduo coloca na balança o resultado custo benefício antes de praticar o desvio de conduta.

Infelizmente, a sociedade brasileira está tendo altas taxas de criminalidade, uma vez
que as cidades não foram planejadas, e o aumento do PIB não foi acompanhado de políticas
públicas de segurança eficientes na prevenção e repressão aos crimes violentos. A mobilidade
social através dos meios formais é baixa, mas através de comportamentos desviantes, muitos
jovens têm ganhos elevados, fato que atraí muitos para a criminalidade.
32

O mercado ilegal de drogas é altamente lucrativo, o que faz com muitos jovens das
periferias se juntem em gangues para realizar o tráfico de drogas. Aliado a este fato, tem-se
que a impunidade é regra no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que a taxa de resolução
de crimes é baixa.

O resultado da combinação de fatores, pode ser dado através da seguinte equação:


urbanização acelerada mais cidades sem infraestrutura mais jovens sem controle informal e
formal mais sistema de Justiça Criminal ineficiente mais metas culturais de consumo elevadas
mais meios formais de alcance das metas limitado é igual a aumento das taxas de
criminalidade.

A combinação de fatores acima, levou o Brasil a ser considerado um dos países mais
inseguros do mundo no ano de 20146. Reportagem da revista Veja listou os países que
apontou o Brasil na 11ª posição.

Infelizmente, as políticas públicas na área de segurança no Brasil são lembradas


apenas em épocas de campanhas eleitorais e nos momentos de crise, mas passados tais
épocas, as mesmas são esquecidas. Ainda tem se o fato da descontinuidade no trato com a

6
(http://veja.abril.com.br/blog/impavido-colosso/indice-aponta-brasil-como-11-pais-mais-inseguro-do-mundo)
33

segurança pública, uma vez que ao se mudar de governo, abandona-se as políticas de


segurança adotadas no governo anterior, mesmo que as mesmas estejam dando bons
resultados.

Finalizando, percebe-se que taxas de urbanização e criminalidade andam juntas,


principalmente, quando a primeira é acelerada e desorganizada.
34

6REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cerqueira, Daniel e Lobão, Waldir. Determinantes da Criminalidade: Uma Resenha dos


Modelos Teóricos e Resultados Empíricos. Rio de Janeiro, 2003, p.11

Cruz, Wilson José Antônio da. OS “ENTRAVES” PARA O SURGIMENTO DA EFICÁCIA


COLETIVA: Um estudo de casos em um Aglomerado de Belo Horizonte. Belo Horizonte
2010, p. 35-36

Durkheim,Emile, Da Divisão do Trabalho Social. Martins Fontes, São Paulo 2004.

Kant Lima, R. O Sistema de Justiça Criminal no Brasil: Dilemas e Paradoxos. In: Fórum de
Debates: Criminalidade, Violência e Segurança Pública no Brasil. Org. Cerqueira, Daniel;
Lemgruber, Julita e Musumeci, Leonarda, IPEA, 2000.

Paixão, A. L. Crime, Desvio e Sociologia, IUPERJ, Mimeo, 1991.

Paixão, Antônio e Beato, Cláudio. 1997. “Crimes, Vítimas e Policiais”. In Tempo Social.
Revista de Sociologia da USP, n.9 (1), maio de 1997:233-248.

Sapori, Luís Flávio e Soares, Gláucio Ary Dillon. Por Que Cresce a Violência no Brasil?.
Editora PUC Minas. Belo Horizonte, 2014, p. 62

Sapori, Luiz Flávio. "Avanço no socioeconômico, retrocesso na segurança pública: paradoxo


brasileiro?"Desigualdade & Diversidade – Revista de Ciências Sociais da PUC-RIO, nº
11,p. 133-158, 2012.

Silva, Bráulio Figueiredo Alves da Silva. Desorganização, Oportunidade e Crime: Uma


análise “Ecológica” dos Homicídios em Belo Horizonte. Belo Horizonte, 2012, p.36

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