Módulo 01 - Ética No Serviço Público

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Ética e Serviço Público – Módulo 01

Sumário
Apresentação.......................................................................................................................................3
Objetivo...............................................................................................................................................3
Introdução à Ética..............................................................................................................................4
Conceitos Básicos................................................................................................................................7
Concepções Éticas.............................................................................................................................11
Visão Contemporânea......................................................................................................................20
REFERÊNCIAS...............................................................................................................................24

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Ética e Serviço Público – Módulo 01

Apresentação

Desde tempos imemoráveis, a conduta humana tem sido objeto de


estudo. A ética é um dos tantos ramos da filosofia e se dedica,
resumidamente, ao estudo da moral em todas as suas manifestações. Ela é
uma das mais altas ou mais avançadas maneiras de harmonização e
convivência social. Nas décadas recentes, a abordagem sobre ética vem
adquirindo cada vez mais espaço, em particular, em virtude da grande
extensão de práticas perversas que tem se apresentado em grande partes do
mundo, em particular, em diversas instituições públicas e privadas. Assim,
algumas questões contemporâneas são postas pela ética, dentre elas: em que
consiste a felicidade? O que torna uma ação boa ou má? Justa ou injusta

Objetivo
Apresentar uma sumária conceituação de ética e moral, bem como
alguns sistemas éticos e seus teóricos ao longo da história (períodos clássico
grego, moderno e contemporâneo).

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Ética e Serviço Público – Módulo 01

Introdução à Ética
Objetivo: Contextualizar a ética como parte da história humana.

"O homem é um ser que não tem garantido de antemão seu próprio
ser, mas deve conquistá-lo por empenho de sua própria liberdade."

(OLIVEIRA, 1993, p.11)

O estudo da ética pertence primariamente à filosofia, mais em particular,


ao seu campo de conhecimento denominado “filosofia moral”, “filosofia
prática” ou, ainda, “axiologia” (teoria dos valores), pois se ocupa do agir do
ser humano, suas escolhas, bem como dos meios utilizados para alcançá-las.
Por isso, a ética contempla muitos aspectos do agir humano. Muito
provavelmente já utilizamos essa palavra, ou mesmo a tenhamos escutado
por outras pessoas. Às vezes, associamos-na a determinados tipos de
comportamentos como, por exemplo, aquelas condutas que consideramos
corretas e dignas de aprovação, contrastando com outros tipos de
comportamentos que reputamos como indignos ou recusáveis. Desse modo,
o conteúdo da palavra ética está estreitamente ligado a juízos que
constantemente fazemos sobre a correção ou a incorreção das ações
humanas, ou sobre a noção de certo e errado. Nesse sentido, a ética pretende
conferir ao ser humano conhecimento que lhe permite saber eleger
corretamente cada ato que venha a realizar.

A esse respeito, o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) escreveu em


sua obra Ética a Nicômaco:

"a excelência moral também está ao nosso alcance, da mesma forma


que a deficiência moral. Com efeito, onde está ao nosso alcance agir,
também está ao nosso alcance não agir, e onde somos capazes de dizer
‘não’, também somos capazes de dizer 'sim'."

(ARISTÓTELES, 2001, p. 57)

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Isso significa que, para esse filósofo, tanto a virtude quanto o vício estão
em nosso poder. Fazer ou não fazer o bem e o correto são questões de
conhecimento do que sejam o bem e o correto a se fazer, de modo que a
posse desse conhecimento trabalha em conjunto com a escolha por agir de
uma ou de outra maneira. Aristóteles acreditava, afinal, que o
comportamento entendido como ideal era uma prática a ser perseguida, pois
conduziria o indivíduo e a sociedade ao seu objetivo final de felicidade.

Esse estudo dos atos humanos indica que tais ações podem ser valoradas
de diversos modos, isto é, pode-se atribuir-se a elas algum juízo de valor
(Bem e mal, certo e errado, correto e incorreto, admirável e deplorável), se
realizadas pela vontade e liberdade da pessoa. O ato humano que não seja
realizado por meio de sua vontade, e em que esteja ausente sua liberdade,
não entra no estudo do campo da ética, pois não pode ser considerado um
exercício consciente do ser humano. Temos, portanto, que a ética está
intimamente relacionada ao binômio ação e liberdade. Este, por seu turno,
liga-se, ainda, às noções de escolha e de responsabilidade.

De maneira muito sintética, é possível dizer, também, que ética é o


estudo sistemático da moralidade. Por sua vez, moralidade é o código (ou
códigos) normativo moral (Aceitável ou proibido dentro de um grupo e/ou
época particular) Tais códigos normativos ou comportamentais são
reconhecidos pela comunidade numa época específica. Por exemplo, a lei é
um tipo de código, um código legal que representa um mínimo aceitável de
comportamento de um grupo particular (sociedade). De forma que, baseados
na razão, o homem e as sociedades humanas foram estabelecendo valores
fundamentais, sejam eles individuais ou sociais. A partir daí, foram derivados
os deveres morais que, em geral, coincidem com os mesmos valores
assumidos pelos sistemas jurídicos. Nesse sentido, os valores éticos aparecem
consignados no direito, pois, no lugar de estarem situados em lugares
diferentes, a ética e o direito estão em conformidade no que diz respeito à
busca de uma conduta social desejável.

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DÚVIDA

Por sua etimologia e o modo como são referidas no dia a dia, podem
parecer que são a mesma coisa. Em verdade não são, pois suas aplicações e
referências trazem diferentes significados. Pode-se complementar dizendo,
além disso, que as palavras ética e moral provêm, respectivamente, do grego
e do latim.

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Conceitos Básicos
Objetivos: apresentar uma breve etimologia do termo ética; expor
definição de ética e moral; demonstrar sua relação com a vida prática do ser
humano.

Ética é derivada da palavra grega ethos (έθος), que pode assumir uma
diversidade de sentidos. O modo mais usual de emprego desse termo tem
sido para indicar “modo de ser”, “caráter”. De modo que caráter pretende
significar o conjunto de qualidades e disposições que definem uma pessoa e,
ao mesmo tempo, a diferencia das demais. O caráter é adquirido pelo hábito.
O hábito, por sua vez, nasce da repetição de atos iguais. Assim, pode-se dizer
que das ações passam-se aos hábitos e dos hábitos à vida real. Desse modo,
surge o ethos, o modo de ser e agir, que é definido pelas características que
os hábitos deixaram marcados no ser. O ser humano, constantemente, está
construindo seu próprio modo de ser e agir, seu caráter, que vai se
transformando no ethos, na morada habitual do ser.

CURIOSIDADE

“Morada” é uma outra possível tradução da palavra ethos.

Já a palavra moral é proveniente do latim moralis, ou ainda, mor-moris,


que quer dizer “costume”, “maneira”, “comportamento próprio”. Ela está
relacionada com o ethos no sentido de que é um modo de ser que pode ser
adquirido gradualmente, que tem diversas fases de desenvolvimento.
Resumidamente, podemos dizer que moris significa, a exemplo do ethos, o
modo de ser ou o caráter. No entanto, ao passo que o caráter é adquirido
pelo hábito (portanto, no ato de viver), o costume se adquire por repetições
não necessariamente intencionais. Desse modo, que a ética tem a ver com o
campo de investigação do agir humano, enquanto a moral está relacionada
ao objeto dessa investigação. Conforme Adela Cortina (1995),

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"a moral está ligada imediatamente à ação e prescreve a conduta,


enquanto que a ética (filosofia moral) se pronuncia canonicamente, isto é,
conforme as regras."

(CORTINA, 1995, p. 29.)

Portanto, a moral é objeto de estudo da ética.

Vejamos, a seguir, um breve quadro de conteúdos da ética e da moral:

QUADRO DE CONTEÚDOS

ÉTICA MORAL

➔ Objeto de estudo do
pensamento filosófico
➔ Pensamento filosófico; (deontologia ou teoria dos
deveres);
➔ Ciência;
➔ Objeto de estudo da ciência
➔ É teórica, contemplativa, ética;
abstrata;
➔ Conjunto de normas,
➔ Busca a universalidade. princípios e valores com os
quais se regula a conduta
humana.

➔ É prática;
➔ Busca descrições e explicações
➔ Executa-se;
gerais para os problemas morais.
➔ Exerce-se.

➔ Reflexão teórica. ➔ Modifica a própria vida.

➔ Conjunto de teorias acerca das


obrigações normativas baseadas ➔ Conjunto de deveres, normas
na observação dos atos reais da e valores.
conduta.

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QUADRO DE CONTEÚDOS

ÉTICA MORAL

➔ Seu caráter prático ou normativo


➔ Possui caráter eminentemente
é derivado de seu objeto de
normativo e prático.
estudo, ou seja, da moral.

AMBAS REALIDADES SÃO CONCOMITANTES

Qualquer tentativa de definição do que venha a ser ética, assim como


qualquer outra ciência, é resultado de uma investigação do pensamento
sobre um objeto específico. Por isso, a ética é uma ciência normativa da
atividade humana ordenada ao bem. Mais que isso, ao bem comum. Ela é
uma ciência prática e normativa. Isso quer dizer que se dedica ao estudo dos
atos, porém, não no sentido daquilo que estes são, mas como deveriam ser.
Por esse motivo, o estudo da ética não ficou restrito ao campo da filosofia,
mas dialoga e se faz presente em tantas outras ciências e áreas do saber. Por
exemplo, a metafísica, a psicologia, a sociologia, a teologia, a religião e o
direito são algumas das ciências e campos do saber afins que se relacionam
com a ética, pois cada um desses saberes, a seu modo, refere-se às leis que
regem o comportamento humano.

Portanto, existe um caráter estritamente antropológico no estudo da


ética, uma vez que ela é uma ciência humana, isto é, fundamenta-se no ser
humano. Quando se fala em ser humano, é preciso compreender que este é
uma totalidade, ou seja, o sujeito da ação moral ou ética é o indivíduo como
um todo e não apenas uma parte dele.

EXEMPLO

Assim, quando alguém comete um roubo ou assassinato, não foi apenas


sua mão que praticou tal ato, mas a pessoa em sua integralidade. Isso
significa dizer que tantos elementos estão ali presentes: sua vontade, desejo,

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pensamento, emoções, intencionalidade, motivação, influências,


conhecimento e assim por diante.

A conduta é uma expressão da pessoa humana em sua integralidade.


Desse modo, quando se julga um ato, é preciso valorá-lo em sua
profundidade expressa na pessoa. Ao mesmo tempo, a ética considera o
sujeito enquanto indivíduo e enquanto membro de uma sociedade com
outros indivíduos.

Nesse sentido, as estruturas que caracterizam o homem em seu aspecto


individual e social entram no jogo das relações sociais. A pessoa humana é,
por um lado, um indivíduo, entendido no sentido pleno. Em outras palavras:
não dividido, não diluído. Entretanto, é, também, uma realidade que se “auto-
possui”, mas que está aberta ao outro, às demais pessoas, formando, assim,
um laço de relações comunitárias com o “nós”. Por isso, a ética – ou as teorias
éticas – compreendem que a pessoa é complementada, realizada, com a
estrutura da comunidade em que está inserida. Em outras palavras, a relação
humana se dá a partir de um “eu” que se abre ao “outro eu”, a um “tu”, que
se transforma em um “nós”.

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Concepções Éticas
Objetivo: Apresentar alguns sistemas éticos e seus principais teóricos.

Ao longo da história, foram formulados diversos sistemas éticos. Os


primeiros filósofos da Grécia Antiga se colocavam a pergunta, antes de tudo,
pelo ser de todas as coisas, ou seja, pela sua “verdadeira realidade” ou sua
“autêntica natureza”, uma vez que muitas vezes as “aparências enganam”. De
modo que alguns deles não demoraram a impor-se a pergunta:

DÚVIDA

Em que consiste a virtude (areté) do homem e qual a verdadeira noção


do bem?

Vejamos, brevemente, alguns dos sistemas éticos.

Sócrates

Figura 01: Estátua do Filósofo grego, Sócrates

Ainda que esse filósofo não tenha deixado nada escrito, os testemunhos

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de vários escritores da época nos permitem reconstruir algumas das


principais contribuições que a ele são atribuídas. Uma delas é a ideia de que
a excelência humana é caracterizada, antes de tudo, como uma atitude de
busca constante pelo verdadeiro bem. Isso porque somente quem chega a
conhecer tal bem é quem pode colocá-lo em prática. Assim, o primeiro
passo para se alcançar a perfeição moral é o abandono de atitudes
dogmáticas e céticas e a consequente adoção de uma atitude crítica que
somente se deixa convencer pelo melhor argumento [racional].

É por nós conhecida a famosa frase “conhece-te a ti mesmo”, adotada


por Sócrates, em sua juventude, ao lê-la na fachada no oráculo de Delfos.
Podemos dizer, ainda, que, para Sócrates, o objetivo último da busca da
verdade não está na mera satisfação da curiosidade, mas na assimilação de
conhecimentos para poder agir bem e para o bem, alcançando, desse modo,
a excelência humana. Por esse motivo, sua ética é considerada como uma
ética racionalista.

Platão

Figura 02: Platão

Discípulo e herdeiro do pensamento socrático, Platão sustenta que a


verdadeira moral é um conhecimento que deve conduzir, ao mesmo tempo,
a vida do indivíduo e a vida da comunidade, ou seja, a vida do cidadão e da

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pólis (“cidade” em grego).

Ele propõe um modelo ideal, uma utopia, um desenho perfeito


elaborado pela razão, destinado a servir de ponto de referência para todos
aqueles que pretendam reformar os costumes e as instituições com o
objetivo de melhorar a vida humana individual e social. Tal descrição está
exposta em sua obra intitulada A República, na qual pretende demonstrar
sua visão de justiça. Para ele, a virtude da justiça se apresenta como virtude
que acolhe e harmoniza todo o conjunto da cidade e todos os elementos
que conformam o indivíduo. Platão afirma que aqueles que se encontrarem
de cheio com o bem em si, adquirirão um tipo de conhecimento superior,
uma ciência do bem, que os capacitará de tal forma a governar com retidão
e justiça nos assuntos da pólis-cidade. Talvez uma das frases mais marcantes
da obra platônica aqui citada seja esta:

"Ora, a maior punição no caso de alguém que não deseja governar é


ser governado por alguém pior do que ele próprio."

(PLATÃO, 2005, p. 63.)

Daí a importância defendida por Platão de que o verdadeiro cidadão é


aquele que se interessa e cuida dos interesses da cidade, da coletividade, e
não apenas de seus próprios interesses e necessidades. Como o indivíduo
não consegue, por si mesmo, aproximar-se da perfeição, ele precisaria do
Estado – ou Comunidade Política – para construir-se e desenvolver-se. Em
outras palavras, “o homem é bom enquanto bom cidadão”.

Eudemonismo

Eudemonismo do grego antigo εὐδαιμονισμός. Trata-se de uma


doutrina filosófica que assume a felicidade (eudaimonia, em grego) como
fundamento e princípio para uma vida moral. Nesse sistema, a felicidade

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ocupa o lugar central e influencia diretamente todo agir humano. Esse


sistema compreende a felicidade como uma “satisfação espiritual
duradoura”, que seria uma espécie de estado permanente de calma e de
contentamento. Como adiantamos, o filósofo grego Aristóteles sustentava
essa tese e chegava a asseverar que o comportamento ideal estava
assentado nas práticas que conduziam o indivíduo ao objetivo final, que
seria esse alto nível de felicidade ou bem-estar. A felicidade não seria, em
Aristóteles, um estado subjetivo, mas um modo de vida, em que se exercem
determinadas virtudes.

Com base nessa sua concepção, ele considera que a moral do cidadão
individual se realiza da melhor maneira, à medida que ele busca – enquanto
realiza seus interesses – os interesses do Estado. Isso quer dizer que a moral
da pólis, da cidade, e a moral individual não podem ser concebidas de modo
separado, isto é, a moral individual não se dá à margem da defesa da
promoção dos interesses do coletivo. A ética, nesse sentido, não pode estar
desvinculada da política e o mais alto bem individual, a felicidade, só é
possível em uma pólis cujas leis são justas.

Hedonismo

Etimologicamente, esta palavra pode significar “sistema de prazer”.


Nesse sistema, o prazer é o valor supremo ao qual todos os outros valores
estão subordinados. Estipula que existe apenas um bem para o ser humano,
que é o prazer e apenas um mal que é a dor. Portanto, de modo muito
resumido, o hedonismo pauta a conduta humana, visando à satisfação do
prazer e à fuga da dor. Esta seria, consequentemente, a noção de vida feliz
para esse sistema ético. No entanto, não se trata de um prazer pelo prazer,
como uma proposta defensora de um tipo de libertinagem. Na realidade, o
hedonismo propõe que se evitem os excessos, sofrimentos e desgastes. Para
o hedonismo, a virtude está na disposição da alma em amadurecer os
desejos a ponto de saber escolher os que mais lhe conferirão o maior gozo,

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alegria, a fim de obter o máximo de prazer.

Estoicismo

A ética estoica traz em si o mesmo ponto de partida das demais escolas


gregas clássicas: a busca da felicidade. Esta escola leva esse nome por ter se
originado nos pórticos (stoá, em grego) de Atenas e tem por fundador
Zenão de Cítio (333 a 263 a.C.).

A ética estoica pode ser resumida na seguinte expressão: “suporta e


abstém”. Para o estoicismo, o bem supremo consiste em agir conforme a
virtude e esta, por sua vez, é racional, portanto, trata-se de buscar agir de
acordo com a razão. A virtude mais alta e cara ao estoicismo é a chamada
ataraxia, que quer dizer, a imperturbabilidade, a ausência de perturbação,
tranquilidade. Esse estado de perfeita paz da alma se alcança, conforme
propõe o estoicismo, mediante a libertação das paixões. Para os estoicos,
essa libertação ocorre com a virtude da justiça (julgar corretamente) e da
fortaleza (quando o amor à virtude ajuda a suportar os males e as
adversidades). O bem supremo dos estoicos é viver segundo a natureza, ou
seja, de acordo com a razão, com a consciência do próprio destino e da
função no universo, não se deixando conduzir pelas paixões ou afetos
interiores ou, mesmo, por coisas exteriores.

Utilitarismo

Esta doutrina defende que a felicidade (ou bem supremo) para a qual
deve tender o ser humano deve estar baseada no sentido do “útil”. Em
termos práticos, trata-se de uma espécie de maximização da felicidade, que
busca obter o maior proveito de todos os atos. Por esse motivo, tal sistema
tem sido compreendido como uma forma renovada do hedonismo clássico.

Desse modo, o utilitarismo pode ser sintetizado na sentença: “é bom

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tudo o que é útil”, pois a utilidade passa a ser o seu princípio moral, a fim de
obter a maior felicidade possível. Assim entendida, a conduta humana se
dirige para um sentido de aproveitamento imediato de todas as ações.
Como asseverou, certa vez, um tratadista de Direito Penal, em seu livro Sobre
os delitos e as penas:

"A máxima felicidade possível para o maior número possível de


pessoas."

(BECCARIA, 1764, p.183)

Assim, uma vez que a ética utilitarista se preocupa com o maior proveito
que se possa extrair das suas ações, podemos dizer que se trata, pois, de
uma ética do “sentido prático”.

Assim, até mesmo alguma ação que tenha um caráter espiritual, para o
utilitarismo, traz em seu bojo um meio de se alcançar alguma outra
finalidade mais útil e prática, como um conforto e tranquilidade pessoal. Ou
um ato de filantropia e de abnegação que, no seu fim, busca ostentar uma
boa figura pública e receber admiração. Nesse sentido, é uma doutrina
consequencialista, pois sustenta que as ações têm valor em relação à
bondade ou à maldade que trazem. Seria como se se fizesse um cálculo dos
benefícios que uma ação acarretará e se estes serão maiores que os
malefícios. Caso se confirme essa “aritmética dos prazeres” (Jeremy
Bentham), a ação poderá ser tida como útil, boa e aceitável. O utilitarismo é,
pois, a corrente filosófica mais ampla do pragmatismo. Seus principais
representantes foram Jeremy Bentham (17428-1832) e John Stuart Mill
(1806-1873).

Sociologismo

A moral sociológica, criada por Auguste Comte e desenvolvida por

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Emile Durkheim, trata de reduzir a moral ao estudo dos costumes, leis e


instituições humanas. Nesse sentido, essa escola entende que não existe o
bom ou mau propriamente dito, senão que fala mais naquilo que estaria ou
não conforme o modo de agir de determinado meio social. Assim, para o
sociologismo, é a sociedade que faz o homem.

Ética Kantiana

Immanuel Kant foi um filósofo alemão que viveu entre os anos 1724 e
1804. Possivelmente, o mais famoso e importante entre os filósofos
modernos. Sua teoria consiste em empreender uma refutação das teses que
lhes eram anteriores, em particular, da doutrina moral de tipo empirista,
como também das baseadas na metafísica ou nas tendências naturais do
homem. Visa a demonstrar a necessidade de que a teoria da conduta
repousa sobre considerações de ordem racional e validez apriorística, ou
seja, anterior à experiência. Kant defende que a ética deve ser válida para
todos os seres humanos e que o ser humano, por seu turno, deve se dirigir
pela razão. Consequentemente, o nível moral deve estar assentado em um
horizonte superior ao dos bens empíricos, num plano racional e a priori.

A ética de Kant é considerada

"A mais perfeita expressão da ética moderna."

(VASQUEZ, 2001, p. 283.)

Para ele, o fundamento da moral e do agir ético é puramente respeito


ao dever. Isso quer dizer que uma pessoa adquire valor moral, não tanto por
aquilo que faz, mas pela intenção com que faz aquilo que faz. Ou seja, essa
tese leva em conta o aspecto interno da atividade do homem, referindo-se
ao valor da ação com relação à qualidade dos propósitos. Desse modo, o
objeto da moral kantiana é o que chama de boa vontade, que significa,

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resumidamente, uma reta intenção para agir bem. Kant compreende a boa
vontade como “boa em si mesma”.

Dito de outro modo, em Kant tem-se a noção de que não existe o bem
em si, mas que cada um o cria mediante a boa vontade (a priori). É boa
vontade o agir por puro respeito ao dever, sem razões outras que não seja o
cumprimento do dever ou perceber-se sujeito à lei moral (razão,
consciência). Por este motivo, Kant compreende a boa vontade como
absoluta e universal.

"A benevolência é a satisfação com a felicidade (bem-estar) dos


outros; a beneficência, porém, é a máxima de fazer a felicidade dos outros
o próprio fim, e o dever a este correspondente consiste em ser o sujeito
constrangido por sua razão a adorar esta máxima como uma lei universal."

(KANT, 2008, p. 296.)

Existe, ainda, uma expressão propriamente da filosofia kantiana que é o


imperativo categórico. Esse é um princípio que entende que a conduta do
agir de uma pessoa seja tal que possa ser permitida e realizada por qualquer
outra pessoa. Esta é a noção kantiana de igualdade moral. É imperativo
porque tem a ver com a ideia de ser um mandato ético ao qual se deve
obedecer e categórico porque não está condicionado a nenhum outro
princípio. Uma das principais fórmulas sob as quais se apresenta o
imperativo categórico kantiano é a seguinte:

"Age de tal maneira que a máxima de tua ação possa se converter em


lei universal."

(KANT, 2004, p.31)

Ou ainda:

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"Age de tal modo que possa considerar a ti mesmo e aos demais,


como fim, não como meio."

(KANT, 2004, p.31)

Por isso, a ética kantiana não pressupõe ou determina este ou aquele


ato ou comportamento, mas estipula, de um modo universal, como deveria
ser a conduta.

Um outro aspecto ainda determinante na ética kantiana e seu


imperativo categórico é que ele confere ao indivíduo uma autonomia
completa. O ser humano deve agir por si mesmo, de acordo com o dever
emanado de sua própria razão. Deve construir, por vontade própria, as
formas de sua conduta. Como conclui em sua obra Crítica da razão prática:

"Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre


novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com maior assiduidade
delas se ocupa a reflexão: O céu estrelado sobre mim e a lei moral em
mim."

(KANT, 2004, p. 183.)

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Visão Contemporânea
Objetivo: Abordar o debate atual sobre ética.

Antes de entrar, mais propriamente, na questão da ética no serviço


público, convém destacar algumas visões do estudo da ética na
contemporaneidade, como forma de apresentar alternativas ou visões novas
para o paradigma clássico e moderno da axiologia. Várias são as correntes e
pensadores atuais. Em particular, para fins deste estudo, destacamos:

Max Scheler (1874 - 1928)

Um dos principais axiólogos do século XX. Sua principal obra se intitula


Ética. Nela, Scheler descreve que o dever não é o que fundamenta o valor,
mas, ao contrário, que o valor é que fundamenta o dever. Ou seja, ele
defende que existe uma materialidade e objetividade nos valores, o que vai
na contrariedade do formalismo kantiano. Segundo Scheler, os valores são
conhecidos mediante a intuição, não sendo acessíveis à razão. Desse modo,
temos que os valores, para Scheler: são qualidades ideais, isto é, não são
reais; são objetivos, ou seja, dão-se independentemente de serem
conhecidos; são transcendentes e materiais.

Figura 03: Max Scheler

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Ética e Serviço Público – Módulo 01

Thomas Nagel (1937-)

Figura 04: Thomas Nagel

Esse filósofo americano, à diferença das teses precedentes, não busca


justificar a ação moral, mas procura explicar porque justificações tipicamente
morais são, segundo seus termos, “capazes de nos seduzir”. O cético moral
nega-se a ser persuadido por argumentos ou razões morais. Para ele, não
basta produzir a crença de que certas proposições são verdadeiras. Uma
possível estratégia seja demonstrar que

"tal ceticismo está em radical conflito com as intuições práticas às


quais cada um está sujeito e que são suscetíveis de sistematização."

(NAGEL, 1970, p. 144.)

Esse autor sustenta que, assim como existem as exigências racionais


para o pensamento, também existem as exigências para a ação, sendo o
altruísmo uma delas. Nagel entende altruísmo como

"a vontade de agir em consideração do interesse de outras pessoas,


sem necessidade de outros motivos ulteriores."

(NAGEL, 1970, p. 79.)

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Posto que, para Nagel, o altruísmo é uma condição da racionalidade, ele


estaria subjacente à ética, não como meramente um sentimento, senão que
dependente do reconhecimento dos outros e dependente de ver a si mesmo
como um simples indivíduo entre muitos.

De certa forma, Nagel se une à tese de Kant do seu imperativo


categórico, no sentido em que procura descobrir exigências para a ação que
se aplique ao ser humano, sem nenhuma condição sobre o que quer ou
sente, ou seja, sem envolver sentimento ou vontade, mas, apenas,
racionalidade. Finalmente, Thomas Nagel sustenta em favor do altruísmo
argumentando que os interesses e a felicidade humana têm valor como fins
e que tal valor deve ser concebido como algo objetivo, pois assim

"significará que os fins são objetos racionais de atenção comum a


todos."

(NAGEL, 1970, p. 97.)

Jürgen Habermas (1929 -)

Figura 05: Jürgen Habermas

Por seu turno, o filósofo alemão Habermas pretende, também, uma


justificação das normas morais, de ordem objetivas e universais. Entretanto,
diferentemente de Kant, ele pensa que as argumentações morais devem sair
do âmbito da subjetividade e da individualidade, para se instalarem no

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espaço intersubjetivo, a partir do qual possam abordar a tarefa da


justificação da universalidade e da objetividade da moral. Segundo ele, não é
suficiente elaborar um ponto de vista moral que assegure a imparcialidade e
que as pessoas aceitem adotá-lo enquanto seres livres e iguais.

As argumentações morais, conforme ele, somente são possíveis de


serem resolvidas, através do diálogo, como resultado da cooperação.
Habermas defende o pluralismo cultural, ou seja, existe uma multiplicidade
de perspectivas interpretativas, sendo essa a razão pela qual o significado do
princípio de universalização não fica suficientemente esgotado por nenhuma
reflexão monológica (pensamento individual). Assim, para universalizar as
normas de um modo adequado, não basta uma reflexão pessoal, em que
tentamos imaginar um ponto de vista em que todos compartilhariam.

Habermas ensaia fundamentar sua ética através da lógica da


argumentação moral. Com isso, a fundamentação da ética só é possível se
pudermos observar, previamente, que se produzem de fato argumentações
morais – o que ele chama de mundo da vida –, isto é, na vida corrente,
cotidiana. Dessa maneira, antes de iniciar a fundamentação, é preciso
constatar que os fenômenos morais são produzidos na vida dos seres
humanos, que em suas ações comunicativas manifestam pretensões de
validade das normas morais. Resumindo, a ética habermasiana é concebida
como uma explicação de um certo tipo de fenômeno: a validade das normas
e das pretensões de validade que realizamos quando falamos sobre as
normas.

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REFERÊNCIAS
• ANTUNES, Celso. A arte de comunicar. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

• BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. rev. e ampl. Rio de


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• BELTRÃO, O. Correspondência: linguagem e comunicação. 16. ed. São


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